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Quinta-feira, 25 de setembro de 2014 I Série — Número 4

XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)

REUNIÃOPLENÁRIADE24DESETEMBRODE 2014

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão

S U M Á R I O

A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6

minutos. Deu-se conta da apresentação dos projetos de lei n.

os

652 a 665/XII (4.ª), do projeto de resolução n.º 1114/XII (4.ª) e das apreciações parlamentares n.

os 104 a 116/XII (4.ª).

Foi aprovado um parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação relativo à substituição de um Deputado do CDS-PP.

Em declaração política, o Deputado José Junqueiro (PS) condenou a política do Governo nas áreas da justiça, com a reforma judiciária, e na da educação, pelos problemas havidos na abertura do ano escolar. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Luís Montenegro (PSD), António Filipe (PCP), Cecília Honório (BE), Nuno Magalhães (CDS-PP) e José Luís Ferreira (Os Verdes).

Em declaração política, o Deputado Hélder Amaral (CDS-PP) congratulou-se pela melhoria dos indicadores económicos, nomeadamente no turismo, e saudou os empresários do setor. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Bruno Dias (PCP), Mariana Mortágua (BE), Nuno Encarnação (PSD) e Hortense Martins (PS).

Em declaração política, o Deputado Jorge Machado (PCP) acusou o Governo de querer prolongar o pagamento pela metade do trabalho extraordinário e em dias de feriado

e defendeu o aumento do salário mínimo nacional. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro Roque (PSD), Sónia Fertuzinhos (PS) e Pedro Filipe Soares (BE).

Em declaração política, a Deputada Helena Pinto (BE) contestou a privatização da Empresa Geral do Fomento (EGF) e manifestou preocupação pelos seus trabalhadores bem como pela entrega ao setor privado, através do consórcio SUMA, da recolha e tratamento dos resíduos sólidos urbanos. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Bruno Coimbra (PSD), Pedro Farmhouse (PS), Miguel Tiago (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).

Em declaração política, a Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) lembrou a recente Cimeira do Clima, realizada em Nova Iorque, e incitou o Governo a combater as causas antropogénicas da mudança do clima e a promover adaptação às alterações climáticas. Deu, depois, resposta a pedidos de esclarecimento dos Deputados Ramos Preto (PS), Miguel Tiago (PCP) e Pedro Filipe Soares (BE).

Em declaração política, o Deputado Luís Leite Ramos (PSD), face ao abandono do interior do País e ao congestionamento do litoral, defendeu a aposta no desenvolvimento equilibrado do território e numa efetiva igualdade de oportunidades, tendo depois respondido a

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pedidos de esclarecimento dos Deputados Hélder Amaral (CDS-PP), Agostinho Santa (PS), Paula Santos (PCP) e Cecília Honório (BE).

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, os projetos de lei n.

os 647/XII (3.ª) — Altera o Código Penal,

criminalizando a perseguição e o casamento forçado (PSD e CDS-PP), 659/XII (4.ª) — Procede à alteração do Código Penal, criando os crimes de perseguição e casamento forçado em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul (PS), 661/XII (4.ª) — Cria o tipo legal de assédio sexual no Código Penal (BE) e 663/XII (4.ª) — Cria o tipo legal de perseguição no Código Penal (BE). Intervieram os Deputados Carla Rodrigues (PSD), Isabel Alves Moreira (PS), Cecília Honório (BE), Teresa Anjinho (CDS-PP) e Rita Rato (PCP).

Procedeu-se ainda ao debate conjunto, na generalidade, dos projetos de lei n.

os 632/XII (3.ª) — Procede à alteração

do Código Penal, permitindo a declaração de indignidade sucessória, como efeito da pena aplicada, no âmbito de sentença condenatória pela prática do crime de homicídio (PS), 653/XII (4.ª) — Altera o Código Penal e o Código Civil em matéria de indignidade sucessória (PSD e CDS-PP) e 662/XII (4.ª) — Procede à alteração do Código Penal em matéria de indignidade sucessória (BE). Intervieram, a diverso título, os Deputados Catarina Marcelino (PS), Carlos Peixoto (PSD), Cecília Honório (BE), Teresa Anjinho (CDS-PP) e António Filipe (PCP).

O Presidente (Ferro Rodrigues) encerrou a sessão eram 18 horas e 57 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 6 minutos.

Srs. Agentes de autoridade, podem abrir as galerias.

Antes de entrarmos na ordem do dia, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, deram entrada na Mesa e foram admitidos os

projetos de lei n.os

652/XII (4.ª) — Primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, que procede

à regulamentação da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), e

estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais (PS), que baixa à 1.ª

Comissão; 653/XII (4.ª) — Altera o Código Penal e o Código Civil em matéria de indignidade sucessória

(PSD/CDS-PP), que baixa à 1.ª Comissão; 654/XII (4.ª) — Pelo aumento imediato do salário mínimo nacional

para 545 € (BE), que baixa à 10.ª Comissão; 655/XII (4.ª) — Altera o Código do Registo Civil, tendo em conta

a procriação medicamente assistida, a adoção e o apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo (BE), que

baixa à 1.ª Comissão; 656/XII (4.ª) — Eliminação da impossibilidade legal de adoção por casais do mesmo

sexo (Primeira alteração à Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, e segunda alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio)

(BE), que baixa à 1.ª Comissão; 657/XII (4.ª) — Conselho das Comunidades Portuguesas (Primeira alteração

à Lei n.º 66-A/2007, de 11 de dezembro, que define as competências, modo de organização e funcionamento

do Conselho das Comunidades Portuguesas) (PCP), que baixa à 2.ª Comissão; 658/XII (4.ª) — Recusa a

privatização da Empresa Geral de Fomento, SA (EGF), e revoga o Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março

(PCP), que baixa à 11.ª Comissão; 659/XII (4.ª) — Procede à alteração do Código Penal, criando os crimes de

perseguição e casamento forçado em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul (PS), que baixa à

1.ª Comissão; 660/XII (4.ª) — Estabelece um número máximo de alunos por turma e por docente nos

estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (BE), que baixa à 8.ª Comissão;

661/XII (4.ª) — Cria o tipo legal de assédio sexual no Código Penal (BE), que baixa à 1.ª Comissão; 662/XII

(4.ª) — Procede à alteração do Código Penal em matéria de indignidade sucessória (BE), que baixa à 1.ª

Comissão; 663/XII (4.ª) — Cria o tipo legal de perseguição no Código Penal (BE), que baixa à 1.ª Comissão;

664/XII (4.ª) — Altera a previsão legal dos crimes de violação e coação sexual no Código Penal (BE), que

baixa à 1.ª Comissão; e 665/XII (4.ª) — Altera a natureza do crime de violação, tornando-o crime público (BE),

que baixa à 1.ª Comissão.

Deu ainda entrada na Mesa o projeto de resolução n.º 1114/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo o

reconhecimento da categoria de enfermeira/o especialista bem como a sua integração na carreira especial de

enfermagem (BE).

Deram igualmente entrada na Mesa as apreciações parlamentares n.os

104/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º

123/2014, de 11 de agosto, que estabelece as regras aplicáveis à realização das Inspeções de Segurança

Rodoviária (ISR), no que respeita ao exercício da atividade, à composição das equipas de inspeção, às

competências dos inspetores e ao quadro fiscalizador e sancionatório; 105/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º

106/2014, de 2 de julho, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 235/2009, de 15 de setembro,

que cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do

Norte Central e à alteração dos estatutos da sociedade RESINORTE — Valorização e Tratamento de

Resíduos Sólidos, SA; 106/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º 101/2014, de 2 de julho, que procede à primeira

alteração ao Decreto-Lei n.º 114/96, de 5 de agosto, que cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha

seletiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do Vale do Lima e Baixo Cávado e à alteração

dos estatutos da sociedade RESULIMA — Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, SA; 107/XII (4.ª) —

Decreto-Lei n.º 102/2014, de 2 de julho, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 166/96, de 5 de

setembro, que cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha seletiva, valorização e tratamento de resíduos

sólidos urbanos do Litoral Centro e à alteração dos estatutos da sociedade ERSUC — Resíduos Sólidos do

Centro, SA; 108/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º 98/2014, de 2 de julho, que procede à primeira alteração ao

Decreto-Lei n.º 319-A/2001, de 10 de dezembro, que cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha

seletiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da Cova da Beira, e à primeira alteração ao

Decreto-Lei n.º 128/2008, de 21 de julho, que constitui a sociedade RESIESTRELA — Valorização e

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Tratamento de Resíduos Sólidos, SA, bem como à alteração dos estatutos desta sociedade; 109/XII (4.ª) —

Decreto-Lei n.º 103/2014, de 2 de julho, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 113/96, de 5 de

agosto, que cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha seletiva, valorização e tratamento de resíduos

sólidos urbanos do Vale do Minho, e à alteração dos estatutos da sociedade VALORMINHO — Valorização e

Tratamento de Resíduos Sólidos, SA; 110/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º 99/2014, de 2 de julho, que procede à

primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 89/96, de 3 de julho, que cria o sistema multimunicipal de triagem,

recolha seletiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do Sul do Douro e à alteração dos

estatutos da sociedade SULDOURO — Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos, SA; 111/XII

(4.ª) — Decreto-Lei n.º 100/2014, de 2 de julho, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 116/96,

de 6 de agosto, que cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha seletiva, valorização e tratamento de

resíduos sólidos urbanos da Alta Estremadura e à alteração dos estatutos da sociedade VALORLIS —

Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, SA; 112/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º 107/2014, de 2 de julho,

que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 109/95, de 20 de maio, que cria o sistema multimunicipal

de valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do Algarve e à alteração dos estatutos da sociedade

ALGAR — Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, SA; 113/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º 122/2014, de 11

de agosto, que estabelece o regime jurídico aplicável à realização das auditorias de segurança rodoviária

(ASR); 114/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º 108/2014, de 2 de julho, que procede à primeira alteração ao Decreto-

Lei n.º 68/2010, de 15 de junho, que cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha seletiva, valorização e

tratamento de resíduos sólidos urbanos das regiões de Lisboa e do Oeste e à alteração dos estatutos da

sociedade VALORSUL — Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos das Regiões de Lisboa e do Oeste,

SA; 115/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º 105/2014, de 2 de julho, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei

n.º 11/2001, de 23 de janeiro, que cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha, valorização e tratamento

de resíduos sólidos urbanos do Norte Alentejano e à alteração dos estatutos da sociedade VALNOR —

Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, SA; e 116/XII (4.ª) — Decreto-Lei n.º 104/2014, de 2 de julho,

que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 53/97, de 4 de março, que cria o sistema multimunicipal

de valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da margem sul do Tejo e à alteração dos estatutos da

sociedade AMARSUL — Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, SA.

Temos ainda um relatório e parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação sobre a

substituição do mandato de Deputado, ao abrigo do n.º 5 do artigo 9.º do Estatuto dos Deputados, com efeitos

a partir do dia 24 de setembro, inclusive, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, de Fernando Barbosa Alves

Pereira (círculo eleitoral do Porto) por Vera Lúcia Alves Rodrigues.

O parecer é no sentido de que a substituição do mandato ser de admitir, uma vez que se encontram

verificados os requisitos legais.

Em termos de expediente é tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, antes de mais, quero dar as boas-vindas à Sr.ª Deputada Vera Lúcia Rodrigues e

agradecer ao Sr. Secretário Duarte Pacheco a longa leitura do expediente.

Vamos entrar no primeiro ponto da nossa ordem do dia, que será preenchido com declarações políticas

que têm hoje a seguinte ordem: PS, CDS-PP, PCP, BE, Os Verdes e PSD, sendo que, em nome destes

partidos, intervirão, respetivamente, os Srs. Deputados José Junqueiro, Hélder Amaral, Jorge Machado,

Cecília Honório, Heloísa Apolónia e Luís Leite Ramos.

Para a primeira declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

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O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: No início desta sessão legislativa o

Governo está à deriva. Acontece com a coordenação do Executivo e em setores estratégicos decisivos como

sejam os da justiça e da educação.

O Sr. António Braga (PS): — É bem verdade!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Na justiça, a Ministra, depois de um surto inicial de enorme arrogância, tem

vindo a admitir, por força dos factos, que os erros são muitos e prejudicaram o normal funcionamento dos

tribunais. E foi neste contexto que fez um teatral, mas mal ensaiado, pedido de desculpas pelos

constrangimentos que provocou.

Depressa se arrependeu, no entanto, e veio ao Parlamento, ontem precisamente, insistir — imagine-se! —

no sucesso da reorganização judiciária, que não se deveria confundir com os problemas do Citius, como

referiu.

Ora, para pôr as coisas no sítio, é necessário lembrar que, independentemente de qualquer plataforma

informática, o que temos no terreno é um acesso mais difícil das pessoas à justiça, mais caro para essas

pessoas e mais caro para o Estado, mais injusto e mais moroso.

Aplausos do PS.

Em 2008, estava em marcha uma reforma dos tribunais que racionalizava o número de comarcas e

introduzia a especialização e uma nova forma de gestão. Já existiam três comarcas novas e mais duas

estavam em instalação. No memo da troica de maio de 2011 ficou estabelecido concretizar essa reforma até

dezembro de 2012. Já lá vão dois anos e nada aconteceu a não ser esta confusão que vivemos.

Em finais de 2011, o Governo PSD/CDS, com a troica, unilateralmente, sem que ninguém soubesse,

alterou o programa e veio a ser definida uma reforma dos tribunais, ou o mapa judiciário, com diferenças

substantivas face à que estava em curso.

E as diferenças são substantivas e são claras: passagem de 39 para 23 comarcas, encerramento de 47

tribunais, implementação não faseada mas conjunta, em todo o País, em 1 de Setembro de 2014, originando o

caos judiciário, do qual, como referiu o Deputado socialista Luís Pita Ameixa, «Paula Teixeira da Cruz é a mãe

desse caos judiciário» e que a ministra «deve a sua demissão ao País». E deve mesmo!

Aplausos do PS.

Na educação, Nuno Crato não fez melhor. O início do ano letivo foi um dos piores de sempre. Escolas sem

professores e professores sem escola marcam o dia-a-dia de muitos alunos e encarregados de educação.

Tal como a Ministra da Justiça, Nuno Crato, depois de um surto inicial de enorme arrogância, pela força

dos factos, veio também à Assembleia da República fazer a sua parte do teatro, ensaiar um pedido de

desculpas, para que a «salsicha educativa» do Primeiro-Ministro fosse salvaguardada, seja lá o que isso for.

Aplausos do PS.

Percebeu-se que o Governo adotou uma estratégia: a representação de uma falaciosa humildade.

Foi muito o que correu mal a nível da colocação inicial de professores. Foi tardia e, uma semana após o

início do ano escolar, existiam erros por todo o lado, com colocações em duplicado ou professores retirados do

concurso sem o seu conhecimento. Ninguém sabe como é que numas escolas os professores tiveram os seus

contratos renovados e noutras não, em iguais circunstâncias.

A verdade é que os grupos parlamentares da maioria, pelo menos muitos dos seus Deputados, foram

apanhados de surpresa, sobretudo os do PSD. De facto, ao terem agendado para esse dia um debate de

atualidade tinham a ideia de possuírem razões mais do que suficientes para arrasar a oposição,

nomeadamente o PS, que tão duras críticas fez ao Governo e ao Ministro.

Eis senão quando o Ministro da Educação, ao arrepio de todas as expetativas, lança o tal pedido de

desculpas aos professores, aos pais e aos alunos, pelos constrangimentos que estava a causar a todos eles.

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Afinal, o PS tinha razão e a maioria PSD/CDS ficou em estado de choque, que, aliás, prolongou nos

corredores. Com efeito, não tinha sido, dizia, para esta desautorização pública que agendaram um debate de

atualidade. Foi a cereja no cimo do bolo para um problema que ainda não foi resolvido.

Um exemplo: neste momento, o Governo tenta tapar os lugares vagos existentes trocando de escolas os

docentes mal colocados. Apesar de colocados indevidamente na BCE (Bolsa de Contratação de Escola),

esses docentes estão a ser mandados para ocupar lugares noutras escolas e com isso a impedir que esses

mesmos docentes — que deveriam ter sido colocados — fiquem com os lugares que lhes pertencem. Não é

uma forma leal de esconder tamanho erro.

Como se isso não fosse suficiente, o Primeiro-Ministro, pelos motivos conhecidos, introduziu na opinião

pública a ideia de que se poderia ir embora. Nada pior para um Governo do que uma instabilidade ao mais alto

nível. Nada pior para o País do que um Governo perdido na confusão dos seus dias.

Ora, podendo até compreender, sinceramente, que num primeiro momento a memória de anos não

estivesse ativa, já não é tão fácil aceitar que decorridos estes dias a mesma não tivesse sido recuperada

através de esforço pessoal e voluntário.

O Primeiro-Ministro é um cidadão com responsabilidades acrescidas e se ninguém deve ver o seu bom

nome posto em causa, muito menos um Primeiro-Ministro deve sujeitar-se a isso. É, assim, necessário que o

próprio, rapidamente, venha dilucidar as dúvidas existentes e resta saber, mais uma vez, se o Sr. Presidente

da República tem agora melhor informação e continua a pensar que no País está tudo bem.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, tem cinco inscrições para formularem perguntas, a saber: Srs.

Deputados Luís Montenegro, do PSD, António Filipe, do PCP, Cecília Honório, do BE, Nuno Magalhães, do

CDS-PP, e José Luís Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. Deputado José Junqueiro já informou que pretende responder um a um, pelo que dou desde já a

palavra ao Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, todos ouvimos com muita

atenção a declaração política que acabou de proferir. Percebemos que tenha andado a tergiversar sobre

vários assuntos, terminando querendo insinuar, mais uma vez, algumas coisas relativamente ao Sr. Primeiro-

Ministro, mas já lá vou.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Mas, sobretudo, há uma ausência que não pode deixar de ser notada: a

declaração política do Partido Socialista fala de tudo menos daquilo que é o centro da ação política do Partido

Socialista hoje, que é o seu debate interno e as ideias que podem dimanar desse debate para ajudar a

resolver os problemas do País. Sobre isso, nem uma palavra, embora possamos perceber porquê, a julgar

pelas demonstrações que têm sido dadas pelos dois candidatos a Primeiro-Ministro por parte do Partido

Socialista.

Aliás, ainda ontem foram bem evidenciadas num debate que considero deprimente do ponto de vista

político, que não prestigia os dois candidatos, não prestigia o PS,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

…mas, sobretudo, não prestigia a política, porque a essência da política não é que os seus agentes façam

ataques pessoais uns aos outros, a essência da política é que os políticos digam às pessoas, aos destinatários

da sua ação, aquilo que entendem ser as suas soluções para resolver os seus problemas. E sobre isso zero!

Protestos do Deputado do PS João Galamba.

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Não sabemos o que é que pensam o Dr. Seguro e o Dr. Costa sobre o Serviço Nacional de Saúde e a sua

sustentabilidade. Tivemos três debates e nem por uma ocasião soubemos aquilo que pensam os candidatos,

e, portanto, o Partido Socialista, sobre a questão fundamental de saber como é que o sistema de pensões e da

segurança social pode ser sustentável, para aqueles que hoje são reformados, mas, sobretudo, para aqueles

que podem ser os reformados de amanhã. Não sabemos o que é que o Partido Socialista pensa das questões

fundamentais do País.

O Sr. Deputado falou da reforma judiciária e falou da colocação de professores.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Com certeza, deve ter-se esquecido de que esta reforma judiciária era

há muito reivindicada por todos os agentes da justiça e também pelas pessoas, que querem uma justiça mais

eficiente.

Aliás, o Partido Socialista tentou fazer essa reforma mas não conseguiu. Essa é uma grande diferença para

aquilo que hoje está em execução. É verdade que nem tudo correu bem e o Governo assumiu as suas

responsabilidades, e também é verdade que não correu tudo bem na colocação de professores. Há 1% das

colocações que foram atingidas, muito longe da confusão que eram os concursos que VV. Ex.as

tiveram de

gerir e programar na altura em que eram governo.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Mas é verdade e assumimos essa responsabilidade.

Sr. Deputado José Junqueiro, não vale a pena porque V. Ex.ª andou, andou, andou e aquilo que queria

fazer era adensar as especulações e as suspeitas acerca do que tem sido a postura do Primeiro-Ministro.

Sobre isto queria dizer, de uma forma muito clara, o seguinte: nesta bancada, no PSD, temos total

confiança num Primeiro-Ministro que já deu múltiplas provas de seriedade e de idoneidade para desempenhar

todas as funções em que tem sido investido, nomeadamente aquela que desempenha hoje como Primeiro-

Ministro.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Não alinhamos nessa baixa política de tentar apanhar a onda mediática

com especulações que não têm, até ver, fundamento, bem pelo contrário.

Termino, Sr.ª Presidente, dizendo ao Sr. Deputado que há uma suprema especulação que perpassou na

sua intervenção que vai ficar aqui definitivamente desmentida: não há nenhum cenário de fuga às

responsabilidades do Primeiro-Ministro e do PSD. Não, os senhores querem eleições antecipadas desde o

primeiro dia desta legislatura mas não as vão ter, vamos cumprir a legislatura até ao fim, vamos cumprir o

nosso programa, vamos prestar contas por aquilo que fizemos e vamos pedir aos portugueses a confiança

para continuar a transformar Portugal nos próximos quatros anos,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — … com estes Deputados, com estes partidos e com a liderança firme e

honesta de Pedro Passos Coelho.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Peço aos Srs. Deputados o favor de respeitarem o tempo regulamentar ou, pelo

menos, de não se distanciarem muito dos limites desse tempo.

Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

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O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, começo por lhe agradecer

as questões que colocou e dizer o seguinte: falámos aqui sobre dois problemas importantes para o País e para

a vida real das pessoas, problemas esses que dizem respeito à justiça e à educação.

Em função desses problemas e do caos criado no País, os respetivos ministros, teatralmente, vieram

ensaiar um pedido de desculpas.

Sr. Deputado, ficava-lhe bem que, em vez de tentar fugir ao tema, tivesse também pedido desculpa por

suportar um Governo que fez do início do ano judicial e da educação um caos.

Aplausos do PS.

Segunda nota: como sabe, sou seu amigo, e se eu soubesse que o ia incomodar tanto com esta

intervenção, eventualmente, iria ponderar os termos, porque não gosto de o ver mal disposto.

Queria ainda referir-lhe o seguinte: acho que as acusações qualquer um as pode fazer; as insinuações são

um ato vil, não devem ser feitas, porque as pessoas não se podem defender.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Foi o que o senhor fez, ali, da tribuna!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Aquilo que fizemos aqui foi constatar uma realidade pública e desejar que o

Primeiro-Ministro, o mais rapidamente possível, porque também tem direito ao seu bom nome, e até por isso,

venha publicamente esclarecer essas mesmas dúvidas.

Isto, Sr. Deputado, não é insinuação, isto não é acusação, isto é uma exigência da República, que quer

transparência e qualidade na democracia.

Aplausos do PS.

