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Sábado, 26 de abril de 2014 I Série — Número 77

XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)

REUNIÃOPLENÁRIADE24DEABRILDE 2014

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei

n.os

218 e 219/XII (3.ª), dos projetos de lei n.os

558 e 559/XII (3.ª) e do projeto de resolução n.º 1017/XII (3.ª).

Procedeu-se a um debate sobre a reforma do ordenamento do território e a titularidade dos recursos hídricos, da iniciativa do PSD, conjuntamente, na generalidade, com o projeto de lei n.º 557/XII (3.ª) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos (PSD e CDS-PP), que foi aprovado.

Intervieram, a diverso título, além dos Secretários de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza (Miguel de Castro Neto) e do Ambiente (Paulo Lemos), os Deputados Adriano Rafael Moreira (PSD), Pedro Farmhouse (PS), Paula Santos (PCP), Miguel Freitas (PS), José Lino Ramos (CDS-PP), Ângela Guerra (PSD), Miguel Tiago (PCP), João Gonçalves Pereira (CDS-PP), Ramos Preto (PS), Heloísa Apolónia (Os Verdes), António Prôa (PSD), Luís Fazenda (BE), Bruno Coimbra (PSD), Pedro Morais Soares (CDS-PP) e Maurício Marques e Pedro do Ó

Ramos (PSD). Foi aprovado o projeto de resolução n.º 1013/XII (3.ª) —

Deslocação do Presidente da República à República Popular da China (Presidente da AR).

Foi também aprovado o texto de substituição, apresentado pela Comissão de Agricultura e Mar, relativo aos projetos de resolução n.

os 84/XII (1.ª) — Recomenda ao

Governo a criação e implementação de um programa de revitalização dos montados de sobro e azinho (CDS-PP), 867/XII (3.ª) — A revitalização do montado e a importância de uma dinâmica concertada, por parte da sociedade civil, criada pelo Livro Verde para os Montados (PS), 882/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo medidas de proteção e valorização do montado (sobreiro e azinheira) (BE), 886/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo o cumprimento da Resolução da Assembleia da República n.º 26/2007 (Defender o montado, valorizar a fileira da cortiça) (PCP) e 917/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo medidas que protejam o montado (PSD).

O Presidente (António Filipe) encerrou a sessão às 17 horas e 25 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Podem ser abertas as galerias.

Antes de darmos início à ordem do dia, o Sr. Secretário Duarte Pacheco vai fazer o favor de ler o

expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os

218/XII (3.ª) — Procede à primeira

alteração ao Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado em anexo à Lei n.º

145/99, de 1 de setembro, que baixa à 1.ª Comissão, e 219/XII (3.ª) — Procede à primeira alteração à Lei n.º

36/2013, de 12 de junho, que aprova o regime de garantia de qualidade e segurança dos órgãos de origem

humana destinados a transplantação no corpo humano, de forma a assegurar a proteção da saúde humana,

transpondo a Diretiva de Execução n.º 2012/25/UE, da Comissão, de 9 de outubro de 2012, que estabelece

procedimentos de informação para o intercâmbio, que baixa à 9.ª Comissão; projetos de lei n.os

558/XII (3.ª) —

Procede à primeira alteração à Lei n.º 47/2006, de 28 de Agosto, densificando o regime de empréstimos de

manuais escolares e assegurando a sua articulação com regime de ação social escolar no ensino básico e

secundário e com as competências das autarquias locais na matéria (PS) e 559/XII (3.ª) — Estabelece o

número mínimo e máximo de alunos por turma (PS), que baixam à 8.ª Comissão; e projeto de resolução n.º

1017/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo que assegure a amarração a Portugal do cabo submarino de fibra

ótica que ligará o Brasil à Europa e promova as condições necessárias para o aproveitamento das

potencialidades desta ligação (PS), que baixa à 12.ª Comissão.

Em termos de expediente, é tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Muito obrigada, Sr. Deputado Duarte Pacheco.

Vamos, então, iniciar o primeiro ponto da ordem do dia de hoje, que, por agendamento potestativo do PSD,

será preenchido com um debate sobre a reforma do ordenamento do território e a titularidade dos recursos

hídricos conjuntamente, na generalidade, com o projeto de lei n.º 557/XII (3.ª) — Procede à segunda alteração

à Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos (PSD e CDS-PP).

Para apresentar o diploma em discussão, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira, do PSD.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr. Secretário de

Estado, Srs. Deputados: O ordenamento do território e o domínio público hídrico irão ser objeto das

numerosas intervenções que teremos oportunidade de ouvir nesta sessão plenária.

Na ordem do dia consta que hoje se debate nesta Câmara uma reforma. Acreditamos que, no fim dos

trabalhos, essa será a opinião de todos os que irão participar ou assistir ao debate.

O ano de 2014, o Governo e os Deputados que compõem esta Câmara ficarão definitivamente identificados

com algumas das maiores reformas no domínio dos temas hoje em debate.

O ano iniciou-se com a conclusão do processo legislativo e a aprovação final da nova Lei de Bases do

Ambiente (LBA). É a segunda LBA do País e, tal como a primeira, de 1987, foi pensada para vigorar, no

mínimo, por uma geração. O processo legislativo foi longo, com mais de um ano de trabalhos parlamentares.

Concluídos os trabalhos, o Parlamento deixa ao País uma lei que, com apenas 23 artigos, substitui a palavra

proibir pela palavra sustentabilidade, reconhecendo-se e assumindo-se que hoje existe uma consciência

ambiental que tal permite; uma lei que contém apenas 23 artigos mas que não esqueceu ou excluiu nenhuma

área de política ambiental e que contou, na sua elaboração, com a participação de todos os grupos

parlamentares sem exceção.

Foram incorporadas, no texto inicial, 29 propostas de alteração de todos os partidos políticos. É, assim, um

texto legislativo que, resultando de um compromisso entre todos os grupos parlamentares, porque todos

contribuíram para a sua redação final,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não é verdade!

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O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — … representa a sociedade e as suas preocupações no domínio

ambiental.

Aplausos do PSD.

Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, tal como a LBA, também a lei de bases da política de solos, de

ordenamento do território e de urbanismo, cujo processo legislativo ainda corre no Parlamento, representa

uma verdadeira reforma, uma nova visão, um novo paradigma.

A lei dos solos ainda vigente, em vésperas de celebrar os 40 anos, cumpriu o seu papel, mas impõe-se a

criação de uma lei que integre a atual realidade social, económica e ambiental e que constitua um quadro

jurídico que sirva o País e os portugueses nas próximas décadas.

É uma lei ambiciosa, que, através da integração das referidas realidades mas também das novas políticas

ambientais da já referida LBA, enquadra juridicamente a política de solos, do ordenamento do território e do

urbanismo. Constitui também um grande desafio, ao impor ao Governo a responsabilidade de, no prazo de

seis meses, aprovar três diplomas complementares — o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial

(RJIGT); o regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE); e o regime jurídico do registo e inscrição dos

imóveis, este último ainda sem direito a título, aguardando que o Partido Socialista esclareça a dúvida que o

assaltou quanto à denominação mais adequada para o diploma.

Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, as reformas legislativas que hoje debatemos incidem sobre domínios

cuja estabilidade legislativa é uma imagem de marca. As leis revogadas vigoraram mais de uma geração e as

novas propõem-se ter a mesma longevidade, mas o domínio onde esta estabilidade jurídica — ou, por que

não, segurança jurídica — é bem visível, sem dúvida por ser esse o desejo do legislador e dos cidadãos, é no

regime jurídico do domínio público hídrico. Os princípios, as definições e os conteúdos normativos que hoje

debatemos comemoram 150 anos de vigência no próximo dia 31 de dezembro. Foram objeto de estudo de

várias gerações de alunos, professores e juristas e constituem um exemplo de estabilidade e segurança

jurídicas.

Esse diploma representou, nesse longínquo ano de 1864, uma inovação jurídica e legislativa que colocou

Portugal na vanguarda das políticas ambientais, da proteção de pessoas e bens e da boa gestão do

património do Estado. Mas, tal como aconteceu com muitas outras grandes reformas legislativas, os efeitos

pretendidos ficaram muito aquém dos objetivos dos seus autores.

Em 1971, o regime jurídico foi revisto, atualizado e unificado, considerando-se que o direito vigente já há

mais de 100 anos estava antiquado e disperso, não satisfazendo as necessidades da época. Foi, então,

publicado o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro.

Propôs-se, com o rigor possível, estabelecer um regime dos terrenos públicos conexos com águas

públicas, ou seja, leitos, margens e zonas adjacentes. Um grande desafio, que, poucas linhas depois, fica

melhor esclarecido ao ler-se que «quanto aos leitos e às margens, foram acolhidas as noções tradicionais»,

pelo que, acrescenta, «os preceitos que definem o estatuto público ou privado dos terrenos que integram os

leitos, margens e zonas adjacentes (…) não alteram, no essencial, o regime vigente». Assim, continuaram em

vigor por mais um quarto de século as regras de 1864.

Em 2005, o Governo enviou à Assembleia da República uma proposta de lei que inicia a exposição de

motivos com a seguinte frase: «o atual regime jurídico da titularidade dos recursos hídricos é disperso por

vários diplomas e não corresponde à realidade atual». Decorridos quase 35 anos sobre o decreto-lei de 1971,

que na prática, como ouvimos, prorrogou o regime de 1864, o Governo de então lançou-se na empreitada de

aprovar um novo regime jurídico.

Além da mesma fundamentação, o mesmo objetivo do legislador de 1971, dizendo o Governo que

ponderou até a possibilidade de manter o Decreto-lei n.º 468/71, que considerava um diploma de elevada

qualidade técnica.

Reconheceu-se, em 2005, que a proteção dos direitos privados não deveria ir tão longe como esse regime

previa, que pudesse gerar instabilidade na base dominial. Alterou-se, então, o regime, estabelecendo-se um

limite temporal, até 2014, para reivindicação de direitos privados. Ou seja, nada melhor para o Governo de

2005 do que comemorar em 2014 os 150 anos do regime jurídico do domínio público hídrico através da

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nacionalização definitiva e irrevogável de todos os terrenos que, através de sentença judicial, não viessem a

ser declarados privados.

Chegados a 2014, feita a análise dos efeitos da lei de 2005, a surpresa foi enorme. São numerosas as

comunicações e as notícias dando-nos nota de que nada aconteceu, que tudo continua como em 2005, que o

mesmo é dizer como em 1971, ou, melhor, como em 1874.

Face a esta realidade, o Parlamento chamou a si a responsabilidade de resolver os problemas identificados

e estudados por várias gerações e que se arrastam desde o século XIX. É com este propósito que

apresentamos o presente projeto de lei.

O objetivo é efetuar apenas as alterações necessárias a um regime jurídico que, como começa por dizer o

projeto de lei na sua exposição de motivos, remonta a 31 de dezembro de 1864. Estas alterações incidem

apenas sobre a definição dos requisitos e prazos necessários para o reconhecimento da propriedade sobre

leitos e margens de águas, alterações que se pretende que venham a ser eficazes na resolução dos

problemas que numerosas instituições e cidadãos fizeram chegar ao conhecimento do Parlamento,

salvaguardando sempre o superior interesse público mas respeitando e salvaguardando também os legítimos

interesses dos privados.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro Farmhouse,

do PS, e Paula Santos, do PCP, a quem o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira pretende responder

conjuntamente.

Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Pedro Farmhouse.

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira, obviamente, não

poderia deixar passar em claro as suas afirmações sobre a Lei de Bases do Ambiente, porque não é verdade

que recolha um forte consenso a lei de bases que há pouco foi publicada em Diário da República e que esteve

vários meses nesta Casa a ser discutida.

É bom que haja memória. Em 1987, a então Lei de Bases do Ambiente foi aprovada com um largo

consenso — essa, sim —, tendo o CDS votado contra e todos os outros partidos a favor. Curiosamente, quem

trouxe aqui, da parte do Governo, a primeira versão da Lei de Bases do Ambiente foi uma Ministra do CDS, a

Ministra Assunção Cristas.

O Sr. Deputado vem aqui dizer que é uma lei enxuta, curta, apenas com 23 artigos, e que isso é bom. É

uma lei que permite tudo ou nada, que permite inclusivamente privatizar a água, não ficando essa matéria

claramente definida na Lei de Bases do Ambiente.

O Sr. Ramos Preto (PS). – Muito bem!

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Digo isto com toda a propriedade, porque uma das primeiras leis que VV.

Ex.as

aprovaram nesta Casa foi exatamente o diploma de alteração à delimitação de setores, abrindo aos

privados tanto o setor das águas como o setor dos resíduos.

É bom não ter memória curta: a proposta de lei n.º 123/XII (2.ª) referia-se à delimitação de setores e,

simultaneamente, a proposta de lei n.º 125/XII (2.ª) alterava os estatutos da Entidade Reguladora dos Serviços

de Águas e Resíduos. Curiosamente, só depois disso foi aprovada a Lei de Bases do Ambiente, que esteve

bastante tempo a ser ponderada.

A verdade é que essa Lei de Bases do Ambiente reflete apenas a vontade da atual maioria conjuntural,

PSD e CDS, em relação às questões do ambiente.

O PS não pode deixar passar em claro neste debate que a Lei de Bases do Ambiente é apenas da

responsabilidade do PSD e do CDS, sendo que, na nossa opinião, como tivemos oportunidade de dizer, não

salvaguarda a defesa do ambiente, não salvaguarda as questões essenciais nesta área. Por isso, não deixa

de ser curioso que esta lei mais pareça a proposta que, provavelmente, o CDS gostaria de ter aprovado em

1987 do que uma proposta de lei de bases do ambiente de 2014.

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E não deixa de ser curioso também que, apesar dos esforços do Ministro Moreira da Silva para tentar

mitigar os estragos da anterior proposta de lei, a Lei de Bases do Ambiente apenas represente um retrocesso

nas questões ambientais.

