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Segunda-feira, 27 de abril de 2015 I Série — Número 79

XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)

Sessão Solene Comemorativa do XLI Aniversário

do 25 de Abril

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz Abel Lima Baptista Artur Jorge da Silva Machado

S U M Á R I O

Às 10 horas entrou na Sala das Sessões o cortejo em

que se integravam o Presidente da República, a Presidente da Assembleia da República — que saudaram, com uma vénia, os membros do Corpo Diplomático presentes —, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Tribunal Constitucional, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, os Secretários da Mesa da Assembleia da República, o Secretário-Geral da Assembleia da República, o Chefe do Protocolo do Estado, a Chefe de Gabinete da Presidente da Assembleia da República, o Vice-Chefe do Protocolo do Estado e a Diretora do Gabinete de Relações Internacionais e Protocolo da Assembleia da República.

No Hemiciclo, encontravam-se já, além dos Deputados e Ministros, os Presidentes do Tribunal de Contas e do Supremo Tribunal Administrativo, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Secretário-Geral do Partido Socialista, a Procuradora-Geral da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Provedor de Justiça, os representantes da República para os Açores e

para a Madeira, os Vice-Presidentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, Conselheiros de Estado, a Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna, o Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, os Chefes dos Estados-Maiores da Força Aérea e do Exército e um representante do Chefe do Estado-Maior da Armada, o Presidente da Associação Nacional de Freguesias, um chanceler das Ordens Honoríficas Portuguesas, Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, um Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública e a Secretária-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Encontravam-se ainda presentes, na Tribuna A, a senhora de Cavaco Silva, os anteriores Presidentes da República Ramalho Eanes e Jorge Sampaio e senhoras, os anteriores Presidentes da Assembleia da República Oliveira Dias e Almeida Santos, a Dr.ª Maria de Jesus Barroso e o

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Cardeal Patriarca de Lisboa; na Galeria I, o Corpo Diplomático; na Galeria II, Deputados à Assembleia Constituinte, o Presidente em exercício e um membro da Comissão da Liberdade Religiosa, membros da Direção da Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República, o Comandante do Comando Naval, o Comandante do Comando Aéreo, o Comandante do Comando das Forças Terrestres, o Adjunto do CEMGFA para o Planeamento e Coordenação, o Chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as Operações Militares; na Galeria III, Secretários de Estado, Deputados ao Parlamento Europeu, o Presidente do Conselho de Julgados de Paz, uma representante da Comissão Nacional de Proteção de Dados, o Presidente da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, representantes das confederações patronais, o Secretário-Geral da CGTP e um representante

da UGT, o Presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas e outras individualidades convidadas.

Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República tomou lugar à direita da Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional.

O Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, colocado na Galeria II, interpretou a canção Grândola, vila morena.

Seguiram-se os discursos dos Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Pedro Filipe Soares (BE), Carla Cruz (PCP), Michael Seufert (CDS-PP), Miranda Calha (PS) e Fernando Negrão (PSD), da Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República.

A sessão foi encerrada eram 12 horas, tendo o hino nacional sido, de novo, tocado pela Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos.

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A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Srs. Deputados, declaro aberta a Sessão Solene

Comemorativa do XLI Aniversário do 25 de Abril.

Eram 10 horas.

A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional.

De seguida, o Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, colocado na Galeria II, interpretou a

canção «Grândola, vila morena», que a Câmara, no final, aplaudiu.

Em representação do Partido Ecologista «Os Verdes», tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de

Justiça e Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr.as e Srs. Deputados, Estimadas e Estimados

Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Se o 25 de Abril foi, nas palavras de Sophia de Mello Breyner, «Como casa limpa / como chão varrido /

como porta aberta», poderemos nós admitir que se impregnem nódoas, manchas de sujidade sobre a

democracia que os capitães de Abril e o povo conquistaram para Portugal?

Permitam-me que precise esta interrogação. Com o 25 de Abril as palavras, as ideias, a intervenção ativa

na sociedade, até então oprimidas pelo regime fascista, ganharam asas, cor e resultados. Foram, então,

reivindicados e conquistados inúmeros direitos sociais e o povo era construtor desse progresso. Agora, vejam

bem que, há algumas semanas, o Grupo Parlamentar de Os Verdes recebeu uma denúncia, sobre uma

questão laboral de um serviço público, de uma pessoa que colocava desesperadamente o seu problema aos

eleitos e pedia ação junto do Governo para a sua resolução. Era estranhamente uma denúncia onde a pessoa

não se identificava, questão justificada, pela própria, por medo de perder o emprego. Por medo de perder o

emprego! Não foi a primeira denúncia anónima a chegar nestes termos ultimamente ao Parlamento. Hoje, que

aqui, na Assembleia da República, comemoramos o 25 de Abril, a pergunta que se impõe é: o que é que se

passa neste País 41 anos depois do 25 de Abril?

Também há relativamente poucos dias os Verdes estiveram, como é habitual, num encontro com

população, onde um homem afirmou que, tendo querido, não tinha ousado participar numa ação pública de

esclarecimento porque receava que viessem a identificá-lo como uma voz reivindicativa na sua empresa.

Pergunta-se: onde é que chegámos 41 anos depois do 25 de Abril?

E, não há muito tempo, o PEV esteve em contacto com um grupo de pessoas, onde uma mulher garantia

estar absolutamente solidária com greves feitas, que respondem ao ataque à dignidade de pessoas

trabalhadoras, mas que ela não exerceu o seu direito à greve porque poderia perder o emprego. Pergunta-se:

para onde nos estão a conduzir 41 anos depois do 25 de Abril?

Não façamos de conta que estas realidades não existem. A democracia não vive sustentada no medo de

intervir. Hoje, estão aqui representados todos os órgãos de soberania e um conjunto vasto de entidades com

elevadas responsabilidades e é preciso que se diga que a lógica do medo não pode, jamais, retomar lugar

neste País. Que é preciso proceder para que o medo do exercício das mais elementares liberdades não ganhe

espaço.

E que ninguém duvide que a precariedade do trabalho, a facilitação do despedimento e os altos níveis de

desemprego são das maiores causas dos casos que aqui relatei. Combater a precariedade e a lógica do

despedimento fácil é, então, clamar pela liberdade das mulheres e dos homens que trabalham. E a liberdade é

dos mais altos valores de Abril.

Nestas circunstâncias, permitam que a primeira saudação de Os Verdes, nesta sessão do 25 de Abril, seja

dirigida a todas as mulheres e homens que rompem medos e silenciamentos e se erguem e empreendem na

luta pela dignidade de um povo inteiro. São muitas mulheres e homens que trabalham arduamente, são muitos

desempregados que querem tanto trabalhar e ajudar o País a produzir, são também muitos reformados que

deram e dão tanto ao País, são ainda tantos jovens procurando garantir futuro. São todos os que, recusando

amarras, usam a expressão livre do descontentamento em relação a políticas degradantes da vida de tantas

pessoas e reclamam alternativas de dignidade.

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Minhas Senhoras e Meus Senhores, quebrando a hedionda desigualdade institucionalizada pelo fascismo,

o 25 de Abril foi também a criação do horizonte da justiça social, onde não havia o direito a que uns nada

tivessem para que outros tivessem tudo. Deram-se, nessa altura, passos imensos na promoção da igualdade

social, com uma mais justa redistribuição da riqueza e com a criação de serviços públicos onde todos tinham

lugar.

Contudo, sejamos honestos: muitas políticas que se vieram a praticar anos mais tarde, e estas que se

estão a praticar atualmente, destroem muito do que se conquistou e estão a intensificar desigualdades sociais

de uma forma absolutamente desconcertante. O fosso entre os mais ricos e os mais pobres está claramente a

crescer. No momento em que se apregoava uma crise que servia de justificação para cortar tudo e mais

alguma coisa, os ricos conseguiram ficar ainda mais ricos, enquanto a generalidade da população

empobreceu, tendo aumentado significativamente o número de pessoas em efetivo risco de pobreza.

E já foi anunciado que pretendem manter cortes nos rendimentos e aumento de impostos durante mais

uma legislatura inteira, contrariando o que antes tinham dito. Mas depois encontram amplas margens para

baixar rapidamente o IRC e eliminar a contribuição extraordinária do setor energético para as grandes

empresas que têm lucros astronómicos. O que se diz que não há para uns, afinal há, e muito, para outros. A

verdade é que quando se deixa de governar para o povo e se governa para elites e para grandes interesses

económicos e financeiros, perde-se o horizonte da justiça social.

Evidencia-se aquilo para que o PEV alerta há muito: está a servir-se uma elite minoritária e, para que ela

seja confortável e sucessivamente servida, pretende-se habituar o povo a um determinado nível de

empobrecimento, a um baixo valor de rendimentos e a ter uma curta ambição de progresso social. Isto é

inaceitável e, nestas circunstâncias, é um imperativo afirmar que a justiça social é dos mais importantes

valores de abril. E é igualmente peça fulcral num processo de desenvolvimento sustentável.

Aqui chegados impõe-se uma pergunta: é justo que se peçam consensos à volta destas políticas

negadoras de uma sociedade justa? É correto pedir acordos para se servirem elites e sacrificar o povo? É

tolerável pedir entendimentos para garantir uma subserviência à União Europeia e para idolatrar o tratado

orçamental que é um massacre para Portugal? Não, não é justo, nem correto, nem tolerável para o povo

português.

O que Os Verdes sentem que é devido dizer-se aqui, na Assembleia da República, no dia em que se

assinala a Revolução dos Cravos, são duas questões relevantíssimas, que o 25 de Abril nos ensinou para todo

o sempre:

Primeiro, que não existem inevitabilidades em política, porque existem sempre soluções e políticas

alternativas.

Segundo, que um povo não resignado é um povo com força para erguer a mudança.