Para terminar, quero dizer o seguinte: em primeiro lugar, agradeço-lhe as suas preocupações com o

Partido Socialista. Fica-lhe bem preocupar-se connosco, mas devia era preocupar-se com a ação do seu

Governo, realmente, com os assuntos que focou, com a saúde, com a segurança social, com a Administração

Pública, com os reformados, com os pensionistas, relativamente aos quais os senhores, desde início,

ensaiaram uma política inconstitucional de cortes, que querem continuar, querem perpetuar, mas ficam a

saber que, com o Partido Socialista, os senhores não terão desconto, não terão descanso e essa política não

seguirá por diante.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Por isso, Sr. Deputado Luís Montenegro, lamento muito que tenha ficado

tão incomodado mas espero que, agora, fique mais esclarecido.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, o senhor trouxe aqui ao

debate três questões relevantes da vida política nacional, que, evidentemente, dizem respeito à vida do nosso

País, à forma como o nosso País é governado e ao dia-a-dia dos portugueses, no que se refere à justiça e à

educação.

O Sr. Deputado Luís Montenegro, há pouco, dizia que esta reforma da justiça era muito reivindicada. Não

sei se o Sr. Deputado viu alguma manifestação a pedir este mapa judiciário, nós não vimos, vimos o contrário.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

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O Sr. António Filipe (PCP): — Pela primeira vez, vimos uma manifestação de advogados de todo o País,

aqui, junto à Assembleia da República, para que o Governo não avançasse com esta desastrosa reforma do

mapa judiciário.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. António Filipe (PCP): — A Sr.ª Ministra lá pediu desculpa, mas nesta questão, Sr. Deputado, não há

desculpas, porque o Governo sabia perfeitamente — e se não sabia tinha mais do que obrigação de saber —

que condições é que tinha para fazer avançar esta reforma do mapa judiciário, tanto mais quanto o Governo e

a maioria se opuseram a propostas, inclusivamente vindas do PCP, de que a reforma do mapa judiciário, fosse

ela qual fosse, não entrasse em vigor em setembro de 2014.

Fizeram questão absoluta de que entrasse em vigor e agora o Governo passa pela vergonha de a justiça,

em Portugal, não estar a funcionar. A Sr.ª Ministra minimiza, diz que se trata apenas de um percalço, diz que o

programa Citius é uma ferramenta informática; o que sucede é que os operadores judiciários não têm outra,

têm mesmo de utilizar o programa Citius e não o podem fazer.

Portanto, aquilo com que o País está confrontado é com uma situação de quase total paralisia da máquina

judiciária, dos tribunais. Isto é gravíssimo e não há desculpas para um Governo que é responsável por uma

situação destas.

Sr. Deputado, ao nível da educação, o ano letivo começou inacreditavelmente mal, com falta de tudo,

designadamente com falta de professores, com erros grosseiros na colocação de professores,…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Isso nem parece seu!

O Sr. António Filipe (PCP): — … com falta de funcionários, com falta de apoios educativos…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Nem parece seu!

O Sr. António Filipe (PCP): — O Sr. Deputado Hugo Soares está muito indignado comigo, mas o Sr.

Deputado devia era ficar indignado com o Sr. Ministro da Educação. Sabe porquê, Sr. Deputado? Porque o Sr.

Ministro da Educação obrigou a maioria a passar pelo maior enxovalho deste ano,…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Não é verdade!

O Sr. António Filipe (PCP): — … que foi o seguinte: a maioria propôs um debate sobre a abertura do ano

letivo,…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Foi bem útil!

O Sr. António Filipe (PCP): — … a maioria passou aqui todo o debate a defender o Governo, dizendo que

estava tudo normal, no melhor dos mundos, e o Sr. Ministro deixou a maioria espalhar-se ao comprido e, na

última intervenção, antes de se ir embora, veio pedir desculpa e dizer que, afinal, estava tudo mal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Já estava combinado! Não percebeu?!

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

O Sr. Ministro pediu imensa desculpa e foi-se embora.

Portanto, os senhores deviam era estar ofendidos com o vosso Ministro.

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Vou concluir, Sr.ª Presidente, com a questão do Sr. Primeiro-Ministro. Sobre esta questão, nós próprios,

Grupo Parlamentar do PCP, já solicitámos à Assembleia da República, quer à Comissão para a Ética, a

Cidadania e a Comunicação, quer à Sr.ª Presidente, que os serviços da Assembleia da República recolham a

informação relevante acerca das questões e das suspeições que envolvem o comportamento do Sr. Primeiro-

Ministro enquanto exerceu o mandato parlamentar e quando saiu dele, com o subsídio de reintegração.

O Sr. Primeiro-Ministro vem dizer que a Procuradoria-Geral da República irá esclarecer, mas, Sr. Deputado

José Junqueiro, não acha que, em primeira linha, quem tem a obrigação estrita de esclarecer o País sobre a

situação é o próprio Primeiro-Ministro?!

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Os senhores suspeitavam! Assim, não restam dúvidas!

A Sr.ª Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Concluo, Sr.ª Presidente.

Não lhe parece que é o Sr. Primeiro-Ministro que, em primeira linha, tem de esclarecer e tem de ser ele

próprio a evitar estar sob uma situação de suspeição que, obviamente, só o enfraquece enquanto

governante?!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Lá vai o José Junqueiro chafurdar mais um bocado!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Filipe, agradeço as questões que

colocou e quero dar nota do seguinte: também, como o Sr. Deputado, embora tivesse feito um grande esforço

nesse sentido — visitei muitos concelhos e muitas comarcas —, não me consegui aperceber de um

movimento reivindicativo que exigisse, de facto, esta reforma — mas será, eventualmente, defeito meu —,

pelo contrário, em todo o lado, todas as pessoas contestaram aquilo que estava a ser feito.

Penso que, dentro de alguns anos, a Sr.ª Ministra, ao olhar para o passado, não sentirá grande orgulho de

uma transformação em que as pessoas, que têm assegurado o seu direito à justiça — é um direito inalienável

—, viram esse acesso mais difícil, mais penoso e mais caro. Esta maioria da direita, o PSD e o CDS,

insensíveis ao problema das pessoas, introduziram uma distorção forte naquilo que é a democracia e os

direitos das pessoas à justiça, ao limitarem o acesso aos tribunais. Foi algo de absolutamente insensato! Aliás,

gostaria também de dizer que a paralisia em que os tribunais se encontram transforma tudo. Tudo ficará mais

caro, mais moroso, mais difícil, um caos!

Na educação, gostava de referir que o incómodo desta maioria de direita é pelo facto de o Sr. Ministro ter

repetido aqui o número da Ministra da Justiça durante um agendamento de atualidade. A maioria não estava

preparada para isso! Qual não foi o seu espanto que ficaram de boquinha aberta a dizer: «O quê? Pedido de

desculpas? Então, nós estamos aqui para defender o Ministro, a dizer que correu tudo bem e o senhor

apresenta um pedido de desculpas?!». Por isso é que nos corredores surgiu esse desencanto.

Por último, Sr. Deputado António Filipe, não posso estar mais de acordo: a mim e ao Partido Socialista

parece-nos que é ao Primeiro-Ministro que compete a iniciativa de esclarecer o que tiver de ser esclarecido. E

também me parece que é à Assembleia da República que compete obter o esclarecimento daquilo que tiver de

ser esclarecido. O que está aqui em causa não é qualquer acusação nem qualquer insinuação, o que está em

causa é um facto concreto relativamente ao qual o Primeiro-Ministro sabe o que deve fazer e nós sabemos o

que devemos exigir.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

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A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, quero saudá-lo pela

importância dos temas que aqui trouxe, na sua declaração política, destacando a crise que se vive em dois

dos mais importantes pilares do sistema democrático. Estamos a falar do sistema de justiça, estamos a falar

do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais e estamos a falar da educação, da turbulência que

se viveu na escola pública, com todos os problemas, nomeadamente as falhas na colocação de professores.

São problemas muito graves, pelo que fez bem em trazê-los a debate. E fez bem, também, do nosso ponto de

vista, em retomar esta saga do «perdoem-me».

É facto que a Sr.ª Ministra da Justiça, perante um sistema praticamente paralisado, perante tribunais e

operadores de mãos atadas, aquilo que fez, em vez de anunciar medidas urgentes e um plano b para resolver

todos os problemas, foi dizer: «Desculpem lá! Desculpem lá este transtorno».

É facto que o Sr. Ministro da Educação, perante a instabilidade criada nas escolas, perante a angústia de

pais e mães, perante as crianças, que não sabiam muito bem qual iria ser a sua vida, perante a angústia

tremenda de professores e professoras, injustiçados de várias formas, nomeadamente com os erros de

colocação do Sr. Ministro da Educação, pelos quais ele é responsável, o que fez foi dizer: «Desculpem lá este

mau jeito».

Ainda hoje estamos à espera de uma solução, ainda hoje se aguarda pelas soluções para a justiça e para a

educação, e eles já pediram desculpa há dois ou três dias.

Porventura, estaremos ainda à espera de um pedido de desculpas do Primeiro-Ministro — logo veremos —,

mas o nosso ponto de vista é este: a responsabilidade é a de um esclarecimento urgente desta matéria. Não

nos chegará se o Primeiro-Ministro vier aqui, um dia, dizer: «Desculpem lá o mau jeito, mas eu, afinal, até me

esqueci de que estava em regime de exclusividade».

A verdade é que o Primeiro-Ministro deve esclarecimentos ao País — «quem não deve, não teme» — e

aguardamos que o faça, em vez de descartar para a Procuradoria-Geral da República. Parece-nos que a

responsabilidade assim o exige e a dignidade das funções assim o impõe.

Em todo o caso, no final desta discussão, quero só perguntar-lhe como é que o PS consegue perspetivar a

salvaguarda dos serviços públicos fundamentais, nomeadamente na educação e na justiça. O PS tem, do

passado, um compromisso com a reabertura de todos os tribunais que ora foram encerrados e continua a

reivindicar-se do direito à defesa da escola pública. Isto exige uma enorme clareza com a rutura das políticas

de austeridade. Não é mantendo os cortes de milhões e milhões, que estão anunciados,…

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Concluo, Sr.ª Presidente.

Como estava a dizer, não é mantendo os cortes de milhões e milhões, que estão anunciados, que o PS vai

resolver o problema. Portanto, digam-nos, de uma vez por todas, qual é o vosso compromisso, de forma a

poderem defender, em coerência, estes serviços fundamentais.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Honório, os nossos compromissos

na educação e na justiça, aqueles que referiu, são para cumprir, porque desde o início transmitimos ao País

que não podíamos dizer nada que, no futuro, não pudéssemos verdadeiramente assumir, e este é um

compromisso de honra. Está em jogo a credibilidade da política e da democracia, está em jogo o facto de as

pessoas terem pouca confiança naquilo que os políticos interpretam como promessa — e isto é sentido por

nós —, porque, no final das eleições, surge sempre uma realidade diferente.

Portanto, o nosso compromisso é este: fazer da educação, novamente, uma prioridade, aliviar os cortes,

porque o investimento na educação tem sempre um valor acrescentado na qualidade do País e da sua

competitividade. Só quem sabe o que custou, no regime anterior, a aposta no analfabetismo é que pode

compreender que nunca é demais termos, como prioridade, o investimento na educação.

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Na justiça, Sr.ª Deputada, sucede a mesma coisa, porque um país onde a justiça demora, onde a justiça

não acontece, onde a justiça é mais difícil, não é um país que, democraticamente, seja qualificado. E as

pessoas, em democracia, não votam em nós para terem piores serviços, para terem pior justiça, votam em nós

exatamente para obterem o contrário, uma melhor justiça e uma maior qualificação.

É por isso que esta política austeritária cega não pode continuar, e não pode continuar porque, sem

crescimento, não há emprego, não há consolidação das contas públicas, não há maneira nenhuma de cumprir

as funções sociais do Estado. Daí o Partido Socialista estar contra este ritmo alucinante de privatizações que

tem sido desenvolvido, porque têm sido alienados setores e ativos estratégicos do Estado, sem os quais

temos muita dificuldade em enfrentar o futuro.

Por isso, Sr.ª Deputada, termino, dizendo-lhe: os nossos compromissos, aqueles que referiu, na educação

e na justiça são compromissos para assumir e cumprir.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, com estima e

franqueza, nós já cá andamos há alguns anos e todos conhecemos os truques parlamentares que o Sr.

Deputado acabou de fazer.

O Sr. Deputado faz uma espécie de revista de imprensa dos últimos dias, vai buscar os temas que

estiveram na ordem do dia, que são, sem dúvida alguma, importantes, que foram objeto de debates na

Assembleia da República, em Plenário, com a presença do Ministro da Educação, e em comissão, com a

presença da Ministra da Justiça, que foram objeto de várias declarações políticas, de contraditório, por parte

da maioria,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — O chumbo de audições, hoje…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … e, para utilizar um termo futebolístico, «queima tempo» até chegar

àquilo que lhe interessa.

Sr. Deputado, em relação à justiça e à educação, só tenho a dizer uma coisa muito simples: nós, no CDS e

na maioria, não ocultamos problemas, enfrentamo-los e tentamos resolvê-los. É o que está a acontecer!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas, primeiro, criam os problemas!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Mas quanto a tudo isto, que não passou de meios que, no entender

de V. Ex.ª, justificam os fins, ficámos, de resto, a saber que justiça, educação e até o prestígio da Assembleia

da República são um mero meio para o Partido Socialista chegar àquilo que quer. E aquilo que o Sr. Deputado

quis aqui fazer foi, de facto, uma insinuação sonsa.

Sr. Deputado, em relação a isso, para ser curto e claro, e já o disse ontem mas repito-o hoje, o CDS tem

confiança na palavra do Primeiro-Ministro.

Dito isto, Sr. Deputado José Junqueiro, e porque também anda cá há muito tempo, deixe-me que lhe

recorde uma doutrina firme e muito antiga do CDS: não comentamos suspeições, notícias ou alegações, seja

em que caso for, seja em que momento for, seja de que partido for.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — É o que faz a diferença!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — E digo-lhe mais: em nome de outra doutrina também muito antiga do

CDS, não comentamos a vida interna de outros partidos. E havia tanto…

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Sr. Deputado, digo-lhe apenas isto: foi lamentável e, por isso, não tenho qualquer pergunta a fazer.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, agradeço muito a sua

questão…

Vozes do PSD: — Qual questão?!

O Sr. José Junqueiro (PS): — … e percebo a incomodidade, mas, de facto, não foi feita nenhuma

insinuação, direta ou indiretamente, objetiva ou subjetivamente, nem foi feito nenhum comentário, nem foi feita

nenhuma acusação.

Aquilo que aqui nos traz sobre essa matéria é apenas a constatação de um facto público comentado pelo

Primeiro-Ministro, que para o esclarecimento do mesmo já ensaiou diferentes soluções. E aquilo que dizemos,

em nome da estabilidade da democracia e do funcionamento qualificado da democracia, é que esse

esclarecimento deve vir o mais rapidamente possível e deve ser o próprio a fazê-lo.

Não percebo porque é que o Sr. Deputado colocou tanta ênfase nesse aspeto, até porque coloquei

questões que são igualmente relevantes.

Quanto à educação e à justiça percebo o incómodo. E por isso o Sr. Deputado está a utilizar o antigo

truque parlamentar de enfatizar a questão do Sr. Primeiro-Ministro para tentar esconder que na justiça e na

educação vivemos um mau momento, por incompetência dos respetivos ministros deste Governo. Só lhe

ficava bem reconhecer que o pedido de desculpas que aqui foi feito foi o último recurso que os próprios

tiveram para não pedir a demissão, porque era isso que deveria ter acontecido depois de terem assegurado o

que asseguraram, e que não correspondia à verdade, e de terem feito aquilo que fizeram. E o que fizeram foi

uma distorção enorme na justiça e na educação, em Portugal.

Para terminar, embora o Sr. Deputado não tenha dado importância a este aspeto, quero dizer-lhe que me

lembro dos professores que estão sem escola, dos professores que foram colocados de forma deficiente, dos

professores que não foram colocados, dos alunos que não tiveram aulas, da instabilidade das escolas, das

famílias e dos alunos. Mas eu sei que para os senhores isto não interessa, aliás, bastava só recordar o

historial do CDS em matéria de pensões e de reformas e em matéria fiscal para se ficar a saber que um dos

partidos com atitudes mais cruéis para os reformados desde o 25 de Abril foi exatamente o CDS e os seus

responsáveis no Governo.

Aplausos do PS.

Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

A Sr.ª Presidente: — Para um último pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, de facto, o

Governo perdeu o norte — acompanhamos a leitura que faz.

Já não nos bastava um Governo que passa a vida a cortar salários, a aumentar impostos, a diminuir o

rendimento disponível das famílias, a impor austeridade, a semear desemprego, ainda por cima sem resolver

nenhum dos nossos problemas, ainda por cima piorando o acesso aos serviços públicos, como agora ainda

constatamos que o Governo está à deriva. E esta deriva é visível, sobretudo, como o Sr. Deputado referiu, na

justiça e na educação, o que, aliás, obrigou os respetivos ministros a pedirem desculpas, como se isso

resolvesse alguma coisa, como se isso melhorasse a vida das pessoas.

De facto, a imposição da extinção de tribunais e a teimosia em implementar o novo mapa judiciário a 1 de

setembro não mostra apenas a irresponsabilidade do Governo, mostra também a importância que as pessoas

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têm para este Governo. É que avançar com uma reforma desta dimensão e desta natureza, contra tudo e

contra todos, e sobretudo sem preparar a sua entrada em vigor, acabando, aliás, por impor por decreto a

paralisação completa da justiça e dos tribunais, só tem uma palavra: irresponsabilidade. E esta

irresponsabilidade é de tal ordem que não fica resolvida apenas com um pedido de desculpa, exige muito

mais.

O mesmo se diga relativamente ao arranque do ano letivo. A irresponsabilidade também não se

compadece com um pedido de desculpas porque é claramente insuficiente, é muito pouco.

Sobre o clima de suspeição a que se referiu, Sr. Deputado, a nosso ver, a única forma de sacudir este

clima de suspeição seria o Sr. Primeiro-Ministro fazer um esforço, puxar pela memória e explicar-se aos

portugueses, dizendo: foi assim e não foi assim. Mas o Sr. Primeiro-Ministro, pelos vistos, prefere remeter-se a

esta espécie de silêncio por amnésia que só temos de lamentar.

Sr. Deputado José Junqueiro, o Sr. Primeiro-Ministro disse que tiraria conclusões em função do resultado

da análise que a Procuradoria-Geral da República vai fazer. Gostaria que o Sr. Deputado nos explicasse que

leitura faz desse comentário do Sr. Primeiro-Ministro.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, agradeço as suas

questões.

Sobre a última parte da sua intervenção, gostaria de lhe dizer que é ao próprio que compete dar as

explicações necessárias sobre a matéria, se assim o entender. O Partido Socialista não tem de dizer a

ninguém o que deve fazer, nem tem de fazer acusações, repito, se não houver fundamento para as mesmas,

nem tem de fazer nenhum tipo de insinuação, pelos motivos que, aliás, já aqui apontei; a única coisa que

fizemos foi constatar publicamente um facto que todo o País constatou. Quanto a isso não diremos mais nada,

porque não nos compete dizer mais nada sobre essa matéria. A única coisa que todos queremos, tal como o

Sr. Deputado, é que essa verdade seja esclarecida pelo próprio e na Assembleia da República.

No que toca à justiça e à educação estamos totalmente de acordo.

Quando alguém num concelho do interior, por exemplo em Castro de Aire, passa a ter se de deslocar a

Viseu, a S. Pedro ou a Lamego para tratar daquilo que tem a tratar, quando não há transportes para o efeito,

quando 80% do apoio judiciário é feito pelo Estado, quando as causas da sua génese têm de ser julgadas no

local e o juiz tem de se deslocar, ninguém pode perceber, na sua boa-fé, como é que isso foi feito. E a Sr.ª

Ministra também não percebe. Se a Sr.ª Ministra tivesse ido ao terreno entendia que era assim, porque teria

ouvido os magistrados, os advogados, os autarcas e os partidos políticos.

O problema é que esta reforma, ou assim chamada, foi feita nas costas de toda a gente. E como foi feita

nas costas de toda a gente, sem consultar ninguém, sem ir ao terreno, o que temos de facto é isto: menos

justiça, mais dificuldade de acesso, uma justiça mais cara para as pessoas e uma justiça mais cara para o

Estado.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Concluída a declaração política do PS, passamos ao CDS-PP.

Então, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, bem sei que poderá parecer

surpresa para alguns, mas, mesmo assim, vou dizer: a economia portuguesa está a crescer. Em termos

homólogos, já cresce há três trimestres consecutivos.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O emprego está a aumentar. Se compararmos os valores do segundo

trimestre de 2014 com os do segundo trimestre de 2013, observamos um aumento, em termos líquidos, de 90

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000 pessoas empregadas. Este aumento foi explicado, em grande medida, pelo aumento do número de

contratados a tempo indeterminado, o que pode ser confirmado em fontes do Instituto Nacional de Estatística

A competitividade do País está a crescer. De acordo com o Fórum Económico Mundial, Portugal subiu 15

lugares no ranking mundial da competitividade, e não me alongarei mais neste tema porque ele já foi aqui

discutido.

Para quem tenha dúvidas, Portugal está a fazer bem aquilo que lhe compete, basta olhar para os elogios

feitos, este ano, pelos Estados Unidos, pela OCDE, pela Comissão Europeia, pelo Financial Times, pelo

Banco Central Europeu (BCE) e até pelo socialista Presidente do Parlamento Europeu Martin Schultz.

Mas eu não quero negar a evidência e, por isso, gostaria de falar-vos do setor que, neste contexto, mais

contribui para os dados positivos, ou seja, o turismo, que comemora no próximo sábado o seu dia mundial.

Em 2013, o contributo deste sector para o PIB foi de 5,8% e para o emprego direto de 7,2%, enquanto a

nível mundial a média foi de apenas 2,9% e de 3,4%, respetivamente. Na realidade, o turismo em Portugal

vale hoje mais para a economia, emprego, exportações e investimento do que no resto da Europa e até

mesmo no mundo. Este é, assim, um dos principais setores da economia portuguesa.

Mas se pensávamos que, em 2013, o turismo em Portugal já tinha atingido o seu máximo, os números

acumulados até julho de 2014 evidenciam o contrário: o número de hóspedes aumentou 11,6%; o número de

dormidas aumentou 10,8%; os proveitos aumentaram 11,8%; as receitas aumentaram 10,3%; o saldo da

balança turística aumentou 12,9%; o RevPar, ou seja, o rendimento por quarto, aumentou 9%; e a taxa de

ocupação por quarto aumentou 3,1 pontos percentuais. Estas são, de facto, realidades incontornáveis e que

deviam deixar todos, mas todos, os Srs. Deputados satisfeitos e a aplaudir.

Aplausos do CDS-PP.

Já no que respeita aos três principais mercados que procuram Portugal como destino turístico, gostava de

salientar o seguinte: em relação ao Reino Unido, o crescimento em hóspedes acumulado até julho de 2014 foi

de 14,8%; no que respeita à Alemanha, mercado sempre difícil, o crescimento em hóspedes acumulado até

julho de 2014 foi de 8,3%; já no que diz respeito a Espanha, nosso principal mercado e que alguns achavam

impossível crescer mais, o crescimento em hóspedes acumulado até julho de 2014 foi de 18,9%.

Mas há também mercados novos que estão a chegar ao País, e a repetir, dos quais destaco três: Angola,

no qual o crescimento em dormidas acumulado até junho de 2014 foi só de 43,2%; China, no qual o

crescimento em dormidas acumulado até junho de 2014 foi só de 59,9%; e Luxemburgo, no qual o

crescimento em dormidas acumulado até junho de 2014 foi 32,1%.