Aliás, não deixa de ser ainda curioso que seja o PSD que a defende e que faz dela bandeira, mas não tem

o consenso alargado nem a perspetiva de durar 27 anos, tal como a anterior lei de 1987 durou, porque teve a

oportunidade de ter um largo consenso entre os partidos.

É bom que se saiba que aquilo que o PS defendeu nesta matéria, em sede de discussão na especialidade,

previa, entre outras matérias, que a lei não podia ser uma «lei branca», uma lei de tal maneira simplista e

minimalista que o ex-Provedor de Justiça afirmou nas audições na Comissão que esta era um bom exemplo

de uma lei ultraliberal na área do ambiente.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta é da Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Deputado

Adriano Rafael Moreira, ouvindo a sua intervenção inicial, parecia que o tema do debate era outro e não o das

alterações ao domínio público hídrico. Só no final da sua intervenção é que deu um pequeno «cheirinho»

daquilo que o PSD trazia, mas sem, efetivamente, esclarecer o porquê destas soluções, e não de outras, para

resolver este problema.

Mas já que o Sr. Deputado, na sua intervenção, abriu a porta a outras questões, queria só deixar aqui bem

claro o seguinte: na Lei de Bases do Ambiente que foi aprovada não há uma única proposta do PCP,…

O Sr. Ramos Preto (PS): — Mas é que não! Mas é que não!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … o que se compreende bem, porque, de facto, temos uma visão muito

divergente do que deve ser o ambiente, a salvaguarda da natureza e a sua conservação no nosso País.

Indo agora ao concreto da questão que nos trouxe ao debate, e já que o Sr. Deputado falou tão pouco,

quero fazer-lhe uma pergunta.

O Sr. Deputado, da tribuna, referiu que as alterações efetuadas foram apenas as necessárias, e disse

também que elas vão no sentido de salvaguardar o superior interesse público. A questão que quero formular é

como é que o Sr. Deputado pretende salvaguardar o superior interesse público quando propõe que o

reconhecimento da propriedade privada pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido,

nomeadamente quando ocupem as margens dos cursos de água não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da

Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Bem lembrado!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Ou seja, não é preciso fazer qualquer prova?

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Administrativa!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Quando estamos a falar na área marítima e nos estuários não é preciso

qualquer prova e as pessoas assumem que essa é a sua propriedade?

O Sr. Ramos Preto (PS): — Claro!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Deputado, gostaria que esclarecesse essa questão. Efetivamente, o que

é que está aqui subjacente e o que pretendem com esta alteração? É que isto abre espaço para a apropriação

privada de um conjunto de bens públicos. Lembro o caso das barragens, por exemplo.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Deputado, estas eram as questões concretas que gostaria de lhe

colocar e gostaria que fosse muito claro na resposta, porque o problema de que estamos a falar é um

problema sério, que afeta muitas pessoas, muitos pequenos agricultores, e é importante que, na salvaguarda

dos seus interesses, o superior interesse público seja efetivamente salvaguardado, na prática e não só na

teoria.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, os meus cumprimentos e

agradecimentos pelas questões colocadas.

Começo pela questão comum sobre a Lei de Bases do Ambiente. Consta dos trabalhos, que duraram um

ano, e está registado em ata que todos os partidos da oposição apresentaram propostas de alteração e viram

algumas dessas propostas ser aprovadas.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Mas não foram consideradas!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr.ª Deputada Paula Santos, do Partido Comunista, teremos todo

o prazer em remeter-lhe cópia da proposta que V. Ex.ª apresentou, em representação do seu grupo

parlamentar, que foi aprovada e consta do texto da nova Lei de Bases do Ambiente. Portanto, esta Lei teve o

punho de todos os grupos parlamentares.

Vozes do PCP: — Isso não é verdade!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — É um compromisso e, como todos os compromissos, não colhe a

vontade única de nenhum grupo parlamentar, colhe a vontade coletiva.

Mas, Sr.ª Deputada, o que aconteceu relativamente ao seu grupo parlamentar, quintuplicou em relação ao

PS. Portanto, não se surpreenda! Até o PS, que viu o quíntuplo das suas propostas aprovadas, nega que isso

tenha acontecido.

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Mas que grande aldrabice!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr.ª Deputada, quanto a isso, remeto-a, ao Sr. Deputado Pedro

Farmhouse e todos os outros Srs. Deputados, para os trabalhos, na especialidade, da Lei de Bases do

Ambiente.

Para concluir esta resposta, vou dividi-la em duas questões distintas. Em primeiro lugar, e para finalizar o

esclarecimento sobre a lei de bases do ambiente, respondo à questão da privatização da água.

Sr. Deputado Pedro Farmhouse, V. Ex.ª enche a boca com esse chavão sabendo que é mentira. No

entanto, acha que, com isso, ganhará alguns votos junto de alguém menos informado. O Sr. Deputado sabe

que a Lei de Bases do Ambiente não trata de absolutamente nada de privatizações!

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — E no que à água diz respeito, o Governo já foi claro. Já foi dito

nesta Casa dezenas de vezes que aquilo que V. Ex.ª diz é mentira,…

Vozes do PSD: — Exatamente!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — … mas não podemos fazer mais do que respeitar, pois estamos

na Casa da democracia, onde, infelizmente, até mentir é possível.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Que é o seu caso!

Protestos do Deputado do PSD Pedro do Ó Ramos.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Relativamente à Sr.ª Deputada Paula Santos, trata-se de uma

questão concreta, que se refere à exceção da alínea b) do n.º 5 do artigo 15.º, em relação à qual faço duas

abordagens.

A primeira é um desafio que lanço a V. Ex.ª, ao seu grupo parlamentar e a todos os outros para que

colaborem ativamente no debate desta lei, na fase da especialidade, contribuindo com propostas, com

sugestões, com melhorias. Depois, podem negar a autoria e negar que participaram na lei. Não há problema,

aceitaremos sugestões que impliquem melhorias e serão acolhidas

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — E vamos apresentar!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Deputada, amanhã, teremos muito orgulho em dizer que V.

Ex.ª colaborou.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Mais vale cair em graça do que ser engraçado!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Relativamente à exceção que escolheu, a Sr.ª Deputada teve

azar. E porquê? Porque escolheu aquela que resulta da lei que já existe: a exclusão das águas que não são

tuteladas ou que não estão sob jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias sempre tiveram um regime

especial. Agora, o que V. Ex.ª não pode confundir é a necessidade de recurso aos tribunais com a

necessidade de meios de prova.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas são mesmo esses que interessam para a jurisdição!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Mas, Sr.ª Deputada, no debate na especialidade, terei toda a

oportunidade de lhe explicar em detalhe, para que V. Ex.ª se alie e vote favoravelmente esta lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Apresentam um projeto em que nem sabem a jurisdição!

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Freitas, do PS.

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Discutimos hoje

um projeto de lei que altera o regime do domínio público hídrico.

Reconhecemos que a lei em vigor tinha prazos exíguos para a sua concretização e que pedia meios de

prova excessivos aos particulares.

Por isso mesmo, há cerca de um ano, o Partido Socialista decidiu reabrir esse processo, apresentando à

Assembleia da República um projeto de resolução e um projeto de lei, tendo por objetivo alargar os prazos

para o reconhecimento de titularidade, evoluir quanto aos meios de prova e, além disso, para uma campanha

de informação junto das autarquias, municípios e freguesias.

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Além desse, tínhamos um outro grande objetivo: exigir à Administração que concretizasse o instrumento de

delimitação do domínio público hídrico. Eram estes os objetivos que o PS tinha quando reabriu este processo.

Sobre essa matéria, no momento certo, chegámos a acordo com as bancadas do PSD e do CDS sobre a

necessidade de prolongarmos o prazo.

Vimos o projeto de resolução aprovado pela maioria e, portanto, demonstrámos, nessa altura, que, de

facto, era possível encontrar um largo consenso neste Plenário relativamente à questão do domínio público

hídrico, com o sentido de, acima de tudo, não deixar apenas e só aos privados e aos particulares o ónus de

todo este processo e dar o tempo necessário à Administração para concretizar todos os instrumentos

administrativos para que a lei fosse exequível.

Esta lei traduz-se em quatro questões: primeira, interesse público do Estado; segunda, taxas; terceira,

indeminizações; quarta, investimento público no litoral. São estas quatro questões que, se me permitem,

gostava, agora de abordar.

Em primeiro lugar, no território nacional não há zona mais importante, do ponto de vista da prevalência do

interesse público, do que o domínio público hídrico. É no domínio público hídrico que está o principal garante,

a principal proteção de todo o território nacional.

Por outro lado, esta é a zona onde existe maior risco para pessoas e bens, particularmente nas zonas de

risco de erosão e nas zonas inundáveis. Portanto, há aqui uma necessidade absoluta de manter a prevalência

do interesse público, reconhecendo nós que era e é necessário compatibilizar o interesse público com os

interesses particulares, privados, que são, naturalmente, interesses legítimos.

Esta lei traduz-se também em taxas, que são receitas do Estado que têm a ver com o uso por particulares

de algo que é de todos.

Finalmente, traduz-se também em indeminizações, que se concretizam quando o Estado precisa de

desafetar terrenos privados do domínio público, desocupando, portanto, esses terrenos, prevalecendo,

também aí, o interesse público.

De resto, como sabemos, há também um permanente e avultado investimento público. Esta é a zona onde,

agora, está em curso um investimento de cerca de 280 milhões de euros, o que significa que, para

salvaguardarmos os interesses e os bens das pessoas, o Estado tem de pagar, tem de investir de forma

avultada. É também neste quadro que devemos discutir esta lei.

Do nosso ponto de vista, estamos a passar de uma lei, de 2005, que tinha um desequilíbrio favorável ao

Estado, colocando toda a responsabilidade nos particulares. Ora bem, o que julgamos que deve ser feito?

Deve haver um reequilíbrio no sentido de compatibilizar as questões do interesse público com o privado e o

agente principal desse reequilíbrio deve ser a autoridade pública. Por isso, consideramos que não devemos

deixar cair os prazos.

Este projeto de lei apresentado pela maioria deixa cair os prazos e consideramos que deve haver um

prazo. Deve, em primeiro lugar, haver um prazo para a Administração. Porquê? Porque tem de ser dado um

sinal claro de que esta questão do reconhecimento da propriedade privada em domínio público hídrico

continua a ser uma prioridade para o Estado. Não podemos dar um sinal à sociedade portuguesa de que esta

não é uma prioridade para o Estado. Em segundo lugar, porque precisamos de garantir a estabilização jurídica

dos terrenos no domínio público hídrico.

Portanto, o primeiro agente a quem devemos dar esse sinal é à Administração, à autoridade pública

responsável por esta matéria.

Por isso, defendemos que deve haver um prazo para a Administração fazer a delimitação do domínio

público hídrico.

Na lei de 2005, eram os privados que tinham de provar que as parcelas eram suas. O Estado presumia-se

dono de todo o território, sem nenhum esforço. Ora, aquilo que julgamos é que o Estado, ele próprio, também

deve ter responsabilidade em saber o que é dele.

Na sequência da fixação do prazo para a autoridade, julgamos que também deve haver um prazo, um

prazo adequado, que responsabilize os particulares relativamente àquilo que é a titularidade dos seus

terrenos.

Por outro lado, somos favoráveis à agilização dos procedimentos, nomeadamente nas zonas urbanas

consolidadas. Nas zonas urbanas consolidadas, este projeto de lei encontra uma solução que nos parece ir no

bom sentido.

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Devemos, naturalmente, evoluir para essa via e, por outro lado, com esta proposta em discussão, devemos

evoluir para uma via que seja essencialmente administrativa para o reconhecimento da titularidade dos

terrenos em domínio público hídrico.

Devemos responsabilizar os municípios pela ocupação que foi sendo permitida mas que não legitima

situações indevidas.

Portanto, o que julgamos é que temos de blindar também na proposta aquilo que é a possibilidade de, com

esta simplificação, poderem vir a ser reconhecidas como privadas algumas das situações indevidas.

Temos dúvidas, naturalmente, sobre a questão de algumas zonas de rio, isto é, uma das propostas que a

maioria nos traz é também a de criar um regime de exceção para parcelas de rio. Consideramos que, aí, deve

haver sempre o ónus da prova do lado dos proprietários. Caso contrário, corremos o risco de estar a privatizar

uma parte desses terrenos. Nomeadamente, temos um caso concreto, a norte de Vila Franca, no rio Tejo,

onde podemos estar a correr o risco de isso vir a acontecer.

Estas são as questões essenciais que o PS considera que deve fazer evoluir nesta proposta.

Consideramos que a proposta vem no bom sentido. De qualquer maneira, julgamos fundamental que a maioria

mostre disponibilidade para podermos, em sede de especialidade, apresentar propostas e encontrarmos

também aqui, mais uma vez, um largo consenso relativamente à proposta hoje em discussão.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do CDS-PP. Tem a palavra o Sr. Deputado José Lino

Ramos.

O Sr. José Lino Ramos (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados:

Começo por cumprimentar o PSD pela escolha do tema para este agendamento potestativo, porque

dificilmente encontrariam matéria de tanta importância para o nosso futuro enquanto comunidade como a do

ordenamento do território e o que ele comporta.

Em 2011, Portugal era confrontado com uma crise gravíssima, que nos colocava, enquanto comunidade,

numa das encruzilhadas mais determinantes da nossa história.

A grave situação económica e financeira do País, patrocinada, em muito, pelo adiar de reformas

estruturantes nas mais diversas áreas, impôs-nos um pedido formal de ajuda externa.

Portugal era colocado, em praticamente todos os domínios, numa situação de exceção.

