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Quinta-feira, 30 de abril de 2015 I Série — Número 80
XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)
REUNIÃOPLENÁRIADE29DEABRILDE 2015
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves
Secretários: Ex.mos
Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz
S U M Á R I O
A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 9
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de
resolução n.os
1447 a 1450/XII (4.ª). Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade,
das propostas de lei n.os
308/XII (4.ª) — Transforma a Câmara dos Solicitadores em Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, e aprova o respetivo Estatuto, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, 309/XII (4.ª) — Aprova o novo Estatuto da Ordem dos Advogados, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, e 310/XII (4.ª) — Altera o Estatuto da Ordem dos Notários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27/2004, de 4 de fevereiro, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, e procede à alteração do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro. Usaram da palavra, a diverso título, além da Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), os Deputados Cecília Honório (BE), Luís Pita Ameixa (PS), Teresa Anjinho (CDS-PP), António Filipe (PCP), Carlos Abreu Amorim (PSD), Isabel Alves Moreira (PS), Artur Rêgo (CDS-PP) e Cristóvão Simão Ribeiro (PSD).
Foram também discutidos, em conjunto e na generalidade, a proposta de lei n.º 305/XII (4.ª) — Procede
à trigésima sexta alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, transpondo a Diretiva 2011/93/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, e cria o sistema de registo de identificação criminal de condenados pela prática de crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor, e os projetos de lei n.
os
772/XII (4.ª) — Procede à […] alteração do Código Penal, cumprindo o disposto na Convenção do Conselho da Europa para a proteção das crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais (Convenção de Lanzarote) (PS) e 886/XII (4.ª) — Estratégia nacional para a proteção das crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais (PCP). Intervieram, a diverso título, além da Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), os Deputados Isabel Oneto (PS), João Oliveira (PCP), Cecília Honório (BE), Telmo Correia (CDS-PP) e Teresa Leal Coelho (PSD).
Foi debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 319/XII (4.ª) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, que aprova a Lei de Bases da Proteção Civil, tendo usado da palavra, a diverso título, a Ministra da Administração Interna (Anabela Rodrigues) e os Deputados Francisca Almeida (PSD), Miguel Freitas (PS), Abel Baptista (CDS-PP), António Filipe (PCP), Cecília Honório (BE), Paulo Simões Ribeiro (PSD) e Isabel Oneto (PS).
O Presidente (Guilherme Silva) encerrou a sessão eram 17 horas e 55 minutos.
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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos
Parlamentares e da Igualdade — a quem a Mesa cumprimenta —, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 9 minutos.
Podem ser abertas as galerias.
Antes de entrarmos na ordem do dia, vou pedir ao Sr. Secretário, Deputado Duarte Pacheco, o favor de ler
o expediente.
Faça favor.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e
foram admitidos pela Sr.ª Presidente, os projetos de resolução n.os
1447/XII (4.ª) — Pelo respeito integral pela
autonomia e não ingerência na vida democrática dos estudantes e suas associações, pela desburocratização
do processo de legalização e de atribuição de apoios públicos ao associativismo juvenil e pelo reforço das
condições de participação democrática dos jovens na vida das escolas e do País (PCP), 1448/XII (4.ª) —
Recomenda ao Governo que garanta o papel fundamental da ACT (Autoridade para as Condições do
Trabalho), através da abertura de um concurso para inspetores do trabalho, cumprindo as Convenções da OIT
(PS), que baixa à 10.ª Comissão, 1449/XII (4.ª) — Medidas para garantir a promoção dos direitos sexuais e
reprodutivos nas escolas como dimensão fundamental da cidadania dos jovens (BE) e 1450/XII (4.ª) — Sobre
a interdição do uso do glifosato (Os Verdes).
É tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao ponto 1 da nossa ordem do dia, que consiste na
discussão, na generalidade, das propostas de lei n.os
308/XII (4.ª) — Transforma a Câmara dos Solicitadores
em Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e aprova o respetivo Estatuto, em conformidade com
a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento
das associações públicas profissionais, 309/XII (4.ª) — Aprova o novo Estatuto da Ordem dos Advogados, em
conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização
e funcionamento das associações públicas profissionais, e 310/XII (4.ª) — Altera o Estatuto da Ordem dos
Notários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27/2004, de 4 de fevereiro, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de
10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações
públicas profissionais, e procede à alteração do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004,
de 4 de fevereiro.
Para apresentar as propostas de lei, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.
A Sr.ª Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz): — Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas, Srs. Deputados,
Minhas Senhoras, Meus Senhores, Ilustres Representantes das Ordens Profissionais aqui presentes: Os
Estatutos das ordens profissionais que operam na área da justiça foram revistos com o propósito comum da
respetiva conformação com a Lei n.º 2/2013, que estabelece o regime jurídico da criação, organização e
funcionamento das associações públicas profissionais. Tal determinou, desde logo, relativamente a todas as
Ordens em causa, a inovadora previsão da sujeição das referidas Ordens a uma tutela de legalidade do
membro do Governo responsável pela área da justiça.
Não se perdeu, contudo, a oportunidade de aperfeiçoar os Estatutos vigentes, sempre que se entendeu
justificado, pelo que as propostas de lei a que me reporto relevam também este ensejo de beneficiação.
No que respeita à proposta que aprova o novo estatuto da Ordem dos Advogados, aludo perfunctoriamente
a algumas das alterações.
Decorre da lei-quadro, mas, particularmente, da nova organização do sistema judiciário, a necessidade de
adaptação ao modelo vigente. A nova estrutura interna da Ordem dos Advogados reflete-se, pois, no elenco
dos respetivos órgãos, podendo, desta forma, a Ordem criar delegações sempre e onde existirem mais de 10
advogados inscritos, como se retira dos artigos 61.º a 63.º.
Por outro lado, cria-se um novo órgão que tem por atribuições a fiscalização da gestão patrimonial e
financeira da ordem, o conselho fiscal, como decorrência obrigatória da lei-quadro.
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Prevê-se ainda, de modo inovador, a possibilidade de o conselho geral da ordem designar, sob proposta do
Bastonário e caso tal se justifique, um provedor de clientes, um órgão que a lei-quadro prevê como facultativo,
mas cuja missão na defesa dos interesses dos destinatários dos serviços prestados pelos advogados se nos
afigura de particular relevância.
Passa a prever-se a possibilidade de realização de referendos em questões de particular relevância para a
Ordem dos Advogados que caibam nas respetivas atribuições, assim se reafirmando um princípio
democrático; delimitam-se os respetivos títulos profissionais de advogado especialista, atribuindo-se
relevância estatutária aos mesmos e contribuindo para a dignificação da profissão e para a transparência da
prática forense; o estágio de acesso à profissão passa a ter a duração máxima de 18 meses, ainda que não se
descure a importância no rigor do ingresso e na formação inicial, pelo que se mantêm as duas fases de
estágio atualmente previstas, que finalizam, agora, com a realização de uma única prova final de agregação.
Em matéria de exercício de ação disciplinar, sublinho a consagração da punibilidade da tentativa e a
graduação das infrações disciplinares em leves, graves e muito graves, com consequentes reflexos ao nível
das respetivas sanções.
O novo estatuto da Ordem dos Advogados robustece, por outro lado, as políticas de liberdade do exercício
da profissão e de estabelecimento, atualizando a norma referente ao reconhecimento do título profissional,
designadamente à entrada da Croácia na União Europeia.
Em consonância com a proposta de lei que estabelece o regime jurídico das sociedades profissionais, a
atual proposta de lei propugna, em relação a todas as sociedades de profissionais que estejam sujeitas a
associação pública, a revogação do regime jurídico das sociedades de advogados.
Porém, e nos termos já previstos no artigo 55.º do diploma enquadrador, houve a necessidade de prever,
no estatuto da Ordem dos Advogados, algumas normas que regulam especialmente as sociedades de
advogados.
No que se refere às sociedades de advogados e tendo em conta, desde logo, a missão de interesse público
que a advocacia prossegue, justifica-se que seja proibida a constituição de sociedades multidisciplinares por
via direta ou indireta, como decorre dos artigos 211.º e 213.º.
Se os advogados só podem exercer a profissão isoladamente ou constituindo ou ingressando em
sociedades de advogados como sócios associados, não se permite que exerçam indiretamente a sua atividade
em qualquer tipo de associação ou integração com outras profissões. Efetivamente, os advogados beneficiam
de um conjunto de imunidades e de preservação da sua independência, de regras deontológicas que seriam
absolutamente conflituantes com uma sociedade multidisciplinar.
Quanto ao estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, cumpre notar que a proposta de
lei transforma a Câmara dos Solicitadores em Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
O estatuto acolhe, em termos semelhantes aos previstos no da Ordem dos Advogados, a previsão do
conselho fiscal, do provedor dos clientes e da realização dos referendos; harmoniza-se o poder disciplinar,
designadamente com a CAAJ (Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça); em defesa da
transparência, passa a prever-se que a Ordem deve manter listas públicas atualizadas acessíveis no seu sítio
da Internet destinadas a dar a conhecer toda a informação e a exercer as funções necessárias ao exercício
das respetivas funções; o regime de incompatibilidades e impedimentos é um regime restrito, tal como
acontece no que respeita à formação. Também aqui não se admitem sociedades multidisciplinares.
Por fim, aludo ao estatuto da Ordem dos Notários. Para além da adaptação à lei-quadro, como é evidente,
quero dizer que também aqui são proibidas as sociedades multidisciplinares. São, em consonância com os
outros diplomas, introduzidas alterações em matéria disciplinar; procede-se à desagregação do mapa notarial;
introduzem-se salvaguardas em matéria de guarda e conservação do arquivo notarial privado; regula-se o
regime aplicável ao Fundo de Compensação; cria-se e procede-se à regulamentação da Caixa Notarial de
Apoio ao Inventário.
Para terminar, quero agradecer todos os contributos que, relativamente a estas três profissões de relevante
interesse público, nos prestaram as respetivas entidades representativas.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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A Sr.ª Presidente: — A Mesa regista cinco inscrições, para formular perguntas, dos Srs. Deputados Cecília
Honório, pelo Bloco de Esquerda, Luís Pita Ameixa, pelo PS, Teresa Anjinho, pelo CDS-PP, e António Filipe,
pelo PCP.
A Sr.ª Ministra responderá em conjunto às perguntas colocadas.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório para formular perguntas.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, começo por cumprimentar a Sr.ª Secretária de Estado dos
Assuntos Parlamentares e a Sr.ª Ministra da Justiça.
Sr.ª Ministra da Justiça, como bem sabe, temos as maiores reservas sobre este processo de transposição
da Diretiva «Serviços» que se reporta, no fundo, à liberalização do mercado de trabalho e à sua reconversão
da Lei n.º 2/2013 que aqui bem invocou, nomeadamente no que aos prazos diz respeito.
O prazo era longo, havia, enfim, o calendário da troica, mas, neste momento, estamos reduzidos a este
calendário do frenesim, e um calendário deste tipo nunca é um bom conselheiro. No entanto, temos aqui
matérias de uma enorme sensibilidade.
O Governo transpõe a Diretiva, mas, em nosso entendimento, aproveita, em inúmeras áreas, para fazer
outros improvisos.
Já que falou de contributos, Sr.ª Ministra da Justiça, quero perguntar-lhe, em particular, por que é que, no
que diz respeito à proposta de lei n.º 309/XII (4.ª), ao novo estatuto da Ordem dos Advogados, esta Ordem
não integrou qualquer grupo de trabalho.
Em nosso entendimento, é inaceitável que uma revisão dos Estatutos da Ordem dos Advogados se
processe de forma unilateral, sendo o Governo a decidir tudo.
Do que temos conhecimento, todo este processo é uma novela muito atribulada. Em 2014, o Governo tinha
muita pressa e convocou com urgência a Ordem, que respondeu, não se sabendo bem a versão que entregou
à troica. Em janeiro de 2015, a proposta já era outra e a Ordem pediu tempo para avaliar estas propostas e
apresentar o seu parecer fundamentado, mas o Governo diz que não tem tempo.
Sr.ª Ministra, estamos a falar de contributos e eu quero deixar-lhe esta questão: por que é que, no que diz
respeito à Ordem dos Advogados, não houve, de facto, um processo aberto de consulta e de recolha de
pareceres, nomeadamente no âmbito de um grupo de trabalho?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr.ª Presidente, começo por cumprimentar a Sr.ª Ministra da Justiça e a
Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade.
Sr.ª Ministra da Justiça, queria, em primeiro lugar, sublinhar o incrível atraso de dois anos com que V. Ex.ª
traz aqui esta matéria Sei que já disse que tinha de compatibilizar com os outros estatutos das outras Ordens,
mas essa compatibilização tinha de ser feita dentro do prazo que estava assinalado pela lei, ou seja, até abril
de 2013. Portanto, daí para cá há um atraso significativo
Gostava de lhe colocar três questões sobre os estatutos da Ordem dos Solicitadores e Agentes de
Execução e sobre a classe do notariado e a Deputada Isabel Moreira falará sobre os advogados.
