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Sábado, 18 de outubro de 2014 I Série — Número 15
XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)
REUNIÃOPLENÁRIADE17DEOUTUBRODE 2014
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves
Secretários: Ex.mos
Srs. Pedro Filipe dos Santos Alves Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
S U M Á R I O
A Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 10
minutos. Procedeu-se à eleição de um Vice-Presidente e de um
Vice-Secretário da Mesa da Assembleia da República. Foi discutida, na generalidade, tendo sido aprovada, a
proposta de lei n.º 249/XII (4.ª) — Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, transpondo a Diretiva 2014/86/UE, do Conselho, de 8 de julho de 2014, que altera a Diretiva 2011/96/EU, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes, adequando ainda o regime especial de tributação de grupos de sociedades à jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia. Intervieram, além do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Paulo Núncio), os Deputados Paulo Sá (PCP), João Galamba (PS), Cristóvão Crespo (PSD), Pedro Filipe Soares (BE) e Vera Rodrigues (CDS-PP).
Procedeu-se, conjuntamente, ao debate sobre as prioridades da Presidência italiana do Conselho da União Europeia, ao debate referente ao relatório anual do Governo sobre a participação de Portugal na União Europeia relativo ao ano de 2013 e ao debate preparatório do próximo Conselho Europeu, a realizar nos dias 23 e 24 de outubro,
ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia. Usaram da palavra, a diverso título, além do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Bruno Maçães), os Deputados Vitalino Canas (PS), Miguel Tiago (PCP), António Rodrigues (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), Mariana Mortágua (BE), José Ribeiro e Castro (CDS-PP), Carla Cruz (PCP), Gabriel Côrte-Real Goucha (PSD), Bravo Nico (PS), Pedro Filipe Soares (BE), Nuno Magalhães (CDS-PP), Ana Catarina Mendonça (PS) e Carlos Costa Neves (PSD).
Foi aprovado o Orçamento da Assembleia da República para 2015.
O projeto de resolução n.º 1116/XII (4.ª) — Dia Nacional das Linhas de Torres (PSD, PS e CDS-PP) foi também aprovado, tendo o Deputado António Rodrigues proferido uma declaração de voto.
O texto de substituição, apresentado pela Comissão de Agricultura e Mara, relativo ao projeto de resolução n.º 1115/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo que, no processo negocial com as instituições europeias, dê prioridade à atribuição e consolidação de maiores recursos para Portugal em termos de captura, cultura e engorda de atum rabilho, bem como quanto às atinentes quotas (PS) foi aprovado.
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Foi rejeitado o projeto de resolução n.º 1118/XII (4.ª) — Recomenda a implementação urgente de medidas de apoio à infância (BE).
Os projetos de lei n.os
527/XII (3.ª) — Proíbe a cobrança, pelas instituições de crédito, de comissões, despesas ou outros encargos pela manutenção de contas de depósito à ordem (PCP), 529/XII (3.ª) — Assegura o acesso dos cidadãos aos serviços mínimos bancários gratuitos e limita a cobrança de despesas de manutenção de conta por parte das instituições de crédito (altera o Decreto-Lei n.º 27-C/2000, de 10 de março, e o Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro) (BE) e 532/XII (3.ª) — Cobrança de Comissões e outros encargos pelas Instituições de Crédito e
Sociedades Financeiras devidas pela prestação de serviços aos consumidores (PS) foram rejeitados, na generalidade.
Foi debatido o Relatório da Comissão Parlamentar de Inquéritoaos Programas Relativos à Aquisição de Equipamentos Militares (EH-101, P-3 Orion, C-295, torpedos, F16, submarinos, Pandur II), tendo usado da palavra, além do Presidente da Comissão, Deputado Telmo Correia (CDS-PP) e da Relatora, Deputada Mónica Ferro (PSD), os Deputados João Semedo (BE), José Magalhães (PS), António Prôa (PSD), Jorge Machado (PCP) e Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP).
O Presidente (António Filipe) encerrou a sessão às 13 horas e 36 minutos.
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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Sr.ª Secretária de Estado, Sr. Secretário de Estado, Srs. Jornalistas,
Srs. Funcionários, está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 10 minutos.
Podem ser abertas as galerias.
Srs. Deputados, antes de iniciarmos o primeiro debate de hoje, cabe-me informar o Plenário de que está a
decorrer, na Sala D. Maria, a eleição de um Vice-Presidente e de um Vice-Secretário da Mesa da Assembleia
da República.
Na nossa ordem do dia estão inscritos, nos pontos 2 e 3, respetivamente, o Orçamento da Assembleia da
República para 2015 e o projeto de resolução n.º 1116/XII (4.ª) — Dia Nacional das Linhas de Torres (PSD, PS
e CDS-PP), que não têm tempos atribuídos, pelo que passamos ao ponto 4.
Vamos, então, dar início ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 249/XII (4.ª) — Altera o Código
do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de
novembro, transpondo a Diretiva 2014/86/UE, do Conselho, de 8 de julho de 2014, que altera a Diretiva
2011/96/UE relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-
membros diferentes, adequando ainda o regime especial de tributação de grupos de sociedades à
jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia, dispondo o Governo, como autor da
iniciativa, de mais 1 minuto.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Paulo Núncio): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs.
Deputados: O Governo concretizou, no início de 2014, uma profunda e abrangente reforma do IRC, com os
objetivos principais de promoção do investimento produtivo, de simplificação do imposto e de reforço da
competitividade das empresas portuguesas.
Esta reforma mereceu, quer ao longo do processo da sua aprovação quer após a sua entrada em vigor, um
amplo e manifesto apoio por parte da esmagadora maioria das entidades e instituições nacionais e
internacionais que sobre ela se pronunciaram.
Recordo ainda que, além do consenso social que foi possível alcançar durante a discussão pública da
reforma do IRC, esta reforma reuniu ainda um amplo consenso político, que o Governo considerou, desde o
primeiro momento, como fundamental para garantia da estabilidade fiscal e, consequentemente, para
promoção do investimento.
As alterações hoje apresentadas têm na sua génese, além de questões de ordem formal no tocante à
tributação das empresas, imposições de natureza europeia em matéria de tributação direta a que Portugal,
enquanto Estado-membro da União Europeia, se encontra vinculado, como sejam as diretivas europeias e as
decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Realço que no plano da tributação direta, em que o IRC se integra, a regulamentação e a jurisprudência
emanadas dos órgãos competentes da União Europeia têm sido orientadas por dois principais vetores: por um
lado, o da garantia do bom funcionamento do mercado interno, no sentido da eliminação de quaisquer
distorções das condições de concorrência da União Europeia, e, por outro lado, o do combate à fraude e
evasão fiscais a nível europeu.
Neste âmbito, propõe-se, na presente proposta de lei, a transposição para a legislação nacional de uma
diretiva europeia que altera as regras em matéria de tributação dos lucros distribuídos por sociedades de um
Estado-membro aos seus acionistas de outro Estado-membro. Esta alteração tem como principal objetivo
eliminar as situações de dupla não-tributação deste tipo de rendimentos e evitar práticas de evasão fiscal.
Esta diretiva, vinculativa para todos os Estados-membros da União Europeia, foi publicada no Jornal Oficial
da União Europeia no dia 25 de julho de 2014, tendo entrado em vigor no dia 14 de agosto de 2014.
O Governo, considerando essencial a transposição destas normas, propõe a sua entrada em vigor ainda
durante este ano. Desta forma, e coerentemente com a reforma do IRC, que já introduziu normas antiabuso
para combater situações de dupla não-tributação, o Governo dá mais um passo significativo no sentido de
reforçar o combate à fraude e evasão fiscais nesta matéria.
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Adicionalmente, são introduzidas alterações em matéria de tributação dos grupos de empresas na
sequência de uma decisão recente, proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e publicada no Jornal
Oficial da União Europeia no dia 25 de agosto. Pretende-se, com esta alteração, dar cumprimento à decisão
do Tribunal de Justiça, conformando o direito nacional com o direito da União Europeia, da mesma forma que
se reforça a competitividade fiscal dos grupos económicos a operar em Portugal, criando-se melhores
condições para a atração de investimento direto estrangeiro.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Muito obrigada, Sr. Secretário de Estado.
Srs. Deputados, a Mesa aguarda inscrições.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá, do PCP, para uma intervenção.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo do PSD
e do CDS tem vindo a acentuar a opção política de anteriores governos de concentrar o esforço fiscal sobre os
trabalhadores através da tributação dos seus rendimentos e consumo, ao mesmo tempo que alivia a tributação
do capital.
Com a presente iniciativa legislativa, o Governo afirma pretender transpor para a ordem jurídica interna
uma alteração à diretiva europeia relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e às
sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes, de forma a suprimir a possibilidade de uma dupla não-
tributação de que resultariam benefícios fiscais indevidos. Temos dúvidas que este objetivo tenha sido sequer
atingido. Na realidade, o que o Governo faz, a coberto da transposição desta diretiva europeia, é aprofundar a
injustiça fiscal ao alargar o conjunto de rendimentos que, existindo e contando para a distribuição de lucros
dos grupos económicos e/ou financeiros, são excluídos do apuramento do imposto a pagar pelas mesmas
entidades.
O Governo tem tentado transmitir a ideia de que a taxa efetiva de imposto pago pelos grandes grupos
económicos é muito elevada, até em comparação com outros setores e empresas de menor dimensão,
tentando ocultar que uma parte cada vez mais significativa do lucro contabilístico desses grupos económicos
deixou de ser considerada lucro tributável.
De acordo com dados da própria Autoridade Tributária, em 2012, no setor financeiro apenas 49% do lucro
contabilístico foi considerado lucro tributável; no setor energético essa percentagem era de 51%. Desta forma,
compreende-se que as taxas efetivas de imposto pago pelas empresas dos setores bancários e energéticos se
apresentem muito elevadas. Mas são só elevadas na aparência, visto que uma parte considerável dos lucros
deixa de ser sujeita a tributação.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Com a aprovação, há um ano, da chamada reforma do IRC, a diferença entre os
resultados que contam para o apuramento do imposto e os verdadeiros resultados, que contam para a
distribuição dos lucros pelos acionistas, irá crescer e, se as estatísticas tributárias ainda não o permitem
observar, a partir de 2015 essa realidade será indesmentível.
Se o novo regime de tributação dos grupos económicos passou a acentuar a fuga fiscal de parte dos
rendimentos desses grupos, vem agora o Governo, de mãos dadas com a Comissão Europeia e o Tribunal de
Justiça Europeu, afirmar e concluir que esse regime também tem de ser aplicado àqueles grupos económicos
e financeiros que, estando em Portugal, transferiram as suas sedes — as ditas sociedades-mães — para
autênticos paraísos fiscais no seio da própria União Europeia, com o objetivo de fugir aos impostos devidos
em Portugal. Para que não fiquem dúvidas sobre quem nos estamos a referir, chamemo-los pelos nomes:
Jerónimo Martins, EDP, Galp, Sonae, BPI, BCP, Portucel, Brisa, entre outros.
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Se o Governo quisesse assumir o objetivo político de aumento da justiça fiscal, pondo aqueles que mais
têm e mais podem a contribuir adequadamente para o financiamento do Estado, viria aqui propor medidas que
aproximassem ou fizessem coincidir o chamado lucro tributável — aquele que conta para o apuramento do
imposto — com o lucro contabilístico. Mas não é esta a opção do Governo, que orienta a sua política fiscal no
sentido de onerar cada vez mais os trabalhadores, os reformados, as famílias e as micro e pequenas
empresas, ao mesmo tempo que favorece de forma escandalosa os grandes grupos económicos e financeiros.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Galamba, do PS.
O Sr. João Galamba (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Esta
proposta de lei é bem-vinda e, embora diga respeito a uma alteração de pormenor de uma diretiva, é uma
alteração que aponta no bom sentido. Mas, infelizmente, esta parece ser a única boa notícia que o Sr.
Secretário de Estado tem em matéria de IRC, pelo menos do ponto de vista do PS.
É que se é verdade que esta alteração avança no sentido correto e de facto, como referiu, previne algumas
situações de dupla não tributação, para combater verdadeiramente a não-tributação era preciso agir também
do outro lado. Contudo, não vejo grande vontade deste Governo nem do Sr. Secretário de Estado nesse
sentido, defendendo, por exemplo, taxas mínimas de IRC e outras coisas do género. Podemos criar todas
estas normas, mas se se mantiver a concorrência fiscal entre os Estado não será muita a taxa de imposto que
restará para as empresas pagarem. E esta é, no entender do Partido Socialista, a matéria mais importante.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Crespo, do PSD.
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as
e Srs. Deputados: As
minhas primeiras palavras são para referir o consenso que o Partido Socialista tem dado em relação à questão
da tributação do IRC, que consideramos muito relevante em termos de perspetiva económico-financeira para o
País e para as empresas. Portanto, registamos e assinalamos este nível de compromisso por parte do Partido
Socialista.
Tendo nós a noção de que o IRC é um imposto não uniformizado no espaço da União Europeia, há
necessidade que as questões de tributação dos grupos de sociedades e das filiais sejam compatibilizadas e
que seja concedida e assegurada a liberdade de estabelecimento no espaço europeu.
O que esta proposta de lei nos traz hoje é a adaptação da legislação nacional às diretivas da União
Europeia e às decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
A Diretiva 2011/96/UE isentava de imposto retido na fonte os dividendos e outros benefícios distribuídos
por subsidiárias das suas empresas-mãe e eliminava a dupla tributação de tais rendimentos na controladora.
Aquilo que se pretende nesta adequação, nesta transposição da diretiva, é que as vantagens decorrentes
dessa diretiva não possam conduzir a situações de dupla não-tributação e, por outro lado, que possa também
haver a possibilidade da comparabilidade entre os grupos, evitando, assim, situações de assimetria no
tratamento fiscal, permitindo um melhor controlo dos benefícios fiscais e, de alguma forma, o combate à fraude
e evasão fiscais.
Portanto, Srs. Deputados e Srs. Secretários de Estado, penso que esta é uma matéria relevante e que,
pelo importante consenso obtido, mais uma vez vai no sentido correto em relação àquilo que é a tributação
direta e a tributação das empresas no espaço económico português.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco
de Esquerda.
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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr. Secretário de Estado,
Sr.as
e Srs. Deputados: A iniciativa legislativa que o Governo traz hoje a debate prende-se com a tentativa
europeia, que o Governo acompanha com este diploma, de tentar fechar a janela numa matéria em que tem a
porta escancarada, que é da política de concorrência fiscal entre os Estados, da qual o IRC é o maior
exemplo.
É verdade que na União Europeia, mas também na forma como os diversos países dentro da zona euro
agem com países terceiros, há concorrência fiscal clara e inequívoca. Basta ver que os grandes grupos
económicos nacionais do PSI 20 têm todos a sua sede fiscal na Holanda, o que não acontece por acaso.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Bem lembrado!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — De facto, existe uma concorrência fiscal. E se considerarmos que a
mesma é combatida apenas e só por esta iniciativa do Governo, ou por esta iniciativa europeia, que é a mãe
de todas as alterações que vão acontecer em todos os Estados-membros, então, todos percebemos que nada
de substancial irá mudar, porque o problema subsiste.
Ora, esse problema decorre de uma visão europeia que coloca os Estados uns contra os outros, utilizando
a receita fiscal como um dos fatores a abater. Não é por acaso que o Governo tem visto na baixa do IRC uma
forma, diz o Governo, de tentar trazer para Portugal investimento estrangeiro. O Sr. Secretário disse o mesmo
ainda agora, na sua intervenção inicial, e não foi por acaso, porque é, de facto, essa a escolha que diversos
governos têm levado por diante como forma de concorrerem entre si para trazerem investimento.
Haveria outras, como, por exemplo, a melhoria das competências de cada um dos países, a melhoria da
investigação, a melhoria da capacidade de ter um tecido industrial forte, que seja, de facto, dinamizador e, com
isso, criação de emprego, mas é verdade que não só este Governo como outros têm antes colocado em cima
da mesa a concorrência fiscal do que o investimento real no País. A prova disso é o desastre que temos tido,
do ponto de vista de investimento no nosso País, ao longo dos últimos anos.
É assim que vemos que este desenvolvimento europeu é tudo menos harmonioso, e a salvaguarda da
equidade fiscal que o Bloco de Esquerda propôs neste Parlamento, e na qual vai insistir neste Orçamento do
Estado, não só é necessária, é indispensável.
É que vemos que há empresas que, por terem capacidade de investir em mecanismos de engenharia
financeira, estão em condições de concorrer de forma muito mais forte contra outras que não têm essa
capacidade de engenharia financeira, ou seja, de agirem em cima das regras que são permitidas a nível
nacional e europeu para poderem ter uma mais-valia não por produzirem melhor, não por terem mais
competências, não por serem mais eficazes mas, sim, porque têm alguém que os aconselha melhor sobre
como fugir ao pagamento de impostos.
É com esta realidade que devemos acabar e é no caminho de termos uma equidade fiscal dentro do País e
dentro de toda a União Europeia que devíamos trabalhar. Percebemos que é um passo ténue que é dado com
esta medida, que não resolve, de forma nenhuma, do nosso ponto de vista, o problema essencial, que
continua a permanecer sem qualquer solução, quer por parte do Governo, quer por parte de todos os países
da União Europeia.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Muito bem.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vera Rodrigues, do CDS-PP.
A Sr.ª Vera Rodrigues (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Há uma
equação, Sr. Secretário de Estado, que a esquerda radical deste Parlamento continua sem perceber,…
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Mas que a direita radical percebe, não é?
A Sr.ª Vera Rodrigues (CDS-PP): — … que só há emprego, só há riqueza, só há mais postos de trabalho,
só há mais investimento e só há ganhos de competitividade se, efetivamente, houver investimento privado.
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Esta equação, na linguagem do Bloco de Esquerda e do PCP, só existe se o investimento for público e,
portanto, só existe se houver mais impostos, mais défice e mais dívida.
Protestos do PCP, do BE e do Deputado do PS João Galamba.
De facto, 2014 foi o ano do IRC, e a reforma profunda que foi feita, felizmente também com o apoio do
Partido Socialista, vai no sentido de fazer uma alteração significativa àquilo que era a política fiscal que vinha
sendo seguida.
Efetivamente, esta reforma do IRC permite uma maior previsibilidade, permite uma maior simplificação e
permite a descida de taxas de imposto, e esta sequência é, para nós, fundamental no que toca à atração de
investimento, tão relevante para o processo de retoma económica do País.
Quanto a esta transposição, ela parece-nos relativamente simples e, obviamente, deve-se à necessidade
de acomodarmos aquilo que é o Código do IRC com esta harmonização que aqui nos é sugerida.
É evidente que, não havendo um imposto sobre rendimento coletivo harmonizado ao nível da União
Europeia, é relevante, quanto à tributação das sociedades que têm relação de grupo, que haja mecanismos
que permitam eliminar a dupla tributação ou, pelo contrário, a dupla não-tributação, impedindo, portanto, que
haja benefícios fiscais indevidos, e, por outro lado, naturalmente, suprimir as assimetrias, as discriminações e
também, no limite, eliminar a fraude e a evasão fiscal, que é uma nota bem característica deste Governo.
Aplausos do CDS-PP.
Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.
A Sr.ª Presidente: — Por enquanto, não existem inscrições na Mesa. Não sei se mais alguém pretende
inscrever-se para intervir.
A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade pede a palavra para que feito?
A Sr.ª SecretáriadeEstadodosAssuntosParlamentaresedaIgualdade (Teresa Morais): — Sr.ª
Presidente, é para inscrever o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para uma intervenção.
A Sr.ª Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. SecretáriodeEstadodosAssuntosFiscais: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, no pouco tempo
de que disponho, quero referir três ou quatro aspetos.
Em primeiro lugar, da intervenção do Partido Comunista ficou a ideia de que o Governo tomou a opção de
não transpor diretivas europeias ou de não cumprir acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia. Srs.
Deputados, se calhar era preferível, de uma forma mais direta, aconselhar o Governo a sair da União Europeia
para não ter essas obrigações,…
Aplausos do PSD.
… as quais decorrem do facto de Portugal, e bem, ser Estado-membro da União Europeia e, por isso, estar
vinculado, como os outros estados, ao cumprimento da legislação comunitária.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, com toda a convicção e toda a firmeza, que os bancos
pagam hoje uma taxa efetiva de tributação de 30%, a taxa mais elevada de sempre, e que houve um aumento
de 100% da tributação efetiva dos bancos.
O Sr. João Oliveira (PCP): — O lucro tributável é menos de metade do lucro contabilístico!
O Sr. SecretáriodeEstadodosAssuntosFiscais: — Sei que este argumento, baseado em factos
oficiais, não interessa muito ao Partido Comunista, colocando-lhe problemas de argumentação.
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No entanto, o que é certo, e reafirmo, é que, com base em dados oficiais, os bancos hoje sofrem uma
tributação efetiva de 30%, a mais elevada de sempre. E este é um elemento essencial, em termos de
equidade social, porque as grandes empresas, nomeadamente o setor financeiro, devem ser chamadas, como
o Governo sempre disse, a pagar uma tributação acrescida na altura e no momento que o País está a
atravessar.
Protestos do PCP.
Em terceiro lugar, relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado do Partido Socialista, em termos
europeus — e Portugal acompanha esse esforço — o combate à fraude e à evasão fiscal fazem-se em dois
planos: num primeiro plano, legislativo, transpomos a diretiva; num segundo plano com a aprovação de um
acordo que vai ser inovador e que será assinado no mês de outubro entre todos os Estados-membro da União
Europeia, no sentido de pela primeira vez se institucionalizar a troca automática de informações entre as
administrações fiscais. Estou convencido de que esse acordo será um passo muito importante, decisivo, no
reforço do combate à fraude a nível europeu, nomeadamente em matéria de IRC.