O Memorando de Entendimento, acordado com o Estado português e com o Governo português,

estabelecia um conjunto de medidas exigentes, transversais e inadiáveis como condição necessária para

recuperar o crédito externo e, sobretudo, para regressar ao crescimento.

Dada a natureza estruturante das medidas, uma boa execução do programa representaria, e representa, a

realização de reformas estruturais há muito prometidas aos portugueses mas constantemente adiadas. Ora, o

ordenamento do território é uma destas áreas.

Na verdade, e como o Programa do Governo veio contratualizar com os portugueses, um grande desafio

para Portugal é o de olhar para o território como uma oportunidade, uma imensa fonte de riqueza que precisa

de ser valorizada, mas, sobretudo, um fator decisivo de competitividade e de riqueza do País.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. José Lino Ramos (CDS-PP): — Um País empenhado no crescimento económico encontra

seguramente numa boa organização territorial os alicerces sólidos para o seu desenvolvimento. E foi este o

compromisso do Governo. Um compromisso de uma mudança de paradigma, atualizando as políticas de

urbanismo e ordenamento do território; promover o território, enquanto elemento facilitador da mobilidade

social, atualizando os regimes de arrendamento e da reabilitação urbana; promover um território competitivo;

simplificar o modelo institucional de ordenamento do território; diminuir entidades sectoriais com intervenção

no âmbito dos processos de gestão territorial e de gestão urbanística; acabar com as situações de duplas

autorizações e pareceres vinculativos; optar por um único interlocutor para os municípios e para os munícipes;

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simplificar os procedimentos para o licenciamento de obras de reabilitação urbana; estimular e aperfeiçoar a

política de reabilitação urbana.

O diagnóstico era conhecido por todos. De acordo com o Censos 2011, vou lembrar alguns indicadores de

desqualificação territorial particularmente relevantes.

Em Portugal, em 2011, existiam 6 milhões de habitações para 4 milhões de famílias, 800 000 casas

devolutas e, apesar disso, meio milhão de habitações em más condições urbanas, e 75% do nosso parque

habitacional não cumpria as regras de eficiência energética. Verificava-se a existência de território expectante,

classificado como «urbanizável», mas sem qualquer necessidade ou perspetiva de vir a ser edificado, e uma

urbanização dispersa e caótica, e, por via disso, muitas vezes, mal servida de transportes públicos e de

equipamentos sociais generosos.

A reabilitação do edificado existente, na atividade do sector da construção, representa, em Portugal, cerca

de 6%, e, na União Europeia, 37%. Há quatro milhões de proprietários, tendo o crédito à habitação crescido,

nos últimos 20 anos, seis vezes mais do que o rendimento disponível, o que diz muito do endividamento das

famílias. Não existe um verdadeiro mercado de arrendamento e há falta de políticas integradas. Isto era o que

nos dizia o Censos 2011.

É tempo de fazermos um balanço e perspetivarmos o futuro.

Através da Lei n.º 31/2012, o Governo e esta maioria vieram responder aos compromissos assumidos no

Memorando da troica e à necessidade sentida por todos (salientada, por exemplo, no parecer do Conselho

Económico e Social) de se criar um verdadeiro mercado de arrendamento.

Em complemento da lei das rendas, foi aprovado o regime jurídico das obras em prédios arrendados.

A par do arrendamento, o Governo e esta maioria aprovaram medidas destinadas a agilizar e a dinamizar a

reabilitação urbana e, mais recentemente, foi estabelecido um regime excecional e temporário aplicável à

reabilitação de edifícios, como forma de criar um mercado da reabilitação, que é a solução mais económica e

sustentável e que pode dar um valioso contributo para aumentar a atividade das empresas de construção,

fomentar o emprego especializado e repovoar e regenerar os centros das cidades.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. José Lino Ramos (CDS-PP): — Simultaneamente, o Governo assinou com os empresários da

construção um compromisso, onde eram apontadas 52 medidas para dinamizar o sector da reabilitação, a par

de programas como o Reabilitar para Arrendar.

Consagrando uma aposta na reabilitação urbana e na criação de um verdadeiro mercado de arrendamento,

foi elaborada uma nova Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de

Urbanismo.

Simplificando o modelo institucional de ordenamento do território, esta Lei de Bases vem, basicamente,

diminuir as entidades com intervenção no âmbito dos processos de gestão territorial e de gestão urbanística;

acabar com as situações de duplas autorizações e pareceres vinculativos (e quem já desempenhou funções

autárquicas sabe bem o que isto significa); optar por um único interlocutor para os municípios e para os

munícipes, focando na centralidade o PDM (e todos nós sabemos a dificuldade que a burocracia, muitas

vezes, constitui); combater o crescimento assimétrico das cidades e os graves desequilíbrios no ordenamento

do território, através da reclassificação do solo; convocar os municípios à cooperação no planeamento do

território, promovendo-se soluções de conjunto;…

O Sr. Ramos Preto (PS): — Convoca, convoca!…

O Sr. José Lino Ramos (CDS-PP): — … recuperar o Fundo Municipal de Sustentabilidade Ambiental e

Urbanística, ao qual são afetas receitas resultantes da redistribuição das mais-valias gerais atribuídas pela

edificabilidade, com vista a promover a reabilitação urbana, a sustentabilidade dos ecossistemas e a prestação

de serviços ambientais; determinar que a classificação e reclassificação do solo rústico dependem da

comprovação e, sobretudo, da sua necessidade e sustentabilidade económico-financeira, nomeadamente da

comprovação da indisponibilidade do solo urbano existente, a sustentação financeira dos encargos, o

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cumprimento dos ónus urbanísticos, num tipo de planeamento programado e sustentado em necessidades

efetivas.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Isso já está na lei!

O Sr. José Lino Ramos (CDS-PP): — Em sintonia com o realizado, é preciso ir mais longe, é preciso

concluir as iniciativas que estão em curso e que complementam este diploma.

Aproveitando a presença do Governo neste debate, gostaria de o questionar sobre o andamento da revisão

do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), a revisão do Regime Jurídico da

Urbanização e Edificação (RJUE) e a lei do cadastro predial. É que, sem conhecimento, não há seguramente

desenvolvimento.

Srs. Deputados, o solo é um recurso, todos o sabemos, um recurso ambiental e produtivo, escasso e não

renovável, um bem de abrangência nacional. Mas é, sobretudo, um fator decisivo de competitividade e de

riqueza do País.

A utilização racional e adequada do solo e dos seus usos impõe-se como desígnio nacional, mas,

sobretudo, como um compromisso geracional.

Foi compromisso do Governo e desta maioria levar a cabo estas reformas estruturantes. É este o

compromisso que está a ser cumprido, a bem do nosso presente e, sobretudo, a bem do nosso futuro

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — A Mesa não regista, por enquanto, mais inscrições, nem para perguntas, nem para

intervenções.

Pausa.

Inscreveu-se, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da

Conservação da Natureza. Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza (Miguel de

Castro Neto): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Do nosso ponto de vista, poucas matérias são tão

relevantes para o desenvolvimento económico, para a coesão e para o aprofundamento da cidadania como o

ordenamento do território.

Acreditamos que se impõe uma nova forma de planear um novo modelo de desenvolvimento territorial, que

responda hoje às necessidades futuras, enquadrado num contexto mais vasto do crescimento sustentável e do

emprego, tirando partido dos nossos talentos, dos nossos recursos naturais e das nossas infraestruturas.

Temos de estabelecer para o nosso território políticas estáveis que criem condições de investimento, de

competitividade, de coesão e de qualidade de vida.

Com este objetivo, tem vindo a construir-se, de forma efetiva, uma verdadeira alteração do paradigma no

que concerne ao ordenamento do território. Da expansão urbana passámos para a contenção dos perímetros

urbanos, das fronteiras municipais para a gestão integrada das infraestruturas, do enfoque na habitação

própria para a dinamização do arrendamento urbano, da nova construção para a reabilitação urbana.

A Lei de Bases enquadra-se num quadro mais alargado da reforma do ordenamento do território que este

Governo está a levar a cabo e onde se incluem, para além dos regimes complementares e do RJIGT e do

RJUE, temas como o cadastro, as políticas de cidades, de reabilitação urbana e da habitação.

Um passo estrutural desta reforma foi, sem dúvida, a Lei de Bases da Política Pública de Solos, do

Ordenamento do Território e do Urbanismo, aprovada no passado dia 11 de abril por esta Assembleia, que

procedeu a uma reforma estruturante, tanto do ponto de vista dos conteúdos, no sentido de definir um conjunto

de normas habilitantes relativas à disciplina do uso e utilização do solo, como do ponto de vista do seu sistema

jurídico, com vista a traduzir uma visão conjunta dos sistema de planeamento e dos instrumentos de política

de solo, alargando a sua aplicação real a todo o território terrestre.

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Esta Lei de Bases surge após a aprovação de importantes diplomas, como a lei do arrendamento urbano e

a lei da reabilitação urbana, e antecede o regime excecional de reabilitação urbana — todos eles já

conhecidos de todos.

Estão, neste momento, em fase final de aprovação o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial,

o regime jurídico da urbanização e edificação, o diploma do cadastro predial e o diploma da regularização das

atividades económicas.

Estes quatro diplomas serão, muito em breve, conhecidos de todos vós e certamente darão mais um passo

e um contributo importante para que esta reforma que se iniciou não termine já e que seja possível comprovar

os seus efeitos efetivos. Já começamos a ver sinais na dinâmica do setor e num crescimento económico e

sustentável que queremos para o nosso País, desde que sejam preservados os princípios do ordenamento e

da conservação dos recursos naturais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, a Mesa registou a inscrição, para pedirem esclarecimentos,

dos Srs. Deputados Ângela Guerra, do PSD, Miguel Tiago, do PCP, João Gonçalves Pereira, do CDS-PP,

Ramos Preto, do PS, e Heloísa Apolónia, de Os Verdes

O Sr. Secretário de Estado dirá, depois, como pretende responder.

Tem, pois, a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Ângela Guerra.

A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, perante a atual crise provocada

pela dívida excessiva, emergiu definitivamente a irracionalidade que o crescimento urbano vem tendo há cerca

de três décadas e o excesso de terrenos destinados à construção só resistiu artificialmente a uma enorme

baixa nos seus preços porque o sistema financeiro associado tudo fez para segurar custos e evitar uma

derrocada do sistema.

O País acentuou desequilíbrios e assimetrias humanas e físicas, as áreas metropolitanas cresceram

desmesuradamente e os erros na gestão do património natural progrediram também na sua ineficiência e

desestruturação. Ao invés, as áreas mais rurais e interiores do País foram ficando, infelizmente, digo eu, mais

despidas das suas populações. Este é o retrato do País que todos os partidos denunciam. Então, no que

divergem as soluções? Não sabemos na plenitude, porque uns apresentam propostas e outros ficaram apenas

pela crítica — alternativas nem uma! As nossas são claras, permitindo-me destacar algumas das suas

virtualidades: a clarificação do regime dos solos, o reforço dos níveis de cooperação intermunicipal, os novos

instrumentos de gestão do território como a venda e o arrendamento forçado e uma clara aposta na

reabilitação urbana.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, esta nova lei de bases veio responder a muitas expetativas, por

quanto incorpora empenho do Governo, empenho das autarquias, empenho dos agentes económicos e da

sociedade civil.

E porque de empenho falamos, deixo-lhe, Sr. Secretário de Estado, a primeira das perguntas que tenho

para lhe fazer: que comentário lhe oferece o facto de numa matéria de tanta importância, de tamanha

relevância para o País, o maior partido da oposição não tenha, neste longo processo legislativo, apresentado

uma única proposta alternativa?

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Passo à segunda questão, Sr. Secretário de Estado.

O que preocupa transversalmente o comum dos cidadãos, os autarcas, os investidores, é o tempo que os

PDM (planos diretores municipais) demoram a ser aprovados, que, como V. Ex.ª sabe, quando corre bem,

repito, quando corre bem, anda na ordem, atualmente, dos 12 a 15 anos. Todas as iniciativas legislativas

relativas à matéria em apreço sempre foram anunciadas como tendo por objetivo encurtar significativamente

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estes prazos, mas todos sabemos que foram coroadas de insucesso. Sr. Secretário de Estado, porque será

diferente desta vez?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado informou a Mesa de que

responderá a conjuntos de três pedidos de esclarecimento.

Entretanto, a Mesa acaba de registar a inscrição, também para pedir esclarecimentos, do Sr. Deputado

António Prôa, do PSD.

Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, registamos a

presença do Governo neste debate, que é um debate importante, mas não mais importante, certamente, do

que outros debates que aqui sucederam. Recordo apenas o debate, realizado há bem poucos dias, sobre a

renegociação da dívida, proposto pelo Partido Comunista Português, no qual o Governo se negou a participar.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Esta é uma das diferenças entre um Governo da República e um Governo do

PSD e do CDS-PP.

Sr. Secretário de Estado, o tema do debate é sobre a reforma do ordenamento do território, titularidade dos

recursos hídricos, apesar de até agora ter sido muito residual a parcela que os recursos hídricos têm merecido

nas intervenções dos Srs. Deputados e reparo que também na intervenção do Sr. Secretário de Estado.

Quanto ao ordenamento do território, muito sinceramente, o PCP não consegue compreender porque se

regozija o Governo, o PSD e o CDS, dado que desarticularam a lei dos solos, esvaziaram a capacidade dos

instrumentos de ordenamento do território, desarticularam os planos e converteram-nos em programas. O

Estado continua ausente do território, incapaz de fiscalizar, deixando ao mercado a sua autorregulação no que

toca, inclusivamente, a aspetos tão sensíveis quanto os solos e os usos dos solos. Para nós, é muito

complicado compreendermos com o que se regozijam.