Mas também é importante que se diga que a alternativa não pode ser fazer igual só que a um ritmo

diferente, ou tirar um corte aqui para pôr um corte acolá. A alternativa passa por ser realista e fazer diferente:

assumir que esta dívida é insustentável e impulsionar a sua renegociação; perceber que não estar obcecado

pelo défice não significa descontrolar as contas públicas; o investimento produtivo tem um retorno para essas

contas públicas muito significativo; a dinamização da atividade produtiva é a forma de gerar riqueza no País e

de garantir mercado para as empresas e, portanto, de gerar emprego, combatendo o desemprego já marcado

estruturalmente nos dois dígitos; devolver rendimentos aos cidadãos é alavancar a economia; o património

natural, traduzido num mar e em espaços de diversidade biológica e paisagística, é um potencial imenso para

gerar inúmeros serviços e o desenvolvimento de atividades sustentáveis; acabar com os benefícios fiscais

imorais para a alta Finança é um imperativo; tal como travar este processo de privatizações — há setores que,

de tão estruturantes e garantes de soberania, não devem ficar de fora da esfera pública.

A alternativa para este País é reganhar os valores de Abril. Inspirarmo-nos naqueles jovens capitães de

abril — a quem, em nome de Os Verdes, quero daqui dirigir uma fortíssima saudação —, os quais ousaram

dizer basta à ditadura fascista. E há alturas na história, quando a sociedade é profundamente machucada,

com contornos diferentes, é certo, onde também é preciso que o povo diga basta.

Minhas Senhoras o Meus Senhores, a alternativa para Portugal é agarrar os valores de Abril para, com

esperança, construir uma sociedade com lugar para todos. Nas palavras de Ary dos Santos, «O que é preciso

é termos confiança / se fizermos de Maio a nossa lança / isto vai meus amigos isto vai.»

Viva o 25 de Abril!

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Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Bloco de Esquerda, tem a

palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente da República, Sr.a Presidente da Assembleia da

República, Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro

e demais Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus

Senhores:

Nessa madrugada do dia 25 de Abril de 1974, em que os capitães saíram à rua pela liberdade, eu ainda

não era nascido. Eu e tantas e tantos somos filhos da Revolução. Para nós, a liberdade foi sempre tão natural

como o respirar, e o único regime que conhecemos é o democrático. E por ser tão natural, valorizamos mais

essa conquista e aqueles que a fizeram. Esse abalo redentor mostrou a força de um povo, que de um golpe

militar, fez uma revolução. Mostrou como o futuro se fez presente e bebeu de um trago a liberdade. A

liberdade de expressão, o direito à manifestação ou de associação foram num ápice forjados nas ruas, muito

antes de chegarem a ser leis.

Hoje, comemoramos esse momento fundamental e os 40 anos da Assembleia Constituinte que lhe está

umbilicalmente ligada. Esse processo constituinte foi exemplar: tão vivo, controverso, radical no seu debate e

na sede de participação, que foi um hino à democracia. Esses momentos fortes e processos tão marcantes

não podem ser transformados em salamaleques, não se esgotam nos protocolos, nas marchas pomposas,

nem se apoucam com os que se envergonham com os cravos. Eles não ficam acantonados na História,

porque fazem parte da vida e da identidade do País. E os homens e as mulheres que os protagonizaram

venceram uma ditadura brutal e sanguinária, que perseguia quem tinha opinião, torturava quem sonhava a

liberdade, tornava proscritos os homossexuais e as mulheres mantinha-as num conservador patriarcado,

condenando os jovens à guerra colonial ou à deserção. Eram livres de espírito, deram corpo à resistência e

arrancaram a ferros a liberdade: são os heróis que abriram a porta a essa madrugada libertadora.

A escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, a proteção social, os direitos laborais e a participação

cidadã tinham a marca genética da igualdade, da justiça e da solidariedade semeadas em Abril. Começava a

modernidade no País.

Veio depois a abertura à Europa e o prenúncio de uma terra mais plena perante a queda dos muros. Mas

vemos hoje como entre os sonhos e a dureza da realidade muito temos ainda a haver. Da queda do Muro de

Berlim, aos novos muros internos criados, até ao cadafalso do Mediterrâneo. E aqueles homens, mulheres e

crianças que fogem à guerra, à fome e à violência, que são depois vítimas de pirataria humana, esbarram

contra a Europa fortaleza que, em vez de se mobilizar para os acolher, se mobiliza para os devolver. Onde

está a consciência europeia, a defesa dos direitos humanos, ou até a assunção das responsabilidades que a

Europa tem nos conflitos armados que expulsam estas populações das suas terras? Não existe. Existe um

diretório e uma troica, de plantão.

Como há tantos sonhos, tantos valores, tantas promessas ainda por cumprir!

Quarenta e um anos depois da Revolução de Abril, 40 anos depois das eleições para a Assembleia

Constituinte, a democracia já não é uma criança, mas ainda não se assume plena e integral. A narrativa da

inevitabilidade torna cinzenta a democracia. A austeridade é apresentada como o alfa e o ómega, o princípio e

o fim de todas as escolhas.

E é pela voz do próprio Presidente da República que chega mais insistentemente esta ladainha. Quando

tenta impor o consenso na austeridade inscrito à partida nos programas eleitorais, quer uma democracia

tutelada. Na chantagem para uma maioria absoluta, qualquer que seja o veredito popular, quer uma

democracia condicionada. Assistimos, assim, a um pensamento que de tão único que quer ser é o eucalipto

que tudo seca, que afasta os cidadãos porque lhes diz que o seu voto não conta para nada, não faz qualquer

diferença. É a caricatura de uma democracia porque verdadeiramente nada decide, instrumentalizada para

legitimar o que, independentemente da decisão popular, já está previamente acordado.

Dizia Zeca Afonso que «o povo é quem mais ordena». E nós não aceitaremos de outra forma. Não há outro

dono da democracia para além do povo. E mesmo que digam que não é possível, que tudo está decidido, que

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há um tratado ao qual tudo está vergado, que é orçamental e não ornamental, diremos que o povo é quem

mais ordena e que a democracia não nasceu para ser uma pena.

Nesta monotonia formalmente democrática, querem fazer do normal a austeridade. Aos jovens prometem

estágios, que o desemprego está garantido. Diz a Capicua: «Temos tudo o que é estudo…/Emprego zero. O

salário, dizem, é um privilégio, não um direito, porque os direitos, esses, estão acima das nossas

possibilidades.» E continua a rapper: «O salário não sobe,/É precário mas ouve,/Não há nada menos podre e

não sais de casa dos pais,/Não vais longe,/Um dia melhorará mas não é hoje».

Eram extraordinários os cortes, passou a ser extraordinário ter um salário, que os cortes, esses, são

normais, já estão certos. Eram temporários, mas ficam permanentes.

Era preciso apertar o cinto e congelaram-se as pensões. Era também extraordinário, mas a normalização

da austeridade é glacial e as pensões não descongelam. E dizem que tem de ser, porque é preciso cortar

ainda mais. Ou aumentar a idade da reforma, até que a pensão ou a reforma sejam um estado e não uma

remuneração. «Estás reformado? Estou, mas continuo a trabalhar!» Parece ser isso a que querem condenar

no futuro a minha geração. Isto, claro, para aqueles que ainda têm emprego, porque os outros que se

desenrasquem, que isto não dá para todos!

O aumento da pobreza mostra bem quem está a sofrer: Portugal foi o país em que mais aumentou o risco

de pobreza, com as crianças a serem as mais afetadas. Ao mesmo tempo aumentaram as fortunas. Mas

querem fazer crer que é vulgar esta desigualdade, que não é sequer um problema que os ricos fiquem mais

ricos, enquanto os pobres ficam mais pobres. Que é banal esta destruição de tudo o que é público, estas

privatizações em catadupa, para que a acumulação de uns poucos seja a regra.

Na saúde, desespera-se nas urgências e diz o Governo que vai bem, que é normal. Estão as macas nos

corredores, as imagens nas televisões, e diz o Governo que é natural, que só prova a qualidade do serviço.

Estranha qualidade esta que, para não se morrer sem medicamentos, se é obrigado a expor a vida e a doença

nos jornais.

Querem que a austeridade seja a nova normalidade, o edifício onde os direitos se desconstroem, onde os

serviços públicos se decompõem e onde o futuro se faz passado. Quatro anos de destruição não lhes são

suficientes, querem ainda mais!

Mas não aceitamos essa condenação. A normalidade da austeridade é a pretensão da perenidade da

troica, da condenação da Constituição a texto menor e da elevação do tratado orçamental a escritura nas

rochas.

O povo que fintou o seu destino amargo com o 25 de Abril é o mesmo que não se vergará aos sacrifícios

constantes da austeridade e não se condiciona a qualquer inevitabilidade.

Dizia Eduardo Galeano que «há outro mundo na barriga deste, esperando. Que é um mundo diferente.

Diferente e de parto difícil. Não nasce facilmente. Mas com certeza pulsa no mundo em que estamos.»

Foi essa esperança que fez nascer Abril.

Viva a Democracia! Viva o Povo que é o soberano da Democracia!

Aplausos do BE e dos Deputados do PCP Miguel Tiago e de Os Verdes Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Partido Comunista Português,

tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz.

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.

Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr.as e Srs.

Convidados, Sr.as e Srs. Deputados:

Nestas comemorações do 41.º aniversário do 25 de Abril de 1974, esse ato fundador e decisivo da

democracia portuguesa, começo por saudar os militares de Abril e todos os democratas e antifascistas que

lutaram para derrubar o regime fascista e devolver a dignidade e a liberdade ao povo português.

O 25 de Abril ocorreu porque muitos acreditaram que era possível vencer e derrubar o fascismo, pondo fim

à repressão exercida sobre os trabalhadores e o povo.

O 25 de Abril ocorreu porque muitos acreditaram que era possível pôr fim à fome e à miséria que se

sentavam à mesa da maior parte dos lares portugueses.

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O 25 de Abril ocorreu porque muitos acreditaram que era possível pôr fim à Guerra Colonial e libertar

Portugal do domínio imperialista estrangeiro.

O 25 de Abril ocorreu porque muitos acreditaram que era possível liquidar o poder dos monopólios e dos

grandes agrários.