Finalmente, em relação à pergunta colocada pelo Bloco de Esquerda, de facto, a nível europeu e em
matéria de tributação direta, em termos académicos, a questão pode colocar-se em dois planos: ou numa
lógica de concorrência entre os Estados-membros ou numa lógica de harmonização. Sr. Deputado — e falo
em nome pessoal —, em termos de tributação direta, sou muito mais favorável à concorrência do que à
harmonização, porque entendo que a tributação direta faz parte do núcleo de competências soberanas dos
Estados-membros que não devem ser harmonizadas a nível europeu.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Galamba.
O Sr. João Galamba (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, ainda bem que nos esclarece
sobre esta sua posição, que, como está no Parlamento a falar em nome do Governo, não é uma posição
pessoal, é uma posição do Governo português.
É por essa razão que o Partido Socialista não acompanhará o Governo na descida da taxa de IRC este
ano. De facto, temos uma visão radicalmente diferente da que tem o Governo em matéria de IRC e
consideramos, ao contrário do Sr. Secretário de Estado, que a concorrência fiscal não é um ato de soberania,
mas é, na realidade, a sua negação e acabará com a capacidade prática dos Estados cobrarem qualquer
imposto a uma empresa.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, não há mais inscrições para este debate.
Sendo assim, vamos prosseguir com o ponto 5 da ordem do dia. Despeço-me do Sr. Secretário de Estado
dos Assuntos Fiscais e, como o debate que se segue conta também com a participação do Governo,
cumprimento o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, que já se encontra junto de nós.
Srs. Deputados, a Conferência de Líderes assumiu a convergência temática dos temas que integram o
ponto 5 da ordem de trabalhos, pelo que, conjuntamente, procederemos ao debate sobre as prioridades da
presidência italiana do Conselho da União Europeia, ao debate referente ao relatório anual do Governo sobre
a participação de Portugal na União Europeia relativo ao ano de 2013 e ao debate preparatório do Conselho
Europeu a realizar nos dias 23 e 24 de outubro, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de
Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de
Construção da União Europeia.
Para proceder à sua abertura, dou a palavra ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Bruno Maçães): — Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: Os três temas têm, de facto, uma coerência. Sugeria que começássemos pelo
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balanço da participação de Portugal na UE em 2013, que passássemos, depois, às prioridades da presidência
italiana e terminássemos com o Conselho Europeu. É essa a lógica cronológica dos vários temas.
No que diz respeito ao ano de 2013 na União Europeia, talvez valha a pena começar por salientar a
importância da emergência de candidatos das várias famílias políticas europeias a Presidente da Comissão, o
chamado spitzen candidaten ou candidato líder. O processo decorreu ao longo de vários meses e cominou
com a escolha de Jean Claude Juncker.
Julgo que os primeiros resultados do processo são muito positivos, mas, como sabem, existe o projeto e o
plano de reavaliar o sistema de escolha do Presidente da Comissão no Conselho, quando tivermos uma ideia
mais clara das vantagens e desvantagens do novo sistema.
Também gostava de salientar a iniciativa sobre o Estado de direito, onde se procura operacionalizar um
novo instrumento, sem o peso excessivo das sanções nucleares do artigo 7.º — Suspensão de direitos de
voto, que nos permita salvaguardar os princípios democráticos e os valores fundamentais no interior da União.
Se temos esses princípios quando se trata de processos de alargamento, temos de os ter também aplicados a
Estados que já são membros da União.
No que diz respeito à nossa participação no ano de 2013 na União Europeia, há dois ou três temas que
merecem um destaque especial, embora a lista seja, de facto, muito longa.
Começaria pelo quadro financeiro plurianual, onde temos razões para estarmos muito satisfeitos com o
resultado obtido ao longo do processo de negociação. Portugal obteve uma redução do seu orçamento de
fundos estruturais, mas uma redução proporcionalmente muito menor do que a redução do orçamento europeu
no seu conjunto. Era esse o objetivo inicial, que foi realizado.
Depois da aprovação dos montantes globais do novo quadro financeiro plurianual, passámos à negociação
sobre o acordo de parceria, que foi concluída em julho de 2014 e Portugal foi um dos primeiros Estados-
membro a aprovar o seu acordo de parceria.
Estamos, agora, no processo de aprovar os programas operacionais. Alguns já foram aprovados e em
breve serão aprovados os restantes para podermos começar a executar os fundos no prazo mais rápido
possível. E julgo que foi bem mais rápido do que o prazo que foi cumprido no quadro financeiro anterior.
O segundo tema fundamental para Portugal é a união bancária. Estamos também aqui num momento
decisivo. Os resultados dos testes de stress levados a cabo pelo BCE serão conhecidos já no dia 26 deste
mês de outubro. Esse momento marcará a transição para uma fase nova na supervisão bancária europeia, em
que essa supervisão deixa de ser feita a nível nacional e passa a ser feita a nível europeu, com os resultados
importantes que isso tem, nomeadamente criando regras iguais para os vários sistemas bancários e
colocando-os numa trajetória de integração progressiva. O objetivo é que tenhamos um sistema bancário
europeu tão rápido quanto possível, na Europa. Não é possível ter uma política monetária comum sem um
sistema bancário integrado.
A fase seguinte é criar não só um sistema bancário integrado mas mercados de capital integrados. Não se
trata apenas de garantir que o financiamento bancário obedece a regras comuns, a Europa precisa também de
criar financiamento extra bancário, mercado de capitais, que possa funcionar a nível europeu.
Deixarei para o fim a questão da energia, porque diz respeito ao Conselho Europeu de outubro, à reunião
da próxima semana.
No que diz respeito às relações externas, foi um ano importante, como sabemos, e que continuou em 2014.
Quanto às sanções a propósito da crise ucraniana e da crise russa, defendemos, como é público, que
essas sanções têm de ser desenhadas de um modo inteligente para que o seu impacto seja o mais reduzido
possível dentro da União e o mais eficaz possível na alteração da política externa russa.
No que diz respeito à política europeia para África, Portugal teve também um papel muito importante, que,
de resto, já remonta a 2007, na implementação da estratégia comum UE-África — realizámos uma cimeira em
Bruxelas, em abril de 2014, para a qual Portugal contribuiu com um documento estratégico próprio.
Desenvolvemos também o diálogo do Mediterrâneo Ocidental, sobretudo no Grupo 5+5 e contribuímos
para os desenvolvimentos mais recentes no processo de paz do Médio Oriente.
Passaria, agora, às prioridades da presidência italiana. Essas prioridades constam de um documento
publicado pela presidência e são sobretudo três: primeiro, o crescimento e o emprego; segundo, a cidadania
na Europa e, sobretudo, a questão das migrações; terceiro, a política externa europeia e o modo como essa
política pode ser reforçada.
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No que diz respeito à política económica e à política de crescimento e emprego, acolhemos com satisfação
o programa de investimento anunciado pelo novo Presidente eleito, Juncker, no montante de 300 000 milhões
de euros. A task force desenhada para encontrar as novas áreas prioritárias para este novo programa de
investimento começou a trabalhar há uma ou duas semanas e a nossa participação é assegurada pelo
Secretário de Estado das Finanças.
É importante desenvolver um programa que tenha um âmbito nacional, que permita encontrar as melhores
soluções depois de um processo de diálogo com os parceiros sociais, e é importante também que saibamos,
desta vez, escolher as prioridades inteligentes, bem desenhadas e bem direcionadas para o investimento
público. O investimento público tem, evidentemente, um papel a desempenhar, um papel de catálise do
investimento privado, de atração do investimento privado e de preenchimento daqueles bloqueios que existem
e não podem ser preenchidos pelo investimento privado. Mas tem de ser um papel inteligente e estratégico.
No que diz respeito à política de combate ao desemprego, tivemos, no passado dia 8, a terceira Cimeira
sobre o Emprego Jovem. Julgo que Portugal é um bom exemplo de como as políticas europeias de emprego
podem ter resultados. A queda do desemprego em Portugal resulta, também, da mobilização dos recursos da
política europeia de combate ao desemprego e Portugal, nesse ponto de vista, é talvez o melhor exemplo de
como a política europeia de combate ao desemprego pode ter resultados e relativamente rápidos.
Quanto à segunda prioridade, a questão das migrações, por um lado, temos de garantir que a livre
circulação dentro da União Europeia continue a ser um direito sem exceções e sem limitações — apenas 4%
da população total da União Europeia vive fora do seu país de origem, o que é um número demasiado baixo —
e, por outro, temos de garantir que a imigração de fora da União Europeia obedeça a um sistema europeu
integrado, nomeadamente a um sistema europeu de asilo que seja verdadeiramente integrado, que não tenha
disfunções e contradições internas, e que o Frontex, como agência europeia de controlo e gestão das
fronteiras externas, possa ser reforçado, de um modo que acolha o consenso dos vários Estados-membros.
Em terceiro lugar, igualmente importante é a cooperação com os países de origem e trânsito de migrantes,
para o que teremos também, no fim de novembro, uma reunião importante em Roma, para prosseguir o
processo de Rabat.
Finalmente, quanto à política externa, sobre a qual já fiz algumas reflexões, é uma prioridade da
presidência italiana, por um lado, garantir que a questão ucraniana possa ser resolvida no respeito pelo direito
internacional e reforçando a estabilidade das fronteiras europeias e, por outro, olhar para a vizinhança a sul e
garantir que também aí podemos reduzir a instabilidade.
Terminaria, então, com a questão do pacote de energia e clima, que é o tema principal do Conselho
Europeu da próxima semana, e há algumas notas importantes a fazer sobre este tema.
Temos uma posição muito ambiciosa no que diz respeito às metas de clima e de ambiente e é essa a
posição que queremos que a União Europeia leve à conferência COP 21 (Conferência das Partes), em Paris,
no próximo ano, mas achamos — e isto é igualmente importante — que, para que estas metas possam ser
realizadas, e como complemento necessário destas metas, é preciso levar a bom termo a criação do mercado
interno de energia, um mercado que funcione e que depende, evidentemente, da criação de interligações e,
sobretudo, no que nos diz respeito, de interligações entre a Península Ibérica e o resto da Europa.
A Península Ibérica pode ser, por um lado, uma fonte importante de energia com origem em renováveis,
que pode depois ser exportada para a União Europeia. Por isso, não faz sentido estar a investir em centrais de
carvão em outros países da União Europeia ao mesmo tempo que o potencial em excesso de energia a partir
de fontes renováveis na Península Ibérica não é exportado.
Por outro lado, só poderemos ter o retorno necessário e útil dos nossos investimentos em energia
renovável se tivermos estas interligações. Desde 2002 que existe a meta de 10% para as interligações. Essa
meta nunca foi realizada no que diz respeito à Península Ibérica. Continuamos com uma capacidade de
interligação que corresponde apenas a 1.4% da capacidade instalada e é isto que tem de mudar. A nossa
posição neste Conselho Europeu é clara: precisamos de avançar rapidamente para esta meta de 10% e
alargá-la, até 2030, para uma meta de 15%, que é, no nosso entendimento, aquela meta que garante o
funcionamento do mercado interno da energia.
Também aqui podemos relacionar estes objetivos de política de energia com o novo plano de investimentos
do Presidente Juncker. Julgamos que o investimento nas interligações de energia pode ser uma parte
importante deste novo plano de investimentos.
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Penso que é o resumo, tão breve quanto possível, dos três temas em debate.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Está aberto o debate do ponto 5. Há vários Deputados inscritos: os Srs. Deputados
Vitalino Canas, do PS, Miguel Tiago, do PCP, António Rodrigues, do PSD, José Luís Ferreira, de Os Verdes,
Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, José Ribeiro e Castro, do CDS-PP, Carla Cruz, do PCP, e Gabriel
Goucha, do PSD.
São oito intervenções ou pedidos de esclarecimento. Este debate não tem um modelo típico, visto que
conjuga vários debates. Não sei como o Sr. Secretário de Estado pretende responder, se considerarmos que
se trata de pedidos de esclarecimento. Se assim for, o Sr. Secretário de Estado responderá em grupos de
quatro. Mas, Srs. Deputados, não definimos este modelo, é um modelo misto.
Dou a palavra aos Srs. Deputados e talvez seja melhor o Sr. Secretário de Estado intervir no fim.
Pausa.
Preciso de saber se a Câmara adota este modelo.
O Sr. Deputado João Oliveira faz-me um sinal afirmativo. Bom, vamos então adotar este modelo.
Assim, Sr. Deputado Vitalino Canas, tem a palavra para pedidos de esclarecimento.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, começo por salientar a última
parte da sua intervenção, em relação à conectividade das redes energéticas de forma a levar a energia
portuguesa à Europa.
Gostaria de saber quais são as expectativas; sabemos quais são os objetivos, mas gostaria de saber quais
as suas expectativas. Sabemos que partimos de um limiar muito baixo, sabemos que é ambiciosa a nossa
meta, mas gostaríamos de saber qual o estado está a situação. Porventura, esse será um dos temas mais
importantes para Portugal a ser debatido neste Conselho Europeu.
Mas, Sr. Secretário de Estado, queria ir a questões mais de fundo. Este será o último Conselho Europeu
em que a Comissão Barroso estará, porventura, em funções. Temos ouvido, temos lido, com expectativa,
aquilo que o Sr. Juncker tem dito em relação ao seu programa e temos, devo dizê-lo sem nenhuma hesitação,
ficado agradados com algumas das mensagens que o Sr. Juncker tem enviado à Europa.
Temos, por exemplo, reparado que o Sr. Juncker entende, corretamente, que a competitividade da Europa
não se conquista com cortes sociais tendenciosos; que o mercado interno não deve prevalecer em relação às
questões sociais; que as margens de flexibilidade introduzidas no PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento),
em 2005 e 2011, devem ser também aproveitadas para o crescimento; que é necessário uma união do
mercado de capitais; que devemos investir nas energias renováveis e que a Europa tem de reganhar a sua
credibilidade, recuperando alguns dos valores que foi perdendo ao longo dos últimos anos.
O Sr. Juncker anunciou, e já o referiu, um pacote de investimento público e privado de 300 000 milhões de
euros. Público e privado, Sr. Secretário de Estado, espero que o preconceito do Governo contra o investimento
público não nos faça perder a oportunidade de estarmos também neste pacote.
Aplausos do PS.
E espero, Sr. Secretário de Estado, que nos possa aqui dizer hoje, também, o que é que o Governo já está
a fazer para não perdemos essa oportunidade.
Esse discurso do Sr. Juncker é um discurso esperançoso em relação à evolução na Europa e espero,
também, que o Governo apoie estes sinais de evolução e de mudança nessa mesma Europa.
Temos de convir, contudo, que as últimas informações não são positivas. Sabemos que há agora um
debate que chegou ao centro da Europa, um debate que já temos em Portugal, há uns anos, que é um debate
entre os que são fanáticos da política fiscal e orçamental e aqueles que acham que a austeridade não é tudo.
Esse debate chegou hoje ao centro da Europa: chegou a França, a Itália e, até, à Alemanha, onde começa a
haver sinais de grande preocupação com a evolução económica alemã, com o aumento da pobreza, com a
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diminuição do crescimento económico, com o desnível entre ricos e pobres, com uma política orçamental do
orçamento zero que está a provocar dificuldades na Alemanha e na Europa.
Sabemos, também, que a Alemanha está a perceber que a política de recessão e austeridade que
promoveu na Europa está a refletir-se na sua própria economia e está a refletir-se na competitividade da
Europa.
Sr. Secretário de Estado, o que nós esperamos é que estes sinais que também já vêm da Alemanha sejam
bem entendidos pelo Governo, apesar de o Governo, aparentemente e mais uma vez, estar a ser apenas mais
um pequeno grão da inércia contra a evolução e contra a mudança, um pequeno grão passivo, um pequeno
grão que não está a apoiar aqueles que são os sinais de mudança e está a continuar a receber as
palmadinhas nas costas com agrado da Sr.ª Merkel, em vez de procurar aliados a favor da evolução e da
mudança na Europa.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — O próximo pedido de esclarecimento é do Sr. Deputado Miguel Tiago, do PCP.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, no dia 8 deste mês, o Governador
do Banco de Portugal, bem como a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, negaram categoricamente
qualquer comunicação entre o Estado português e a Comissão Europeia, a DGCOM, a autoridade da
concorrência europeia sobre o caso BES, ocorrida no dia 30.
Todavia, no site da Comissão Europeia essa era a data indicada para o início das comunicações.
Sr. Secretário de Estado, em resposta a Deputados do PCP no Parlamento Europeu, a Comissão Europeia
acaba por confessar que as autoridades portuguesas entregaram um plano de reestruturação para o banco
mau e para o banco de transição, que esteve na origem da tomada de decisão de 3 de agosto da Comissão
Europeia em autorizar as medidas que o Estado português veio a tomar.
A Ministra nega categoricamente o contacto, o Banco de Portugal diz que o não fez e a própria Comissão
Europeia tentou, a certa altura, fingir que não tinha havido esse contacto.
Sr. Secretário de Estado — que articula também estas ligações e que, aliás, se refere às questões da
estabilidade financeira na sua própria intervenção —, é importante percebermos quem manda nisto, é
importante percebermos quem tem as responsabilidades sobre o que se passou no BES, ao invés de andarem
a trocar a bola da responsabilidade de uns para os outros, e é também importante conhecer, como o PCP já
requereu na Comissão de Inquérito, o teor dos documentos trocados entre o Estado português e a Comissão
Europeia, a DGCOM. Mas é importante conhecer, também, qual o papel que o Estado português tem
desempenhado nisto e quem é que não está a falar a verdade, porque alguém não está a falar a verdade. É
importante saber se houve, ou não, uma comunicação no dia 30, qual o teor e qual o plano de reestruturação
apresentado.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — O próximo pedido de esclarecimento é do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.
O Sr. António Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, os debates europeus são,
normalmente, o parente pobre das discussões em Plenário, por isso há que aproveitá-los para discutir
questões europeias, as questões que nos dizem respeito em termos de futuro.
Hoje, Portugal tem, na Europa que queremos construir, na qual nos empenhamos e participamos com
entusiasmo, um motivo de regozijo: o reconhecimento da qualidade do candidato a Comissário que Portugal
indicou, o Eng.º Carlos Moedas, que foi reconhecido pelo próprio Parlamento Europeu — profunda e quase
que unanimemente reconhecido — como um excelente candidato a Comissário,…
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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… ao contrário de outros, até ex-Primeiros-Ministros de outros Estados, que foram recusados por parte dos
nossos pares europeus.
Por isso, é de realçar este primeiro sinal do nosso cometimento e da nossa vontade de desenvolver e
participar no processo europeu.
E quando participamos no processo europeu fazemo-lo de duas formas: construímos e recebemos. A fase
da construção, aquela que o Sr. Secretário de Estado nos veio recordar e que se vai iniciar agora, por
exemplo, com a questão da energia, que é um dos temas do próximo Conselho Europeu e é um dos desafios
principais, uma matéria que, no passado, não pôde ser desenvolvida porque também aí, num espaço de pouca
solidariedade, outros Estados impediram que Portugal pudesse exportar energia para a Europa, Estados
esses que se diziam amigos mas que olhavam para os seus interesses nacionais. Esperemos que, agora,
essa questão seja ultrapassada.
Ora, é a propósito dessa mesma solidariedade que têm de se colocar outras questões. Sr. Secretário de
Estado, no próximo Conselho Europeu vamos discutir a matéria da energia, como referiu, uma questão
prioritária, uma questão que ultrapassa as substituições de comissões e as questões da «espuma dos dias»,
mas há outras questões que são importantes.
Uma questão importante é, por exemplo, esta: alguns alegam que é necessário fazer um novo debate
europeu — e também concordamos que é necessário fazer um debate europeu —, mas é preciso fazer um
debate europeu sério e não um debate europeu com uma vertente para consumo interno e com outra vertente
para consumo europeu. Falámos hoje aqui, por exemplo, da presidência italiana que tem um conjunto de
prioridades que são relevantes e nas quais nos revemos, que são matérias que fazem parte do programa
proposto pela Comissão Juncker para os próximos cinco anos — e nessas revemo-nos.
No que não nos podemos rever é naqueles Estados que, para consumo interno, alegam que querem ter
outras práticas, que contestam a ação da União Europeia, nomeadamente em matéria de controlo do défice
orçamental, mas que, para consumo europeu, têm uma outra prática, aquela a que estão obrigados.
Sr. Secretário de Estado, gostaria que comentasse duas questões. A primeira é a afirmação do futuro
Comissário das Finanças, Moscovici, que, enquanto Ministro das Finanças francês, dizia que não podia e não
aceitava cumprir o défice que estava estabelecido no Pacto de Estabilidade e Crescimento e no tratado
orçamental, mas, quando chegou à Comissão, a primeira atitude que tomou foi a de dizer «os Estados vão ter
de cumprir». Esta é a primeira afirmação de alguém que se quer sério, que quer ser um Comissário
responsável e que quer ter a perspetiva do todo, mas que, enquanto Ministro de um Estado, o era daquele
Estado de que se tinha tantas expectativas, daquele Estado que ia bater o pé, daquele Estado que ia fazer
coisas diferentes. Afinal, agora, enquanto futuro Comissário, ele já diz vai ter de se fazer o mesmo.
O segundo comentário que lhe peço é, no fundo, um pedido de esclarecimento. Esses Estados que hoje se
alegam arautos da defesa dos seus interesses individuais contra a defesa dos interesses europeus, esses dois
Estados que hoje se apresentam com uma matriz muito socialista, que, no passado, foi defensora do tratado
orçamental e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, enquanto estava interessada nisso, esses dois Estados,
num conjunto de outros vários Estados socialistas que vão cumprir essas mesmas metas, anunciam-se com
vontade de não cumprir nos seus orçamentos as metas que estão previstas para o défice.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Deputado, não são Estados socialistas, são Estados governados por
partidos socialistas!
