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Sábado, 26 de abril de 2014 I Série — Número 78

XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)

Sessão Solene Comemorativa do XL Aniversário do 25 de Abril

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz Abel Lima Baptista Artur Jorge da Silva Machado

S U M Á R I O

Às 10 horas entrou na Sala das Sessões o cortejo em

que se integravam o Presidente da República, a Presidente da Assembleia da República — que saudaram, com uma vénia, os membros do Corpo Diplomático presentes —, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Tribunal Constitucional, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, os Secretários da Mesa da Assembleia da República, o Secretário-Geral da Assembleia da República, o Chefe do Protocolo do Estado, a Chefe de Gabinete da Presidente da Assembleia da República, o Vice-Chefe do Protocolo do Estado e a Diretora do Gabinete de Relações Internacionais e Protocolo da Assembleia da República.

No Hemiciclo, encontravam-se já, além dos Deputados e Ministros, os Presidentes do Tribunal de Contas e do Supremo Tribunal Administrativo, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a Procuradora-Geral da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Provedor de Justiça, o Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, o representante da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, a representante do Governo Regional dos Açores, os Conselheiros de Estado, o

Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, o Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, os Chefes dos Estados-Maiores da Força Aérea, da Armada, do Exército, o representante da Associação Nacional de Freguesias, o Governado do Banco de Portugal, dois chanceleres das Ordens Honoríficas Portuguesas, Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública e a Secretária-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Encontravam-se ainda presentes, na Tribuna A, a senhora de Cavaco Silva, os anteriores Presidentes da República Ramalho Eanes e senhora e Jorge Sampaio e senhora, os anteriores Presidentes da Assembleia da República Oliveira Dias, Almeida Santos e Jaime Gama, os anteriores Primeiros-Ministros Pinto Balsemão, Durão Barroso e Santana Lopes e o Cardeal Patriarca de Lisboa; na Galeria I, o Corpo Diplomático; na Galeria II, o Presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, membros da Direção

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da Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República, o Comandante Naval, o Comandante do Comando Aéreo; na Galeria III, Secretários de Estado, Deputados ao Parlamento Europeu, os Presidentes da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, o Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN, os representantes da Comissão Nacional de Eleições e da Comissão Nacional de Proteção de Dados, representantes das confederações patronais, os Secretários-Gerais da CGTP e da UGT, o Presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas e outras individualidades convidadas.

Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República tomou lugar à direita da Presidente da Assembleia da

República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional.

De seguida, deu entrada no hemiciclo o Coro Infantil da Escola de Música do Conservatório Nacional, que interpretou a canção Traz outro amigo também, acompanhado pelo pianista José Manuel Brandão.

Seguiram-se os discursos dos Deputados José Luís Ferreira (Os Verdes), Mariana Mortágua (BE), Jerónimo de Sousa (PCP), Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP), António José Seguro (PS) e Luís Montenegro (PSD), da Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República.

A sessão foi encerrada eram 11 horas e 55 minutos, tendo o hino nacional sido, de novo, tocado pela Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos.

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A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Srs. Deputados, declaro aberta a Sessão Solene

Comemorativa do XL Aniversário do 25 de Abril.

Eram 10 horas.

A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada dos Passos Perdidos, executou o hino nacional.

De seguida, deu entrada no hemiciclo o Coro Infantil da Escola de Música do Conservatório Nacional, que

interpretou a canção «Traz outro amigo também», acompanhado pelo pianista José Manuel Brandão, que a

Câmara, no final, aplaudiu.

Dou agora a palavra ao Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», pelo Sr. Deputado José

Luís Ferreira.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

A Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de

Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.as

e Srs. Convidados: Passados

40 anos sobre aquela límpida madrugada de sol e esperança com chuva de cravos e de sonhos, que imprimiu

cor, liberdade, democracia e paz aos dias que lhe seguiram, que nos trouxe tanta e tanta coisa, falamos hoje

de Abril.

Porque Abril é o dia de que é preciso falar, todos os meses, todos os dias, mas, hoje, mais do que nunca.

Falar de Abril, sem amarras e sem permitir que a mentira lhe roube a luz, a alegria inicial e o sonho de um

povo que, 40 anos depois, continua a aspirar por um País capaz de se reencontrar com os valores que nessa

madrugada foram convocados para fazer parte do nosso destino coletivo.

Falar dessa madrugada é falar dos Capitães de Abril, que, com uma determinação singular e de forma

absolutamente elevada, foram capazes de dar corpo ao sentir de um povo inteiro.

Mas é também falar da resistência, do inconformismo e da coragem de tantos homens e mulheres que,

partilhando causas e valores, que consideravam justos, lutaram durante anos por esse dia de sol e de

esperança e de chuva de cravos e de sonhos.

Por isso, em nome do Partido Ecologista «Os Verdes», gostaria de saudar os Capitães de Abril e os

homens e mulheres que lutaram por um País livre, capaz de promover a paz e a justiça social.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Falar de Abril é falar de uma jornada. Uma jornada que enterrou

definitivamente uma ditadura, ao mesmo tempo que nos abriu as portas para um mar de possibilidades.

Abril deixou para trás a censura, a perseguição, as prisões políticas, a tortura, a guerra e o «adeus, até ao

meu regresso».

Para trás ficou um País a preto e branco, cinzento, descalço, onde a mortalidade infantil imperava e o

analfabetismo era moda, onde o ensino era só para os ricos, o tal ensino de que alguns têm hoje saudades.

Saudades do tempo em que se batia e humilhavam as crianças e os jovens e que mantinha o ensino ao nível

da propaganda fascista, onde a régua e a cana-da-índia eram instrumentos de trabalho como o ponteiro, a

lousa ou o quadro.

Tudo isso e muito mais Abril remeteu definitivamente para os arquivos da nossa história.

Mas hoje, 40 anos depois, ainda que nos digam que são provisórios, sentimos indícios do ressuscitar de

situações que pensávamos que Abril havia resolvido.

Antes de Abril, a saúde comprava-se e a pobreza ganhava contornos de generalidade; a fome espreitava

as casas e instalava-se até à mesa de muitas famílias portuguesas; a reforma era um caminho que obrigava

os idosos a percorrerem as ruas de mão estendida; o trabalho não era um direito mas um favor dos patrões.

Infelizmente, qualquer semelhança com o que vemos hoje não é apenas pura coincidência!

Na verdade, Abril promoveu uma substancial melhoria nas condições de vida das pessoas, representou um

impulso no progresso social sem precedentes na nossa história e o pensar deixou de ser crime.

Conquistámos importantes direitos políticos e sociais, que constituem, hoje, um valioso património da

nossa democracia, de que é exemplo a institucionalização do salário mínimo nacional; a generalização do 13.º

mês; o direito a férias e ao respetivo subsídio; a democratização do ensino; a universalização do direito à

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segurança social e à saúde; a generalização das pensões de reforma e do subsídio de desemprego, e,

sobretudo, ganhámos o direito a sonhar com um futuro melhor. O sonho de um País livre, com justiça social,

pautado por um desenvolvimento sustentável e de preservação dos recursos naturais.

40 anos depois de 74, Portugal é um País melhor, sem dúvida, mas o percurso de lá até aqui, com

particular enfoque nos últimos três anos, deixa-nos fortes motivos de preocupação.

Abril está a perder força! A procura da justiça social está a ser descaradamente abandonada e o Estado

social está a ser intencionalmente destruído. A fome espreita já em muitos lares portugueses. E se em cada

esquina tínhamos um amigo, agora, em cada esquina, temos duas pessoas sem trabalho.

Volta, assim, a ganhar cada vez mais atualidade a música do Sérgio quando nos diz: «somos tantos a não

ter quase nada, porque há uns poucos que têm quase tudo».

Mas isto nada tem a ver com Abril, pelo contrário, tem a ver com as opções dos vários Governos dos

últimos 38 anos, que, intencionalmente ou não, se foram afastando dos ideais de Abril, que, aos poucos,

acabaram por vender a nossa produção, destruíram a nossa economia e empobreceram os portugueses.

O resultado das políticas desses Governos, sobretudo do atual Governo PSD/CDS, está à vista: o

desemprego atinge números nunca vistos; metade das pessoas desempregadas não tem acesso a qualquer

apoio social; transformou-se o direito ao trabalho num favor da entidade patronal; corta-se nas prestações

sociais; corta-se nos salários e nas pensões; impõe-se um brutal aumento de impostos; a justiça é só para

alguns; a saúde passou a ser um luxo e o transporte de doentes uma miragem; a educação é só para quem

tem capacidade económica; transformam-se os jovens licenciados em emigrantes; transformam-se empresas

do Estado, que dão lucro, em negócios chorudos para o sector privado; transformam-se cidadãos com direitos

em clientes com necessidades que se satisfazem no mercado; agravam-se as problemáticas ambientais;

deixa-se a nossa costa à mercê do clima e da agitação marítima; procura-se mercantilizar recursos

fundamentais à vida como a água; privatiza-se a EGF, deixando fora do controlo democrático o setor dos

resíduos, que é um sector estratégico e fundamental para o País, para a saúde, para a qualidade de vida das

pessoas e para o equilíbrio ambiental, e que é um grupo rentável com lucros acumulados nos últimos três

anos da ordem dos 62 milhões de euros. Um verdadeiro monopólio natural!

A remoção do amianto não passa de um manto de promessas vãs; transforma-se a política de conservação

da natureza numa oportunidade de negócio; levam-se os baldios aos compartes; extinguem-se freguesias e

desrespeita-se a autonomia do poder local.

E, já que não multiplicam o pão, multiplicam a pobreza, que atinge hoje níveis nunca vistos depois da

Revolução. A pobreza não para de aumentar, como não para de crescer a injustiça na distribuição da riqueza.

Mais de 40% dos desempregados e 11% dos empregados são pobres e o risco de pobreza entre os menores

de 18 anos é atualmente de 24%.

Aumenta o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, sendo que há dois milhões e meio de portugueses

em risco de pobreza, em virtude do desemprego, dos salários baixos, da carga fiscal e dos cortes nas

pensões.

Hoje, em Portugal, empobrecesse a trabalhar!

Do outro lado, estão os milionários, que, apenas num ano, aumentaram as suas fortunas em 17%.