Além das palavras de circunstância com que os Srs. Deputados do PSD, do CDS e o Sr. Secretário de

Estado aqui nos brindaram, proferiram discursos muito redondos em torno da importância do ordenamento do

território, enquanto, na prática, tudo fazem para que o ordenamento do território fique nas mãos daqueles que

«predam» os recursos naturais e que destroem, precisamente, um bom ordenamento do território, porque

especulam com os solos e porque usam a terra e os recursos naturais apenas como uma mercadoria capaz de

gerar os lucros nos quais estão interessados, subvertendo o seu papel social e os seus usos sociais.

Sr. Secretário de Estado, sobre o projeto de lei que o PSD e o CDS apresentaram, sobre a titularidade dos

recursos híbridos, gostaríamos de perguntar se o Governo acha legítimo isentar o Estado de qualquer

responsabilidade na definição de limitação, gestão e titularidade dos recursos hídricos.

O PCP apresentará propostas no processo de especialidade e apresentará também uma iniciativa,

esperando que possa baixar igualmente à especialidade. Estamos disponíveis para procurar essa forma, no

sentido de responsabilizar o Estado por um relatório que caracterize, precisamente, as utilizações, os usos, as

propriedades e as parcelas que estão no domínio público hídrico.

Esta Assembleia deve resolver o problema que nos é trazido, nomeadamente quanto aos pequenos

proprietários, que têm infraestruturas agrícolas ou mesmo habitacionais no domínio público, mas não pode,

com isso, abrir um alçapão a toda a ilegitimidade e a toda a apropriação ilegítima do domínio público hídrico,

como nos parece que este projeto de lei acaba por fazer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João

Gonçalves Pereira.

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O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a questão que aqui

me traz tem a ver com a lei e com a reforma da lei do arrendamento.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Deputado, o tema de hoje é recursos hídricos!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Trata-se de uma reforma que estava prevista no Memorando

de Entendimento, assinado pelo Partido Socialista, mas, quando este Governo apresentou a reforma, o Partido

Socialista, que tinha assinado o Memorando, acabou por votar contra, em total incoerência, esta mesma

reforma.

No entanto, quero sublinhar a coragem do Governo e, em particular, da Sr.ª Ministra Assunção Cristas,

prosseguida posteriormente pelo Sr. Ministro Jorge Moreira da Silva. Esta foi, e é, uma reforma que permitiu

criar um verdadeiro mercado de arrendamento, que não existia, e que a lei de 2006 do Partido Socialista não

resolveu. Veja-se: com essa lei do Partido Socialista apenas 3300 rendas foram atualizadas, e hoje milhares

de rendas, por esse País fora, foram atualizadas. O que disse, na altura, a esquerda? Disse que não era a lei

das rendas, era a lei dos despejos!

Protestos do PCP.

Fizeram alarme social em torno dessa lei, que foi uma boa reforma, mas a lei entrou em vigor, não houve

despejos e as rendas acabaram por ser atualizadas.

Protestos do PCP.

Este Governo, três meses depois da entrada em vigor da lei, criou a Comissão de Monitorização da

Reforma do Arrendamento Urbano, que acompanhou e está a acompanhar esta mesma reforma e que

permitirá afinar pequenos aspetos da lei, designadamente naquilo que é o arrendamento comercial e o

arrendamento não habitacional.

A Sr.ª Ministra Assunção Cristas e o Sr. Ministro Jorge Moreira da Silva já admitiram que podiam ter lugar

alterações cirúrgicas à lei do arrendamento, designadamente ao arrendamento comercial.

As questões que lhe coloco, Sr. Secretário de Estado, são as seguintes: o Governo tem ideia de quando é

que serão efetuadas essas alterações pontuais à lei? Quando é que o relatório dessa Comissão estará

terminado? Pode avançar hoje com algumas das medidas que poderão vir a ser alteradas?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do

Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: — Sr.

Presidente, Srs. Deputados, um primeiro ponto que para nós é francamente importante é a forma como

obtivemos a aprovação da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo.

Efetivamente, foi um processo bastante longo, participado e precedido de um diagnóstico do que era a

situação do País, com documentos e inúmeros relatórios publicados no site da Direção-Geral do Território. Foi

constituída uma equipa jurídica, um conjunto de especialistas acompanhou o processo, houve um amplo

debate e também aqui, na Assembleia da República, em sede de especialidade, foi feito um conjunto de

audições, foi aberto um canal louvável, que devo, desde já, assinalar, para que qualquer cidadão ou entidade

pudesse participar também.

De facto, foi com pena nossa que, apesar dos nossos esforços, não vimos esta Lei de Bases ser

participada de forma ativa e empenhada pelo Partido Socialista, para que a mesma pudesse responder a uma

solução de consenso e garantir, assim, algo que é incontestável, e já foi aqui referido, que é a dita estabilidade

que a legislação deve ter ao longo do tempo. Teria sido uma oportunidade, que foi perdida, de conseguirmos

esse consenso alargado com o Partido Socialista sobre tão importante tema para o futuro do nosso País.

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Quanto às consequências do que é a demora dos tempos de aprovação e de revisão de um PDM num

modelo em vigor atualmente, a Sr.ª Deputada Ângela Guerra pergunta porque é que será diferente. Ao

propormos esta Lei de Bases, entre os diferentes aspetos que a mesma vai consignar, temos, efetivamente, a

consagração nos PDM de todos os instrumentos que vinculam os particulares, simplificando, por essa via, a

sua utilização e adoção como instrumento orientador do ordenamento do território ao nível municipal. Trata-se

do mesmo modelo que irá permitir que os processos de reclassificação de solo sejam efetuados apenas com a

utilização das figuras do plano de pormenor e do plano de urbanização, evitando, assim, os longos e morosos

processos de revisão dos PDM que têm caracterizado este processo ao longo dos anos e que têm sido uma

das principais críticas apontadas a este instrumento de ordenamento do território.

Com esta resposta faço a ligação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Miguel Tiago. Pelos vistos, não

conseguimos comunicar devidamente os benefícios que acreditamos ter nesta Lei de Bases, porque o Sr.

Deputado aponta, como existindo nesta nova proposta, uma desarticulação do modelo atual. Estamos a

desconstruir um modelo que está em prática e o Sr. Deputado vem referir que é um modelo em que o Estado

está ausente do território, em que houve a destruição dos recursos ao longo do tempo. Portanto, há uma

incongruência qualquer na sua afirmação.

Nós fizemos um trabalho de diagnóstico, analisámos o que era a realidade e, no contexto da reforma do

ordenamento do território que estamos a prosseguir, estamos a construir um modelo que julgamos responder

às necessidades atuais e futuras do nosso País. Este modelo também será uma resposta à notória crise e ao

notório problema que temos no nosso País, o da expansão urbana, como já muito bem aqui foi referido.

Importa corrigir e orientar estes processos de desenvolvimento para a reabilitação urbana e para a

revitalização dos centros urbanos e das cidades, promovendo a sua democratização e minimizando os

movimentos pendulares com todos os custos de eficiência e de energia que tais comportam.

O Sr. Deputado Miguel Tiago colocou também uma questão sobre a titularidade de recursos hídricos, tendo

dito que eu não tinha abordado esta temática. Efetivamente, não o fiz, porque esse tema será abordado, de

seguida, pelo Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, como muito bem disse, efetivamente, esta reforma do ordenamento

do território, que se iniciou com a lei das rendas, e bem, já começou a produzir os seus efeitos, mas havia um

compromisso efetuado ao abrigo de uma comissão que ia analisar a evolução do comportamento do mercado.

Aguardamos, pois, que essa comissão entregue o seu relatório final e, apesar de já termos algumas ideias

concretas do que poderão ser ajustamentos, por uma questão formal e de cortesia para com essa comissão,

permitir-me-ão que não revele, neste momento, quais as medidas que iremos tomar mas que, muito em breve,

serão conhecidas de todos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — E os compromissos do PSD?!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ramos

Preto.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, criticou o PS por não ter apresentado

propostas.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — E é verdade!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Pensei que não ia fazer essa crítica.

O Sr. Secretário de Estado veio também dizer que os senhores apresentaram aqui um novo paradigma de

sustentabilidade no que toca às políticas de ordenamento do território, tendo dado o exemplo de uma série de

leis que têm aprovado.

Sr. Secretário de Estado, e o interior do País? É que todas as propostas que os senhores aqui nos

apresentam, todas essas leis, serão aplicadas em 80% numa faixa litoral do País e não serão aplicadas no

interior, que é deixado ao abandono, que é um interior deprimido, que é um interior empobrecido, mas que é

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um interior que paga impostos como o resto do País. Num debate sobre o ordenamento do território, isso

parece não lhes dizer nada.

Sr. Secretário de Estado, o País precisa de um novo ordenamento do território para o interior do País, o

País precisa de um ordenamento do território que promova, efetivamente, a equidade territorial, o País precisa

de um ordenamento do território que pense no interior, que está a ficar sem hospitais, sem repartições de

finanças, sem escolas, sem lojas do cidadão! Esse é que era o debate que o senhor devia aqui trazer.

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Nós queremos políticas públicas que demonstrem sensibilidade para com o

interior do País e que promovam a coesão territorial…

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — … e não uma proposta como esta, que ignora o território nacional e só atende

à faixa costeira.

Neste agendamento potestativo, Sr. Secretário de Estado, pensei que o senhor vinha aqui apresentar-nos o

relatório bianual que o PNPOT (Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território) obriga o

Governo a apresentar à Assembleia da República.

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Estou à espera desse relatório.

Depois, pensei que o senhor viria aqui apresentar os relatórios de avaliação do estado da arte, que

resultam da lei de bases do ordenamento do território e do urbanismo e que os senhores também nunca

mandaram para a Assembleia da República.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Estamos à espera das propostas do PS!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Então, o que é que o senhor veio aqui fazer, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Nada!

O Sr. Ramos Preto (PS): — O senhor veio aqui, de mãos vazias, laborar sobre um novo regime jurídico da

urbanização e da edificação, sobre a nova lei do cadastro? Não, Sr. Secretário de Estado, o senhor veio aqui

congratular-se por termos uma nova lei, dizendo que foram ouvidos muitos académicos… Pois é, Sr.

Secretário de Estado, é verdade, foram ouvidos! E esses académicos até fizeram um projeto de proposta de

lei que o Sr. Secretário de Estado tem no seu gabinete e que nunca trouxe à Assembleia da República,

embora esse trabalho tenha sido pago com dinheiros do Estado. A verdade é que nós nunca tivemos acesso a

esse projeto — aliás, os académicos dizem até que é um dos melhores projetos de lei que foi feito sobre

urbanismo.

Os senhores até dizem que só alteraram alguns detalhes nesse projeto de proposta de lei e que

introduziram outros. Só que nos detalhes, Sr. Secretário de Estado, que os senhores retiraram «estava Deus»

e nos detalhes que os senhores introduziram «está o Diabo».

Portanto, o que os senhores fizeram, Sr. Secretário de Estado, foi estraçalhar uma verdadeira lei de bases

do ordenamento do território, alterando a norma principal que definia o regime jurídico dos solos, do

ordenamento do território e do urbanismo e introduzindo uma lei que está agora dependente de um conjunto

de regimes, como o RJUE (Regime Jurídico de Urbanização e Edificação), o RJIGT (Regime Jurídico dos

Instrumentos de Gestão Territorial), a lei do cadastro, dos quais estamos à espera.

Portanto, não nos peça cheques em branco, Sr. Secretário de Estado! O Sr. Ministro disse, na Faculdade

de Direito de Lisboa, que estava disponível para apresentar no Parlamento estes projetos de decreto-lei, quer

ao PS, que se absteve na generalidade, quer aos partidos da oposição, que votaram contra, no sentido de os

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envolver e de amanhã votarem a favor, mas estamos ainda à espera desses regimes jurídicos, Sr. Secretário

de Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, fiquei de tal modo

estupefacta com uma parte da intervenção do Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do CDS-PP, que gostava

de perguntar ao Sr. Secretário de Estado se concorda com o que foi referido pelo Sr. Deputado quando disse

que a lei do arrendamento — aquela a que nós, normalmente, chamamos a «lei dos despejos» — não

provocou nenhum despejo.

Isto porquê? Porque convém que o Governo e a maioria tenham os pés bem assentes na terra e percebam

os efeitos negativos que a sua legislação e as suas políticas vão implementando.

O que aqui ouvimos hoje foi uma coisa mais ou menos parecida com o que já ouvimos dizer ao Sr. Vice-

Primeiro-Ministro, Paulo Portas, ou seja, que pessoas perderam o rendimento social de inserção porque

tinham mais de 100 000 euros.

Portanto, temos o Governo e a maioria a delirarem a toda a hora. E convém que, de facto, tenhamos os

pés bem assentes na terra para perceber as consequências diretas das coisas.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Em relação a alguns era verdade! Ou era mentira?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sobre consequências, gostava de dizer ao Sr. Secretário de

Estado que há uma coisa que nos preocupa sobre os diversos regimes que estão a ser criados, que é alguma

desagregação, alguma fragmentação desses regimes e não a sua articulação quando pensamos, por exemplo,

no ordenamento do espaço marítimo, ou nas bases do ambiente, ou nas bases do ordenamento do território e

dos solos.

Portanto, parece que tudo está a ser fragmentado, a ser visto setorialmente, não havendo, de facto, uma

agregação. Não há nem tem havido! Aliás, desconfio que não há interesse em que haja, porque, Sr. Secretário

de Estado, isso implica, de facto, políticas mais eficazes.

E, por falar em políticas mais eficazes, o que gostava de perguntar ao Sr. Secretário de Estado tem a ver

com o seguinte: não é possível falar em ordenamento do território sem falar em assimetrias regionais num

País com as características do nosso.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não é possível!

Portanto, quando temos de questionar algum membro do Governo sobre a sua política para ordenar o

território temos, naturalmente, de perguntar que estratégia é que os senhores estão a apresentar para haver

uma maior coesão no território nacional e para esbatermos estas terríveis assimetrias regionais que dão

prejuízos de ordem económica, social e ambiental.