Em primeiro lugar, quanto aos agentes de execução, sabemos que, hoje em dia, eles podem acumular com
a função de advogado e de solicitador. Essa acumulação não é, porém, livre, ela está sujeita a certos
impedimentos e, no que agora vem proposto, torna-se uma incompatibilidade absoluta.
Ora, havendo um sistema de impedimentos, do qual a Sr.ª Ministra, em várias matérias, tem aqui muitas
vezes feito doutrina de que é mais importante haver bons impedimentos do que uma incompatibilidade,
pergunto qual é a justificação teórica para essa incompatibilidade e se também tem em consideração aquelas
pessoas que já estão nesta situação acumulativa, que fizeram investimentos e que têm a sua vida preparada
nesse sentido e que agora veem cortada essa carreira. Esta é a primeira questão.
Em segundo lugar, ainda respeitante aos agentes de execução, verificamos que é uma profissão
contingentada, em que só podem entrar de cada vez x elementos. Por exemplo, no caso dos advogados, toda
a gente que faz o estágio, teoricamente, pode inscrever-se, ou não, na Ordem e neste caso não pode. Se, por
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exemplo, se abrir 50 vagas para agentes de execução, mas se concorrerem 500 pessoas, há 450 que vão
fazer o estágio e que ficam, durante muito tempo, a gastar tempo e dinheiro, quando sabemos, à partida, que
só entrarão 50.
A questão que coloco é se não seria mais lógico haver um crivo de entrada, como ocorre, por exemplo, no
Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Pergunto se esta não é uma situação semelhante e se este critério foi
ponderado.
Finalmente, e para terminar, sobre o notariado, a questão do apoio judiciário, que me parece bastante
grave. Desde a Portaria n.º 278/2013 que não há apoio judiciário para os inventários que são feitos pelos
notários. Temos um ano e meio de atraso dos processos. Há 38% dos processos de inventário parados há um
ano e meio, por culpa do Governo,…
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — … em primeiro lugar, por falta de pagamento dos honorários; em segundo
lugar, por falta de um acordo entre o Governo e os CTT. Agora, na proposta que nos traz, dividiu toda a classe
e partiu a Ordem dos Notários.
A minha pergunta é a seguinte: quando é que o Governo é capaz de resolver esta situação do apoio
judiciário e do inventário?
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta cabe à Sr.ª Deputada Teresa Anjinho.
Faça favor.
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, discutimos, hoje, um conjunto de três
propostas extremamente importantes, cujo preâmbulo é muito conhecido por todos.
Em primeiro lugar, conformar as normas estatutárias com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, relativas às
associações públicas profissionais, criando, inclusivamente, uma nova ordem, a Ordem dos Solicitadores e
dos Agentes de Execução.
Em segundo lugar, como também é sabido, proceder a correções e a melhoramentos que a prática tem
permitido identificar e assumi-los como absolutamente necessários, indo, naturalmente, ao encontro de um
objetivo claro, que nós também aqui reconhecemos, de contribuir para a contínua dignificação das diversas
profissões em todas as suas vertentes.
Dito isto e consciente, Sr.ª Ministra, de que não é nesta sede, mas em sede de especialidade que
poderemos proceder a um debate mais profundo e detalhado sobre as inúmeras questões e até críticas e
observações que se têm levantado e que se podem continuar a levantar — faz parte da própria democracia —,
a propósito das diversas iniciativas e, aliás, até da complexidade de algumas das matérias que aqui são
tratadas, a maior parte das quais, permitam-me, desde já, dizer, são questões que considero de clarificação,
mais do que qualquer outra coisa, pelo que, a meu ver, são facilmente dirimíveis, mesmo as que vamos
ouvindo em matéria de constitucionalidade,…
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — … por questões de tempo, gostaria de colocar, nesta sede, a título de
pedido de esclarecimento, uma breve questão relativa aos notários.
Um dos pontos mais sensíveis dos estatutos parece prender-se com a Caixa Notarial de Apoio ao
Inventário e com a sua forma de financiamento. Todos nós bem nos lembramos, ou devemos lembrar, a
importante reforma que aqui está subjacente, aprovada nesta Casa, em que se procedeu à propagada e
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desejável judicialização do processo de inventário, atribuindo aos cartórios notariais a competência para o
processamento dos atos e termos dos mesmos. Sr.ª Ministra, esta foi, de facto, a nosso ver, uma medida
muito relevante.
Todavia, de forma não surpreendente, começamos a ouvir algumas críticas, mas também é natural, pela
própria novidade, que se suscitem dúvidas e até necessidades de ajustamentos, já aqui reconhecidos pela
própria Sr.ª Ministra.
A preocupação que nos fazem chegar relaciona-se com a experiência do último um ano e meio de
inventários, onde a percentagem de processos de inventários com apoio é demasiado elevada e o valor dos
honorários relativos aos processos com apoio judiciário é quase equiparado ao valor dos honorários cobrados
nos processos sem apoio. O que, sendo assim, denota, de facto, uma elevada probabilidade de inviabilidade
da tal Caixa. Ou seja, é um problema de solvência e de sustentabilidade que nos colocam.
E, Sr.ª Ministra, seria importante esclarecer a reflexão e a cautela que foram tidas em conta aquando da
opção por esta medida, sendo sempre suscetível de adaptação e de ajuste, na prática.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Na mesma linha de preocupação, também somos sensíveis à introdução eventual de um critério de
equidade, tendo em conta o valor que aqui se estabelece em relação aos 10% sobre os processos de
inventário como valor fixo de desconto para a Caixa Notarial, de, eventualmente, se poder aqui estabelecer um
limite mínimo.
São estas as perguntas que lhe deixo, Sr.ª Ministra.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, teremos oportunidade adiante, na
intervenção, de nos referirmos a vários aspetos constantes das várias propostas de lei em discussão, mas há,
desde já, um deles ao qual não podemos deixar de nos referir já e de a questionar, que tem a ver com o
estatuto da Ordem dos Advogados.
Em primeiro lugar, o grau de conflitualidade que o Governo fez rodear a apresentação desta proposta de
lei, relativamente à respetiva ordem profissional.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. António Filipe (PCP): — Ou seja, o Governo não pode vir dizer que apresenta esta proposta de lei
quando nem sequer foi ouvida a Ordem dos Advogados quanto mais com a participação da Ordem dos
Advogados!
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Não é assim!
O Sr. António Filipe (PCP): — Evidentemente que a definição legislativa do estatuto de uma profissão não
pode deixar de ter em conta a participação da ordem respetiva. O que acontece é que, no caso da Ordem dos
Advogados, isso não foi tido em conta. Portanto, a Ordem dos Advogados não teve, sequer, a possibilidade de
se pronunciar de forma razoável relativamente à proposta de lei que o Governo veio a apresentar, o que se
lamenta.
Mas há dois aspetos relativos a este estatuto que gostaria que a Sr.ª Ministra nos esclarecesse.
O primeiro é o seguinte: a Sr.ª Ministra diz que esta proposta de lei não admite, nem por via direta nem por
via indireta, sociedades multidisciplinares. Faz muito bem em não admitir, o problema é que não se percebe
como é que o artigo 211.º, na redação que tem, não admite.
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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Agora, lendo o que consta do n.º 1 do artigo 211.º desta proposta de lei,
não vemos como é que as grandes consultoras multinacionais não entram por esta «janela».
Portanto, seria bom que o Governo aceitasse, pelo menos na especialidade, deixar isso absolutamente
claro. Se o Governo, tal como diz, não quer admitir as sociedades multidisciplinares, que o faça de uma forma
taxativa e que não deixe margem para dúvidas.
O Sr. David Costa (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — No nosso ponto de vista, esta formulação deixa margem para todas as
dúvidas. Ou melhor, parece claro que, com esta formulação, as grandes consultoras podem perfeitamente
entrar e exercer a advocacia, em Portugal. Seria bom que isso ficasse muito claro e que esta redação fosse
alterada.
Finalmente, não sei como é que se pode afirmar que a tutela da Ordem dos Advogados é uma tutela de
legalidade, quando o que está aqui previsto é que o Governo deva homologar regulamentos essenciais para o
exercício da profissão. Como é que esta é uma tutela de legalidade, Sr.ª Ministra? Obviamente que não é. É,
claramente, uma tutela de mérito, do nosso ponto de vista, perfeitamente inaceitável.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, telegraficamente, Sr.ª Deputada Cecília Honório, ou há
pressa ou há atraso, decidam-se!
Relativamente à questão do processo com a Ordem dos Advogados, a Ordem enviou uma proposta de
reformulação global no último minuto do último dia que tinha para o fazer, sem a discutir com a classe, e o
Governo entendeu — e os senhores têm, com certeza, esses elementos — que uma reformulação total e não
uma mera adaptação à lei-quadro, nas costas de toda a classe, não era compatível com o exercício
democrático.
Quanto a outras questões colocada pela Sr.ª Deputada, que são muito semelhantes às do Deputado
António Filipe, respondo que é muito fácil exibir os e-mails trocados com a Ordem, assim como é muito fácil
dizer os dias em que se realizaram reuniões com a Ordem.
Portanto, Sr.ª Deputada, tudo isso é comprovável, pelo que, certamente, há aí algum equívoco de
informação.
Sr. Deputado Pita Ameixa, mais uma vez, ou houve precipitação ou houve atraso, decidam-se! As duas
coisas, ao mesmo tempo, é que não pode ser.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Atraso!
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Por outro lado, quanto aos agentes de execução — que são advogados e
solicitadores e que, neste momento, são advogados —, o Governo tem, naturalmente, disponibilidade para,
em sede de especialidade, numa malha mais fina, salvaguardar situações adquiridas. No entanto,
compreenderá também que não parece muito adequado que quem executa um bem seja quem tenha sido
mandatário judicial naquele processo, que é o que se diz. Não é, propriamente, uma incompatibilidade entre
profissões.
Em relação à contingentação, tal como nos administradores de insolvências, há exigências nessa matéria,
como imaginará. É essa a razão.
Quanto ao notariado, tudo foi tratado com a Ordem dos Notários e numa perspetiva adequada. De resto, tal
como estava previsto, levou à revisão da portaria, no tempo adequado.
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Quando se fala na questão da Caixa, quero dizer que os 10% já estão repercutidos na tabela que os
notários auferem. Portanto, essa questão está, por aí, resolvida, e o próprio Estado comprometeu-se, durante
um período de 18 meses, a apoiar. Estamos a falar de uma profissão liberal.
Sr. Deputado António Filipe, nunca houve conflitualidade da parte do Ministério da Justiça. É exatamente o
contrário.
O Sr. António Filipe (PCP): — Não?!
A Sr.ª Ministra da Justiça: — O primeiro projeto apresentado pela Ordem dos Advogados — e espanta-me
muito que venha do Sr. Deputado uma afirmação desse teor — é que vinha exatamente à revelia de uma
discussão dentro da classe.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas aceitou ou não o projeto?!
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Quanto ao artigo 211.º, leia-o bem, Sr. Deputado! O n.º 1 diz que as
organizações associativas dos outros Estados-membros têm os limites previstos no n.º 7 do artigo 213.º, que
diz que não é permitido às sociedades de advogados exercer, direta ou indiretamente, a sua atividade em
qualquer tipo de associação ou de integração com outras profissões.
Portanto, Sr. Deputado, por nós está muito claro, mas se tiver uma formulação melhor, com certeza.
Relativamente à Sr.ª Deputada Teresa Anjinho, creio que respondi em função daquilo a que já me reportei.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado
dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: Debatemos, hoje, três diplomas que direcionam, no bom sentido
e uma vez mais, exercícios profissionais essenciais, e sê-lo-ão ainda mais a partir de hoje, na relevância da
realização da justiça.
A Sr.ª Ministra, como acabou de dizer, tem sido sucessivamente atacada por legislar demais e por legislar
de menos. Não é esse o ponto de vista do Grupo Parlamentar do PSD, que entende que o Governo e a Sr.ª
Ministra têm legislado, em matéria de justiça, bem e aquilo que é necessário.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — A primeira proposta de lei é a que transforma a Câmara de
Solicitadores em Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e aproveito para cumprimentar os dirigentes
da Câmara dos Solicitadores aqui presentes. Com este diploma, vai dignificar-se o exercício profissional de
solicitadores e agentes de execução.
A proposta de lei n.º 310/XII (4.ª) altera o Estatuto da Ordem dos Notários, conformando-o também com a
Lei n.º 2/2013. Aproveito também para cumprimentar os dirigentes e o Bastonário da Ordem dos Notários, que
têm, a partir da aprovação deste diploma, novas competências, alargando o seu âmbito de ação na realização
da justiça.