O Sr. António Rodrigues (PSD): — O que peço, Sr. Secretário de Estado, é que esclareça a Câmara,
esclareça o País e algumas pessoas que se esquecem disso, sobre o que é que acontecerá no caso em que
um orçamento de um Estado-membro não cumpre aquilo que está estabelecido, de acordo com regras que ele
próprio aceitou, de forma livre, no tratado orçamental ou no Pacto de Estabilidade e Crescimento. O que é que
acontecerá, hoje, à luz das regras que estão estabelecidas, em vigor e aceites, se os orçamentos desses
Estados não cumprirem, ao contrário daquilo que o Governo português já anunciou, o défice e a dívida pública
que estão estabelecidos nesses instrumentos?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos
Europeus, um dos pontos da agenda do Conselho Europeu de 23 e 24 de outubro refere-se ao clima e à
energia. E, neste ponto, o objetivo é conseguir um acordo quanto às orientações políticas que irão presidir à
estratégia da União Europeia em matéria de clima e energia até 2030, sendo que essas orientações vão
acabar por constituir a base que a União Europeia levará à Cimeira sobre o Clima, em Paris, em 2015,
portanto, à Cimeira do próximo ano.
Não vou falar das metas e dos objetivos da União Europeia, nem sequer formular qualquer juízo de valor
sobre essas metas e sobre os seus objetivos, nem quanto à redução de gases com efeito de estufa, nem
quanto aos objetivos relativamente às energias renováveis. Como todos sabemos, essas metas são marcadas
essencialmente por uma verdadeira falta de ambição por parte da União Europeia nesta matéria, uma falta de
ambição, aliás, a que a União Europeia nos vai habituando em matéria de energia e de clima.
Aliás, basta olhar para os meios que a União Europeia disponibiliza para atingir os seus objetivos, no que
diz respeito ao clima e à energia, para podermos perceber a importância que esta matéria assume para a
União Europeia.
Mas, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, o comércio de emissões da União Europeia
também vai estar em debate neste Conselho Europeu, nomeadamente uma eventual alteração ou a eventual
manutenção do esquema atualmente em vigor.
Como sabemos, na sequência da crise que se abateu sobre todos nós, provocada também por esta União
Europeia, o preço da licença de emissão ou, melhor, os direitos de poluição caíram a pique, sendo hoje muito
mais barato para os grandes poluidores comprar direitos de poluir do que propriamente investir em tecnologias
com vista à redução da emissão de gases com efeito de estufa associados aos processos produtivos.
Ora, gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, qual é a posição que Portugal vai
assumir nesta matéria, o que é que Portugal vai defender, ou se Portugal vai simplesmente limitar-se a ouvir o
que os outros têm para dizer.
Creio que seria importante que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus também nos pudesse
agora adiantar a posição que Portugal vai assumir relativamente ao mercado das emissões.
Depois, Sr. Secretário de Estado, em maio de 2012 — aliás, duas semanas depois de ter aprovado o
tratado orçamental —, o PSD apresentou e fez aprovar por esta Assembleia um projeto de resolução que
recomendava ao Governo um conjunto de medidas em matéria de política europeia. Este projeto de resolução
foi aprovado e deu origem à Resolução da Assembleia da República n.º 101/2012, de 6 de agosto. Nessa
Resolução, a Assembleia da República recomendava ao Governo 10 medidas em matéria de política europeia.
Ora, gostaria de saber, até para aferir o respeito que o Governo tem por esta Assembleia, e uma vez que a
Resolução até já tem dois anos, o que fez o Governo para dar seguimento a essas recomendações, que,
recordo, resultaram de uma iniciativa do PSD.
E, dessas 10 recomendações, até gostaria de saber, mais em concreto, o que fez o Governo para
concretizar uma delas, a saber, a que recomendava ao Governo o incremento dos programas de combate ao
desemprego, nomeadamente ao desemprego jovem, encarando o novo quadro dos fundos estruturais.
Portanto, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, o que gostaria que me dissesse era o que fez o
Governo, durante estes dois anos, com vista a dar seguimento a esta Resolução da Assembleia da República,
que, recordo, resultou de uma iniciativa proposta pelo PSD.
Aplausos de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, uma vez que a Mesa anunciou a minha
inscrição para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado, estava à espera que a Sr.ª Presidente me
desse a palavra para esse efeito.
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, de facto, está inscrito, mas ficou acordado que o Sr. Secretário de
Estado responderia, conjuntamente, a grupos de quatro Srs. Deputados.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Muito bem. Peço desculpa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, na
minha intervenção inicial, de 10 curtos minutos, acho que dediquei 2 ou 3 minutos ao plano de investimento do
futuro Presidente Juncker, pelo que não pode acusar-me de ter esquecido o programa de investimento.
Sobre a questão da flexibilidade orçamental, acho que Portugal é um bom exemplo de como devemos olhar
para a questão da flexibilidade orçamental e da análise de sustentabilidade orçamental. Se reparar, a dívida
pública é, hoje, mais alta do que era há cinco ou seis anos, é, hoje, mais alta do que era há três anos. Por que
é que Portugal paga menos juros nos mercados hoje do que pagava há três anos? Porque a questão decisiva
não é estática, não é olhar para o valor estático da dívida. A questão decisiva é olhar para a trajetória do longo
prazo. E enquanto essa trajetória há quatro anos era uma curva ascendente sem fim, hoje em dia já entrou
numa curva descendente.
É evidente que a nossa análise da dívida pública e do défice tem de ser uma análise dinâmica e, desse
ponto de vista, faz todo o sentido que levemos em consideração perspetivas de crescimento e, por exemplo, o
impacto que as reformas estruturais podem ter na trajetória do crescimento, porque a trajetória do crescimento
tem evidentemente efeitos ao nível da sustentabilidade da dívida pública.
Por isso, faz todo o sentido — e está já previsto nas regras, como o Sr. Deputado reconheceu — que
façamos uma análise que combine, por um lado, os planos de redução da dívida e do défice e, por outro, as
reformas estruturais. É isso que está previsto no Pacto de Estabilidade e Crescimento. As reformas estruturais
permitem acrescentar um nível de flexibilidade às metas orçamentais. Essa flexibilidade tem sido usada e deve
continuar a ser usada — desse ponto de vista, não há qualquer novidade.
Quanto à pergunta do Sr. Deputado Miguel Tiago, acho que tem toda a razão em exigir que o Governo seja
claro sobre esta matéria. Julgo que a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças foi absolutamente clara e
respondeu sem qualquer ambiguidade a esta pergunta.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Já foi desmentida!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Julgo que a Comissão Europeia também já se
pronunciou. Por isso, desse ponto de vista, o Partido Comunista Português tem razões para olhar para as
respostas e verificar se está ou não satisfeito. O que não pode é exigir do Governo uma resposta mais clara do
que aquela que foi dada, que é perfeitamente clara e sem ambiguidades.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Foi desmentida pela Comissão!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Deputado António Rodrigues, quanto à
questão do orçamento, é evidente que o orçamento tem de respeitar as regras, que são regras comuns. Sabe,
muitos entendem que a crise do euro começou não em 2009 mas em 2003, quando essas regras foram
desrespeitadas pela França e pela Alemanha. É muito importante que o sistema de regras comuns seja
respeitado e continue a ser respeitado.
Para ser mais direto na resposta à sua pergunta, direi que, se o orçamento dos Estados não for
considerado adequado pela Comissão, ela terá de o devolver aos Estados, estes têm 15 dias para o rever e a
Comissão, depois, deverá reavaliar esse orçamento. Numa fase posterior, isso pode dar lugar a sanções ou a
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depósitos que podem ascender a 2% do PIB, ou a multas que podem ascender a 0,5% do PIB. São essas as
regras estabelecidas.
Sr. Deputado José Luís Ferreira, relativamente ao desemprego jovem, não é possível, por um lado, acusar
o Governo de usar as políticas públicas para diminuir o desemprego, que é uma acusação que por vezes
tenho ouvido, de usar o programa Emprego Jovem para reduzir o desemprego jovem, e, ao mesmo tempo,
dizer que não o temos feito ou que temos desaproveitado esses recursos. Não é verdade.
Portugal, como referi na minha intervenção inicial, é um País que tem sido exemplar no modo como tem
aproveitado a dinâmica europeia de combate ao desemprego jovem. Essa dinâmica europeia consiste, por um
lado, na afetação de fundos para este fim específico e, por outro, na troca de experiências, com os programas
que funcionam melhor. Acho que temos beneficiado bastante dessa troca de experiências, temos olhado com
muito cuidado para os programas de combate ao desemprego jovem que funcionaram melhor noutros países.
E, se reparar, os números, em Portugal, são mais encorajadores. Continuam a ser muito negativos — é esse o
lastro do passado —, mas a redução do desemprego, em Portugal, tem ocorrido a uma velocidade superior à
que tem ocorrido em países como a Espanha e a Grécia.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, no
ano passado, o Sr. Secretário de Estado foi à Grécia «fazer-se de alemão» e rejeitar a solidariedade,
afirmando solenemente o primado da disciplina fiscal.
Gostaria sinceramente de saber se o Sr. Secretário de Estado abre hoje os jornais internacionais, todos
eles — o The Wall Sreet Journal, o The Economist, o The Guardian —, e continua entusiasmado com o
desemprenho do modelo económico europeu que foi à Grécia afirmar, rejeitando qualquer tipo de
solidariedade com os povos que sofrem com esse modelo.
Gostaria de saber sinceramente, Sr. Secretário de Estado, se, face aos dados do desemprego, na Europa,
que estão a níveis superiores ao que eram no início da União Europeia, em 1997, se sente entusiasmado com
este modelo.
Gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado se, quando olha para a Espanha ou para a Grécia, onde 50%
dos jovens, isto é, um em cada dois, não tem emprego, ou quando olha para a economia portuguesa, onde
30% dos jovens não têm emprego, continua entusiasmado com o modelo europeu.
Gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado, se, quando ouve as palavras do prémio Nobel da Economia,
Stiglitz, que chama a vários países da União Europeu, como Portugal, a Grécia, Espanha ou Itália, os zombies
da austeridade, continua entusiasmado com o modelo europeu.
Gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado, se, quando abre as páginas dos jornais portugueses, onde lê
que 25% da população portuguesa — repito, 25%! — está em risco de pobreza, continua entusiasmado com o
sucesso do modelo europeu.
Gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado, se, quando vê o défice comercial português como o quinto
maior da União Europeia, depois de tudo com o que foi feito com a estratégia do Governo, continua
entusiasmado com o modelo económico europeu.
Gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado, se, quando vê a União Europeia entrar na terceira recessão,
quando vê a Alemanha falhar na economia — porque, imagine-se!, descobriu-se que empobrecer os
compradores é uma chatice para os vendedores, descobriu-se que um programa de empobrecimento a
Portugal, à Grécia e à Espanha iria prejudicar as exportações alemãs, coisa que ninguém imaginou…!, e,
portanto, a própria Alemanha, neste momento, contribui para uma potencial terceira recessão na União
Europeia que está a arrastar a economia mundial outra vez para um período de recessão —, continua
entusiasmado com o modelo económico europeu.
Gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado, se, quando vê a economia europeia presa numa armadilha de
deflação, que o Banco Central Europeu não consegue libertar, continua entusiasmado com o modelo
económico europeu.
Gostaria de saber se o Sr. Secretário de Estado está entusiasmado com este modelo «austeritário» da
Europa, este modelo que criou pobres, este modelo que negoceia acordos comerciais com os Estados Unidos
nas costas dos povos, nas costas dos próprios Deputados europeu.
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Gostaria de saber se o Sr. Secretário de Estado continua tão fanático deste modelo que nem sequer alinha
na ideia simples, e que nem é muito radical, que foi apresentada pela Presidência italiana da União Europeia,
de que a contabilização das contrapartidas nacionais para os fundos comunitários possa ser flexibilizada nas
metas do défice. É que interessava que o investimento público não contasse para as metas dos défices, ao
contrário daquilo que o Governo faz, que conta o investimento público para o défice, conta os apoios ao
desemprego para o défice, mas não conta os apoios que dá ao BES, não conta os apoios que dá à banca.
Gostaria de saber se continua tão entusiasmado com o modelo económico europeu, tão fanático que acha
normal e aceita que a Comissão Europeia mande bitaites sobre as decisões soberanas de um País de
aumentar o seu salário mínimo nacional. Acha normal que a Comissão Europeia se sinta descontente com o
aumento do salário minino nacional e entenda que tem de avaliar o aumento do salário mínimo nacional?
Portanto, Sr. Secretário de Estado, no fundo, a minha pergunta é a de saber se continua entusiasmado
com a sua Primeira-Ministra, a Chanceler Merkel, ou se acha que é altura de mudar de políticas e de mudar de
governo europeu.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta cabe ao CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, dividirei a nossa
intervenção em dois pontos.
O primeiro é para lhe colocar algumas questões e, depois, para comentar os três temas que estão hoje em
debate.
Sabemos ainda pouco do Conselho Europeu da próxima semana, mas conhecemos a agenda, e o tema
que destacamos é o da energia, sendo uma matéria, como o Sr. Secretário de Estado já referiu, em que temos
grandes pretensões, grandes ambições e grandes necessidades.
Temos um atraso extraordinário nas interligações europeias — uma matéria de que se fala muito e onde se
faz pouco e a Europa pouco tem feito — cujo nível é muito baixo, creio que é de 2%, e onde precisamos de
crescer rapidamente.
Portanto, olhamos para a agenda do próximo Conselho a esta distância, situando o tema da energia como
o tema fundamental.
Quero também refletir consigo sobre se não será necessário, para que não passemos mais cinco anos a
falar do assunto mas sem avançar, alterar a forma como agimos e usarmos de uma forma mais vigorosa os
mecanismos de «diplomacia parlamentar». Isto é, a construção europeia cria também uma necessidade de
acionamento dos mecanismos de atuação dos parlamentos, quer dos parlamentos nacionais, no diálogo entre
si, quer também no Parlamento Europeu, na capacidade de pressão permanente que tem sobre a Comissão
Europeia.
Queria sugerir que fizéssemos isso, que o Governo fornecesse mais claramente o ponto da situação e que
usasse a disponibilidade dos parlamentos para essa cooperação interparlamentar dos parlamentos nacionais e
que os nossos colegas Deputados ao Parlamento Europeu, através de perguntas, de debates nas comissões,
de outros mecanismos de pressão parlamentar, sejam um grande trator do avanço desta agenda das
interligações europeias, para que não continuemos sempre a «chorar sobre o leite derramado».
Depois desta questão continental, refiro duas questões atlânticas.
Uma, é o TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership), isto é, a Parceria Transatlântica de
Comércio e Investimento, que está a ser negociada com os Estados Unidos.
Aderimos em princípio — é conhecido o nosso pensamento sobre isso. Mas isto não significa que não haja
algumas áreas que não nos mereçam preocupação, nomeadamente a da agricultura e da indústria
agroalimentar, que é um setor que tem tido um grande crescimento em Portugal, o qual temos de encorajar, e
sobre o qual existe uma preocupação com a concorrência desleal que pode ocorrer se os nossos interesses e
os do setor não forem devidamente acautelados.
Pergunto-lhe como é que o Governo encara esta questão, que seguimos com a maior atenção e também
com alguma inquietação.
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A outra questão, que pode parecer pequena, mas é um dossier a que somos muito ligados, tem a ver com
a parceria especial União Europeia-Cabo Verde, que caiu numa certa desvalorização. Essa parceria foi
estabelecida em 2007, na ocasião de uma Presidência portuguesa — trabalhei muito nessa matéria. Mas, com
o novo figurino institucional do relacionamento externo da União e a perda da presidência de corpo inteiro do
Conselho Europeu, caiu, talvez, numa certa deriva burocrática. Nos primeiros anos, foi um dossier que teve
um grande impulso ao mais alto nível e que é preciso revigorar.
O Sr. Secretário de Estado valorizou, e bem, o papel das relações da União Europeia com África, sendo
este um dossier singular. Por outro lado, também valorizou a vizinhança sul. Ora, a vizinhança sul não é só a
vizinhança com o Mediterrâneo, é também a vizinhança no Atlântico Central, é a cooperação na linha dos
arquipélagos que vão dos Açores até Cabo Verde. Isso tem uma grande importância para nós — é um País
nosso amigo, é um País da CPLP —, mas tem também importância para Portugal, pelo que gostava também
de saber se o Governo pode ajudar a dar um novo impulso, no quadro das instituições europeias, a este
dossier de parceria especial UE-Cabo Verde.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta cabe ao PCP.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, quer na sua intervenção inicial, quer
nas respostas às questões que lhe foram colocadas na primeira parte, o Sr. Secretário de Estado gastou todo
o tempo e não fez uma única referência a qualquer iniciativa da União Europeia e do Governo português que
desse resposta aos problemas gravíssimos que os portugueses e muitos povos europeus vivem, fruto das
opções políticas da União Europeia. Não há uma única referência a essas medidas para colmatar esses
problemas.
Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção inicial, relativa à próxima reunião do Conselho Europeu, falou
das questões da energia. Mas, tal como na sua intervenção, a agenda também não faz qualquer referência às
questões económicas. Bem percebemos por que é que a agenda não aborda as questões económicas: é que
a crise veio para ficar e quem a provocou é também quem está a governar as instâncias da União Europeia e
os governos dos países que a seguem.
Sr. Secretário de Estado, num quadro de aprofundamento da degradação das condições económicas da
vida de muitos milhões de cidadãos europeus e num quadro de instabilidade económica, reconhecido, aliás,
pelo FMI, era importante que estas questões fossem debatidas.
Sr. Secretário de Estado, a questão que lhe colocamos é a de saber qual é a diligência que o Governo
português vai fazer no sentido de essas questões serem abordadas, qual é a perspetiva que o Governo tem
sobre esta ausência de questões tão importantes e relevantes para a vida dos portugueses.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta cabe ao PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gabriel Côrte-Real Goucha.
O Sr. Gabriel Côrte-Real Goucha (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, o programa da
Presidência é um programa ambicioso que cobre diversas matérias, das quais gostava de destacar
especialmente uma que tem a ver com a cidadania e com a participação dos cidadãos europeus no espaço
público europeu ou com a falta dessa participação e na perceção que os cidadãos têm sobre a União
Europeia.
Esta Presidência tem uma particularidade: é durante o seu exercício que vamos ter um novo Parlamento
Europeu e uma nova Comissão. Talvez por isso o programa da Presidência dedique um especial destaque às
questões do envolvimento dos cidadãos no espaço público europeu.
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Sr. Secretário de Estado, o programa da Presidência refere expressamente que, depois das eleições, deve
haver uma profunda reflexão sobre os resultados das eleições e o caminho a seguir, nomeadamente visando o
fortalecimento da eficiência e da legitimidade democrática do processo decisório na União Europeia.
Neste sentido, pergunto ao Sr. Secretário de Estado se a Presidência já iniciou essa reflexão e, se sim, se
já há conclusões, nem que sejam parciais, sobre essa reflexão.
Sr. Secretário de Estado, coloco ainda uma outra questão muito concreta que tem a ver com aquilo que,
normalmente, na agenda europeia, se chama better regulation e que consta também do programa da
Presidência italiana. Aliás, a ideia de better regulation tem a ver também com a aproximação dos cidadãos ao
processo europeu, com a ideia que os cidadãos europeus têm de que a Europa é um emaranhado legislativo e
um sistema burocrático extremamente complicado. Nesse sentido, a Presidência italiana dedica especialmente
um capítulo à better regulation.
Queria obter um comentário do Sr. Secretário de Estado sobre o seguinte: verificar a qualidade da
legislação europeia, a sua necessidade, a sua adequação, a sua proporcionalidade e a sua subsidiariedade é
fundamental. Citando Montesquieu, «Leis inúteis enfraquecem as leis necessárias». Isto foi particularmente
percebido pela Comissão que cessa agora o mandato, nomeadamente pelo seu Presidente, tendo sido
adotada uma agenda para a designada smart regulation.
Esta nova Comissão parece ir no mesmo sentido, tendo na sua estrutura um Vice-Presidente dedicado
especialmente à better regulation. Vice-Presidente, esse, que foi até há pouco tempo Ministro dos Negócios
Estrangeiros do Governo holandês, Governo, esse, que, por sua vez, aprovou, há pouco mais de um ano, 50
medidas visando o reforço do princípio da subsidiariedade e que, se for seguido, altera substancial e
profundamente o quadro legislativo europeu.
Nesse sentido, gostava de obter um comentário do Sr. Secretário de Estado.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos
Europeus.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua, a Sr.ª Deputada passa demasiado tempo a ler jornais, desde o TheGuardian até ao TheNew York
Times, passando por jornais gregos, alemães… Mas as decisões políticas ainda não são tomadas pelos
jornais, são tomadas pelos eleitores. E a pergunta importante a fazer é: qual é o eleitor que confiaria na Sr.ª
Deputada Mariana Mortágua para elaborar um orçamento?
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Boa pergunta!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — E os eleitores que estão em casa podem fazer
essa pergunta: qual o eleitor que confiaria nas suas ideias para elaborar um orçamento?
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Boa pergunta!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — São, primeiro, ideias, confusas; são, depois,
ideias fanáticas — as suas ideias são, do ponto de vista orçamental, ideias fanáticas! —,…
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
… são, em terceiro lugar, ideias sem a mais pequena consciência história.
Há uma disciplina chamada História que nos ajuda a perceber de onde é que vêm os problemas. A maior
parte dos problemas europeus vêm precisamente das soluções que a Sr.ª Deputada recomenda.
O Sr. José Magalhães (PS): — O Prof. Mattoso reincarnou!
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Risos do PS.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Em 2009, qual era a situação da União
Europeia? Em muitos países era de completa insustentabilidade orçamental que resulta das ideias que
defende.
Parece-me que acredita que qualquer nível de investimento será sempre recuperado. Não é verdade,
sabemos que não é verdade. Qualquer análise rigorosa mostra isso.