O 25 de Abril foi a resposta que os militares do Movimento das Forças Armadas, o povo, os democratas e

os antifascistas deram às inevitabilidades daquele tempo. Também hoje é necessário e é possível romper com

as inevitabilidades que nos querem impor.

A Revolução de Abril foi uma magnífica realização histórica do povo português, tornada possível pela

aliança entre o Povo e as Forças Armadas. Foi esta aliança original que possibilitou a Revolução e a

concretização das profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais que alteraram

radicalmente a situação do País e a vida dos portugueses.

O medo, a repressão e as perseguições foram substituídos pela liberdade e pela alegria de viver e partilhar.

O regime fascista deu lugar ao regime democrático.

Ao domínio do imperialismo estrangeiro respondeu o povo com a afirmação da soberania e da

independência nacionais.

As transformações económicas e sociais operadas não foram o resultado de um só dia, nem de um só

acontecimento; foram forjadas no seio de um processo dinâmico em que o envolvimento e a participação dos

trabalhadores e do povo foram cruciais.

Foi deste processo que nasceram as profundas transformações democráticas, se consagraram direitos, se

impulsionou a emancipação social e nacional, se concretizou a reforma agrária, se realizaram as

nacionalizações de empresas e setores estratégicos, incluindo a banca, colocando-os ao serviço do progresso

e do desenvolvimento do País. Foi este processo e não qualquer outro que abriu a Portugal as portas do

relacionamento com a Europa e o Mundo.

Foi neste processo que os trabalhadores tomaram o destino nas suas próprias mãos, construindo um país

mais justo e solidário. Nenhuma conquista de Abril foi oferecida ao povo; todas foram conquistadas pela luta.

As transformações empreendidas durante o processo revolucionário conduziram à elevação das condições

de vida do povo e tiraram o País da miséria.

Transformações e progressos que, por ação de sucessivos Governos comprometidos com o grande capital

nacional e estrangeiro, têm vindo a ser seriamente atacados e destruídos, em especial nos últimos anos com a

política dos PEC e do pacto de agressão. Uma política de dois pesos e duas medidas, que exige sacrifícios

insuportáveis aos trabalhadores e ao povo para aprofundar os privilégios dos grandes grupos económicos.

Cortam-se salários e pensões para continuar a pagar juros de uma dívida insustentável. Encerram-se serviços

públicos e degradam-se as funções sociais do Estado na saúde, na educação e na segurança social, mas os

encargos com as parcerias público-privadas continuam a aumentar. Os trabalhadores são esmagados com

impostos para que as grandes empresas e os grupos económicos sejam ainda mais favorecidos fiscalmente.

O povo empobrece, enquanto o grande capital vê crescer os seus lucros.

É esta política que os executantes da política de direita querem perpetuar, recorrendo aos mecanismos da

chamada «governação económica» e ao Tratado Orçamental para amarrar Portugal à política da troica.

Disputando entre si pequenas diferenças de ritmo e intensidade, a troica interna dos executantes da política

de direita confirmou nos últimos dias não ter para oferecer aos portugueses outra coisa que não seja a

continuação da mesma política de exploração, empobrecimento e declínio nacional que priva o povo português

do direito de decidir de forma soberana o seu futuro coletivo.

A solução dos graves problemas nacionais não está na continuação da política de direita.

É na afirmação das conquistas de Abril consagradas na Constituição que o País encontrará as respostas

para enfrentar os problemas atuais e futuros.

Afirmar os valores de Abril é a resposta para a recessão económica, para a destruição da produção

nacional, para a dívida insustentável, para o desemprego e para a pobreza.

Afirmar os valores de Abril é garantir aos desempregados o direito ao trabalho e à proteção social, é

garantir aos jovens o direito à educação de qualidade.

Afirmar os valores de Abril é garantir que todos os portugueses, independentemente da sua condição

económica, tenham direito à proteção da saúde e à prestação de cuidados de saúde de qualidade, é garantir a

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todas as crianças a proteção a que têm direito, é garantir condições para o exercício dos direitos de

paternidade e maternidade.

É com a afirmação dos valores de Abril que defendemos o futuro de Portugal!

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Neste

ano em que se comemora o 40.º aniversário das eleições para a Assembleia Constituinte, as primeiras

eleições livres e universais da nossa História, saudamos os Deputados Constituintes que, sabendo interpretar

e acompanhar o rumo do processo revolucionário e das lutas dos trabalhadores e do povo, deram corpo

àquele que viria a ser o pilar do Portugal livre, democrático, de progresso e independente — a Constituição da

República Portuguesa de 1976.

Esta Constituição teve, desde a primeira hora, inimigos declarados que, em sucessivas revisões, a

amputaram e empobreceram, limitando o seu alcance e conteúdo progressista. A este processo acrescem

ainda as práticas inconstitucionais levadas a cabo ao longo de quatro décadas por sucessivos Governos, com

particular incidência nos últimos anos.

Os grandes interesses económicos e financeiros e os seus representantes políticos nunca aceitaram o

projeto libertador e emancipador contido na Constituição da República Portuguesa.

Aqueles que querem impor o retrocesso social e civilizacional encontram na Constituição, no que ela

consagra e garante, um sério obstáculo à concretização de tais intenções, tentando por todos os meios a sua

subversão.

Com consciência de que a Constituição não se defende por si, de que é preciso que os trabalhadores e o

povo a defendam exercendo os seus direitos, a todos os seus inimigos dizemos que encontrarão no PCP e em

muitos outros democratas e patriotas uma firme resistência a novas tentativas de desvirtuar a Constituição da

República Portuguesa.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Garantir

a independência nacional e os direitos e liberdades fundamentais, promover o bem-estar e a qualidade de vida

do povo e a igualdade real entre os portugueses são tarefas fundamentais do Estado que os órgãos de

soberania têm o dever indeclinável de cumprir.

Celebramos o 41.º aniversário da Revolução de Abril conscientes das dificuldades que o País atravessa,

mas imbuídos de uma grande confiança e esperança de que, num futuro próximo, o nosso País retomará o

projeto de construir uma sociedade melhor, mais justa e mais fraterna, uma sociedade que recupere os valores

de Abril e os projete no futuro.

Celebramos o ato e o processo mais moderno e avançado da nossa época contemporânea projetando-os

no futuro, com a certeza de que as suas conquistas e os seus valores continuam presentes no coração, nos

sonhos, nos anseios e na luta do povo português.

Com a certeza de que Abril é o futuro de Portugal.

Sim, que viva Abril e os seus valores!

Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Centro Democrático Social-

Partido Popular, tem a palavra o Sr. Deputado Michael Seufert.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro e restantes Membros do Governo, Srs. Deputados, Srs. Convidados,

Excelências:

Recordamos, nesta Sessão Comemorativa, o 25 de Abril e recordamo-lo duplamente: celebramos 41 anos

da queda do regime do Estado Novo e celebramos 40 anos das primeiras eleições livres. Dois momentos

necessários — mas não suficientes — para que Portugal hoje se conte entre as democracias ocidentais.

As nossas primeiras palavras vão, por isso, para todos os que se juntaram para tornar possíveis estes dois

momentos: a queda do antigo regime e a realização das eleições de 1975. Aos militares e civis que, em

posição de liderança ou no terreno, trabalharam para que Portugal conseguisse transformar, no prazo de um

ano, esta Sala de Assembleia Nacional em Assembleia Constituinte a todos eles enviamos as nossas mais

vivas saudações.

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Mas a liberdade dos portugueses ainda esteve em risco depois dessas primeiras eleições. Poderíamos,

ainda assim e apesar delas, ter caído num novo autoritarismo nesses anos. Aliás, as eleições serviram de

alarme para alguns, ao mostrar que o povo, o soberano, não queria (como nunca haveria de querer) dar o

poder àqueles que na rua reclamavam ser os seus representantes únicos e que nos governos provisórios

ocupavam um peso crescente.

O povo sempre foi muito mais sábio do que algumas vanguardas que pretendiam interpretar. E, quando as

eleições ameaçaram o caminho dos que se achavam detentores de uma legitimidade especial, o País foi

arrastado para um Verão chamado, e bem chamado, de «quente», que por alguns meses fez mesmo temer

que, depois do 25 de Abril de 1974 e depois do de 1975, nunca mais pudéssemos assistir a eleições livres, a

uma economia aberta e à defesa das mais elementares liberdades. Recorde-se, porque a memória às vezes

falha, que era na privação dessas liberdades que vivia à data uma boa parte dos europeus — da cortina de

ferro para lá — e que era esse o caminho que, contra a vontade do povo, alguns queriam para Portugal.

A justa homenagem de hoje aos que fizeram o 25 de Abril deve, por isso, lembrar todos aqueles que, em

vários momentos — e destacamos aqui o 25 de Novembro de 1975 —, se mobilizaram para que a revolução

nunca se transformasse em destruição. Permitam-me, como portuense, um destaque ao General Pires Veloso,

que nos deixou no ano que passou e que tão boa memória deixa.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, com o 25 de Abril viram a luz do

dia ou da legalidade os partidos políticos. Assinalámos o 40.º aniversário do CDS, recordando esses primeiros

tempos da sua fundação, tempos esses vividos com uma enorme emoção, mas também debaixo de particular

risco. Muitos foram os episódios em que a violência se atravessou no caminho do Partido, do Centro

Democrático Social. Muitas vezes tiveram militantes e dirigentes que temer pela sua integridade física e até

pela sua vida. Assinalámos alguns desses episódios no quadro das celebrações do nosso aniversário, com

destaque natural para o Congresso do Palácio de Cristal, cercado pela extrema-esquerda com ameaça de vida

para os presentes, e com igual destaque para o primeiro Comício da Juventude Centrista, no Teatro S. Luís,

que terminou com violência, feridos e o saque e incêndio da sede do muito jovem CDS.