Srs. Deputados, podem voltar a aplaudir, porque é mérito das empresas e dos empresários portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Estes resultados por parte deste sector, que está a puxar pela

economia, encontram a sua explicação em alguns fatores, mas evidentemente no esforço dos empresários e

dos trabalhadores.

O destino é bom e diversificado, o que permite ter vários produtos para vários turistas — já não somos

fortes apenas no Algarve. Agora, com quotas de mercado relevante, temos as regiões do Algarve, como é

evidente, de Lisboa, da Madeira e do Porto e Norte, o que compreende uma razoável cobertura do território.

Temos empresas e trabalhadores dinâmicos e competentes, que responderam bem ao desafio. Como

exemplo temos o setor da animação turística, em que o ritmo de criação de emprego destas empresas mais do

que duplicou após a liberalização feita por este Governo, qualificando o destino e criando emprego.

Temos um parque hoteleiro de muita qualidade, repito, de muita qualidade. Não queria deixar de dar uma

palavra de apreço ao Governo socialista, que foi fundamental na requalificação da oferta. Portanto, esta é uma

matéria de consenso, não de disputa política.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — A desburocratização e a redução de custos de contexto da atividade do

turismo que este Governo tem vindo a fazer, e dos quais são exemplos a animação turística e a legislação

relativa às agências de viagens, cuja autora é a minha amiga e colega de bancada Cecília Meireles, têm

também aqui uma parte de responsabilidade.

As alterações feitas por este Governo no setor da promoção, que é um aspeto fundamental, passaram

decisivamente com sucesso. Passou a olhar-se para a promoção como uma matéria técnica e não política, o

que equivale a dizer que passou a ser mais eficaz, mais certeira e mais simples.

Permitam-me dar alguns exemplos para melhor clarificar este último fator, que visou aproximar a promoção

da cadeia de distribuição de valor, estando agora o turismo, nas suas várias fases — planeamento, reserva,

experiência e partilha —, muito mais próximo do consumidor.

Foi lançado um programa intenso de captação de imprensa internacional para vir a Portugal e escrever

sobre Portugal, visitar Portugal e tirar as suas conclusões. Foram realizadas, pelo menos, duas viagens de

jornalistas, criadas e organizadas pelo Turismo de Portugal. Os resultados, obviamente, estão à vista: a

notoriedade de Portugal é hoje muito maior e a perceção é muito melhor.

Intensificou-se um programa de captação de rotas aéreas e operadores turísticos, em parceria com a ANA,

de forma a haver mais voos para Portugal e os resultados estão à vista, nomeadamente em Lisboa e no Porto.

Entrou-se no marketing digital, que permite que hoje tenhamos promotores de motores de busca nas redes

sociais, na Internet, onde andam os turistas, onde andam novos mercados, onde andam novos consumidores

e, obviamente, essa matéria até foi alvo de elogio da Organização Mundial do Turismo.

Em suma, os dados do turismo em Portugal são extremamente positivos, prevendo-se que esse setor

continue a crescer ainda mais. Para isso têm contribuído, repito, as empresas, os agentes turísticos, mas

também o próprio Governo, que, com medidas muito concretas e com um diálogo muito concreto e muito

permanente com o setor, tem tido bons resultados.

É que a nível do reconhecimento internacional, Portugal também conseguiu conquistar — tomem atenção,

Srs. Deputados — 15 prémios no World Travel Awards, evento que distingue a excelência do setor da indústria

do turismo. O evento galardoou, por exemplo, a cidade do Porto, a de Lisboa, as ilhas da Madeira, a TAP, o

Turismo de Portugal, a empresa Douro Azul e oito hotéis portugueses.

Sr.as

e Srs. Deputados, o turismo é, de facto, um setor que merece ser acarinhado, é, de facto, um setor

importante, e foi por essa importância que quis fazer a declaração de hoje.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Bruno Dias, do

PCP; Mariana Mortágua, do BE; Nuno Encarnação, do PSD, e Hortense Martins, do PS.

Entretanto, o Sr. Deputado Hélder Amaral informou a Mesa que pretende responder em conjuntos de dois

pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral, falou dos bons resultados do

setor do turismo registados até agora, este ano, e principalmente este verão, e o que quero dizer, em primeiro

lugar, é que ainda bem que há bons resultados neste setor.

Quando o turismo ganha, ganhamos todos, dirá V. Ex.ª. Pois é, o problema é que uns ganham quase tudo

e outros ganham quase nada. Aliás, não admira que V. Ex.ª tenha vindo outra vez com o andor do Fórum da

competitividade, que é, afinal, o inquérito ao patronato, que dirá, certamente, que em Portugal se está muito

bem com a concentração de riqueza, em que a parte dedicada aos salários e aos trabalhadores é cada vez

menor face à riqueza que é gerada e obtida.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E é essa, exatamente, a questão incontornável que se coloca, que é sobre a

tradução concreta dos resultados que aqui referiu.

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Sr. Deputado, não considera que está mais do que na hora de que os bons resultados em setores como o

do turismo, que se verificaram agora, se devem traduzir, finalmente, na compensação, na atualização e nos

aumentos dos salários que os trabalhadores devem exigir e merecer no setor do turismo, ao contrário do que

tem acontecido, até com salários em atraso, situação que fomos acompanhando ao longo destes meses, em

determinadas cadeias hoteleiras e em determinadas empresas que continuam a tratar os seus trabalhadores

de uma forma indigna?

De resto, Sr. Deputado, há algo de errado no retrato que procurou trazer aqui. Os senhores, que durante

estes anos têm falado tanto do modelo de crescimento assente nas exportações, deviam, porventura, ter

menos foguetório, mais prudência e mais respeito pelas dificuldades que o País continua a atravessar.

É que, Sr. Deputado, sabe o que se passou nos primeiros sete meses deste ano? Eu digo-lhe: a balança

de bens e serviços agravou-se em 847 milhões de euros face ao período homólogo do ano passado. Mesmo

com os resultados positivos do turismo, as outras componentes evoluíram negativamente na balança, de tal

maneira que quase engoliram esses indicadores. Esta realidade concreta, em que as importações de bens

crescem três vezes mais do que as exportações, deve dar que pensar e fazem desabar, com estrondo, a

propaganda do Governo.

Para terminar, Sr. Deputado, uma última questão que o senhor ignorou completamente, mas que não pode

deixar de abordar na sua resposta: o IVA da restauração.

Quando os empresários da restauração, de Norte a Sul do País, enfrentam dificuldades crescentes porque

incorporam o aumento do IVA, este aumento brutal de impostos, esta carga fiscal que está a ser aplicada por

este Governo e que, não aumentando os preços, acabam por assumir, com o seu próprio prejuízo, a asfixia

fiscal que este Governo tem vindo a fazer, era muito importante que o autoproclamado partido do contribuinte

tivesse aqui uma palavra contra esta indigna política que tem vindo a ser levado a cabo neste setor

fundamental da economia, que também tanto contribui para o turismo e para os números que V. Ex.ª

apresentou.

É uma boa oportunidade que V. Ex.ª tem para fazer justiça, corrigindo o silêncio tão ensurdecedor que

dirigiu à restauração deste País.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr. Deputado Hélder Amaral, já

perdi as contas ao número de vezes que aqui discutimos o turismo. É isso que o CDS faz quando não quer

falar de mais nada.

Percebo que, se eu apoiasse este Governo, também não quereria ver, não quereria ouvir; não quereria

saber da justiça, que está um caos; não quereria lembrar-me do Ministro da Educação, que foi aqui obrigado

pelos parlamentares, em direto, a pedir desculpa; não quereria aperceber-me dos 80% de enfermeiros que

estão em greve lá fora por causa das condições das políticas que o Governo implementou no setor da saúde;

não quereria também, já agora, tomar consciência da falta de memória do meu Primeiro-Ministro, que é

sempre bastante indesejável e incómoda nos dias que correm.

E isto é só hoje. Isto são só as coisas de que o CDS tem de fugir, não querer ver, de não se querer lembrar

hoje. Mas há mais coisas, há todo o pano de fundo em que faz esta declaração política. Basta abrirmos a

página do INE e olhar para os indicadores económicos mais recentes: o indicador de atividade económica

desacelera, as exportações — o porta-aviões deste Governo — até sobe qualquer coisa, mas, que azar, as

importações ultrapassam as exportações. Portanto, o grande superavit comercial, que era o grande sucesso

da política económica deste Governo, está a desaparecer, já nem sequer existe, continuamos a acrescentar

mais dívida externa à conta das importações, que são maiores do que as exportações.

Quando olhamos para os dados do desemprego, reparamos que a taxa de desemprego diminui, mas

devido a vários fatores, e só um deles é a criação de emprego, os outros são a emigração. Aconselho-o, mais

uma vez, a olhar para a página do INE e ver o número de pessoas que vivem em Portugal, que decresce a

cada dia que passa.

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Há os estagiários, pagos com dinheiro do próprio Estado e dos contribuintes, que depois têm empregos

precários — nem são empregos precários, são estágios sem nenhumas garantias.

Há os desencorajados que desistiram de procurar emprego. Esta é uma economia que não cria

investimento, não tem investimento líquido nenhum; tem algum crescimento económico que se aproxima muito

mais de uma estagnação, de uma economia fantasma do que de um cenário de crescimento e de recuperação

que o Sr. Deputado aqui veio apresentar.

E este pouco crescimento que acontece depende do consumo. Ninguém sabe como, depois do que o

próprio partido do contribuinte castigou os consumidores e as pequenas empresas, com uma carga fiscal

inimaginável há dois anos ou há três anos, quando o CDS não estava no Governo e vinha defender os direitos

dos contribuintes.

No meio disto tudo, no meio de todo este cenário, encontramos o turismo, que é uma variável que vai

crescendo a contraciclo — tem toda a razão o Sr. Deputado —, mas que também tem dentro dela todos os

problemas da economia, a precariedade — é um setor cheio de precariedade, é onde grassam os baixos

salários, as poucas condições laborais, e sobre isso não conseguimos ainda ouvir uma palavra.

Nós já percebemos que este Governo tornou este País muito atrativo para quem vem de fora. A nossa

pergunta é: quando é que este Governo vai tornar este País atrativo para quem vive cá?

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, queria agradecer as perguntas do Sr.

Deputado Bruno Dias e da Sr.ª Deputada Mariana Mortágua não sem antes registar dois aspetos.

O primeiro aspeto é que tenho de pedir desculpa à Deputada Mariana Mortágua porque ainda sou eu e a

minha bancada que escolhemos o tema das nossas declarações políticas e não o Bloco de Esquerda. Um dia

hei de acertar com o tema do agrado e do gosto de V. Ex.ª, mas terá de esperar um pouco mais.

Depois, registo o incómodo da Sr.ª Deputada e o do Sr. Deputado Bruno Dias. Se há setor onde não há o

grande empresariado, os grandes lobbies, as grandes fortunas, é exatamente o do turismo.

Sabe, Sr.ª Deputada, no turismo há donos de restaurantes, pequenas e microempresas familiares,

empresas de animação turística, taxistas, guias, ou seja, é o maior setor da economia, é o setor mais

empregador, porque é completamente transversal à sociedade portuguesa e tem muita gente, muito português

que investe, que arrisca, que cria o seu próprio emprego. E esse resultado incomoda VV. Ex.as

.

Sr.ª Deputada, se o País é um País agradável para quem nos visita, é por uma razão muito simples: é

porque quem cá está sente-se muito confortável com o País que tem e tem muito orgulho no País.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Vou dar-lhe mais dados deste setor para perceber que, de facto, é

importante. São dados de 2013: impacto direto no PIB — em Portugal, 5,8%, na Europa 3,1%, no mundo

2,9%: emprego direto — 7,2% em Portugal, 3,1% na Europa, 3% no mundo; emprego total — 18,2% em

Portugal.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Por que é que o emprego não aumenta?

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Respondendo também ao Deputado Bruno Dias, as exportações

continuam a ser um fator importante. Sempre dissemos que é preciso exportações, mercado interno e

financiamento. Estamos a tratar dos vários aspetos. Exportações — 19,6% em Portugal, 5% na Europa e 5,4%

no mundo; investimento, outro pilar — 12,5% em Portugal, 4,6% na Europa e 4,4% no mundo.

Percebo que são, de facto, números arrasadores, que mexem com aquela tentação, às vezes obsessão, de

os partidos, nomeadamente o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, quererem apenas apostar

no quanto pior, melhor. E qualquer boa notícia incomoda e fazem o desafio para que, de facto, possamos falar

de coisas laterais.

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Para terminar, Sr. Deputado Bruno Dias, não quero fugir à sua pergunta sobre o IVA na restauração. A

melhor solução para os empresários da restauração é aquilo que o atual Secretário de Estado e o Governo

está a fazer, que é licenciamento zero, deixar a vida dos empresários entregues ao mercado e a si próprios e

não sempre com a interferência do Estado.

Sabe qual é a melhor resposta para a dificuldade que existe — porque logo que haja contas consolidadas

ou largas condições, nós queremos baixar a carga fiscal, disso não tenha dúvidas —, a melhor ajuda que se

dá aos empresários da restauração? Mais turistas, mais visitantes, mais gente a consumir e a comprar

refeições. É isso que está a acontecer e esse é o caminho que vamos fazer, que é promover melhor, promover

com segurança, promover virado para o mercado, trazer mais visitantes, aumentar os rendimentos.

Sr. Deputado, repare bem no rendimento que estamos a ter por cada turista, pelo número de refeições e

pelo valor pago por cada refeição, pelas compras. Tudo isso mexe com a economia e, como digo, mexe com

toda a economia e não com aqueles papões nem com aqueles fantasmas que tanto gostam de assinalar e

que, de facto, são todos eles derrotados pelos dados do turismo.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Seguidamente, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno

Encarnação, do PSD.

O Sr. Nuno Encarnação (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral, congratulo-me e dou-lhe

os parabéns por abordar este tema, que muitas vezes é esquecido nesta Casa, mas também dou os parabéns

sobretudo aos empresários e a cada uma das pessoas que trabalham neste setor.

Cada uma dessas pessoas é responsável pelo nosso sucesso, pelo sucesso dos números que trouxe hoje,

pelo sucesso deste País, pela qualidade do turismo em Portugal, pela maneira como nós recebemos os

turistas em Portugal e pela maneira como eles saem satisfeitos com o turismo neste País, ao qual futuramente

regressarão com mais e mais pessoas. Esta é uma maneira simples e singela de agradecer a todos estes

responsáveis — eles, sim, são os grandes responsáveis — destes números que o Sr. Deputado acabou de

referir.

Mas queria voltar a frisar a importância que este setor tem no nosso PIB, o crescimento de dois dígitos nos

dados daa captação de turistas, todo um novo paradigma de fazer mais com menos, com menos recursos,

evidentemente, o paradigma da promoção que também mudou.

Sr. Deputado, queria também deixar esta questão: como é que nós podemos continuar a crescer, de que

forma e quais são os novos rostos da promoção que este Governo também tem apresentado nos últimos

tempos?

A quebra da sazonalidade é importantíssima. Este País mudou, e muito. Vale a pena continuar a apostar

da maneira como este Governo tem apostado neste setor, não esquecendo também que é uma política que

tem obtido consensos a nível parlamentar e a nível geral e vale a pena perceber que, quando há consensos

amplos, a economia ganha, a economia cresce e o País fica mais rico.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Hortense Martins,

do PS.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr. Deputado Hélder Amaral,

muito obrigada por ter trazido este tema ao Plenário.

Como todos sabem, este setor é relevante e o PS, desde há muito, que o considera estratégico para o

nosso País. E o Dia Mundial do Turismo está próximo.

Mas, Sr. Deputado, tenho de dizer-lhe que estes resultados existem apesar do Governo, apesar das

políticas do Governo.

Vozes do PS: — Exatamente!

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A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Vou apontar-lhe alguns exemplos em que demonstro isso mesmo. E até

reconheço que é uma atitude correta do Sr. Deputado — e do Sr. Secretário de Estado do Turismo — ter

reconhecido que estes resultados não se devem ao atual Governo, mas que vêm de políticas anteriores,

porque, como se sabe, este é um setor em que os resultados não aparecem logo, mas as medidas negativas,

essas, repercutem-se no imediato e também se vão repercutir no futuro.

Entenda isto como uma intervenção positiva e como alertas que têm de ser tomados em consideração.

Senão, vejamos: política em relação à promoção, contratualização.

Sr. Deputado, sabe perfeitamente que estamos a acabar o ano, estamos em outubro. E qual é a

contratualização para o próximo ano? Os empresários nada sabem — zero! A única coisa que sabemos é que

há promoção com os jornalistas, com os meios na Internet. Mas onde é que está a verdadeira política de

contratualização? A não ser que agora o Governo decida prescindir dela, e isso não encontra em nenhum

país.

Em relação à questão da sustentabilidade do próprio turismo, todos os países, ainda mais os países

concorrentes do nosso, inclusivamente até os países dos Balcãs, que hoje em dia se assumem como destinos

turísticos, apostam na sustentabilidade do turismo e no chamado turismo sustentável: criação de produtos,

diversificação em termos ambientais, valorização do produto cultural, histórico, etc. O que é que está a ser

feito em relação à política do Governo para este setor? Nada! Pelo menos que se saiba, porque continuamos à

espera do plano estratégico nacional do turismo, que finda agora e continua sem ser apresentado. Penso que

é fundamental que isso seja do conhecimento de todos.

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Concluo já, Sr.ª Presidente, chamando a atenção para algo que também

não é de somenos.

Os números que referiu revelam crescimento, sim senhor, mas ainda estamos longe de atingir os números

de 2008.

E que dizer daquela invenção da fiscalidade verde? Que mais taxas recairão sobre o setor do turismo ao

nível das taxas aeroportuárias, das viagens, das dormidas? Isto é que é promover a competitividade do

turismo? Quando o turismo, que se revela um setor resiliente, começa a apresentar bons resultados no sentido

da sua repercussão no emprego e no PIB, qual é a ideia do Governo? Lançar imediatamente mais taxas, mais

impostos. Isso viu-se agora com esta reforma, com as taxas aeroportuárias. É esta a promoção da

competitividade de um setor? Não, Sr. Deputado, não é promover a competitividade do setor. E sabe

perfeitamente que é necessário investimento público.

A região Norte foi desenvolvida com forte investimento público ao nível do turismo, mas a região Centro,

por exemplo, não — o Sr. Deputado sabe-o muito bem, uma vez que é a sua região —, e está muito longe

ainda de apresentar os resultados desejáveis. E este é apenas um exemplo.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, queria agradecer aos Srs. Deputados Hortense Martins

e Nuno Encarnação as perguntas que me colocaram.

Permitam-me que comece por responder à Sr.ª Deputada Hortense Martins.

Sr.ª Deputada, por uma questão de rigor, tenho de dizer que quando fala em fiscalidade verde fala de uma

proposta de um grupo de trabalho, não fala de nenhuma medida ou proposta do Governo ou de alguma das

bancadas da maioria. Portanto, não vale a pena precipitar-se ou ficar assustada. Tenha calma, porque quando

houver propostas do Governo ou da maioria estaremos disponíveis para as discutir. As propostas de um grupo

de trabalho são isso mesmo: propostas de um grupo de trabalho.

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Sr.ª Deputada, percebo por que é que o Partido Socialista, apesar de eu lhe ter feito um elogio em relação

àquilo que foi um bom trabalho na qualificação da oferta, não conseguiu melhores resultados. E a pedra de

toque chama-se «promoção».

Fiz um elogio à anterior Secretária de Estado, que teve a coragem de fazer o que nunca ninguém tinha

querido fazer, que foi uma alteração racional, pondo o dinheiro disponível onde ele é necessário e dando

competências necessárias às regiões do turismo, fazendo a reforma administrativa do turismo e dando, até,

capacidade para que haja promoção interna no tal mercado alargado, que inclui Espanha, que é o nosso

principal mercado. A Sr.ª Deputada ficou presa ao antigo regime despesista, que duplicava funções, que

multiplicava atividades e que, pura e simplesmente, vivia de acordo com o Orçamento do Estado e sem

nenhum retorno para o turismo.

Protestos da Deputada do PS Hortense Martins.

Ao encontrar governantes que resolvem libertar os empresários, libertar o setor para andar por si muito

mais vezes, a Sr.ª Deputada até deveria estar de acordo. E sabe porquê? Nós tínhamos 1% de quota do

mercado da Alemanha e a Sr.ª Deputada, tal como eu, assistiu a uma reunião da Associação das Agências de

Viagens com o presidente do turismo alemão no sentido de captarmos mais mercado alemão. Isso aconteceu

sem nenhuma interferência do Governo; é o setor a fazer por si, sem precisar de ajuda do Governo.

E o Sr. Deputado Nuno Encarnação disse bem: a pedra de toque chama-se «promoção». Enquanto os

governos socialistas tinham uma visão ideológica e política sobre a promoção — criou-se o Allgarve, criou-se

um conjunto de marcas que não tinham nada a ver com a procura nem com a necessidade dos turistas que

visitavam Portugal (e vou ficar-me por aqui, para ser assertivo) —,…

Protestos da Deputada do PS Hortense Martins.

… o que este Governo fez foi uma coisa mais simples: promoção focalizada no mercado; promoção junto

de quem tem influência na tomada de decisão dos turistas; promoção junto dos operadores turísticos

estrangeiros e promoção, por isso mesmo, mais barata, menos ideológica, virada para a procura e virada,

obviamente, para conseguir mais quotas de mercado.

Consequências: aumentámos significativamente a quota de turistas. Quer queira, quer não, ultrapassámos,

até, Espanha e fomos para lá do que diziam que eram as primaveras árabes.

Protestos da Deputada do PS Hortense Martins.

Sr.ª Deputada, vou dizer-lhe algo que a deveria deixar satisfeita e com muita esperança para o futuro. Sabe

o que é? Repare no que vai acontecer a nível do alojamento local; repare quem são os empresários; repare no

que vai acontecer com a utilização das novas ferramentas informáticas; veja quantos jovens vão criar o seu

próprio emprego no setor; veja quanta gente nova, quanto sangue novo nós vamos injetar no setor.

E vou dizer-lhe algo que a deveria deixar contente: o rendimento por cada turista/quarto/noite aumentou. O

rendimento pelo que cada turista gasta no País aumentou. E sabe onde é que aumentou mais? No setor de

cinco estrelas. Ou seja, aquela ideia de que Portugal é um país para turismo low cost, pobrezinho, é rebatida e

combatida pelos dados que aqui trouxe.

Nós estamos a vender melhor turismo, com melhor qualidade, para mais turistas, e estamos a ganhar

dinheiro com isso. E isso deveria ser elogiado e não apoucado.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — A próxima declaração política, do PCP, vai ser proferida pelo Sr. Deputado Jorge

Machado, a quem dou a palavra.

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Bem podem o PSD, o CDS e o

seu Governo falar do fim da troica, repetir até à exaustão o discurso da recuperação e do novo ciclo, sempre

de olho nas eleições que se aproximam.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — É mentira, não?!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — A verdade é que este discurso não bate certo com a realidade, não reflete

o que são as opções deste Governo de desgraça nacional, que insiste no agravamento da exploração de

quem trabalha.