Temos, depois, a proposta de lei n.º 309/XII (4.ª), que aprova o novo estatuto da Ordem dos Advogados,
conformando-o também com a Lei n.º 2/2013. E aproveito para cumprimentar também os dirigentes da Ordem
dos Advogados e, em particular, a Sr.ª Bastonária da Ordem dos Advogados.
Há um conjunto de inovações e de pontos salientes neste estatuto, que têm vindo a ser alvo de debate. Por
falta de tempo, não vou debruçar-me sobre todos eles. Direi apenas o seguinte: o Grupo Parlamentar do PSD,
em sede de especialidade, a qual se abrirá brevemente, estará disponível para recolher todos os contributos
que sejam construtivos e válidos, tendo em vista o melhoramento destas propostas de lei.
Mas, repito, contributos que sejam construtivos e que sejam válidos. Não podemos, em virtude de estarmos
em ano eleitoral e a poucos meses de eleições, transformar o Estatuto e o exercício profissional destas
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atividades, tão importantes para a realização da justiça, num campo de debate, a meu ver, inócuo, inútil, no
sentido de se dizer: devia ter-se legislado mais cedo ou devia ter-se legislado mais tarde.
Nós, Grupo Parlamentar do PSD, estamos disponíveis para um debate que melhore o funcionamento da
justiça e não para um debate sobre se o relógio está mais atrasado ou mais adiantado, nesta matéria.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Segue-se a intervenção do PS.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Alves Moreira.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as
e Srs.
Deputados: Antes da intervenção, gostaria de fazer uma pequena retificação. Quando a Sr.ª Ministra disse que
o estatuto não foi discutido com a classe, está a referir-se ao projeto entregue pelo anterior bastonário, em
2013, porque o projeto entregue em 2015 foi discutido por todos os órgãos da Ordem dos Advogados, em
assembleia geral. Que fique claro!
Passo, agora, à minha intervenção. A proposta de lei n.º 309/XII (4.ª) tem pontos que ameaçam a
serenidade de um jurista médio.
Aqui estamos, com dois anos atraso, com os prejuízos que me abstenho de elencar. Um dos prejuízos
mais gritantes diz respeito ao direito de acesso à profissão. As normas referentes ao acesso à profissão são
imperativas e, no entanto, milhares de candidatos ao exercício da profissão de advocacia continuaram
sujeitos, devido à inércia do Governo, a um regime caduco.
A redação do artigo 3.º da proposta, onde encontramos a denominada «Disposição transitória», é uma
vergonha. O jurista médio debruça-se sobre esse artigo relativo à disposição transitória e lê o seguinte: «As
alterações introduzidas pela presente lei são aplicáveis aos estágios que se iniciem, bem como aos processos
disciplinares instaurados, após a respetiva data de entrada em vigor». Ou seja, a norma transitória assume a
função oposta à das normas transitórias, essa de acautelar as situações jurídicas anteriores à entrada em
vigor de um novo diploma. Pelo contrário, assume a discriminação dos estagiários e, nos processos
disciplinares, desaparece, numa penada, o princípio do tratamento mais favorável.
Quanto às incompatibilidades, a matéria deve naturalmente constar do regime jurídico de
incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos e não do Estatuto
da Ordem dos Advogados.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — O ponto mais crítico é o da tutela da legalidade. Nos termos do artigo
227.º da proposta, aqui já referido, a tutela de legalidade, versando sobre regulamentos e provas de acesso à
profissão, é, na verdade, uma descarada tutela de mérito, violadora do artigo 46.º da Constituição, uma
aberração que aniquila a dimensão associativa da Ordem dos Advogados, transformando a associação, em
grande parte, em simples instituto ou serviço administrativo.
Ficou também claríssimo, da leitura do projeto apresentado pela Ordem dos Advogados, do primeiro
projeto do Governo e desta versão, que o abandono por parte do Governo da consagração dos atos próprios
dos advogados, do mestrado integrado exigido para a magistratura e da consagração do crime de
procuradoria ilícita mais não foi do que uma retaliação da Ministra da Justiça, temporalmente evidente, ao
facto normal de as pessoas exercerem os seus direitos processuais. Triste Ordem que nos é hoje proposta,
que perde a sua legitimidade para se constituir assistente como defensora dos valores que prossegue e que
passa a limitar-se a poder ter tal qualidade para defesa dos direitos dos seus associados. Eis uma ordem
sindicalizada! Eis uma Ministra com cultura democrática!…
De resto, a Ministra da Justiça, que tantas vezes nos recorda a qualidade de advogada, não hesita, no
artigo 212.º da proposta, em permitir que empresas, por mero registo na Ordem dos Advogados, prestem
serviços de advocacia, furtando-se à fiscalização da Ordem. E podem ser sócias de sociedade de advogados,
entrando com o seu capital. Isto é um tiro na essência da advocacia! É caso para dizer, Sr.ª Ministra, que, em
podendo, hoje eu estaria aqui com a minha toga.
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Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Segue-se a intervenção do CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados:
Começo por cumprimentar os Srs. Bastonários e demais representantes das três Ordens aqui presentes, neste
momento, que é um momento importante para todas.
Escuso de repetir, mas terei de o dizer e lembrar, porque foi pouco dito aqui, que a alteração dos Estatutos
destas Ordens, como das outras, decorre da necessidade, face à lei-quadro aprovada em 2013, de os adaptar
às normas dessa lei-quadro. Decorre também da necessidade de os ajustar à diretiva comunitária relativa à
mobilidade e ao direito de estabelecimento.
Dito isto, gostaria de congratular e dar os parabéns à Sr.ª Ministra e ao Governo por, no caso concreto da
Ordem dos Advogados, se ter finalmente introduzido nesta proposta de lei, no que ao estágio diz respeito,
regras claras. Regras claras que faziam falta, que passam a constar dos próprios estatutos e que são a defesa
dos direitos dos pretendentes ao exercício da advocacia com habilitações próprias, impedindo-se para futuro,
através desta consagração, abusos e alterações regulamentares abusivas, que mais não eram do que peias e
entraves ao acesso e à liberdade de exercício da profissão.
Gostaria também de cumprimentar o Governo por ter consagrado nos estatutos aquilo que era evidente e
que é uma necessidade há muito sentida pela classe, que é a atribuição de natureza de pessoa coletiva de
direito público à Ordem dos Advogados. A importância da profissão, a importância e o contributo destes
profissionais para a justiça, em Portugal, mais do que justificava, e há muito, esta consagração.
É evidente que nenhum diploma, por mais consensual que se tente que o mesmo seja, vai satisfazer
gregos e troianos. Portanto, não há nenhum diploma totalmente inócuo e acrítico, na totalidade das suas
normas. Por isso é que há este debate, agora, e haverá, depois, o debate na especialidade.
Evidentemente, há questões que se colocam e que os profissionais colocam, das quais gostaria de referir
duas ou três à Sr.ª Ministra.
Por exemplo, a questão dos mestrados, a de saber porquê em algumas Ordens ser exigido o mestrado e
noutras não. E, aqui, gostaria de relembrar, como memória histórica, o Processo de Bolonha e o porquê do
Processo de Bolonha. O Processo de Bolonha aparece para criar uniformidade transeuropeia quanto à
duração das licenciaturas e à aquisição pelos jovens dos diferentes países de capacitações e habilitações
próprias dentro do mesmo tempo útil, independentemente do país da comunidade europeia onde
prosseguiram os seus estudos. A exigência, que, em muitos casos, se estava a fazer, de que não bastaria a
licenciatura para ter acesso ao estágio profissional nas respetivas Ordens era — e é, pois, em muitos casos,
mantém-se — um frustrar do propósito original de Bolonha. Mas é uma questão que também terá de ser
dirimida em sede de especialidade, onde se poderá fazer os ajustes que se mostrem adequados.
Outra questão que os profissionais da advocacia colocam e que poderá ser esclarecida já hoje, ou em sede
de especialidade, é a questão da substituição, que não lhes foi explicada, em sede de processo disciplinar, e
como direito supletivo, daquilo que estava consagrado da lei geral penal pelo processo disciplinar da Lei Geral
do Trabalho em Funções Públicas. Esta é uma questão que os profissionais estão a colocar e que é uma
questão pertinente, o porquê e o pedido de esclarecimento.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Irei concluir, Sr.ª Presidente.
Finalmente, tinha uma outra questão, mas a Sr.ª Ministra antecipou-se à minha questão, demonstrando a
abertura que o Governo tem e que a maioria terá depois, em sede de especialidade, a analisar a questão
sobre os solicitadores que são agentes de execução, e os advogados que são agentes de execução,
especialmente a retroatividade da norma que agora se propõe e os problemas que causa aos advogados, que,
em devido tempo e ao abrigo da lei, fizeram essa opção.
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Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Segue-se a intervenção do Bloco de Esquerda.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, quero cumprimentar todos os dirigentes e representantes
das Ordens aqui presentes e, relativamente a cada uma das propostas de lei, deixar algumas notas à Sr.ª
Ministra da Justiça.
Quero registar a disponibilidade aqui apresentada para uma questão muito sensível relativa à proposta de
lei que institui a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Esta incompatibilidade entre o exercício
das funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial, esta incompatibilidade com as
limitações previstas e com a retroatividade, como bem sabe, corre riscos de séria inconstitucionalidade.
E, do nosso ponto de vista, registamos a disponibilidade e, ao mesmo tempo, não podemos aceitar que
estas condições e que este Estatuto tenham sido permitidos enquanto faziam falta e, agora, se descartem
estas pessoas e o exercício da sua atividade.
Quanto à proposta de lei relativa à Ordem dos Advogados, a Sr.ª Ministra reconhecerá aquilo que já foi aqui
relembrado, isto é, que, relativamente ao projeto apresentado em janeiro de 2015, a preocupação da Ordem
foi a de uma profundíssima e alargadíssima consulta e, por isso, vos foi pedido um alargamento do prazo, que
a Sr.ª Ministra da Justiça, ao que sabemos, não quis aceitar.
Aqui, o que interessa é reconhecer o seguinte: a Sr.ª Ministra mantém um alto nível de conflituosidade —
pelo menos, é o que parece —, mas, por outro lado, o PSD vem «pôr água na fervura» e dizer-nos: «Vamos
com calma, há tempo para fazer as ditas propostas de alteração», e espero que sim. É que há aqui matérias
que são muito sensíveis e que não são aceitáveis, do nosso ponto de vista. Por exemplo: condiciona-se a
capacidade de o advogado se constituir assistente; desaparecem os atos próprios dos advogados no Estatuto;
não há possibilidade de se recorrer para os tribunais judiciais quando houver conflitos entre sócios e estes
forem remetidos para o tribunal arbitral; a tutela do Ministério da Justiça é, objetivamente, e como também já
foi aqui bastas vezes mencionado, uma tutela de mérito; no debate sobre as habilitações literárias, é objetiva a
proposta da Sr.ª Ministra da Justiça que introduz uma discriminação relativamente às magistraturas; as
sociedades multidisciplinares não podem ser para os nacionais, mas, se forem estrangeiros, já podem.
Em suma, são matérias de uma enorme sensibilidade e registo aqui, se não a disponibilidade da Sr.ª
Ministra da Justiça, pelo menos a do PSD, para ter todos estes aspetos em linha de conta.
Finalmente, quanto à proposta de lei relativa à Ordem dos Notários, Sr.ª Ministra, no que à Caixa Notarial
de Apoio ao Inventário diz respeito, pelo que sabemos, 37% dos processos de inventário cabem no apoio
judiciário, e não há nenhuma outra classe de profissionais jurídicos que financie o apoio judiciário. É preciso
aqui reconhecer que a proposta, como está consagrada, não é justificável. Entre outras matérias que, cremos,
a especialidade poderá aclarar, estão, nomeadamente, estas competências de fiscalização que estão
atribuídas ao Instituto dos Registos e do Notariado e que, do nosso ponto de vista, não fazem sentido, uma
vez que temos a Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça para esse mesmo efeito.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Segue-se a intervenção do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Simão Ribeiro.
O Sr. Cristóvão Simão Ribeiro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de
Estado, Sr.as
e Srs. Deputados: O Partido Social Democrata e, em particular, a Juventude Social Democrata
acreditam que os jovens portugueses têm direito a exercer a sua profissão, profissão para a qual estudaram,
para a qual se qualificaram e, sobretudo, profissão que, juntamente com as suas famílias, fizeram um enorme
esforço para poderem ter.
Hoje, os jovens estudam em Portugal e completam ciclos altamente exigentes, altamente avaliados,
altamente creditados e ministrados por docentes cuja competência académica está acima de qualquer tipo de
suspeita.