Todos o que nesse tempo lutaram pelo direito a exercer política no campo não-socialista — democratas-

cristãos, liberais e conservadores — estão também hoje no nosso pensamento e no nosso coração. E em

todos os momentos em que evocámos o tempo da fundação do nosso partido, mas também o tempo da

fundação da nossa democracia, pois trabalhou para os dois fins com igual brio, em todos esses momentos as

testemunhas da época destacaram um homem que se tornaria uma grande referência para todas as gerações

do CDS. Um homem que debaixo de toda esta agitação, debaixo das ameaças e da violência se manteve

sempre calmo e confiante, contagiando com memorável e por isso relatado entusiamo os que o rodeavam.

Para nós, centristas, os 40 anos das primeiras eleições democráticas são também o momento para recordar o

Engenheiro Adelino Amaro da Costa,…

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

… figura maior de entre todos os que se sentaram na nossa bancada.

Todos os presidentes que serviram a instituição ao longo de 40 anos, todos os militantes que nele se

empenharam e por ele se sacrificaram, todos os eleitores que em nós votaram são, hoje — essa é a uma

característica comum —, património da democracia e têm a marca-de-água da alternância democrática em

Portugal.

A existência de um partido democrático na direita do arco da governabilidade evitou que a liberdade de

escolha em Portugal ficasse refém de um arco constitucional muito marcado ideologicamente naquele tempo e

daquele tempo.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, olho para esse tempo através

dos olhos de terceiros. Não sendo ainda nascido à época, dou a democracia como adquirida e a liberdade que

ela traz como comum e normal. Nascido em liberdade não concebo o que é viver num regime em que a

opinião é criminalmente perseguida ou em que o voto não é livre. Sei que assim era, mas parece tão absurdo

e tão distante quanto o Muro de Berlim. Mas não tenho, nem nunca poderia ter, vergonha de ter nascido

depois do 25 de Abril e de ter, também por isso, uma conceção própria do que são os valores pelos quais me

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devo bater no meu País. E, não tendo certamente a procuração de falar em nome de uma geração, sinto que

há muita gente na minha geração que dispensa um certo paternalismo em relação ao 25 de Abril.

Este paternalismo que se resume rapidamente numa frase parecida com qualquer coisa como «não foi

para isto que fizemos o 25 de Abril» assume uma coisa que uma revolução, para ser verdadeiramente

revolução, não pode ter: uma verdadeira revolução não tem donos.

Uma revolução tem pais, certamente, executantes, operacionais que, no momento certo, fizeram a coisa

certa. Mas, quando o povo toma conta e vota — e fê-lo pela primeira vez faz hoje 40 anos —, é o povo que

fica dono da mudança. Para sempre.

E se, nos últimos quatro anos, ouvimos de forma muito habitual vozes que vinham reclamar a «pureza de

Abril», «os valores de Abril» ou chegaram até a apontar um dedo aos que, diziam eles, «traíam» Abril, então é

legítimo perguntar-lhes não «onde é que tu estavas no 25 de Abril», mas «onde é que tu estavas quando

Portugal foi conduzido à bancarrota».

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Porque, Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, não há dúvida de que

os quatro anos que passaram foram difíceis. Voltámos a passar por um período vexatório para uma Nação tão

antiga como Portugal, um período sob tutela estrangeira das contas públicas. Mas ignorar que esse período

aconteceu por causa do estado clamoroso em que, em 2011, se encontravam essa mesmas contas públicas, é

contar apenas parte da História. Mas certo é que hoje, de cabeça levantada e pela primeira vez desde 2011,

celebramos o 25 de Abril com a nossa soberania restabelecida. Muitos duvidaram, muitos acenaram com mil e

um obstáculos ou dilações para que tal não acontecesse. Mas aconteceu. E Portugal está, hoje, diferente.

Podemos olhar mais para o futuro do que para o passado. E todos os que fizeram sacrifícios não merecem

que os desperdicemos. Merecem uma oportunidade para um futuro melhor.

E para quem não viveu os tempos da Revolução e, como eu, agradece o legado da Democracia, há uma

herança que, não posso deixar de dizer, eu bem dispensaria: a herança da dívida pública, empurrada com a

barriga, porque sucessivos Governos se dispensaram de governar com o que tinham e fizeram questão de

governar com o dinheiro da geração seguinte.

Essa dívida (durante muito tempo a conhecida e a escondida) vinha em galopante crescendo e limita — e

muito! — a liberdade da minha geração e das seguintes.

E, ao ouvir aqueles que a contraíram queixar-se da troica, que trouxeram, e reclamar contra as

austeridades, que criaram, apetece responder: «Não devia ter sido para isso que se fez o 25 de Abril».

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, o regime saído do processo

revolucionário de 1974 e 1975 está estabelecido e integra, hoje, o concerto das nações livres. Comemoremos

isso, hoje.

Mas não esqueçamos que, nestes 41 anos, estivemos três vezes na bancarrota; que tivemos décadas

como a primeira deste século sem crescimento visível; que continuamente endividámos o Estado e, portanto,

as gerações futuras, para pagar o pouco crescimento que houve e que reclamamos tudo e mais alguma coisa

desse Estado sem, em tempo, conseguir uma dimensão sustentável e condizente com a economia do País;

que começamos, agora, a ter esperança de poder reduzir e remover uma carga fiscal excessiva e muito

pesada, carga fiscal em grande parte dedicada a pagar a dívida herdada e a financiar decisões constitucionais,

sempre mais severas com a redução da despesa do que com o aumento de receita.

A Constituição que saiu desta Sala em 1976 (contamos hoje 39 anos) teve, com certeza, muitas virtudes.

Desde logo, em tudo o que quebrava com a de 1933 em matéria de direitos, liberdades e garantias. Claro que

foi uma Constituição feita à imagem da época em que nasceu e das circunstâncias que então se viviam e

nesse sentido necessitou, e continua a necessitar, de importantes ajustes, nomeadamente em 1982 e em

1989, para ultrapassar os seus pontos ideológicos mais radicais.

E não julgo ímpetos revolucionários e circunstâncias, ainda que tenha de reconhecer muita sabedoria e

presciência nas palavras proferidas na declaração de voto do CDS aquando da rejeição do texto original.

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Mas há, Senhoras e Senhores, um direito que a Constituição não soube garantir na sua necessária

abrangência, que é o direito de uma geração tomar democraticamente as rédeas do País sem ter de estar

limitada — eu diria mesmo impedida — pelas despesas, dívidas e projetos do passado e com isso impedida

também de ser inteiramente dona do seu destino. Essa geração existe, é a minha geração, é a geração que

vive na pele a vida que existe para lá do défice e para lá do Orçamento. A vida do pagar de volta o que foi

gasto por nossa conta. A vida de quem foi chamado a pagar, e pagou, em desemprego e em impostos um

défice excessivo e uma dívida descontrolada.

Para a minha geração, mais dívida é menos liberdade; mais défice é menos oportunidade. E reclamamos,

por isso, livremente o direito de fazer as nossas escolhas num país normal e europeu.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, é sempre mais fácil apontar

defeitos do que virtudes, mas é a nossa democracia, com todos os defeitos que possa ter — outros

assinalaram outros defeitos esta manhã —, que nos dá ferramentas para não repetir os erros do passado e

limitar a ação dos governos para que nunca mais tenhamos de enfrentar a bancarrota e o difícil caminho que é

sair dela.

Saibamos fazer esse trabalho e esse debate para que, independentemente do que está na cabeça de cada

um de nós quando pensamos «Por que é que se fez o 25 de Abril?», possamos deixar um país melhor aos

nossos filhos do que aquele que encontrámos.

Tenho a certeza de que era também o que queriam os Capitães de Abril.

Viva Portugal, sempre!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Partido Socialista, tem a palavra

o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República,

Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs.

Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados Constituintes, Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres

representantes do Corpo Diplomático, Altas Autoridades civis e militares, Distintas e Distintos Convidados,

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

No dia em que se celebram 40 anos das primeiras eleições livres após o 25 de Abril de 1974, é meu dever,

desde já, saudar de forma especial as Forças Armadas portuguesas. Os militares, que fizeram Abril e que

quiseram e souberam devolver ao povo uma soberania adiada pela ditadura. Os militares, que souberam

encarnar a mudança necessária e que foi aproveitada para construir o mais longo período de democracia da

nossa história.

Aplausos do PS.

Do programa do MFA para o estabelecimento da democracia em Portugal constava a realização de

eleições livres para uma Assembleia Constituinte.

Quero, assim, saudar todos aqueles, alguns presentes, que foram os rostos da liberdade nesse dia, 25 de

Abril de 1975: os Deputados eleitos para a primeira Assembleia livre em Portugal.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

Saúdo, igualmente, as forças políticas que concorreram a esse sufrágio e todos aqueles que tornaram

possível a realização material dessas eleições.

Perdoem-me que recorde com emoção o meu próprio testemunho. Eleito nesse dia, no distrito de

Portalegre, tive a honra de receber a maior percentagem eleitoral que o PS, vencedor das eleições, obteve em

todos os círculos eleitorais. Digo-o talvez imodestamente mas sem qualquer arrogância, para recordar que

nessa altura tinha apenas 27 anos e a minha participação nesse ato, seguramente, não valia mais do que a de

todos os outros que lembro com grande saudade, neste momento.

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Aplausos do PS e de Deputados do PSD e do CDS-PP.

Especial responsabilidade na condução política dos respetivos partidos tiveram as figuras marcantes, que

homenageio aqui, de Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do Amaral.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

Quero realçar em todo o processo o alto sentido cívico com que o Professor Henrique de Barros conduziu

os trabalhos da Constituinte. O seu nome ficará para sempre ligado à história do parlamentarismo, da

democracia e da República.

Aplausos do PS e de Deputados do PSD, do PCP e do BE.

No caminho da Constituição, foi necessário ultrapassar seduções antidemocráticas. Foi necessário afirmar

sem medo o primado do direito e da escolha livre do povo, um primado, mais do que retórico, que pudesse

finalmente ser experimentado em liberdade. Foi isso que se fez.

Foi uma vitória da democracia representativa e do valor do mandato politico que, nesta Casa, nos

orgulhamos de exercer. E dessa honra não se libertam as mulheres e os homens que, pela sua ação política,

deram corpo e futuro à nossa democracia e ao nosso Parlamento, através da nova Constituição.