E aqui ficam alguns exemplos dos lucros das grandes empresas no ano de 2013: Portucel — 210 milhões

de euros; Galp — 310 milhões de euros; Sonae — 319 milhões de euros; Jerónimo Martins — 382 milhões de

euros, BES — 517 milhões de euros; EDP — 1005 milhões de euros.

Recordo que estamos a falar dos lucros de 2013, um ano de crise para a generalidade dos portugueses;

quanto a 2014, estas empresas ainda vão beneficiar da baixa do IRC que o Governo concedeu às grandes

empresas.

De facto, a arrogância do poder financeiro, que condena à pobreza e à exclusão social grande parte da

população portuguesa, traz-nos à memória os Vampiros do Zeca: «Eles comem tudo e não deixam nada».

No meio de todas estas injustiças, os catequistas da austeridade, do empobrecimento, dos cortes e dos

ajustamentos, falam de sinais positivos, do milagre económico, de previsões otimistas, do crescimento

económico, mas, com tanta conversa, a verdade é que os portugueses continuam a empobrecer, a verdade é

que a austeridade está a encurtar a vida dos mais velhos e a forçar a emigração dos mais novos, está a

aumentar o horário de trabalho e a colocar as pessoas a trabalhar mais anos e a receber menos da reforma.

Com tanta austeridade e com tantos sacrifícios é oportuno perguntar: o que é feito do dinheiro?

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Bom, aqui fica uma ajuda: 12 000 milhões foram para a banca; 7300 milhões por ano são pagos em juros

da dívida; 1045 milhões são concedidos em benefícios fiscais, só em 2013; 850 milhões são para pagar os

encargos com as parcerias público-privadas; 1008 milhões em contratos swap; 7000 milhões para o BPN e

mais uns milhões para os submarinos.

Abril transformou o País para melhor. Muito melhor! Houve uma mudança estrutural e material. Mas se hoje

estamos como estamos, devemo-lo às políticas dos Governos, que nestes 38 anos foram muitos, é verdade,

mas os partidos que os apoiaram foram só três.

O poder dos mercados não pode estar acima do poder do Estado. Os mercados estão a tentar expulsar o

Estado da economia e a mercantilizar o Estado social e os Governos têm vindo a permiti-lo.

Abril nada tem a ver com isto e, portanto, é justo que os portugueses penalizem em futuros atos eleitorais

os partidos responsáveis pela situação. Já que o Governo não muda as políticas, os portugueses deveriam ter

oportunidade de mudar de Governo.

40 anos depois é altura de os portugueses exigirem o reencontro com os valores de Abril e exigirem um

Governo que respeite a Constituição.

Viva o 25 de Abril!

Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — A próxima intervenção é do Bloco de Esquerda, pela

Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro

e demais Membros do Governo, Srs. e Sr.as

Deputados, Sr.as

e Srs. Convidados: A minha geração não

conheceu outro regime que não a democracia de Abril. Não habitámos esse não tão longínquo País de uma

ditadura imposta por um regime fechado, violento e corrupto, mas devemos tudo a quem se lhe opôs e trouxe

para Portugal o século XX.

Eu e tantos que não viveram durante esse longo março, devemos tudo, mas mesmo tudo, às mulheres e

aos homens que tiveram a coragem de desafiar o medo e desejar uma revolução. Essas pessoas devem por

isso ser lembradas e respeitadas. Respeitadas porque não se deve nem se pode viver sem memória, mas,

sobretudo, porque é assim que Portugal se encontra consigo próprio neste dia.

Antifascistas, revolucionários românticos, ex-presos políticos, sindicalistas da resistência, soldados,

Capitães de Abril, queremos saudar-vos. A vossa voz merecia ser ouvida, aqui e hoje, porque é a voz de todos

os que vos devem a voz. Assim se faria a mais notável democracia, sem tutelas nem complexos, juntando o

passado e o presente de um País que nos exige a responsabilidade da memória.

Não nos faltam, no entanto, excelentes razões para festejar esse tempo de mudança que foi a revolução.

Ela venceu o regime que subjugava os povos colonizados, que protegia afilhados, promovia torcionários e

distribuía o resultado daquilo que era produzido por todos a um punhado de financeiros e de industriais

situacionistas.

Ela venceu o regime que promovia o analfabetismo e condenava milhões à indigência, que condenava as

mulheres a uma cidadania de segunda e os homossexuais a cidadania nenhuma, que fazia um Estado forte na

polícia política, na censura e na guerra, mas fraco na cultura, na saúde e na educação.

Ela, a Revolução, venceu a ladainha que dizia que a honra vinha da pobreza, da submissão e do temor.

Abril atingiu a casta dominante que se alimentava e era alimentada pela ditadura, fez mossa nos seus

privilégios, no seu direito de explorar e oprimir um País, criou uma democracia, trouxe a pluralidade das

escolhas, o confronto de ideias e trouxe futuros possíveis, mas não só: empenhou-se na ideia que a

democracia e a liberdade se forjam na igualdade, na justiça e na solidariedade e, com base nessa ideia,

construiu o Serviço Nacional de Saúde, a escola pública, a proteção social, a decisão coletiva sobre os bens

públicos e esse é o enorme Portugal de Abril de que nos orgulhamos.

Bem sei que há hoje quem se desencante com o que foi feito deste País de Abril. Afinal, renderam a nossa

democracia à ditadura dos mercados e é em seu nome que governam. Merkel locuta est, causa finita est! Se

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Merkel falou, a conversa acabou! Se Berlim manda, o Governo cumpre. Se os mercados murmuram, o País

estremece.

Estranha forma de democracia esta, em que toda a governação é feita a pensar nos mercados e avaliada

por eles e em que, em seu nome, se rejeita a existência de qualquer alternativa a este fanatismo «austeritário»

destruidor.

A justificação desta traição é a culpa: culpa dos idosos, que insistem em ter uma pensão para a qual

descontaram; culpa dos desempregados, que provocam despesa social; culpa dos doentes, que tomam

medicamentos a mais; culpa de um povo de trabalhadores, que viveu acima das suas possibilidades; culpa de

um povo, que ousou deixar de ser pobre e, por isso, perdeu a honradez.

Moralismo sinistro este de quem diz a Portugal que governe para punir, para sacrificar e para redimir.

Moralismo sinistro este de quem se orgulha da «cultura de excelência» da escola do fascismo que só

produziu analfabetos, de quem tolera a praxe violenta e humilhante.

Moralismo sinistro este de quem impõe a sua novilíngua, chama oportunidade à emigração forçada;

empreendedorismo à venda de pipocas; requalificação ao despedimento; reforma do Estado ao

desmantelamento dos serviços públicos.

Entretêm-nos com esta longa lengalenga que a educação é cara, que a saúde é dispendiosa e que as

pensões não são sustentáveis. Uma lengalenga interminável para que nunca perguntemos: quanto custa e a

quem dá a ganhar toda esta austeridade? Quanto custa e a quem dá a ganhar a passagem do que é público

para o privado?

E, chegados aqui, vêm reclamar aquilo que ninguém em democracia ousou reclamar: querem a eternidade

do seu poder. Reclamam um pacto de regime ou, nos termos orgulhosos de quem sempre regressa ao local

do crime, o consenso do arco da governação.

Aos mercados incomoda essa maçadoria chamada democracia e os governantes, para lhes fazer a

vontade, apelam a um consenso e é o que repetem todos: de Merkel ao FMI, do BCP ao Banco de Portugal.

Mas o País não pode suportar a escolha entre a austeridade nefasta e a austeridade fofinha. A austeridade

não é um remédio, é uma peçonha!

Fizeram de 10 milhões de cidadãos as cobaias de um laboratório e os resultados estão à vista: cinco anos

do maldito remédio e o País tem menos gente mas mais pobres. Este País não é para velhos, porque não

respeita o seu passado, mas também não é para jovens, porque não se pode ser jovem tendo nada à frente.

O consenso, que, aqui e hoje, vai ser refrão, é o embuste dos governantes que querem silenciar o País

para continuarem a governar para os mercados. Chamam consenso à passagem do tempo da troica para o

tempo do tratado orçamental. Um salto limpo da panela para a frigideira, pois não é de finanças saudáveis que

trata o tratado orçamental e muito menos da sustentabilidade do modelo social europeu.

O que o tratado quer instituir é a subjugação de todas as políticas a uma regra financeira, o que o tratado

diz é que a democracia acaba onde o défice começa e que só há uma forma de cumprir a regra: austeridade.

Este consenso da austeridade e do tratado orçamental é a ameaça que paira sobre o nosso futuro. Em seu

nome é tecida uma outra constituição, não escrita, não votada, não escrutinada. É a lei dos credores e dos

mercados, que querem sobrepor-se à Constituição de Abril.

Em seu nome, legitima-se o despedimento sem justa causa, alteram-se leis sem justa causa, cortam-se

direitos sem justa causa.

Um cantor, do outro lado do mundo, usou as palavras certas para descrever a regressão social que tenta

tomar conta do nosso País e do nosso presente: «Eu vejo o futuro repetir o passado / Eu vejo um museu cheio

de grandes novidades».

Pois nestes 40 anos reclamamos o poder transformador desse dia que rompeu com um passado sem

futuro. Foi Abril que nos trouxe aquilo que é nosso, que é partilhado e que faz a democracia.

E a democracia é feita, pela sua própria natureza, de alternativas, e elas existem, como ficou bem claro

com a abrangência do apelo pela reestruturação da dívida. A prioridade é essa; o desafio é este: não nos

respondam com ameaças, com os afobos da Comissão Europeia ou os trovões dos mercados! Falem-nos de

soluções.

As soluções são difíceis, mas existem. A solução é: coragem. As pensões dos idosos valem mais que as

rendas garantidas; as pessoas valem mais que os mercados; a democracia vale contra o empobrecimento e

Portugal vale mais que a Goldman Sachs.

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Senhoras e Senhores, faço parte de uma geração que já nasceu e cresceu em democracia. Não é por

saudosismo que falo de Abril, é por vontade de futuro. E um futuro feito de inevitabilidades é uma fraude, não

há democracia sem escolha. Quando nos dizem que, independentemente do que escolhermos, o nosso futuro

a 20 ou 30 anos já está decidido, é a própria democracia que estão a colocar em causa.

Se Abril nos ensinou algo foi que o mais impossível, uma revolução, pode ser criado pela vontade popular.