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Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Nesta Câmara e neste País, já ninguém consegue disfarçar que, no
final deste percurso, os jovens portugueses enfrentam um autêntico calvário naquilo que diz respeito ao
acesso à sua profissão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr.as
e Srs. Deputados, este calvário tem um nome: corporativismo. Ou seja, aqueles que já estão
confortavelmente integrados e instalados na sua profissão colocam muitas vezes barreiras desmedidas à
entrada e ao ingresso de novos agentes profissionais. Mais agentes significa mais concorrência e,
lamentavelmente, neste País ainda há quem tenha medo de mais concorrência na sua profissão.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Cristóvão Simão Ribeiro (PSD): — Vejamos, então, qual o tipo de barreiras que têm sido postas por
parte da Ordem dos Advogados nos últimos anos: taxas e emolumentos altamente insuportáveis e
incomportáveis para a juventude portuguesa; estágios não remunerados e incompatíveis com o estágio do
IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional); exames de acesso ao estágio, entretanto votados à
ilegalidade, e, para fugirem a estes, exames de aferição intermédios e, ainda, a ameaça do requisito de
mestrado para o acesso à profissão.
Sr.ª Presidente, Portugal investe muito na qualificação para melhorar o futuro do nosso País e, portanto,
nós, que temos responsabilidades políticas, não podemos deixar que algumas associações profissionais
tentem cortar a esperança e as oportunidades aos jovens portugueses.
Reconhecemos a importância das ordens profissionais, nomeadamente a Ordem dos Advogados, na
regulamentação e regulação da profissão, no ensino da arte e na salvaguarda deontológica. Aliás, estamos
cientes do seu papel importante na salvaguarda de garantias constitucionais dos cidadãos. Mas este princípio
não pode jamais legitimar tudo e, portanto, este Governo e esta maioria conseguiram, na alteração ao Estatuto
da Ordem dos Advogados, que hoje os jovens não enfrentem exames de acesso a estágio, exames de
aferição e esperemos que não enfrentem a injusta exigência do mestrado no acesso à sua profissão.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Cristóvão Simão Ribeiro (PSD): — Finalmente, porque quem trabalha tem direito ao seu salário,
hoje será possível a compatibilidade do estágio do IEFP com o estágio da Ordem dos Advogados, graças ao
Ministério da Justiça e a esta maioria.
Sr.as
e Srs. Deputados, não queremos com isto a diminuição da exigência. Defendemos estágios e exames
finais de agregação rigorosos, mas não podemos deixar que os interesses de um grupo instalado numa
profissão continuem a impedir o acesso dos jovens portugueses à sua profissão.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Segue-se a intervenção do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados:
Curiosa intervenção, esta, que acabámos de ouvir do Sr. Deputado Simão Ribeiro. Significa que o PSD já está
arrependido de ter votado contra a remuneração dos estágios aquando da lei-quadro das associações
profissionais.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
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O Sr. António Filipe (PCP): — O PSD está arrependido. Ainda bem que se arrependeu, porque o Sr.
Deputado ainda vai ter tempo de, nesta Legislatura, atuar em conformidade com o que acaba de dizer,…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Esperamos que sim!
O Sr. António Filipe (PCP): — … ou, então, é caso para dizer «Bem prega Frei Simão, faz o que ele diz,
que ele faz não».
Risos do PCP.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Relativamente aos estatutos da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes
de Execução que aqui estão em discussão, queríamos salientar que haverá certamente aspetos de
especialidade que terão de ser ponderados, tendo em conta até o parecer que nos foi apresentado e as
opiniões que nos foram transmitidas pela respetiva associação profissional.
Relativamente aos notários, há questões que vale a pena anotar desde já, no debate na generalidade.
Uma delas é o caráter absurdo do fundo que se quer constituir para financiar o apoio judiciário nos
processos de inventário, porque se pretende colocar uma profissão a financiar, com os seus honorários, a
prestação de apoio judiciário, que compete inequivocamente ao Estado. É a mesma coisa do que pôr os
advogados a financiarem o apoio judiciário do seu bolso ou de pôr os médicos a financiarem, do seu bolso, o
Serviço Nacional de Saúde. Não faz, de facto, sentido.
Foi-nos demostrado, aliás, até pela Ordem dos Notários, a inviabilidade deste fundo, e, portanto, é algo que
não pode deixar de ser reequacionado aquando da discussão na especialidade, porque, de facto, não faz
sentido.
Relativamente aos notários, há uma questão muito relevante, que é a do acesso às bases de dados. De
facto, não faz sentido que os agentes de execução possam ter acesso às bases de dados para cumprirem a
sua função, mas que isso seja vedado aos notários.
Portanto, há que ver em que condições é que isso deve ser feito, mas, do nosso ponto de vista, não pode
ser negado, pelo que queríamos deixar aqui essa nota.
O grau de discordância relativamente ao estatuto da Ordem dos Advogados acentua-se por várias razões,
que não temos já tempo para explicitar no debate na generalidade, mas, seguramente, fá-lo-emos na
especialidade, havendo aspetos que devem ficar muito claros.
Por um lado, a proibição das sociedades multidisciplinares deve ficar muito clara. Devemos todos trabalhar
para que não haja dúvidas acerca deste aspeto. Estas sociedades não devem ser admitidas, nem direta nem
indiretamente, pelas consequências que isso teria nas condições para o exercício da advocacia,
designadamente no plano deontológico.
Por outro lado, Sr.ª Ministra, inequivocamente, a tutela de mérito que se institui não pode existir. De facto,
de acordo com a formulação que aqui está, ou seja, os regulamentos elaborados e aprovados pela Ordem,
essenciais para o exercício da profissão, não podem ser submetidos a uma tutela de mérito por parte do
Governo, através de homologação, que é o que, inequivocamente, consta do diploma. Tanto mais que
estabelecesse-se algo de insólito, que é uma tutela dita de legalidade, mas à qual corresponde, depois, a
possibilidade de um deferimento tácito. Ora, um deferimento tácito não joga com a tutela de legalidade, mas
unicamente com uma tutela de mérito, que é o que inequivocamente aqui está.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir de imediato, Sr.ª Presidente.,
Portanto, esperamos que também nesta matéria do estatuto da Ordem dos Advogados haja, da parte do
Governo, abertura para ouvir os envolvidos, para ouvir os advogados e reequacionar aspetos fundamentais
com os quais discordamos profundamente.
Aplausos do PCP.
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A Sr.ª Presidente: — Tenho a informação que o PSD cede tempo ao Governo, pelo que tem a palavra,
para uma intervenção, a Sr.ª Ministra da Justiça, que dispõe de 1 minuto e 5 segundos.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, não levarei muito tempo para explicar a diferença entre a
tutela de mérito e a tutela de legalidade, pois qualquer manual de Direito Administrativo, do 2.º ano de Direito,
o explica.
Um ato de homologação não comporta uma tutela de mérito.
Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.
Calma!
O Sr. António Filipe (PCP): — Não tire proveito disso! Vá ler!
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Srs. Deputados, quanto à participação da Ordem dos Advogados, houve
reuniões com a Sr.ª Bastonária a 16 e a 24 de abril de 2014. A Ordem apresentou por duas vezes propostas
para o estatuto que foram ponderadas, em 11 de fevereiro de 2013 e em abril de 2014. A Ordem não se
pronunciou dentro do prazo subsequente previsto para a consulta direta. Foi-lhe concedido, a pedido, uma
prorrogação, não se tendo pronunciado no referido prazo. Outra prorrogação conviremos que era demais.
Relativamente à questão da tutela de legalidade, Srs. Deputados, consultem o artigo 45.º, n.º 5.
Quanto ao desaparecimento dos atos próprios, consultem o estatuto. Não despareceu nada quanto aos
atos próprios dos advogados. Está lá tudo clarinho.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Onde é que estão?!
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Srs. Deputados, quanto à questão da própria lei-quadro, a lei-quadro é muito
clara e nós somos mais claros ainda: há um reforço de transparência, há um reforço nas incompatibilidades,
há um reforço nos atos próprios de cada profissão jurídica, e não é aceitável que o PS fale em processo de
inventário quando o processo de inventário do PS esteve completamente parado sem nunca ter tido aplicação!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. José Magalhães (PS): — Não apoiado. Foi adiado pela dissolução da Assembleia!
A Sr.ª Presidente: — Terminamos, assim, o primeiro debate desta tarde relativo à discussão, na
generalidade, das propostas de lei n.os
308/XII (4.ª), 309/XII (4.ª) e 310/XII (4.ª), respetivamente, sobre a
Câmara de Solicitadores, o Estatuto da Ordem dos Advogados e o Estatuto da Ordem dos Notários.
Passamos ao ponto 2, que consiste no debate, conjunto e na generalidade, da proposta de lei n.º 305/XII
(4.ª) — Procede à trigésima sexta alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de
setembro, transpondo a Diretiva 2011/93/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de
2011, e cria o sistema de registo de identificação criminal de condenados pela prática de crimes contra a
autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor, e dos projetos de lei n.os
772/XII (4.ª) — Procede à
alteração do Código Penal, cumprindo o disposto na Convenção do Conselho da Europa para a proteção das
crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais (Convenção de Lanzarote) (PS) e 886/XII (4.ª) —
Estratégia nacional para a proteção das crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais (PCP).
Antes de dar a palavra para apresentar a proposta de lei, peço aos Srs. Deputados para tomarem os seus
lugares para entrarmos serenamente no debate.
Tem, então, a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça para apresentar a proposta de lei.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: Todos os dias a
imprensa noticia abusos sexuais de menores e todos os dias a Polícia Judiciária recebe, em média, três,
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repito, três queixas relativas a estes tipos de crime. Vê-se de tudo, até crianças pré-púberes presas,
sodomizadas, violadas, numa hipoteca de alguns das gerações vindouras.
Em regra, quem tem filhos, menores a cargo, vive em cuidado. Percebe-se, da leitura de jornais ou do que
se vê nos telejornais, que o perigo surge, normalmente, de onde menos se espera. Na família ou daqueles em
quem os pais e os próprios confiam: do médico, do catequista, do chefe dos escuteiros, do padre, do
professor, do treinador de futebol, do colega mais velho da escola…
O Governo apresenta uma proposta de referenciação de abusadores sexuais, que passará a estar na
posse das polícias e de magistrados e dá aos pais a possibilidade de saber se, na sua área de residência ou
na da escola dos filhos ou no local de férias, existem condenados por este tipo de crime, mas não a sua
identidade, a menos que conheça essa pessoa.
Trata-se da medida que encontra paralelo em outros países, designadamente, nos Estados Unidos,
Canadá, Austrália, Reino Unido, França e alguns Estados federados da Alemanha.
Nos países referidos, foram criados registos de cidadãos condenados pela prática deste tipo de crimes.
Traço comum destes registos é a circunstância dos condenados estarem sujeitos à obrigação de manterem
atualizados os dados relativos à sua residência, comunicando as alterações desta.
A duração da inscrição no registo é variável, essencialmente em função da duração da pena aplicada.
Como nota saliente do registo norte-americano encontramos o acesso do público ao mesmo. Também no
sistema do registo inglês, os pais ou outras pessoas podem atualmente solicitar, ou, melhor, têm o
direito/dever, no âmbito de um projeto-piloto, que os informem sobre se uma determinada pessoa está inscrita
no registo. A condição é a de que a pessoa em causa tenha acesso à criança e possa representar um perigo
para ela.
Os registos de condenados existentes no Reino Unido e em França foram objeto de apreciação pelo
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em seis acórdãos consecutivos. E em seis acórdãos consecutivos foi
considerado que este registo não se tratava de uma sanção acessória nem de uma pena criminal mas de uma
medida preventiva, mesmo que durasse 30 anos.
Nas palavras do Tribunal, trata-se de uma medida «puramente preventiva e dissuasora». O mesmo
Tribunal concluiu que este registo assenta num justo equilíbrio entre os interesses públicos e privados, uma
vez que os crimes em causa são particularmente censuráveis e as suas vítimas são pessoas vulneráveis.
Temos de ter na balança da justiça quem sofre e quem agride. Também há que tratar das vítimas, embora
não exista quem o possa fazer integralmente, tal é a subversão dos conceitos e valores das crianças. Nunca
mais poderão ter um tratamento completo. Quanto sofrimento em silêncio? Filhos de ninguém?! Não podemos
permiti-lo, há que dar o primeiro passo.
A conformidade deste registo com as normas da Convenção Europeia dos Direitos Humanos foi reafirmada
pelo Tribunal Europeu numa nova decisão proferida no final do ano passado.
A própria Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, através da Comissão dos Assuntos Jurídicos e
dos Direitos Humanos, tem desenvolvido um estudo relativo à criação de um registo europeu de delinquentes
sexuais.