É caso para dizer «olha para o que eles fazem, não olhes para o que dizem».

A verdade é que o Governo insiste no caminho do agravamento da exploração, mesmo sem a desculpa da

troica, o que comprova que, mais do que uma obrigação decorrente de uma qualquer imposição estrangeira, a

exploração de quem trabalha faz parte do ADN do PSD e CDS.

Depois do ataque aos salários e aos direitos, nomeadamente a facilitação e embaratecimento dos

despedimentos, a redução do pagamento do trabalho suplementar, a redução dos feriados e, entre outras

medidas, o ataque à contratação coletiva de trabalho, as recentes declarações das organizações

representativas dos patrões, exigindo o prolongamento do corte pela metade no pagamento das horas

extraordinárias e do trabalho em feriados, é mais uma manobra e uma mistificação.

O objetivo é, para o PCP, claro. Patronato e Governo querem usar a redução pela metade do pagamento

do trabalho extraordinário e do trabalho em dias de feriado ou a redução da taxa social única como moeda de

troca e/ou propaganda no processo de discussão do salário mínimo nacional.

Para o PCP, o aumento do salário mínimo nacional é da mais elementar justiça. Impõe-se por uma questão

de justiça na distribuição da riqueza e não pode servir como moeda de troca num processo que visa prolongar

no tempo os cortes dos salários no setor privado. Isto é, o aumento do salário mínimo nacional não é, nem

pode ser, compensado com medidas que visam a redução generalizada dos salários ou que comprometem as

receitas da segurança social.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Hoje, fruto das opções políticas de sucessivos governos PS, PSD e CDS,

o salário mínimo nacional vale muito menos do que quando foi criado. Se o salário mínimo nacional tivesse

acompanhado a evolução da inflação desde que foi criado, hoje teria que ser aumentado em 100 €, ficando

assim nos 585 € e não nos atuais 485 € que, na realidade, significam 432 € líquidos por um mês inteiro de

trabalho.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Em vez de valorizar salários também por via do aumento do salário

mínimo nacional, sucessivos governos, ora PS, ora PSD, com ou sem o CDS, alteraram profundamente a

estrutura da distribuição da riqueza no nosso País.

Se, em 1975, fruto da Revolução de Abril e da consequente valorização dos salários, 73% da riqueza

nacional se destinava ao pagamento de salários, em 2013 os salários representavam apenas 37% da riqueza

nacional. Já os rendimentos de capital sofreram o processo inverso: em 1975, representavam 27%; em 2013,

já representavam mais de 62% da riqueza nacional.

Para que se perceba a dimensão do processo de concentração da riqueza nacional, importa referir que 1%

da população detém cerca de 25% da riqueza nacional e 5% da população nacional acumula

escandalosamente 50% da riqueza produzida.

É este processo de concentração da riqueza, agravamento das injustiças e da exploração de quem

trabalha que importa travar com medidas de aumento geral dos salários, em que se integra o aumento do

salário mínimo.

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Mais: queremos afirmar que o hipotético aumento do salário mínimo nacional não é uma dádiva do

Governo PSD/CDS. O aumento do salário mínimo decorre da luta dos trabalhadores e é imposto ao Governo

contra a sua vontade.

Na verdade, o Governo não tem feito outra coisa senão protelar, adiar o aumento do salário mínimo

nacional e não temos dúvidas em afirmar que, se dependesse exclusivamente da sua vontade, o salário

mínimo nacional não seria aumentado.

A primeira desculpa foi a troica, afirmando que era esta e o dito Memorando de Entendimento que

impediam o aumento do salário mínimo. Depois de esgotada esta desculpa, veio a necessidade de um acordo

de concertação social.

É de referir que o Governo adiou quanto pôde o início da discussão do aumento do salário mínimo e

mesmo quando foi obrigado a discuti-lo tudo fez para adiar o dito acordo. Importa ainda denunciar que o

Governo sabe muito bem que já existe um acordo de concertação social, de 2006, que estipulou o aumento do

salário mínimo para os 500 € em 2011, que nunca foi cumprido.

Assim, estamos face a desculpas e mais desculpas, umas mais esfarrapadas do que as outras, para não

aumentar o inaceitavelmente baixo salário mínimo nacional.

Para o PCP, é claro que a intenção do Governo não é, nunca foi, nem será aumentar salários, valorizar

direitos e diminuir a exploração de quem trabalha.

Sabemos que foi e é a luta dos trabalhadores, e não a vontade do Governo, que irá determinar o aumento

do salário mínimo nacional. Tal como em 2006, serão os trabalhadores, por via da luta, que vão conquistar o

aumento dos salários, pelo que saudamos as jornadas de luta promovidas e já agendadas pela CGTP-IN para

a quinzena de 23 de setembro a 5 de outubro.

Por outro lado, as ditas medidas de compensação não são do Governo, para as poder dar ou trocar. Os

cortes dos salários, por via da redução para metade do montante pago por trabalho extraordinário e dias

feriado, são inaceitáveis e o Governo não tinha, nem tem, legitimidade para os aplicar. O mesmo se diga de

uma eventual descida da taxa social única, que, na verdade, representaria pôr a segurança social a pagar uma

parte do aumento do salário mínimo, ou seja, retirando aos trabalhadores por outra via o valor do próprio

aumento.

Assim, o Governo não pode oferecer algo que não é seu, nem tão-pouco pode usar o fim dos cortes do

trabalho extraordinário como propaganda. Também aqui é a luta dos trabalhadores que irá impedir que o

agravamento da exploração, por esta via de cortes nos salários, se torne definitivo.

O PCP rejeita assim, e determinantemente, este caminho de chantagem e uso do aumento do salário

mínimo nacional como moeda de troca e reafirma que se impõe o aumento dos salários e a eliminação de

todas as medidas tomadas no âmbito e sob a desculpa da troica.

Preocupados com as eleições, PSD e CDS tudo farão para continuar a tentar enganar os milhões de

portugueses, cujos interesses traíram depois de terem recebido o seu voto.

Que a propaganda, as mistificações, o uso e abuso da mentira por parte do Governo não permitam que se

baixe a guarda ou se dê um segundo que seja de folga a este Governo de desgraça nacional. Cada minuto ou

segundo que seja a mais deste Governo significa o agravamento das injustiças, o definhamento do País e o

aumento da exploração de quem trabalha, e não há rebuçados eleitorais, estratégias de comunicação ou de

propaganda que consigam sequer disfarçar esta realidade.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro Roque, do

PSD, Sónia Fertuzinhos, do PS, e Pedro Filipe Soares, do BE.

O Sr. Deputado Jorge Machado responderá separadamente a cada Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roque.

O Sr. Pedro Roque (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, começo por felicitá-lo por ter

escolhido e nos ter trazido aqui hoje o tema do salário mínimo nacional. Fê-lo hoje, precisamente no dia em

que irá ser assinado um acordo de concertação social que adotará aquela que foi a proposta negocial da UGT

de aumento do salário mínimo nacional para 505 € a partir do dia 1 de outubro e durante o prazo de 15 meses.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Estaria até tentado, se tal fosse possível — mas o devir do tempo não o permite —, a não lhe colocar estas

questões e o senhor retiraria a sua intervenção. É que, de facto, a sua intervenção, no dia em que vai ser

assinado o acordo, cai, desde logo, pela base.

Protestos do PCP.

O Sr. Deputado veio aqui falar-nos na exploração de quem trabalha no dia em que Governo e parceiros

sociais, parceiros sindicais e parceiros patronais assinam um acordo de concertação social que aumentará o

salário mínimo nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E onde V. Ex.ª fala em luta dos trabalhadores, nós falamos em diálogo social.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Propaganda!

O Sr. Pedro Roque (PSD): — E dizemos que esse diálogo é construtivo e que é esse diálogo que permite

avançar.

Recordamos que o salário mínimo nacional ficou congelado, desde 2011, em virtude do Memorando de

Entendimento. Neste momento, em que o País conseguiu vencer essa difícil provação, que foi o resgate

económico, e em que o País apresenta sinais de crescimento económico e de redução do desemprego, o

Governo cumpre a sua promessa, é fiel aos seus compromissos,…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

O Sr. Pedro Roque (PSD): — … negoceia na concertação social e assina um acordo de concertação

social que adotará a proposta da UGT e que atualizará o salário mínimo nacional.

E onde VV. Ex.as

dizem CGTP-IN e funcionam como uma espécie de arauto de publicidade institucional das

formas de luta agendadas no início do ano dessa central,…

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Essa é que é a verdade!

O Sr. Pedro Roque (PSD): — … nós dizemos UGT, parceiros sociais, Governo, concertação social e

aumento do salário mínimo nacional.

A pergunta que lhe deixo, Sr. Deputado Jorge Machado, é se não acha que, de facto, a concertação social,

mais uma vez, funcionou neste País, se não acha que os parceiros sociais, de forma construtiva, e

naturalmente com a exceção da CGTP, estabeleceram um acordo que é positivo para os trabalhadores deste

País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Roque, sabemos da manobra de

propaganda em curso.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

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E reafirmamos aqui que o aumento do salário mínimo nacional, ao contrário do que o Sr. Deputado afirma,

não resulta do diálogo social. O Governo viu-se obrigado a aumentar o salário mínimo nacional por causa da

luta dos trabalhadores. Poder-se-á dizer que há um outro argumento, que aqui também avançámos, que é o

calendário eleitoral. Mas sabemos que, no fundo, o que obrigou o Governo a aumentar o salário mínimo

nacional foi a luta dos trabalhadores e, portanto, este aumento não é uma dádiva do Governo.

Protestos do PSD.

Mais: nós sabemos, Sr. Deputado Pedro Roque, que o Governo tentou adiar, até ao limite, o aumento do

salário mínimo nacional. Sr. Deputado, a maioria PSD/CDS-PP, que é tão rápida — é de um dia para o outro

— a aumentar o corte dos salários, a promover o corte dos direitos, é a mesma maioria que andou mais de um

ano em concertação social a adiar o aumento do salário mínimo nacional.

Sabemos que esta maioria, que é tão diligente a cortar nos salários e a promover as injustiças, demorou

tanto e tanto tempo a aumentar o salário mínimo nacional.

Não se gabe de uma coisa que não tem legitimidade, o Governo não queria. Se dependesse

exclusivamente da sua vontade, este Governo não aumentaria nunca o salário mínimo nacional. Foi a luta dos

trabalhadores que o obrigou a aumentar o salário mínimo nacional.

Mais, a desculpa do acordo de concertação social, Sr. Deputado, é completamente esfarrapada.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Deputado sabe — e a maioria PSD/CDS-PP sabe-o muito bem — que já havia um acordo de

concertação social de 2006 que obrigava a aumentar o salário mínimo nacional para 500 € em 2011. Agora,

em 2014, depois de três anos de Governo, vêm dizer que, afinal, o aumento do salário mínimo nacional é para

os 505 €, mais 5 € do que estava estipulado desde 2006! Mas com uma agravante, Sr. Deputado: é que este

aumento do salário mínimo nacional não vem sem contrapartidas para os patrões — e é pena que não tenha

abordado essa matéria.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não quer!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É que, ao mesmo tempo que aumentam, nestes valores, inaceitavelmente

baixos, o salário mínimo nacional, a verdade é que vêm mais descontos na taxa social única para o patronato.

Isto é, o Governo está a utilizar a segurança social, o dinheiro que as empresas entregam para a segurança

social, que é património dos trabalhadores, para financiar aquilo que deveriam ser os patrões a pagar.

No fundo, estão a descontar naquilo que são os direitos dos trabalhadores, a segurança social, o pequeno

esforço que vai ser pedido aos patrões.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Portanto, esta medida, Sr. Deputado, tem muita «perna curta»

relativamente ao que foi aqui anunciado.

Protestos do PSD.

Efetivamente, o que o Governo se está a preparar para fazer é mais um golpe nas receitas da segurança

social, fazendo, à custa dos trabalhadores, o pagamento do aumento do salário mínimo nacional.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

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A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, vamos dizê-lo de forma

clara e com todas as letras: aumentar o salário mínimo nacional hoje é uma decisão que o Governo toma tarde

e de forma claramente oportunista.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Aproximam-se as eleições e há que começar a dar as boas notícias.

Vozes do PS: — Claro!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — O Sr. Deputado Pedro Roque disse: o diálogo social é, afinal, produtivo

e permite avançar. Mas o Sr. Deputado esqueceu-se de completar a frase, dizendo: é produtivo e permite

avançar quando o Governo quer e como o Governo quer.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Quando pode!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — É que, Sr. Deputado e Srs. Deputados da maioria, há muito tempo que

há um consenso na concertação social, acompanhado de um consenso em toda a sociedade portuguesa,

sobre a necessidade de aumentar o salário mínimo nacional. E o Sr. Primeiro-Ministro disse de tudo. Disse

que era uma profunda irresponsabilidade, disse que estava tudo ensandecido quando se propunha aumentar o

salário mínimo nacional. E os Srs. Deputados da maioria podem dizer: sim, mas agora a economia está

pujante e fulgurante. Mas não está, Srs. Deputados! Os sinais de incerteza de ontem mantêm-se hoje. E a

única razão por que o Governo, agora, concede à concertação social o aumento do salário mínimo nacional é

porque lhe começa a dar jeito.

Vozes do PS: — Claro!

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — E é absolutamente imperativo, como o PS disse muitas vezes, e diz há

muito tempo, estabilizar rendimentos — e estabilizar rendimentos depois dos cortes e aumentos de impostos a

que os portugueses assistiram nos últimos três anos.

Por isso, Sr. Deputado Jorge Machado, a minha pergunta é esta: o que é que a economia e os

trabalhadores já poderiam ter beneficiado se o Governo tivesse sabido acompanhar a concertação social

assim que a concertação social declarou aceitar e concordar com o aumento do salário mínimo nacional?

E não venham dizer que não era o Governo que tinha de determinar, porque, sim, Srs. Deputados, é o

Governo que tem, por lei, a capacidade de determinar o aumento do salário mínimo nacional. Agora, o

Governo determina, porque lhe dá jeito. Mais vale tarde do que nunca. Mas a verdade, Srs. Deputados, não é

que o Governo aumenta porque quer. A verdade é que o Governo aumenta porque lhe dá jeito.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, agradecemos o pedido

de esclarecimento, como não pode deixar de ser. Para nós é claro que se perspetiva um aumento do salário

mínimo nacional com duas condicionantes, que são determinantes. Uma primeira condicionante, claramente

oportunista, é a condicionante do período eleitoral — e o Governo faz uma gestão inaceitável e vergonhosa do

aumento do salário mínimo nacional, aproximando-o do calendário eleitoral e ignorando completamente o

sofrimento que é viver com 432 € líquidos por mês. Portanto, adiaram o aumento para o aproximar das

eleições, o que determina, é claro, uma visão oportunista daquilo que é a gestão do salário mínimo nacional.

A segunda condicionante, não menos determinante, é a condicionante da luta dos trabalhadores. O

Governo sabia, e sabe muito bem, que há ações de luta que aconteceram no passado e há já uma quinzena

de luta promovida pela CGTP, precisamente em torno do salário mínimo nacional.

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Portanto, foi a luta que determinou, em 2006, o acordo que visava o aumento do salário mínimo nacional. E

foi a luta que determinou, agora, o aumento do salário mínimo nacional, importando aqui referir que, ainda por

cima, ele fica muito aquém daquilo que era necessário para os trabalhadores portugueses.

O PCP apresentou um projeto de resolução, que aqui queríamos destacar, que implicava o aumento do

salário mínimo nacional para 515 €, com efeitos retroativos a junho de 2014, e com aumentos sucessivos que

visavam consagrar o salário mínimo nacional nos 600 €, no início de 2015.

Queremos aqui destacar este simples facto: se o salário mínimo nacional tivesse acompanhado aquilo que

é a evolução da inflação, então, o salário mínimo nacional, hoje, teria de estar nos 585 €, e não nos 485 €, que

significam 432 € — 585 € e não 505 €!

O Sr. João Oliveira (PCP): — 585 €!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Queremos também referir o seguinte: efetivamente, há um acordo de

concertação social. Portanto, desde 2006, o acordo sobre o salário mínimo nacional — salário que, em 2011,

já deveria estar nos 500 € — não tem vindo a ser cumprido. E nisso há responsabilidades, Sr.ª Deputada, por

parte quer do Governo PS quer do Governo PSD/CDS-PP.

Consideramos é que esta manobra de propaganda é de uma enorme hipocrisia. O salário mínimo nacional

já deveria estar nos 500 €, em janeiro de 2011. Este Governo andou a protelar e a adiar o aumento do salário

mínimo nacional. Fizeram uma utilização política e propagandística do aumento do salário mínimo nacional.

Ora, queríamos aqui destacar que, nesta matéria, não deveríamos ter em consideração o calendário

eleitoral. Hoje, há cada vez mais portugueses que, trabalhando e recebendo o salário mínimo nacional,

empobrecem enquanto trabalham.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não foi isso que o PSD disse!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E o Governo adiou, adiou, adiou o aumento do salário mínimo nacional.

Manteve em sofrimento milhares de portugueses com salários que são inaceitáveis para, agora, encostar esse

aumento ao calendário eleitoral.

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Isto é uma vergonha! É uma vergonha brincar com a vida das pessoas.

Não queríamos deixar de fazer essa mesma denúncia, que, para o PCP, é bastante clara, de que foi a luta dos

trabalhadores que efetivamente obrigou ao aumento do salário mínimo nacional. Pena é que não tenha sido

mais cedo.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, cumprimento-o pela

intervenção que fez.

A maioria anunciou — e já o sabíamos pela comunicação social — que hoje estamos a assistir a esse

passo final da negociação para o aumento do salário mínimo nacional. Creio que a primeira pergunta que

qualquer trabalhadora e que qualquer trabalhador fará é: onde é que andou o Governo durante três anos em

que manteve o salário mínimo congelado? Onde andou o Governo que, durante três anos, retirou aos

trabalhadores aquele que era o resultado de um acordo na concertação social e agora apresenta um valor que

não dá sequer para mais do que um café por dia? É exatamente disso que estamos a falar: dá um café por dia

às trabalhadoras e aos trabalhadores e não repõe aquilo que, durante três anos, o Governo retirou aos

trabalhadores com o congelamento do salário mínimo.

É a maior demagogia, porque sabemos que se todos os anos houvesse eleições todos os anos este

Governo aumentaria o salário mínimo. Mas, como só há eleições no próximo ano, neste momento, em que já

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cheira a eleições, chegou a propaganda. Por isso, as pessoas dizem, e com razão: chegassem as eleições

mais cedo e mais cedo teria chegado o aumento do salário mínimo.

Protestos do PSD.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.as

e Srs. Deputados, acalmem-se, não se enganem. Não fiquem

satisfeitos com este valor, porque se tivessem cumprido o acordo de contratação coletiva de 2006, onde

Governo, patrões e sindicatos estiveram de acordo, chegava-se, este ano, ao valor de 545 €, muito mais do

que aquilo que este Governo aceitou, e sem os descontos para os patrões. É que já sabemos o que vem a

seguir: o Governo diz que aumenta o salário mínimo com uma mão, mas retira com a outra no pagamento das

horas extraordinárias, retira, depois, porque — como disse que faria — não repõe os feriados que disse que

seriam retirados por dois anos e que seriam novamente dados para as pessoas os poderem gozar por direito

delas, pois é fruto do seu trabalho.

Também não ouvi a maioria falar, com toda a transparência, de como vão reduzir o pagamento da TSU,

porque o que está em causa é que, deste valor, desaparecem 5 € para a segurança social, porque é esse o

desconto que a maioria está a fazer aos patrões.

Ora, é exatamente por este e por outros motivos que os trabalhadores devem lutar. Devem lutar porque

não estão a ser respeitados por este aumento, que não é justo, é injusto, porque devia ser muito maior do que

o que é hoje. É injusto também porque o Governo continua a dar benesses aos patrões enquanto retira aos

trabalhadores.

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Por isso, creio que, tendo em conta as posições políticas assumidas na

Assembleia, mas também no País, todas e todos nós sabemos bem que os trabalhadores continuarão a lutar

para ver aquilo que é seu por direito e que não ficam contentes com estas migalhas que o Governo lhes dá.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, quero agradecer os

seus pedidos de esclarecimento e dizer que o PCP entende que este aumento do salário mínimo nacional é

claramente insuficiente e decorre das imposições da luta dos trabalhadores e do calendário eleitoral que aqui

já foi referido.

Entendemos que o salário mínimo nacional devia ser — e o PCP apresentou um projeto de resolução

nesse sentido — de 415 €, com efeitos retroativos a junho de 2014, isto é, pagando o que não foi aumentado

desde junho de 2014, e devia haver um aumento progressivo do salário mínimo nacional para que ele atinja,

em janeiro de 2016, o valor de 600 €.

Como disse, se o valor do salário mínimo nacional acompanhasse a inflação, ele já teria de estar, hoje, em

585 € e, portanto, este aumento do salário mínimo nacional para os 505 € é claramente insuficiente.

Queríamos também destacar que o Governo está efetivamente empenhado na concentração de riqueza.

Não está no seu programa político, não está no ADN político do PSD e do CDS-PP combater as injustiças e a

exploração de quem trabalha. Antes pelo contrário, PSD e CDS estão empenhados num processo de

concentração de riqueza. Deixo os dados concretos: em 1975, fruto da Revolução da de abril, 73% da riqueza

nacional destinava-se a salários; em 2013, apenas 37% da riqueza nacional se destina a salários. É esta

magnitude da distribuição da riqueza de que estamos a falar. O PSD, o PS e o CDS tomaram medidas que

agravaram a exploração, retiraram riqueza nacional dos salários e transferiram-na para as receitas de capital,

para a dita concentração de riqueza.

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Ainda por cima, este aumento não vem sem qualquer tipo de contrapartida, isto é, o PSD e o CDS-PP não

aumentam o salário mínimo nacional sem qualquer contrapartida, e a contrapartida vai precisamente no

sentido de aumentar a injustiça e a exploração e promover esse processo de concentração da riqueza. Ao

mesmo tempo que anunciam o aumento do salário mínimo, dizem que é preciso compensar as empresas,

coitadinhas, que não conseguem suportar um aumento tão parco do salário mínimo nacional! Então, a medida

que apresentam é ou prolongar a redução do pagamento do trabalho extraordinário ou diminuir os descontos

das empresas para a segurança social.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, para dizer que o Governo não pode dar o que

não é seu. Os descontos para a segurança social são património dos trabalhadores, não são património do

Governo, não são património dos patrões. Os descontos são património dos trabalhadores, é riqueza criada

pelos próprios trabalhadores, pelo que não pode servir como moeda de troca neste processo de aumento do

salário mínimo nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente. Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: O Governo escolheu o

consórcio SUMA, do Grupo Mota-Engil, no processo de privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF).

Importa, mais uma vez, denunciar os motivos desta privatização, que entrega aos privados mais uma

empresa pública, lucrativa, que garante um serviço de alto interesse público, extremamente sensível no

contexto social, e que garante uma atividade fundamental para as populações, para o ambiente e para a

saúde pública.

Desde 1976 que o Estado e os municípios investiram na EGF e revolucionaram o sector de recolha e

tratamento dos resíduos urbanos. Foram atingidos níveis de excelência. Muitos problemas foram resolvidos e

a vida das populações melhorou de forma significativa.