Se olhar mais para trás, para os anos 90, descobrirá facilmente que o défice de competitividade da Europa
resulta de problemas estruturais antigos, que continuam por resolver em muitos países, e em Portugal
começaram a ser resolvidos, mas têm de continuar a ser resolvidos. Não há nada na história económica dos
últimos 20 anos que sustente as suas ideias.
Por isso, a pergunta é muito simples: qual é o eleitor responsável que confiaria em si para elaborar um
orçamento? E o que dizem os jornais, para mim, é menos importante do que esta pergunta fundamental,
porque vivemos numa democracia.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Responda. Não sabe responder!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Quanto à pergunta do Sr. Deputado Ribeiro e
Castro, estou inteiramente de acordo: o TTIP é muito importante. Não é verdade, ao contrário do que diz a Sr.ª
Deputada Mariana Mortágua, que esteja a ser discutido em segredo; pelo contrário, é a negociação comercial
discutida com a maior transparência, a maior participação dos cidadãos de que há memória.
É importante, por um lado, manter a vontade política de levar este acordo até ao fim e de o assinar — e
essa vontade política nem sempre é fácil de reunir — e, depois, naqueles setores em que a transição poderá
ser difícil, deverá garantir-se que os mecanismos estejam criados para haver uma transição suave. Isso é
muito importante.
Também é importante no setor agrícola, aliás, em especial neste setor, porque este não é como os outros
setores. Os mecanismos de transcrição têm de ser muito suaves, temos de garantir que essa transição seja
bem-feita. Mas, mesmo no setor agrícola português, existem, de acordo com os estudos que realizámos,
subsetores que têm imenso a ganhar e que podem ver as suas exportações para os Estados Unidos a
aumentar perto de 50%, como, por exemplo, o setor dos vinhos, que continua muito limitado pelas
divergências regulamentares entre os dois blocos.
Já quanto à questão das PME, de facto, o Grupo Stoiber de que o Sr. Deputado faz parte tem ideias
excelentes sobre a questão da regulação e eu acredito que as PME devem, em grande parte, ser libertas do
peso regulamentar da União Europeia, sobretudo as startups. Nos primeiros anos de criação, não devem estar
sujeitas à regulação pesada a que costumam estar sujeitas.
Tenho conversado com as empresas e é muito claro que elas continuam a enfrentar obstáculos de
regulação europeia, e são as empresas portuguesas, não são apenas as empresas inglesas ou as
holandesas.
É um bom sinal que o Vice-Presidente Frans Timmermans esteja, há vários anos, muito interessado neste
problema e interessado em criar uma regulação europeia mais inteligente, mais adequada aos seus objetivos,
que não se distancie deles e passe a funcionar em circuito fechado, o que muitas vezes acontece.
Não é verdade, de todo, que não tenha falado dos problemas do desemprego e do crescimento. Estive 10
minutos a falar e metade desse tempo foi sobre esses problemas. Por isso, não é verdade. No entanto, esses
problemas não se resolvem com uma trajetória completamente insustentável da dívida pública e não se
resolvem com colapsos financeiros.
Os Deputados que ainda há pouco tempo nos apontavam a Argentina como um exemplo a defender para
Portugal têm de explicar porquê e têm de explicar se mudaram ou não de opinião. Para além disso, têm de
dizer qual é o eleitor que votava nos Srs. Deputados para elaborar um orçamento.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Os senhores têm de explicar a posição de Portugal na ONU!
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A Sr.ª Presidente: — Antes de prosseguirmos com o debate, lembro aos Srs. Deputados que está a
decorrer na Sala D. Maria a eleição para um vice-presidente e para um vice-secretário da Mesa. Peço que não
se esqueçam de ir votar.
As próximas intervenções seguem a seguinte ordem: do PS, o Sr. Deputado Bravo Nico; do PCP, a Sr.ª
Deputada Carla Cruz; do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bravo Nico.
O Sr. Bravo Nico (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as
e Srs. Deputados: Através dos
vários quadros comunitários de apoio, o nosso País conta, desde 1986, com duas importantes fontes de
financiamento para o seu desenvolvimento, a saber, o financiamento nacional, inscrito nos diferentes
Orçamentos do Estado e o financiamento europeu, inscrito nos diferentes programas operacionais nacionais e
regionais.
Neste contexto, Portugal terá recebido, até ao final do ano 2013, cerca de 95 000 milhões de euros em
fundos estruturais e de coesão. Os impactos positivos deste esforço de investimento são visíveis nas regiões
históricas e estruturalmente mais frágeis do interior do território continental e nos arquipélagos da Madeira e
dos Açores.
Ao longo deste período de apoio europeu, as regiões mais ricas viram diminuir as taxas de cofinanciamento
europeu nos seus projetos de desenvolvimento, enquanto as regiões mais pobres mantiveram aquelas taxas.
Esta realidade mantém-se e determina que o quadro de apoio europeu que agora se inicia — Portugal
2020 — acentuará, no nosso País, aquilo a que chamo uma fratura orçamental, o que criará, cada vez mais,
uma desigualdade entre as regiões mais e menos desenvolvidas no que respeita ao acesso ao financiamento
do Orçamento do Estado.
Na realidade, ao observarmos com algum detalhe o perfil dos últimos quatro Orçamentos do Estado e dos
diferentes programas operacionais do novo QREN — Portugal 2020, verificamos que está a ocorrer uma
alteração estrutural no perfil de financiamento das regiões do interior do País ao nível do apoio aos projetos de
desenvolvimento, em muitas das despesas associadas ao funcionamento dos serviços públicos e na
concretização das funções sociais do Estado.
De facto, se a crescente presença relativa do financiamento europeu, no esforço de desenvolvimento e na
presença dos serviços públicos nas regiões menos desenvolvidas parece ser uma vantagem, na minha
opinião, tal pode não ser verdade. Muito pelo contrário, podemos estar perante uma armadilhaorçamental
que, a prazo, resultará numa maior fragilização estrutural destes territórios e regiões do interior.
Para demonstrar o que afirmo, dou o exemplo do caso da educação e da ciência no Alentejo, região onde
vivo e desenvolvo a minha atividade profissional. Nos últimos três anos, os vossos Orçamentos do Estado
para financiarem as instituições de educação e de ciência, nomeadamente as do ensino superior, diminuíram
de forma sistemática e drástica.
Nestas circunstâncias, estas instituições têm vindo a procurar alternativas de financiamento,
nomeadamente nos programas europeus do sector, à semelhança das suas congéneres de todo o País e,
mais recentemente, através do recurso aos programas operacionais regionais, para onde o atual Governo as
está a empurrar orçamentalmente.
Por outras palavras, o euro oriundo da Europa que se adicionava ao euro oriundo do Orçamento do Estado
para promover o desenvolvimento convergente do Alentejo e do interior do País, neste momento, não está a
acontecer; muito pelo contrário, o euro europeu está cada vez mais a substituir o euro nacional que este
Governo retira a essas regiões em sede de Orçamento do Estado.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Bravo Nico (PS): — Nestas condições, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, para o
interior de Portugal, a crescente e sistemática substituição da torneira orçamental portuguesa pela torneira
orçamental dos fundos europeus não é uma vantagem, é uma armadilha que VV. Ex.as
estão a lançar.
A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Muito bem!
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O Sr. Bravo Nico (PS): — Nos próximos anos, nas regiões menos desenvolvidas, como é o caso do
Alentejo, teremos um Estado com um perfil de financiamento ancorado fortemente em fundos de origem
europeia, que são, pela sua natureza, circunstanciais e com prazo de validade conhecido. Já as regiões mais
desenvolvidas, pelo contrário, encontrar-se-ão cada vez mais ancoradas e de forma mais sólida no Orçamento
do Estado.
Este cenário, repito, é uma autêntica armadilha orçamental promovida por um Governo de direita que
abandona o interior do País, uma armadilha da qual o interior não conseguirá sair muito facilmente. Em 2020,
quando se fechar a torneira orçamental europeia, como será? Ainda teremos dinheiro no Orçamento do
Estado para o interior de Portugal, Sr. Secretário de Estado?
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Secretário de
Estado dos Assuntos Europeus, deixo-lhe uma nota prévia: não é aos Deputados do Partido Comunista
Português que o Sr. Secretário de Estado e o Governo têm de pedir responsabilidades. O Governo tem de
explicar aos portugueses, relativamente às questões da renegociação da dívida, qual foi a sua posição e o
voto que teve na ONU aquando da aprovação de uma resolução sobre a renegociação da dívida. Não é ao
Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português que têm de pedir responsabilidades!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — O Partido Comunista Português, desde 2011, tem colocado essa questão na
agenda e tem exigido tal porque só assim é que conseguiremos sair deste clima de garrote e de aperto com o
qual têm obrigado os portugueses a viver.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Voltando ao debate, há três questões que hoje estão em análise: o programa
de prioridades da Presidência italiana da União Europeia, a participação portuguesa na União Europeia em
2013 e agenda da próxima reunião do Conselho Europeu, que ocorrerá já nos dias 23 e 24 de outubro.
Debrucemo-nos, então, em cada um dos temas em discussão.
O programa de prioridades apresentado pela Presidência italiana da União Europeia é abundante em
referências ao crescimento económico, à promoção do emprego e às questões sociais. Contudo, isso não
passa de retórica vazia de conteúdo, já que o tratado orçamental e os demais instrumentos de submissão à
política neoliberal inviabilizam qualquer possibilidade de crescimento económico, de criação de emprego e de
melhoria das condições de vida dos povos, em particular nos países de economias mais débeis, como é o
caso de Portugal.
Esta retórica não consegue, todavia, esconder a natureza e as consequências da política neoliberal
imposta pela direita na construção da União Europeia, bem como a sua responsabilidade pela imposição de
medidas draconianas de exploração e empobrecimento aos Estados-membros e particularmente a Portugal.
Não podemos deixar de destacar o facto de a Presidência italiana da União Europeia se comprometer com
a conclusão das negociações do tratado transatlântico entre a União Europeia e os Estados Unidos da
América, o qual tem como objetivo, embora não assumido, proteger e aumentar os lucros dos monopólios e
das transnacionais, ao mesmo tempo que desvaloriza a força de trabalho e comprime as funções sociais do
Estado.
No decurso deste debate, ficaram claras as opções do PS, do PSD e do CDS quanto ao caminho da
Presidência italiana, que estão obviamente em linha com o rumo neoliberal e de abdicação dos interesses
nacionais que estes partidos sempre favoreceram no processo de construção da União Europeia.
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Sobre o programa da participação portuguesa durante o ano de 2013, a realidade de todos os dias
desmente, de forma categórica, a brutal ideia de que os partidos que suportam o Governo e o Executivo não
se cansam de afirmar, a de que o País está melhor.
Ao longo de 2013 e como, aliás, desde o início da governação, o Executivo teve sempre uma postura de
total submissão aos ditames do diretório europeu e das grandes potências europeias, particularmente da
Alemanha, e de abdicação dos interesses nacionais.
O Governo, em matéria económica e financeira, acompanhou, aplicou e prosseguiu as políticas e as
medidas decididas pelo diretório europeu, pela troica internacional — BCE, UE e FMI —, assim como
continuou as medidas do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Por força da aplicação do pacto de agressão assinado pelo PS, PSD e CDS, Portugal é hoje um País mais
desigual, mais injusto, mais dependente e menos soberano.
Por força da aplicação do pacto de agressão, o País encontra-se numa situação de catástrofe social por via
do exponencial aumento do desemprego e do número de portugueses que vivem na pobreza.
Temos hoje, em Portugal, fruto da aplicação do pacto de agressão, mais de dois milhões de portugueses a
viverem na pobreza. Temos hoje, em Portugal, mais de metade dos desempregados a não quererem receber
qualquer prestação de apoio social. Temos hoje, em Portugal, 300 portugueses que, por dia, abandonam o
País por aqui não encontrarem futuro.
Esta é uma realidade que tende a perpetuar-se por via da aplicação do tratado orçamental e dos outros
instrumentos de submissão à política neoliberal, como bem o demonstra o Orçamento do Estado, que foi
apresentado nesta semana.
A postura de submissão e de abdicação dos interesses nacionais do Governo português face às instâncias
europeias também se fez notar na área das relações internacionais. O Governo prosseguiu e intensificou as
relações, no quadro da União Europeia, com os Estados Unidos da América, nomeadamente na celebração de
acordos de livre comércio e, particularmente, do Acordo de Parceria Transatlântica.
Os acordos de livre comércio servem os interesses do capital, mas terão consequências gravosas para os
trabalhadores e para a soberania nacional, constituindo-se como mais um instrumento de agressão aos povos.
A postura de submissão e de abdicação dos interesses nacionais do Governo português às orientações e à
política da União Europeia também esteve patente na área das pescas e da Política Agrícola Comum. O
Governo português primou pela total ausência na defesa dos interesses dos agricultores e dos pescadores
portugueses.
A postura de submissão e de abdicação dos interesses nacionais do Governo português face às instâncias
europeias também se fez notar quando decidiu, a pretexto de uma pretensa violação dos auxílios de Estado,
encerrar e desmantelar a única empresa portuguesa de construção naval — os Estaleiros Navais de Viana do
Castelo —, despedindo a totalidade dos seus trabalhadores e entregando os terrenos e os equipamentos a um
grande grupo económico.
Nunca, ao longo destes anos que leva de governação, o Executivo levantou a voz na União Europeia em
defesa de Portugal, dos interesses de Portugal e do povo português.
No que respeita à reunião do Conselho Europeu, os portugueses só podem esperar a continuação da
política de empobrecimento e de exploração e, da parte do Governo português, a completa e total submissão
aos ditames do diretório europeu e de abdicação dos interesses nacionais.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O que os portugueses e os povos europeus
precisam é de uma rutura e de uma mudança de política no País e na Europa!
Uma rutura que tem obrigatoriamente que passar pela rejeição do caminho de abdicação e submissão
nacional que os sucessivos Governos e, particularmente, o atual têm assumido na relação com as instâncias
europeias, de retrocesso económico e social, de liquidação de conquistas e direitos políticos, da soberania
nacional e de eternização das políticas de empobrecimento na linha do pacto da troica e pela adoção de
políticas que permitam a recuperação da soberania nacional e a necessidade de libertar o País do garrote da
dívida, do espartilho da soberania que a União Económica e Monetária representa e do tratado orçamental.
Os portugueses sabem que a rutura e a mudança são possíveis e estão ao seu alcance, mas para isso não
basta mudar de protagonistas para que tudo fique na mesma; é preciso uma mudança que rompa com a
política a que nos querem amarrar durante décadas e também pela necessidade de romper com este rumo de
afundamento.
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Aplausos do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção cabe ao Bloco de Esquerda.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados:
Discutimos hoje o futuro das instituições europeias e analisamos hoje o seu passado. E o seu passado é um
desastre!
A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, os Governos, sempre sob a alçada dos mercados
financeiros, pegaram numa União Europeia abalada por uma profundíssima crise financeira e conseguiram a
proeza de transformar essa crise financeira numa arma de chantagem contra os povos e contra as
democracias.
A verdade é que, quando chegou à Europa, a crise era uma crise financeira. A verdade é que em Portugal
não havia uma crise de contas públicas antes da crise financeira e neste gráfico — que, aliás, farei distribuir ao
Sr. Secretário de Estado —, que mostra a evolução das dívidas públicas, pode ver-se que a dívida pública
portuguesa em percentagem do PIB foi abaixo da dívida pública alemã até 2006 e, em 2007, estava igual à
dívida pública alemã. O problema começa depois da crise financeira e não antes, e isto acontece com estes
indicadores como acontece com muitos outros.
Sr. Secretário de Estado, da mesma forma que eu não pretendo dar lições a ninguém, acho que a Europa
tem lições a aprender. Tem lições a aprender, por exemplo, olhando para a América Latina, onde há
experiências muito interessantes de como políticas de esquerda conseguiram arrancar países da pobreza,
conseguiram fazer crescer países de forma sustentável.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
E é pena que o Sr. Secretário de Estado não leia jornais internacionais, porque, se lesse, teria apanhado
um artigo muito interessante, que saiu no Guardian esta semana, sobre a Bolívia, sobre a forma como na
Bolívia se conseguiu reduzir para metade a pobreza extrema, sobre a forma como na Bolívia, hoje, há um
modelo de crescimento sustentável que respeita o ambiente e, ainda assim, é possível ter um sistema de
contas públicas sustentável para ajudar os povos que foram dizimados por políticas liberais do estilo FMI, que
foram implementadas na América Latina durante a última década.
E, se queremos falar de memória histórica, podemos falar também da falência moral, da falência financeira
das políticas do FMI que faliram na América Latina, que faliram em África, que faliram na maior parte dos
países asiáticos e que a União Europeia recuperou como se tivesse descoberto uma nova política, um grande
paraíso de política económica.
E o passado das instituições europeias é este: em vez de reforçar os Estados contra os mercados, em vez
de reforçar os Estados para proteger as pessoas, enfraqueceram os Estados, privatizaram aquilo que ainda
existia, impuseram uma austeridade imoral, uma austeridade irracional e uma austeridade até criminosa,
implacável contra os povos.
Se há alguma dúvida sobre isso, hoje, vamos à Grécia e temos a prova dessa política de austeridade
implacável; se, hoje, há dúvidas sobre isso, temos Portugal para nos mostrar isso e a pobreza infantil; se, hoje,
há dúvidas sobre isso, temos Espanha com o desemprego e com o desemprego jovem; se, hoje, há dúvidas
sobre isso, temos Chipre para nos mostrar quão implacável foi esta Europa contra os seus povos, mas como
mansa, como complacente e como cúmplice foi com os mercados financeiros.
Bem nos lembramos de 2007, quando prometiam taxar transações financeiras, quando prometiam controlar
fundos de investimentos especulativos, quando prometiam mundos e fundos contra os mercados financeiros e,
até hoje, zero! Até hoje, não houve uma medida contra os mercados financeiros, uma medida que impedisse
os mercados financeiros de fazerem aquilo que bem querem com os Estados, de fazerem aquilo que bem
querem com a dívida pública, de fazerem aquilo que bem querem com a democracia.
Mas, em contrapartida, bastaram cinco ou seis meses para se forjar um tratado orçamental que faz lei, para
sempre, esta austeridade imoral, esta austeridade que destruiu as economias.
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E os resultados estão aqui! Os resultados estão à vista, quer o Sr. Secretário de Estado queria ou não ler
jornais internacionais! Há uma crise humanitária na Grécia! Há 50% de desemprego jovem em Espanha! Há
25% de pobres em Portugal! Há uma geração inteira de jovens — e não é só em Portugal, é em Portugal, em
Espanha, na Grécia ou, mesmo, na Alemanha — a quem foi exigido tudo e a quem não foi dada nenhuma
oportunidade.
É essa geração que se revolta na Grécia, é essa geração que se revolta em Espanha. Há uma economia,
uma União Europeia em risco de uma terceira recessão, uma União Europeia que não consegue combater a
deflação, que não consegue criar emprego, que não consegue resolver a dívida, que não tem mais
instrumentos para o fazer, porque a sua teoria faliu. Faliu! Não tem instrumentos para lidar com aquilo que tem
à sua frente.
A Europa fracassou e há também quem se alimente disso: há nazis na Grécia; há extrema-direita em
França; há extrema-direita na Bélgica; há extrema-direita no Reino Unido; há extrema-direita a florescer pela
Europa, extrema-direita racista, xenófoba, extrema-direita que cresceu e de quem esta direita da austeridade é
corresponsável pelo seu crescimento.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Uma extrema-direita que cresce da falta de oportunidades, uma extrema-direita que cresce da pobreza,
que cresce da impotência perante este regime completamente subjugado aos esquemas financeiros.
Srs. Deputados, podem vir dizer agora que o crescimento e emprego são as prioridades da Presidência
italiana da União Europeia. Dei-me ao trabalho de ir ver as prioridades da Presidência grega da União
Europeia — crescimento e emprego. Fui ver também as da Presidência lituana da União Europeia —
crescimento e emprego. Fui ver as da Presidência irlandesa da União Europeia — crescimento e emprego. Fui
ver as da Presidência polaca da União Europeia — crescimento e emprego. Fui ver até as da Presidência
húngara da União Europeia — crescimento e emprego.
Desde 2011 que todas a presidências da União Europeia prometem crescimento e emprego e todas
fracassaram. Todas fracassaram! E fracassaram, porque é preciso uma política, de facto, diferente, é preciso
mecanismos políticos diferentes.
O País não precisa de um Governo que rejeite a solidariedade com os países que estão na mesma
situação, que rejeite a solidariedade com o povo grego, que rejeite a solidariedade com o povo espanhol para
ser subserviente à Alemanha.
O País precisa de uma política monetária diferente, precisa de um Banco Central Europeu que invista na
dívida pública, em vez de emprestar a 0% aos bancos para os bancos virem especular contra a dívida pública.
O País precisa de uma política fiscal diferente, precisa de uma União Europeia que taxe as transações
financeiras, que tenha um orçamento europeu decente, capaz de apoiar os Estados no seu desenvolvimento.
O País precisa de uma União Europeia que consiga ter mínimos — mínimos de salários, mínimos de
serviços públicos — e não um sistema de concorrência fiscal que faz com que cada País corra para o fundo,
com impostos cada vez mais baixos sobre o capital que, depois, recaem sobre o trabalho, como agora bem se
vê com este Orçamento do Estado — segunda descida do IRC e o IRS continua nos topos, tal como o IVA,
que tanto prejudica a economia.
A União Europeia precisa de uma política de coesão de facto, não só para dentro mas para fora. Não
precisamos de afastar mais imigrantes; não precisamos de reforçar o Frontex; não precisamos de ter centenas
de pessoas à morte às portas da União Europeia, como temos hoje; não precisamos de uma política que
afasta os imigrantes e os trata como se eles não tivessem também um lugar aqui, como se a União Europeia
também não precisasse deles para combater o défice demográfico e como se não fosse direito de qualquer
cidadão do mundo viver e trabalhar aqui.