Para a consecução deste objetivo, a legislação nacional regula, de igual modo, a contratação de pessoas
que desempenham funções regulares com menores.
São, pois, inteiramente justificadas as preocupações manifestadas pela Ordem dos Médicos, quando
propõem, por exemplo, que o registo dure 23 anos, o que acompanhamos.
De uma panóplia de abusadores sexuais, destacam-se os abusadores primários ou preferenciais, que, de
acordo com os responsáveis pelo CrimeClassificationManual, perpetuam para satisfazer necessidades
sexuais ou outras recorrendo a elementos de agressão necessários para a excitação e gratificação. Estes,
usualmente, envolvem fortes padrões comportamentais ou sexualmente ritualizados, os quais são difíceis de
alterar para o abusador. Ao contrário do que acontece com o abusador situacional, o abusador preferencial
desenvolve um ritual sexual, planeando e procurando uma vítima específica.
De acordo com os professores universitários Ashley Ames e David Houston, os abusadores primários ou
preferenciais usam como estratégia de aproximação a ameaça, o tráfico organizado de crianças, o rapto a
estrangeiros ou estranhos, a sedução e o aliciamento de crianças vizinhas, amigas ou familiares.
Segundo documentação disponibilizada pela Ordem dos Médicos aos Srs. Deputados, o tratamento da
pedofilia, ou desta parafilia dos abusadores preferenciais, é praticamente impossível.
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A oposição sabe que é necessário dar este passo, mas não o admite. Enreda-se em argumentos
conhecidos, como as condenações perpétuas, quando o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já disse o
contrário. Enfim…
Se as autoridades não tiverem na sua posse um registo de abusadores, uma lacuna com que hoje vivemos,
como podem estar atentas e tomar as necessárias providências? Não é mais razoável saber que na sua zona
de intervenção existem pedófilos e haver um policiamento necessário, preventivo, do que não haver registo
nenhum?
Se uma equipa da Escola Segura encontrar sempre o mesmo indivíduo, cuja identidade já tem, não o vai
confundir como sendo um pai.
Até hoje, o abusador cumpre pena, sai, recomeça a sua vida e o rasto é apagado — tudo em nome dos
direitos, liberdades e garantias. E as crianças que foram vítimas não têm direitos? Não têm direitos?!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Elas têm a vida arruinada e vivem na sombra do estigma para sempre,
passam a não confiar, a não acreditar no amor e no carinho, nunca terão uma vida amorosa ou afetiva plena,
são vítimas de depressões recorrentes, têm mais propensão para adições e probabilidade de ter diabetes e
hipertensão.
De acordo com descrições médicas, a violação de uma criança do sexo feminino até aos cinco anos tem
como grande probabilidade a morte da mesma. A cópula causa o desgarre dos planos perineais e vai causar
uma hemorragia, sendo a perda rápida de sangue e líquidos a causa comum de morte. O que foi feito até hoje
para evitar isto?
De acordo com muitos estudos, cerca de 20% das mulheres e 10% dos homens foram alvo de abuso
sexual na infância. Realmente, mesmo ao nosso lado, em Espanha, a prevalência de abusos sexuais na
infância é de 20% para as mulheres e 15% para os homens. Noutros países, cerca de 50% das pessoas que
frequentam os serviços de saúde mental foram abusadas sexualmente na infância.
Em Portugal, onde se acordou recentemente para esta realidade com a Casa Pia, os estudos são muito
claros. É uma realidade afundada em cifras negras, apesar de tudo, onde uma parte dos crimes não é
denunciada. E quando reparamos que grande parte dos abusos é intrafamiliar também não podemos esquecer
o que diz a ciência sobre o assunto.
Não vale a pena esgrimir estatísticas, há para todos os gostos. Mas nem que fosse 1%, nunca ninguém
terá a certeza absoluta de nada. O que importa é que há crianças abusadas diariamente.
Será que os Srs. Deputados têm a noção de que enquanto estamos sentados há utilizadores de streaming
a visionar na Internet, em direto, violações de menores a acontecer? Sim, é verdade. Há pessoas que pagam,
através de dinheiro virtual, através de bitcoins, para visualizar e obter satisfação sexual em direto e ao vivo.
Crianças sodomizadas, crianças presas, crianças que são obrigadas, inclusivamente, a práticas sexuais com
animais. É por isso também que se cria uma base para permitir que todos nós possamos combater este
flagelo.
Num estudo, Anna Salter revelou que, dos predadores que interrogou, em média, 175 vítimas já tinham
sido objeto do mesmo abusador sexual. Este número deve fazer-nos pensar. Cada um daqueles abusadores
que falou com Anna Salter podia só estar condenado por um crime de abuso sexual a menores, mas já deixara
para trás 174 vítimas. Não desistirei, por todos os nossos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — A Mesa regista a inscrição de dois Srs. Deputados para pedirem esclarecimentos,
mas a Sr.ª Ministra já não dispõe de tempo. Como tal, os Srs. Deputados usarão da palavra mais tarde.
Para apresentar o projeto de lei do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as
e Srs.
Deputados: O Partido Socialista decidiu submeter à Assembleia da República um projeto de lei que visa
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consolidar na Ordem Jurídica Portuguesa as recomendações da Convenção do Conselho da Europa relativa
aos abusos sexuais de menores.
Já em 2009, o Governo deu passos importantes nesta matéria, quando estabeleceu um regime de aferição
de idoneidade no acesso a funções que envolvam contacto regular com menores e, em simultâneo, definiu um
regime especial para a manutenção do registo de condenação.
Vozes do PS: — Bem lembrado!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Propomos, agora, a introdução de um novo tipo legal de crime, punindo quem
propuser a um menor, por qualquer meio, um encontro presencial com a finalidade de praticar, fomentar,
favorecer ou facilitar a prática dos crimes de abuso sexual, prostituição ou lenocínio de menores.
Propomos, igualmente, a criminalização da assistência a espetáculo pornográfico que envolva menores, ao
mesmo tempo que se agrava a moldura penal no conjunto de crimes de abuso sexual contra menores ou a
sua exploração, quando os factos forem praticados conjuntamente por duas ou mais pessoas.
Com esta iniciativa legislativa, procuramos ver o que ainda podia e devia ser feito em matéria de proteção
de menores contra a exploração e os abusos sexuais, nomeadamente no campo do direito penal.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Pretende o Governo, com esta proposta de lei que aqui hoje debatemos, criar
um sistema de registo de identificação criminal de condenados por crimes contra a autodeterminação sexual
de menores, vulgo lista de pedófilos.
Na fundamentação, alega as consequências nefastas de tais crimes para o desenvolvimento pleno e
harmonioso das vítimas, tanto ao nível emocional como cognitivo.
Sr.ª Presidente, o crime de abuso sexual contra menores e a sua exploração são, certamente, dos crimes
mais perversos e os que mais nos atingem na nossa essência, quer individualmente, em cada um de nós
enquanto ser, quer enquanto membros de uma sociedade, que é igualmente atingida sempre que um menor
interrompe o seu percurso de crescimento pleno.
Em cada criança vivemos o que também já fomos e nela projetamos a existência que perdurará para além
de nós. Mas a proteção de menores não se esgota nem se deve esgotar no campo punitivo.
Diz o Ministério da Justiça que pretende proteger os menores, mas este Mistério é o mesmo que integra o
atual Governo que enviou mais de 600 funcionários da segurança social para a lista de requalificação e retirou
às comissões de proteção de menores e de jovens em risco técnicos que são essenciais para o seu
funcionamento, numa altura em que as crianças e jovens em risco têm vindo a aumentar no País?!
Aplausos do PS.
O Sr. António Filipe (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Onde estava o Ministério da Justiça quando, no mês passado, a segurança
social encerrou um colégio, em Aveiro, integrado na rede de apoio às crianças em risco e espalhou-as pelo
País a meio do ano letivo e longe das suas famílias?!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Que falta de sensibilidade! Que vergonha!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Onde está a proteção de crianças num País que tem 31% de menores de 18
anos em risco de pobreza?
A justiça é cega, mas, infelizmente, o Ministério da Justiça também o é.
Protestos do PSD.
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A Sr.ª Ministra da Justiça: — Que falta de argumentos!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sejamos claros: o crime de pedofilia é muito perverso, já o dissemos. Atinge-
nos a todos. Nenhum cidadão fica indiferente sempre que uma criança é vítima de tais crimes. Reagimos
emotivamente enquanto seres que sentem, que sofrem e que querem reagir ao crime que renega os valores
que mais estimamos. Mas não deve ser o Estado por isso mesmo racional, longe da emoção própria da
natureza do ser e procurar a justa medida da ação e da reação?
Diz o Ministério da Justiça que a medida é preventiva. É mais do que isso. É uma medida de segurança
constitucionalmente proibida.
Aplausos do PS.
Sr.ª Presidente, é perigoso um Estado que nos põe a espiar uns aos outros. É hipócrita um Estado que
lança sobre os cidadãos o ónus da prevenção, deixando as crianças entregues ao seu destino quando as
retira aos técnicos de prevenção de crianças e jovens em risco. E isso é inconstitucional, manifestamente
inconstitucional, como o referem todos os pareceres, quer da magistratura judicial, quer do Ministério Público,
quer da Ordem dos Advogados, quer da Comissão Nacional de Proteção de Dados, como referiu ainda ontem.
O Sr. José Magalhães (PS): — Bem lembrado!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É tempo de olhar para a justiça, no sentido constitucional mais amplo. Ou
seja, olharmos para a forma como o Estado trata o seu cidadão, porque é nessa relação dia-a-dia que se
constrói, que se densifica e se concretiza o Estado de direito democrático. Mas o inverso também é
verdadeiro: o Estado de direito democrático também se desconstrói, também se esvazia, também se sufoca
quando o cidadão, ignorado na plenitude da sua essência, deixa de o ser e passa a ser um mero instrumento
do poder. E é também este ponto de viragem que aqui hoje estamos a debater.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para apresentar o projeto de lei n.º 886/XII, do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado
João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.as
e Srs. Deputados: O PCP traz
hoje a esta discussão um projeto de lei com um conjunto de medidas tendo em vista a aprovação, neste
Parlamento, de uma estratégia nacional para a proteção das crianças contra a exploração sexual e os abusos
sexuais. É que, Sr.ª Ministra, julgo que se há coisa sobre a qual, nesta Sala, nunca encontrará opinião
diferente é a de que o combate aos abusos sexuais e à exploração sexual das crianças deve merecer todo o
empenho, seja qual for a perspetiva política que tenhamos nestas questões.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Ministra, não me vou debruçar sobre qualificações à sua intervenção,
mas, das referências concretas que fez, retirava apenas a conclusão de que tudo isso deve motivar todo o
empenho, seja qual for a perspetiva política que cada um tenha, na prevenção e no combate aos abusos
sexuais e à exploração sexual das crianças.
Por isso, Sr.ª Ministra, ao contrário do que faz a proposta de lei do Governo, apresentamos aqui um projeto
que coloca como prioridade não o combate à reincidência, não a prevenção da reincidência, mas a prevenção
do primeiro abuso sexual contra as crianças e os jovens. Apresentamos um conjunto de propostas e de
medidas que, de forma articulada, não só em função de diferentes responsabilidades mas em diferentes
esferas de ação e de intervenção, procura criar um quadro de intervenção com o objetivo de prevenir e
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combater a exploração sexual e os abusos sexuais de crianças e proteger os direitos das crianças vítimas de
exploração sexual e abusos sexuais.
Assim, apresentamos um conjunto de propostas concretas com objetivos concretos, visando a erradicação,
em Portugal, destes problemas, planificando a intervenção do Estado, dos organismos públicos e das
comunidades na prevenção da exploração e abusos sexuais de crianças, com medidas eficazes destinadas a
prevenir os riscos de atos de exploração sexual e de abusos sexuais, com a organização de campanhas
específicas de esclarecimento e de informação, no plano público, mas também com medidas administrativas,
políticas e outras com o mesmo objetivo.
Sr.ª Ministra, procuramos também articular a intervenção que em diferentes esferas é assumida não só
pelo Governo mas por outras entidades, nomeadamente a Procuradoria-Geral da República, a própria
Provedoria de Justiça, os Ministérios da Justiça, da Educação, da Saúde, a segurança social, a Ordem dos
Advogados e as uniões das misericórdias ou das instituições particulares de solidariedade social. Isto porque,
Sr.ª Ministra, temos consciência que a prevenção e o combate aos abusos sexuais de menores e à exploração
sexual de menores é uma batalha que deve ser assumida por todos aqueles que têm uma intervenção a
assumir.