É essa estratégia de combate às assimetrias regionais que não vemos por parte do Governo. Isso

preocupa-nos, naturalmente, porque o que vemos por parte do Governo nas mais diferentes políticas setoriais

é, justamente, a apresentação de um conjunto de políticas que vão no sentido de fomentar essas assimetrias

regionais, nomeadamente quando há inúmeros serviços públicos dos mais diferentes ministérios que são

encerrados, nas mais diferentes regiões do País, mas com um foco muito particular no interior do País.

Porquê? Porque o interior é sempre visto como estando esvaziado de população! E o que é que os sucessivos

Governos fazem, este também em particular? É esvaziar mais, esvaziar mais, esvaziar mais, concentrar tudo

nas grandes cidades…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Bem lembrado!

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … e deixar uma boa margem do território absolutamente inativa,

despovoada e desertificada.

Isso é um erro estratégico para o País, Sr. Secretário de Estado. Por isso, pergunto-lhe: que estratégia tem

para o combate às assimetrias regionais?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

António Prôa.

O Sr. António Prôa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, as questões que lhe queria colocar

têm a ver com a reabilitação urbana, matéria que tem sido alvo de um conjunto de iniciativas do Governo que

têm materializado aquele que foi anunciado como um objetivo estratégico do Governo — e em bom tempo o

foi.

A reabilitação urbana, de facto, deve ser um desígnio nacional e deve fazer convergir o interesse dos

partidos, porque importa às pessoas, à economia e também às autarquias.

A atual situação — e este é um diagnóstico já conhecido — conduziu a centros urbanos degradados e

envelhecidos, a famílias expulsas para as periferias urbanas, vivendo muitas vezes em más condições, e ao

crescimento urbano desordenado.

Não podemos, de facto, ficar indiferentes a dados como 800 000 fogos devolutos no País e 2 milhões de

fogos a necessitarem de intervenção, porque isso significa falta de qualidade de vida para as pessoas. De

facto, este desígnio de devolver os centros urbanos às pessoas, aos jovens e às famílias, de criar melhores

condições de habitabilidade, de promover a economia é, de facto, fundamental para o desenvolvimento do

nosso País.

Em 2012, por iniciativa do Governo, apresentou-se uma revisão do regime jurídico da reabilitação urbana,

tentando impulsionar o setor e tocando essencialmente em três aspetos: flexibilização dos procedimentos de

criação de áreas de reabilitação urbana; criação do procedimento de simplificação do controlo prévio de

operações urbanísticas; e regulação da reabilitação urbana fora das áreas de reabilitação urbana.

Depois, com a lei de bases do ordenamento do território, o Governo definiu novos instrumentos de

incentivo à reabilitação urbana.

Mais recentemente, com o Decreto-lei n.º 53/2014, o Governo introduziu mecanismos de flexibilização e de

simplificação dos procedimentos na reabilitação urbana, diferenciando, natural e muito oportunamente, as

exigências que são feitas a construções novas ou a construções pré-existentes, tendo em conta aspetos como

os requisitos acústicos, a eficiência energética, a qualidade térmica e a instalação de gás e de

telecomunicações, adequando essas exigências, importa dizê-lo, às características diferentes das construções

pré-existentes, criando condições para viabilizar, de facto, a intervenção nesses edifícios pela via da sua

recuperação.

Neste contexto, Sr. Secretário de Estado, a primeira questão que lhe coloco é sobre a segurança estrutural

e sísmica, que é matéria muito sensível.

E a pergunta muito concreta, Sr. Secretário de Estado, é a seguinte: há ou não dispensa das regras

relativas à prevenção dos riscos sísmicos no âmbito deste processo de simplificação?

Foram também tomadas medidas de âmbito fiscal. E há uma outra dimensão muito importante — esta é a

segunda questão — para concretizar a reabilitação urbana, que tem a ver com o financiamento à reabilitação

urbana.

Sr. Secretário de Estado, para concretizar este desígnio da reabilitação urbana falta materializar este

requisito que respeita ao financiamento e, nessa medida, pergunto-lhe: apesar do contexto financeiro difícil em

que o País se encontra, que medidas é que o Governo pensa tomar no sentido de materializar esta

componente de concretização da reabilitação urbana?

Mesmo a terminar, gostaria de dizer que há um parceiro essencial, que são as autarquias. Por isso,

pergunto-lhe em que medida é que pretende envolver e comprometer as autarquias neste esforço comum da

reabilitação urbana.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do

Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: — Sr.

Presidente, Srs. Deputados, relativamente às questões e aos comentários do Sr. Deputado Ramos Preto, julgo

que há alguns esclarecimentos que são necessários dar até porque julgo que apenas quem não acompanhou

a discussão e o debate em torno da construção da lei de bases é que pode referir que a mesma não pretende

dar resposta aos desafios colocados pela coesão territorial, pelos problemas que o interior do País enfrenta e

pela equidade na distribuição de recursos e na sua aplicação no nosso território. Essa é uma das questões em

que colocamos maior enfase nesta, a que chamamos, reforma do ordenamento do território.

Dou apenas alguns exemplos para concretizar e para não ficarmos pelas palavras e discursos redondos,

como dizem: no âmbito do RJIGT, como já foi anunciado, temos medidas concretas através de um modelo

económico-financeiro em que se pretende fazer uma redistribuição de prejuízos e benefícios

supramunicipalmente, de forma a que o território do interior do nosso País, que maioritariamente possui um

elevado património natural de biodiversidade a proteger e a preservar, consiga, de alguma forma, ver esse

património devidamente remunerado para promover, de forma efetiva e eficaz, a sua coesão e a sua

sustentabilidade a longo prazo.

Por outro lado, estamos, neste momento, prestes a terminar, para que seja apresentada publicamente, a lei

do cadastro, algo que é há décadas referido como um constrangimento, porque apenas conhecendo o

território será possível gerir esse território.

Portanto, é com dificuldade que ouço dizer que a nossa reforma do ordenamento do território é uma

reforma virada para o litoral e que esqueceu o interior do País. Apenas quem não conhece o trabalho que tem

vindo a ser desenvolvido pode dizer isto.

Mais: quando falamos na revitalização dos centros urbanos, na reabilitação urbana, só quem não conhece

as cidades do interior do País pode achar que isso também não é importante para o interior do País.

Quanto às outras questões que colocou, posso dizer-lhe, neste momento, que está a ser elaborada a

avaliação do programa de ação do PNPOT e, portanto, também muito em breve este será conhecido.

Para terminar, gostaria de deixar uma nota sobre o discurso em torno da equipa jurídica e do maior ou

menor afastamento que existe entre o trabalho que foi apresentado e discutido, e posteriormente aprovado, e

o que foi a proposta desta equipa jurídica.

Nós dissemos, e mantemos, que a nossa proposta de lei de bases assenta no trabalho desta equipa

jurídica: Não sei se o Sr. Deputado António Ramos Preto reparou mas o que disse foi que alterámos alguns

detalhes. Do nosso ponto de vista, melhorámos alguns detalhes desta proposta de lei de bases, mas sendo

detalhes, como o Sr. Deputado muito bem disse, julgo que os detalhes podem ser debatidos, podem ser

discutidos e permitir que houvesse uma solução de consenso relativamente a esta lei de bases.

Quanto aos regimes complementares, certamente podem dizer-nos que já podiam estar cá. Sim, poderiam

estar, mas há um pequeno pormenor a ter em conta: os regimes complementares têm de ser construídos face

à lei de bases que foi aprovada. Como tal, os seus princípios foram conhecidos, e o seu conteúdo será muito

em breve apresentado com detalhe. Necessitávamos da aprovação da lei de bases para poder fazer esse

trabalho e também para respeitar o trabalho da Assembleia da República.

Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, agradeço as questões que colocou no âmbito da lei do arrendamento

urbano e gostaria de lhe dizer que uma das razões que levou à criação da comissão de monitorização da

reforma do arrendamento urbano, que junta proprietários, inquilinos e outras entidades do setor, é

precisamente acompanhar o que aconteceu após a entrada em vigor desta lei. Nós aguardamos o relatório e

quando o conhecermos cá estaremos para discutirmos se é ou não necessário fazer alguns ajustamentos.

Quanto à desarticulação entre as leis de bases do mar, ambiente e solos, não poderei fazer nada para

alterar o seu entendimento, Sr.ª Deputada, mas posso garantir-lhe que no Governo essa articulação existe. As

leis de bases, apesar de serem várias, têm todas elas uma linha comum, que é seguir o programa deste

Governo.

Quanto à coesão territorial, já respondi na questão anterior, pelo que não vou voltar a responder.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes). — Não respondeu, não!

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: — Já

respondi a essas questões, Sr.ª Deputada, mas posso repetir: se consideram que a reforma do ordenamento

do território não promove a coesão territorial, aconselharia que acompanhassem com mais detalhe o trabalho

que temos vindo a fazer.

Sr. Deputado António Prôa, agradeço-lhe as questões que colocou e que me permitem falar de uma

importante dimensão da reforma em curso do ordenamento do território, que é a aposta na reabilitação

urbana, mais concretamente no regime excecional para a reabilitação urbana, que irá figurar durante o

próximo quadro comunitário de apoio. Não visa apenas alavancar e dinamizar este setor e promover o

regresso das populações aos centros das cidades, pretende também aproveitar a oportunidade do

financiamento.

Acreditamos que, neste momento, devemos apostar na revitalização dos aglomerados urbanos já

existentes e na revitalização das suas zonas históricas e para isso acreditamos que não podemos continuar a

assistir àquela máxima de que viver nos centros urbanos é um luxo. Para nós, viver nos centros urbanos terá

de ser acessível a toda a população, nomeadamente à classe média, pelo que era imperioso construir este

regime excecional para a reabilitação urbana.

O texto base deste regime excecional, que eram as exigências técnicas mínimas para a reabilitação de

edifícios antigos, foi produzido por uma comissão relatora que integrou representantes de idoneidades

relevantes nesta matéria, entre os quais o InCI (Instituto de Construção e do Imobiliário), o LNEC (Laboratório

Nacional de Engenharia Civil), o IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) e as Sociedades de

Reabilitação Urbana de Lisboa Ocidental e Porto Vivo.

Ao contrário do que tem vindo a ser veiculado, este novo regime não visa de modo algum dispensar regras

relativas à prevenção do risco sísmico, mas apenas permitir que determinados requisitos técnicos, que já hoje

não são exigidos em alguns municípios, deixem de ser obrigatórios para todo o território, permitindo, assim,

que os promotores possam conhecer as regras de uma forma clara e objetiva quando ponderam os seus

investimentos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Secretário de Estado, queira concluir.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: — Mais: a

prevenção do edificado em relação aos sismos tem de ser estudada e tratada ao nível do planeamento

urbano, identificando-se as áreas de maior risco e tratando-as nos planos diretores municipais. Aliás, em

matéria de prevenção de riscos naturais e tecnológicos, o Governo tem vindo a trabalhar num plano setorial de

prevenção e de redução de riscos que abrange, natural e forçosamente, o risco sísmico, tudo em estreita

articulação com a inscrição desta temática no próximo quadro comunitário de apoio, Portugal 2020.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Secretário de Estado, tem de concluir.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: — Estão,

assim, inscritas verbas para apoiar o desenvolvimento de estudos e de projetos-piloto e para fortalecer

metodologias de intervenção associadas ao investimento na reabilitação urbana. Nesse sentido, posso dizer

que, no que concerne a financiamento em reabilitação urbana, teremos no ciclo de financiamento 2014-2020

um novo instrumento financeiro para dar continuidade ao atual programa JESSICA,onde prevemos

capacidade de mobilizar 100 milhões de euros para alavancar com outros tipos de fundos provenientes da

banca. Este instrumento permitirá o apoio aos municípios e aos particulares para a reabilitação do edificado,

incluindo edifícios de habitação em centros históricos e áreas urbanas licenciadas.

Também a inclusão de incentivos à eficiência energética na habitação, através do Programa Operacional

Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos traduz-se, efetivamente, no que se pode designar de

reabilitação urbana.

Relativamente aos programas operacionais regionais, também existirão apoios à reabilitação de

instalações industriais e terrenos contaminados, à melhoria da qualidade do ambiente urbano, incluindo a

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requalificação do espaço público, e à renovação do parque habitacional social existente no plano da eficiência

energética.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Temos tido um debate estranho, pelo

eu chamava a atenção do Sr. Presidente e da Mesa para ulterior análise em Conferência de Líderes,

porquanto, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, do Regimento da Assembleia da República, a marcação unilateral

da ordem do dia por um partido está prevista para uma de duas situações: ou para um debate temático ou

para uma iniciativa legislativa. Portanto, não é para um misto das duas coisas, isso não existe no Regimento.

Temos, pois, tido aqui um debate compósito, estranho, inadequado, onde se fala de arrendamento, de

reabilitação, da lei de bases da política dos solos, da lei de bases do ambiente, quando a única iniciativa

legislativa para a qual, se os requerentes o entenderem, seremos chamados a votar é uma lei acerca da

titularidade dos recursos hídricos.

Há, pois, um entorse à organização dos trabalhos parlamentares que manifestamente não beneficia o

debate, o diálogo político, nem sequer a capacidade do contraditório, porque num momento está-se a falar da

titularidade dos recursos hídricos e noutro está-se a falar do programa JESSICA, o que não tem nada a ver.

Portanto, creio haver uma menorização imposta pela maioria ao Plenário pela qual deveria haver o

correspondente mea culpa, porque isto não é regimental, não é um debate adequado, não é sequer um debate

politicamente sério.

Sr. Presidente, vou falar da iniciativa legislativa que está em debate, porque essa, se os requerentes o

entenderem, teremos de votar.