A Europa só vale assim! A União Europeia só vale se for de solidariedade! A União Europeia só vale se for
de democracia! A União Europeia só vale se for para ter mais serviços públicos! A União Europeia só vale se
for para rejeitar o tratado orçamental e para rejeitar a austeridade! A Europa só vale se for para os povos;
senão não vale a pena!
Aplausos do BE.
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A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção cabe ao CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Srs. Secretários de
Estado: Acabámos de ouvir duas intervenções zangadas com a Europa!
O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Bem lembrado!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Zangadas!
Queria dizer, em nosso nome, o seguinte: nós temos muitas razões de preocupação e de crítica, mas não
temos motivos para estar zangados com a Europa, porque estaríamos muito pior se não estivéssemos no
quadro da União Europeia.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Tem de o provar!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Basta olhar à volta e ver aqueles que se querem juntar à União
Europeia.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Portanto, tratemos dos problemas, mas tenhamos também clareza nos quadros políticos para que
encaminhamos o nosso País.
Gostaria de, muito rapidamente, tratar alguns temas em curso e, depois, colocar algumas questões de
fundo sobre estes três debates que aqui agora se encerram.
Em primeiro lugar, quero saudar o trabalho do Governo em matéria dos fundos, quer para o passado quer
para o futuro, nomeadamente nos fundos do QREN e nos do PRODER, referindo o incremento notável na sua
execução, porque, de facto, nesta matéria das políticas europeias não é só preciso inteligência e acerto nas
ideias, é também preciso competência e nós queremos saudar a competência que o Governo tem
demonstrado nessa matéria.
Em segundo lugar, queria referir o avanço na união bancária — é preciso levar até às últimas
consequências — e a forma equilibrada, mas determinada e clara, como estamos a iniciar o desenvolvimento
do Semestre Europeu, que é uma nova metodologia de concertação orçamental no quadro da União Europeia
e, em particular, da zona euro.
Gostaria, ainda, de realçar a nossa preocupação quanto a temas que continuam a estar na primeira linha
da agenda: a imigração (os terríveis dramas que vemos acontecer no Mediterrâneo); e uma linha de três
políticas que continuam a ser desafios permanentes da Comissão Europeia e dos Governos dos Estados-
membros: consolidação orçamental, crescimento e emprego. Repito: consolidação orçamental, crescimento e
emprego.
Queremos também chamar a atenção para a Agenda Digital e ter esperança de que esta nova Comissão
consiga concretizar avanços na defesa dos direitos dos consumidores nesta área tão importante na
modernidade para o cidadão comum, para a cidadania e também para a economia contemporânea.
E, obviamente, não podemos deixar de dar uma palavra à nova Comissão, saudando o Comissário
português Carlos Moedas pelo desempenho brilhante que teve nas audições no Parlamento Europeu…
Risos do PCP.
… e por ter saído como um dos mais cotados na equipa.
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Convém recordar que o Comissário espanhol teve problemas, o Comissário francês teve problemas, a
Comissária eslovena teve problemas e teve de ser mudada, o Comissário checo teve problemas, o Comissário
inglês teve problemas e o Comissário português passou com boa classificação.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Tal é a irrelevância que não teve problema nenhum…!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Quero lamentar a pequenez da esquerda parlamentar no
Parlamento Europeu e aqui também, porque, para Portugal e para nós todos, é muito importante que, depois
de ter sido um português, durante 10 anos, a presidir à Comissão Europeia, tenhamos um Comissário que
acrescente prestígio e agilidade europeia ao País e à sociedade portuguesa, ainda por cima num pelouro de
grande importância.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Agora, quero falar sobre alguns temas de fundo quanto à Europa e à construção europeia.
Preocupa-nos a paz. A paz voltou a estar na primeira linha das preocupações da Europa e eu faço votos
para que os encontros em Milão entre os Presidentes Poroschenko e Putin corram bem, acrescentem paz já
antes do inverno e que a União Europeia desempenhe aí um papel muito importante na estabilização da nossa
vizinhança na fronteira leste. É muito importante que isso aconteça!
É importante para os ucranianos, é importante para os russos, mas é também importante para a União
Europeia e, em particular, para os países bálticos, a Polónia, e outros que com mais inquietação seguem
esses acontecimentos.
Depois, o terrorismo. O terrorismo também continua na nossa agenda, pela pressão do Estado islâmico e
pelo recrutamento nos nossos países de agentes do Estado islâmico, como tem sido noticiado.
Portanto, é muito importante que continuemos o esforço à volta da memória das vítimas do terrorismo. É
preciso dar mais fôlego ao dia 11 de março, que é o Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo, e
que a sociedade europeia se mobilize para isso. E é também importante, como já aqui votámos no
Parlamento, que se concretize a declaração do «Dia Internacional em Memória das Vítimas do Terrorismo»,
por impulso europeu, e que esse dia possa ser, por exemplo, 19 de agosto, que é o dia em que morreu Sérgio
Vieira de Melo, em Bagdade.
O Sr. Paulo Almeida (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Já houve, em Nova Iorque, essa proposta; e é preciso repô-la,
porque, de facto, o combate contra o terrorismo é mundial e é preciso lutar, permanentemente, pela sua
«ilegitimação» e pela sua erradicação.
Depois, na Europa, não recebemos apenas, também temos de dar, somos também construtores da Europa
e de novas ideias na Europa. E hoje, que estamos no rescaldo de grandes medidas fiscais, decididas pelo
Governo, nomeadamente em tributação de pessoas singulares, como o quociente familiar, creio que é muito
importante que levemos isso para o debate europeu, para a cooperação em política fiscal, já que só a França
tem também um regime deste tipo.
Esta é uma linha de tributação também na linha da reforma que temos feito no IRC, onde o Governo
português pode dar contributos positivos ao debate no Conselho, em matéria de avanço da tributação quer em
relação às empresas, quer em relação às pessoas singulares, considerando aqui a família, enquanto houver
responsabilidades familiares.
Agora, dois últimos pontos que mais me preocupam. Primeiro, é preciso voltar ao sonho europeu.
Nós vivemos tempos de grande desencantamento e de grande frustração, que também se manifestam com
fenómenos extremistas, mas nós, diferentemente ao Bloco de Esquerda, olhando aos acontecimentos de rua,
na Grécia, há poucos anos, não distinguíamos os cocktail molotov do Syrisa, e dos seus companheiros de rua,
da violência do Aurora Dourada. Nós não distinguíamos!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Não engane as pessoas!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Somos contra ambos e entendemos que isso é matéria de
grande preocupação.
Portanto, é importante que saibamos fazer, desta legislatura, de 2014-2019, a legislatura do reencontro dos
europeus com a União Europeia.
Pelo reforço da democracia, é preciso contrariar a prática de as instituições aparecerem aos cidadãos
como uma oligarquia pastosa e obscura, uma espécie de imperador sem rosto, que ninguém sabe bem quem
é, mas sentimos que manda em nós. É preciso mais democracia, mais participação, mais mercado interno,
mais coesão e mais cooperação económica. São estes os temas desta legislatura para que quero animar o
Governo, no quadro da sua participação nas instituições europeias. E, para isso, também é importante que
agora, que, ainda num tempo de grande exigência, os tempos de maior aperto podem passar,…
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — … relancemos a política europeia como a prioridade das
prioridades da nossa política externa.
Creio que é importante que tenhamos embaixadas em todas as capitais da União Europeia…
Protestos do PS.
… e que saibamos iniciar uma nova forma de trabalho de conjunto da diplomacia, no quadro da União
Europeia, na ligação com o Conselho e na influência no Conselho.
Isso é indispensável para vivermos esta periferia mental com que, tantas vezes, no nosso País, olhamos
para a Europa e que passemos a ter um papel ativo, influente, na construção da Europa, não só para
melhorarmos o nosso desempenho,…
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado Ribeiro e Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — … mas, sobretudo, para darmos um contributo para a
superação dos problemas da Europa e a fazermos mais democrática, mais coesa, mais próxima dos cidadãos.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, peço desculpa, permite-me uma interpelação à Mesa
sobre a condução dos trabalhos?
A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, foi ainda agora referido, na intervenção do CDS, que,
da parte do Bloco de Esquerda, haveria uma complacência com determinados acontecimentos na Grécia que,
por um lado, não são provados por quem os proferiu e, por outro lado, não mereceram qualquer tipo de
complacência da parte do Bloco de Esquerda; pelo contrário, o Bloco de Esquerda condenou todas as
bombas,…
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, isso não é bem uma interpelação.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … todos os cocktail molotov, todos os ataques à liberdade que a
extrema-direita fez na Grécia.
Aplausos do BE.
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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos prosseguir…
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, permite-me o uso da palavra?
A Sr.ª Presidente: — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Para o mesmo efeito do orador que me antecedeu, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Tem toda a razão, Sr. Deputado, tem direito à réplica, porque não se tratou de uma
interpelação e por uma questão de igualdade.
Faça favor, Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, é muito simples: vivemos num mundo onde há
provas e essas provas são as imagens televisivas.
Portanto, o que aconteceu na Grécia não teve a complacência, teve a presença dos Deputados do Bloco
de Esquerda, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Vozes do BE: — Não, não teve! Prove!
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos prosseguir.
A próxima intervenção cabe ao Grupo Parlamentar Os Verdes.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado dos
Assuntos Europeus: Quanto ao emprego jovem, a única medida que se conhece do Governo é o conselho que
o Governo deu aos jovens para sair do seu conforto. Portanto, a política do Governo, em matéria de emprego
jovem, reduz-se a uma palavra: emigração!
Depois, quanto ao clima e à energia, o Sr. Secretário de Estado nada disse.
O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Seja sério!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Presumo que, se calhar, também não tinha muito para dizer e, se
calhar, é isso que vai acontecer no Conselho, ou seja, Portugal vai ouvir os outros. É assim mesmo: «Manda
quem pode, obedece quem deve»!
Quando nós falamos de União Europeia, falamos de uma realidade distante, lá longe e, infelizmente, de um
poder sem rosto. Temos cada vez mais a Europa dos mercados e cada vez menos a Europa das pessoas, dos
cidadãos.
Temos uma Europa que já há muito removeu do seu vocabulário conceitos como o de solidariedade ou de
justiça social; temos uma Europa que continua a alargar o fosso entre países ricos e países pobres, entre
cidadãos ricos e cidadãos pobres; temos uma Europa cada vez mais reduzida a um instrumento das políticas
neoliberais; temos uma Europa que continua a levar-nos a nossa soberania e, agora, também, a nossa
soberania orçamental; e temos uma Europa que continua a ser construída nas costas dos cidadãos,
nomeadamente dos cidadãos portugueses, que nunca tiveram oportunidade de se pronunciar sobre o caminho
que a Europa está a seguir.
Mas a Europa está como está, porque esta foi a Europa que os Governos foram construindo, uns a mandar
e outros a obedecer — é certo! —, mas, com as ordens de uns e a obediência cega de outros, foi esta a
Europa que os Governos foram construindo, à margem dos povos europeus e de costas viradas para as
pessoas.
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Temos, hoje, assim, uma Europa cada vez mais neoliberal, onde o que conta são os mercados e,
sobretudo, a banca e onde os povos, as pessoas pouca relevância assumem.
Temos, hoje, uma Europa pouco recomendável, a esgravatar por todos os lados à procura de uns tostões,
aqui e acolá, seja retirando nos salários, seja retirando no 13.º mês, no subsídio de férias, nos apoios sociais,
nas reformas, tudo para sossegar os mercados, para salvar a banca do buraco em que ela própria se meteu e,
com a cumplicidade dos Governos, acabou por arrastar também os Estados e os povos que nada têm a ver
com a situação criada. Isto é ainda mais grave, quando a situação imposta se chama austeridade e sacrifícios
para os povos, quando todos sabemos que não haverá crescimento económico com uma política de
austeridade recessiva como aquela que está a ser seguida em Portugal.
Mas esta Europa que esteve e está ao serviço dos grandes interesses e dos grandes grupos económicos,
pelos vistos, assim vai continuar. Basta ver a composição da nova Comissão Europeia, essa mesma
Comissão que, na tomada de posse, mostra grandes preocupações sociais, mostra grandes preocupações
com os mais desfavorecidos, mostra grandes preocupações com o emprego, mas todos sabemos que, com
esse discurso, apenas procura esconder o propósito de dar continuidade às políticas neoliberais que
colocaram a União Europeia na atual situação de recessão e de crise.
Basta olhar para as ligações dos novos comissários aos grandes grupos económicos e financeiros para se
perceber a sinceridade das suas preocupações com as questões sociais: uns, têm grandes ligações aos
grupos financeiros da City, de Londres e até se recusam a divulgar as empresas por onde passaram; outros,
têm ligações às empresas petrolíferas, como a Ducar e a Petrologis; e outros também passaram pela Goldman
Sachs.
Não admira, assim, que a Europa continue a ser reduzida a um instrumento ao serviço dos grandes
interesses económicos e financeiros e que os povos, as pessoas, os europeus continuem a não ter qualquer
relevância nas políticas e nas decisões da União Europeia, que mais parece um clube, um grande clube dos
senhores do dinheiro.
A Sr.ª Presidente: — Antes de prosseguirmos, quero colocar duas considerações aos Srs. Deputados, a
primeira das quais é sobre se devemos terminar este debate antes das votações que estão marcadas para as
12 horas.
Na minha opinião, como estão aqui presentes membros do Governo, por consideração com o trabalho dos
membros do Governo e porque só faltam duas intervenções, penso que podemos concluir este debate, se
estiverem de acordo, para não se perder a sua unidade, depois procederemos às votações regimentais e, em
seguida, entraremos no último ponto da nossa ordem de trabalhos.
Pausa.
Dado que ninguém se opõe, vou, então, dar a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Ana Catarina
Mendonça.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs.
Deputados: Creio que estes debates começam a ser um bocadinho confrangedores para todos nós.
Entre um Governo que assume uma postura totalmente acrítica de tudo o que está a acontecer na União
Europeia, bancadas à direita que absorvem como boas todas as decisões do diretório europeu e a descrença
da esquerda parlamentar em relação ao projeto europeu, estamos, Sr.ª Presidente, na dimensão que a crise
nos trouxe, sem aquilo que este debate, hoje, devia ser. Este não devia ser um debate para cumprir
calendário, mas um debate para propor alternativas e para saber o que quer o Governo português fazer no
atual contexto.
Se é verdade o que a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua aqui disse há pouco, que sucessivamente as
presidências europeias assumem como prioridade o crescimento e o emprego, não é menos verdade, Sr.ª
Presidente, que a experiência demonstra-nos que, quando há vontade política dos Governos, então, é possível
cumprir o objetivo de trazer de novo à Europa crescimento e emprego.
Creiam, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, que o Sr. Secretário de Estado nos deixa aqui ainda mais
perturbados. O Sr. Secretário de Estado acha que o Governo tem feito muito pelo desemprego jovem em
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Portugal e não é preciso ir muito atrás, senão dois dias, para percebermos que o Orçamento do Estado para
2015, que o seu Governo traz ao Parlamento e oferece aos portugueses, é um Orçamento do Estado ao
arrepio do que pede a Presidência italiana da União Europeia, ao arrepio do que pede o novo presidente da
Comissão Europeia, Juncker, ao arrepio daquilo que deve ser uma aposta no investimento em Portugal e
continua, sistematicamente, a oferecer aos portugueses empobrecimento, maior carga fiscal, maior
fragilização do Estado social.
Por isso, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, o crescimento e o emprego não podem ser apenas um
objetivo e uma palavra bonita que fiquem inscritas nas prioridades de uma presidência europeia, têm de ser
desenvolvidos e assumidos como uma prioridade absoluta dos Governos dos Estados-membros.
Numa altura em que assistimos à discussão dos Orçamentos do Estado para 2015 em todos os Estados-
membros, em que assistimos ao braço de ferro entre a Alemanha e a França, em que vemos a França dizer
que não é possível cumprir este défice, ou as metas que a União Europeia oferece, precisamente porque isso
coloca em causa a coesão social de França e de todo o espaço europeu, é o próprio Estado português que,
com este Orçamento, nos fragiliza, nos penaliza e nos empobrece ainda mais.
Mas, nestes últimos 2 minutos, quero referir que houve um momento que não mereceu a devida atenção
deste Governo, relativo a uma matéria que me parece absolutamente essencial. Se é verdade que está hoje
em causa o projeto europeu em todas as suas dimensões e também naquela que deve ser a solidariedade
entre os povos, não é menos verdade, Sr.ª Presidente, que a Presidência europeia tem a ambição de
promover uma verdadeira e efetiva solidariedade ao nível da questão da imigração.
Aquilo que está a acontecer nos países vizinhos da União Europeia, da Ucrânia à Síria, que nos entregam
hoje centenas e centenas de pessoas que procuram novas oportunidades no espaço europeu, e aquilo a que
temos assistido tem uma dimensão absolutamente trágica, do ponto de vista humano, que exige solidariedade
entre todos os povos.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — E, Sr.ª Presidente, seria para nós lamentável que a Europa se
pudesse conformar com o modo, por vezes, a raiar a violação dos direitos humanos, como se está a tratar a
imigração.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — A fuga à guerra e à pobreza por parte de seres humanos nossos
vizinhos não pode merecer, deste Parlamento nem deste Governo, insensibilidade, mas tem de merecer uma
voz ativa no espaço europeu, para promover a devida solidariedade e as políticas de integração a estes
imigrantes.
É difícil identificar, nestas prioridades da União Europeia, medidas concretas, mas há, pelo menos, a
vontade de um compromisso com uma Europa social e não com aquilo que tem sido hábito, nos últimos anos,
uma Europa tecnocrática enredada em paliativos para resolver uma crise que se demonstrou errada, que
empobreceu e fragilizou os que mais foram fustigados pela crise europeia internacional.
Esta presidência da União Europeia — pena é que estejamos a debater as suas prioridades a meio do seu
exercício, Sr.ª Presidente, mas ainda vamos a tempo — é ambiciosa, porque recoloca a discussão da Europa
no seu ponto: o projeto europeu, enquanto projeto de solidariedade, de coesão social e de paz na Europa.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PSD e vai ser proferida pelo Sr. Deputado Carlos Costa
Neves.
O Sr. Carlos Costa Neves (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Esta é a altura para o PSD
reafirmar, novamente, o seu compromisso com a União Europeia.
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Para começar como a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça terminou, quero reafirmar o nosso
compromisso com a coesão económica social e territorial na União Europeia, quero reafirmar o compromisso
do PSD com a Europa dos cidadãos e da solidariedade. Mas, se é o momento para reafirmar esta posição do
PSD em relação à União Europeia, também é o momento para dividir águas quer com o Partido Comunista
Português, quer com o Bloco de Esquerda.
Efetivamente, retomando o tema do nosso debate de uma resolução do PCP, pela nacionalização da
banca, contra o euro e, simultaneamente, pela nacionalização de várias áreas económicas em Portugal, nós
dizemos que não é esse o caminho, não é com essa chamada «política patriótica de esquerda» que
realizamos os objetivos do nosso País.
Também em relação ao Bloco de Esquerda, não seguimos, efetivamente, o modelo boliviano nem cremos,
por outro lado, que, à parte da extrema-direita da União Europeia, tenhamos também a extrema-esquerda na
União Europeia.
Protestosda Deputada do BE Mariana Mortágua.
Defendemos a solidariedade europeia. É por isso que hoje é o momento para nos congratularmos com a
negociação do próximo quadro europeu, com o Portugal 2020, é o momento para assinalarmos o interesse
com que seguimos o programa de investimentos propostos pelo Presidente da Comissão Juncker e é também
o momento em que relembramos o quanto é importante compatibilizar uma iniciativa europeia, como a do
Horizonte 2000, com este programa nacional de desenvolvimento.
Efetivamente, assume, neste momento, uma grande importância a inovação, a ciência, a investigação,
assume grande importância a pasta atribuída ao novo Comissário português Carlos Moedas e não há que
procurar nem ter dúvidas quanto à forma de conciliar o euro nacional com o euro europeu, como referia o Sr.
Deputado Bravo Nico. Afinal, o que há a fazer é aproveitar as possibilidades dos programas europeus, como o
Horizonte 2000, aproveitar o quadro comunitário de que Portugal é direto responsável.
Se quisermos, hoje, ser completamente honestos sob o ponto de vista intelectual, teremos de dizer e
reconhecer a interdependência necessária entre a consolidação orçamental, o crescimento, o emprego e as
reformas estruturais. Não é possível crescimento e emprego sem consolidação orçamental; não é possível
consolidação orçamental sem crescimento e emprego;…
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Esse é que é o problema!
O Sr. Carlos Costa Neves (PSD): — … não é possível consolidação e crescimento sem reformas
estruturais. Portanto, assumamos isto, de uma vez por todas, que é uma clara área de consenso!
Continua a ser muito importante que todos, em função das nossas circunstâncias, sejamos tratados de
forma equitativa, não de forma igual, que trata o que é diferente de forma igual, mas tratando de forma igual o
que é igual.
Em relação à consolidação orçamental, enquanto as regras forem as atuais, efetivamente, aquilo que
defendemos é que as regras sejam iguais para todos — para Portugal, para França, para Itália — e que sejam
aplicadas da mesma forma a todos os Estados-membros, nomeadamente no domínio da consolidação
orçamental.
Como a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça falou naquele magno problema da imigração, queremos
também afirmar o nosso compromisso com os pontos da presidência italiana que incidem exatamente sobre
essa questão da imigração, e a presidência italiana empresta um conhecimento específico a toda essa
problemática.
Portanto, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.ª Presidente, aquilo que, no fundo, reafirmo aqui é que continuamos a
considerar que fazemos com mais Portugal mais União Europeia, fazemos com mais União Europeia mais
Portugal.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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A Sr.ª Presidente: — Terminámos o debate, com a participação do Governo, sobre as prioridades da
presidência italiana do Conselho da União Europeia, o debate referente ao relatório anual do Governo sobre a
participação de Portugal na União Europeia relativo ao ano de 2013 e o debate preparatório do Conselho
Europeu a realizar nos dias 23 e 24 de outubro, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de
Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de
Construção da União Europeia.