Celebrar a Revolução é lembrar cada tijolo com que se construiu a liberdade e, com ela, a democracia.

Alguém se atreve então, na evocação desse dia luminoso, a dizer que este País deve desistir de ser

soberano na sua democracia? Alguém se atreve a dizer que é nossa condição eterna obedecer aos humores

dos credores e dos mercados?

Hoje, aqui, usamos a voz que Abril nos deu para dizer que Constituição do nosso povo, os seus direitos, a

sua soberania para escolher o futuro não são hipotecáveis às mãos dos mercados.

Como na canção: «Viemos com o peso do passado e da semente / Esperar tantos anos torna tudo mais

urgente / E a sede de uma espera só se estanca na torrente»

A esta torrente, a esta semente, a esta urgência, a este povo e a esta gente chamamos liberdade.

Viva a democracia! Viva o 25 de Abril!

Aplausos do BE, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — A próxima intervenção é do Partido Comunista

Português, pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de

Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Sr.as

e Srs. Convidados: 40 anos, sendo um tempo curto

na história de um povo, é um tempo largo nas nossas vidas, que permite extrair lições e ensinamentos sobre o

ato e o processo mais moderno e avançado da nossa história contemporânea, a Revolução de Abril.

Ato de libertação e processo de transformação, realização, conquista e participação, não esquecendo

nunca o País que tínhamos resultante do regime fascista de quase meio século de opressão, que usava a

violência contra o povo não por sadismo mas, antes, como instrumento repressivo de proteção e sustentação

da ditadura terrorista dos monopólios e latifúndios.

Guerra, isolamento internacional, atraso económico, social, cultural e civilizacional, analfabetismo,

emigração em massa, liberdades individuais e coletivas juguladas, desigualdade entre homens e mulheres,

com um povo sofrido mas de onde emergiam os lutadores, comunistas e outros democratas e patriotas, que,

passando por terríveis provações, com muitos anos de prisão, perseguição e repressão, apesar das feridas e

cicatrizes, sabiam que resistir era já vencer, mesmo sem saber em que data seria essa vitória.

Aconteceu naquela madrugada de Abril de 1974. Corajosamente, um sector das Forças Armadas,

determinado pelos capitães para quem o povo e as instituições democráticas têm uma dívida de gratidão,…

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

… inicia um levantamento militar de desfecho imprevisível imediatamente apoiado e secundado por um

levantamento popular.

Esta fusão operacional e original do povo e das Forças Armadas foi decisiva porque, sem iniciativa popular,

o movimento militar não venceria, tal como o movimento popular sozinho não teria êxito.

Movimento popular que quis afirmar, de forma inequívoca, o seu apoio à Revolução logo nas primeiras

horas, mas, particularmente, naquele primeiro 1.º de Maio em liberdade convocado pela Intersindical Nacional

e que encheu as ruas e praças das vilas e cidades.

A consigna Povo-MFA não foi uma consigna imaginada em gabinetes por estrategas militares ou por

políticos imaginativos, mas o reconhecimento, aprovação e definição de um desenvolvimento real e concreto

do processo de conquista da liberdade e da democracia e sua instauração e institucionalização com a

Revolução de Abril.

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Em todo o processo que se seguiu nenhuma das suas realizações foi oferecida ao povo português, nem

por salvadores, nem pelo poder político, nem pelos militares. Foram por ele conquistadas, reconhecidas pelo

MFA e consignadas pelos Deputados constituintes.

As liberdades de imprensa, de associação, de reunião, de manifestação; uma nova estrutura económica

liberta do poder dos monopólios, travando a sabotagem económica e conduzindo às nacionalizações de

sectores básicos e estratégicos, valorizando o papel das pequenas e médias empresas; conquistando a

reforma agrária, combatendo a ação dos latifundiários, desbravando terras incultas e desenvolvendo a

produção agrícola e pecuária nas terras do sul, criando emprego; conquistando, mais a norte, o direito ao uso

e a gestão dos baldios pelos povos; conquistando direitos laborais, sociais e culturais, liberdade sindical,

direito à greve, a não ser despedido sem justa causa, proteção na infância e na velhice, direito ao ensino, à

saúde, à proteção social, direito à igualdade das mulheres no trabalho, na família e na sociedade, direitos da

juventude; conquistando o direito de decidir sobre os problemas das suas terras e o seu desenvolvimento,

concretizado no reconhecimento do poder local democrático.

Conquistas que acabaram por ser consagradas na Constituição aprovada por uma Assembleia

Constituinte, ela, em si mesma, expressão plural da conquista do direito de votar, de eleger e ser eleito.

Não, não foi uma Revolução perfeita ou produto de uma experiência laboratorial, mas muito menos foi um

ato e um processo em que fosse preciso mudar alguma coisa para ficar tudo na mesma. Não se esperava que

os poderosos, a classe dominante desapossada do poder, assistisse passivamente ao processo de

transformação que punha em causa os seus interesses e privilégios.

Foi uma Revolução onde os trabalhadores e o povo decidiram assumir o seu papel de obreiros,

construtores e donos do seu devir coletivo, materializando sonhos, aspirações e reivindicações, abrindo as

portas de um País encarcerado ao mundo, libertando outros povos que também lutavam para se libertarem do

jugo do colonialismo, cuja presença hoje, aqui, também saudamos, pondo fim à guerra e propondo a paz e a

cooperação entre os povos. E aos que querem reescrever a história lembramos que foi a Revolução de Abril, e

não outro processo, que abriu as portas de Portugal à Europa e ao mundo.

Comemorando, continuamos e continuaremos a dar combate à reescrita da História, à negação da

existência do fascismo, às falsas atribuições do papel de cada um na revolução e na contrarrevolução que se

seguiu.

Durante décadas, sucessivos Governos, exercendo o poder, executando a política direita que dura há 37

anos, recuperaram e restauraram de novo o poder do grande capital, submetendo o poder político ao poder

económico, rasgando ou engavetando compromissos assumidos com o povo e com a Constituição, com Abril.

Sim, é verdade que muitas das principais conquistas de Abril foram destruídas, que se assiste à

recuperação pelos novos e velhos senhores do capital das parcelas de domínio perdido com Abril, voltando a

amassar fortunas nuns poucos, agravando as injustiças, o aumento da exploração e do empobrecimento, a

dependência do estrangeiro.

Sobre o povo que se atreveu a resgatar a sua dignidade e o poder e a soberania que nele deve residir,

volta a classe dominante e os seus executantes a decretar a resignação e a submissão, não suportando a luta

nem os lutadores.

Sr.ª Presidente, aos que contemplam hoje a sua obra de destruição e fazem planos para muitas décadas

de austeridade e sofrimento, nós dizemos: o projeto de Abril inscreve-se ainda na Lei Fundamental. Os seus

valores continuam a ter validade e atualidade.

Do desenvolvimento económico, tendo como objetivo a melhoria da qualidade de vida das populações e o

pleno emprego, emanam os valores da justa e equilibrada distribuição da riqueza, da economia ao serviço das

pessoas e da justiça social.

Da reforma agrária e dos baldios emana o valor da terra a quem a trabalha e o ancestral valor comunitário

da terra; das nacionalizações emana o valor, a necessidade e a possibilidade de pôr fim ao poder dos

monopólios; dos direitos laborais emana o valor do trabalho e dos trabalhadores; do Estado para responder às

necessidades do País em oposição ao Estado que temos como instrumento de uns poucos, emana o valor do

Estado ao serviço do povo; da independência e soberania nacionais emana o valor do povo português decidir

do seu futuro e da sua Pátria.

Tais valores estão presentes na sociedade e na consciência, hoje abalada mas latente, que a Revolução

deu aos portugueses e nos direitos que resistem.

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Consciência que a liberdade vale, consciência dos direitos do ser humano ancorados no coração de quem

viveu e participou no ato e no processo da Revolução.

Dir-nos-ão que mais de metade da população não tinha nascido ou era criança quando aconteceu Abril,

mas na consciência das novas gerações, quando hoje lutam pelo direito ao trabalho com direitos, contra as

injustiças, a precariedade e o desemprego, quando lutam contra as propinas ou os cortes das bolsas, em

defesa da escola pública, quando vêm à rua gritar a sua indignação contra a troicae a submissão ao

estrangeiro, quando entendem a liberdade como algo tão natural e insubstituível como o ar que respiram,

então, mesmo que eles não lhe deem esse nome, na sua consciência fermentam e alicerçam-se os valores de

Abril, que hão de projetar-se no futuro de Portugal.

Uma política e um Governo que estão a dar cabo do presente da juventude e a querer roubar-lhe a alegria

de viver é que estão condenados à derrota e a não ter futuro.

Para o PCP, partido da resistência e da luta antifascista, partido de Abril, se há coisa que aprendemos é

que, mesmo quando tudo parece ameaçado ou perdido, é pela luta, pela força do nosso ideal, com uma

política de verdade, pela confiança no povo português, com a convergência dos democratas e patriotas, que

temos a convicção inabalável que nada está perdido para todo o sempre, que é possível uma vida melhor num

Portugal de progresso, livre e democrático, com uma política patriótica e de esquerda, uma democracia

avançada inseparável dos valores que emanam desse acontecimento extraordinário que foi a Revolução de

Abril, que hoje celebramos.

Lutaremos por isso, com aquela esperança que não fica à espera, com aquela confiança que Ary dos

Santos, poeta de Abril, expressou no seu poema que «quando o povo acorda é sempre cedo».

E se Abril e os seus valores continuam a ser e a ter mais projeto que memória, então, valeu e vale a pena.

Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — A próxima intervenção é do CDS-PP, pelo Sr.

Deputado Filipe Lobo d’Ávila.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal da Justiça, do Tribunal Constitucional

e demais Tribunais Superiores, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Altas Autoridades Civis e Militares, Srs.

Membros do Governo, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Sr.as

e Srs. Convidados, Sr.as

e Srs.

Deputados: Comemorar 40 anos de 25 de Abril é comemorar 40 anos de democracia. É comemorar 40 anos

de liberdade. É sublinhar a coragem de quem se opôs, é lembrar que só há revoluções quando não há

reformas, é recordar que o espírito do 25 de Abril – a liberdade de todos e para todos – foi confirmado pelo 25

de Novembro. Por isso, vivemos em democracia pluralista.