Sr.ª Ministra, queria relembrar aqui uma questão muito concreta: há duas semanas atrás, na Assembleia da
República, quando o PCP trouxe à discussão um projeto de lei que previa o afastamento do consentimento
para a intervenção das comissões de proteção de crianças e jovens quando o agressor fosse um dos
responsáveis parentais daquela criança, as bancadas que hoje apoiam a proposta que a Sr.ª Ministra hoje
aqui vem defender, infelizmente, rejeitarem essa proposta do PCP.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — E porquê?
O Sr. João Oliveira (PCP): — Mais valia que, nessa altura, tivessem atendido à questão que aqui foi
trazida e permitissem que as comissões de proteção de crianças e jovens, pelo menos, vissem afastado esse
obstáculo. Mas já lá iremos, relativamente a outras questões.
O Sr. António Filipe (PCP): — Exatamente!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Ministra, relativamente à proposta de lei que aqui nos traz há outros
fatores de discordância que não só a lista de pedófilos, pois a proposta de lei não é só a lista de pedófilos e há
outros aspetos que merecem a nossa discordância, mas centrarei a minha apreciação apenas neste aspeto
para dizer que, da parte do Grupo Parlamentar do PCP, há uma frontal oposição à proposta que aqui nos traz
por três motivos fundamentais: em primeiro lugar, porque a proposta de lei do Governo preocupa-se com os
abusos sexuais de menores depois de já ter havido o abuso mas não se preocupa em evitar o primeiro abuso.
O enfoque é todo colocado na reincidência e não na prevenção do primeiro abuso e, julgamos nós, essa é que
deveria ser a prioridade.
Em segundo lugar, esta proposta de lei do Governo abandona e põe em causa objetivos de ressocialização
dos condenados, optando antes pela sua estigmatização e pelo prolongamento dos efeitos da condenação.
Não é esse o caminho, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Está lá o regime de prova!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Em terceiro lugar, esta proposta de lei do Governo substitui a ação dos
tribunais e dos meios de reinserção social, procurando substituí-la pelo alarme social e pela vigilância de umas
pessoas sobre as outras.
E, Sr.ª Ministra, a proposta de lei do Governo faz tudo isto violando a Constituição e violando princípios
estruturantes do nosso ordenamento jurídico-constitucional, como sejam os princípios da proporcionalidade
em sentido amplo, e em sentido estrito também, o princípio da necessidade e da adequação na restrição de
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direitos, liberdades e garantias, o princípio da retroatividade, o princípio da igualdade ou a proibição de
concentração de dados pessoais.
Sr.ª Ministra, o Governo apresenta esta proposta de lei focando a atenção na reincidência quando não há
elementos ou estudos, nacionais ou internacionais, que justifiquem esse enfoque,…
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Ai há, há!
O Sr. João Oliveira (PCP): — …pelo contrário, há, inclusivamente, um estudo que, no plano nacional,
mostra que apenas 3,4% dos condenados tinham antecedentes pela prática do mesmo tipo de crime e que
51,1% tinha uma relação familiar com as vítimas. A estas questões concretas, Sr.ª Ministra, a sua proposta de
lei não dá uma única resposta.
Mais: a proposta de lei faz este enfoque na reincidência quando aquilo que era decisivo era fazer o enfoque
na prevenção do primeiro abuso, na prevenção de todas aquelas circunstâncias em que está em causa
alguém que não tem antecedentes criminais pela prática deste crime mas que acaba por praticá-lo. Era aí que
devia ser colocado o enfoque e a proposta de lei do Governo acaba por descentrar essa atenção e essa
prioridade.
Por outro lado, Sr.ª Ministra, em vez de respeitar as competências dos tribunais, dos médicos, dos
psicólogos, dos assistentes sociais, de todo o sistema de reinserção social, aquilo que o Governo vem fazer é
criar, de facto, um clima de alarme social, procurando pôr as pessoas a vigiarem-se umas às outras, sem
medir as consequências das propostas que aqui são feitas.
E não somos só nós que o dizemos, Sr.ª Ministra, é o Ministério Público, é a Procuradoria-Geral da
República, é o Conselho Superior do Ministério Público, é a Magistratura Judicial, é a Ordem dos Advogados e
outros.
Como a Sr.ª Ministra aqui trouxe o exemplo do Reino Unido, vou ler-lhe uma citação de um investigador
inglês, Terry Thomas, que, em setembro passado, no Porto, numa conferência sobre estas matérias disse o
seguinte: «A imprensa tabloide conseguiu chegar às listas e publicou nomes e moradas de agressores. Alguns
foram agredidos por vizinhos e houve quem se tivesse suicidado».
A Ser.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Quem é que causa alarme social agora?!
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — A Sr.ª Ministra certamente não é partidária da justiça do «olho por olho dente
por dente» e um dos princípios fundamentais de um sistema penal de um regime democrático é o objetivo da
ressocialização dos condenados. Ora, com lógicas estigmatizantes como as que aqui propõe, contrariam-se
esses princípios fundamentais.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr.ª Presidente, dizendo o seguinte: com esta proposta, aquilo que
o Governo propõe é efetivamente a criação de um registo que nem a diretiva nem a Convenção de Lanzarote
impunham como obrigatórios, colocando como facultativos a Recomendação n.º 43 e o artigo 37.º da
Convenção.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Propõe a criação de um registo que não abrange apenas a pedofilia,
abrange todos os crimes sexuais, mas fazendo uma distinção, pois deixa de fora cidadãos estrangeiros, que
põe em causa a eficácia da proposta.
Propõe um acesso ao registo que vai muito para lá daquele que está previsto na Diretiva e na Convenção,
permitindo o acesso à informação muito para lá do universo a quem compete a prevenção e a investigação
criminal.
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Portanto, Sr.ª Ministra, efetivamente, aquilo que está em causa…
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Como dizia, Sr.ª Ministra, aquilo que está em causa é o abandono efetivo de qualquer perspetiva de
ressocialização.
Sr.ª Ministra, para concluir, queria deixar esta nota final: mesmo na preparação da proposta de lei…
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir. Peço desculpa, mas já ultrapassou em mais
de dois minutos o seu tempo.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Os senhores deveriam ter tido em conta os pareceres que vos foram dados
e não tiveram, e até um novo artigo 69.º, para além daquele que já existe no Código Penal, os senhores
acabam por reproduzir. Mais valia que tivessem ouvido os parceiros e as recomendações que foram feitas,
nomeadamente pelo Ministério Público.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Assim não!…
A Sr.ª Presidente: — Pelo Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A Sr.ª Ministra da Justiça não
deixou tempo e eu percebo que não queira responder a perguntas difíceis.
Sr.ª Ministra da Justiça, há certamente um aspeto que nos une, a violência sexual contra as crianças, os
crimes de que falamos, são crimes hediondos, mexem no mais profundo de cada um e de cada uma de nós.
Toca em cada pai, em cada mãe, em cada avó, em cada avô, quer esteja aqui dentro quer lá fora, toca no
mais profundo, Sr.ª Ministra da Justiça, e é por isso que, quando falamos deste intenso turbilhão de
sentimentos, devemos fazer um convite à razão e a Sr.ª Ministra da Justiça não aceita este convite à razão.
Sr.ª Ministra, estamos de acordo. Há muito para fazer em defesa das nossas crianças e dos nossos
jovens? Há, há muito para fazer! Os dados do relatório anual da segurança interna relativamente ao abuso
sexual de menores são dados cada vez mais preocupantes? São! É preciso fazer muita coisa? É preciso fazer
muita coisa! Concordamos com isso!
Agora, eu vou fazer a discussão nos termos em que a Sr.ª Ministra a colocou. A Sr.ª Ministra tem uma
proposta de lei de 32 páginas reduzida a um anexo, a algumas alíneas do anexo, ou seja, à lista dos pedófilos
e, sobretudo, ao acesso a esta lista por quem tem responsabilidades parentais.
Volto a insistir na questão que nos preocupa a todos e a todas: quanto é que isto custa ao País e,
sobretudo, vale o quê? Serve para quê esta medida? O que é esta lista? Demonstre!
A Sr.ª Ministra da Justiça, quando sabe que a maior parte dos crimes sexuais são cometidos dentro de
casa, às portas de casa ou junto das paredes de casa, quando sabe que os dados do relatório anual da
segurança interna, por exemplo, nos dizem que, relativamente ao abuso sexual de crianças, os desconhecidos
são 5%, porque a grande maioria são familiares e são conhecidos…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — … em diferentes patamares de proximidade, quero perguntar-lhe para que
é que vem aqui arranjar uma lista para perseguir e caçar desconhecidos quando eles correspondem a uma
esmagadora minoria estatística dos abusadores sexuais.
Para quê? Mostre-nos os estudos, Sr.ª Ministra.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Há muitos argumentos! Fale dos que quiser, desses não!
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A Sr.ª Cecília Honório (BE): — A Sr.ª Ministra sabe bem que a sua proposta vai muito para além da
legislação francesa e inglesa, que não prevê o acesso dos particulares. A Sr.ª Ministra sabe muito bem disso.
Mostre um estudo que seja, repito, um estudo que seja, que diga: «Esta lista, em que eu vou permitir aos pais
o acesso a esta informação, vai prevenir o combate aos crimes sexuais contra crianças e menores». Não vai,
Sr.ª Ministra, não vai!
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Ajuda!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — A lista, objetivamente, não previne nada, mas há uma realidade que a Sr.ª
Ministra também não quis prevenir. Falou-nos aqui em casos do passado e eu não sei exatamente em que
país é que vive, porque, então, pergunto-lhe: quando começarem a circular listas de pedófilos e criminosos
sexuais com nomes falsos e verdadeiros, sei que a sua imaginação chega muito bem para os nomes
veadeiros e para o que lhes vai acontecer, agora para os falsos, que nunca mais se endireitarão,…
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Só de condenados!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Ministra, repito, não sei exatamente em que País é que vive.
Esta discussão tinha de ser uma discussão séria,…
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Pois tinha!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — …. tinha de ser uma discussão sobre a prevenção, sobre o que falta fazer
pelas nossas crianças e, para ela ser séria, Sr.ª Ministra da Justiça, tinha de ter em conta todos os pareceres,
os pareceres da Procuradoria-Geral da República, do Conselho Superior do Ministério Público, dos sindicatos
dos juízes, das associações e organizações de todos os profissionais ligados à área, inclusivamente, Sr.ª
Ministra da Justiça dos seus, daqueles que já levantaram a voz a dizer que esta lista não faz sentido nestes
termos — é, por isso, porventura, que há a dita disciplina de voto.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Não há disciplina de voto nenhuma!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Ministra, espanta-me que queira levar praticamente sozinha este
estandarte, como se isto fosse uma cruzada, porventura útil no caminho da campanha eleitoral, onde a Sr.ª
Ministra da Justiça vai estar junta com o CDS. É esta a sua aventura, com esta proposta, Sr.ª Ministra da
Justiça?
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — É uma boa aventura!
A Sr. Cecília Honório (BE): — Nenhum dos documentos ou dos instrumentos supranacionais, nem a
Diretiva nem a Convenção, vinculam a qualquer criação de bases de dados de condenados.
A Diretiva torna facultativa esta possibilidade, circunscrita a autoridades judiciais e policiais…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — … e ambos os instrumentos invocam o respeito absoluto pelos dados
pessoais. Esqueceu-se do que está escrito nos instrumentos supranacionais. Não está nem na Convenção
nem na Diretiva.
Aliás, a propósito de dados pessoais, o Governo nem sequer se lembrou que havia Comissão Nacional de
Proteção de Dados. O parecer chegou ontem à noite, mas o Governo esqueceu-se completamente da
especificidade desta Comissão.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Foi for acaso que chegou ontem à noite! Por acaso…
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A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Ministra da Justiça, se esta discussão fosse séria considerava a
necessidade de muitos mais meios para a prevenção e para o combate e o Governo não assobiava para o
lado, desprotegendo completamente as comissões de proteção de menores e crianças em risco, não
assobiava para o lado numa matéria tão sensível como é a dos técnicos e do apoio em toda a estratégia de
prevenção.
Se esta discussão fosse séria, Sr.ª Ministra, assumia que o perigo está, sobretudo, dentro de casa e à sua
volta. Aliás, há muito que aqui apresentámos uma iniciativa, relativamente à qual aguardamos a
disponibilidade da maioria.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Concluirei, Sr.ª Presidente, com alguma tolerância, como a que teve para
com outros grupos parlamentares.
A Sr.ª Presidente: — A tolerância, Sr.ª Deputada, não depende de mim, depende da desobediência dos
Deputados.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, vou concluir, aceitando essa tolerância.