Cumprimento os Srs. Membros do Governo que participaram nestes debates.
Srs. Deputados, ainda antes de iniciarmos as votações, quero relembrar que está a decorrer, na Sala D.
Maria, a eleição de um Vice-Presidente e de um Vice-Secretário da Mesa da Assembleia da República, a qual
termina 10 minutos após o encerramento da presente sessão plenária.
Peço aos Srs. Deputados que ainda não o tenham feito o favor de não se esquecerem de votar e relembro
ainda que, depois procedermos às votações, seguir-se-á o debate do último ponto da nossa ordem de
trabalhos.
Vamos, então, proceder à verificação eletrónica do quórum de deliberação, para o que peço aos serviços o
favor de prepararem o sistema eletrónico e aos Srs. Deputados o favor de se registarem.
Pausa.
Srs. Deputados, o quadro eletrónico regista a presença de 202 Deputados, a que a Mesa acrescenta os
Srs. Deputados do PS Isabel Oneto e José Junqueiro, o que perfaz um total de 204 Deputados presentes, pelo
que temos quórum de deliberação.
Vamos, então, começar por votar o Orçamento da Assembleia da República para 2015.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Segue-se a votação do projeto de resolução n.º 1116/XII (4.ª) — Dia Nacional das Linhas de Torres (PSD,
PS e CDS-PP).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. António Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra para
uma declaração de voto oral, quando for oportuno?
O Sr. João Oliveira (PCP): — No final das votações!
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado António Rodrigues, a Mesa regista o seu pedido, uma vez que,
segundo o Regimento da Assembleia da República, a declaração de voto oral é feita no final das votações.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 249/XII (4.ª) — Altera o Código do
Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de
novembro, transpondo a Diretiva 2014/86/UE, do Conselho, de 8 de julho de 2014, que altera a Diretiva
2011/96/UE relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-
membros diferentes, adequando ainda o regime especial de tributação de grupos de sociedades à
jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP,
do BE e de Os Verdes.
A proposta de lei baixa à 5.ª Comissão.
Vamos agora o votar o texto de substituição, apresentado pela Comissão de Agricultura e Mar, relativo ao
projeto de resolução n.º 1115/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo que, no processo negocial com as
instituições europeias, dê prioridade à atribuição e consolidação de maiores recursos para Portugal em termos
de captura, cultura e engorda de atum rabilho, bem como quanto às atinentes quotas (PS).
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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Passamos à votação do projeto de resolução n.º 1118/XII (4.ª) — Recomenda a implementação urgente de
medidas de apoio à infância (BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e
de Os Verdes e a abstenção do PS.
Srs. Deputados, segue-se a votação, na generalidade, do projeto de lei n.º 527/XII (3.ª) — Proíbe a
cobrança, pelas instituições de crédito, de comissões, despesas ou outros encargos pela manutenção de
contas de depósito à ordem (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Segue-se a votação, na generalidade, do projeto de lei n.º 529/XII (3.ª) — Assegura o acesso dos cidadãos
aos serviços mínimos bancários gratuitos e limita a cobrança de despesas de manutenção de conta por parte
das instituições de crédito (altera o Decreto-Lei n.º 27-C/2000, de 10 de março, e o Decreto-Lei n.º 298/92, de
31 de dezembro) (BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e
de Os Verdes e a abstenção do PS.
Srs. Deputados, por fim, vamos votar, na generalidade, o projeto de lei n.º 532/XII (3.ª) — Cobrança de
Comissões e outros encargos pelas Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras devidas pela prestação
de serviços aos consumidores (PS).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PS, do PCP e
de Os Verdes e a abstenção do BE.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Santos Silva.
O Sr. Carlos Santos Silva (PSD): — Sr.ª Presidente, quero anunciar à Câmara que o Grupo Parlamentar
do PSD vai apresentar uma declaração de voto escrita relativamente aos três projetos de lei que acabámos de
votar.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues para uma declaração de voto relativa ao projeto
de resolução n.º 1116/XII (4.ª) — Dia Nacional das Linhas de Torres (PSD, PS e CDS-PP), dispondo de 2
minutos.
O Sr. António Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, gostaria que constassem desta
minha declaração de voto três notas.
Primeira nota: este projeto de resolução surge na sequência da colaboração que vários municípios,
integrando diferentes partidos, trouxeram até nós para o reconhecimento de uma data relevante para a
História portuguesa — o Dia Nacional das Linhas de Torres. Cumprimento, por isso, os representantes desses
municípios, que aqui estão presentes, porque manifestaram o interesse de trazer à Câmara este
reconhecimento, dando-lhe uma dimensão nacional.
Segunda nota: é de relevar aqui a importância para a História portuguesa das Linhas de Torres como
resultado de um esforço, de um trabalho de colaboração entre comunidades, entre países, nomeadamente no
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âmbito da relação histórica que existe entre Portugal e o Reino Unido, que no século XIX conseguiu traduzir-se
numa reação contra uma invasão externa.
Terceira nota: quero dizer, porque tantas vezes falamos e não reconhecemos o papel dos grupos
parlamentares de amizade, que fui o primeiro subscritor do presente projeto de resolução, mas em
colaboração, e no mesmo nível, com colegas de outros partidos que quiseram associar-se a esta iniciativa, no
entendimento conjunto de que era necessário trazer à Câmara o reconhecimento de um momento histórico
relevante para a História portuguesa.
Municípios, Deputados e, no fundo, Assembleia da República dão as mãos com a História para reconhecer,
também com os nossos parceiros estrangeiros, neste caso com o Reino Unido, que podemos encontrar um
ponto de convergência na História portuguesa. E esse facto fica hoje realçado no reconhecimento do dia 20 de
outubro como o Dia Nacional das Linhas de Torres. É este o aspeto que era relevante assinalar hoje aqui.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Concluídas as votações, e antes de passarmos ao ponto seguinte da ordem de
trabalhos, não quero deixar de lembrar que está a decorrer, na Sala D. Maria, a eleição de um Vice-Presidente
e de um Vice-Secretário da Mesa da Assembleia.
Srs. Deputados, vamos, então, iniciar a apreciação do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito aos
Programas Relativos à Aquisição de Equipamentos Militares (EH-101, P-3 Orion, C-295, torpedos, F-16,
submarinos, Pandur II).
Para iniciar o debate, tem a palavra o Presidente da Comissão, o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: No momento em que
chegamos à parte final dos trabalhos desta Comissão Parlamentar de Inquérito, a que se seguirá a votação do
Relatório, gostaria de sublinhar, em primeiro lugar, que esta foi, de facto, uma Comissão Parlamentar de
Inquérito aos equipamentos militares. E, como a Sr.ª Presidente acabou de dizer, e bem, a um conjunto vasto
de programas relativos a equipamentos militares, entre os quais os EH-101, os P-3 Orion, os torpedos, os F16,
os submarinos e as chamadas VBR, ou seja, as viaturas blindadas de rodas Pandur. Alguns destes programas
mereceram mais atenção da parte dos Srs. Deputados e outros não tanta, mas, ainda assim, todos eles foram
abordados nos trabalhos da Comissão.
Logicamente, enquanto Presidente da Comissão, as minhas primeiras palavras têm de ser de
agradecimento. De agradecimento, obviamente, a todos os que participaram nos trabalhos da Comissão, mas
muito em particular àqueles cujo trabalho tantas vezes não é reconhecido. Há uma certa crítica generalizada
ao trabalho da Função Pública e até dos funcionários do Parlamento em particular.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Da vossa parte!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Assim, Srs. Deputados, esperando ser acompanhado até pelo Sr.
Deputado Jorge Machado, gostaria de deixar aqui uma palavra de agradecimento àqueles que trabalharam
connosco, nomeando, designadamente, a Sr.ª Dr.ª Laura Costa, cujo trabalho jurídico é de excelência, a Sr.ª
Dr.ª Rosa Nunes e os técnicos que assessoraram a Comissão, Anabela Santos e António Carlos, cujo trabalho
foi inexcedível.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Queria deixar também uma palavra de agradecimento ao serviço de
Redação da Assembleia da República — que, de resto, conheço bem —, que foi também inexcedível para
tentar que as atas, designadamente as mais importantes para a Sr.ª Relatora, pudessem estar prontas a
tempo.
É evidente que, tendo esta Comissão tomado posse em maio e tendo os vários grupos parlamentares, e
legitimamente, pedido que não se iniciassem os trabalhos sem o acervo documental suficiente — pelo que,
efetivamente, os trabalhos só começaram em julho —, conseguir trabalhar dentro dos prazos
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consensualizados, primeiro, na Conferência de Líderes e, depois, deliberados pelo Plenário, exigiu um enorme
esforço por parte daqueles que trabalharam connosco e do serviço de Redação em concreto.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, em relação ao trabalho produzido, destacaria três
tópicos essenciais.
Em primeiro lugar, gostaria de destacar que foi possível recolher 53 depoimentos, três por escrito e os
outros 50 presenciais; foi possível fazer perguntas e ouvir as respostas, transmitindo-as em direto para todo o
País, de 50 personalidades que conhecem e que intervieram nesta matéria.
De facto, ouvimos todos os chefes militares — quando digo todos refiro-me àqueles que a Comissão quis
chamar, como é evidente —, todos os Ministros da Defesa, todos os Ministros da Economia, todos os
presidentes da Comissão Permanente de Contrapartidas.
Ouvimos personalidades relevantes com conhecimento nesta matéria, como, por exemplo, os ex-
Deputados Ventura Leite e Henrique Neto, do Partido Socialista, e a Sr.ª Eurodeputada Ana Gomes.
Ouvimos responsáveis de várias empresas, mesmo daquelas que têm sido consideradas mais polémicas
— estou a pensar, por exemplo, na Escom, da qual ouvimos não só os diretores como até os assessores.
Ouvimos os representantes do consórcio alemão e, ineditamente, até um dos principais intervenientes de um
processo na Alemanha, que penso que nunca tinha sido ouvido, nem sequer em entrevista, pelos portugueses,
um representante da Ferrostaal. Ouvimos representantes do concorrente alemão, ouvimos representantes do
concorrente francês, ouvimos muitos responsáveis de empresas envolvidas nas contrapartidas, alguns dos
quais até eram arguidos em processos mas vieram depor à Comissão, e isso foi muito importante.
Em segundo lugar, Sr.ª Presidente, eu destacaria que a Comissão obteve um acervo documental, na minha
opinião, muitíssimo importante — são centenas e centenas de documentos, milhares de páginas —, que é não
só relevante como único e, do meu ponto de vista, incontornável para quem queira debruçar-se e analisar a
matéria dos programas de aquisição de equipamentos militares. Ou seja, trata-se de um acervo indispensável
para qualquer análise que se queira fazer sobre esta matéria.
O Sr. José Magalhães (PS): — Sem dúvida!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Em terceiro lugar, gostaria de destacar que, obviamente, foi possível
produzir um relatório, que é um relatório desenvolvido, de 417 páginas. E sinto-me na obrigação de, enquanto
Presidente da Comissão, por uma questão de justiça, deixar aqui uma palavra de apreço ao trabalho que, em
circunstâncias de exigência e em circunstâncias de prazo limitado, só foi possível não só pela qualidade
parlamentar mas também pela capacidade pessoal e metódica da Sr.ª Relatora Mónica Ferro para realizar
este relatório.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
É evidente, Sr.ª Presidente, que nos deparámos com dificuldades nos trabalhos desta Comissão. Eu não
gostaria de fugir a fazer referência a essas dificuldades e, por isso, elencá-las-ei brevemente.
Primeira dificuldade: houve uma dificuldade que, na minha opinião, deve ser objeto de reflexão do
Parlamento. Refiro-me à possibilidade de ouvirmos advogados quando estão sujeitos ao segredo profissional.
Sublinho, de resto, que a Ordem dos Advogados deixou muito claro ser seu entendimento que, por regra, o
segredo profissional dos advogados não deve ser levantado. É, obviamente, uma dificuldade que se refletiu
nesta Comissão, Sr.ª Presidente, mas que poderá ter impacto em futuras comissões parlamentares de
inquérito e, por isso mesmo, é entendimento da Comissão que esta questão deve merecer atenção e reflexão.
É evidente que os advogados que estavam sujeitos a segredo profissional, nalguns casos, vieram à
Comissão, falaram e as suas declarações foram até muito úteis, mas, ainda assim, a regra da Ordem dos
Advogados, que ficámos a conhecer, é a de que não se levanta o segredo profissional, o que pode ser uma
dificuldade, obviamente, tanto para esta como para futuras comissões de inquérito.
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Segunda dificuldade: ouvir cidadãos estrangeiros que, através dos seus advogados, se refugiaram em duas
circunstâncias — primeira, a de serem arguidos, ou em Portugal ou no seu próprio país; segunda, não tendo
estatuto de residente, a de não se considerarem obrigados a depor perante uma comissão de inquérito. É uma
matéria que, do meu ponto de vista, merece também reflexão e preocupação por parte do Parlamento, caso
venhamos a confrontar-nos com ela em futuras comissões de inquérito.
É certo que a Comissão fez o que tinha a fazer, reportou a V. Ex.ª essas situações e, tanto quanto sei, a
Sr.ª Presidente até já deu seguimento para a Procuradoria-Geral da República para o que for entendido por
conveniente. De qualquer forma, é uma matéria que deve ser pensada.
Um terceiro objeto de dúvida e preocupação foi o próprio prazo de trabalho e funcionamento da Comissão.
Como é evidente, este aspeto gerou uma enorme discussão entre aqueles que entendiam que, salvo motivos
de força maior, o prazo deveria ser, tanto quanto possível, cumprido, que foi sempre o entendimento da
maioria, e entre o entendimento da oposição, que considerou sempre que quer o ritmo quer a capacidade de
trabalho intensiva não seriam suficientes para a forma como a Comissão devia trabalhar e que dever-se-ia até
manter em aberto a Comissão, procurando novas iniciativas ou novas realidades.
Devo dizer que, enquanto Presidente da Comissão, procurei cumprir a regra. E a regra, que nem sempre
no nosso País é levada muito a sério mas que me parece uma boa regra, era a de procurar cumprir os prazos
de trabalho, se necessário trabalhando intensivamente. Este é o resultado do nosso trabalho.
Sr.ª Presidente, para terminar, não deixaria de dizer que notei algumas críticas e dúvidas sobre o trabalho
da Comissão.
A primeira das críticas tentava passar um pouco a ideia de que esta Comissão teria funcionado com muitos
incidentes ou sempre sujeita a incidentes. Devo dizer que, da minha experiência, não guardo nenhum agravo
desse tipo, muito pelo contrário. Penso que os trabalhos da Comissão decorreram sempre sem grandes
incidentes, sem problemas de maior, funcionaram sempre, e só, eventualmente, na fase final, e em relação ao
seu fecho, se notou alguma crispação. De facto, não registei incidentes de maior.
A segunda das críticas referia-se à ausência de determinadas diligências. Não estou a referir-me aos
Deputados ou aos grupos parlamentares, mas tenho lido na comunicação social que haveria diligências
fundamentais que deveriam ter sido feitas, designadamente em relação a fluxos financeiros e a determinadas
personalidades que deveriam ter sido ouvidas, e que, provavelmente, serão ouvidas numa outra comissão de
inquérito entretanto constituída. Estou a referir-me obviamente, e sem dúvidas, à comissão de inquérito ao
caso do BES.
Devo dizer, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, que ninguém pediu a audição de tais personalidades.
Portanto, aproveito para informar a comunicação social que essas audições não foram pedidas.
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Por último, e agora sim, Sr.ª Presidente, mesmo a terminar, queria dizer
que a Comissão parou naquilo que é, do meu ponto de vista, a fronteira da justiça e a fronteira da separação
de poderes.
É certo que outras entidades continuarão a trabalhar sobre estes assuntos, é certo que outras comissões
poderão vir a analisar questões que tocam nestas mesmas questões. Não tenho a pretensão, nem tenho,
sequer, a convicção de trabalhar na sétima maravilha das comissões de inquérito, mas também tenho a
certeza de que o trabalho que fizemos foi útil, foi produtivo, é um acervo fundamental que, seguramente, será
tido em conta em qualquer futura discussão sobre esta matéria. Na minha opinião, foi feito um trabalho com
integridade, com seriedade, com honestidade e com empenho.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — O Sr. Deputado Telmo Correia ultrapassou o tempo de que dispunha. Sendo o
Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito foi difícil interrompê-lo, mas pedia aos Srs. Deputados que
atentassem nos limites de tempo para intervenção.
Vou dar agora a palavra à Sr.ª Relatora da Comissão, Deputada Mónica Ferro, a quem peço o favor de
respeitar o tempo.
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Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas, Srs. Deputados: Foi com grande sentido
de responsabilidade que abracei a minha função de relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito Relativa
aos Programas de Aquisição de Equipamentos Militares.
Diz-nos o Regimento que estas comissões têm por missão vigiar o cumprimento das leis e apreciar os atos
do Governo e da Administração. Para além de obedecerem a regras próprias em matéria de constituição,
gozam dos poderes de investigação das autoridades judiciais.
Ora, a proximidade dos poderes de investigação das autoridades judiciais e a possibilidade de produzirem
provas no decurso dos seus trabalhos leva, por vezes, à perceção errada de que o apuramento dos factos nas
comissões de inquérito deve dar lugar a uma sentença ou a uma acusação.
Como sabemos, e desejamos, não é assim: num Estado de direito, erigido sobre o princípio da separação
de poderes, compete ao Ministério Público aduzir a acusação e cabe aos tribunais o monopólio das sentenças
judiciais.
Os Deputados não deixam de colaborar com a justiça. Por isso, a última frase deste relatório recomenda a
sua remissão, bem como o acervo documental coligido, para Procuradoria-Geral da República para os efeitos
legais convenientes. Mas as nossas conclusões são factuais.
Do mesmo modo, quis representar com imparcialidade, com abertura e com frontalidade as questões que
foram colocadas pelos diferentes partidos políticos. A minha maior preocupação foi trazer luz sobre todas as
matérias, com garantia do contraditório no apuramento dos factos e com total desassombro sobre as eventuais
consequências.
Durante demasiado tempo, os processos de aquisições de equipamento militar em Portugal estiveram
envoltos num clima de suspeição e de suposta falta de transparência, que em nada favorece a qualidade da
nossa democracia, o bom nome dos agentes políticos e militares e a confiança nas contas públicas.
Encarei o presente relatório como uma oportunidade, rara e tardia, para o esclarecimento cabal sobre as
escolhas dos equipamentos militares dos sete programas em questão, sobre a lisura dos procedimentos
adotados pelos vários governos e chefias militares e sobre as responsabilidades políticas de cada um destes
movimentos. Factos, foi o que procurei.
Foi com este espírito que trabalhei para que o relatório fosse um reflexo límpido do que foi produzido em
termos de prova na Comissão.
O presente relatório versa sobre sete grandes programas: a aquisição de helicópteros EH 101, a
modernização das aeronaves P-3, a aquisição das aeronaves C-295, a aquisição de torpedos para os
submarinos, a modernização das aeronaves F-16, a aquisição dos submarinos e a aquisição de Viaturas
Blindadas de Rodas (VBR-PANDURII).
Durante 62 reuniões, foram ouvidos 50 depoentes, mais 3 que responderam por escrito.
Estas reuniões deram lugar a mais de 4000 páginas de atas de audições e a milhares de outras páginas de
documentos enviados à Comissão. O relatório final soma 420 páginas de factos, seis de conclusões e uma de
recomendações.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.as
Deputadas: Trata-se do mais exaustivo trabalho de audição,
contraditório e recolha documental até hoje realizado na Assembleia da República sobre a política de
aquisições de equipamentos militares e regime de contrapartidas.
Este relatório abre transmitindo aos portugueses e às portuguesas o consenso que existe entre os
diferentes governos e partidos com assento parlamentar, sobre a necessidade imperiosa de aquisição e
modernização dos equipamentos militares.
Os chefes militares, ouvidos em Comissão, destacaram a gravidade da situação operacional no final da
década de 90 do século passado e que obrigou os diferentes responsáveis políticos a uma política de
reequipamento.
Tratava-se de garantir a segurança e defesa da Pátria, tratava-se de garantir a segurança do povo
português e de permitir a Portugal desempenhar as missões de paz e segurança, de assistência humanitária e
de cooperação técnico-militar que tanto prestigiam o nosso País. Todos os Deputados da Comissão
secundaram esta preocupação.
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Do mesmo modo, nenhum Ministro de Defesa Nacional, desde 1998, afirmou que teria homologado um
vencedor diferente nos vários concursos analisados. E os dois ex-Primeiro-Ministros ouvidos, António Guterres
e José Manuel Durão Barroso, confirmaram inequivocamente serem favoráveis à aquisição de submarinos
para manter essa capacidade. Importa reter este facto, tendo em atenção o grau de polémica, frequentemente
demagógica, sobre a capacidade submarina portuguesa.
No decorrer das audições, foram ouvidos os Chefes Militares dos três ramos das Forças Armadas, todos os
Ministros da Defesa Nacional desde 1998, todos os Presidentes da Comissão Permanente de Contrapartidas e
os Ministros da Economia solicitados.
Nenhum decisor político, atual ou antigo, ficou por ouvir.
A questão das contrapartidas foi enfatizada em várias reuniões. As contrapartidas são compensações a
que se obriga um fornecedor estrangeiro de equipamento militar perante o Estado que adquire o equipamento.
E obriga-se a provocar efeitos diretos, indiretos e induzidos na economia do país adquirente, não a uma
compensação em dinheiro. E esta é uma questão fulcral.