No CDS, esta sempre foi a leitura que fizemos do 25 de Abril, uma leitura abrangente, sem complexos ou

dogmas de qualquer natureza.

O 25 de Abril tem autores que devem ser reconhecidos, mas o 25 de Abril não tem proprietários exclusivos

ou especiais, o povo português é o seu único dono.

Nesta cerimónia, está presente a memória dos militares que tornaram o 25 de Abril possível, sem

derramamento de sangue, dado o esgotamento do regime e a ausência de uma transição. Mas lembramos

também que ao 25 de Abril se sucedeu um processo revolucionário que pretendia sobrepor a legitimidade

armada à legitimidade do voto.

Saudamos, por isso, o papel determinante dos civis e dos militares que, com igual coragem e sentido de

compromisso, fizeram prevalecer o Estado de direito democrático.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Comemoramos os 40 anos do 25 de Abril sabendo que o 25 de Abril não é exclusivo de ninguém, nem à

esquerda nem à direita; comemoramos os 40 anos do 25 de Abril sabendo que o 25 de Abril não deve ser

instrumentalizado pois não tem tutores nem permite exclusões.

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Digo-o, nesta tribuna, pertencendo a uma geração que já nasceu em liberdade, cresceu em democracia e

se habituou a viver num Portugal europeu.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Minhas Senhoras e Meus

Senhores: Nasci em democracia, em 1975. Nesse momento, Portugal ainda vivia o processo revolucionário.

Era um tempo de incertezas, vivido entre ilusões e desilusões, acertos, erros e desvarios, sonhos e excessos.

Tempos e momentos em que ainda se procurava o caminho da verdadeira democracia.

Não conheci a guerra de África, nunca enfrentei a censura, não sei o que é viver com medo nem sei o que

é viver sem liberdade. Sem liberdade de pensar, sem liberdade de falar, sem liberdade de participar, sem

liberdade de escolher, sem liberdade de discordar, sem liberdade de construir, sem liberdade de criar e, até,

sem liberdade de sonhar.

A liberdade, para a minha geração, é um valor natural, mas nem por isso, ou talvez até por isso, deixa de

ser importante protegê-la.

Faço parte de uma geração que encara o 25 de Abril com naturalidade. Com a naturalidade de quem

beneficiou do seu momento fundador e de quem tem consciência da alteração do conceito estratégico nacional

que nesse momento aconteceu.

Uma geração que ganhou mundo no mundo com a livre circulação de pessoas; uma geração que caminha

pelo mundo global da língua portuguesa com amizade entre povos e respeito pela soberania dos Estados que

partilham uma língua e uma cultura universais; uma geração que sabe que a vocação europeia de Portugal

não é certamente estranha ao mais antigo Estado-Nação com fronteiras estáveis na Europa, mas que sabe

igualmente que para a identidade e futuro de Portugal há mais mundo além da Europa e o mar foi e será

sempre o nosso ponto de partida.

Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Teixeira de Pascoaes dizia que «ser português é uma

arte, uma arte que se aprende a partir das raízes». Uma arte, há que dizê-lo com orgulho e atitude positiva,

que assumimos como herança e que temos obrigação de transmitir como legado.

Por isso mesmo, falemos também com franqueza do Portugal em que vivemos hoje.

Nos últimos 3 anos, a partir do resgate, Portugal viveu em regime de exceção.

A dependência dos credores retirou-nos autonomia política, a urgência financeira secundarizou muitos

outros aspetos da nossa vida e estamos a poucas semanas de recuperar, com dignidade, muito esforço e

sacrifícios, a parcela de soberania que a dívida nos tirou. Terminar a exceção também é resgatar a nossa

liberdade!

Do ponto de vista económico, o resgate trouxe uma inevitável e dura recessão e o problema da dívida

entrou, bruscamente, em casa das pessoas sob a forma de impostos ou desemprego.

Estamos já em tempo de viragem para um ciclo de crescimento; só esse crescimento será capaz de gerar

emprego, temos as contas públicas mais equilibradas e só esse equilíbrio permitirá a necessária moderação

fiscal.

Do ponto de vista social, foi fundamental procurar manter a coesão social, apesar de todas as dificuldades,

e, progressivamente, devemos começar a corrigir as injustiças que o tempo do resgate causou.

Sabemos que é preciso olhar para as questões estruturantes do futuro, como a demografia, e temos de ser

capazes de continuar a proteger os mais pobres entre os mais velhos.

Mas é também importante uma nova atitude, uma atitude pela positiva, que reconheça, com lucidez, aquilo

que hoje ainda é fonte de frustração, desilusão e até de afastamento, mas uma atitude mobilizadora capaz de

unir em nome do que Portugal tem de muito bom, capaz de mobilizar para aumentar o nosso potencial, capaz

de reformar para modernizar e capaz de corrigir para não vivermos novamente em tempos de aflição.

Não há um único português que deseje voltar a viver as condições que determinaram a emergência, o

resgate e, muitas vezes, demasiadas vezes, o sofrimento.

Depois deste tempo de emergência, tenhamos a inteligência de abrir caminho a um ciclo de compromisso.

Um ciclo de compromisso sobre como garantir a sustentabilidade das nossas políticas públicas; um ciclo de

compromisso sobre como reformar o Estado social para o preservar e defender; um ciclo de compromisso

sobre como desenvolver as políticas que fomentem mais crescimento económico, mais emprego e mais

natalidade.

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Minhas Senhoras e Meus Senhores, sob a minha geração, a dívida caiu como uma hipoteca. O primeiro

dever para o futuro é garantir que as próximas gerações não herdam um mar de dívidas para viver um sem

número de restrições.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O outro dever para o futuro é reunir vontades, encontrar consensos e reconhecer que quando está em

causa Portugal não há divergências insanáveis.

É precisamente isso que todos esperam de nós, os que viveram sem liberdade e os que, como eu,

nasceram em liberdade.

O que queremos é Portugal, a Pátria de todos, a Nação secular, o País capaz de decidir com

independência o seu destino.

Portugal estará sempre primeiro!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — A próxima intervenção é do Partido Socialista, pelo Sr.

Deputado António José Seguro.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António José Seguro (PS): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça

e Tribunal Constitucional, Ilustres Convidados, Sr.as

e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Festejamos, hoje, o 25 de Abril, o dia da liberdade.

A liberdade que nos permitiu ser quem somos e usar da palavra neste Parlamento, democraticamente

eleito. E é no uso dessa liberdade que as nossas primeiras palavras se dirigem aos portugueses que passam

por enormes sacrifícios, estão desempregados, vivem em situações de pobreza, foram obrigados a emigrar,

que vivem hoje pior do que viviam ontem.

Como escreveu Miguel Torga, «há a liberdade de falar e há a liberdade de viver, mas esta só existe quando

se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social».

A dignidade humana é a verdadeira regra de ouro das civilizações mais coesas e mais felizes. Não deixar

ninguém para trás, não permitir que alguém possa ser atirado para as traseiras da vida é a primeira das

nossas responsabilidades. É este ideal de sociedade, é este espírito de Abril que aqui reafirmamos como

ambição e como compromisso.

Aplausos do PS.

O 25 de Abril é uma data fundamental da História de Portugal, que pôs fim à ditadura e à guerra colonial e

abriu horizontes de futuro e de prosperidade para o povo português.

Por muitas que sejam, e são muitas, as imperfeições e as desilusões com o funcionamento da regime

democrático, viver em democracia é sempre melhor do que viver em ditadura.

Daqui não resulta qualquer resignação sobre o estado a que chegou o funcionamento do nosso regime

democrático. Longe de nós tal atitude. Acomodarmo-nos à situação constituiria a negação dos valores de Abril

e uma traição à vontade de transformação social que trazemos como um dos princípios estruturantes da nossa

vida cívica.

É também por essa razão que comemorar o 25 de Abril jamais se resumirá a uma simples homenagem

protocolar ou à rotina a que se assiste por obrigação.

Aplausos do PS.

Comemorar o 25 de Abril é um dever de todos os democratas, uma oportunidade para falarmos sobre o

País e reafirmarmos os valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

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Aplausos do PS.

Mas este é também o momento para recordar que o 25 de Abril de 1974 não foi obra do acaso. Foi o

resultado das decisões arriscadas de patriotas que, naquela madrugada, com ousadia, com generosidade e

com desprendimento agiram e derrubaram uma ditadura.

Sabemos bem que as palavras que aqui dissermos ficarão sempre aquém da bravura e do exemplo dos

Capitães de Abril, mas é preciso dizer a palavra que melhor exprime a nossa admiração e a nossa gratidão:

obrigado, Capitães de Abril. Obrigado!

Aplausos do PS.

Obrigado pela vossa coragem, pela vossa generosidade, pelo vosso desprendimento.

Sr.as

e Srs. Deputados: Os Capitães de Abril conquistaram por mérito próprio um lugar na História de

Portugal. Nada nem ninguém pode alterar esse julgamento que a História já consagrou.

Este reconhecimento aos militares envolve um abraço emocionado a Marques Júnior, que trouxe para a

política a pureza dos ideais de Abril …

Aplausos gerais.

…e um tributo a Salgueiro Maia, cuja firmeza de carácter Manuel Alegre descreveu, com inspiração, como

«a pureza inicial do gesto que liberta e se desprende».

Aplausos do PS e de Deputados do PSD.

Este é também o momento para evocar as portuguesas e os portugueses que arriscaram as suas vidas no

combate à ditadura.

Este é também o momento para enaltecer a maturidade do povo português que recebeu o poder e o

transformou, pacificamente, num Estado de direito democrático, contra todas as ofensivas totalitárias.

Raros são os povos que se podem orgulhar de tal feito, o que prova que quando estamos unidos, como

povo, num sentimento comum de finalidade, ultrapassamos todas as dificuldades e vencemos todos os

desafios.

Foi assim que instaurámos e consolidámos a democracia, com a aprovação de uma das constituições mais

progressistas e modernas do mundo; foi assim que abrimos as portas das nossas escolas públicas a todos os

portugueses, vencendo o privilégio, eliminando o analfabetismo e qualificando milhões de portugueses.

Foi assim que criámos um Serviço Nacional de Saúde para todos, que diminuímos a mortalidade infantil,

que aumentámos a esperança de vida e que garantimos o acesso universal à saúde.

Foi assim que reduzimos a pobreza, que alargámos a proteção social e que combatemos as desigualdades

sociais.