Sobre isso gostaria de dizer ao Sr. Secretário de Estado, que eventualmente apoia esta iniciativa da

maioria, que esta é uma questão longa, que atravessou muitos regimes políticos, durante mais de 150 anos,

desde a monarquia constitucional, passando pela I República, pelo fascismo, por 40 anos de democracia, e,

no entanto, este problema não está resolvido, tem transitado de regime para regime.

Isso não quer dizer, obviamente, que a circunstância é a mesma que era há 150 anos, porque não é. A

edificabilidade, a alteração dos espaços físicos, a modificação de interesses económicos, as migrações, a

densidade populacional, a utilização dos espaços circundantes, tudo isso se alterou bastante, no entanto o

problema subsiste. Há uma disputa entre a titularidade privada e aquilo que é domínio público e o problema

que vinha enunciado na lei que agora se pretende alterar é o de delimitar qual é realmente o domínio público.

Percebendo que, ao longo de mais de 150 anos, não se resolveu este problema, creio que alguma

sensatez política aconselha a que nós tomemos um caminho de algum experimentalismo e uma resolução

mais gradativa para este problema.

Portanto, a questão que de imediato se nos coloca não é a do prazo, mas a da solução. Não vale a pena

impor prazo sobre prazo se esses prazos forem meramente uma desculpa do regime para não resolver um

problema. Mas creio que poderíamos discutir à volta do que consideramos ser o interesse público: se é

margens dos leitos, se é margens costeiras, se é situações de leitos de lagos, de lagoas, enfim toda essa

multiplicidade de situações. Qual é o interesse público? Como é que se garante o interesse público? Como é

que se garante a proteção ambiental? Como é que se garante a proteção de bens? Como é que se garante a

minimização do risco? Portanto, vamos ter de discutir o interesse público, e se ao discutirmos aqui a

titularidade dos recursos hídricos conseguirmos discutir uma graduação daquilo que significa o interesse

público eu creio que seria um bom avanço.

Não basta dizer que há um regime e que há servidões administrativas, porque os problemas que se

colocam, desde a erosão costeira até à situação das albufeiras, são vastíssimos e complexos, pelo que eles

não se podem resolver assim de uma penada.

Creio que se o PSD estiver aberto a discutir o que são o interesse público e o domínio público nestas

circunstâncias teremos alguma coisa a ganhar. Talvez isso ajude a resolver melhor os problemas da

delimitação do domínio público e do que consideramos que é aceitável ou não do ponto de vista da titularidade

privada.

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Sobre a titularidade privada, parece-me juridicamente pouco consistente estar a considerar as repartições

que foram incendiadas em 150 anos e outras coisas que me parecem o rodapé desta lei. Não estou a ver os

tribunais inundados com as queixas acerca da perda de registos patrimoniais e de tudo isso. Portanto, teremos

de encontrar uma outra forma, mas uma forma que não crie novos imbróglios jurídicos, nomeadamente

discriminações que não se percebem à luz do princípio da igualdade sobre aqueles que reclamam a

titularidade em lagos ou lagoas, ou outros que reclamam em leitos de rios.

Não creio que isso faça muito sentido nem que seja juridicamente aceitável, pelo que vamos ter de debater

isto em filigrana, muito em pormenor, não recusando algumas soluções experimentalistas. A vida já mostrou

que não vamos poder criar uma régua e esquadro que resolva todas as situações, mas temos de, claramente,

fazer prevalecer o interesse público. E nos casos em que se tiver de se aceitar a mera posse ou até a

titularidade privada então que haja um colete legal, público, imperativo de tal ordem que, realmente,

corresponda a exigências não do século XIX, não da monarquia constitucional, mas de uma república

democrática no século XXI e nos tempos que correm.

Não sabemos se o PSD está aberto a esse debate, que precisamos de fazer em profundidade e com

garantias. Esta é uma matéria sensível, é uma matéria que interessa a muitos milhares de portugueses e que,

em geral, interessa a todos aqueles que se preocupam com os riscos que temos nas zonas costeiras e nas

águas interiores no nosso País.

Portanto, há aqui grandes e pequenos interesses. Temos milhares de pequenos agricultores que têm os

olhos postos na solução jurídica que vamos encontrar, como também temos grandes interesses económicos e

aqueles PIN que fugiram para as zonas costeiras e que também estão interessadíssimos na solução que daqui

sair. Sabemos, pois, que interessa a pobres, a ricos, a vários interesses, e que importa também para algumas

tradições — há o problema das rias, quer em Aveiro, quer em Faro, quer noutras áreas do nosso território.

Tudo isso está em causa, mas é exatamente por causa disso que precisamos de fazer um debate sério,

não um debate misto com não sei quantos temas, e que precisamos de soluções jurídicas consistentes. Se é

para isso que o PSD veio, vamos ao debate; se não for para isso, então teremos perdido o nosso tempo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do

Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente (Paulo Lemos): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Antes

de mais, quero felicitar a Assembleia da República pela aprovação da Lei de Bases do Ambiente.

Penso que foi aprovado um instrumento legislativo importante, um instrumento legislativo inovador, um

instrumento legislativo que efetivamente nos coloca à frente, a nível europeu, em muitas áreas, porque inclui

princípios que são de relevo internacional.

Queria também referir, em defesa da honra de quem elaborou a proposta — sei que a Lei de Bases do

Ambiente foi discutida durante muito tempo, mas é preciso ter memória —, que quem elaborou a proposta

inicial da Lei de Bases do Ambiente, a qual, depois, como foi referido, incorporou muitas sugestões das várias

bancadas, foi um grupo independente, constituído por pessoas de reconhecido mérito na área do ambiente, de

várias sensibilidades políticas e ideológicas. Portanto, dizer que esta Lei de Bases é uma lei vazia e uma lei

liberal é, no mínimo, um insulto a estas personalidades que trabalharam gratuitamente para elaborar a

proposta.

Protestos do Deputado do PS Ramos Preto.

Queria também felicitar os partidos da maioria por terem apresentado este projeto de lei, que, de facto,

para além de resolver o problema colocado pela lei de 2005 procura inovar e tornar mais transparente a sua

aplicação.

Relativamente à questão aqui colocada por vários Srs. Deputados, sobre a demarcação do domínio público

marítimo, sobre os trabalhos que têm sido feitos e sobre se deve ou não ser estabelecido um prazo, quero

dizer que tem sido feito, ao longo do tempo, um trabalho de demarcação da linha do domínio público, dos 50 m

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ou dos 30 m. Esse trabalho está a ser feito e, portanto, se assim for entendido pelas várias bancadas, teremos

disponibilidade para considerar estabelecer um prazo para a demarcação do domínio público.

De qualquer forma, gostaria de lembrar que, ao longo de todo este tempo, já foram publicados cerca de

730 autos de delimitação, que estabelecem o regime de reconhecimento de propriedade privada sobre leitos e

margens em cerca de 30% da costa portuguesa. Porém, e para responder ao Sr. Deputado Luís Fazenda,

quero dizer que, mesmo sendo reconhecida a propriedade privada do domínio público, essa propriedade está

sujeita a um conjunto de servidões que impede que os proprietários possam fazer o que quer que seja sem

haver uma autorização por parte da Administração Pública. Portanto, não há que ter receio, porque há um

conjunto de servidões, por um lado, a servidão do domínio público, mas também, por outro lado, tudo o que se

prende com a reserva ecológica nacional, para além de outras questões.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Reserva ecológica?!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Relativamente ao litoral, penso que este diploma dará um

contributo importante para a proteção do litoral.

Este ano tivemos prova da fragilidade do nosso litoral, que, de resto, é considerado como uma das áreas

mais sensíveis a nível europeu, quer em termos de alterações climáticas quer em termos dos fenómenos

gerais de recuo do litoral. É, por isso, importante que tanto o Governo como a Assembleia da República se

preocupem com este tema.

Como já aqui foi referido pelo Sr. Ministro, o Governo dá grande prioridade ao tema do litoral, sendo que,

como também já aqui foi anunciado, estão previstos cerca de 280 milhões de euros de investimento no litoral

até ao final de 2015. Esses investimentos serão feitos em áreas consideradas de risco e áreas prioritárias.

Muitas dessas ações estavam previstas há muitos anos e nunca foram concretizadas, mas vamos finalmente

concretizá-las.

Por outro lado, e na sequência dos estragos realizados pelos temporais do início do ano, conseguimos

obter um financiamento de cerca de 18 milhões de euros para intervenções de emergência, que irão ser feitas

quer pela Administração Pública quer pelas autarquias locais.

Gostaria de salientar que quanto à questão da proteção do litoral, e na sequência dos acontecimentos que

se verificaram no início do ano, houve uma excelente colaboração entre a administração local e os vários

organismos da administração central, seja do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia

seja de outros ministérios.

Entre as intervenções previstas no plano dos 280 milhões de euros, gostaria de destacar a intervenção de

demolição de ocupações ilegais do litoral, sobretudo na zona da ria Formosa. Iremos demolir cerca de 800

habitações ilegais, que já foram objeto de um processo de identificação. Cerca de 17 milhões de euros desse

280 milhões de euros serão investidos neste tipo de demolições.

Finalmente, gostaria de referir que, na linha daquilo que o Governo tem feito em termos de grandes planos,

foi nomeada uma comissão independente para definir uma estratégia para o nosso litoral. Essa comissão,

presidida pelo Professor Filipe Duarte Santos, que, como sabem, é uma pessoa de reconhecido mérito quer na

questão do litoral quer na questão das alterações climáticas, é constituída por reputados especialistas nesta

área.

Pretendemos que, com essa comissão, sejam definidas as grandes orientações para o futuro que

influenciem quer os planos de ordenamento da orla costeira, quer os investimentos que vão ser feitos no

âmbito do próximo Quadro Comunitário de Apoio.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Bruno

Coimbra, Pedro Morais Soares, Miguel Tiago, Maurício Marques, Heloísa Apolónia e Miguel Freitas.

Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Coimbra.

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O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o inverno que passámos foi

rigoroso e veio colocar a nu um conjunto de fragilidades, já amplamente discutidas, relativas à erosão costeira

e à defesa da costa portuguesa. O ordenamento do território passa muito também por estes domínios.

Vivemos recentemente situações de uma exigência extraordinária, que impuseram ao Governo uma

atenção e dedicação especiais, em articulação com as corporações de bombeiros, a proteção civil e os

autarcas, para acudir às populações e para intervir na salvaguarda de pessoas e bens.

Estando atualmente em curso um conjunto de intervenções e de planeamentos, importa refletir sobre o

passado, agir no presente e pensar o futuro.

Importa refletir sobre o passado, aprendendo com os erros, com as intervenções menos conseguidas nas

últimas décadas, adotando uma visão global para solucionar um problema que é transversal a todo o território

nacional e que obriga a uma reflexão, planeamento e ação igualmente transversais a todo o País.

Importa agir no presente, prosseguindo com as intervenções de recuperação em curso. Neste âmbito,

gostaria que nos desse informações acerca das mesmas, tendo em conta a relevância que teria a sua

conclusão antes do início da época balnear, por forma a salvaguardar também aspetos relevantes

relacionados com a atividade económica e com o lazer das populações.

Hoje mesmo, aliás, foi publicada em Diário da República um despacho que indica o montante máximo de

5,1 milhões de euros para a empreitada de alimentação artificial das praias da Caparica.

É bem sabido também que, para situações não previstas no âmbito dos instrumentos de gestão do litoral, o

Ministério promoveu, e muito bem, junto do Programa Operacional Temático Valorização do Território (POVT)

apoio para intervenções nas zonas afetadas, beneficiando dos fundos do atual Quadro Comunitário de Apoio e

assegurando um financiamento de 100% aos municípios. Contudo, é importante saber também quando é que

os municípios que assumiram um papel determinante, intervindo no imediato, vão ser efetivamente ressarcidos

dos custos dessas intervenções.

De igual forma, gostaria que nos desse nota do ponto de situação quanto aos casos que implicam

demolições, como já aqui referiu, mas também quanto às renaturalizações da orla costeira.

Finalmente, há que pensar o futuro em termos estratégicos e de planeamento. Assim sendo, importa saber,

e por isso o questiono apesar de já ter aqui focado esse assunto, como está o trabalho do grupo de trabalho

constituído para a definição de medidas de mitigação da exposição ao risco das zonas costeiras, a quem cabe

também fazer a reflexão sobre a estratégia nacional para a gestão integrada das zonas costeiras, o

documento enquadrador das ações a executar até 2020.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, lembro que procederemos a votações regimentais no

final do debate. Estamos a cerca de 20 minutos da conclusão deste debate, pelo que peço aos Srs. Deputados

que se preparem para que possamos proceder às votações logo de seguida.

Uma vez que o Sr. Secretário de Estado informou a Mesa que responderá a grupos de três pedidos de

esclarecimento, tem agora a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares para formular o seu pedido de

esclarecimento.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a gestão do domínio

público hídrico releva-se um tema da maior atualidade, razão pela qual se apresenta e se discute o presente

projeto de lei, que procede à segunda alteração à Lei n.º 54/2005.

O processo de reconhecimento da propriedade privada, ou da posse sobre parcelas de terreno sujeitas ao

domínio público, previsto na Lei n.º 54/2005 tem sofrido várias evoluções no sentido de o tornar mais cómodo

para os particulares que, eventualmente, possam ter de recorrer aos meios judiciais para obter tal

reconhecimento.

Mais cómodo, porque definitivamente é eliminado o prazo para se pedir este reconhecimento judicial, o

qual pode agora ser pedido a todo o tempo sem que os particulares tenham de propor ações até um

determinado prazo. A prorrogação do prazo não era uma opção viável, uma vez que as consequências do não

cumprimento do prazo previsto, ou a prever em caso de prorrogação, levantariam problemas de

constitucionalidade, por poder equivaler a um confisco da propriedade privada.