Aplausos do PS.

Com aperfeiçoamentos posteriores, o trabalho da Constituinte legou-nos a essência do regime democrático

e pluralista, que tem permitido a alternância de governos e de políticas, legitimando igualmente a nossa

presença nas mais credíveis organizações internacionais e viabilizando a nossa participação dinâmica na

Europa, na relação transatlântica e na cooperação com o processo da lusofonia.

Recordo bem, nesses momentos fundadores da nossa liberdade, a mobilização das pessoas, o seu

voluntarismo, a sua sede de participar.

O que via, acima do ruído e das dúvidas, era Portugueses a querer decidir o seu futuro coletivo. Para citar

um velho adágio político medieval, «aquilo que a todos toca por todos deve ser decidido».

Aplausos do PS.

Esses Portugueses de há 40 anos somos também nós hoje. Os únicos donos de Portugal e a quem cabe o

dever e a honra de o entregar aos nossos filhos e aos nossos netos melhor do que o recebemos de nossos

pais.

Como um dia disse Martin Luther King, «É sempre tempo de não deixar o silêncio dos bons ser abafado

pela gritaria estridente dos maus». Porque o primado da política, num tempo em que extremismos populistas

ameaçam a Europa e em que a crise económica leva a desilusões sem retomo, é cada vez mais necessário. O

primado da política enquanto primado da escolha e da decisão. Mas de uma escolha clarividente e informada,

da escolha de uma estratégia e de ideias sólidas para o futuro e não uma escolha por entre taticismos breves

e sem conteúdo.

É a substância democrática da Constituição que em breve será confirmada em duas importantes eleições:

legislativas e presidenciais.

Para muitos há uma angústia sobre a hora presente e até para outros uma perplexidade sobre as soluções

futuras. É bom que ambas possam ser objeto de debate apropriado ao longo deste ano e que as candidaturas

e os candidatos apareçam perante o País com a clareza de objetivos que a situação requer. O que a

Constituinte também nos ensinou é que um Parlamento esclarecido e empenhado pode ser resposta aos

grandes desafios.

Aplausos do PS.

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Olhamos para as quatro décadas passadas desde esse ato eleitoral fundador e vemos a construção de um

regime que pedia um País moderno e solidário, onde os direitos fossem uma realidade para todos e não um

privilégio para alguns; onde a liberdade política e um regime exigente de direitos, liberdades e garantias não

fossem uma dádiva do poder, mas verdadeiros direitos naturais dos cidadãos; onde o acesso à educação, à

saúde e aos demais direitos sociais não dependessem de rendimentos ou de favores; onde o espaço europeu

não fosse uma miragem proibida, mas um espaço natural de integração; onde uma vida de trabalho pudesse

ser recompensada não com caridade, mas com justiça; onde a economia não estivesse enfeudada a alguns,

mas fosse um espaço de iniciativa, de criatividade e de desenvolvimento. Mas vemos também, quatro décadas

passadas dessas primeiras eleições livres, como estamos enredados em ciclos curtos de circunstancialismo e

de conjuntura.

Vemos como o desemprego marca hoje gerações, feitas esquecimento e empurradas para a emigração ou

para o silêncio e para a dependência; vemos como a submissão a uma economia especulativa e sem qualquer

vontade de mudar o mundo para melhor cria pobreza à sua volta; vemos como os falhanços sociais das

políticas de hoje são apresentados como virtudes.

É caso para dizer que falhar perante o País é garante apenas de promessas de novas falhas, sem

arrependimento e sem crítica; falhar desde logo com o emprego, o investimento e a criação de riqueza é falhar

no programa; falhar no seu programa e ser irredutível no erro é falhar com os Portugueses.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro:

Assistimos, hoje, ao depauperar de um património que deveria estar acima da gestão circunstancial da coisa

pública. Reporto-me à ideia de Estado, de soberania nacional e aos nossos desígnios futuros.

Portugal é o que as suas instituições são e o que a sua vontade quer. Como afastamos o casuísmo que

nos mina e assumimos os deveres da nossa História e do nosso tempo? Desde logo, fazemo-lo ao saber

afirmar a nossa presença no mundo.

Ao assumirmos a nossa presença europeia, mas ao sabermos estar à altura da nossa presença atlântica. A

Europa, aliás, não pode autobloquear-se ao mundo à sua volta, desde logo à imigração, para mais uma

Europa de onde séculos de emigrantes saíram para procurar vingar por todas as latitudes.

Quando Sacadura Cabral e Gago Coutinho sobrevoam pela primeira vez o Atlântico Sul, num arrojo

tecnológico, sim tecnológico, e estratégico que nem sempre recordamos, o seu destino é o Brasil e o seu

caminho é o mar atlântico. É no Atlântico, no cruzamento entre a Europa, a África, a América do Norte e a

América do Sul, que Portugal se reflete e se supera.

Falta-nos ainda o mar, que nos construiu enquanto Povo e enquanto vontade, que esquecemos nas últimas

décadas. Orientados para a hipervalorização de uma economia de serviços, é preciso sabermos estar à altura

do nosso mar, dos nossos recursos naturais, do nosso saber-fazer e das nossas ambições legítimas, evitando

a degradação das possibilidades que tem marcado os anos pretéritos. A par do nosso mar como elemento

estratégico, está também a nossa língua, um património imenso, com mais de 240 milhões de falantes,

integrados numa comunidade dos países de língua portuguesa, conquista política e diplomática que urge

valorizar e potenciar.

Aplausos do PS.

A lusofonia não é apenas uma circunstância ou um pormenor. Ser português é motivo de orgulho no nosso

passado e no nosso presente; falar português é motivo de confiança acrescida no nosso futuro.

No 25 de Abril e nas primeiras eleições livres, que hoje celebramos, encontramos sempre um reforço de

determinação e de esperança. Determinação e, acima de tudo, confiança são o que precisamos para encarar

os próximos anos. Não das palavras gastas pelo uso, mas do que se descobre dentro delas.

E se «dentro das coisas é que as coisas são», como dizia um dos nossos poetas, dentro de nós está

necessariamente essa vontade de superar as dificuldades e de olhar com confiança o nosso futuro.

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O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!

O Sr. Miranda Calha (PS): — Sem fatalismos e sem mordaças, cabe-nos ultrapassar os nossos bloqueios.

Criar emprego e assumir a solidariedade coletiva como valor e como prática, modernizar a nossa

Administração e a nossa economia, encarar como prioritário e decisivo o que seja estratégico e nos defina

como País no concerto do mundo. Como dizia Torga, «É impossível que o tempo atual não seja o amanhecer

doutra era».

Aplausos do PS.

Assim estaremos à altura de Abril e deste povo que há mais de 40anos constrói todos os dias a sua

liberdade.

Deputados Constituintes, recordaremos sempre o vosso trabalho.

Viva o 25 de Abril! Viva a Constituição da República, Viva Portugal!

Aplausos do PS, de pé.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Partido Social Democrata, tem a

palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de

Justiça, do Tribunal Constitucional e demais tribunais superiores, Sr.as e Srs. Deputados, Excelências, Minhas

Senhoras e Meus Senhores:

Completam-se hoje 41 anos sobre o fim de uma ditadura que retirava aos portugueses a liberdade

elementar de expressarem publicamente a sua visão sobre os problemas nacionais, bem como discutirem sem

peias e reservas mentais os melhores caminhos para a sua superação.

Completam-se hoje 41 anos sobre o começo de uma era de liberdade, através de um Estado guiado

exclusivamente pela lei e seu cumprimento, pela separação de poderes e pela consagração efetiva dos

direitos, liberdades e garantias, designadamente, a liberdade de imprensa que nunca poremos em causa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Um Estado de direito que nos confere a felicidade pública de viver em democracia.

Uma democracia sempre imperfeita, incompleta, carecendo de aperfeiçoamento, mas na qual a importância

de discordar é tão importante como a importância de concordar, na qual qualquer cidadão, independentemente

do seu estatuto social, das suas convicções religiosas, do seu género ou da cor da sua pele, pode livremente

manifestar-se e na qual todos os poderes são, e devem ser, limitados e submetidos exclusivamente à vontade

do povo expressa em eleições livres, dentro dos limites do contrato constitucional definido pela vontade

soberana desse mesmo povo.

Hoje e sempre celebraremos o 25 de Abril!

A ele ficaremos sempre a dever a liberdade e a democracia, cientes da plena legitimidade e grandeza das

nossas Forças Armadas, que o levaram a cabo, não por se constituírem como um exército derrotado, mas sim

porque foram lideradas por um conjunto de oficiais imbuídos de ideais democráticos que libertaram o País,

permitindo as liberdades públicas, deixando espaço aberto aos povos africanos, até aí sob administração

portuguesa, para construírem com independência a sua própria história.

Com o 25 de Abril, Portugal regressou também, de pleno direito, a uma Europa dominada por um difícil,

mas indispensável, processo de integração.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, completam-se também este ano

seis séculos sobre a conquista de Ceuta, que o mesmo é dizer sobre o início da construção do império colonial

português, que, como nos ensinou Adriano Moreira, atravessou três ciclos temporais: asiático, americano e

africano.

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Tempo durante o qual a nossa soberania europeia foi respaldada nesse império, que percorreu três

continentes e sempre nos deu pontos de apoio e retaguarda estratégicos e decisivos, especialmente nos

momentos de emergência nacional, como em 1640 ou em 1807.

O 25 de Abril, que nos tornou livres, tornou igualmente livres outros povos que viviam sob o jugo colonial e,

por uma vez em muito tempo, Portugal e os portugueses ficaram entregues a si próprios.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Com uma consciência identitária europeia muito frágil, sem querer perder ou rejeitar a consciência atlântica

da nossa herança histórica, revisitada e atualizada numa brilhante ficção na Jangada de Pedra, de Saramago,

reduzidos ao seu espaço nacional inicial, os portugueses fizeram a escolha natural, que foi a escolha pela

Europa.