Foi assim que eliminámos as fronteiras, que nos tornámos protagonistas de pleno direito no projeto

europeu e que Portugal se abriu ao mundo.

Sr.as

e Srs. Deputados, a legitimação do regime democrático ficou a dever-se em boa parte ao ciclo de

progresso que se gerou nestas quatro décadas de liberdade e ao notável esforço e capacidade dos

portugueses na construção de serviços e sistemas públicos essenciais para uma maior justiça social.

É esta democracia, é este Estado social, a matriz do ideal europeu, que estão hoje ameaçados por

governantes que prometem uma coisa e fazem outra, que não assumem as suas verdadeiras intenções nem

as consequências das suas políticas,…

Vozes do PS: — Muito bem!

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O Sr. António José Seguro (PS): — … e por um pensamento que se pretende único, em si próprio

contrário à liberdade e que esconde desajeitadamente o maior ataque dos ultraliberais ao estado social e ao

ideal europeu.

Aplausos do PS.

A mão invisível, de que os ultraliberais tanto falam, tornou-se infelizmente bem visível na vida dos

portugueses. Essa mão empobreceu os portugueses, aumentou as desigualdades e está a destruir a classe

média.

É também por isso que o tempo que vivemos não é um tempo como outro qualquer. Este é o tempo da

coragem, da coragem para a construção de uma democracia de confiança, onde política e negócios não se

misturam e a justiça não prescreve para os poderosos.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. António José Seguro (PS): — Uma democracia de confiança que respeite e dê segurança aos

portugueses que trabalharam uma vida inteira e que abra as portas do futuro à geração de jovens mais

qualificada de sempre.

Uma democracia de confiança que desenvolva uma economia de mercado sem ser à custa dos direitos dos

trabalhadores, uma democracia de confiança que fale verdade aos portugueses, que não esconda nenhuma

dificuldade, que não prometa tudo a todos e que estabeleça políticas públicas de acordo com critérios de

equidade e de sustentabilidade.

Um tempo de coragem também para afirmar um Portugal europeu, com pensamento e voz própria na

Europa. Sem complexos, sem subserviência e sem ter que pedir licença a ninguém.

Aplausos do PS.

Nós valemos por nós próprios, temos orgulho na nossa História e honra em sermos portugueses.

Devemos, por isso, lutar contra esta nova cortina de ferro com que tentam dividir-nos entre países

cumpridores e países incumpridores, entre norte e sul; entre centro e periferia, entre bons e maus países.

O ideal europeu é de união, não é de divisão. É um ideal de coesão e não de exclusão. É um ideal de

cooperação e não de competição.

O projeto europeu é baseado na união de Estados livres e iguais, que adotam soluções comuns para

problemas comuns, através da partilha de soberania.

Só assim a Europa justifica a razão pela qual foi criada e só assim a Europa vencerá esta crise,

completando a zona euro, corrigindo os seus desequilíbrios e colocando um ponto final nesta imoralidade que

consiste nuns países beneficiarem com a crise enquanto outros agravam as desigualdades do seu povo. A

Europa precisa de mudar e Portugal tem de participar nessa mudança.

Sr.as

e Srs. Deputados, tal como há 40 anos o 25 de Abril não foi obra do acaso, também hoje não

podemos ficar à espera que o futuro aconteça. Temos de o construir por nós próprios e a verdade é que está

nas nossas mãos fazê-lo se queremos ser donos do nosso destino.

É que, ao contrário do que alguns procuram sugerir, enquanto há vida há sempre alternativa. Essa é

também a lição do País de Abril. Foi o 25 de Abril que nos devolveu a liberdade e com ela o poder de mudar,

mudar do «estado a que isto chegou» e construir um País mais próspero e um País mais justo.

Aplausos do PS.

Um País justo onde todas as crianças, todos os jovens, todos os adultos e todos os idosos tenham as

mesmas oportunidades. É isso que o Estado social deve garantir. É para isso que é necessária a escola

pública, o Serviço Nacional de Saúde e a segurança social pública.

Um País justo onde não importa de onde se vem, qual o apelido que cada um tem ou o local onde nasceu;

um País onde não importa o dinheiro que cada um tem, nem a maneira como se veste ou quem ama; um País

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onde todos têm as mesmas oportunidades e todos têm os mesmos deveres. Este País é possível e está nas

nossas mãos construi-lo!

É esta a lição de Abril: cumprir Portugal pelas nossas próprias mãos!

Aplausos do PS, de pé.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — A próxima intervenção é do PSD, pelo Sr. Deputado

Luís Montenegro.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal

Constitucional, Srs. Presidentes dos demais Tribunais Superiores, Sr.as

e Srs. Membros do Governo, Altas

Autoridades Civis e Militares, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Sr. Patriarca de Lisboa, Sr.as

e Srs.

Convidados, Sr.as

e Srs. Deputados: Abril é futuro! Há 40 anos irradiou uma esperança nova, uma ambição de

justiça, de liberdade, de democracia e de progresso.

Uma esperança nova e uma ambição carregadas de sonho, de saudável utopia e de afirmação da Nação.

Uma esperança nova e uma ambição de um povo inteiro, que haveria de se expressar na vida de todos e

de cada um dos seus membros.

Uma esperança nova e uma ambição de cada pessoa, de cada português, poder ter uma oportunidade de

realizar o seu projeto de vida, a sua intervenção cívica, a sua formação e sua opção.

Essa esperança e essa ambição, em condição de liberdade de escolha e de igualdade de oportunidades,

são, desde Abril, constantes e permanentes. Podem materializar-se de forma diferente, mas mobilizam a

política e os políticos hoje como há 40 anos.

Como um dia escreveu Alexandre O’Neil essa é «uma grande tarefa, um trabalho sem fim, um espaço útil,

um tempo fértil». Por isso, Abril é sempre futuro. Por isso, mais do que lembrarmos Abril, somos e queremos

ser coautores de um Portugal renovado.

Há 40 anos saímos de uma longa noite de ditadura; hoje queremos e vamos sair de uma outra «noite», a

terceira que vivemos em 40 anos, em que hipotecámos a nossa liberdade e em que fomos forçados a viver um

tempo de especial sofrimento.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

No Portugal renovado não queremos mais noites de resgates, de «troicas», de sacrifícios bruscos, de

esforços-limite, não queremos mais austeridade de emergência.

Aqueles que não querem permitir que, um dia, Portugal volte a «antes do 25 de Abril» — e somos todos! —

têm de ser os mesmos que não querem permitir que, um dia, Portugal volte ao «antes da troica».

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Os desequilíbrios orçamentais, a asfixia financeira, a ilusão económica,

a insustentabilidade do Estado social e a oneração exagerada das futuras gerações constituem a ditadura dos

dias de hoje.

Aplausos do PSD.

Uma ditadura diferente mas que hipoteca a soberania, uma ditadura que frusta as oportunidades, que

comprime a liberdade.

Com menos soberania, com menos oportunidades e com menos liberdade sofremos todos, mas sofrem

sobretudo os mais vulneráveis.

A injustiça não dimana do processo de ajustamento ou recuperação, a injustiça radica na circunstância de

termos sido obrigados a pedir um resgate externo.

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Por essa razão poupámos o esforço aos portugueses que têm rendimentos mais baixos, por essa razão

implementámos o Programa de Emergência Social e apoiámos a rede de solidariedade que existe e que está

no terreno, porque todos sabemos que qualquer crise atinge sempre mais os mais frágeis. Nós, portugueses,

sabemos bem disso! Sabemos porque vemos, partilhamos, acompanhamos muitos concidadãos que sofrem

esse drama todos os dias, em especial os que não têm emprego. E sabemos também porque, como País,

aconteceu-nos o mesmo, ou seja, Portugal sofreu mais com a crise dos últimos anos porque estava mais

frágil.

O Portugal renovado que estamos a construir tem de evitar estas emergências: a das pessoas que, mais

vulneráveis, sofrem mais e a do País que, mais frágil, também sofrerá mais.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: No Portugal renovado, à asfixia dos credores estrangeiros, contrapomos

uma era de soberania e equilíbrio financeiro. Sem rótulos de lixo e sem resgates no horizonte.

No Portugal renovado, ao ciclo das obras públicas desgarradas, contrapomos seletividade e investimento

nas pessoas, nos fatores de competitividade e na criação de emprego.

No Portugal renovado, propomos uma economia competitiva, geradora de emprego e que seja capaz de

ser inovadora, audaz, e absorver os recursos humanos mais qualificados do País.

À fragmentação financeira da Europa contrapomos uma união bancária que dê às empresas portuguesas

as mesmas oportunidades de financiamento das alemãs, das francesas ou das holandesas.

No Portugal renovado, ao despesismo injusto e injustificado do Estado, à cristalização de serviços inúteis e

à duplicação de funções, contrapomos o maior esforço de contenção da despesa pública dos últimos 40 anos,

reestruturando os serviços e melhorando o atendimento ao cidadão.

No Portugal renovado, reformamos o Estado mas garantimos o Estado social, o acesso ao Serviço

Nacional de Saúde, à educação e à justiça.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O político tem de estar sempre inconformado, senão mesmo envergonhado, enquanto houver cidadãos que

não acedem à educação, à saúde ou à justiça por insuficiência de meios económicos. Mas para que isso

aconteça é preciso que o Estado gaste só o que é preciso e só onde é necessário.

Como disse recentemente Vital Moreira, com suprema singeleza, «o pior que se pode dizer do Estado

social é que ele só é financiável com dinheiro emprestado». E é verdadeiramente assim, porque o custo

desses empréstimos, esse sim, põe em causa a sobrevivência das políticas sociais.

No Portugal renovado, podemos divergir dos modelos ou das opções, mas temos a obrigação de afastar

incertezas e inseguranças no sistema de segurança social e de pensões e temos de garantir a sua

sustentabilidade.

No Portugal renovado, temos de olhar para as políticas de natalidade e para as políticas de família e

conjugá-las de uma forma integrada com os domínios laboral, fiscal e com as políticas públicas de habitação,

de saúde e de educação.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

No Portugal renovado, procuramos novas medidas para promover a coesão territorial.

Depois do ciclo das infraestruturas e dos equipamentos, a fixação das populações e a garantia da

igualdade de oportunidades têm de assentar na dinamização das economias locais e dos sectores do turismo,

da agricultura e do fomento industrial.