O património do grupo EGF é também muito valioso: 1000 milhões de euros. Só em 2012 foram investidos

45 milhões de euros. São décadas de investimento público que o Governo quer agora desbaratar.

A EGF é uma empresa lucrativa, disso ninguém tem dúvidas. Nos últimos três anos, teve lucros

acumulados de 62 milhões de euros e movimenta, anualmente, 170 milhões de euros. Nesta privatização a

empresa é avaliada em 149,9 milhões de euros.

Se tivermos em conta o seu lucro anual, o seu património e a sua natureza monopolista, percebemos que a

privatização da EGF é um mau negócio e é negativa do ponto de vista económico.

A EGF faz parte do Grupo Águas de Portugal e tem a participação maioritária em 11 sistemas

multimunicipais, de norte a sul do País.

Através destas participações, a EGF domina 65% do setor de resíduos urbanos em Portugal e serve 6,4

milhões de pessoas de 174 municípios. É este universo que o Governo quer privatizar.

Estamos a falar da entrega a privados de um monopólio numa área essencial. O sector de recolha e

tratamento de resíduos é fundamental para a vida em sociedade, é mesmo considerado um fator de coesão

social. Basta imaginar os problemas e os riscos para a saúde pública e para o ambiente resultantes do seu

mau funcionamento. Ainda está na memória de todos o que sucedeu no sul da Itália, com a exploração dos

privados neste setor. Nápoles é um exemplo a reter, Sr.as

e Srs. Deputados.

Por outro lado. a experiência ensina-nos que a privatização de serviços públicos implica sempre a subida

de tarifas.

Sejamos claros: a privatização da EGF não é para sanar as contas da Águas de Portugal. O valor a obter

pela venda de 95% da EGF corresponde apenas a uma ínfima parte do passivo da Águas de Portugal.

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É um mau negócio, mas faz parte da opção política e ideológica que marca a ação deste Governo e da

maioria.

O objetivo puramente ideológico deste Governo está patente nas medidas que estabeleceu para as

autarquias neste processo. Os municípios apenas podem vender a sua parte na EGF, não podem comprar

participações na EGF.

A recolha e tratamento de resíduos são uma competência dos municípios, são mesmo considerados

serviços públicos essenciais, cuja manutenção importa assegurar, mesmo em caso de rutura financeira do

município, como ficou consignado em lei da autoria do Governo e da maioria.

Privatizar, privatizar, privatizar aquilo que foi construído e desenvolvido com investimento público, ao

mesmo tempo que subalterniza o papel dos municípios — é a prática do Governo.

Os municípios, quando aceitaram integrar os sistemas multimunicipais de gestão de resíduos sólidos

urbanos, tinham a garantia de que teriam como parceiro a Administração Central, através da EGF/Águas de

Portugal. O princípio da confiança é, assim, traído, quando são confrontados com a imposição de um parceiro

privado maioritário nos sistemas multimunicipais.

Preocupa-nos ainda, e muito!, a situação dos 2000 trabalhadores e trabalhadoras da empresa. A

experiência também nos diz como as privatizações são amigas dos despedimentos e não podemos permitir a

destruição de emprego, neste caso emprego público, que também levará a menor qualidade do serviço

prestado.

O processo de privatização da EGF e a escolha de um consórcio da Mota-Engil decorre no exato momento

em que a Mota-Engil está sob suspeita em negócios que realizou com a Câmara Municipal de Gaia,

precisamente na área dos resíduos. Dizem os auditores do Tribunal de Contas que esses negócios foram

realizados por verbas 30% a 40% superiores às de outras autarquias. Palavras para quê, Srs. Deputados?!

A privatização não serve o interesse público. Um estudo financiado pela União Europeia diz, aliás, que o

modelo privado de gestão de resíduos não apresenta quaisquer vantagens ao nível da eficiência face à gestão

pública.

O Bloco de Esquerda sempre se opôs à privatização da EGF.

Juntamos a nossa voz aos autarcas, aos trabalhadores e trabalhadoras, às associações de defesa do

ambiente que não pactuam com a entrega a privados de uma empresa lucrativa, com um imenso património

que resultou do investimento público.

Este serviço público essencial às populações deve ficar na esfera pública. Essa é a garantia da sua

qualidade, universalidade e da aplicação de tarifas justas.

Ainda estamos a tempo de reverter esta decisão e este processo pode e deve ser travado, em nome do

interesse público!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados

Bruno Coimbra, do PSD, Pedro Farmhouse, do PS, Miguel Tiago, do PCP e Heloísa Apolónica, de Os Verdes.

A Sr.ª Deputada Helena Pinto acaba de informar a Mesa que responderá dois a dois, pelo que tem a

palavra o Sr. Deputado Bruno Coimbra.

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, o Bloco de Esquerda trouxe-nos, hoje,

novamente, o tema da privatização da EGF. Sejamos claros em relação a esta matéria: o Bloco de Esquerda

não tem razão, hoje, naquilo que diz, como nunca teve razão ao longo de todo este processo. Senão vejamos:

a Sr.ª Deputada disse que a EGF ia ser vendida ao desbarato. Ora, ambas as propostas, que estão em fase

final, estão colocadas acima do preço, do valor pelo qual foi avaliada a empresa.

Disse também que se tratava de um processo de privatização que era precursor da privatização do grupo

Águas de Portugal. Sabe-se, hoje, que a totalidade da receita vai ser utilizada para amortizar a dívida do grupo

Águas de Portugal e que, assim, vai contribuir para a sua manutenção na esfera pública.

Para além disso, também disse — e não tinha razão — que o processo não iria chegar ao fim, mas o

processo, pelos vistos, era sólido do ponto de vista jurídico.

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Não teve razão quando disse, ainda, que a melhor solução seria a manutenção da EGF na esfera pública,

porque ignorou todas as limitações que isso acarreta, nomeadamente o que se prende com a falta de

capacidade para investimentos futuros, com a perpetuação das ineficiências existentes e com a pressão sobre

as contas públicas.

O Bloco de Esquerda, na verdade, não tem argumentos a não ser os ideológicos e, quanto a esses,

frontalmente divergimos. Para o Bloco, o Estado faz tudo, tem de fazer tudo, mesmo que faça pior.

Para este Governo e para esta maioria, o Estado pode não ter todo o espetro de funções, mas pode

regular, conceder e fiscalizar, exigindo melhor serviço público e metas ambientais mais ambiciosas.

Quanto à Mota-Engil, a verdade é que houve um concurso público internacional, que tem regras e são

claras. Houve duas propostas que foram as melhores e que estão ambas acima do valor de avaliação da

empresa, mas não houve um empate, houve um vencedor.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Já ultrapassou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Termino, Sr. Presidente.

A verdade é que o Bloco mostra, mais uma vez, que a sua tática é sempre a mesma: espalhar o medo.

Prova acabada disso é o facto de comparar este processo e os seus concorrentes com os processos do sul de

Itália, o que mostra bem que, efetivamente, o Bloco não tem mais nada a dizer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro

Farmhouse.

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, agradeço-lhe por ter trazido

este tema que diz respeito à EGF, Empresa Geral do Fomento, que faz a gestão de mais de 60% da recolha e

tratamento de resíduos, em Portugal.

Não posso deixar de começar por dizer que este é mais um exemplo de obsessão do Governo de tudo

querer privatizar. Tem uma obsessão ou um preconceito, acima de tudo, contra tudo o que é público, porque

entendeu, apesar de a empresa ser lucrativa, proceder a um processo de privatização.

Para o Partido Socialista, o que está aqui em causa é saber se o interesse público e a defesa dos

consumidores estão devidamente assegurados neste processo.

Gostaria de colocar uma questão sobre isso, porque todo este processo foi uma embrulhada. Primeiro,

porque não havia plano estratégico dos resíduos e para ele existir só foi aprovado na véspera do Conselho de

Ministros. Segundo, porque a taxa de gestão dos resíduos ainda não está clarificada, aliás, está metida no

pacote chamado «Reforma da Fiscalidade Verde» — pelos vistos, é só a proposta do PSD que aparece neste

momento — e ela é importante para definir a tarifa daquilo que cada consumidor vai ter de pagar.

Isto foi feito contra os municípios, porque a grande maioria dos 174 municípios, que são parceiros da

Empresa Geral do Fomento, achava que não devia ser feita a privatização e que nem era este o processo

ideal para a continuação da prestação de um bom serviço.

Por isso, a pergunta que tenho de colocar à Sr.ª Deputada é a seguinte: estando ainda a entidade

reguladora com um novo estatuto que entrou em vigor no dia 1 de abril e estando ainda o seu próprio conselho

diretivo coxo, está em condições de acompanhar este processo na garantia do interesse dos consumidores e

na garantia do interesse público?

Pergunto também se a Sr.ª Deputada acha que este processo de privatização não é mais do que mais um

passo nesta fúria privatizadora deste Governo que tudo quer privatizar, mesmo o que é equilibrado, é de

qualidade e tem um escrutínio democrático que é feito através dos municípios. São estas as questões que lhe

coloco, Sr.ª Deputada.

Para o Partido Socialista, o essencial é a defesa do interesse público, a defesa dos consumidores e o

escrutínio democrático de poder ter este tipo de serviços que são públicos, essenciais e tão importantes para a

qualidade de vida dos nossos concidadãos, aliás, serviços que devem ter uma tarifa justa e não o que o

privado entender praticar.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Bruno Coimbra e Pedro Farmhouse, agradeço

as questões que me colocaram.

Começo, desde já, por responder a este repto que o Sr. Deputado Pedro Farmhouse colocou, no sentido

de saber a nossa opinião em relação a este processo, que caracterizou como fúria privatizadora por parte do

Governo — acompanho-o nesse sentido —, e de que modo é que o interesse público está ou não garantido.

Não está, é verdade.

É verdade, Sr. Deputado, o interesse público não foi acautelado e muito menos defendido em todo este

processo. Não foi por falta de aviso ao Governo, não foi por falta de debate e, inclusivamente aqui, nesta

Assembleia da República, por várias vezes o dissemos, aliás, acompanhados pelos partidos da oposição, que

também se têm manifestado contra esta privatização.

De facto, não existem garantias, ao nível da autoridade reguladora, de que todo o processo poderá ser

acompanhado e controlado. Aliás, o que sabemos, neste momento, é que a Autoridade da Concorrência, ela

própria, põe em causa a forma como a privatização foi feita. Esse dado já temos, mas com certeza que o Sr.

Deputado Bruno Coimbra o ignora. Deveria olhar e ler o parecer que a Autoridade da Concorrência entregou

ao Governo,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … onde diz que, inclusivamente, concentrar as concessões numa só entidade

prejudica a eficiência do regime tarifário. Aliás, coisa que o senhor, no seu pedido de esclarecimento, pouco

falou. Portanto, convinha consultar toda essa matéria.

Sr. Deputado, compreendo a posição incómoda da bancada do PSD para sustentar esta privatização, mas

não podem…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Calma, Srs. Deputados! Calma! Isto é um debate, têm de ouvir os argumentos. Vamos com calma!

O Sr. Deputado Bruno Coimbra disse que o Estado não tem de fazer tudo mesmo que o faça pior. Sr.

Deputado, fale da EGF, fale da recolha e tratamento de resíduos, porque neste âmbito o Estado tem feito bem!

O Estado tem feito bem, tem tido lucro e tem ido ao encontro dos interesses das populações.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Exatamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Convinha dizer isto, porque temos de partir da realidade.

Sr. Deputado, uma empresa como a EGF, que foi construída ao longo de décadas, com investimento

público, uma parte da administração central e uma parte significativa na administração local, que tem

municípios que foram completamente traídos neste processo, esta empresa construída, repito, com

investimento público, ao longo de décadas, que tem um património avaliado em 1000 milhões de euros, que

anualmente tem lucros de 170 milhões de euros, não é vendida ao desbarato?

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não é vendida ao desbarato? Então o que é isto?

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Esgotou o seu tempo, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Deputado, devolvo-lhe, com toda a frontalidade, a acusação que tentou

fazer ao Bloco de Esquerda. Tem razão só numa coisa: esta é uma questão ideológica. Mas não aponte para

nós, aponte para o seu Governo, porque a única justificação para a privatização da EGF é a sanha do

Governo em entregar a privados tudo o que dá lucro. Tudo! E isso é ideológico, sim senhor!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel

Tiago, do PCP.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, em primeiro lugar, em nome do

Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, saúdo-a pelo tema que trouxe a debate. Aproveito

também o momento, nesta primeira linha da minha intervenção, para saudar os trabalhadores, os autarcas, as

populações, que têm mantido a luta em defesa do carácter público das empresas multimunicipais e da EGF.

Sr.ª Deputada, o conjunto de privatizações que se tem verificado até aqui é um autêntico crime contra a

economia nacional. A pretexto do combate ao endividamento, a pretexto do combate à dívida pública,

privatizações atrás de privatização vão sendo feitas e todas elas sem justificação, na nossa opinião, ou com

uma justificação muito aquém do que seria necessário para justificar uma privatização, se é que alguma vez é

necessário abdicar de instrumentos económicos e do interesse público para favorecer interesses privados.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — No caso da EGF, é mais grave por ser mais gritante; é mais grave porque é

mais evidente; é mais grave porque as populações estão satisfeitas com o serviço; é mais grave porque os

autarcas estão a ser traídos de acordo com os compromissos que tinham sido assumidos pelo Estado perante

eles próprios e, através dos autarcas, as populações; é mais grave porque os trabalhadores veem os seus

postos de trabalho, como, aliás, em muitas das privatizações, postos em causa; e é mais grave porque aquele

lucro que a EGF é capaz de gerar para o Estado e o conjunto dos benefícios que entrega às populações não é

minimamente ressarcido com o valor pelo qual a empresa supostamente está a ser privatizada.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Motivos, Sr.ª Deputada? Da parte do PCP, queria perguntá-los ao PSD, já

que, da parte do PSD, o Sr. Deputado foi incapaz de dar um único motivo político que fosse para justificar a

privatização da EGF, recorrendo apenas aos chavões ideológicos habituais.

O Sr. David Costa (PCP): — É uma vergonha!

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado Miguel Tiago, já esgotou o tempo de que dispunha.

Faça favor de concluir.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O motivo é claro e é só um, e também foi por isso que o PCP apresentou,

novamente, um projeto de lei, já nesta Sessão Legislativa, para impedir a privatização da EGF.

O motivo é só um: este Governo, apesar de ter sido eleito pelas populações, não está ao seu serviço,

comporta-se como uma autêntica comissão de serviço aos grandes grupos económicos.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Mais do que manter a EGF no âmbito do Estado, deve manter-se a gestão

de resíduos no âmbito público, porque votamos nos autarcas, votamos nas maiorias, mas não votamos nos

conselhos de administração das empresas privadas.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, em nome do Grupo

Parlamentar «Os Verdes», quero saudá-la por, mais uma vez, ter trazido à discussão, neste Parlamento, a

questão da privatização da EGF.

Julgo que, por todas as discussões que já foram feitas e todos os argumentos que ouvimos aduzidos da

parte da maioria PSD/CDS, percebemos que a razão fulcral que está na base desta opção de privatização se

prende, de facto, com razões ideológicas. Estes senhores, até ao final da Legislatura, privatizarão tudo o que

puderem. Tudo o que puderem!

De facto, é uma matéria ideológica que deve ficar clara e que é perigosa para o País, porque estes

senhores tentam dar a entender que tudo o que é público é mau e que tudo o que é privado é magnífico.

O Sr. David Costa (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ora aqui está uma empesa a provar que não é assim. Uma

empresa, como a Sr.ª Deputada disse, lucrativa e que estes senhores vão dar de bandeja, como bem aqui foi

dito, ao setor privado.

Sabe, Sr.ª Deputada, o que mais me incomoda é quando estes senhores e o próprio Sr. Ministro do

Ambiente começam a utilizar argumentos falsos para tentar justificar o que não é justificável. E quando dizem

que agora, na mão dos privados, esta empresa vai fazer milhões e milhões e milhões de investimento. Diz o

Sr. Ministro que é, a curto prazo, para além dos 300 milhões de investimento, quando sabemos que,

eventualmente, mais de 200 milhões são fundos comunitários — públicos, portanto — e que a empresa não

fará, provavelmente, mais do que 100 milhões de investimento.

O Sr. David Costa (PCP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Quando o Sr. Ministro diz: «Não se preocupem, porque as tarifas

vão baixar», sabemos que não é assim, porque, designadamente nos sistemas que têm mais população,

sabemos que as tarifas vão aumentar e, quando é assim esmiuçada a questão, o Sr. Ministro do Ambiente não

responde, diz só, em termos gerais, que eventualmente vão baixar.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr.ª Deputada, já concluiu o tempo de que dispunha.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que, quando se começa a usar

a mentira para justificar o que não é justificável, está tudo explicado. Não acha, Sr.ª Deputada?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago e Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,

agradeço as questões que colocaram.

Partilhamos, no essencial, o ponto de vista sobre o que significa esta privatização e o seu impacto futuro,

quer na economia, quer no funcionamento dos municípios, inclusivamente, e junto das populações. Como os

Srs. Deputados evidenciaram, estamos preocupados com essas consequências e com o que pode vir a

acontecer.

Sobre o que disseram, gostaria apenas de referir três aspetos.

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Primeiro, não é preciso fazer um grande esforço de memória para nos lembrarmos como é que se fazia a

recolha do lixo, não dos resíduos mas do lixo, porque era assim que se dizia, e o tratamento desses resíduos

há 20, 30 ou 40 anos. Sabemos bem como é que isso era feito, sabemos bem as dificuldades que existiam,

sabemos bem a forma artesanal como isso era feito.

Por isso — e chamo a atenção dos Srs. Deputados e das Sr.as

Deputadas do PSD para este aspeto —,

todas as melhorias, todo o trabalho, algum dele classificado de excelência, foi construído pelas autarquias e

também pela administração central através do investimento público. São décadas e décadas a construir uma

coisa que funciona, a construir uma empresa e a construir sistemas que respondem às necessidades das

populações. É, pois, preciso ter isso em mente!

O segundo aspeto que gostaria de referenciar e de evidenciar é o papel dos municípios. É atribuição dos

municípios e não dos privados a questão da recolha e tratamento dos resíduos. Nos municípios, existe o

controlo democrático. Os municípios, que estão perto das populações, podem ser e são confrontados quando

o serviço não é bem prestado, havendo assim controlo democrático; não é entregar à Mota Engil e depois

vamos fazer o quê? Manifestações à porta da Mota Engil?! Não, Srs. Deputados! Isto é controlo público.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Por último, um aspeto que não é de somenos importância: o setor dos

resíduos é um setor extremamente lucrativo e por isso é que verificamos os consóricos, as empresas, todos, a

quererem confluir para estes negócios. E isto — e o Sr. Deputado Pedro Farmhouse alertou na sua

intervenção para este aspeto — está no início e não parou aqui, porque nós conhecemos bem qual é o plano

da direita: a privatização dos resíduos e da água.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Outra vez?!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sim, outra vez, Sr. Deputado, e não nos cansaremos de o dizer. Mas os

senhores sabem por que é que não vão privatizar a água?

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Já ultrapassou o tempo, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Terminarei, Sr. Presidente.

Sabem porquê? Sabem por que é que não vão privatizar a água? Porque os senhores já não vão ser mais

Governo,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … porque os senhores vão ser corridos do Governo e, por isso, não vão

privatizar mais nada!

Aplausos do BE.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem vai ser corrido é o Bloco de Esquerda!

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Ocorreu mais uma cimeira

do clima, agora em Nova Iorque. Para aqueles que se consolariam com discursos que relevassem a

importância de combater as alterações climáticas foi, certamente, uma cimeira positiva, porque os discursos

têm-se, nesta matéria, demonstrado muito mais hábeis do que as ações.

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Para aqueles que exigiriam passos sérios que demonstrassem que as próximas cimeiras do clima trarão

resultados concretos, confirmou-se a ausência das expetativas já inexistentes naquela que foi intitulada «Uma

cimeira especial sobre o clima».

Muitos cidadãos marcharam um pouco por todo o mundo a clamar que importa deter a mudança climática,

no que depende da ação humana, a clamar que só temos um planeta e que é preciso intervir seriamente sobre

as alterações do clima. São os povos do mundo a clamar avidamente por soluções perante líderes mundiais

alheados dessa urgência.

Em 2013, a concentração de gases com efeito de estufa atingiu novos máximos históricos e, em particular,

as emissões de dióxido de carbono galoparam nas últimas décadas. Foi justamente esse o alerta que os

primeiros relatórios do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) fizeram, referindo que, caso não se

movessem processos eficazes de mitigação das causas antropogénicas que motivam as alterações climáticas,

a tendência seria o agravamento da situação.

Nada que não se soubesse antes, durante e depois da Conferência de Copenhaga, em 2009, que

constituiu uma das cimeiras mais frustrantes e demonstrou como os líderes mundiais dos países mais ricos

davam prioridade à recapitalização da banca e descuravam a harmonização da relação da economia com a

natureza.

De adiamento em adiamento, os olhos estão agora postos na cimeira das Partes, que se realizará em Paris

no próximo ano, mas as negociações mostram-se difíceis devido à falta de vontade política de governantes,

designadamente dos países que mais contribuem para as emissões de gases com efeito de estufa,

ameaçando, num ponto de partida, resultados necessários em Paris.

Entretanto, o aquecimento global não espera nem por 2015, nem por Paris, nem tão-pouco por acordos

mundiais. Os seus efeitos estão aí, a ser sentidos em todo o mundo, incluindo em Portugal, de uma forma

muito visível.

O verão de 2014 foi o mais quente ao nível global, apesar de não ter assim parecido em Portugal, onde o

mês de setembro está a revelar um tempo marcadamente tropical.

As variações metereológicas extremas, as chuvas intensas, as consequentes inundações graves que

ameaçam vidas, destroem lares e economia, são exemplos claros de que, para além do esforço sério de

mitigação a realizar, há um esforço de medidas de adaptação a fazer que não podem esperar muito mais.

E o problema é que, em Portugal, passamos a vida a remendar o que o clima e a natureza vão afetando,

designadamente em relação ao litoral, quando é preciso, de uma vez por todas, entender que a palavra de

ordem na adaptação ao fenómeno climático é recuar no território e reconhecer que não temos engenho que

trave a força do mar e dos céus.

E, fundamentalmente, o que é preciso é deixar de cometer erros tão disparatados quanto perigosos, como

o Programa Nacional de Barragens, cujas consequências sobre o litoral não foram estudadas e que trava a

chegada de sedimentos ao litoral, intensificando uma erosão que desgasta a faixa costeira, ou erros como a

construção de urbanizações às portas do mar, tal como a que foi aprovada para Carcavelos e que

representará mais um confronto com esse mar.

Estes são exemplos de opções políticas erradas, que depois geram problemas gravíssimos.

Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O que o Governo português, bem como os líderes de todo o mundo,

precisam de entender, cada um à medida das suas responsabilidades, é que combater as causas

antropogénicas da mudança do clima e promover adaptação às alterações climáticas não é um despesismo.

É, antes, salvaguardar vidas humanas, preservar a biodiversidade, defender a economia e as condições para

o seu desenvolvimento. É preservar o único planeta que nos acolhe, como tantos cidadãos clamaram na

Marcha pelo Clima.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ramos

Preto.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, quero agradecer-lhe a

circunstância de, num dia tão importante como o de hoje, ter trazido este tema, que é revelante e importante

não só para Portugal mas para toda a Humanidade.