Europa que, hoje, tem o dever de não se deixar fortificar e, em consequência, de não continuar a dar razão

às palavras de Giusi Nicolini, Presidente do município de Lampedusa, de dizer como diz desde 2012: «Quão

grande deve ser o cemitério da minha ilha».

Passaram mais de quatro décadas de ativa participação no desígnio europeu em que por cada apoio vindo

da União Europeia nos foi sempre exigido um contributo da nossa responsabilidade.

E, assim, construímos as nossas infraestruturas, modernizando e desenvolvendo o País; e, assim, criámos

o Serviço Nacional de Saúde proporcionando a todos os portugueses, sem exceção, cuidados de saúde; e,

assim, se abriram escolas por todo o País para, através de um ensino qualificado e universal, passarmos de

um País marcado pelo analfabetismo para um País onde a escolaridade é generalizada e a ciência aspira e

realiza os melhores critérios de excelência; e assim, se criou um sistema de segurança social no qual, mesmo

os que não contribuíram, têm direito a uma pensão e os mais carenciados a apoios sociais diversificados; e

assim se avançou no acesso à justiça, criando um corpo de magistrados que, apesar de todas as dificuldades,

tem sabido manter a sua insubstituível independência, cuja matriz é a matriz da democracia; e assim se evolui

na reorganização das nossas Forças Armadas, esteio do espírito nacional, compostas pelo melhor que a

nossa sociedade tem e cujas funções e competências da defesa da soberania nacional merecem mais e

melhor compreensão da parte de todos; e, assim, também se evoluiu na segurança interna, cujas respetivas

forças e serviços, para além de materialmente dotados dos meios mais adequados, constituem-se como

instituições de mulheres e homens com forte consciência dos direitos, liberdades e garantias.

Nada disto, e muito mais, foi isento de dificuldades e é bom lembrar que, no decurso de 41 anos, fomos

objeto de três intervenções externas que obrigaram Portugal e os portugueses a enormes provações e,

mesmo, sacrifícios que atingiram todos, embora especialmente as franjas mais frágeis da nossa população.

Os sucessos da democracia não podem esconder as suas fragilidades. Temos de ter a humildade de

reconhecer que, ao longo destas quatro décadas, muitos sofrimentos e danos poderiam ter sido poupados ao

País e aos portugueses se decisões de governos e governantes não tivessem cedido à tentação de trocar o

longo prazo pela vantagem imediata, de confundir a verdade com a ilusão, de optar pela superficialidade

conveniente, ao invés do caminho árduo do estudo e do trabalho, o único que permite fundamentar as

decisões, fechando a porta à arbitrariedade, fazendo prevalecer, sem ambiguidades, o interesse comum sobre

a influência e o clientelismo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em 2015, depois de dolorosos anos de soberania limitada e condicionada, nada mais poderá ser como

dantes.

Temos de aprender com os nossos erros, transformando-os numa sabedoria partilhada, capaz de servir de

base para os novos consensos de que o País tão urgentemente necessita. Consensos estes que não deverão

existir só por serem politicamente corretos, mas, sim e principalmente, por assentarem numa visão do País de

médio e longo prazo, com o objetivo de poder melhorar hoje sem pôr em causa poder continuar a melhorar

amanhã.

No quadro de esperança que temos pela frente, há que escolher o caminho da responsabilidade e não o

caminho da ilusão.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Doravante, o escrutínio deverá ser maior e mais minucioso, a exigência de bem-fazer terá de ser

permanente. Teremos de procurar a transparência onde ainda imperam zonas de sombra que diminuem o

alcance da lei e da justiça.

O bem-comum exige que, claramente, refundemos e reafirmemos a subordinação do poder económico ao

poder político, consagrada na nossa lei fundamental.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, teremos todos de atuar com

mais humildade, nunca esquecendo que somos os servidores de um povo soberano, que sabe de onde vem e

nos pede que, nos diferentes órgãos de soberania que nos foram confiados, sejamos capazes de estar à altura

das tarefas exigentes que nos poderão garantir um futuro digno.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Os portugueses exigem de nós verdade e responsabilidade.

Aceitar esta exigência será a melhor forma de continuarmos, nas palavras e nos atos, o caminho que o 25

de Abril generosamente nos abriu.

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro e

Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de

Justiça e demais tribunais superiores, antigos Presidentes da República, Sr. Presidente da Câmara Municipal

de Lisboa, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Sr. Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e

demais representantes institucionais das Forças Armadas, Sr. Provedor de Justiça, Srs. Representantes das

Assembleias Legislativas e dos Governos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, antigos

Presidentes da Assembleia da República, Srs. Conselheiros de Estado, Sr. Núncio Apostólico, Srs.

Embaixadores e representantes do Corpo Diplomático, antigos Deputados à Assembleia Constituinte, Srs.

Deputados, Excelentíssimas Autoridades, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Abril nasceu nas profundezas de um desejo humano de justiça, simples e elementar, imperativo e

fundamental. A liberdade, a justa medida, a devida proporção na relação das pessoas e das pessoas com as

coisas! Foi por esse desejo que a história se construiu no que ela tem de mais belo, entre o combate político e

as ideias dos justos.

Abril é por isso mesmo a celebração da política como liberdade que se exerce, como esperança, como

força emancipadora que nos diz que somos senhores do nosso destino e autores do mundo.

Sentimos essa responsabilidade, agora agigantada pelo carácter global dos acontecimentos

contemporâneos, que os distingue de tudo o que anteriormente conhecemos e torna necessária a instituição

de uma sociedade universal. A globalização limita as possibilidades das políticas nacionais perante um novo

ambiente em que os problemas ganham uma nova escala. Não nos deixa, por isso, um otimismo fácil.

A fratura entre o norte e o sul, com os seus índices de desigualdade, a questão ambiental e o terrorismo

fazem-nos pensar, neste século XXI, em como não está adquirida a elevação do nível geral da condição

humana. Seguindo as palavras de Philip Resnick, não vivemos no melhor dos mundos: subúrbios urbanos,

desastres ecológicos, ondas de refugiados da fome e apátridas, são apenas parte do pano de fundo de um

início de milénio que tem três partes de apocalipse e uma parte de celebração.

Somos chamados, assim, a construir o projeto político da democracia moderna, sobre a mundialização da

economia e dos mercados, os movimentos demográficos e as redes de comunicação, sobre as dinâmicas de

uma revolução pós-industrial que nos faz pensar a liberdade à medida do nosso tempo.

A mundialização exige-nos esforços cooperativos, iniciativas transversais, fundadas em convicções

profundamente democráticas.

Traz-nos o desafio de uma comunidade moral alargada como tarefa política. E faz-nos empreender em

novas metodologias e novos protagonismos. Reorganiza os Estados e as estruturas sociais. Os Estados em

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associações, as estruturas sociais conhecendo um papel sem precedente no diálogo de culturas. Muitas

vezes, elas adiantam-se mesmo estrategicamente ao Estado. Todos são atores neste grande encontro que um

dia levará à afirmação universal dos direitos humanos. É essa a via deliberativa para o progresso moral da

humanidade.

E por isso é tão necessário elevar o nível de consciência individual e coletiva através da educação. Já dizia

Protágoras que «A virtude da política pode ser ensinada e todos a devem aprender». A mesma via foi

apontada pelo Iluminismo, que ligou a educação à maioridade dos povos e às bases de um mundo

cosmopolita.

As interações da sociedade técnica, da economia e dos movimentos demográficos ditam uma continuidade

entre a política interna e a política externa, entre o espaço da nação e o espaço do mundo. Tal como Kant já

advertia na sua Paz Perpétua quando afirmava que «O problema da instituição de uma Constituição perfeita

depende de uma relação externa legal entre os Estados e não pode resolver-se sem esta última». Proposição

que hoje aqui lembramos na companhia de muitos dos nossos Deputados Constituintes. Eles que nos deram a

Constituição, a mais forte mensagem de Abril. Fica-nos o sentido da grandeza da nossa tarefa, neste tempo

novo e difícil que põe à prova a capacidade das nossas instituições democráticas.

Porque se há um desafio ético inscrito na era universal ele é, seguramente, o de entregar aos valores do

constitucionalismo o seu verdadeiro território. É o território do mundo que sempre lhe pertenceu por natureza,

mas nunca lhe foi reconhecido.

Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores, a crise foi também ela mesma a ponta do iceberg de

um mundo em mudança. A crise mostrou os excessos do capitalismo financeiro indiferente à sociedade, o

problema da limitação dos recursos e da sua distribuição entre indivíduos, entre gerações e entre povos. E fez

surgir em cada um de nós um sentido mais intenso sobre o lugar do outro. De certo modo, arrancou-nos da

nossa esfera particular para um viver em comparação que é já de si um sobressalto positivo.

A crise obriga-nos, então, a repensar os nossos paradigmas, com referência ao ser humano real, obriga-

nos a mergulhar nos factos, a explorar as causas, a separar o trigo do joio, a inventar novas respostas, a olhar

todos os desertos sem preconceitos nem ideias feitas, desafia-nos para um fazer de outro modo:

O crescimento da economia segundo um novo modelo, qualitativo, que conhece os limites do meio

ambiente e da questão social; um novo tempo de trabalho, que recebe as vantagens da evolução científica e

tecnológica e liberta para a realização individual; uma nova governação socialmente comprometida das

empresas; a resposta do Estado de direito à crescente pressão da sociedade digital sobre a autonomia do

indivíduo.

A liberdade significa mesmo um desejo insistente de liberdade.

Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores, a mundialização desafia-nos para inscrever na escala

do mundo a ideia de humanidade como princípio regulador. Obriga-nos a reencontrar o primado do político

sobre a economia e os mercados. Exige-nos ser fazedores de pontes, plataformas de uns para os outros.

Por isso, a nossa inquietação sobre a União Europeia. Sem coerência e sem resiliência, a União Europeia

não poderá projetar o seu modo de existir no mundo e, porém, o percurso que vai da comunidade do carvão e

do aço até à União Europeia é um percurso virtuoso que só ganhará o seu último sentido se ele é replicado na

formação de outras associações regionais de Estados como o Mercosul, a União Africana ou a ASEAN. Se

esse percurso é replicado no ativismo dessas associações regionais será a sua representação permanente na

ONU a abrir o caminho a uma «União de Povos».