No Portugal renovado, o poder local e regional são parceiros de desenvolvimento, numa lógica de

responsabilidade, de proximidade, mas também de associativismo gerador de poupanças e ganhos de escala.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este Portugal renovado é um Portugal europeu e um Portugal global. Não

venceremos os nossos desafios se não encararmos esta dupla realidade sem temores ou pessimismo

desmesurado.

Há 40 anos, Abril abriu-nos as portas da Europa. A Europa é o nosso espaço de cidadania e o nosso mais

importante espaço económico.

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No aprofundamento da integração europeia, nessa tarefa complexa e constante, somos e queremos ser

parte das soluções e não parte dos problemas.

A Europa é um projeto de paz, de segurança, de liberdade, mas também de progresso social e económico.

Creio, aliás, que não prestamos um bom serviço à democracia e ao País quando desdenhamos da

solidariedade europeia. Ela materializa-se de várias formas, normalmente numa atmosfera de negociação e

tensão, mas está lá e, como europeus, os portugueses não devem ter vergonha de assumir: quando

precisámos, a Europa respondeu-nos e acudiu-nos. Aliás, assim como nós, também no seio da Europa,

respondemos e acudimos a pedidos de outros países.

Mas a frente europeia não é a única em que estamos. Como autores de outros processos de globalização,

os portugueses têm especial vocação para se movimentarem na economia global. Exemplo disso são as

nossas indústrias exportadoras, que, em tempos de recessão, não pararam de atingir e conquistar novos

mercados.

Alicerçados numa nova fase da diplomacia económica, na potencialidade do espaço lusófono e na

cooperação amiga e fraterna que mantemos com os povos que falam português e no patriotismo das nossas

comunidades espalhadas pelo mundo, nessa rede de «novas feitorias», conseguimos não só projetar e manter

a nossa cultura como agarrar esse espaço como uma oportunidade.

Srs. Presidentes e Srs. Deputados: Este Portugal renovado não é uma proclamação, é o futuro! É a nossa

identidade! Renovar Portugal é realizar Abril.

Aplausos do PSD.

Quero afirmar, com toda a clareza, que essa tarefa não é exclusiva desta maioria, nem tão-pouco é tarefa

exclusiva dos partidos políticos ou do sistema político, é tarefa da nossa sociedade, dos parceiros sociais, das

instituições, das pessoas, dos jornalistas, dos professores, dos empresários, dos trabalhadores. É uma tarefa

de todos e de cada um! Na sua atividade profissional, na sua família, no seu espaço de participação cívica,

cada português constrói o nosso futuro coletivo.

A nós, políticos e representantes da vontade popular, cabe-nos tomar opções, apresentar alternativas,

discutir ideias e projetos e estabelecer compromissos.

Numa democracia madura não há «divergências insanáveis» quando dois portugueses ou dois partidos

debatem o futuro do País. Nas questões essenciais, desde logo no funcionamento do sistema político, na

reforma do Estado ou na salvaguarda do Estado social, estabelecer compromissos, ainda que partindo de

posições diferentes, não enfraquece a ação política, responde à vontade popular.

Aplausos do PSD.

Aliás, essa convergência na diversidade começa — deve começar! — mesmo dentro dos partidos políticos,

sem dogmas, com espírito democrático e com abertura à sociedade.

Não tenho a pretensão de promover qualquer ingerência no funcionamento de partidos que não o meu,

mas numa democracia de partidos, em que a organização do poder político é protagonizada maioritariamente

por via deles, sou dos que pensa que não serão só as regras eleitorais ou mesmo as regras constitucionais

que reformarão o sistema político e aproximarão os cidadãos da política.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Os partidos, que são, eles próprios, criados, formados e financiados

pelos cidadãos, têm a obrigação de estar mais próximos, mais abertos e mais acessíveis às pessoas. E a

sociedade, ao invés de estigmatizar os seus partidos, deve também olhá-los como um espaço onde se vive e

se concretiza a democracia e deve promover a participação na vida partidária.

A dignificação da vida política, temos de o assumir, compete-nos a todos, independentemente de sermos

poder ou oposição.

Quando, no PSD, ligámos a evocação dos 40 anos de Abril às comemorações dos nossos 40 anos

existência quisemos dar esse sinal.

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Assumimos a nossa quota-parte de responsabilidade, chamando as novas gerações ao contacto físico ou

político com os nossos fundadores — Francisco Sá Carneiro, Magalhães Mota e Francisco Pinto Balsemão —,

não para que perspetivem uma carreira política mas para que intervenham e participem no espaço que Abril

abriu, o espaço de discutir, debater e decidir o nosso futuro.

O Portugal renovado pressupõe uma sociedade onde as pessoas são livres de fazer as suas escolhas.

No centro da nossa ação está sempre a vida do indivíduo, a oportunidade que ele tem de escolher, mas

também a garantia que o Estado lhe dá no que tange ao acesso aos bens essenciais.

Não acreditamos num Estado tutor nem num Estado empresário; acreditamos num Estado que fomenta o

empreendedorismo e que regula a economia. Mas um Estado que não esquece os mais frágeis, que promove

uma repartição mais justa de riqueza e que assegura a justiça, a segurança, a saúde ou a educação. Para

quê? Para que todos tenham a mesma oportunidade e, em última instância, para que todos sejam livres.

Srs. Presidentes, Srs. Deputados: O Portugal renovado para os próximos 40 anos enquadra-se numa

realidade que não conhece fronteiras nem proteções.

Precisamos de ajustar a nossa atitude a essa realidade. Vamos fazê-lo! Fá-lo-emos todos, social-

democratas, socialistas, democratas-cristãos ou comunistas. Cada um com o seu contributo!

Fizeram-no os militares de Abril quando libertaram o País. Como diz o poema: «souberam, fizeram a hora e

não esperaram acontecer.» Foram heróis e rasgaram o futuro.

Srs. Deputados, o partido que aqui represento tem uma matriz ideológica, mas não tem outra agenda que

não seja o interesse de Portugal e o bem-estar dos portugueses.

Aplausos do PSD.

É de espírito aberto e dialogante que afirmamos as nossas convicções. Acreditamos na capacidade do

povo português e cumprimos o mandato que nos foi confiado por ele. Não temos qualquer vertigem de poder e

sabemos que a seguir a nós outros virão tentar, legitimamente, fazer melhor.

O Sr. José Magalhães (PS): — Isso é verdade!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Mas acreditamos muito que aquilo que Portugal e os portugueses estão

a fazer tem de ser feito hoje.

Vamos debelar esta crise e vamos entregar aos vindouros um Portugal renovado.

Por isso, continuaremos a seguir o que Francisco Sá Carneiro afirmou há 35 anos nesta mesma tribuna:

«Não vamos encher a boca com Abril nem com a democracia. Mas vamos trabalhar modestamente para o

realizar».

Aplausos do PSD, de pé, e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro e

Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente da Comissão Europeia, Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional,

do Supremo Tribunal de Justiça e demais tribunais superiores, antigos Presidentes da República, Sr.

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Sr. Chefe do Estado-Maior-

General das Forças Armadas e demais representantes institucionais das Forças Armadas, Sr. Provedor de

Justiça, Srs. Presidente e representante das Assembleias Legislativas dos Açores e Madeira, Sr.ª

Representante do Governo Regional dos Açores, antigos Presidentes da Assembleia da República, antigos

Primeiros-Ministros, Srs. Conselheiros de Estado, Sr. Núncio Apostólico, Srs. Embaixadores e representantes

do Corpo Diplomático, Sr.as

e Srs. Deputados, Excelentíssimas Autoridades, Minhas Senhoras e Meus

Senhores: A escolha é a maior dádiva de Abril. O poder de escolher no que significa de maioridade e criação.

Abril entregou-nos o poder de escolher as nossas formas de vida, que é isso que define a liberdade. Nenhum

direito se afirma, nenhum ideal de excelência se realiza, nenhuma instituição se legitima se não se gera nesse

poder inicial e fundador da escolha.

Abril marca uma trajetória coletiva de libertação, superação e realização. Desde o momento inicial, a

coragem dos capitães heróis, resgatando para todos a luz do espaço público contra os tempos de sombra, a

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liberdade surgiu nas suas infinitas consequências: a descolonização; a Constituição com o discurso dos

direitos; a passagem do poder militar ao poder civil; as transições democráticas que noutras partes do mundo

se seguiram; a Europa e a aventura moderna e cosmopolita; e, agora, a democracia que se organiza para os

dias difíceis da globalização, os dias da transformação do ambiente social e dos paradigmas políticos.

Abril transporta no poder da escolha o mandado de uma justiça emancipadora, a empreender por todos,

em todos os lugares e todos os dias. Para isso deu-nos o estatuto maior de cidadãos, de autores do mundo e

exige-nos, agora, a continuação coletiva das suas causas.

Se há uma ideia síntese para o programa eterno de Abril é que ele afirma o discurso público e o princípio

da humanidade dos direitos: é o programa do contrato social legitimador por que todas as políticas são

medidas; é a concretização do ideal iluminista de autonomia ou autogoverno que nos reconhece, a todos, a

qualidade de sujeitos e pela representação nos faz legisladores da própria lei; é a autonomia que dá o

mandato sagrado desta Sala.

Por isso, o ato de existência do Parlamento, no seu dia-a-dia de debate e deliberação, é, ele mesmo, uma

quotidiana e continuada homenagem ao 25 de Abril de 1974. É no Parlamento que a justiça se garante e a

mudança acontece.

Abril celebra o valor do consentimento como condição para as sociedades democráticas. O consentimento

do povo, condição para o governo legítimo dos homens. No relato de um Capitão de Abril, na abertura da

exposição «O nascimento de uma democracia», foi o povo decisivo quando, todo inteiro na rua, se juntou aos

militares e com eles fez a revolução vencer.

É sempre o consentimento do povo que nos dá a razão e a existência, que nos diz o que está certo, que

nos dá o sinal da justiça pelos caminhos da sua intuição mais profunda.