Não obstante o regime de contrapartidas ter sido extinto, mantêm-se em vigor os contratos de
contrapartidas em execução, hoje na tutela do Ministério da Economia, em articulação com o Ministério da
Defesa Nacional.
Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas, Srs. Deputados: Apesar de o ambiente que rodeou a Comissão ter sido,
não raras vezes, de insinuações, dos trabalhos da Comissão não se retirou qualquer prova de cometimento de
ilegalidades pelos decisores políticos e pelos militares nos concursos analisados.
A Comissão obteve informação e debateu largamente aspetos que admitem controvérsia política. Assim foi
quanto ao enquadramento legal da LPM (Lei de Programação Militar), as escolhas das capacidades
prioritárias, a política de contrapartidas, a organização e transparência do financiamento, as principais
cláusulas contratuais. Mas o domínio dessa controvérsia foi político e não se confundiu com questões de
legalidade ou probidade. Neste sentido, alguns depoentes tiveram até oportunidade de retificar e anular
acusações menos fundadas feitas anteriormente.
Mas foi possível detetar, ao longo dos trabalhos, inúmeras fragilidades. Destaco alguns exemplos
significativos: nenhum responsável ouvido defendeu ser possível o reequipamento militar só com o
financiamento direto do Estado, mas pode considerar-se dominante a crítica ao excesso de intermediação
financeira atingido na LPM de 2001.
A questão das contrapartidas foi a parcela mais insatisfatória dos processos de aquisição de equipamento
militar. A Comissão reconhece, sem rodeios, que as deficiências legais e institucionais começaram em 1998 e
que se prolongaram ao longo do tempo, sendo especialmente frustrante o nível baixo de execução ao longo de
vários anos.
Se é certo que as contrapartidas podem constituir um importante instrumento para o desenvolvimento da
base tecnológica do País, a Comissão concluiu que governos sucessivos deveriam ter sido mais assertivos na
definição das prioridades para a consolidação dessa base tecnológica a associar aos contratos de
contrapartidas.
As audições dos Ministros e Presidentes das Comissões de Contrapartidas tiveram um ponto em comum: a
insatisfação e a crítica à falta de meios humanos e materiais das Comissões de Contrapartidas. Existiram
também sinais de descoordenação entre tutelas e, até, de concorrência entre elas e comissões específicas,
conforme foi reconhecido pelos Ministros da época.
A Comissão considerou ainda um erro, em determinados contratos, o Estado ter lançado contratos de
aquisição sem a simultânea definição das contrapartidas exigidas. O resultado foi perda de posição negocial
para o País.
A questão documental, da memória institucional, também foi amplamente tratada nesta Comissão. Foram
claras as fragilidades na guarda da documentação destes processos, nomeadamente no MDN (Ministério de
Defesa Nacional) que, entre várias estruturas e direções-gerais, não conseguiu impedir uma dispersão
documental. É com satisfação que sabemos que o atual MDN está a trabalhar nas condições para garantir
essa memória.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.as
Deputadas: Como disse no início, as questões que ficaram por
esclarecer prendem-se, maioritariamente, com o facto de esta Comissão ser de inquérito e não um órgão de
investigação judicial, que não pode nem deve ser substituído pelo poder legislativo.
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O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — No respeito inteiro por essas competências, foram inquiridas e esclarecidas
questões que há uma década eram tema de polémica, e foram encontrados factos que revelam a verdade e a
cronologia da atuação do Estado nestas matérias. Houve lugar para uma reflexão profunda sobre a forma
como, ao longo destas duas últimas décadas, os equipamentos militares eram adquiridos, financiados e as
suas contrapartidas negociadas.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.as
Deputadas: Permitam-me que agradeça ao Presidente da Comissão
pela forma como conduziu os trabalhos. Permitam-me que agradeça a todos os Deputados e Deputadas que
colaboraram, ao longo de 60 reuniões, no apuramento destes factos. E permitam-me, ainda, que agradeça aos
serviços da Assembleia da República o empenho, o esforço e a competência com que acompanharam os
trabalhos do relatório e neles corporize a minha gratidão a todos os que me ajudaram nesta tarefa.
Gostaria, ainda, de destacar que o enorme acervo documental, os vídeos e as atas das audiências, se
encontram disponíveis para consulta. O que ainda não está disponível, cremos que em breve o estará na
página do Parlamento dedicada a esta Comissão. A transparência foi uma imagem de marca desta Comissão
e é uma imagem de marca deste Parlamento.
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — Espero que o documento reflita as questões essenciais levantadas em torno
dos sete programas, igualando o espírito com que foram debatidas na Comissão e fazendo jus às provas
realizadas.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo, do Bloco de
Esquerda.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Permitam-me que comece esta
intervenção com uma ironia — o Parlamento vai dar hoje por acabado um inquérito inacabado! E digo esta
ironia porque é, talvez, a melhor forma de resumir aquilo que se passou durante a vigência desta Comissão e
aquilo que suponho que sobre este assunto se vai passar a seguir.
Um inquérito inacabado, um relatório viciado, como o Partido Socialista, o Partido Comunista Português e o
Bloco de Esquerda chamaram à atividade desta Comissão e ao relatório que ela aprovou.
Um inquérito inacabado, porque muitas perguntas a que queríamos e devíamos responder continuam sem
resposta.
Administradores do consórcio que vendeu os submarinos e outros seus colaboradores foram condenados
na Alemanha por corrupção. Quem foi corrompido em Portugal? Continuamos sem saber.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. João Semedo (BE): — Quem tem, onde estão os documentos do leilão bancário que escolheu o
consórcio que financiou a compra dos submarinos, o mesmo que integrou o Banco Espírito Santo? Quem tem
esses documentos? Continuamos sem saber.
O que recomendou a escolha da Escom, empresa do Grupo Espírito Santo, empresa especializada em
projetos de investimento em África, a assessorar o fabricante nas contrapartidas que envolviam empresas
nacionais situadas em Portugal? Continuamos sem saber.
Para além da família Espírito Santo, a que outras mãos foram parar os muitos milhões de euros pagos
pelos alemães à Escom? Continuamos sem saber.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Bem lembrado!
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O Sr. João Semedo (BE): — Por que não foi impedido o flagrante conflito de interesses envolvendo o
Grupo Espírito Santo, que tanto assessorou quem vendeu como assessorou quem comprou — o Estado
português? Continuamos sem saber.
E continuamos sem saber, Sr.as
e Srs. Deputados, por duas razões: pelo conhecido biombo judicial, que
sempre é invocado e sempre se levanta impedindo a descoberta da verdade, e também pelo bloqueio imposto
por uma Comissão atrelada e por uma maioria subserviente.
Bloqueio, sim, Sr.as
e Srs. Deputados!
Entre a primeira e a última audição, passaram 30 dias úteis e em 30 dias úteis esta Comissão conseguiu
realizar 50 audições. Nunca qualquer outra comissão de inquérito trabalhou a este ritmo.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Isso é verdade!
O Sr. João Semedo (BE): — E com este ritmo foi impossível preparar antes as audições e aproveitá-las
depois. Foi isto que a maioria, PSD e CDS, conseguiu.
O Sr. José Magalhães (PS): — Era essa a ideia!
O Sr. João Semedo (BE): — O PSD e o CDS só tiveram duas preocupações: acabar com este inquérito o
mais depressa possível e esconder, tanto quanto possível, a sua existência. O PSD e o CDS quando, neste
Plenário, aprovaram esta Comissão, aprovaram-na de má-fé. Fingiram aceitar um inquérito para o poderem
esvaziar e, assim, proteger os seus — proteger o Dr. Durão Barroso e proteger o Dr. Paulo Portas.
É bom recordar que Durão Barroso foi o Primeiro-Ministro do Governo que comprou os submarinos e
outros equipamentos militares e Paulo Portas era o Ministro da Defesa desse mesmo Governo. É bom não
esquecer que foi este Governo, o Governo do Dr. Durão Barroso e do Dr. Paulo Portas, que fechou o contrato
e comprou estes submarinos. É uma responsabilidade partilhada por um e por outro, embora seja curioso
verificar como cada um pretende atribuir, em exclusivo, a responsabilidade ao outro. Aliados ontem, aliados
hoje, mas aliados q.b. — negócios à parte, políticas aliadas.
A Sr.ª Deputada Mónica Ferro fez aquilo que já tive a oportunidade de dizer: um relatório de conveniência.
Um relatório de conveniência com conclusões tendenciosas, parciais e mentirosas!
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Mentirosas, sim, Srs. Deputados! Mentirosas! Os Srs. Deputados não gostam de ouvir, mas a democracia
obriga-vos a ouvir.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Não, não obriga!
O Sr. João Semedo (BE): — E sabem por que é que são mentirosas? São mentirosas porque não é
verdade o que está escrito no relatório. Não é verdade que nenhuma pergunta tenha ficado por fazer —
ficaram muitas perguntas por fazer.
Aplausos do BE.
E mentirosas também, porque não é verdade que destas audições e desta Comissão não se tenha retirado
qualquer indício ou cometimento de ilegalidades. Isso também é mentira!
Mas, Sr.as
e Srs. Deputados, passe a vossa exaltação — que é momentânea, não afeta ninguém e muito
menos a verdade —, deixem que vos diga que de tudo isto vamos continuar a ouvir falar.
Vamos continuar a ouvir falar, porque há um inquérito sobre o Banco Espírito Santo já aí à porta. E,
também, por uma outra razão, que tanto preocupa os Srs. Deputados que tanto se exaltam neste Plenário: é
que todos sabemos que está para breve o encerramento do inquérito em curso no Ministério Público. O
inquérito que terminará com o seu arquivamento ou com uma acusação, mas, seja arquivamento ou acusação,
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uma coisa será verdade: ficarão libertos muitos documentos, muitas informações que agora estão protegidos
pelo chamado «segredo de justiça».
Por isso digo, e para terminar, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, que este relatório de conveniência
não vai resistir à prova do tempo. E até direi mais: não resistirá por muito tempo.
Aplausos do BE.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Este inquérito reforçou a nossa
admiração pelos homens e mulheres que servem nas nossas Forças Armadas. Pela forma como fazem
verdadeiros milagres com o equipamento que o Estado lhes confia julgamos que merecem o apreço de todos
nós e uma calorosa salva de palmas.
Aplausos do PS e de Deputados do PSD e do CDS-PP.
Valeu a pena inquirir o que correu mal nas aquisições.
Poderão ver os documentos e os debates na Internet. Reconhecemo-nos inteiramente na posição comum
sobre o inquérito inacabado, assinada pelos Deputados socialistas, comunistas e do Bloco de Esquerda.
Srs. Deputados, o relatório final não finaliza nada. E é um relatório «fio dental»: não tapa absolutamente
nada!
Aplausos do PS.
Nada mais diria não fosse o facto de ter três notícias boas para a descoberta da verdade. Resultam de
casos posteriores ao encerramento apressado do inquérito e que são, eu diria, três torpedos contra a mentira.
Torpedo 1.
Impediram-nos de investigar as malfeitorias da Espírito Santo Commerce (as Escom). E como vos
percebemos, Srs. Deputados, agora que sabemos coisas como estas:
Para adiantar comissões e luvas a Escom pediu, em 15/9/2004, um empréstimo, creditado em nome da
Escom Ltd., na conta 903021800008, do BES Offshore da Madeira e, no mesmo dia em que chegou, uma
tranche de 8,5 milhões foi transferida para uma conta da AFREXPORT.
Da AFREXPORT, o dinheiro passou para contas dos irmãos Horta e Costa e outros gestores da Escom,
com heterónimos bancários criativos, tipo Gamola Associates do Belize, 978 000; Robinson Consultants (outro
heterónimo) 1 milhão. E, como a imprensa felizmente revelou, 1 milhão para cada clã Espírito Santo e a
famosa sexta pessoa também encaixou.
Soubemos também que a Escom não recebeu só 30 milhões dos alemães. Contraiu dois empréstimos
junto da BES Cayman para poder ter 18 837 500 euros, que foram creditados na UBS Investment Bank AG,
em Zurique. O destinatário final foi o Feltree Investment Fund, com o qual tinham feito um acordo.
Esta gincana de offshores, esta quantidade de fontes de dinheiro, visou baralhar e conseguiu empecilhar os
investigadores portugueses. É um facto! A Ferrostaal pagou 30 milhões em dezembro de 2004, mas antes —
coisa que muito deve ter deixado perplexos os investigadores — já a Escom pagava comissões e luvas a
quem tinha — aspas, aspas — «direito a elas». Quanto à sexta pessoa, Srs. Deputados, se dorme em paz é à
custa de soporíferos. E vai ter de tomar mais, face à novidade seguinte.
A segunda novidade vem de Munique.
Em 5 de julho de 2002, aproveitando uma ida do Primeiro-Ministro Barroso à Fundação Hann-Seidel, em
Munique, o Cônsul Honorário Jürgen Adolff organizou um almoço que permitiu ao Administrador da Ferrostaal,
já falecido, Hanfried Haun, uma conversa direta com o Primeiro-Ministro português, que o deixou deslumbrado.
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Vou citar: «Como resultado dessa conversa, o Primeiro-Ministro Barroso solicitou expressamente ao Dr.
Mário David e ao Dr. Adolff que acompanhassem a questão do German Submarine Consortium (o Dr. Mário
David é conselheiro do Primeiro-Ministro para os assuntos políticos e seu acompanhante)».
Protestos do PSD.
No dia 3 de outubro de 2002, nova reunião entre os Srs. Haun, Müehlenbeck e Mário David para discussão
— notem — do financiamento dos submarinos (antes de comprados já houve financiamento). E notem a data e
o tema!
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Em 18 de outubro de 2002, foi acordado entre o Ministro da Defesa Nacional, Paulo Portas, e os Srs. Haun
e Müehlenbeck um prazo. Na semana seguinte, de novo graças ao Cônsul Adolff, foi conseguido um encontro
entre os Sr. Haun, o Sr. Müehlenbeck e o Ministro Carlos Tavares, Ministro da Economia — contrapartidas.
Os mesmos reuniram, depois, na residência oficial do Primeiro-Ministro — o que deve estar registado —
com o assessor Mário David e o Sr. Scholler, da International Defense Financing GmbH.
Em 5 de fevereiro de 2004, na viagem entre o aeroporto e o hotel em Munique, o Cônsul Adolff teve uma
«Vieraugengespräch» (uma conversa a quatro olhos, isto é, uma conversa a sós, no linguarejar alemão) com o
Ministro da Defesa, Paulo Portas, sobre como continuar o processo e o problema da queixa francesa (maroto
dos franceses!). Quinze dias depois, o Sr. Haun agradeceu, por escrito, ao Cônsul ter conseguido uma reunião
de enorme sucesso com o Coronel Serafino, hoje General (que fomos impedidos de ouvir «porque era um
militar no ativo», compreendem?! Os militares no ativo não podem ser ouvidos, exceto se forem nomeados
pelo Governo).
Em 21 de junho de 2004, o Cônsul anunciou (notem, oito dias antes do anúncio da demissão do Primeiro-
Ministro Barroso) ao Sr. Weretecki, da Ferrostaal, a iminente saída para Bruxelas do Presidente do PSD.
Portanto, este Cônsul, o tal «maçador», era um tipo bem informado sobre os meandros do segredo mais bem
guardado — nem nós conseguimos descobri-lo, Ferro Rodrigues, nem nós! Mas o Cônsul «maçador» sabia —
e os alemães souberam.
Srs. Deputados, acabei de ler-vos um relatório de um detetive privado ou do SIS? Não, nada disso. Acabei
de ler um documento oficial da justiça alemã, informações do processo que condenou o Sr. Jürgen Adolff, ao
abrigo do § 332/n.º 3 do Código Penal alemão, e foi condenado por ter recebido ilegalmente 2,6 milhões, repito
2,6 milhões — que, aliás, o tribunal mandou apreender e perder a favor do Estado (grande tribunal!).
Era por isto que os Srs. Deputados não queriam que fôssemos a Munique.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
E agora, Meus Senhores? E agora? Que fazer agora aos depoimentos indiciariamente inverdadeiros do Dr.
Durão Barroso e do Dr. Paulo Portas? Resposta: mandá-los para a PGR e faça-se justiça, naturalmente.
Terceira e última novidade.
Não conseguimos ter acesso aos documentos que retratam as negociações e sucessivas versões dos
contratos dos submarinos Tridente e Arpão. Uns foram destruídos, outros estão arquivados nenhures, outros
estão fechados a sete chaves, e não nos dão, obviamente.
Protestos do PSD.
Porquê? Por uma razão simples: porque esses documentos revelam, (não sei se o Sr. Deputado me quer
inquirir, mas façam favor) que, meses antes da adjudicação, houve um entendimento do XV Governo com os
alemães, dando-lhes o estatuto de preferedbidders — isto é, candidatos concorrentes preferenciais. A
resolução do Conselho de Ministros n.º 183/2003, de 6 de novembro, homologou a adjudicação ao fornecedor
que, na verdade, como revelam os documentos, era velho amigo do Governo, e fê-lo em condições que
podem ser comprovadas por quem quer que seja que abra os dossiers.
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Portanto, o nosso desafio, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Mónica Ferro, é que se abram os arquivos todos,
desclassifiquem-se os documentos todos e venha a verdade cá para fora.
Talvez tenha hoje acabado, ou acabe, ou comece a acabar, um longo ciclo de mentiras impunes.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. José Magalhães (PS): — E felizmente, Sr. Presidente — e com isto termino —, em política, os
crimes contra a verdade não prescrevem!
Aplausos do PS.
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Foi um bom momento teatral!
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Prôa.
O Sr. António Prôa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Todos concordamos que as matérias
de defesa nacional têm uma natureza transpartidária e transtemporal. Podemos, naturalmente, divergir nos
meios, mas convergimos nos objetivos.
Em 40 anos de democracia, independentemente da cor da maioria eleita, tivemos a sensatez, o patriotismo
e a responsabilidade de nos comportarmos à altura dessa condição, que alimenta o debate parlamentar, mas
não se compadece com a instrumentalização política.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mentira!
O Sr. António Prôa (PSD): — Lamentavelmente, o Partido Socialista abandonou essa postura no verão de
2014, tentando fazer da Comissão de Inquérito aos Programas de Aquisição de Equipamentos Militares um
terreno de insinuação e não de prova, com mais preconceito do que investigação, com mais lucro partidário do
que vantagens no apuramento da verdade.
A oposição ouviu quem quis. Perguntou, evidentemente, o que quis, de acordo com o seu trabalho de casa
e com as suas suspeitas que, legitimamente, trazia ao Parlamento.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mais uma vez, mentira!
O Sr. António Prôa (PSD): — Foi democraticamente assistida por uma presidência da Comissão imparcial
e equilibrada e pela qualidade dos serviços do Parlamento.
Aplausos do CDS-PP.
Recebeu uma série de novas informações e de nova documentação que a poderia levar a uma nova
perspetiva sobre as suas preocupações.
Partiu da dúvida, o que é salutar e indispensável para quem se dispõe a trabalhar numa comissão de
inquérito, mas aí se instalou, imune a qualquer dado que contrariasse o seu conceito prévio.
Audição após audição, cada vez que esclarecia uma questão, levantava outra, quantas vezes apenas para
manter o clima de suspeição — afinal o seu primeiro e último objetivo para a existência da Comissão.
Sempre que descobria — na alegada nublosa — que determinados factos nunca aconteceram,
estranhamente, mantinha a versão original da mesma história, como se houvesse um conluio de mentira entre
todos os inquiridos, independentemente da sua orientação política.
Se, por um acaso que se verificou repetido, o PS apurava responsabilidades socialistas na condução da
maioria das acusações que fazia, rapidamente mudava de assunto ou encontrava uma explicação lateral,
assessória ou atenuante.
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Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Esta Comissão foi criada com o acordo de todos, para apurar, de
uma vez por todas, a verdade de todos. Não foi constituída pela vontade de alguns para confirmar uma pré-
construção de uma suspeita colossal e inatingível. Não vamos por aí. Não fomos por aí. Nunca iremos por aí.
Considero que a Comissão de Inquérito cumpriu os seus objetivos no apuramento das escolhas que os
vários Governos fizeram, desde 1998: na debilidade dos mecanismos das aquisições; no reconhecimento de
fragilidades que não podem voltar a repetir-se; e na averiguação das respetivas responsabilidades políticas.
Cumpriu até um outro objetivo: o objetivo pedagógico de demonstrar, nomeadamente ao Sr. Deputado José
Magalhães, a importância dos submarinos, que o Sr. Deputado, no início dos trabalhos da Comissão, começou
por designar de «charutos» e acabou a considerar equipamentos altamente importantes para a defesa
nacional. Até isso se conseguiu, Sr. Deputado!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Ouvimos vários ex-Ministros da Defesa socialistas chamar a si a paternidade da capacidade submarina e
das decisões que foram tomadas nesta matéria. É um facto muito significativo, pois, no início dos trabalhos
desta Comissão, diziam que essa paternidade era do Dr. Paulo Portas.
Muito destes factos já eram conhecidos, mas foram lembrados durante os trabalhos da Comissão.
Detenho-me, com mais pormenor, no programa dos submarinos, que mais atenções despertou.
Sabemos, hoje, que a renovação da capacidade submarina estava prevista desde 1997. Sim, não só na Lei
de Programação Militar de 2003. A verdade é que todos convergem na necessidade de Portugal ter
capacidade submarina.
Sabemos, hoje, que é do período de governação socialista parte muito significativa das decisões no
programa de aquisição de submarinos: a resolução do Conselho de Ministros, que aprovou o desenvolvimento
do programa relativo à aquisição dos submarinos; o documento fundamental de enquadramento contratual das
contrapartidas; a opção pelo fornecedor alemão; a substituição dos modelos a meio do concurso. Tudo
decisões de governos socialistas.
Sabemos, hoje, através do antigo Ministro socialista Rui Pena, que o processo para a adjudicação do
contrato de compra dos submarinos estava concluído e que ele só não o concretizou porque o Governo do
qual fazia parte se demitiu subitamente.