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A Sr.ª Deputada, na sua intervenção, fez-me lembrar, perante algum burburinho que ocorria aqui, neste

Parlamento, o que John Stuart Mill dizia sobre o seu pai. Dizia que era um homem que amava a Humanidade

em geral mas que detestava cada pessoa em particular. Ora, vejo nestas bancadas parlamentares muita gente

que fala nas alterações climáticas mas que, depois, pouco faz para as combater.

E, como dizia Nicholas Stern, num relatório mundialmente conhecido, a menos que se provocam ações

conducentes, há uma alta probabilidade, dentro de aproximadamente um século, de que o mundo seja em

média 4o C mais quente do que era em finais do século XIX, portanto antes do processo de industrialização.

Este aumento da temperatura em média e outras alterações climáticas com ele relacionados alterarão a

relação dos humanos com o Planeta, incluindo de onde e como vivem.

Portanto, o que nos deve preocupar não é o problema da sobrevivência do planeta Terra mas a

sobrevivência dos humanos. E, Sr.ª Deputada, nós, hoje, estamos confrontados, como aqui referiu, com a

circunstância de ser necessário existir um tratado internacional que substitua o Tratado de Quioto e que já

devia estar em vigor a partir de janeiro de 2013.

Cada dia que passa estamos a adiar um problema que é gravíssimo. Os grandes países emissores de CO2

e que provocam um aumento exponencial de CO2 estão a ter políticas que, hoje, consideramos já razoáveis,

tendo em vista atuar este grande problema do qual não temos perceção imediata mas é uma perceção para

futuro.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

Espero, como a Sr.ª Deputada disse, que, em Paris, consigamos o acordo internacional que tão necessário

é, mas também penso que se não se fizer o trabalho de casa, se cada país não tiver políticas públicas no

quadro da eficiência energética, no quadro das energias renováveis, no quadro das substituição da energia

fóssil, então não será possível resolver o problema.

Portanto, primeiro é preciso que façamos o trabalho de casa para que, depois, a nível global possamos

resolver o problema.

Sr.ª Deputada, queria ouvir a sua opinião.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — A Sr.ª Deputada Helóisa Apolónia tem mais dois pedidos de

esclarecimento.

Pretende responder já ou no final dos dois pedidos de esclarecimento?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Respondo em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Então, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado

Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em primeiro lugar, gostava

de saudar a Sr.ª Deputada e o Partido Ecologista «Os Verdes» por, a pretexto da cimeira climática, trazer este

tema a debate na Assembleia da República, até porque importa fazer uma reflexão cada vez mais

aprofundada que vá além da manifestação de preocupações, principalmente, daqueles que a expressam nas

cimeiras e que, depois, não as corporizam em nada, mas também daqueles que aqui, sucessivamente, as

utilizam para apresentar reformas de fiscalidade verde, para apresentar um conjunto de elementos de

propaganda governativa, que depois, na prática, acabam por se traduzir sempre e apenas na penalização dos

consumidores, na penalização dos trabalhadores, em geral, e no alívio dos grandes grupos económicos, que

continuam a apropriar-se dos serviços que a natureza presta ao ser humano e a vendê-los, depois, aos

restantes seres humanos.

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Sr.ª Deputada, sobre a cimeira climática, por parte do PCP, desde já lhe digo que não só não nos sentimos

satisfeitos como também não alimentámos nenhumas ilusões, nem relativamente a esta Cimeira nem quanto

às restantes.

É que cada vez mais se torna claro que, ao invés de estarem a ser tomadas medidas concretas de

adaptação e mitigação implantadas no território, ao invés de se tomarem medidas de ordenamento territorial

que prevejam ou antevejam situações de conflito entre o Homem e as alterações morfológicas da natureza,

provocadas, eventualmente, por ação do Homem, ao invés de tudo isso, aquilo que vemos é uma única opção:

a do mercado de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, nomeadamente CO2, como se o simples

facto da existência de um mercado de transação internacinal, seja através de mecanismos de leilão seja

através de quaisquer outros, das licenças de emissão resolvesse o problema de emissão de CO2 no Planeta.

Ora, isso não só já se mostrou errado como se tem vindo a demonstrar, inclusivamente, que, em alguns

momentos, aumentaram as emissões de CO2 concomitantemente com a existência desse mercado.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Ultrapassou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.

Faça favor de concluir.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Portanto, Sr.ª Deputada, de certa forma, o que lhe pergunto é se, à

semelhança da reforma da fiscalidade verde em discussão em Portugal, o ambiente também não é utilizado,

muitas vezes, para impor políticas e se, na verdade, não estamos cada vez mais, mesmo no que toca a estas

cimeiras, perante uma farsa para legitimar, apenas e afinal de contas, uma só opção: a do mercado de

emissões, em detrimento das adaptações necessárias a que a Humanidade e os Estados deveriam estar a

proceder.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro

Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em primeiro lugar,

quero dar-lhe conta de que acompanhamos as preocupações que expressou na sua declaração política.

Sr.ª Deputada, permita-me começar por uma saudação a todas e a todos que, pelo mundo fora, sairam às

ruas pedindo que existisse uma preocupação dos líderes mundiais, dos governos, dos dirigentes políticos para

mudarmos este sistema que está a destruir o nosso mundo, a nossa Terra, porque, de facto, essa é a questão

fundamental: ou mudamos o modelo de desenvolvimento económico ou estaremos permanentemente a ver

populações aflitas com as alterações climáticas, vidas a serem perdidas perante esta luta e sempre os países

mais ricos a terem aqui um papel de depredação dos recursos económicos e de atacar os países com maiores

fragilidades.

Por isso, nesta saudação inicial, gostaria de dizer que é necessário mais do que aquilo que saiu desta

Cimeira. Saíram boas intenções, reconhecemos isso dos discursos que foram feitos, mas «de boas intenções

está o inferno cheio», como diz o nosso povo, e bem.

Por isso, se não passarmos das palavras à prática, não é por a China ou os Estados Unidos terem tido

discursos interessantes que nós acabamos por ter alguma transformação verdadeira que afete positivamente a

vida das pessoas.

É certo que não acompanhamos aquilo que está em cima da mesa, por exemplo sobre a mercantilização

do mercado de carbono, apesar de reconhecermos que a taxa que se prevê seja um passo correto.

A pergunta que lhe deixo é mesmo nesse sentido: o caminho que apenas tem pela mercantilização do

mercado de carbono uma possível solução é, em si, uma conclusão para o problema ou é mais uma panaceia

que temos em cima da mesa?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ramos Preto, falou em ações

conducentes com os objetivos a que nos propomos. Queria dar o exemplo da necessidade urgente de se

alterar o paradigma da mobilidade em Portugal, designadamente nos grandes centros urbanos, que é transpor

a mobilidade do carro individual para o transporte coletivo.

Curiosamente, hoje de manhã, estivemos numa comissão a discutir o documento sobre a fiscalidade verde,

um documento que poderia contribuir para a alteração desse paradigma da mobilidade, e verificamos que

nesse documento não há qualquer contributo nesse sentido. Ou seja, dá um contributo para a alteração do

automóvel, não dá um contributo para a alteração do paradigma da mobilidade.

São pequenos exemplos que, de facto, demonstram que, muitas vezes, não caminhamos no caminho

certeiro. E porquê? Porque isso implica investimento, que o Estado não está disposto a fazer.

Respondendo aos Srs. Deputados Miguel Tiago e Pedro Filipe Soares, gostaria de dizer que é verdade,

muitas vezes agarram-se nos problemas ambientais, arreda-se a capacidade de os Estados investirem e

procura-se perceber como é que aquele problema pode gerar um negócio para alguém. E isso é, talvez, um

dos maiores problemas ambientais com que os países se confrontam. É esta tentativa de ver sempre e

permanentemente os problemas como áreas de negócio e não pensar formas de solução para esses

problemas.

Sr.as

e Srs. Deputados, vou dizer uma coisa relativamente aos discursos que foram feitos nesta Cimeira de

Nova Iorque: as cimeiras onde os discursos são sempre mais fáceis e mais atrativos são aquelas cimeiras

onde, à partida, já se sabe que não se vai chegar a conclusão nenhuma, e os discursos são sempre

absolutamente brilhantes. Vai uma aposta, Sr.as

e Srs. Deputados, em como, em Paris, os discursos vão

mudar? Em 2015, cá estaremos para ver!

Portanto, cuidado, não sejamos ingénuos e, sim, merecem um louvor todos os povos, todos os cidadãos,

que marcharam pelo clima, rogando, pedindo soluções urgentes para a Humanidade e para o Planeta.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís

Leite Ramos.

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Portugal viveu, durante os

últimos três anos, um tempo de exceção e emergência, um tempo de dificuldades e sacrifícios marcado por

um objetivo nacional e um desafio patriótico: recuperar a soberania financeira e a credibilidade de Portugal.

Recebemos das mãos do anterior Governo do Partido Socialista um País à beira da bancarrota, sem

dinheiro para pagar salários, sem dinheiro para assumir os seus compromissos mais básicos, pondo em risco

o Estado social.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Três anos depois temos um País melhor. Não só recuperámos a

soberania financeira e a credibilidade internacional de Portugal como colocámos o País, de novo, na rota do

crescimento da economia e da criação de emprego. Um resultado que é, sobretudo, o prémio dos sacrifícios e

do esforço notável que as famílias e as empresas fizeram em nome de Portugal e do seu futuro coletivo.

Infelizmente, o contributo dos partidos da oposição, e muito em particular do Partido Socialista para

resgatar Portugal da situação de pré-bancarrota onde o tinha deixado, foi nulo.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — O Partido Socialista não só não ajudou a resgatar o País como parece

não ter aprendido com os erros do passado, pois está preparado e disponível para os repetir e aprofundar.

Sr.as

e Srs. Deputados, agora que iniciamos uma nova etapa da governação, chegou o tempo de o Governo

concentrar a sua atenção e as suas energias noutros problemas e desafios. Um deles, creio, fundamental e

estruturante, é a promoção de um novo modelo de desenvolvimento que contribua para o reforço da coesão

territorial.

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Ao longo dos últimos meses, o Governo tem afirmado e inscrito na sua orgânica e nas suas políticas uma

preocupação crescente com os problemas do desenvolvimento territorial. A saber: criou o Ministério do

Desenvolvimento Regional, a equipa interministerial dos assuntos do território e o Conselho de Concertação

Territorial, estruturas que garantem uma maior articulação e coordenação dos diferentes agentes na

implementação das políticas públicas territoriais; implementou o programa Valorizar, um programa de

valorização económica dos ativos de desenvolvimento e geração de riqueza e emprego dos territórios;

desenvolveu os programas Descentralizar e Aproximar para aprofundar a descentralização de competências

para a administração local e a reorganização da rede de serviços públicos, numa perspetiva de equidade e

equilíbrio territorial; lançou o programa Portugal Porta a Porta para alargar o transporte público nos territórios

de baixa densidade, através de uma oferta de serviços complementares de transporte público flexível e a

pedido; aprovou o Código Fiscal do Investimento, que reforça os diversos regimes de benefícios fiscais ao

investimento produtivo nas regiões menos favorecidas; lançou o Programa +Superior, para atrair alunos do

litoral para as instituições de ensino superior do interior; e apresentou, recentemente, o Compromisso para o

Crescimento Verde, que contribuirá para a valorização dos recursos naturais, da biodiversidade e dos serviços

dos ecossistemas dos territórios de baixa densidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.as

e Srs. Deputados, os problemas com que se debatem os territórios da faixa interior do País são

problemas transversais, complexos e estruturais e a sua resolução exige políticas públicas abrangentes,

integradas e persistentes.

É por isso necessário que o Governo, este e os vindouros, vão mais longe em matéria de desenvolvimento

territorial.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Os sintomas são conhecidos: esvaziamento e envelhecimento

demográfico; despovoamento rural; uma economia frágil e dependente; bacias de emprego reduzidas e mão-

de-obra pouco qualificada; baixa capacidade de iniciativa, empreendimento e investimento endógeno. Mas não

nos equivoquemos nem no diagnóstico, nem nas prescrições ou nos remédios. Estes problemas são ditados

por um conjunto de fatores geográficos, sociais e económicos e não podem ser associados, de modo direto, à

escassez de equipamentos ou serviços públicos, cuja redução é, antes, uma consequência e não uma causa

do esvaziamento populacional.

E não é expectável, digamo-lo com toda a frontalidade, pelo menos a médio prazo, reverter as perdas

demográficas e o despovoamento rural. Apenas será possível abrandar os ritmos e mitigar os seus efeitos,

desde que consigamos promover um modelo de desenvolvimento que valorize economicamente os recursos

dos territórios do interior, criando e fixando valor e emprego.

A correção das assimetrias territoriais é uma preocupação com várias décadas. Desde o início dos anos 80

que têm sido implementados vários programas e estratégias de desenvolvimento territorial com esta finalidade.

Os impactos destes programas foram, indiscutivelmente, positivos, gerando ou induzindo transformações

nas condições e na qualidade de vida das populações ou nas estruturas e dinâmicas produtivas dos territórios,

mas falharam na concretização da sua principal ambição: estancar a hemorragia demográfica, o

despovoamento, a dinamização económica geradora de riqueza e emprego. Em grande parte porque tem-se

procurado combater o problema do declínio populacional com uma abordagem que, por economia de meios,

se pode classificar de infraestrutural, corretiva e assistencialista.

Portugal necessita de um novo paradigma de desenvolvimento e de coesão territorial que privilegie a

redução das assimetrias pela via da criação de riqueza e valor em cada território. Sem a criação e fixação de

riqueza não há criação de emprego, mas emprego produtivo e qualificado, e sem a criação de emprego não há

fixação da população.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Estes territórios têm recursos próprios que são necessários e relevantes

para o todo nacional e que podem e devem ser mais valorizados e capitalizados no desenvolvimento local.

A valorização económica destes recursos reclama uma estratégia de desenvolvimento que estimule uma

interação da economia com o território; o reforço da atratividade e da competitividade territorial e urbana; o

reforço e a valorização do capital e dos recursos humanos; o reforço do modelo de prevenção e proteção

social; a criação de condições que assegurem a igualdade de oportunidades no acesso a bens e serviços

públicos fundamentais.

Sr.as

e Srs. Deputados, termino reafirmando que o reforço da coesão territorial é um objetivo nacional e

europeu.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Quatro décadas depois do 25 de abril, Portugal tem de prosseguir e

acelerar o combate por um desenvolvimento mais equilibrado do seu território e por uma efetiva igualdade de

oportunidades a todos os seus cidadãos. Um combate que permita conter e minimizar a regressão

demográfica, social e económica de uma parte significativa do seu território e que afaste do horizonte o

cenário inaceitável de um país polarizado entre um interior abandonado e um litoral congestionado.

Mas só será possível contrariar este cenário com um modelo de desenvolvimento que valorize

economicamente os recursos e as competências destes territórios, criando e fixando valor e emprego e

devolvendo às suas populações a esperança no futuro.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs.

Deputados Hélder Amaral, do CDS-PP, Agostinho Santa, do PS, Paula Santos, do PCP, e Cecília Honório, do

Bloco de Esquerda.

Uma vez que responderá a grupos de dois, tem, desde já, a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Leite Ramos, começo por felicitá-lo

pelo tema que aqui trouxe. Se há preocupação que devemos ter é, de facto, com o nosso território, com a

forma como o ocupamos, a forma como olhamos para ele, a forma como somos capazes de perceber as suas

potencialidades e como conseguimos, ou não, ser eficazes com as políticas que possam fazer a inversão

daquilo que temos identificado.

O Sr. Deputado disse, e bem, que é matéria que leva tempo, que precisa de ponderação, que precisa de

responsabilidade e que precisa de consensos.

Poderemos todos estar de acordo ou em desacordo com as políticas feitas até agora, mas há uma coisa

que não podemos permitir: é que não haverá sucesso em políticas do território sem responsabilidade e sem

consenso. E ter o maior partido da oposição, antes mesmo de discutir as propostas e as políticas, a dizer:

«Bom, se um dia…» — e queira Deus que seja muito tarde ou mesmo nunca! — «… elegermos o Primeiro-

Ministro, a primeira coisa a fazer é reverter tudo o que está a ser feito, abrir serviços que estão a ser

fechados», e isto sem nenhuma ponderação, sem nenhuma explicação, sem nenhuma avaliação, é

demagogia e irresponsabilidade, as quais devem ser afastadas desta discussão. É importante deixar esta

nota.

O Sr. Deputado disse uma coisa importantíssima, talvez mais cara para as populações do interior: o interior

é solidário com o bem comum do País como um todo.

O processo e as concessões de exploração de recursos, nomeadamente recursos energéticos minerais,

têm sido, muitas vezes, uma penalização para o interior, ou seja, o interior apanha com as limitações

ambientais, com as restrições da requalificação do território, recuperação urbana, etc., e depois o benefício

desses recursos vem, normalmente, para o litoral. Eu não digo que não tenha de ser assim, tem é que haver

uma repartição justa, equilibrada e equitativa para que quem sofre com os problemas e as consequências da

exploração desses recursos possa também beneficiar, nomeadamente em termos de distribuição equitativa

fiscal.

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O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Já ultrapassou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É sobre esta matéria que o questiono, felicitando-o, mais uma vez, e

pedindo-lhe que diga algo sobre a necessidade de consenso nesta matéria, pois não podemos estar

sistematicamente a avançar e a recuar nestes assuntos porque quem perde é o território, é o País e é,

obviamente, o interior.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

Agostinho Santa.

O Sr. Agostinho Santa (PS): — Sr. Presidente, de transmontano duriense para transmontano duriense

cumprimento o Sr. Deputado Luís Leite Ramos e quase me apetecia aliar a este cumprimento um aplauso pela

teorização daquilo que fez aqui sobre um assunto que nos é tão caro, como é o da problemática dos territórios

de baixa densidade e todos os problemas que lhe estão agregados. Mas esse aplauso ficar-se-ia apenas pela

teorização do problema. É que, realmente, é necessária uma estratégia global de combate às situações que

referiu, mas soa a falso, soa a estranho, no final de três anos de um Governo apoiado pela maioria na qual o

Sr. Deputado se insere, de um Governo que ajudou a criar o lastro social e económico que agudizou este

problema, que o faça da forma como o fez, ainda para mais acusando erros do passado e da oposição.

É preciso que se assuma que o problema destes territórios, o problema do seu despovoamento e da

dificuldade de fixação das pessoas, tem a ver com as políticas que não foram seguidas, e as políticas que não

foram seguidas tinham de ser políticas de crescimento e de combate à verdadeira desertificação. Era

fundamental que esses territórios tivessem condições de fixação, através da criação de emprego; era

fundamental que tivessem condições de sustentabilidade social, familiar e económica; era fundamental que

não lhes fossem criadas condições de maior empobrecimento; era fundamental, e disse-o em passo largo, que

se mantivessem os serviços de proximidade, de modo a permitir que as pessoas continuassem a querer viver

em sítios onde é realmente difícil viver neste momento.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Sr. Agostinho Santa (PS): — Termino, Sr. Presidente.

Era fundamental encontrar políticas de discriminação positiva, de que falou, mas também é fundamental

dizermos que este Governo e esta maioria não aceitaram medidas de discriminação positiva propostas, tanto a

nível fiscal quanto a nível dos investimentos e da aplicação de fundos, designadamente, comunitários.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Santa (PS): — Era isto que era fundamental ser discutido e a pergunta que lhe faço é

esta: não lhe parece que as variáveis que aqui referi devem fazer parte do diagnóstico, para que as soluções

sejam efetivamente reais, operativas e votadas ao sucesso?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Leite Ramos.

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr. Presidente, cumprimento, naturalmente, os Srs. Deputados Hélder

Amaral e Agostinho Santa, agradecendo as questões que colocaram e, de uma forma breve, procurarei

responder a essas questões e às considerações que foram tecidas.

Relativamente à valorização dos recursos, estamos inteiramente de acordo. Julgo que é fundamental,

nesta nova abordagem da problemática do desenvolvimento territorial e da coesão, que haja uma valorização

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efetiva dos recursos, e valorização efetiva dos recursos produtivos, mas também dos recursos e serviços que

estes territórios prestam ao País no seu conjunto.

Claramente, no caso da energia, há uma repartição que não é equilibrada, que não é justa, entre as mais-

valias geradas ou o valor acrescentado gerado na produção energética e aquilo que é retido nestes territórios.

Deste ponto de vista, julgo que é importante, e o PSD tomará a iniciativa de desenvolver uma proposta no

sentido de que haja uma repartição equilibrada, quer nos recursos minerais, quer nos recursos energéticos,

relativamente aos valores, nomeadamente, da derrama. Não faz sentido absolutamente nenhum que a

derrama das empresas que exploram os recursos hidroelétricos das regiões do interior continue a ser paga em

Lisboa e não nos territórios onde esse recurso é explorado e onde esse valor é aproveitado.

Quanto ao que foi dito pelo Sr. Deputado Agostinho Santa, julgo que há um equívoco: não podemos

confundir o remédio com a doença. E o remédio que aplicámos nos últimos três anos, que os senhores

prescreveram, juntamente com a troica, e que nós, no interesse nacional, apoiámos, é um remédio para

combater e resolver um problema que foi criado pela forma como o País foi governado nos últimos anos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Portanto, não tenhamos equívocos relativamente a essa questão.

Aplausos do PSD.

Face às políticas, há um aspeto que é fundamental: o pior que nos pode acontecer é enveredarmos por um

debate demagógico e hipócrita sobre estas matérias. Repare que, entre 1995 e 2011, o Partido Socialista

esteve um largo período de tempo no Governo, aplicou medidas de discriminação positiva, fez investimentos

em betão e infraestruturas. Quais foram os resultados obtidos? O êxodo continuou a um ritmo constante,

prolongado e acentuado. Isto quer dizer que essas políticas não resolveram o problema do interior, não

resolveram o problema essencial, que é a falta de emprego, esse, sim, pode ajudar a fixar população.

Penso que esta matéria é muito importante, muito relevante e só com um consenso alargado, só com uma

forma de encarar o problema de modo diferente podemos combater e, de alguma forma, mitigar os efeitos

tremendos que estão a sentir-se nesses territórios.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Leite Ramos, cumprimento-o pela sua

declaração política e pelo tema que aqui trouxe, mas, Sr. Deputado, veio falar de coesão territorial, de

pretensas preocupações e passou uma borracha por tudo aquilo que o seu Governo fez nestes três anos, em

que só contribuiu para agravar as assimetrias regionais, as condições de vida e o desenvolvimento nas

regiões de baixa densidade.

O Sr. Deputado falou na necessidade de promoção da igualdade de acesso a bens e serviços públicos. Ó

Sr. Deputado, mas, então, como é que pretende assegurar essa igualdade, quando aquilo que o seu Governo

tem previsto é continuar a encerrar e a reduzir serviços públicos para as populações em todo o nosso País?! O

Sr. Deputado falou na preocupação com o interior e com o desenvolvimento territorial, mas, Sr. Deputado,

diga-nos lá como é que pretende atingir a coesão territorial, quando o seu Governo introduz portagens nas

SCUT. É isto que contribui para essa coesão?! Quando o seu Governo encerra centenas e centenas de

escolas pelo País, isto ajuda a fixar as populações?! Quando o seu Governo encerrou postos e extensões de

saúde, postos de correios e, mais, até extinguiu freguesias, como é que pode vir aqui falar de pretensas

preocupações?! Tudo o que fazem é exatamente no caminho oposto!