Abril celebra o exercício da política, dentro e fora das instituições, os que se lançam na crueza da luz

pública para responder às exigências da democracia; celebra os que se integram na cidade para que, afinal,

todos sejamos integrados; celebra os fazedores da história, os poderes legítimos, os cidadãos ativos,

anónimos e não anónimos; e celebra os grupos de cidadãos que se erguem contra a apatia e a desistência,

contra a descrença e a desconfiança e, com as suas causas, batem à porta das instituições e são o desafio

delas. O Parlamento recebe-os todos os dias. Pressente-se o seu papel estratégico na comunicação política

do futuro. Eles contagiam e mobilizam para a participação e trazem à democracia uma nova vertente

necessária, por assim dizer, deliberativa e informal e também afetiva.

Neste «teatro do mundo espontâneo», esses grupos articulam impulsos que servirão um dia os programas

dos Parlamentos, dos Governos e dos partidos.

Dizia bem Tocqueville que é nessas comunidades de solidariedade, nessas redes de ação política no

interior da comunidade maior, que é o Estado, que os cidadãos assumem a sua capacidade de escrutínio das

políticas públicas, num debate em que as opiniões particulares se transformam em posições refletidas.

Este ativismo cívico que interage com as instituições é hoje essencial ao exercício da política.

Estamos longe do velho modelo de escrutínio simplesmente centrado em eleições periódicas. A

representação não pode mais prescindir desses impulsos para que a democracia se cumpra. É a resposta

necessária da democracia ao novo espaço público.

É, afinal, o espaço público da pós-modernidade, com o seu labirinto de interações, da integração dos

Estados, da era digital, dos movimentos demográficos, dos mercados, do mundo sem centro e sem fronteiras.

É o novo espaço público que, todo inteiro, nos comete a tarefa primeira de nele acomodar a substância moral

do Direito, é o espaço público, hoje também como espaço de ressonância de um sentimento, que se acentuou

nas últimas décadas, de esvaziamento de valores e perda de sentido.

Uma espécie de niilismo, de indiferença ou desistência desafia a ação política para a gigantesca tarefa de

dar também, ela mesma, resposta a esta impressão de perda, como se lhe coubesse ainda a remoção do

desencanto moderno para que Weber nos alertava, como se lhe coubesse ainda a busca de uma felicidade

que não é apenas pública.

É, por isso, necessário recriar a crença nas possibilidades da liberdade política, que é, afinal, também a

crença de cada um nas possibilidades de si mesmo, de se construir e transcender, porque a ação política é

sempre «a renovação da condição humana, um segundo nascimento», para lembrar Hannah Arendt. Nela,

cada um de nós ganha sentido. Impossível a dignidade individual que abstrai do outro.

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Temos, assim, que promover as condições para que cada um pense por si mesmo, pense no lugar do outro

e pense de forma coerente. O que nos implica a todos, instituições, cidadãos e media na educação para a

cidadania e no dever da verdade dos factos da esfera pública, para que o juízo público aconteça e a escolha

inicial e fundadora ocorra.

Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Abril deu-nos a democracia na força da razão e no

esplendor da forma. Disse-nos que todos os caminhos vão dar ao Homem e que a democracia encontra o seu

teste decisivo, precisamente, nos graus de emancipação de cada sujeito e nas formas concretas de vida.

E é sobre a força do melhor argumento que construímos o novo, que garantimos o reconhecimento do

outro como um fim e não como um meio. E, por inesperados e complexos que sejam os nossos desafios, é

sempre no interior da democracia que eles encontram solução.

Abril chama-nos para a construção de um novo humanismo, o que inscreve o contrato social e os seus

princípios da justiça na realidade deste tempo novo.

Abril chama-nos para a tarefa de integrar o legado da tradição iluminista e republicana na experiência

contemporânea. É a celebração das possibilidades da liberdade, da política geradora e redentora. Sabendo

que, para usar uma expressão da dialética, «a humanidade apenas coloca os problemas que ela sabe

resolver», os problemas carregam em si, afinal, eles mesmos, a evidência da solução.

Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Sobre o valor moral da autonomia e da escolha

construímos agora os novos paradigmas.

O novo paradigma para os Estados, de formas de associação sobre um direito cosmopolita.

O novo paradigma para a Europa, convocando um quadro comum de garantias sociais a corresponder à

integração política e à convergência orçamental.

O novo paradigma para os movimentos demográficos, com a portabilidade dos direitos sociais e a abertura

de novos canais legais de imigração.

O novo paradigma para uma relação emancipadora entre tempo de trabalho e tempo de lazer, para que o

direito à qualidade de vida integre e liberte as múltiplas dimensões da existência de cada um.

O novo paradigma de humanização do Direito Penal sobre as formas pactuadas, da pena à

ressocialização, e também a abordagem multidisciplinar desta. O Direito Penal é o teste permanente dos

valores constitucionais, dos valores do contrato, os que ditam que todos somos sujeitos em todos os lugares e

todas as circunstâncias.

São tantas as possibilidades da liberdade que estão no significado de Abril!

Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores: A política é sempre o desafio que é feito pela escolha

à fatalidade. É sempre ação que se atreve, é sempre audácia. Como foi Abril, quando nos fez a todos donos

do nosso destino e resgatou o contrato social num dia de amor.

A nossa gratidão não tem limites.

Aplausos do PSD, de pé, do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente da República vai dirigir uma mensagem ao Parlamento.

O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva): — Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.

Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Sr.as

e Srs. Deputados, Digníssimos Convidados, Minhas Senhoras e Meus

Senhores: Celebramos hoje um dos dias mais marcantes das nossas vidas. No percurso pessoal de cada um,

existirão certamente outros dias que são lembrados com especial emoção, mas nenhum outro evoca a nossa

memória coletiva como o dia 25 de Abril de 1974.

Encontramo-nos hoje, aqui, perante uma Assembleia eleita de representantes do povo porque o 25 de Abril

nos trouxe a democracia.

Em todo o País, os portugueses festejam esta data porque o 25 de Abril nos trouxe a liberdade.

Podemos dizer publicamente o que pensamos, podemos reunir-nos e manifestar-nos porque o 25 de Abril

nos trouxe os direitos fundamentais.

Ao comemorarmos os 40 anos do 25 de Abril, devemos recordar o que foi viver sob um regime em que não

existia liberdade, em que os governantes não eram democraticamente eleitos pelo povo, em que o povo não

tinha voz para dizer o que pensava.

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Perante as novas gerações, temos o dever cívico de realizar a pedagogia democrática da memória da

ditadura. Os jovens do nosso tempo, aqueles que têm menos de 40 anos de idade, não viveram o 25 de Abril.

Desconhecem o que é a experiência de viver sob um regime autoritário, a que o 25 de Abril pôs fim graças à

ação decidida de um punhado de militares corajosos.

Neste dia, devemos dirigir uma saudação especial às Forças Armadas, que, nas alturas decisivas da nossa

História, sempre souberam estar ao serviço de Portugal e dos portugueses.

Aplausos do PSD, de Deputados do PS e do CDS-PP.

Com o passar dos anos, será cada vez maior o número daqueles que sempre viveram em liberdade. É bom

que assim seja, trata-se de um sinal de que a democracia perdura e se encontra enraizada no quotidiano das

novas gerações, para as quais a vida em ditadura é algo tão distante como inconcebível.

É legítimo contestar opções que se fizeram ao longo destes 40 anos. Contudo, temos de ter presente uma

realidade muito simples: só podemos contestar e criticar tais opções porque vivemos em liberdade e em

democracia. A democracia não é apenas o melhor dos regimes. A democracia é o único regime que

salvaguarda os direitos fundamentais da pessoa humana. E, num regime democrático, só há um critério para

definir a legitimidade dos governantes: o voto expresso nas urnas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É isso que distingue a democracia de uma ditadura. Foi isso que Portugal conquistou há 40 anos.

Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as

e Srs. Deputados: Para que os jovens dos nossos dias

compreendam o significado do 25 de Abril, é necessário terem presente o caminho que fizemos nestas quatro

décadas.

Instaurámos a democracia e aprovámos uma lei fundamental, a Constituição da República Portuguesa.

Num contexto muito difícil, com o País na iminência de graves confrontos entre a população civil, as forças

democráticas venceram a batalha da liberdade e da democracia constitucional.

Integrámos com sucesso os muitos milhares de portugueses vindos dos territórios africanos que se

tornaram independentes. Sem traumas nem complexos, construímos com os novos países uma aliança

fraterna, que afirma o valor da lusofonia no mundo inteiro.

Nas últimas décadas, verificaram-se avanços extraordinários no plano social, que devemos preservar para

as gerações futuras.

Portugal conseguiu, de forma ímpar, reduzir a taxa de mortalidade infantil, que é hoje uma das mais baixas

da Europa ocidental.

A esperança de vida dos portugueses aumentou significativamente. Hoje, contamos viver, em média, mais

15 anos do que em 1960.

Criámos um Serviço Nacional de Saúde que, através de um esforço de investimento público muito

significativo, garante a todos os portugueses o acesso generalizado aos cuidados de saúde.

Também no domínio da educação os progressos são notáveis: no pré-escolar, crescemos de cerca de 41

000 crianças matriculadas, em 1974, para mais de 270 000, em 2012. No ensino superior o número de alunos

quintuplicou entre aquelas datas. Em 1970, a população com ensino superior completo representava pouco

mais de 0,5% da população residente, enquanto, de acordo com os dados dos últimos censos, essa proporção

está acima dos 12%. Em 1970, um quarto da população era analfabeta, estigma que afetava particularmente

as mulheres; 40 anos depois, a taxa de analfabetismo é pouco superior a 5%.

As mulheres alcançaram direitos de igualdade e ocupam hoje lugar preponderante na frequência dos níveis

superiores de ensino e no mercado de trabalho.

No início da década de 80, não existia sequer uma autoestrada que ligasse Lisboa ao Porto. Atualmente,

podemos percorrer todo o País de autoestrada, desde o Algarve até à fronteira com a Galiza. Portugal é um

país dotado de uma vasta rede de infraestruturas físicas, culturais e desportivas, muitas vezes construídas por

outra das grandes conquistas de Abril: o poder autárquico.

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Fizemos um longo caminho para chegarmos ao dia de hoje, a um Portugal livre e democrático, a um País

mais desenvolvido, em que as expectativas de bem-estar são semelhantes às dos restantes Estados da União

Europeia.

No entanto, se os níveis de bem-estar são muitíssimo superiores aos que existiam em 1974, se os

portugueses vivem hoje incomparavelmente melhor do que há 40 anos, a verdade é que temos ainda um

longo caminho a percorrer para nos aproximarmos da média dos indicadores sociais dos países mais

desenvolvidos da Europa.