Enfim, sabemos, hoje, que a maioria das decisões sobre a aquisição de material militar se deu no tempo
dos governos socialistas, que, com António Guterres, não foram salvaguardadas as garantias e que, com José
Sócrates, não foram executadas as contrapartidas.
Protestos do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): — Ora, já cá faltava!
O Sr. António Prôa (PSD): — Sabemos, hoje, que houve desleixo por parte dos governos socialistas no
acompanhamento das contrapartidas. Após seis anos de governos do Partido Socialista, havia contratos com
taxas de execução perto dos 0%. Repito, em 6 anos, 0%!
Onde estava a preocupação dos Deputados do Partido Socialista com a execução das contrapartidas entre
2006 e 2011?
Mas, do atual Governo, também sabemos mais: foi o atual Governo que acabou com as contrapartidas
para o futuro e que extinguiu a Comissão Permanente de Contrapartidas, passando as suas competências
para um organismo mais preparado. Foi este Governo que o fez.
Foi o atual Governo que rescindiu contratos de fornecimento que não estavam a ser cumpridos e executou
garantias de milhões de euros, como no caso dos torpedos e das Pandur, quando no passado se dilatavam os
prazos.
Foi o atual Governo que renegociou contratos que estavam com dificuldade de execução, como no caso
dos submarinos e dos aviões C-295.
Srs. Deputados do Partido Socialista, utilizando a linguagem própria destas matérias, quantos, mas
quantos «tiros nos próprios pés» deram com o avanço dos trabalhos desta Comissão!
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O Sr. José Magalhães (PS): — Sim, sim!…
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Tiros na água!
O Sr. António Prôa (PSD): — E até a narrativa dos documentos desaparecidos que o PS trazia, acusando
os governos PSD-CDS, se viu desautorizada pelos factos que demonstram que os mesmos desapareceram
precisamente nos governos socialistas, por falta de organização de um arquivo sobre esta matéria.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O atual Governo verificou que não existia um acervo adequado, com documentos dispersos ou até os tais
desaparecidos, e está agora a construir um arquivo documental adequado.
O Sr. José Magalhães (PS): — Deve ter sido a primeira coisa que fizeram em 2011!…
O Sr. António Prôa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Como se vê, apesar de a oposição
cantar uma espécie de «samba de uma nota só», repetindo que nada se apurou e que tudo ficou por
desvendar, considero que os trabalhos desta Comissão foram muitíssimo úteis.
Tal como referiu a Deputada relatora — a Sr.ª Deputada Mónica Ferro, que aproveito para cumprimentar e
felicitar pelo trabalho desenvolvido —, há conclusões e recomendações úteis a tirar, das quais destaco: o
acompanhamento mais rigoroso dos contratos de contrapartidas; a alocação dos meios necessários para o
seu adequado acompanhamento; e o tratamento sistematizado dos arquivos documentais relativos a esta
matéria.
Perante este relatório e pela abertura para incluir contributos de todos os partidos, o que fez a oposição?
De factos novos ou incompletos, não houve uma única proposta — nada! —, apenas renovadas insinuações.
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. António Prôa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O PSD termina esta Comissão
Parlamentar de cabeça erguida, orgulhoso e confiante.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas de espinha dobrada!
O Sr. António Prôa (PSD): — De cabeça erguida, com a certeza de que procurou contribuir para o eficaz
trabalho da Comissão de Inquérito, procurando a verdade, e só a verdade, baseada em factos e não em
preconceitos ou em insinuações. Deste modo, afirmamos, sem dúvidas, que procurámos contribuir para o
prestígio do Parlamento, contrariando a política da insinuação.
O Sr. José Magalhães (PS): — É, é!…
O Sr. António Prôa (PSD): — Orgulhoso com o trabalho desenvolvido nos últimos três anos na defesa do
interesse do Estado, com a defesa do interesse dos portugueses e com o rigor e transparência nos processos,
e confiante que, feito este trabalho de análise do passado, será possível, para lá da espuma mediática que
alguns tão avidamente perseguem, continuar a trabalhar na linha do consenso e da continuidade de uma
política de defesa nacional e de reequipamento das Forças Armadas que honre Portugal e os portugueses.
É isso que os portugueses esperam de todos nós e é para isso que o PSD esteve, está e estará sempre
pronto e disponível. Ao serviço de Portugal e dos portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.
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O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O Relatório da Comissão
Parlamentar de Inquérito à aquisição de diversos equipamentos militares foi e é, por culpa, por exclusiva
responsabilidade do PSD e CDS, um embuste, uma fraude.
O PSD e o CDS, com o claro objetivo de ilibar as responsabilidades políticas de sucessivos governos do
PS, do PSD e do CDS (na escolha, no concurso, no financiamento dos equipamentos e na execução das
contrapartidas), impediram a descoberta da verdade e apresentaram um relatório pré-fabricado que não tem
qualquer credibilidade ou seriedade.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Por incrível que pareça, PSD e CDS concluíram os trabalhos desta
Comissão sem que tenham chegado à Comissão Parlamentar de Inquérito todos os documentos solicitados e
sem que todos os depoimentos tenham sido sequer transcritos. Para além disto, impediram a audição de
testemunhas-chave e, como a avestruz, face a novos factos, «enfiaram a cabeça na areia» e fizeram de conta
que não era nada com eles.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Ao contrário do que a Relatora e o Presidente da Comissão Parlamentar
de Inquérito dizem, esta Comissão Parlamentar de Inquérito não chegou ao seu fim, não cumpriu o seu
objetivo, e tinha instrumentos para o fazer.
Bem podem dizer que se limitaram a cumprir prazos ou que promoveram muitas audições. A verdade é que
impediram um trabalho rigoroso de apuramento das responsabilidades.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — O PCP tomou posições públicas, ao longo de vários anos, questionando e
denunciando os múltiplos aspetos dos negócios destes equipamentos militares, alertas que, a par do seu
silenciamento na comunicação social, não tiveram eco nos sucessivos governos de responsabilidade política
do bloco central de interesses que nos têm desgovernado.
Para o PCP, ficou claro, desde a primeira hora, que, a par do jogo do empurra entre a maioria e o PS, PSD
e CDS-PP não queriam apurar nem as responsabilidades nem todos os factos. PSD e CDS-PP quiseram, sim,
despachar o assunto quanto antes e, por isso, realizaram as audições a correr, não esperaram pelos
documentos solicitados e impediram a realização de novas diligências. No fundo, fugiram da verdade como «o
diabo foge da cruz».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório desta Comissão Parlamentar de Inquérito tem vários «buracos
negros», gigantescos «buracos negros»! Entre muitos outros assuntos e factos que, por responsabilidade do
PSD e do CDS, ficaram por apurar queremos destacar: o apuramento das responsabilidades concretas pela
miserável execução das contrapartidas. São centenas de milhões de euros que ficaram por executar.
Protestos do Deputado do CDS-PP Filipe Lobo d’Ávila.
Milhões de euros prometidos à economia nacional, muitas vezes usados para convencer a opinião pública
da necessidade de compra de vários equipamentos militares, que não foram utilizados. Este desastroso
processo ficou sem responsabilidades atribuídas e, como é habitual, por vontade do PSD e do CDS-PP, «a
culpa morreu solteira».
O PSD e o CDS-PP não permitiram a audição do Dr. Paulo Núncio, atual Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais, que foi, enquanto advogado da Steyer que fabricou os Pandur, diretamente implicado na
elaboração e na assinatura de falsas contrapartidas que poderão ter prejudicado o Estado em largos milhões
de euros.
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — O PSD e o CDS-PP não permitiram a sua audição e isso é muito
revelador do ponto de vista político.
Ficou por esclarecer, porque assim o quiseram PSD e CDS, a questão do nubloso leilão bancário em que o
consórcio do BES, embora perdendo o leilão, acabou por ganhar este negócio ruinoso para o Estado de
compra de equipamentos militares em sistema leasing, e ficaram por apurar as responsabilidades do, então,
Ministro da Defesa, Dr. Paulo Portas, neste mesmo processo.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não foi apurada a legalidade, ou sequer questionada a transparência do
concurso dos submarinos, sabendo que o concorrente alemão alterou o modelo de submarino a meio do
processo.
O fim abrupto e injustificado da Comissão Parlamentar de Inquérito impediu a audição de Jürgen Adolf, ex-
cônsul honorário de Portugal em Munique, que foi condenado por corrupção na Alemanha, na venda dos
submarinos a Portugal. Se há um corruptor, tem de haver um corrompido. Mais uma vez, PSD e CDS, ao
acabarem, abrupta e injustificadamente, os trabalhos da Comissão, impediram a audição desta testemunha-
chave.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Má consciência!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Entre tantas outras questões, não é abordado o problema da escolha dos
modelos e a sua quantidade. PSD e CDS, que tanto disseram, e dizem, que a culpa da crise é o facto de os
portugueses terem vivido acima das suas possibilidades, foram os mesmos que, juntamente com o PS,
escolheram os equipamentos militares mais caros do mundo, como os submarinos alemães e os helicópteros
EH-101, e compraram equipamentos em quantidades exageradas para as necessidades e possibilidades do
nosso País.
Por fim, assistimos à ridícula situação de, dias antes de concluída a Comissão Parlamentar de Inquérito e
face a notícias que relatam novos e importantes factos, PSD e CDS nada dizerem e nada fazerem. As notícias
dão conta do pagamento de 30 milhões de euros da MAN Ferrostaal, construtora dos submarinos, à Escom,
empresa do grupo BES. Destes 30 milhões de euros, 15 milhões de euros ficaram na empresa, 5 milhões de
euros foram distribuídos pelos diferentes «ramos» da família Espírito Santo e os restantes 10 milhões de euros
foram para pagamentos a terceiros. Neste cenário, importaria ouvir novamente a administração da Escom e
ouvir o Dr. Ricardo Salgado, para descobrir quem mais beneficiou com este negócio.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Não o requereram!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Face a estas notícias e a estes novos factos, o que decidem PSD e CDS
fazer? «Arrumar as malas» e toca a concluir a Comissão de Inquérito, antes que se descubra seja o que for.
A afirmação, feita no Relatório, de que «nenhuma pergunta ficou por fazer», é mentira. Por culpa do PSD e
do CDS, muitas perguntas ficaram por fazer e, por isso, estamos face a um inquérito inacabado e a um
relatório viciado.
O PCP, além de contestar este caminho, apresentou propostas de prolongamento dos trabalhos e a
realização de novas diligências, que esbarraram na maioria parlamentar PSD e CDS. Usaram a razão da força
contra a força da razão.
Este Relatório devia envergonhar o PSD e o CDS. Demonstra o quanto estão comprometidos com estes
processos e é uma tentativa de abafar a descoberta da verdade. O problema é que a verdade é como o azeite
e, mais cedo que tarde pode vir, como os submarinos, à tona da água.
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Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Filipe
Lobo d´Ávila.
O Sr. Filipe Lobo d´Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, chega ao fim uma
Comissão Parlamentar de Inquérito que trabalhou mais de 150 dias, ouviu mais de 50 depoentes, fez mais de
60 reuniões, com mais de 170 horas de trabalho, reunindo um acervo documental único.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito que ouviu todos os responsáveis políticos, todos os Ministros da
Defesa Nacional e todos os Ministros da Economia que assim foi entendido por todos os grupos
parlamentares.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito que ouviu todos os responsáveis técnicos, todos os responsáveis
das contrapartidas e todos os responsáveis das empresas que os grupos parlamentares quiseram chamar.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito, Sr.as
e Srs. Deputados, cujo prazo foi prorrogado por duas vezes,
a segunda delas a requerimento e por indicação de data do próprio Partido Socialista.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito que fez um trabalho sério e que decorreu de acordo com as
regras parlamentares aplicáveis, mas uma Comissão Parlamentar de Inquérito que sabe que não se confunde
nem se substitui ao papel das autoridades judiciárias, ao papel das autoridades policiais ou mesmo ao papel
dos órgãos de comunicação social.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito que foi até onde podia ir. Uma Comissão Parlamentar de
Inquérito, requerida, agora, pelo Partido Socialista quando o mesmo Partido Socialista, na maioria, no
Governo, a tinha recusado.
Aplausos do CDS-PP.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito marcada por insinuações e que, no fim, quer o Partido Socialista
queira ou não, quer o Sr. Deputado José Magalhães faça o pino ou não, tem de se cingir aos factos.
O incómodo do Partido Socialista, Sr. Deputado José Magalhães e restantes Deputados do Partido
Socialista, é justificado.
Os senhores não querem que se perceba que foi o PS a lançar o concurso dos submarinos; que foi o PS
que quis adquirir três submarinos, com a opção para quatro; que foi o PS que escolheu seis candidatos a
apresentar propostas; que foi o PS que indicou os dois candidatos a passar à fase seguinte; …
O Sr. José Magalhães (PS): — Zero!
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — … que foi o PS a demorar mas de dois anos a fazer o
enquadramento das contrapartidas.
É justificado o incómodo, Sr. Deputado José Magalhães. Foi o PS a contratar garantias de apenas 10%. Foi
o PS que validou as pré-contrapartidas. Foi o PS que deixou cair a ligação entre a execução das
contrapartidas e os fornecimentos, em 2000, Sr. Deputado José Magalhães. Foi o PS que aceitou a alteração
do modelo de submarino. Mas foi também o PS a prever uma taxa implícita de 7% para a intermediação
financeira, na Lei de Programação Militar.
Embora o Deputado José Magalhães não o queira assumir, foi o PS e com o PS que a Escom ganhou o
seu primeiro concurso.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
É justificado o incómodo, Srs. Deputados do Partido Socialista. E é justificado o incómodo porque foi com o
PS que a execução dos contratos de contrapartidas esteve parada. Foi com o PS que se assinaram contratos
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sem manutenção e foi com o PS que atrasos inexplicáveis custaram ao Estado português 24 milhões de
euros.
É justificado o incómodo, Sr. Deputado José Magalhães.
É que, ao contrário do Partido Socialista, foi com um Governo de centro-direita que se reduziram os
submarinos de três para dois; foi com um Governo de centro-direita que a Escom perdeu dois concursos; foi
com um Governo de centro-direita que se fez um leilão bancário formal e não um leilão supostamente
promovido por um qualquer assessor do PS. Foi com um Governo de centro-direita que se fizeram garantias
de 25%.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
E foi com um Governo de centro-direita que se fizeram contrapartidas para os Estaleiros de Viana e para as
OGMA. Foi com um Governo de centro-direita que se conseguiu um spread bem melhor do que aquele que se
conseguiu para os EH-101.
Sr. Deputado José Magalhães, Srs. Deputados do Partido Socialista, é justificado o vosso incómodo.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, no fim, há quem diga que precisaria de segundas rondas para
colocar perguntas ao Dr. Paulo Portas e ao Dr. Durão Barroso para justificar o facto de não terem feito essas
mesmas perguntas óbvias, Sr. Deputado José Magalhães, à primeira oportunidade, para justificar o
esquecimento e a vossa distração.
O Sr. José Magalhães (PS): — Não podíamos!
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Fizeram as perguntas que quiseram, quando quiseram e, se não
as fizeram, Srs. Deputados, tenho de presumir que não as fizeram porque não quiseram.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — É mentira! O Sr. Deputado está a mentir!
O Sr. José Magalhães (PS): — Que lata!
O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, há quem tenha procurado
inventar factos novos para justificar o injustificável e há também os outros, aqueles que mais criticaram o facto
de o tempo de esta Comissão Parlamentar de Inquérito ter sido curto, que foram, por coincidência, aqueles
que, ao longo dos trabalhos, mais os quiseram prolongar, chamando uma dezena de responsáveis da mesma
empresa, chamando advogados de empresas que não requereram e cujos responsáveis dessas mesmas
empresas também não requereram que viessem ao Parlamento depor, dizendo que não foram ouvidas
pessoas cuja audição, afinal — e ainda agora ouvimos algumas das intervenções dos Srs. Deputados —,
nunca requereram. Inventaram excursões, tours e visitas, disseram que havia documentos desaparecidos,
que, afinal de contas, até estão no acervo documental da Comissão.
Sr.as
e Srs. Deputados, tudo com o objetivo de prolongar uma Comissão Parlamentar de Inquérito que
nunca esteve à altura dos objetivos iniciais de quem a requereu. Esta é a verdade dos factos. Por muito que
custe ouvir ao Partido Socialista, são os factos com os quais estão hoje confrontados.
Não sei se é por causa do «fio dental» socialista, de que falava o Deputado José Magalhães, mas, mais
uma vez, é bem justificado o incómodo socialista.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Quero terminar referindo que é caso para dizer que aqueles que
fizeram a viagem toda com o pé no travão são aqueles que, agora, também vêm dizer que não era possível lá
chegar. Também aí se enganaram, Sr.as
e Srs. Deputados. Era e foi possível.
Foi esta maioria que viabilizou esta Comissão Parlamentar de Inquérito, ao contrário de outras. Foi também
esta maioria que, ao contrário de outros, não andou a fomentar insinuações e suspensões. Limitámo-nos aos
factos e o facto essencial desta Comissão Parlamentar de Inquérito justifica bem o incómodo do Partido
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18 DE OUTUBRO DE 2014
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Socialista. Tudo começa, tem desenvolvimento e termina com o Partido Socialista. Quer os senhores queiram,
quer não, esse é o facto que resulta desta Comissão Parlamentar de Inquérito.
Sr. Presidente, sem ironias, termino dizendo que o incómodo do Partido Socialista é bem justificado.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe). — Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar, na próxima quarta-feira,
dia 22, às 15 horas, onde vamos apreciar os projetos de resolução n.os
1107/XII (3.ª) — Reformula o sistema
de incentivos que existem aos órgãos de comunicação social locais e regionais, garantindo uma distribuição
mais equitativa e mais adequada à nova realidade tecnológica e económica da comunicação social,
nomeadamente através da criação de novos canais de apoio à profissionalização e qualificação dos órgãos
deste setor (PSD e CDS-PP) e 1128/XII (4.ª) — Recusa a privatização da TAP (BE), e o projeto de lei n.º
658/XII (4.ª) — Recusa a privatização da Empresa Geral de Fomento, SA (EGF) e revoga o Decreto-Lei n.º
45/2014, de 20 de março (PCP).
Vamos ainda apreciar as petições n.os
330/XII (3.ª) — Apresentada por Iniciativa para uma Auditoria Cidadã
à Dívida, e outros, solicitando à Assembleia da República que promova a renegociação da dívida com
participação dos cidadãos, 369/XII (3.ª) — Apresentada por Teresa Gonçalves e outros, solicitando à
Assembleia da República que se pronuncie sobre o não encerramento da 44.ª Esquadra da PSD (Lumiar,
Lisboa) e pelo reforço do policiamento de proximidade a pé, diurno e noturno, 377/XII (3.ª) — Apresentada por
Alfredo José de Sousa e outros, solicitando à Assembleia da República que recomende ao Governo o
desenvolvimento de um processo preparatório de reestruturação da dívida para crescer sustentadamente, que
será acompanhada da apreciação do projeto de resolução n.º 1003/XII (3.ª) — Pela reestruturação da dívida
para crescer sustentadamente (BE).
Desejo a todos um bom fim de semana.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 36 minutos.
———
Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa aos projetos de lei n.os
527/XII (3.ª) (PCP),
529/XII (3.ª) (BE) e 532/XII (3.ª) (PS):
O Grupo Parlamentar do PSD na Assembleia da República considera de importância fulcral para a defesa
dos direitos dos utilizadores de serviços bancários a existência de um enquadramento normativo relativamente
às questões relacionadas com a cobrança de comissões e outros encargos pelas instituições de crédito e
sociedades financeiras devidas pela prestação de serviços aos consumidores.
A importância destas questões, a atempada previsão dos impactos destas medidas no sistema bancário e
financeiro e a previsível existência de externalidades negativas na vida dos consumidores deve ser objeto de
cuidada ponderação.
Em questões tão relevantes para a vida das pessoas não são aceitáveis fugazes tentativas de
aproveitamento político, ainda para mais quando não acautelam a existência de impactos imprevistos, logo
não contabilizados.
As iniciativas das forças políticas da oposição, ainda que vertendo sobre uma temática pertinente, não
pode deixar de ser censurável pela falta de solidez técnica e pelo facto de ignorar as posições preconizadas
pela entidade reguladora do sector: o Banco de Portugal.
Neste sentido, entendemos que estas iniciativas legislativas deviam ter considerado a Carta Circular n.º
24/2014/DSC do Banco de Portugal,
Numa área tão sensível para tantos milhares de famílias portuguesas, julgamos que não se pode entrar por
caminhos experimentalistas e pouco fundamentados relativamente ao impacto do enquadramento normativo
proposto.
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I SÉRIE — NÚMERO 15
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Não iremos dar respaldo político a soluções facilitistas e aventureiristas, numa lógica de momento em
detrimento de uma solução responsável e tecnicamente credível.
Consideramos a vida dos portugueses demasiado importante para cedermos a impulsos de momento, com
a agravante de os projetos de lei não conterem propostas exequíveis quanto à proporcionalidade das medidas
que se pretendem adotar na prossecução do interesse comum.
Neste contexto, o Grupo Parlamentar do PSD não viabilizou as iniciativas legislativas em apreço. Porém,
em consonância com o entendimento aqui expresso, o Grupo Parlamentar do PSD irá apresentar uma
iniciativa legislativa nesta temática, devidamente conceptualizada e tecnicamente sustentada, com o alcance
dos impactos e das consequências para a vida dos portugueses.
Os Deputados do PSD, Luís Montenegro — Afonso Oliveira — António Prôa — Carlos Santos Silva —
Conceição Bessa Ruão — Duarte Pacheco — Elsa Cordeiro — Isidro Araújo — Jorge Paulo Oliveira — Lídia
Bulcão — Nuno Serra — Odete Silva — Pedro Pimpão — Sérgio Azevedo.
———
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.