É sobre um diálogo estruturado entre as associações regionais de Estados e a evolução do papel das

organizações internacionais que a ética dos direitos pode ser estendida à economia e ganhar consenso entre

as diferentes culturas nacionais.

Aí entra a importância estratégica da Organização Mundial do Comércio. A Organização Mundial do

Comércio deverá incorporar as associações regionais de Estados num novo multilateralismo. E as regras do

comércio livre não estarão mais sós sobre a mesa. Novos temas se juntarão, como os que ligam o trabalho e o

ambiente aos direitos humanos. Aliás, os baixos níveis salariais e ambientais das economias emergentes

tornam a competição injusta ou impossível, por isso uma espécie de nova rota da seda se impõe, com um

novo equilíbrio.

A concertação política é, pois, a via única para esta Babel que só numa ética de convivência universal

poderá construir a sua torre.

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E nós, portugueses, feitos da matéria da universalidade que criámos, temos, nos contextos da nossa língua

e diáspora, o lugar adequado para cumprir a nossa parte, sem esquecer a União Europeia. A União Europeia

que tem a sua unidade comprometida no longo arco das políticas fragmentadas dos Estados: o direito criminal

sem uma política verdadeiramente comum; a quase ausência de uma política europeia externa e de

segurança, com o risco de marginalização no cenário internacional; a convergência orçamental sem uma base

mínima de regras sociais comuns, do emprego e da segurança social; e as políticas europeias de

desenvolvimento e imigração, vistas a partir de Lampedusa, Ceuta ou Melilla.

Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores, a política é sempre a ultrapassagem dos nossos

limites, transcendência nas coisas que fazemos, é sempre audácia.

Abril deu-nos a liberdade para arregaçar as mangas no muito por fazer. Deu-no-la para a democracia, para

instituirmos entre os seres humanos, e na relação deles com as coisas à sua disposição, a justa proporção

que é a medida da justiça. Uma espécie de ecologia de viver e conviver que tem na política como amor do

mundo o seu ponto de partida.

Aplausos do PSD, de pé, do PS e do CDS-PP.

Toma agora a palavra o Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva): — Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.

Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, Digníssimos Convidados, Minhas Senhoras e Meus

Senhores:

Celebramos hoje o 25 de Abril, uma ocasião de festa e alegria, em que Portugal comemora a liberdade, a

democracia e, também, o desenvolvimento e a justiça social.

Há precisamente 40 anos, no dia 25 de Abril de 1975, os portugueses participaram nas primeiras eleições

verdadeiramente livres da nossa História.

Ao escolherem os Deputados à Assembleia Constituinte, naquele que foi o ato eleitoral mais participado da

história da nossa democracia, os portugueses demonstraram estar do lado da liberdade contra todas as

formas de autoritarismo.

Os Deputados à Assembleia da República, que hoje saúdo calorosamente e a quem agradeço a excelência

da cooperação institucional, podem orgulhar-se de ser os sucessores dos constituintes eleitos em 1975.

O 25 de Abril tem vários heróis — e o maior de todos é o povo português.

Devemos celebrar Abril com sentido de futuro, para que as novas gerações saibam que a liberdade e a

democracia são valores que se constroem e renovam todos os dias.

Num tempo em que, em vários lugares do mundo, incluindo na Europa, vemos nascer sinais de intolerância

e ameaças à liberdade, numa época em que alguns se deixam atrair por extremismos radicais, devemos

renovar o nosso compromisso com uma sociedade mais livre e mais justa.

Os portugueses perfilham os valores da democracia e da tolerância, recusam com firmeza o recurso à

violência e à conflitualidade como formas de ação política. Somos um povo de paz e de diálogo. Convivemos

de forma harmoniosa com todos os outros povos.

Ao comemorar o 25 de Abril na Assembleia da República, num ano em que termina a presente Legislatura

e em que outra se iniciará, devemos pensar o futuro de Portugal, fazendo uma reflexão séria e serena sobre

os grandes desafios que o País terá de enfrentar.

Portugal cumpriu um exigente Programa de Assistência Económica e Financeira que, numa altura de

emergência nacional, foi obrigado a estabelecer com as instituições internacionais que nos emprestaram os

fundos indispensáveis ao financiamento do Estado e da economia.

Vivemos uma nova fase da vida nacional: apesar de termos um longo caminho a percorrer, a economia

apresenta já sinais de crescimento e criação de emprego, as contas externas estão equilibradas e perspetiva-

se a saída da situação de défice excessivo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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Somos hoje um País respeitado e credível na cena internacional, um País em que as instituições e os

investidores podem confiar.

Em todo o caso, continuam a ser desafios decisivos para o nosso futuro o controlo da despesa pública e do

endividamento do Estado, o financiamento das empresas, a competitividade da economia e a equidade fiscal,

a que devemos associar o apoio ao investimento produtivo e uma agenda de crescimento económico e de

criação de emprego.

Se não existir, da parte dos agentes políticos, a consciência clara de que devem mobilizar os portugueses

para estes desafios, de pouco valerão os sacrifícios que fizemos e que, em muitos casos, deram azo a

situações dramáticas, algumas das quais ainda hoje se mantêm.

Sr.as e Srs. Deputados, pensar o futuro de Portugal significa, antes de mais, proceder ao diagnóstico dos

nossos problemas de fundo e apontar linhas de rumo que devem ser assumidas pelas diversas forças

políticas.

O País enfrenta desafios de médio e longo prazo que não se esgotam no horizonte temporal de uma

legislatura, mas para construirmos um Portugal mais justo e desenvolvido para as novas gerações, é essencial

que, no tempo que se aproxima, sejam tomadas medidas concretas a pensar no futuro.

Enfrentamos um problema muito grave de quebra da natalidade e envelhecimento da população. Portugal é

dos países do mundo onde proporcionalmente nascem menos crianças. Além de todas as questões

associadas à baixa natalidade, como a sustentabilidade da segurança social, a desertificação de vastas zonas

do território e a degradação do princípio da solidariedade entre gerações, a quebra do número de nascimentos

é um fator de empobrecimento para o País como um todo.

O envelhecimento populacional não só reduz o crescimento potencial da economia como aumenta a

pressão sobre as contas públicas, através das despesas de pensões e de saúde.

Mais grave ainda: o facto de cada vez nascerem menos crianças significa que, no futuro, teremos menos

jovens empreendedores, menos cidadãos ativos e criativos, menos trabalhadores qualificados.

Além da urgência em promover uma estratégia de aumento da natalidade, para que várias vezes chamei a

atenção ao longo dos meus mandatos, é essencial fomentar o regresso daqueles que, em resultado da crise

económica e financeira, decidiram partir rumo ao estrangeiro. Em áreas-chave para o nosso futuro, o País viu

sair muitos dos seus jovens, a maioria dos quais altamente qualificados. É agora, enquanto os laços que os

unem a Portugal ainda se mantêm vivos, que devemos atuar e promover o seu regresso, criando condições

para que o seu talento e as suas capacidades possam frutificar entre nós.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Devemos igualmente adotar uma estratégia coerente de captação de talentos e de integração das

comunidades de imigrantes. Portugal orgulha-se de ser um país tolerante e inclusivo, uma terra fraterna e

multicultural, onde cidadãos de todo o mundo podem trabalhar e viver de forma harmoniosa e pacífica. Importa

aprofundar o esforço de integração das comunidades estrangeiras, no respeito pela sua diversidade e na

partilha de valores de que nunca abdicaremos: a liberdade e a democracia, a justiça e a tolerância.

Verifica-se, por outro lado, que muitos dos jovens que permanecem em Portugal não têm emprego. Outros

encontram-se em situações de subemprego e emprego precário. São forçados a adiar as suas opções de vida,

incertos quanto ao que o futuro lhes trará. Portugal, que enfrenta já um grave problema de natalidade, está,

assim, a desperdiçar um outro ativo fundamental, os seus jovens.

Não admira o desinteresse das novas gerações pela atividade cívica e política. Todos nós — e os agentes

políticos, em particular — devemos refletir muito seriamente sobre este fenómeno.

Só através de uma estratégia vocacionada para a criação de emprego qualificado será possível aumentar a

confiança dos jovens nas instituições. Muitos sentem que foi em vão o investimento que fizeram na sua

formação escolar e qualificação profissional. A manter esta situação, Portugal perde duplamente: por um lado,

perde aquilo que já investiu na educação e qualificação dos seus jovens; por outro lado, desperdiça o

contributo desses jovens para, com o seu talento e a sua iniciativa, ajudarem o País a regressar a uma

trajetória sustentável de crescimento económico e criação de emprego.

A mobilização cívica dos jovens — e dos cidadãos em geral — implica, também, um trabalho de

credibilização das instituições e dos seus protagonistas. Ao fim de quatro décadas de democracia, os agentes

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políticos devem compreender, de uma vez por todas, que a necessidade de compromissos interpartidários é

intrínseca ao nosso sistema político e que os portugueses não se reveem em formas de intervenção que

fomentam o conflito e a crispação e que colocam os interesses partidários de ocasião acima do superior

interesse nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Os portugueses estão cansados da conflitualidade política em torno de questões acessórias e artificiais,

quando devia existir união de esforços na abertura de perspetivas de futuro para as novas gerações, no

combate ao desemprego e à pobreza, na melhoria da equidade na distribuição do rendimento, no apoio aos

nossos idosos.

Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Num contexto de dignificação das

instituições, impõe-se, desde logo, uma atitude firme de combate à corrupção, um dos maiores inimigos das

sociedades democráticas.

A corrupção tem efeitos extremamente graves no relacionamento entre os cidadãos e o Estado, diminuindo

a confiança nas instituições e criando, em particular, a falsa ideia de que a generalidade dos agentes políticos

ou dos altos dirigentes da Administração não desempenham as suas funções de forma transparente, ao

serviço exclusivo da comunidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É desta falsa perceção que se alimentam os populismos e se abre a porta à demagogia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Para além do mais, a corrupção põe em causa um dos elementos essenciais da vida coletiva: a coesão do

tecido social.