Há muito que aguardamos a disponibilidade da maioria, por exemplo, para uma proposta do Bloco de
Esquerda que inibe responsabilidades parentais a todos aqueles que são agressores sexuais, ou para discutir
o agravamento de penas relativas a crimes sexuais que têm a ver com crianças e jovens. Aguardamos essa
disponibilidade.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Isso está nesta proposta!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Mas se esta iniciativa não fosse tendenciosa, Sr.ª Ministra da Justiça,
salvaguardava matérias tão sensíveis como a previsão de algum mecanismo que permitisse ao visado
reavaliar a sua menção no registo, tinha em conta a baixa pena relativamente às informações falsas ou previa
sanção para a quebra do segredo.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Concluo mesmo, Sr.ª Presidente, citando o parecer do Conselho Superior
do Ministério Público: «Será, pois, um segredo de polichinelo (…) A campainha ficará (…) agarrada à cintura
do visado (…)». É isto, Sr.ª Ministra da Justiça!
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª
Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: Em primeiro lugar, e pegando até,
eventualmente, nesta última intervenção, quero dizer que é absolutamente verdade que a Sr.ª Ministra da
Justiça não está sozinha nesta sua proposta, é absolutamente verdade que a Sr.ª Ministra tem o CDS ao seu
lado, nesta proposta, e também não tenho a menor dúvida de que a Sr.ª Ministra tem o PSD ao seu lado,
nesta proposta.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — E não tem mais ninguém!
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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Mas também estou perfeitamente convencido de que a Sr.ª Ministra
tem, ao seu lado, nesta proposta, a maioria dos portugueses, que são pessoas de bom senso e querem
proteger as nossas crianças.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Não tenho a menor dúvida sobre isso, Sr.ª Ministra da Justiça!
De resto, alguns partidos da oposição fizeram aqui uma discussão sobre os meios e a falta deles. Não vou
repetir, outra vez, essa discussão, já a tivemos aqui muitas vezes, o próprio Partido Socialista não gosta dela
e, portanto, não vou, mais uma vez, fazer a pergunta no sentido de saber onde estava o Partido Socialista
quando o País deixou de ter meios e foi conduzido à beira da bancarrota.
Protestos do PS.
Não vale a pena, já discutimos isso vezes sem conta. Vamos, agora, discutir o que está em causa…
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Anda sempre à volta!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não há mais disso, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, vamos ao que
interessa. O que está aqui em causa é o abuso sexual de menores e a respetiva criminalização. Este é que é o
tema que está na ordem do dia e nós não vamos fugir à ordem do dia.
O Sr. José Magalhães (PS): — Então, não fuja!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sobre isso, Srs. Deputados, importa dizer que o regime que aqui é
proposto, do nosso ponto de vista, é um regime mais moderno, é um regime que aproxima Portugal do que se
faz de mais avançado neste tipo de combate e atuação em relação aos abusos sexuais, designadamente aos
abusos sexuais de menores. Porquê? Porque agrava sanções, alarga o regime de prova aos condenados por
estes crimes, reforça a criminalização de condutas relativas à pornografia, onde nós, de resto, temos história,
por assim dizer, tendo havido várias propostas no passado, e, sobretudo, adequa a legislação portuguesa
àquelas que são, hoje, as grandes preocupações não portuguesas mas internacionais — e reconheço que as
propostas do Partido Socialista também vão nesse sentido, mas teremos ocasião de as discutir, porque a
discussão não termina aqui, hoje —, que têm a ver, designadamente, com a Internet, como o aliciamento pela
Internet e a utilização dos meios da Internet para a pornografia. É por isso que esta proposta é mais atual e
moderna.
Acompanhei a discussão da Convenção de Lanzarote, quer na Assembleia Parlamentar do Conselho da
Europa, quer aqui, na Assembleia da República, para a sua ratificação, e considero que, de facto, esta
proposta de lei vai muito ao encontro daquilo que a Convenção de Lanzarote propõe e defende.
Por outro lado, também já foi aqui dito — aliás, a Sr.ª Ministra referiu-o, e bem — que não podemos
esquecer que este tipo de crimes não está a diminuir, está a aumentar. O último Relatório Anual de Segurança
Interna refere um aumento de praticamente 18% dos crimes de abuso sexual de menores,…
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — … num cenário em que, globalmente, a criminalidade baixa.
Portanto, é um dado, obviamente, muito preocupante e importante.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Bem lembrado!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — As primeiras penalizações vêm de 2009, havendo uma proposta do
CDS em 2008, designadamente em relação às profissões e à impossibilidade de quem comete estes crimes
estar próximo dos menores.
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Questão sensível e central neste debate é a do registo. Ninguém ignora, e nós também não ignoramos, que
na questão do registo tem de existir uma ponderação e um equilíbrio de valores, porque não há um único
valor, há diferentes valores em ponderação.
Falou-se no direito à privacidade e na possibilidade de se tratar ou não de uma pena excessiva, que foi o
segundo argumento que aqui ouvimos. Mas serão estes os únicos valores? Não! Existem outros valores, como
o direito à formação da personalidade e ao desenvolvimento das crianças, o direito à liberdade e à segurança
das crianças e o direito de os pais protegerem as suas crianças, que, mais do que um dever, é um direito
fundamental, e esta proposta visa, obviamente, assegurá-lo. Diz o Sr. Deputado João Oliveira que a Diretiva
não o impõe. Pois não, Sr. Deputado, a Diretiva pode não o impor, mas impõe-no a nossa consciência e o
dever de proteção das crianças.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Srs. Deputados, é ou não possível a restrição de direitos? É possível, e toda a doutrina constitucional o
refere, designadamente se a restrição de direitos for baseada na proteção de outros direitos e valores
fundamentais. É por isso que a restrição de direitos é possível.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso é a regra do artigo 18.º! Não é novidade!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — É evidente, nós também o sabemos — não o podemos ignorar porque
há, seguramente, muitos estudos, testemunhos, depoimentos, depoimentos até de condenados neste tipo de
processos que vão nesse sentido —, que se trata de um comportamento compulsivo. Quantas vezes temos
ouvido isto?! Quantas vezes temos visto, em documentários, reportagens, análises desta matéria, que há
muitos casos em que se trata, obviamente, de um comportamento compulsivo?! E, se é um comportamento
compulsivo, há, evidentemente, um risco, aquele risco populista de que o Sr. Deputado falava, que é o de um
condenado por este tipo de crime poder ser sujeito a algum tipo de invectivação ou a alguma forma de
condenação ou justiça populares. É evidente que esse risco existe, Sr. Deputado, mas, então, e o risco que os
menores correm?! Onde está a proteção dos menores?! Isso não existe?! É que, Srs. Deputados, dá à
sensação de que, às vezes, temos tanta preocupação em proteger o «lobo» que nos esquecemos do
«rebanho». Muitas vezes, parece que é isso que está a acontecer, Srs. Deputados.
O Sr. João Oliveira (PCP): — E o que é que a lista resolve?!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Falam também em pena perpétua. É evidente que quem cometeu um
crime destes, quer queiramos, quer não, ficará marcado pelo crime que cometeu. Mas essa marcação tem
prazos, há prazos em relação a esta lista.
Por outro lado, não é qualquer pessoa que a ela tem acesso, são os pais, por exemplo, são os
responsáveis educativos, quando detetem um comportamento que pareça ser, ele mesmo, de risco, como
seguir uma criança, tentar introduzir-se numa escola, perseguir permanentemente uma criança. A partir daí, o
que é que esta lei permite e que, para nós, é positivo? Permite uma interação entre esses mesmos pais e as
forças de segurança, como é evidente, porque, ao alertarem as forças de segurança, ao verificar-se o historial
e o cadastro, obviamente, podem determinar uma atuação, o que é positivo do ponto de vista do combate ao
crime.
Ficam marcados — é verdade, Srs. Deputados! —, mas, como aqui foi dito, e bem, quem fica mais
marcado neste tipo de crimes são as vítimas. Essas, ficam marcadas, quase sempre, para toda a vida.
Termino, dizendo o seguinte, Srs. Deputados: a lei fez-se para proteger as vítimas dos criminosos e não o
contrário.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho.
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A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado
dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: Começo por esta referência
que o Deputado Telmo Correia acabou de fazer: se há alguma pena perpétua, é para as crianças. Essa é a
única pena perpétua que ocorre no âmbito dos crimes contra a autodeterminação e a liberdade sexual das
crianças e é a isso que, antes de mais, temos de atender.
Mas olhemos para este diploma que a Sr.ª Ministra aqui nos traz. Tem soluções difíceis? Sim, tem soluções
difíceis! Tem soluções relativamente às quais temos de encontrar o justo equilíbrio e a justa ponderação? É
verdade que sim e é por isso mesmo que a Sr.ª Ministra e o Governo trazem a este Parlamento uma proposta
de lei que elenca um conjunto de medidas preventivas e condenatórias relativamente àquilo que é um flagelo
social.
Se, por um lado, neste diploma que aqui nos traz, a Sr.ª Ministra preconiza o agravamento das penas, por
outro, estabelece a proibição de contacto com crianças daqueles que já tiveram uma condenação pela prática
destes crimes, bem como a proibição de atividades profissionais em que tenham contacto com menores. E,
neste domínio, penso que é tudo pacífico, porque ninguém levantou a voz. É preciso evitar que aqueles que já
foram condenados pela prática destes crimes possam exercer profissões no âmbito de atividades de
permanente contacto com menores. E é por isso mesmo que a Sr.ª Ministra, nesta proposta de lei que aqui
nos traz…
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mas a lista não resolve esse problema!
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — O Sr. Deputado tem de ouvir, porque não é a lista que serve para
esses casos, é o certificado de registo criminal que esta proposta de lei introduz, obrigando a que todas as
entidades patronais, no âmbito de atividades nas quais haja contacto com menores, tenham de o pedir,
anualmente, em relação a todo e qualquer trabalhador que contratem.
Para além disso, também no âmbito dessas atividades num estabelecimento escolar, por exemplo, Sr.ª
Ministra, é preciso que o certificado seja renovado anualmente não só em situações futuras, mas também em
relação àqueles que, pela sua antiguidade, não estão, neste momento, no âmbito dos parâmetros da tal lista
ou do certificado criminal. Quero, com isto, dizer que qualquer entidade privada pode pedir essa informação,
requerendo o certificado criminal dessas pessoas.
O Sr. José Magalhães (PS): — Já pode! Isso já acontece!
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — O mesmo se diga em relação a um estabelecimento escolar, que
também pode pedir esse certificado e ter acesso à informação.
Diz o Deputado José Magalhães que isso já acontece e nós concordamos.
O Sr. José Magalhães (PS): — Está em vigor!
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — O PS concorda que aqueles que administram uma escola, e até pode
ser um colégio particular, podem pedir um certificado criminal relativamente à pessoa A, ao funcionário A.
Esse certificado criminal fornece informação a essa entidade privada e será partilhado por aquele que o pediu
e também por todos aqueles que têm responsabilidades, precisamente, no âmbito dessa escola. O que não
entendo é por que é que se confia, e acho que se deve confiar, nas entidades que administram
estabelecimentos escolares ou quaisquer outras instituições onde se contacte com menores e não se confia
naqueles que têm responsabilidades parentais. Mas, neste Parlamento, querem retirar à responsabilidade
parental a primeira linha de responsabilidade de proteção dos menores?! Pela nossa parte, não é isso que
queremos, o nosso entendimento é o de que a primeira linha de responsabilidade de proteção dos menores
está com aqueles que exercem a responsabilidade parental. Essa é a primeira linha e, subsidiariamente, a
autoridade pública terá também, necessariamente, uma função determinante.
Foi enunciado um conjunto de argumentações aduzidas no âmbito dos pareceres que foram requeridos a
entidades que respeitamos. Respeitamos, mas isso não quer dizer que concordemos com toda a
argumentação aduzida por essas entidades, tal como essas entidades não concordam com alguma da
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argumentação que aduzimos, e, Sr.ª Ministra, estamos a falar de Parlamento, estamos a falar de Governo,
estamos a falar de Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, estamos a falar da Assembleia Parlamentar do
Conselho da Europa.
Neste âmbito, que fique bem claro que a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa também adotou
uma resolução dirigida aos Estados, recomendando precisamente que seja criada uma base de dados…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Exatamente!
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — … que possa permitir o intercâmbio de informação, em razão da livre
circulação de pessoas na União Europeia, pessoas que podem circular livremente para a prática destes crimes
e que, como a Sr.ª Ministra sabe, hoje já estão no patamar da criminalidade organizada em razão não só do
âmbito do tráfico de seres humanos como dos meios informáticos que são colocados à disposição para
cometerem, como a Sr.ª Ministra disse, quase ao minuto, crimes hediondos desta natureza.
Esta é a realidade, é o substrato da nossa ação. E é precisamente porque este flagelo está instalado não
só em Portugal como na Europa e não tem fronteiras — estamos a falar de crimes transnacionais com os
quais as organizações internacionais se preocupam com recomendações que permitam, tanto quanto possível,
uma harmonização ou, até, uma uniformização substantiva dos direitos internos nesta matéria — que surgem
estes apelos de organizações internacionais, seja da União Europeia seja do Conselho da Europa, no sentido
de que seja criada uma base de dados.