Este discurso, de facto, esta sua declaração política teve um único propósito: foi eleitoralista! Esta é a

verdade dos factos!

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O que queremos dizer é que não é com essas políticas nem com este Governo que o País pode ter,

efetivamente, um desenvolvimento mais equilibrado e que podemos contribuir para a eliminação das

assimetrias. É seguramente com investimento público, é seguramente com uma aposta…

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente.

É seguramente com uma aposta nos serviços públicos, garantindo o acesso aos serviços públicos a todas

as populações, descentralizado e de proximidade, e não com o que este Governo diz, mas, depois, na prática,

faz exatamente o oposto.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Para terminar, Sr. Presidente, o País pode ter um desenvolvimento mais

equilibrado e podemos contribuir para a eliminação das assimetrias, garantindo os direitos que estão

consagrados a todos os portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Leite Ramos, quero saudá-lo pela sua

declaração política, pelas suas preocupações em torno das assimetrias territoriais, da coesão territorial, do

drama da interioridade.

O Sr. Deputado queixou-se de uma herança, mas a verdade é que a maioria tem uma mão cheia de nada.

Até poderia subscrever o diagnóstico que aqui fez — o problema do empobrecimento, a falta de recursos, o

despovoamento, o envelhecimento da população —, não fosse o Sr. Deputado considerar como vetor

importante para a correção das gravíssimas assimetrias o acesso aos serviços públicos.

Quero perguntar-lhe como é que pode fazer este discurso. Como é que sustenta este argumento? É que o

Sr. Deputado sabe que esta maioria deixou as autarquias financeiramente exauridas, este Governo mais não

fez do que fechar centros de saúde, postos de correios, finanças, escolas e, ao mesmo tempo, tribunais.

Quero perguntar-lhe se o Sr. Deputado é capaz de ir fazer este discurso a Viseu, se é capaz de ir dizer às

populações de Viseu que está muito preocupado com a interioridade, quando os tribunais são encerrados e

elas perdem, objetivamente, o acesso ao direito e aos tribunais. Ou se é capaz de o ir fazer, por exemplo, ao

distrito de Faro, se é capaz de ir a Monchique dizer às populações das aldeias do interior que vão ter de se

deslocar de véspera para poderem ir aos tribunais.

Portanto, explique-se, Sr. Deputado, porque, realmente, nós entendemos que os senhores estão num

percurso de pré-campanha eleitoral, mas não faz sentido vir falar em correção de assimetrias e em

preocupação com a interioridade, quando os senhores têm desfalcado o acesso das populações do interior

aos bens e serviços públicos que, afinal, tanto o preocupam.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Leite Ramos.

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

Deputadas Paula Santos e Cecília Honório,

agradeço muito as vossas questões.

Julgo que, nesta matéria, se partilhamos alguma análise dos sintomas, estamos, claramente, longe nos

diagnósticos e nas soluções para os problemas. E vou explicar-me.

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Relativamente ao diagnóstico, nunca o interior foi tendo, como ao longo das últimas décadas, tantos

serviços e nunca a melhoria das condições de vida foi tão efetiva. Mas estes factos não inviabilizaram, não

contiveram, não modificaram o êxodo rural e o esvaziamento demográfico.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Ah! A culpa é das pessoas?!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr.ª Deputada, nas últimas três décadas, o interior perdeu mais de 30%

da sua população, num período em que as condições de vida melhoraram, havia infraestruturas públicas,

havia equipamentos, havia escolas. Naturalmente, esta é a prova elementar de que não são os serviços que

fixam população no interior.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Ainda acredita em tudo o que ouve nas reuniões do PSD?!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Não estamos a dizer que o acesso e a igualdade de oportunidades não

são importantes…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — … e que não é preciso defendê-los — não é isso que está em causa! —

, mas não podemos inverter a causa e a consequência, nas dinâmicas que provocaram o esvaziamento

demográfico do interior.

Nos locais onde há tribunais há mais de 100 anos, onde há abastecimento público há mais de 30 anos,

onde há escolas, onde há equipamentos culturais e desportivos, as populações continuaram a fugir, pela

simples razão de que aquilo que as faz ficar num território é o facto de terem ou não emprego. Este é o

problema! Durante muitos anos, pensámos que bastava melhorar as acessibilidades, criar melhores condições

de vida, porque isso levava o desenvolvimento aos territórios do interior, mas as pessoas foram-se embora

unicamente porque o emprego não aparecia e as suas condições de vida não eram satisfeitas.

A Sr.ª Deputada se acha que manter escolas primárias com 10 alunos é garantir a igualdade de

oportunidades para uma educação e uma escola pública de qualidade, como defendeu o Partido Socialista? É

que o Partido Socialista que, no passado, teve um Primeiro-Ministro que dizia ser criminoso não encerrar

escolas com menos de 20 alunos é o mesmo que agora critica o Governo…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Já esqueceram!

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — … por continuar a fazer a reforma e a reorganização dos serviços da

Administração Pública.

Aplausos do PSD.

Nós entendemos que é fundamental e importante garantir a igualdade no acesso aos serviços, mas isto

não quer dizer que tem de ficar tudo na mesma. Esta reorganização pode e deve ser feita, garantindo,

essencialmente, que as pessoas tenham acesso a esses serviços. Foi por isso que o Governo criou, por

exemplo, o programa Portugal Porta a Porta para resolver um dos maiores problemas na acessibilidade, que é

o problema da mobilidade. Se for garantida mobilidade às populações que estão nas aldeias mais isoladas, o

acesso fica garantido. Não é preciso ter um tribunal, um centro de saúde, uma escola em cada aldeia, o que é

preciso é garantir que as pessoas têm acesso a esses serviços.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Já ultrapassou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Mas, ou nós conseguimos ganhar este combate pela criação de

emprego e de riqueza, a partir dos recursos que existem, ou, qualquer que seja a política de manutenção de

serviços, infraestruturas ou equipamentos, vai ser votada ao fracasso, como sucedeu nos últimos 20 anos.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, chegámos, assim, ao fim do primeiro ponto da

nossa ordem de trabalhos, o longo ponto de declarações políticas.

Vamos passar ao ponto 2, que consiste na apreciação conjunta, na generalidade, dos projetos de lei n.os

647/XII (3.ª) — Altera o Código Penal, criminalizando a perseguição e o casamento forçado (PSD e CDS-PP),

659/XII (4.ª) — Procede à alteração do Código Penal, criando os crimes de perseguição e casamento forçado

em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul (PS), 661/XII (4.ª) — Cria o tipo legal de assédio

sexual no Código Penal (BE) e 663/XII (4.ª) — Cria o tipo legal de perseguição no Código Penal (BE).

Para apresentar o projeto de lei n.º 647/XII (3.ª), em nome do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla

Rodrigues.

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: É de direitos humanos que hoje

quero falar. Do direito à vida, à liberdade, à autodeterminação, à segurança pessoal, à reserva da vida privada,

à proteção do domicílio, do direito à livre escolha do marido ou da esposa, do direito a casar ou a não casar,

do direito à dignidade pessoal, todos direitos consagrados, há mais de 60 anos, na Declaração Universal dos

Direitos Humanos e tantas vezes e tão ostensivamente violados, perante o silêncio e passividade de muitos.

Incumbe aos Estados promover o respeito universal e efetivo dos direitos humanos. Foi no cumprimento

desta obrigação que o Estado português ratificou a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o

Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica. Porque, repito, é de direitos humanos que

estamos a falar.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — E permitam-me que expresse o orgulho que sinto, não só enquanto

Deputada mas, sobretudo, enquanto mulher e cidadã deste País, pelo facto de Portugal ter sido o primeiro

país da União Europeia a ratificar esta convenção. Aliás, Portugal é reconhecido internacionalmente pelas

suas boas práticas, concretizadas em políticas públicas de promoção da igualdade de género e de prevenção

e combate à violência doméstica e de género. Isto é fruto do trabalho de muitos, mas sobretudo do empenho

deste Governo e, em especial, da Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, que

aqui gostaria de reconhecer.

A ratificação desta convenção, designada como Convenção de Istambul, trouxe para Portugal obrigações

acrescidas, que se traduzem, não só mas também, no projeto de lei ora em discussão, apresentado pelo PSD

e pelo CDS, de criminalização autónoma da perseguição e do casamento forçado.

As vítimas destes crimes são, sobretudo, mulheres e meninas e a sua proteção não se encontra

plenamente assegurada no atual quadro penal. Este foi, aliás, o entendimento generalizado das entidades

ouvidas no grupo de trabalho para averiguação das implicações legislativas da Convenção de Istambul.

Saudamos as iniciativas legislativas do PS e Bloco de Esquerda sobre esta temática, que demonstram ter

havido efetivamente um consenso generalizado em torno da criação destes novos tipos legais de crime. Este

combate é de todos, para além das divergências ideológicas.

Gostaria de realçar que a criminalização da perseguição visa não só a punição dos perseguidores mas,

sobretudo, a prevenção e proteção das vítimas, nomeadamente através da consagração de penas acessórias

de proibição de contacto com a vítima pelo período de seis meses a três anos, incluindo o afastamento da

residência ou do local de trabalho, e de obrigação para o arguido de frequência de programas específicos de

prevenção de condutas típicas da perseguição. A proteção das vítimas é uma prioridade face aos efeitos

nefastos que este tipo de crime produz na vida da vítima, não só no momento da prática do crime mas durante

toda a sua vida.

Quanto ao crime de casamento forçado, punem-se não só os casamentos forçados como a união

equiparável à do casamento, bem como os atos preparatórios, incluindo a atração da vítima para fora do

território nacional com o intuito de a constranger a contrair casamento. Não há costume ou tradição que se

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sobreponha aos valores que enformam a nossa sociedade ou que se sobreponha aos direitos fundamentais de

mulheres e meninas que se veem condenadas a vidas de sofrimento, de servidão e de dependência.

A liberdade pessoal de cada um, o seu direito à autodeterminação, à reserva da vida privada, à proteção do

domicílio, o direito de ir à escola e de brincar na idade própria para o fazer, o direito de escolher casar ou não

casar, e de o fazer de forma livre e consciente com a pessoa escolhida e de preferência com a pessoa amada,

são direitos fundamentais do ser humano, assentes na sua dignidade.

Com estes projetos entendemos dar mais um passo na proteção destes direitos, porque é efetivamente de

direitos humanos que estamos a tratar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para apresentar o projeto de lei do PS, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Isabel Alves Moreira.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Como já aqui foi dito, estamos,

de facto, a falar de direitos humanos, de direitos que podem ser resumidos ao livre desenvolvimento da

personalidade, que, por este mundo fora, tem vindo a ser negado a mulheres e a raparigas de uma forma

ultrajante.

Sabemos todos que uma coisa é a lei, outra coisa é a implementação da lei, o diálogo intercultural e as

medidas administrativas, e que o caminho para a conquista da igualdade de género e para o fim da violência

de género é um caminho duro, que não acaba na aprovação destes projetos de lei.

E se, nos últimos anos, Portugal e, muito especialmente, as mulheres portuguesas têm vindo a beneficiar

de importantes medidas que reforçaram a sua proteção face a diferentes tipos de discriminação e violência, se

são de referir, evidentemente, os cinco planos nacionais de prevenção e combate à violência doméstica e de

género aplicados desde 1999 no nosso País, bem como as várias melhorias introduzidas legalmente, numa

lógica de continuidade, pelos vários Governos, se é de referir também, repetindo o que já aqui foi dito, o facto

de Portugal ter sido pioneiro no plano internacional no desenvolvimento de políticas nesta área, tendo sido o

primeiro a ratificar a Convenção do Conselho da Europa conhecida como Convenção de Istambul, que entrou

em vigor no passado dia 1 de agosto, a verdade é que ainda falta fazer muito.

De facto, ainda falta fazer muito, como ressaltou no âmbito do grupo trabalho. Aproveito para saudar a

Deputada Carla Rodrigues, que presidiu ao grupo de trabalho criado para pôr em prática as obrigações

decorrentes da Convenção de Istambul, leia-se as obrigações penais decorrentes da Convenção de Istambul,

porque muito mais obrigações decorrem desta convenção. Queria, portanto, saudá-la, Sr.ª Deputada, nessa

qualidade, pelo excelente trabalho que levou a efeito.

A verdade é que nos concentrámos em fazer um trabalho relativamente à matéria penal, mas foi nossa

preocupação não ter um espírito de hiperpenalização. Isto é, há comportamentos que não têm de ter dignidade

penal, e a Convenção de Istambul, do nosso ponto de vista, é clara, por exemplo, relativamente ao assédio, e

há comportamentos que têm dignidade penal, como são os casos da perseguição e do casamento forçados,

que, como já aqui foi, dito, é uma prática absolutamente monstruosa. No que respeita à perseguição, saíram

hoje notícias sobre esta matéria, mas nós já tínhamos números absolutamente assustadores, nomeadamente

por parte da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).

Assim, na presente iniciativa, propõe-se a criminalização da prática de perseguição, identificada como as

situações em que alguém, de modo persistente e indesejado, perseguir ou assediar outra pessoa, por

qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a perturbar, constranger ou afetar a sua dignidade

— foi retirada do assédio esta expressão —, provocando medo, inquietação ou prejudicando a sua liberdade

de determinação. Ou seja, aquela parte do assédio que é tão forte que tem dignidade penal já está coberta

pelo tipo criminal de perseguição previsto quer no projeto de lei do PS, quer no projeto de lei do PSD e CDS.

Penso que deve ser entendido assim. O restante assédio está coberto pela lei laboral e não deve entrar no

Direito Penal.

A natureza específica e complexa deste novo crime, que é assumido, por isso, como semipúblico, justifica,

não obstante, à semelhança do que sucede, por exemplo, no crime de violência doméstica, e a par da moldura

principal, a previsão das penas acessórias que já aqui foram referidas e que são as mesmas.

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Em relação ao casamento forçado, fazemos um enquadramento penal semelhante ao que está previsto no

projeto de lei do PSD e do CDS, com algumas diferenças que, penso, na especialidade serão certamente

dirimidas, sendo que poderemos também chegar a acordo facilmente.

Por fim, queria também saudar as iniciativas do Bloco de Esquerda.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para apresentar os projetos de lei do Bloco de Esquerda, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: É de direitos humanos que hoje

aqui falamos, como bem disse a Sr.ª Deputada Carla Rodrigues, que quero também saudar pelo trabalho que

fez no grupo de trabalho sobre esta matéria.

A Sr.ª Deputada invocou aqui o facto de Portugal ter sido o primeiro país a assinar a Convenção de

Istambul. É nosso entendimento que há muito trabalho para fazer, é nosso entendimento que os

compromissos com a Convenção de Istambul pelo combate a todas as formas de violência contra as mulheres

não acabam aqui, com a aprovação, ou não, das iniciativas em debate. Esse trabalho é mais profundo e, pela

nossa parte, será continuado.

Neste sentido, quero saudar também as iniciativas legislativas trazidas a debate pelo PSD e CDS e pelo

PS. O Bloco de Esquerda acompanha estas iniciativas, sem prejuízo de, nomeadamente no que ao casamento

forçado diz respeito, haver alguma articulação entre o artigo 154.º-C e o artigo 160.º do Código Penal, que tem

a ver com o tráfico de pessoas, e de, porventura, ser necessário fazer um ajustamento. Em todo o caso, tal

como aconteceu no âmbito deste grupo de trabalho, a nossa disponibilidade é total para encontrarmos as

melhores soluções.

O Bloco de Esquerda traz a debate uma proposta relativa ao crime de perseguição. Fá-lo atendendo à

necessidade de reconhecer que é um comportamento reiterado e intencional; fá-lo, simultaneamente,

apoiando-se em algumas advertências, nomeadamente da APAV, quanto à necessidade de se fazer um

elenco relativo de comportamentos que podem ser integrados neste crime, pela simples razão de que isso

criará maior segurança jurídica. Estou certa de que atender-se-á à necessidade de fazer esse debate.

Ao mesmo tempo que prevemos medidas de afastamento, há igualmente a previsão do agravamento da

moldura penal quando as vítimas são menores de 16 anos ou pessoas particularmente vulneráveis. Como já

aqui foi dito, são maioritariamente mulheres, e muitas vezes mulheres jovens, as principais vítimas deste

crime. É preciso que possamos consagrá-lo, dar-lhe a dignidade penal que lhe assiste e que possamos

desenvolver os meios para defender estas vítimas.

Ao mesmo tempo, o Bloco de Esquerda reconhece a necessidade de autonomização do crime de assédio

sexual. Fá-lo seguindo o exemplo de tantos outros países, como o Brasil, a Espanha ou a França; fá-lo por

respeito às associações que trabalham com as vítimas de assédio sexual; e fá-lo em nome do fim da

normalização do assédio sexual. Desse ponto de vista, acolhemos o conselho daqueles que nos dizem que é

melhor, que é mais importante dar-lhe dignidade penal porque é assim que acabamos com este clima de

normalização.

E fazemo-lo reconhecendo que este comportamento é também um comportamento reiterado com vista à

obtenção de favores sexuais, tantas vezes, como bem sabemos, de pessoas que têm uma relação de

superioridade hierárquica sobre outras, ou ainda quando os comportamentos de teor sexual em causa atentam

contra a dignidade da pessoa humana, em razão de situações de provocam particular humilhação, particular

hostilidade e comportamentos degradantes para as pessoas.

Como falamos de direitos fundamentais, consideramos que todo este debate é importante, com tudo o que

ainda estará por fazer. Em outras iniciativas e em tantos outros campos, o Bloco de Esquerda não desistirá de

um caminho que é para continuar.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa

Anjinho, do CDS-PP.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Antes de falar do conteúdo

concreto destas iniciativas, e abordando apenas algumas delas, tendo em conta a escassez do tempo,

permitiam-me dirigir uma palavra muito especial de saudação a todas as Sr.as

Deputadas que integraram o

grupo de trabalho que, durante longas semanas, estudou e, hoje, propôs iniciativas associadas às implicações

penais da Convenção de Istambul.

Reconhecendo que nem sempre coincidimos com o diagnóstico do problema, ou até mesmo com a

solução, a verdade é que a simples constatação comum de que a violência continua a fazer parte

excessivamente, desproporcionalmente, da vida de muitas mulheres, permitiu consensos, permitiu

conhecimentos, debates construtivos e, acima de tudo, permitiu a procura construtiva de soluções.

As presentes iniciativas são fruto disso, exatamente. E permitam-me, aliás, depois de todas as

intervenções, prestar uma atenção muito particular ao crime de perseguição, até pelas implicações que este

crime tem, por não ser efetivamente muito conhecido.

Começo por dizer que os fenómenos de perseguição não são novos, mas são, de facto, pouco conhecidos.

Na verdade, até há pouco tempo, eram encarados com normalidade. Contudo, dada a sua natureza criminal,

que, é importante que se entenda, compreende atitudes de ameaças, injúrias, difamações, devassa da vida

privada, gravações e fotografias ilícitas, coação, homicídio, estes comportamentos não são, nem pode ser,

aceites como comportamentos normais. São, sem dúvida alguma, comportamentos violentos, que restringem a

liberdade pessoal nas suas mais diversas dimensões, correspondendo a sua aceitação pela sociedade à

validação da violência.

Brevemente, a perseguição define-se como um comportamento de assédio — e aqui a linha que separa o

crime de perseguição do assédio, até mesmo do assédio sexual, é muito ténue — ou perseguição obsessiva,

persistente e indesejada, com reiterada violação da privacidade, imposição de comunicações, vigilância e

monitorização.

O stalking implica, portanto, a título de exemplo, a perseguição da vítima, para ver onde vive, como vive,

que lugares frequenta, com que pessoas se encontra, onde trabalha. Implica a sua vigilância, monitorização da

casa, interceção do correio, telefonemas, emails, web page, facebook, twitter, o chamado cyberstalking.

Implica assédio através de presentes, telefonemas, cartas, mensagens persistentes e indesejadas, impondo

um contacto e uma pseudorelação com a vítima, implicando, também injúrias, difamação, ameaças, como

forma de obter o controlo emocional sobre a vítima. E, nos casos mais graves, chega a haver ofensas físicas,

sexuais e até mesmo homicídio.

A característica da persistência torna o comportamento num ato continuado e não isolado, assumindo,

normalmente, um efeito de escalada, quer na frequência, quer na severidade dos comportamentos. Tem,

maioritariamente, sido definido como uma forma de violência relacional, mas é importante perceber que esta

também pode não existir. O que caracteriza o stalking como comportamento de perseguição insidiosa e

obsessiva é um conjunto padronizado de comportamentos, repetido, que surge na tentativa de exercer poder

sobre as outras pessoas, seja qual for o tipo de relação que exista ou que inexista.

A comunidade jurídica e os estados só começaram a reconhecer o relevo destes fenómenos, infelizmente,

após situações trágicas. As consequências, Sr.as

e Srs. Deputados, são as mais variadas: baixa autoestima,

sintomas psicossomáticos físicos e mentais, depressão, isolamento social, ansiedade, insegurança,

isolamento, frustração, culpa, vergonha, medo, raiva, perda de interesse, distúrbios, desconcentração,

síndrome de stress pós traumático.

Mais, a vitimação afeta não apenas aquela que é a sua vítima direta, pode também afetar pessoas

próximas, como companheiros, amigos e familiares, não apenas como uma forma de pressionar e de

constranger a vítima mas também como possíveis alvos de represálias.

Qualquer comportamento de perseguição, persistente e obsessiva, com a intenção de importunar, de

achincalhar, de devassar, pode corresponder a um tipo de stalking. Mas é importante perceber que há aqui

dois aspetos essenciais: a reiterada vitimação e o impacto que esses comportamentos causam na vítima.

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Uma atenção particular — e, Sr. Presidente, irei terminar — em relação ao cyberstalking, porque não

podemos desvalorizar que este tipo de perseguição por meios, sem recurso ou com recurso a tecnologias, é

sempre ameaça, é sempre invasão e é sempre a devassa da privacidade.

A criminalização da perseguição que hoje aqui se propõe vai ao encontro desta realidade, e a mesma

lógica se aplica à criminalização do casamento forçado, onde Portugal cumpre, efetivamente, o seu papel de

combate, num combate que é mundial.

Termino, dizendo que a realidade, Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, é uma realidade muito complexa

e difícil de sintetizar. As soluções não são simples mas os valores reclamam, sem dúvida, que sejam

alcançáveis.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputados: A Convenção de Istambul, ratificada por Portugal

em 2013, condena todas as formas de violência contra as mulheres e reconhece que mulheres e raparigas

estão expostas a formas graves de violência que constituem uma violação dos seus direitos humanos.

Esta Convenção insta os estados a tomar medidas com o objetivo de prevenir todas as formas de violência.

Consideramos que é cada vez mais premente a necessidade de uma abordagem integrada à Convenção de

Istambul, por nos parecer desadequada a opção de discutir isoladamente alterações a leis penais ou a criação

de novos crimes.

Sobre o objetivo das propostas em discussão, designadamente quanto à autonomização do crime de

perseguição, importa dizer que este crime tem algumas fronteiras com outros crimes já tipificados no Código

Penal, integrados no Código como crimes contra as pessoas.