Apesar do percurso que fizemos, continuamos insatisfeitos. É saudável que assim seja. É sinal de que não

nos resignamos, que ambicionamos viver num País melhor, onde os nossos filhos e netos possam usufruir de

maiores níveis de bem-estar.

Sr.as

e Srs. Deputados, Portugal enfrenta hoje grandes desafios quanto ao seu futuro, desafios que não se

esgotam na dimensão orçamental.

A diminuição da natalidade e o progressivo envelhecimento da população colocam problemas de ordem

diversa e de indiscutível gravidade, desde a potencial insustentabilidade dos sistemas de proteção social até

ao agudizar de situações dramáticas de exclusão e de solidão.

Cabe ainda, neste quadro, dedicar uma especial atenção aos efeitos do desemprego no tecido social

português. Existe o sério risco de o desemprego de longa duração, sobretudo quando afeta portugueses com

idades superiores a 45 anos e ameaça o seu retorno ao mercado de trabalho, pôr em causa alguns dos pilares

fundamentais da nossa sociedade.

Entre esses fundamentos destacam-se a família, incluindo a rede informal de proteção que proporciona, e

as chamadas classes médias, o sustentáculo das estruturas sociais modernas.

O combate ao desemprego tem de ser uma prioridade da ação política.

Por outro lado, diversos sinais apontam para um aumento de assimetrias que podem pôr em causa a

coesão do País, como as desigualdades na distribuição do rendimento, as situações de pobreza, a

desertificação de vastas parcelas do território ou as acentuadas disparidades entre o litoral e o interior.

Devemos ainda ter presente, de modo muito particular, a situação dos reformados, daqueles que, ao fim de

uma vida de trabalho, se viram subitamente confrontados com situações que ameaçam o seu legítimo direito a

uma existência com dignidade.

Cabe aos agentes políticos estar conscientes destes desafios e apontar um caminho de esperança aos

portugueses.

Dispomos de potencialidades que ainda não explorámos como devemos, seja no domínio da economia do

mar, seja no aproveitamento racional da floresta, seja, enfim, na valorização do património histórico e cultural.

Acima de tudo, Portugal tem um ativo que não pode desperdiçar: os seus jovens. As novas gerações

dispõem de talento e de conhecimento como nenhuma outra geração teve no passado. Temos jovens

investigadores e cientistas de mérito internacionalmente reconhecido. Foi feito um investimento público muito

significativo na qualificação dos nossos jovens. A política científica de um país e a inovação e competitividade

que resultam dessa aposta são decisivas para o futuro.

A valorização do nosso capital humano implica também um novo olhar sobre a diáspora, enquanto ativo

estratégico de Portugal no mundo. Através de atos concretos, temos de criar redes e fortalecer os laços com

as comunidades portuguesas e de lusodescendentes. Essas comunidades têm-me transmitido, em múltiplos

encontros, o seu interesse em contribuir para o desenvolvimento do País.

Devemos valorizar o capital humano, igualmente, no que diz respeito ao próprio Estado. É legítimo, e

porventura urgente, proceder a uma reforma da Administração Pública. Todavia, reformar a Administração não

significa fragilizá-la num dos seus aspetos essenciais: a qualidade dos seus recursos humanos. Pelo contrário,

só através de um reforço da qualificação dos trabalhadores do Estado e da justa recompensa do mérito

conseguiremos prestigiar o exercício de funções públicas e garantir que a Administração atue de forma

eficiente, imparcial e independente, livre da pressão de interesses privados ou do clientelismo político.

Importa, aliás, que o combate à corrupção seja assumido como uma prioridade e que o interesse público

seja sempre colocado acima dos interesses privados. No entanto, o combate à corrupção não pode fazer-se

através de intervenções populistas, de acusações que desrespeitam princípios fundamentais da nossa ordem

jurídica, como a presunção de inocência, o segredo de justiça ou o direito ao bom nome.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Os que trilham o caminho da demagogia podem ter uma popularidade efémera mas nunca conseguirão

combater eficazmente a corrupção. Pelo contrário, contribuem para descredibilizar as iniciativas sérias para a

prevenir e as investigações em curso para a combater.

Na vida pública portuguesa, vê-se com preocupante frequência serem postos em causa valores essenciais,

como o rigor e a seriedade, e até a urbanidade que deve pautar o convívio democrático entre os que têm

ideias e opiniões divergentes. Em detrimento de uma análise dos problemas reais dos portugueses e de um

estudo aprofundado de assuntos essenciais para o nosso futuro, privilegia-se o insulto e a difamação, o

imediatismo e a superficialidade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — Caso persista, esta tendência levará a um progressivo afastamento dos

cidadãos, sobretudo dos mais jovens, relativamente à atividade política. E, desse modo, o necessário e

saudável escrutínio cívico das instituições e da ação dos titulares de cargos políticos será substancial e

perigosamente reduzido.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Os meios de comunicação social têm um papel decisivo a desempenhar e devem estar conscientes da

responsabilidade que advém da influência que exercem sobre a opinião pública.

A comunicação social deve informar e esclarecer os cidadãos com objetividade e com rigor, dando espaço

ao confronto de opiniões livres mas fundamentadas. No dia em que a verdade e o rigor da informação forem

totalmente sacrificados a favor do impacto sensacionalista, estaremos, afinal, a criar novas formas de ditadura.

Aplausos do PSD, de Deputados do PS e do CDS-PP.

Ao celebrar os 40 anos do 25 de Abril, podemos dizer que Portugal é hoje uma democracia consolidada,

um Estado de direito em que as liberdades cívicas são respeitadas.

No entanto, e como é comprovado por diversos estudos de opinião, existe uma insatisfação crescente com

o funcionamento do nosso sistema político. Os partidos devem fazer uma reflexão serena, mas urgente, sobre

as causas dessa insatisfação.

Como já referi, tem-se agravado, entre outras, a tendência para privilegiar o acessório e o efémero em

detrimento do essencial. Os partidos têm de perceber, de forma inequívoca, que, mais cedo ou mais tarde, a

insatisfação com o sistema político e o desinteresse dos cidadãos acabarão por afetar a própria atividade

partidária.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — A democracia não corre perigo, mas, 40 anos depois do 25 de Abril, é

tempo de os partidos repensarem o sentido da sua ação e assumirem a responsabilidade que lhes cabe na

construção do futuro de Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.as

e Srs. Deputados, o 25 de Abril fez-se há 40 anos, mas os seus ideais continuam vivos. A luta por um

Portugal livre e democrático, por um País mais desenvolvido, é um traço de união entre os portugueses.

O dia 25 de Abril não tem proprietários nem deve servir de arma de arremesso na luta política.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Presidente da República: — Os ideais de abertura ao diálogo democrático que inspiraram o regime

que instituímos há 40 anos mantêm plena validade no Portugal de hoje.

O 25 de Abril não foi feito para dividir os portugueses mas, sim, para uni-los em torno de um desígnio

comum.

Sem prejuízo da natural diversidade de opiniões e do confronto de ideias que é próprio de uma democracia,

os desafios que Portugal enfrenta atualmente são de uma tal dimensão que não se compadecem com uma

prática política que faz prevalecer a crispação e o conflito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Perante a dimensão desses desafios, que não se colocam a um partido ou a um governo em concreto mas

a Portugal inteiro, temos de tomar uma opção decisiva: ou persistimos numa visão de curto prazo, olhando

para aquilo que nos divide, ou pensamos Portugal numa perspetiva de futuro, partindo daquilo que nos une.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — O nosso combate não é menor do que o daqueles que fizeram o 25 de

Abril. Conquistada a liberdade, consolidada a democracia, este é o tempo de lutarmos por um país mais

desenvolvido e mais justo.

Portugal só será um País mais justo se for mais desenvolvido. E Portugal só será um País mais

desenvolvido se existir um esforço coletivo para alcançarmos um compromisso de futuro quanto aos grandes

desígnios nacionais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É tempo de abandonarmos a política de vistas curtas, ditada pelo taticismo e pelos interesses de ocasião.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Precisamos de um discurso de esperança que mobilize os portugueses para os desafios que temos à

nossa frente.

Precisamos de professores motivados, investigadores empenhados, servidores do Estado valorizados,

agentes culturais criativos, jovens empreendedores, uma comunidade de empresários e trabalhadores com

espírito vencedor.

Ao fazer uma retrospetiva destas quatro décadas, facilmente concluiremos que só nos aproximámos dos

ideais de Abril quando soubemos unir-nos nas opções essenciais.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — Unimo-nos contra a ameaça de novos totalitarismos, em tempos

difíceis em que este Parlamento chegou a ser cercado e os seus Deputados foram sequestrados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Unimo-nos quando conseguimos aprovar uma Constituição que é a matriz fundadora do nosso regime

democrático e do Estado social de direito.

Unimo-nos quando aderimos à Comunidade Europeia e nos tornámos num Estado-membro que mereceu o

respeito dos seus congéneres pela forma dinâmica como, por mais de uma vez, soube assumir a presidência

da União.

Sempre que estivemos unidos, estivemos mais próximos dos ideais de Abril.

Não é por acaso que o espírito de compromisso e de entendimento entre as diferentes forças políticas está

na base das regras do sistema democrático consagradas na nossa Constituição.

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Não se trata de confundir a abertura ao compromisso com uma unanimidade de pontos de vista, nem com

uma neutralização da dinâmica de alternância que é própria das democracias. Por isso mesmo, é difícil

compreender que numa democracia consolidada agentes políticos responsáveis não consigam alcançar

entendimentos sobre questões essenciais para o nosso futuro coletivo. Temos de acreditar que os obstáculos

acabarão por ser ultrapassados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as

e Srs. Deputados, vivemos hoje um dia histórico, em que

Portugal celebra os 40 anos do 25 de Abril. Devemos celebrar o passado com sentido de futuro. Só assim

estaremos à altura do presente em que vivemos. O presente exige de todos nós a mesma coragem com que,

há 40 anos, construímos juntos um Portugal livre e democrático.

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Declaro encerrada a Sessão Solene Comemorativa do

XL Aniversário do 25 de Abril.

Eram 11 horas e 55 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, tocou, de novo, o hino nacional,

tendo a Câmara aplaudido de pé.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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