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Está mais cómodo também, porque a severidade das exigências em matéria de prova foi atenuada. Até

agora, estabelecia-se a regra da prova documental sem exceções de relevo; agora, foram estabelecidas novas

exceções ao regime da prova, designadamente excecionando os casos em que as parcelas de terreno se

encontram fora da jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades

portuárias e os casos das áreas urbanas consolidadas, desde que situadas fora da zona de risco de erosão.

Sr. Secretário de Estado, esperamos que a sua visão das exigências que este diploma impõe sobre os

particulares seja entendida por parte da Administração como um estímulo suplementar para o

desencadeamento ou a conclusão de todos os processo de delimitação do domínio público hídrico, para o que

igualmente contribuirá o novo procedimento de delimitação do domínio público hídrico que constará de

diploma a apresentar pelo Governo.

Estamos em crer que este procedimento de delimitação desencadeará por si a necessidade de instauração

de novas ações judiciais, na medida em que poderá vir a considerar domínio público parcelas de terreno

ocupadas por particulares.

Por isso, Sr. Secretário de Estado, a questão que deixo é a seguinte: não considera que a intervenção dos

tribunais judiciais pode constituir, na verdade, uma garantia e uma segurança adicional para os particulares? É

que as comissões de delimitação apenas podem deliberar sobre o domínio público, ou seja, sobre o que se

encontra na faixa de território que pode ser considerada como tal, mas, quando a parcela cuja titularidade o

particular se arroga se encontra em parte fora do domínio público, quem pode dizer que é efetivamente dele?

E quando essa parcela, ainda que totalmente situada na faixa correspondente do domínio público hídrico, é

disputada por dois ou mais particulares? Será que a comissão de delimitação tem competência para dirimir

esta questão da propriedade entre particulares, ou serão, antes, os tribunais que constitucional e legalmente

têm essa competência?

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago para pedir

esclarecimentos.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, antes de mais, gostaria de deixar

algumas breves notas sobre algumas das considerações que fez.

O Governo delega, encomenda a uma comissão técnica que produza projetos de lei; a comissão técnica,

ou, pelo menos, alguns dos seus elementos, no processo de especialidade, diz que o Governo deturpou todo o

seu contributo;…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É verdade!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … e o Governo vem agora dizer que aqueles que criticam o produto final

estão a criticar a comissão técnica. Enfim, é uma forma de o Governo responsabilizar os outros pelas asneiras

que faz sobre o trabalho dos outros!… É curioso…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Secretário de Estado, gostava de lhe deixar algumas perguntas sobre o

projeto de lei que o PSD e do CDS trazem hoje a debate.

Primeira: está ou não o Governo disponível para, em paralelo com uma solução que venha a encontrar-se

— e friso que o PCP não está de acordo com a totalidade das soluções que o PSD aqui nos traz, aliás, tem

sobre elas sérias dúvidas, e já lá iremos… —, produzir um relatório sobre os usos que são realizados no

domínio público hídrico ou em parcelas que deveriam integrar o domínio público hídrico, cuja titularidade seja

hoje alvo de dúvida, para que a Assembleia possa legislar destrinçando, distinguido, usos legítimos ou até

mesmo legais, com titularidade previamente constituída,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … de outros usos que possam ter sido abusivos de ocupação do domínio

público hídrico?

Por exemplo, não podemos legislar concebendo da mesma forma um pequeno agricultor que tem um

moinho de água e um grande empreendimento turístico que se apropria de uma grande parcela do domínio

público hídrico, veda o acesso ao mesmo e, inclusivamente, leva a cabo um negócio utilizando um recurso que

deveria ser de todos.

A Assembleia da República, seja qual for a solução que venha a encontrar, tem de ter em conta esta

disparidade e estas diferenças. Tal como não podemos, a pretexto de legalizar situações que devem ser

legalizadas ou de facilitar o que deve ser facilitado, facilitar qualquer apropriação do domínio público.

Sr. Secretário de Estado, de acordo com a legislação hoje em debate, e depois de ter ouvido a intervenção

do PSD, que parecia estar a falar de outra coisa qualquer, pergunto-lhe se, por exemplo, o artigo 5.º, n.º 1,

alínea b)¸ abre ou não a porta para que qualquer pessoa instale uma mini-hídrica ou qualquer infraestrutura

numa área que seja não tutelada pela autoridade marítima e fique isenta de provar a propriedade.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É o que aqui diz!

Ao mesmo tempo, Sr. Secretário de Estado, apesar de não ser claro na legislação anterior, esta proposta

deixa claro um aspeto: o que é que acontece, por exemplo, às parcelas das margens do Alqueva ou de

qualquer outra albufeira, que passam a ser passíveis de apropriação, porque a lei clarifica apenas como

podendo ser particulares, ainda que sujeitas a servidões administrativas?

Portanto, para resolver um pequeno problema, não podemos incluir um conjunto tão vasto de matérias. A

própria associação que o Governo faz ao regime jurídico do património imobiliário do Estado, Decreto-Lei n.º

280/2007, levanta muitas dúvidas, porque, Sr. Secretário de Estado, não podemos tratar o domínio público

hídrico como domínio privado do Estado, são coisas diferentes. O domínio público hídrico está à guarda do

Estado, mas não é do Governo, não é para o Governo vender.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente para

responder.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Coimbra, agradeço as

questões colocadas e devo dizer que, de facto, o Governo procurou, na medida do possível, acelerar todos os

procedimentos de concursos de modo a que as intervenções, sobretudo as mais urgentes, possam ser

efetuadas antes da época balnear. É óbvio que há todo um conjunto de contingências relacionadas com

concursos públicos. Estamos a falar de financiamentos comunitários e, portanto, não podemos de maneira

nenhuma facilitar em termos de concursos públicos, pelo que não podemos garantir que não haja

impugnações, que não haja prazos que tenham de ser cumpridos. Porém, faremos o possível para que as

obras mais urgentes possam ser concluídas antes da época balnear.

Relativamente à intervenção das autarquias que, num espírito de cooperação com a administração central,

intervieram no sentido da proteção de pessoas e de bens — e fizeram bem! — em situações urgentes, a

Agência Portuguesa do Ambiente está a negociar protocolos com essas autarquias no sentido de poderem ser

ressarcidas dos investimentos que realizaram.

Sr. Deputado Pedro Morais Soares, haverá aqui juristas mais ilustres do que eu, mas é óbvio que o

reconhecimento da propriedade privada tem de ser feito pelos tribunais. Uma coisa é o Estado demarcar a

linha dos 50 m, a linha do domínio público hídrico; outra coisa é, dentro dessa linha do domínio público hídrico,

decidir o que é privado e o que é do Estado; outra coisa ainda, é o particular querer invocar esses direitos

perante terceiros e, mais tarde, eventualmente, perante o Estado.

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Portanto, do meu ponto de vista, como jurista, mas, enfim, como disse, haverá outros juristas mais ilustres

do que eu, essa prova tem de ser feita pelo tribunal. Ou seja, o reconhecimento definitivo da propriedade de

um particular só pode ser feito pelo tribunal.

Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Miguel Tiago, como já referi, quanto à questão do

domínio público hídrico, mesmo sendo reconhecida a propriedade privada, há sempre um conjunto de

restrições de utilidade pública que impedem que o particular faça o que bem lhe apetece.

Sr. Deputado, se há grandes empreendimentos turísticos em domínio público hídrico, esses grandes

empreendimentos são, de certeza, posteriores a 1951. Portanto, se há uma situação de ilegalidade, ela será

identificada quando for feita a demarcação e isso será objeto do devido procedimento jurídico, se assim for

necessário.

Contudo, lembro que qualquer intervenção, quer seja na margem de uma albufeira, quer seja na margem

de um rio navegável ou flutuável, quer seja na costa, tem de ter um autorização da Administração Pública. Se

houve intervenções sem autorização da Administração Pública, essas intervenções são ilegais e, portanto, têm

de ser sancionadas.

Quando fala em ocupação e em mini-hídricas, devo dizer que o leito dos rios navegáveis e flutuáveis

continua a ser público. Ninguém mexe nisso, porque não é possível. Os leitos são públicos. A única coisa que

esta lei propõe, se assim for entendido, é que haja uma inversão do ónus da prova em relação às margens dos

rios, mais uma vez, não navegáveis e não flutuáveis.

Portanto, o Estado, sempre que entender, pode ir para tribunal invocar propriedade sobre essa faixa.

De qualquer maneira, como referi, mesmo nestas zonas, que são geralmente zonas inundáveis, há todo um

conjunto de restrições, nomeadamente a reserva ecológica nacional e o domínio hídrico, que impedem que

essas margens sejam ocupadas livremente por parte dos particulares.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Maurício

Marques.

O Sr. Maurício Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a 31 de dezembro de 1864 foi

publicado o Decreto Real que declarou do domínio público hídrico «os portos de mar e praias e os rios

navegáveis e flutuáveis, com as suas margens, os canais e valas, os portos artificiais e docas existentes».

A 22 de março de 1868 entrou em vigor o Código Civil de 1867, data a partir da qual o Estado passou a

considerar também as arribas alcantiladas como domínio público hídrico.

A Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, introduziu no ordenamento jurídico uma norma que visou

estabelecer a data de 1 de janeiro de 2014 como limite temporal para o reconhecimento de propriedade

privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas de mar, ou de quaisquer águas navegáveis ou

flutuáveis.

Mais de oito anos após a publicação da Lei n.º 54/2005, poucos foram os proprietários que viram

reconhecida a posse de suas propriedades, apesar da inscrição na conservatória de registo predial e do

pagamento do imposto municipal sobre imóveis.

Foram essencialmente duas as razões que impediram o reconhecimento da propriedade privada de

parcelas incluídas nas margens de mar e de rios: falta de elementos de prova e falta de delimitação do

domínio público hídrico.

Falta de elementos de prova, porque a Lei n.º 54/2005 obriga a provar documentalmente que tais terrenos

eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular antes de 1864 ou de 1867. Sucede que, até finais do

século XIX, normalmente não se registavam as propriedades. Mesmo em alguns registos que foram

encontrados na Torre do Tombo, a descrição predial é feita apenas pelas confrontações, o que impede a

obtenção de uma via evolutiva da propriedade ou do trato sucessivo. Também as conservatórias de registo

predial não possuem registos anteriores a 1867. Verifica-se, assim, que, na generalidade dos casos, torna-se

impossível obter os documentos de prova legalmente exigidos para o reconhecimento da propriedade.

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Falta de delimitação do domínio público hídrico: compete ao Estado a delimitação do domínio público

hídrico. Acontece que essa delimitação não está definida em todo o território nacional, o que impede qualquer

proprietário de saber se a sua parcela está ou não incluída no domínio público hídrico.

Assim, pergunta-se, Sr. Secretário de Estado: para quando a delimitação em todo o território nacional das

faixas que possam constituir domínio público hídrico? Como podem os proprietários ter conhecimento se as

suas parcelas estão ou não incluídas nas referidas faixas de proteção?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, pela intervenção que fez

ficámos a saber que a Lei de Bases do Ambiente decorre de uma iniciativa legislativa de cidadãos com menos

de 35 000 assinaturas, ou, deverei dizer, de uma iniciativa legislativa de personalidades! Acho isto

inacreditável e pergunto-me: «Então, o Governo já não quer assumir a paternidade da Lei de Bases do

Ambiente?»!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Boa pergunta!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Devia! Devia, porque, politicamente, ela vai demonstrar-se

absolutamente inútil, porque não faz orientações na política do ambiente e o que faz, faz mal, porque deveria

travar algumas questões, como, por exemplo, a privatização da água, que os senhores se recusaram a fazer.

Mas, já agora, devo dizer, Sr. Secretário de Estado, porque não esteve na discussão na especialidade, não

deu, naturalmente, conta — talvez a maioria não lhe tenha contado — que muitas destas personalidades

foram ouvidas e vieram dizer-nos que tinham feito muitas sugestões que o Governo, depois, não incorporou na

sua proposta de lei e muitos deles disseram mesmo que era uma lei altamente generalista. Portanto, esta é

uma crítica que deve ser tida em conta. Assuma a paternidade, Sr. Secretário de Estado, e deixe as

personalidades emitir a sua opinião, mas deixe-as também ser críticas relativamente a esta Lei!

Quando falamos do domínio hídrico, estamos a falar de áreas territoriais de extrema importância,

designadamente no que diz respeito à segurança de pessoas e bens e, numa altura em que os efeitos das

alterações climáticas já se fazem sentir — e sabemos que se fazem também sentir sobre o nosso litoral —,

estamos a falar de qualquer coisa de extrema importância, ainda por cima quando uma das consequências é,

justamente, a subida do nível do mar. Portanto, a nossa noção de zonas inundáveis, por exemplo, esse

paradigma vai alterar-se dentro dos próximos anos.

Sr. Secretário de Estado, porque não dispõe de muito tempo, gostava apenas de dizer que o nosso grande

receio relativamente ao projeto de lei que é aqui, hoje, apresentado é a fragilização ou a isenção do princípio

de obrigatoriedade da prova de propriedade que, na nossa perspetiva, pode abrir portas a apropriações

abusivas e ilegítimas do domínio público hídrico, designadamente por parte de grandes interesses. É isso que

tememos neste projeto de lei.

Já agora, uma brevíssima referência a uma nota, muito sensata, que o Sr. Deputado Luís Fazenda fez

relativamente à discussão desta iniciativa legislativa. Sr. Deputado Luís Fazenda, sabe o que acho? Que o

próprio PSD considerou que o seu projeto de lei era muito, muito poucochinho para um agendamento

potestativo.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

Miguel Freitas.

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, começamos por registar a

disponibilidade do Governo e da maioria para discutirmos a questão do prazo para a Administração no sentido

da concretização da delimitação do domínio público hídrico. Consideramos que essa deve ser uma prioridade,

sendo esse um sinal que devemos dar à sociedade portuguesa.