Portugal possui importantes ativos, sobretudo em comparação com muitos países congéneres da União

Europeia. Um desses ativos é, precisamente, a coesão social. Graças a ela, conseguimos atravessar um

período de duros sacrifícios sem que se tenham verificado radicalismos e ruturas dramáticas, como sucedeu

em alguns países da Europa do Sul.

Para mantermos a coesão social, é essencial que exista um empenho de todos no combate à corrupção.

Numa República de cidadãos iguais, ninguém está acima da lei.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Neste contexto, um desafio que temos de enfrentar é o da promoção de uma política de justiça centrada na

defesa do interesse coletivo e dos direitos individuais. Só através de uma justiça credível, célere e eficaz

Portugal pode afirmar-se como um Estado de direito consolidado, uma sociedade meritocrática de cidadãos

livres e iguais. Têm sido aprovadas reformas do nosso sistema de justiça que só obterão plenos resultados se

envolverem de forma ativa os agentes do aparelho judiciário, os magistrados que conhecem de perto a

realidade dos tribunais. Estou certo de que este é um domínio onde será possível encontrar consensos

interpartidários capazes de conferir estabilidade às reformas de fundo já introduzidas ou que entretanto

venham a ser apresentadas.

É bem sabido que os atrasos do sistema de justiça, além de lesarem direitos e expectativas legítimas dos

cidadãos, representam um dos fatores determinantes da menor atratividade do investimento, prejudicando o

dinamismo e a competitividade da nossa economia.

Também no domínio da Administração Pública, apesar da modernização tecnológica e do avanço na

prestação de serviços digitais, subsistem ainda fatores que dificultam a atração do investimento e a iniciativa

das empresas. Infelizmente, o debate sobre a reforma do Estado tem sido colocado num terreno de combate

ideológico, em que se esgrimem argumentos que, em concreto, pouco contribuem para aquilo que todos

desejamos: uma Administração independente, imparcial e próxima dos cidadãos, dimensionada de acordo

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com a provisão eficiente dos bens e serviços de natureza pública, com funcionários qualificados e com

dirigentes escolhidos exclusivamente pelo seu mérito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Administração Pública tem de ser competitiva no mercado de trabalho, de modo a recrutar, motivar e

manter nos seus quadros os recursos humanos aptos a desempenhar as funções de grande responsabilidade

que lhe são exigidas.

Os portugueses reconhecem no Estado social o modelo que lhes trouxe importantes benefícios em

domínios como a saúde, a educação, a segurança social e a cultura. O Estado social é uma das maiores

realizações da nossa democracia. É uma área em que o debate e o consenso sobre o seu futuro se impõem.

Não se trata de diminuir a proteção social dos cidadãos que dela necessitam, mas, sim, de garantir a

sustentabilidade do sistema num horizonte temporal alargado e de aumentar a eficiência, a equidade e a

qualidade dos serviços prestados.

Em boa medida, a qualidade da democracia depende da qualidade dos serviços públicos prestados aos

cidadãos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O modo como estes percecionam e avaliam a ação dos governantes, dos agentes políticos, das forças

partidárias, depende muito do relacionamento quotidiano que mantêm com a Administração Pública. Neste

sentido, melhorar a eficiência do Estado é também contribuir para a qualidade da democracia e para o

prestígio da classe política.

Aplausos do PSD.

Sr.as e Srs. Deputados, ao fim de 40 anos de democracia, é notável aquilo que alcançámos. Não só

construímos um País democrático e livre, respeitado na cena internacional, como edificámos urna sociedade

mais solidária e mais inclusiva.

Mas estamos insatisfeitos: somos ambiciosos, queremos um futuro melhor.

Ambicionamos um Portugal mais justo, uma economia mais dinâmica e competitiva, uma educação de

excelência e um Serviço Nacional de Saúde sustentável e de qualidade.

Em quatro décadas de democracia, os cidadãos viram significativamente melhorados a qualidade e o

acesso à educação e aos cuidados de saúde. Portugal possui atualmente cientistas e investigadores que

ombreiam com os melhores. Os progressos tecnológicos na deteção e tratamento da doença estão ao nível

dos registados nos países mais desenvolvidos. O sucesso no combate à mortalidade infantil é uma referência

mundial.

A excelência na educação, o desenvolvimento de competências ao longo da vida e a sustentabilidade do

Serviço Nacional de Saúde permanecem, no entanto, como grandes desafios que devem mobilizar a

Assembleia da República na próxima Legislatura.

O futuro do Serviço Nacional de Saúde português não pode ser encarado apenas na sua dimensão

financeira.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — O investimento na saúde da população é uma fonte de criação de

riqueza que não pode ser desperdiçada. É, acima de tudo, um imperativo de justiça e de salvaguarda da

dignidade humana.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O relatório da Fundação Calouste Gulbenkian Um futuro para a Saúde fornece uma base informada e

objetiva para o estabelecimento do pacto político e social para a próxima década que este setor exige.

Sr.as e Srs. Deputados, um tema constante dos meus mandatos, o da estratégia nacional para o mar,

entrou definitivamente na agenda política.

Destaco, nesta ocasião, o largo consenso alcançado nesta Assembleia na aprovação da Lei de Bases da

Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional e os desenvolvimentos operados nos

setores portuário e de transformação de pescado, pelo seu contributo para o aumento das exportações.

Apesar dos avanços, há um grande potencial da economia do mar ainda por explorar e um desafio político

da maior relevância que importa enfrentar na próxima Legislatura: a adoção de uma governação

verdadeiramente integrada dos assuntos do mar. Há que assegurar uma articulação eficiente de todos os

assuntos do mar, independentemente da tutela governativa em que se situem, de modo a garantir a realização

da estratégia definida para o setor.

Noutro domínio, de grande importância, tornou-se evidente a necessidade de garantir a segurança dos

cidadãos face a novas ameaças transnacionais, a que devemos dar resposta através da afirmação dos nossos

valores e princípios, mas também com recurso a meios preventivos e repressivos. Portugal é uma sociedade

aberta e tolerante. Para continuar assim, tem de rejeitar com firmeza os extremismos e ser intransigente com a

violência e o terrorismo.

Um desafio premente que aqui se coloca é o de adequarmos a organização e o funcionamento de todas as

estruturas que compõem o nosso sistema de segurança nacional às exigências que decorrem destes novos

perigos, que não se fazem anunciar e que não conhecem fronteiras.

Ainda que num plano claramente distinto daquele que acabei de referir, a violência não se manifesta

apenas através da força física e das armas. Temos assistido, no debate público em Portugal, a um nível de

crispação e de agressividade verbal que, muitas vezes, não hesita em extravasar da controvérsia de opiniões

para os ataques e os insultos de caráter pessoal.

Numa democracia amadurecida, o debate informado e a diversidade de opiniões são valores fundamentais.

Valores que, no entanto, correm o risco de ser obscurecidos e relegados para um plano secundário se se

mantiver a tendência para recorrerem às querelas estéreis, à calúnia e à difamação como instrumentos de

combate político. Aí, não estamos já no campo da divergência de opiniões; pelo contrário, aos olhos dos

cidadãos, a salutar diversidade de ideias perder-se-á e o debate público sairá empobrecido.

A violência verbal, amplificada pelo ruído mediático, afasta os cidadãos da vida da República, fomenta o

desinteresse cívico, corrompe a confiança dos portugueses nas suas instituições.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Apelo, pois, aos Deputados, representantes do povo, desta Legislatura e da que irá iniciar-se no final deste

ano, a que contribuam, pela força do seu exemplo, para a elevação do debate público e para a qualidade da

democracia em Portugal.

Só deste modo, através do diálogo e do consenso, será possível alcançar os compromissos

imprescindíveis para garantir a estabilidade política e a governabilidade e para enfrentar com êxito os desafios

que o futuro nos coloca.

Só através do compromisso entre as forças democráticas foi possível aprovar a Constituição da República

e concretizar muitos dos sonhos de Abril.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Olhando para o mapa da Europa,

Portugal surge como um país pequeno e periférico. Mas, por vezes, as aparências são enganadoras. Somos

dos países com maior nível de coesão social da União, possuímos laços privilegiados de amizade com vários

povos do mundo, a nossa língua é falada por milhões de seres humanos. Além de tudo, somos o espaço onde

a Europa se abre ao Atlântico. O mar projeta-nos e engrandece-nos, coloca-nos no centro do planeta.

No mapa do mundo — e já não do continente europeu —, Portugal não se encontra na periferia; pelo

contrário, ocupa um lugar central. No tempo da globalização, em que as geografias se reconstroem

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continuamente com apoio da tecnologia e nas novas formas de comunicação, é para o mapa do mundo que

devemos olhar. Aí, observando o mundo inteiro, Portugal encontra-se no fulcro da contemporaneidade.

Fomos pioneiros há 500 anos, quando tirámos partido da nossa proximidade ao oceano para descobrirmos

novos mundos; fomos pioneiros há 40 quando a revolução de Abril iniciou uma vaga de democratização que

se estendeu a vários países da Europa: primeiro, no Sul; depois, no bloco de Leste.

Não tivemos medo do desconhecido, quer no tempo das Descobertas, quer no dia 25 de Abril, também

hoje os portugueses não devem ter medo do tempo em que vivem. Enfrentamos grandes desafios, sem

dúvida, mas a História revelou que foi sempre nessas alturas que mostrámos ser mais fortes e mais corajosos.

No dia 25 de Abril, devemos celebrar a esperança. Foi a esperança de um tempo novo que deu ânimo e

coragem aos militares que derrubaram a ditadura. É a esperança de um futuro melhor que nos deve juntar

todos em nome de Portugal e em nome dos Portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Declaro encerrada a Sessão Solene Comemorativa do

XLI Aniversário do 25 de Abril.

Eram 12 horas.

A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, tocou, de novo, o hino nacional,

tendo a Câmara aplaudido de pé.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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