Ainda assim, e mesmo considerando tal, parece-nos adequado que os mesmos tenham consagração penal

e sejam, por isso, aditados ao Código, pois decorrem de uma realidade específica a que importa responder.

A perseguição, muitas vezes, não constitui um ato isolado mas, sim, uma conduta decorrente de outras

situações, algumas já criminalizadas, como a violência doméstica. Admitindo, contudo, que ocorra

isoladamente, parece-nos adequada a sua consideração de crime semipúblico.

Importa também clarificar, porque a redação suscita ambiguidades, se estamos perante um crime de perigo

ou de resultado. Isto é, exige-se que a vítima tenha tido efetivamente medo ou inquietação, que tenha

efetivamente sofrido prejuízos ou limitações na sua liberdade, ou basta que a atuação seja suscetível, em

abstrato, de causar aqueles, apesar de aquela pessoa não ter sofrido medo, inquietações ou limitações?

No entanto, importa assegurar que a integração destes crimes no Código não possa ocorrer desligada da

sua efetiva prevenção e acompanhamento, pelo que se torna adequado que, para proteção concreta das

vítimas, seja acompanhada de legislação complementar e da garantia das condições económicas, sociais e

culturais que a concretize.

Sr. Presidente, Sr. Deputados, de acordo com a UNICEF, a pobreza é um dos principais motores do

casamento infantil. Em muitos países e comunidades pobres, casar uma filha representa menos uma boca

para alimentar e o dote pode representar um benefício para famílias desesperadas.

Os filhos de meninas jovens e pouco instruídas tendem a ter um pior desempenho na escola e salários

mais baixos, perpetuando, assim, o ciclo de pobreza.

Tal como a UNICEF define, o casamento infantil configura-se como um elemento de negação de direitos

básicos das crianças e jovens, sendo um grande entrave para a redução da mortalidade infantil e materno-

infantil, o combate ao HIV ou à garantia de educação primária universal.

Esta não é uma realidade generalizada na sociedade portuguesa, existindo, ainda assim, em algumas

comunidades. Concordando que é necessário tomar medidas para prevenir e eliminar esta prática, o PCP

alerta para a necessidade de evitar que tais medidas se constituam em elementos de estigmatização, de

xenofobia ou que promovam segregação social.

Consideramos ainda que também no âmbito dos processos tutelares e das comissões de proteção de

crianças e jovens se deveriam considerar linhas de intervenção que, com seriedade, contribuíssem para pôr

fim a esta realidade.

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Para o PCP, mais uma vez o afirmamos em sede de discussão destas propostas, a luta pelos direitos das

mulheres é uma luta inseparável por um futuro de progresso e de justiça social para todos e é esse o caminho

que temos de construir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Como não há mais inscrições para este ponto da ordem do dia,

passamos para o próximo, o ponto 3, que consiste na discussão conjunta, na generalidade, dos projetos de lei

n.os

632/XII (3.ª) — Procede à alteração do Código Penal, permitindo a declaração de indignidade sucessória,

como efeito da pena aplicada no âmbito de sentença condenatória pela prática do crime de homicídio (PS),

653/XII (4.ª) — Altera o Código Penal e o Código Civil em matéria de indignidade sucessória (PSD e CDS-PP)

e 662/XII (4.ª) — Procede à alteração do Código Penal em matéria de indignidade sucessória (BE).

Para apresentar o projeto de lei n.º 632/XII (3.ª), do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Marcelino.

A Sr.ª Catarina Marcelino (PS): — Sr. Presidente, Sr.

as e Srs. Deputados: Em novembro de 2012, no

âmbito do Dia Internacional de Erradicação da Violência contra as Mulheres, o Departamento Nacional das

Mulheres Socialistas sugeriu à Câmara Municipal de Lisboa que, em parceria com o Observatório das

Mulheres Assassinadas da UMAR, descerrasse uma placa invocativa com o nome das mulheres que tinham

sido mortas na cidade de Lisboa às mãos dos seus maridos, companheiros ou namorados.

Para que este gesto simbólico fosse levado a cabo era necessária a autorização dos herdeiros legais

dessas mulheres.

E foi numa rua de Lisboa, à conversa com um vizinho de uma destas mulheres, que nos confrontámos com

o facto de que aquele que podia dar a autorização para a utilização do nome na placa de homenagem era o

próprio homicida, porque, não havendo outros familiares próximos, ninguém tinha intentado uma ação a

solicitar a indignidade sucessória, o que levava a que neste caso, este homem, a cumprir pena por ter

assassinado a mulher, estivesse a receber uma pensão de sobrevivência por morte da vítima.

E foi assim, em novembro de 2012, através de várias notícias na comunicação social, que todos e todas

nos confrontámos com esta indignidade moral, que ultrapassa a violência em vida e se perpetua num ato de

violência sobre a memória de mulheres mortas às mãos dos maridos, companheiros ou namorados.

Hoje, estamos na Assembleia da República a procurar resolver um problema de aplicação da lei que,

apesar de estar contemplado no Código Civil desde 1966, não se aplica a todas as situações. Continua a

haver maridos, companheiros e namorados com direitos sobre bens, pensões e seguros e com o poder

discricionário de decidir sobre o nome e a memória daquela que mataram.

Para além das audiências que as mulheres socialistas, acompanhadas pelo Grupo Parlamentar do PS,

solicitaram, em 2012, à Procuradora Geral da República e ao Bastonário da Ordem dos Advogados, hoje

podemos contar com o parecer da Ordem dos Advogados e do Conselho Superior de Magistratura no âmbito

da proposta de lei do Partido Socialista, mas também de outras propostas, que quero aqui saudar, de autoria

da maioria, PSD e CDS, e do Bloco de Esquerda.

Julgo que para além da solução a que iremos chegar, porque acredito que todos os grupos parlamentares,

sem exceção, estão disponíveis para acabar com uma injustiça que não tem classificação numa sociedade

decente, num Estado de direito moderno, progressista, em pleno séc. XXI, o que hoje aqui fica escrito na

História deste Parlamento, na História dos direitos, liberdades e garantias, na História da cidadania e da justiça

social, é que todos e todas daremos o nosso melhor para que, quer na vida quer na morte, a lei portuguesa

proteja as cidadãs e os cidadãos.

Apelo aos grupos parlamentares que trouxeram iniciativas legislativas para que as propostas baixem à

especialidade e que, de forma construtiva, procurando uma solução consensual, possamos voltar a Plenário e

votar, por unanimidade, uma mudança na lei, que será de todos nós, contra a violência doméstica e em prol

dos direitos humanos, inalienáveis e indivisíveis das mulheres e das raparigas.

Que os nomes inscritos no memorial que se encontra no jardim em frente à Maternidade Alfredo da Costa

simbolizem um propósito bem maior do que uma simples invocação da sua memória, no passado 25 de

novembro.

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Aplausos do PS, da Deputada do CDS-PP Teresa Anjinho e da Deputada do BE Helena Pinto.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei n.º 653/XII (3.ª), em nome do PSD, o Sr. Deputado

Carlos Peixoto.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Não falarei, naturalmente, em nome

dos homens sociais-democratas, porque este debate e estes projetos que são aqui apresentados não podem

confinar-se a retóricas sexistas, em que se fala de homens e em que se fala de mulheres. Não é nada disto

que aqui estamos a discutir!

Naturalmente que há muitos homicídios contra mulheres — e temos todos de os repudiar —, mas também

há homicídios contra homens, em que mulheres matam os maridos, também há homicídios entre pais e filhos

e entre filhos e pais.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — E?!…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Do que estamos a falar é algo de muito mais transversal a isto tudo, de

muito mais abrangente.

Meus Caros Colegas, Srs. Deputados, o que está aqui em causa é apenas o seguinte: como é sabido, já

existe na lei a incapacidade sucessória por motivo de indignidade, por, entre outros casos, haver situações em

que alguém seja condenado por um crime de homicídio doloso contra o autor da sucessão ou contra o seu

cônjuge, descendente, ascendente, adotado ou adotante.

Este pedido da incapacidade — e aqui é que bate o ponto —, na atual lei, tem de ser feito pelos herdeiros,

que são os interessados, e através de uma ação cível. O que o Partido Socialista veio propor, e muito bem, foi

dar eficácia e tornar mais efetiva esta possibilidade de incapacidade através da introdução de um novo artigo

no Código Penal que previsse a possibilidade de o juiz, na sentença penal, declarar logo a incapacidade

sucessória.

Só que este projeto do Partido Socialista tem um bom pressuposto, um bom princípio, mas não atinge o

fim. Não atinge o fim por uma razão: imaginem que o juiz, por esquecimento — o que, aliás, é humano — ou

porque não tem o acervo factual suficiente no processo-crime — não conhece, por exemplo, a classe de

sucessíveis do condenado, do arguido —, não decreta logo a incapacidade sucessória por indignidade.

Numa situação como esta, o que é que acontece, segundo o projeto do Partido Socialista? Nada, tudo volta

ao início e ressurge o problema.

O que é que o PSD, juntamente com o CDS-PP, fez para obviar a esta questão? Fez uma coisa muito

simples, uma boa ponte entre o Código Penal e o Código Civil: para além de introduzir uma nova alínea no

Código Penal, o artigo 69.º-A, muito parecido com o do Partido Socialista, faz mais do que isso, isto é, altera o

Código Civil por forma a que seja dada possibilidade — aliás, nem é uma possibilidade, é um dever— ao

Ministério Público de, ele próprio, propor a ação quando o único sucessor do arguido condenado seja ele

próprio. Nesse caso, tem de ser o Ministério Público a propor a ação para se decretar a indignidade

sucessória, para que o infrator — que é o condenado, o autor do homicídio — não beneficie, ele próprio, do

património do falecido, por via da herança.

Portanto, o PSD faz bem esta ponte. O Partido Socialista, honra lhe seja feita, deu o mote, e fez bem,

devendo ser saudado por isso, e o PSD e o CDS tiveram o mérito de tornar exequível e eficaz uma ideia

original, que peca por defeito, por ser inconsequente e não resolver o que, naturalmente, queria prever. Por

isso, também se deve saudar a posição que o PSD e o CDS acabaram por tomar, sendo certo que o Bloco de

Esquerda, mais vírgula menos vírgula, segue um pouco a lógica do Partido Socialista, que está correta, mas

está incompleta e é imperfeita.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

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A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda quer saudar

esta iniciativa do PS e todo o trabalho que a sustentou, reconhecendo, também, a importância da iniciativa do

PSD e do CDS, alargando a algumas questões que são relevantes neste caminho que, penso, mais uma vez

reunirá o consenso possível em torno de uma matéria tão importante. E se o Sr. Deputado Carlos Peixoto me

estivesse a ouvir neste momento saberia que a distinção fundamental do projeto de lei do Bloco de Esquerda

não é tanto uma questão de vírgulas, mas uma questão de verbo — é o verbo que muda.

Mas do que é que estamos a falar?

Quando alguém morre, é aberta a sucessão e há — é verdade, já aqui foi invocado — situações que já

estão obviamente previstas no Código Civil para a declaração da indignidade sucessória.

Mas estas situações, já previstas no Código Civil, não chegam. É preciso, como também aqui bem

lembrou, que os herdeiros intentem a ação. Ora, pode acontecer que o único herdeiro seja o cônjuge que

matou o outro cônjuge. É disto que hoje falamos.

A situação é mais abrangente do que esta, mas é importante trazer a realidade das vidas das pessoas a

este debate.

Até julho deste ano, morreram, que nós saibamos, 24 mulheres. Foram assassinadas pelos seus

companheiros, no quadro da violência doméstica. Imaginemos que alguns destes homens puderam, ou

poderão, ficar com os bens destas mulheres. É disto, é muito disto, também, Sr. Deputado, que nós hoje aqui

tratamos.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Não.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — E porque entendemos que este debate é muito importante, e considerando

que as soluções aqui apresentadas podem e devem ser aprofundadas para a melhor solução possível, o Bloco

de Esquerda junta-se também ao debate.

Entendemos que quando a sentença condena por crime de homicídio deve, desde logo, declarar a

indignidade sucessória do condenado. Esta situação é tão grave, tão intolerável, que o juiz deve declarar,

desde logo, a indignidade na própria sentença. Não é possível que elas continuem a morrer às mãos deles e

que eles possam continuar a ficar com os bens destas mulheres.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Anjinho, do CDS-PP, para

uma intervenção.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Ao longo das várias sessões

legislativas, seja em Plenário, seja em comissão, seja na Subcomissão da Igualdade, muitas foram as vezes

em que o problema da violência doméstica foi debatido com preocupação e com uma enorme seriedade.

O Governo tem sido ouvido, temos ouvido inúmeras entidades com responsabilidade na área, têm sido

realizadas conferências, jornadas, têm sido propostas iniciativas. O compromisso e o empenho desta Casa

merece ser destacado e, neste contexto, naturalmente, o compromisso e o empenho do CDS-PP.

Da direita à esquerda, não há qualquer timidez na abordagem do problema, bem como no reconhecimento

da necessidade de continuarmos a trabalhar para encontrar soluções.

A violência doméstica, como tenho dito, de privado a público, de invisível a visível, subsiste. E muito tem

sido feito, é verdade, tendo especial incidência sobre as mulheres. Discriminação, impunidade e complacência,

muitas vezes tolerada através da indiferença, da ignorância e do medo. E é para mim evidente — tenho-o dito

repetidamente — que governos e organizações relevantes devem ser, de forma coordenada e integrada,

firmes na atuação, aproveitando sinergias nacionais e internacionais, como é claramente o caso da

Convenção de Istambul, seja ao nível da prevenção, da repressão e, muito particularmente, do apoio à vítima.

Sendo esta a nossa visão e a nossa estratégia, a presente iniciativa centra-se exatamente no

reconhecimento de uma situação de injustiça social, particularmente gritante nos casos de homicídio conjugal,

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que é certo que abrange mulheres e homens, mas também é certo que desproporcionalmente continua a

afetar mais as mulheres.

No limite, o que acontece, é que o homicida, por ausência de ação de indignidade que, como sabemos,

está prevista no Código Civil e, muitas vezes, exatamente porque ele próprio é o único herdeiro, pode vir a

herdar os bens da vítima.

Assim, atribui-se, por esta iniciativa, ao juiz criminal a possibilidade de declarar na sentença condenatória,

nos casos de homicídio doloso — e isto de forma coerente com o que está previsto no quadro do Código Civil

— a indignidade sucessória do condenado.

Ora, reconhecendo que o juiz poderá não o fazer — é uma mera possibilidade, nomeadamente se não

estiver munido de factos que o levem a esse fim —, procede-se a uma alteração coerente, articulada, ao nível

do Código Civil, exatamente no sentido de manter aberta a porta à via de ação cível para esse efeito.

Portanto, nos casos em que a indignidade não tenha sido decretada, estabelece-se, assim, a

obrigatoriedade de que tal condenação seja comunicada ao Ministério Público, por um lado, enquanto que, por

outro, se confere ao Ministério Público legitimidade para intentar a ação de indignidade, nos casos em que o

único herdeiro seja o sucessor afetado pela indignidade.

Naturalmente que a central motivação subjacente a estas iniciativas — o crime de homicídio em casos de

violência doméstica — não se compraz apenas com iniciativas desta ordem, que, no fundo, vão ao encontro

de uma necessidade de justiça social, como muito bem referiu a Sr.ª Deputada do Partido Socialista.

Por isso mesmo, e não obstante ser o meu dever reconhecer que muito está a ser feito e todos nós bem o

sabemos, é fundamental, no mesmo sentido e com o mesmo grau de preocupação, reconhecer aqui a

necessidade de se aprofundar o estudo deste fenómeno, de identificar as suas causas, as suas motivações,

não apenas a título de curiosidade científica, mas pela real necessidade de acrescentar pesquisa e informação

útil em tarefas de ordem prática da maior importância, como seja a avaliação do risco, o trabalho com os

agressores — muito importante —, a maior capacidade de proteger a vítima, pela efetiva necessidade de

garantir uma maior eficácia na sua prevenção.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe,

do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em breves palavras, queríamos, em

primeiro lugar, saudar as iniciativas legislativas aqui apresentadas sobre esta matéria e, naturalmente, saudar

os autores por terem, tomado estas iniciativas com que nós, evidentemente, estamos de acordo. Quer-nos

parecer que se trata da reparação de injustiças que podem ocorrer.

De facto, não faz o mínimo sentido admitir que alguém que tenha sido condenado por homicídio possa vir a

beneficiar, por via sucessória, desse mesmo homicídio que cometeu. Portanto, tem todo o cabimento que se

consagrem na lei mecanismos de reconhecimento da indignidade sucessória, para além dos casos que já

estão previstos no Código Civil, que dependem, evidentemente, da ação cível por parte de outros sucessíveis

que estejam interessados em invocar a indignidade sucessória de alguém.

Esse mecanismo é hoje manifestamente fraco para prevenir o que deve ser prevenido e para reparar essa

flagrante injustiça que pode ocorrer.

Quer-nos parecer que as iniciativas legislativas que estão apresentadas merecem consideração, mesmo

também, evidentemente, o aditamento constante do projeto de lei do PSD e do CDS relativamente ao projeto

que tinha sido anteriormente apresentado pelo Partido Socialista e que, do nosso ponto de vista, faz todo o

sentido que seja discutido porque, de facto, existe essa possibilidade. Está prevista no projeto de lei a

incumbência do Ministério Público de atuar na ação cível em situações em que não haja outros sucessíveis

que possam atuar e, portanto, ser o Ministério Público a fazê-lo, impedindo que haja a possibilidade de o

homicida vir a suceder, em termos patrimoniais, à vítima.

Também compreendemos que esta medida seja apresentada, tendo fundamentalmente em atenção os

casos de violência doméstica. Dir-se-á que não é o único caso, que há outras situações. Seguramente haverá.

Poderá haver também homens que sejam vítimas, poderá haver. Poderá haver casos em que vítima e

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homicida não sejam cônjuges, pode. Mas as estatísticas esmagam-nos. De facto, quando verificamos que a

grande maioria dos casos resultam de violência contra as mulheres, de violência doméstica, não podemos

deixar de considerar esta iniciativa como algo que tem fundamentalmente em atenção essa realidade. Não

exclui nem desvaloriza outras, mas nós também não podemos desvalorizar o drama terrível que a violência

doméstica tem vindo a assumir na sociedade portuguesa e, nesse sentido, é muito justo que as iniciativas

sejam apresentadas, visando intervir, de forma radical, sobre essa trágica realidade que afeta a nossa

sociedade.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Moreira (PS): — Muito bem!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Catarina Marcelino. Ainda dispõe de 8 segundos.

A Sr.ª Catarina Marcelino (PS): — Sr. Presidente, vou ser muito sintética.

Queria apenas dizer ao Sr. Deputado do PSD que lamento, de algum modo, que o Sr. Deputado trate de

forma tão redutora a violência doméstica…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Não foi nada disso!

A Sr.ª Catarina Marcelino (PS): — … um fenómeno que afeta gravemente a sociedade portuguesa.

Parece-nos que o importante nesta questão é encontrarmos uma solução que permita que todos nós,

independentemente do grupo parlamentar a que pertencemos, possamos contribuir para uma melhoria

legislativa em nome de quem, na morte, tem o direito de ser protegido e protegida nos seus direitos mais

elementares.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado Carlos Peixoto, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, pedi a palavra para exercer a defesa da honra, porque a

Sr.ª Deputada disse que eu tratava de forma redutora os casos de violência doméstica. Isso é, naturalmente,

uma ofensa.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Se o Sr. Deputado se considera ofendido, faça favor de defender,

então, a sua honra.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, como compreende — e acho que me deve

conceder esse benefício —, o monopólio da defesa das vítimas da violência doméstica não assenta só a si

nem só ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

É óbvio que eu nunca desvalorizei as vítimas da violência doméstica. Aquilo que eu disse, até depois de

um debate na 1.ª Comissão onde a Sr.ª Deputada não esteve — e deveria ter estado —, foi que a exposição

de motivos do vosso projeto de lei só falava do crime de homicídio.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Tem de terminar, Sr. Deputado. Penso que já ficou clara a sua

defesa da honra.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, só para concluir, gostaria de dizer que foi o próprio Partido

Socialista, pela voz do Sr. Deputado Pita Ameixa, que concordou, na altura, que a abrangência do projeto de

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lei era demasiado grande para se confinar apenas aos casos de violência doméstica, que, naturalmente, são

aqueles que estatisticamente mais nos preocupam.

Mas não é legítimo que a Sr.ª Deputada diga que desvalorizo os crimes de violência doméstica. Não

desvalorizo.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É isso que a Sr.ª Deputada tem de me conceder e tem a oportunidade de o

corrigir nas explicações que poderá dar a seguir, se o Sr. Presidente permitir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr.ª Deputada Catarina Marcelino, pretende dar explicações?

A Sr.ª Catarina Marcelino (PS): — Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, está, assim, concluída a discussão conjunta, na

generalidade, dos projetos de lei n.os

632/XII (3.ª) (PS), 653/XII (4.ª) (PSD e CDS-PP) e 662/XII (4.ª) (BE) e,

com isto, a ordem do dia de hoje.

A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, da qual constarão seis pontos.

Num primeiro ponto, far-se-á a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 240/XII (3.ª) — Procede à

vigésima primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável

ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, aditando a substância alfa-

fenilacetoacetonitrilo à tabela anexa V.

O segundo ponto consta do debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 241/XII (3.ª) — Aprova o regime

jurídico específico aplicável ao Centro de Análise e Operações Marítimas – Narcóticos, estabelecido por

Acordo aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 2/2009, de 2 de fevereiro, nomeadamente

no que respeita às prerrogativas atribuídas às suas instalações em território português.

Faremos, num terceiro ponto, a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 243/XII (3.ª) —

Procede à primeira alteração à Lei n.º 66-A/2007, de 11 de dezembro, que define as competências, modo de

organização e funcionamento do Conselho das Comunidades Portuguesas, e o projeto de lei n.º 657/XII (4.ª)

— Conselho das Comunidades Portuguesas (Primeira alteração à Lei n.º 66-A/2007, de 11 de dezembro, que

define as competências, modo de organização e funcionamento do Conselho das Comunidades Portuguesas)

(PCP).

Segue-se um quarto ponto, com a apreciação conjunta, na generalidade, dos projetos de lei n.os

634/XII

(3.ª) — Primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, que regulamenta a Lei n.º 62/2013, de

26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), e estabelece o regime aplicável à organização e

funcionamento dos tribunais judiciais (PCP) e 652/XII (4.ª) — Primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de

27 de março, que procede à regulamentação da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do

Sistema Judiciário), e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais

(PS).

Num quinto ponto, discutiremos, na generalidade, o projeto de lei n.º 654/XII (4.ª) — Pelo aumento imediato

do salário mínimo nacional para 545 € (BE).

Finalmente, um sexto ponto constará da apreciação, em conjunto, da petição n.º 323/XII (3.ª) —

Apresentada por José Alberto Pires Galrinho e outros, solicitando à Assembleia da República que reconheça a

necessidade da categoria de Enfermeiro Especialista na Carreira Especial de Enfermagem, e do projeto de

resolução n.º 1114/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo o reconhecimento da categoria de Enfermeira/o

Especialista bem como a sua integração na carreira especial de enfermagem.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 57 minutos.

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Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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