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Tenho duas questões muito concretas para colocar ao Governo sobre o projeto apresentado pela maioria e

gostava de ter a mesma garantia por parte do Governo relativamente a essas duas matérias.

Em primeiro lugar, é criado um regime específico para as albufeiras públicas de serviço público

reconhecendo que as mesmas são particulares, embora sujeitas a servidões administrativas. De qualquer

maneira, há uma situação análoga a esta que não tem o mesmo tratamento neste projeto, que tem a ver com

instalações portuárias, nomeadamente marinas secas que foram feitas em território privado e que, ao abrirem

para o mar, passaram a ser do domínio público hídrico.

Gostava de saber, Sr. Secretário de Estado, se, mantendo-se, naturalmente, no domínio público hídrico, a

titularidade permanece ou não privada. Esta situação existe, nomeadamente, no Algarve e eu gostava que o

Sr. Secretário de Estado me pudesse esclarecer, se é que tem agora resposta para me dar, ou, então,

teremos de discutir na especialidade, se projeto de lei baixar à Comissão.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Muito bem!

O Sr. Miguel Freitas (PS): — A segunda questão tem a ver com estes dois mecanismos de

excecionalidade que são criados, por um lado, para as zonas urbanas consolidadas e, por outro lado, para

terrenos das margens dos cursos de água não sujeitos à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias.

Gostava de saber se isto se traduz num mecanismo de exclusão do domínio público hídrico ou se se mantém

no domínio público hídrico, portanto, se há uma garantia por parte do Governo de que se mantém nesse

mesmo domínio.

Isto remete-nos para uma outra questão, que tem a ver com o processo indemnizatório. Isto é, se for

necessário fazer a desocupação desses territórios, eles serão tratados da mesma forma que aquelas

propriedades que provam a sua titularidade a partir do momento em que foi feita a criação do domínio público

hídrico, ou seja, 1864-1868? É o mesmo tratamento que também será dado pelo regime de exceção, que

agora é criado, ao de 1951? Gostava de saber se o Sr. Secretário de Estado tem uma resposta concreta

relativamente a esta questão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder aos três Deputados que lhe pediram esclarecimentos,

embora já não disponha de muito tempo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, em relação à questão para

quando a demarcação do domínio público hídrico, o que posso dizer é que os trabalhos da Agência

Portuguesa do Ambiente, em colaboração com outros organismos da Administração, estão relativamente

avançados, pelo que pensamos que no curto prazo, digamos que até ao fim do ano, conseguiremos ter uma

demarcação da linha do domínio público.

Relativamente à questão da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia sobre a LBA, o Governo não se envergonha

de dizer que consultou peritos, pessoas de reconhecido mérito para elaborar a lei, lei esta que, aliás, veio da

Assembleia da República. Fiz parte, ainda não nesta qualidade, do grupo de trabalho que elaborou a Lei de

Bases, grupo de trabalho esse constituído por esses representantes e, obviamente, por membros do Governo

e da Administração. Fazendo uma interpretação autêntica, posso concluir que, de entre as sugestões

apresentadas nesse grupo de trabalho, a grande maioria foi tida em consideração — aliás, o documento final

foi aprovado em plenário por todos os membros que dele faziam parte. Portanto, não estive, de facto, na

discussão, na especialidade, mas posso comprovar isso fazendo uma interpretação autêntica.

Relativamente ao referido pelo Sr. Deputado Miguel Freitas, de facto, há a garantia de que, mesmo nos

autos de delimitação que já foram feitos — 730, neste momento, abrangendo cerca de 30% do território —, é

reconhecida às pessoas a sua propriedade privada. Mas há uma servidão (aliás, consta da Lei e sempre

existiu) de interesse público, pelo que não podem dispor dos terrenos que têm da forma que bem entenderem,

devem ter uma autorização por parte do Estado.

Quanto à questão das marinas, se bem a entendi, se as marinas forem identificadas como estando em

domínio público, fazem parte do domínio público. A não ser que eles consigam provar propriedade, nos termos

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de todos os outros. Portanto, se é essa a questão que foi colocada, não haverá aqui distinção entre marinas e

entre os particulares.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, necessariamente breve, tem a palavra o Sr.

Deputado Miguel Tiago.

O Sr. MiguelTiago (PCP): — Sr. Presidente, é apenas para também dar nota, da parte do Grupo

Parlamentar do PCP, de que o interesse que temos em participar na criação de uma solução para este

problema vai traduzir-se na apresentação de propostas concretas, que esperemos tenham a possibilidade de

integrar a solução que venha a ser aprovada. Mas isto não implica — gostaríamos de deixá-lo bem claro —

qualquer espécie de compromisso do PCP com esta que agora está em cima da mesa.

Relembro os Srs. Secretários de Estado e os Srs. Deputados do PSD e do CDS que, apesar de a Lei de

Bases do Ambiente e a lei dos solos não partirem de uma iniciativa legislativa cidadã, como a Sr.ª Deputada

Heloísa Apolónia, ainda há pouco, em tom irónico, apontou, há, de facto, iniciativas legislativas de cidadãos,

na Assembleia da República, sobre a matéria da água, que devem ser tidas em conta quando discutimos a

titularidade dos recursos hídricos. E uma delas, aliás, a única que deu entrada, uma iniciativa legislativa com

milhares de assinaturas de cidadãos portugueses é aquela que proíbe a desafetação do domínio público

hídrico,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. MiguelTiago (PCP): — … estabelecendo que os recursos hídricos devem ser sempre do domínio

público e não devem ser privatizados.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. MiguelTiago (PCP): — Partimos desses princípios para o debate que aí vem, sem prejuízo de, para

aqueles casos em que há uma ocupação específica do domínio público hídrico e há uma titularidade pré-

constituída, podermos criar uma solução, sem abrir portas a qualquer outro tipo de ocupação ilegítima do

domínio público hídrico.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó

Ramos.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados:

Discutimos hoje, nesta Câmara, por iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD, a reforma do ordenamento do

território e o projeto de lei que procede à alteração da lei que estabelece a titularidade dos recursos hídricos.

Um debate em que, para além da apresentação do referido projeto de lei, destacámos a diferente

abordagem que esta maioria e este Governo têm do ordenamento do território, em Portugal.

Depois de anos em que as práticas públicas ficaram muito aquém dos objetivos de serviço à comunidade,

em que fomos tendo instrumentos de gestão territoriais que se cruzavam numa teia complexa, burocrática e

sobretudo muito pouco eficaz, assistimos, agora, a um novo tempo, em que, adaptando-nos à realidade

existente, assistimos à definição de políticas públicas que sejam efetivamente exequíveis.

Neste sentido, permitimo-nos destacar a proposta de Lei de Bases da Política Pública de Solos, de

Ordenamento do Território e de Urbanismo, recentemente aprovada nesta Assembleia. Os desígnios são

evidentes: reorganização dos instrumentos de gestão territorial, que se repercutem no uso do solo,

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simplificando, e, por outro lado, olhar para as cidades, mais concretamente para a promoção da reabilitação

urbana, apostando em territórios urbanos com sistemas coerentes.

No que concerne à reorganização dos instrumentos de gestão territorial, com esta nova Lei de Bases, os

planos municipais serão recentrados, reunindo as normas vinculativas do particular, corrigindo a dispersão de

programas e de planos disponíveis, garantindo que o único interlocutor é o município. Existe, igualmente, uma

clarificação do regime do solo, classificando-o apenas em duas classes, rústico ou urbano, e assegura-se, por

outro lado, uma maior flexibilidade no planeamento territorial, porquanto teremos um PDM mais estratégico e

programático, permitindo uma transformação do solo mais célere e adequada às necessidades do ciclo

económico, com procedimentos mais flexíveis na sua alteração e revisão.

Ao nível da requalificação das cidades, concretiza-se a clara aposta na reabilitação urbana, defendendo

que o desenvolvimento dos aglomerados urbanos tem o seu enfoque precisamente nessa reabilitação e

regeneração urbana. A expansão urbana apenas deverá acontecer quando o aglomerado urbano existente já

não responde às novas necessidades.

O discurso da aposta na reabilitação urbana não é de hoje, nem exclusivo deste Governo, mas a verdade é

que tem sido este Executivo a apresentar as medidas e os programas para que tal seja uma realidade. A este

propósito, não podemos deixar de destacar o Regime Excecional para a Reabilitação Urbana (RERU), já

lançado este ano pelo Governo, em que as novas regras aí previstas vão permitir reduzir em cerca de 40% os

custos dos projetos de reabilitação. Pretende-se terminar com exigências técnicas pouco realistas e que, em

muitos casos, afastaram o investimento em reabilitação, apostando-se na sempre mais fácil construção nova.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD decidiu,

neste agendamento, apresentar um projeto de lei da maioria sobre a revisão da lei que estabelece a

titularidade dos recursos hídricos. Quisemos fazê-lo para destacar a importância deste diploma, que visa

melhorar alguns aspetos da Lei n.º 54/2005, nomeadamente quanto à dificuldade na recolha da prova exigida

para o reconhecimento da propriedade privada de leitos ou margens de águas navegáveis ou flutuáveis.

Quando o legislador apontou o prazo de 1 de janeiro de 2014 para estabilizar definitivamente a situação

jurídica desses terrenos, certamente não contava que, decorridos praticamente nove anos, muito poucas

situações tivessem sido regularizadas, o que fez com que tenha existido um significativo alarme no último

semestre do ano passado com o aproximar do prazo. Naturalmente, quando se apresentou a Lei n.º 78/2013,

em que se estendeu o prazo para 1 de julho de 2014, sabia-se, de antemão, que, até essa data, teria de ser

apresentado um novo diploma que abordasse a questão num outro prisma, ou seja, na necessidade de repor a

possibilidade de os titulares do direito de propriedade sobre parcelas de terrenos de leitos e margens

navegáveis e flutuáveis poderem instaurar, a todo o tempo, as ações judiciais para o reconhecimento dos seus

direitos. Por outro lado, corrigiu-se, igualmente, o excesso de exigência de prova, às datas de 1864 ou 1868,

para determinadas situações que já aqui foram elencadas, pelo que nos parece admissível, e assim propomos,

a dispensa da prova da propriedade anterior a essas datas.

Gostaria de salientar um ponto que também já foi evidenciado no debate. Mesmo no caso de ser

reconhecida a propriedade privada sobre terrenos de leitos e margens, a tutela jurídica dos valores inerentes

ao regime do domínio público hídrico está assegurada, porquanto esses terrenos ficam sujeitos a restrições e

servidões administrativas.

Fazemos votos para que neste processo, como noutros, o interesse geral prevaleça sobre cálculos político-

partidários de circunstância e possa assim contar com o apoio das bancadas da oposição.

Sem querer correr qualquer risco de presunção, consideramos que este é um projeto equilibrado, que,

acautelando o interesse público, não coarta os direitos dos particulares. Este justo equilíbrio é, afinal de

contas, o que deve nortear, sempre, o objetivo do legislador, ou seja, o objetivo de todos nós.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Terminámos, assim, o debate, da iniciativa do PSD, sobre a reforma

do ordenamento do território e a titularidade dos recursos hídricos, conjuntamente, na generalidade, com o

projeto de lei n.º 557/XII (3.ª) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que

estabelece a titularidade dos recursos hídricos (PSD e CDS-PP), o qual será votado no período regimental de

votações que se seguirá.

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Antes de mais, peço aos Srs. Deputados que registem a respetiva presença, para que possamos proceder

à verificação do quórum de deliberação.

Pausa.

O quadro eletrónico regista 205 presenças, às quais se acrescentam 5 (2 do PSD e 3 do PS), perfazendo

210 Deputados, pelo que temos quórum para proceder às votações.

Começamos por votar o projeto de resolução n.º 1013/XII (3.ª) — Deslocação do Presidente da República à

República Popular da China (Presidente da AR).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos passar à votação do texto de substituição, apresentado pela Comissão de Agricultura e Mar, relativo

aos projetos de resolução n.os

84/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo a criação e implementação de um

programa de revitalização dos montados de sobro e azinho (CDS-PP), 867/XII (3.ª) — A revitalização do

montado e a importância de uma dinâmica concertada, por parte da sociedade civil, criada pelo Livro Verde

para os Montados (PS), 882/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo medidas de proteção e valorização do

montado (sobreiro e azinheira) (BE), 886/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo o cumprimento da Resolução da

Assembleia da República n.º 26/2007 (Defender o montado, valorizar a fileira da cortiça) (PCP) e 917/XII (3.ª)

— Recomenda ao Governo medidas que protejam o montado (PSD).

Vamos então proceder à votação deste texto de substituição.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos votar, na generalidade, o projeto de lei n.º 557/XII (3.ª) — Procede à segunda alteração à Lei n.º

54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos (PSD e CDS-PP), cuja

discussão terminámos há momentos.

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PSD e do CDS-PP e as abstenções do PS, do

PCP, do BE e de Os Verdes.

Este projeto de lei vai baixar à 11.ª Comissão, que é a Comissão competente em razão da matéria.

Estamos a concluir os nossos trabalhos e vou anunciar as duas próximas reuniões plenárias. A reunião

plenária de amanhã será inteiramente dedicada à Sessão Solene Comemorativa do XL Aniversário do 25 de

Abril e a sessão seguinte terá lugar na próxima quarta-feira, dia 30, pelas 15 horas, dela constando o debate

do projeto de resolução n.º 1018/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo um conjunto de medidas de combate a

todas as formas de violência escolar (CDS-PP), por marcação do CDS-PP.

Estão concluídos os nossos trabalhos de hoje e desejo a todos os Srs. Deputados uma boa comemoração

do 25 de Abril de 1974. Lembro que hoje mesmo, à noite, haverá uma iniciativa nesta Assembleia da

República.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 25 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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