Ora, qual é a função dessa base de dados? É uma função exclusivamente preventiva. É precisamente no
âmbito do policiamento de proximidade que é possível que a entidade policial possa monitorizar indivíduos
com estas características, precisamente em razão da sua propensão para a reincidência.
Quero lembrar-lhe, Sr.ª Ministra, que já ouvimos vários psicólogos e ouviremos outros, no âmbito do debate
na 1.ª Comissão, mas já ouvimos alguns psiquiatras dizerem-nos que nem a castração química tem um efeito
inibidor da compulsão, pois ela tem efeito, inibindo determinadas práticas, mas permite que o impulso se
concretize por outras formas. E é contra este flagelo que queremos medidas preventivas que permitam que as
polícias monitorizem aqueles que têm essa propensão, por um lado, mas também queremos as
responsabilidades parentais na proteção das crianças, na primeira linha.
Não queremos mais ouvir pais a dizerem que não se aperceberam do que passava com os seus filhos,
nesta matéria …
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — A Mesa regista uma inscrição do PS para uma intervenção, da Deputada Isabel
Oneto. Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho: Queria, apenas, deixar-lhe
uma pergunta.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — A mim?!…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Certamente que sim. Acabou de fazer uma intervenção e gostaria de lhe fazer
uma pergunta.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Pergunto-lhe o seguinte: se um pai for a uma esquadra, porque entende que
existem suspeitas relativamente a um vizinho, e ele não estiver na lista, esse pai diminui a vigilância que tem
sobre o menor? É isso que a Sr.ª Deputada acha?
Aplausos de Deputados do PS.
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Protestos de PSD.
A Sr.ª Presidente: — A Mesa tinha a informação de que o PS iria produzir uma intervenção mas, afinal, foi
um pedido de esclarecimentos.
Como a Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho ainda dispõe de tempo, tem a palavra para responder.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Oneto, embora não tenha
percebido a sua pergunta, vou tentar responder-lhe.
Protestos do PS.
Se um pai for a uma esquadra pedir informação relativamente a alguém sobre quem tenha fundadas
suspeitas e houver infirmação da sua integração na lista é bom pai, com certeza.
A Sr.ª Presidente: — Pedia aos Srs. Deputados o favor de dizerem à Mesa para que efeito se inscrevem.
A Sr.ª Deputada Isabel Oneto pediu de novo a palavra. É para que efeito?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr.ª Presidente, é para um novo pedido de esclarecimentos.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho, eu reformulo o meu pedido de
esclarecimentos.
A Sr.ª Deputada entende que, se um pai for a uma esquadra porque considera suspeito o vizinho mas o
nome do vizinho não constar da lista, por esse facto, o pai diminui a vigilância sobre o vizinho e sobre o
menor?
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não. Mas se constar, aumenta!
O Sr. António Filipe (PCP): — Não é consigo, Sr. Deputado Telmo Correia!
O Sr. José Magalhães (PS): — Bem perguntado!
A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho, tem a palavra para responder.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada, dir-lhe-ei que não, que acho que não
diminui.
Risos de Deputados do PSD.
A Sr.ª Presidente: — A Sr.ª Deputada Isabel Oneto pediu a palavra à Mesa. É para que efeito, Sr.ª
Deputada?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr.ª Presidente, agora era para uma intervenção.
A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr.ª Deputada
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Relativamente a esta matéria e para concluir,
na parte que cabe ao Partido Socialista, queria deixar bem claro que já desde 2009 entidades públicas e
privadas, seja para contratos gratuitos ou onerosos, têm possibilidade de pedir o registo criminal aos
candidatos ao exercício de funções que lidem com menores para aferir a sua idoneidade.
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A diferença, Sr.as
e Srs. Deputados, está em que, sendo estas entidades quem tem de fazer a contratação,
elas é que têm de decidir se o candidato é, ou não, idóneo. E o registo criminal de que a Sr.ª Deputada, há
pouco, falou já existe. Chama-se, precisamente, registo criminal e nele estão todos os condenados por abuso
sexual de menores e todos os outros que foram condenados neste País. Nesse registo criminal já lá está a
informação. Portanto, nessa matéria não há dúvidas: já temos uma lista de condenados no País. Estão lá
todos! Estão lá todos!…
O que diz a Associação Sindical dos Juízes Portugueses sobre esta matéria? Vou ficar-me pela citação de
uma frase do seu parecer, a saber: «(…) não se evidencia qualquer utilidade, em termos de prevenção geral,
que vá além de uma dimensão populista, demagógica, perigosa e inconsequente com um direito penal que ao
longo dos anos tem mostrado que, na sua essência, é inequivocamente funcional, ainda que sustentado numa
matriz de respeito pelos direitos fundamentais.»
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho, inscreveu-se para uma intervenção. Tem a
palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Queria acentuar que, tal como
acabou de dizer a Deputada Isabel Oneto e como eu já tinha referido, hoje, as entidades privadas já podem
aceder a essa informação.
Queria também dizer, de forma muito clara, que esta discussão tem sido conduzida de acordo com
determinados mecanismos que, muitas vezes, desvirtuam aquilo que, na realidade, está a ser debatido.
Portanto, deixo aqui claro que todos estes condenados por prática destes crimes são condenados num
julgamento público, através de uma sentença ou de um acórdão que são públicos, podendo, em qualquer
circunstância, ser consultados nos respetivos tribunais e, por vezes, estão, até, editados nos sites desses
tribunais, com ou sem o nome truncado. Ou seja, quando se pratica um crime e se é condenado por esse
crime, esse facto fica, obviamente, no registo criminal das pessoas condenadas. E, na minha perspetiva, é
lamentável que, através de um parecer, um sindicato de magistrados do Ministério Público — neste caso
concreto que a Sr.a Deputada Isabel Oneto citou — venha dizer que o Governo e a maioria parlamentar, eleita
por sufrágio universal direto e secreto, pretendem ser populistas.
Protestos do PS.
Quando pedimos pareceres a um sindicato ou a qualquer outra entidade, fazemo-lo para que nos deem
contributos que possam ser úteis para a reflexão sobre questões que são sérias e que merecem uma justa
ponderação.
Protestos do PS e da Deputada do PCP Rita Rato.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Termino já, Sr.ª Presidente, dizendo que, quando esses pareceres
aduzem argumentação de populismo, logo se vê que essa argumentação é um juízo de valor, feito em
liberdade de expressão, com certeza.
Risos do Deputado do PS João Galamba.
Mas esse juízo de valor, que é feito, de nada serve para avançarmos com o nosso processo legislativo.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
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A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Não, Sr.ª Deputada Isabel Oneto, esta iniciativa legislativa não é
populista; trata-se de mecanismos de prevenção que permitirão que as polícias façam policiamento de
proximidade — repito, façam policiamento de proximidade! —, tenham informação sobre os circuitos onde se
deslocam pessoas que têm propensão para a reincidência, nesta matéria, em nome das crianças, pelas
crianças, para proteção dos menores em Portugal.
Muito obrigada pela tolerância, Sr.ª Presidente.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para intervir, ainda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr.ª Presidente, só para referir que o parecer da Associação Sindical dos
Juízes Portugueses é um excelente contributo à democracia, porque diz, e repito: «(…) não se evidencia
qualquer utilidade, em termos de prevenção geral, que vá além de uma dimensão populista, demagógica,
perigosa e inconsequente (…)». Tudo o que se fizer, em nome das crianças, com isto, é, de facto, pura
demagogia.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, conclui-se aqui o debate, em conjunto e
na generalidade, da proposta de lei n.º 305/XII (4.ª).
Antes de passarmos ao terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos, vamos aguardar o tempo necessário
para que os Membros do Governo se revezem na bancada do Governo.
Pausa.
Peço aos Srs. Deputados o favor de retomarem os vossos lugares e aproveito para cumprimentar a Sr.ª
Ministra da Administração Interna e o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.
Vamos então passar à discussão, também na generalidade, da proposta de lei n.º 319/XII (4.ª) — Procede
à segunda alteração à Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, que aprova a Lei de Bases da Proteção Civil.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Administração Interna.
A Sr.ª Ministra da Administração Interna (Anabela Rodrigues): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados:
Os momentos de incerteza requerem certeza no planeamento, certeza no empenho de forças e certeza na
ação.
Decorridos mais de oito anos sobre a entrada em vigor da Lei de Bases de Proteção Civil, impõe-se uma
atualização das suas disposições, tendo em vista a sua permanente adequação às exigências do presente e a
antecipação dos desafios do futuro.
Sem prejuízo de reconhecer a necessidade de estabilidade legislativa, importa não perder de vista que um
diploma com a relevância operacional da Lei de Bases de Proteção Civil não pode ficar suspenso no tempo.
Assim, para permitir aos agentes envolvidos programar e desenvolver as suas atividades, num quadro de
operação bem conhecido por todos, o Governo apresenta à Assembleia da República esta proposta de lei
onde, clarificando, se identificam e definem os diferentes agentes e competências, quer no plano do
planeamento, quer na vertente de execução e coordenação operacionais.
Das principais alterações que hoje apresentamos a esta Assembleia cabe destacar a introdução de uma
relação de subsidiariedade entre os diversos atos de declaração de alerta, contingência e calamidade, bem
como a sua clarificação de modo a instituir a regra que obriga à existência prévia de atos do patamar
precedente antes de uma dada declaração ter lugar.
Para o desenvolvimento das alterações propostas contribuíram também as várias alterações
administrativas do País, nomeadamente a extinção dos governos civis. Assim, se falamos de um documento
com uma forte componente operacional, existe uma dimensão que não deve ser descurada: a decisão política.
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Nesse sentido, é também promovida, no que respeita à composição das comissões de proteção civil, uma
alteração que visa reforçar o seu caráter de estruturas de coordenação política.
Falando ainda dos agentes e das entidades com dever de cooperação no âmbito da proteção civil, é criado
um enquadramento específico para os espaços sob jurisdição da autoridade marítima.
Tendo por base a experiência da aplicação da lei anterior, esta proposta mereceu um debate alargado para
o qual contribuíram todos os membros da Comissão Nacional de Proteção Civil. Tratou-se de um debate
fundamentalmente técnico e há agora espaço para consensos políticos no decorrer do processo que hoje
iniciamos. Pela sua parte, o Governo manifesta-se disponível para proceder a todos os esclarecimentos em
sede de discussão na especialidade.
A prevenção de riscos coletivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, o atenuar dos seus
efeitos, a proteção e o socorro de pessoas e bens em perigo exige certeza na ação e é essa a motivação do
Governo na apresentação desta proposta de lei.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — A Mesa registou a inscrição da Sr.ª Deputada Francisca Almeida, do PSD, e do Sr.
Deputado Miguel Freitas, do PS, para pedidos de esclarecimento.
Entretanto, a Sr.ª Ministra informou que responderá em conjunto às questões colocadas.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Francisca Almeida para pedir esclarecimentos.
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª e Sr. Secretários de Estados, Sr.as
e
Srs. Deputados: A Sr.ª Ministra, na sua intervenção, referiu-se à extinção dos governos civis e é verdade que
no passado ano de 2011 a organização administrativa do nosso País foi significativamente alterada com essa
extinção.
À data, recorde-se — e eu recordo-me bem, porque fiz esse debate do lado do Grupo Parlamentar do PSD
—, o Partido Socialista vaticinava as maiores catástrofes com a extinção dos governos civis. Segundo o
Partido Socialista, a extinção dos governos civis faria ruir a arquitetura constitucional do nosso País…
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — É verdade!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — … e arrastaria consigo a própria proteção civil
Perguntava, à data, o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa: «Quem vai compatibilizar no terreno as forças de
proteção civil, de socorro e de segurança?» E dizia ainda: «O governador não é substituível pelo funcionário
de serviço, nem o estado de emergência deve ser decretado, quiçápelo bombeiro de chefia ou pelo centro de
operações e também não se vê como se podem mobilizar as Forças Armadas.» E continuava: «Nem o
processo eleitoral, designadamente o autárquico, deve ser dirigido pelo presidente da câmara nele
interessado.»
Enfim, segundo o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa ruiria, como disse, a arquitetura constitucional do nosso
País, que arrastaria consigo a própria proteção civil.
No fim, vaticinava ainda o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa: «A partir de agora, a porta do Governo retrai-se
para as arcadas do Terreiro do Paço e fecha-se no distrito.»
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, volvidos quase quatro anos, que se saiba nada disso aconteceu.
Na verdade, e no âmbito da proteção civil, foram introduzidas alterações para salvaguardar a cadeia de
comando, nomeadamente no que respeita à identificação das entidades que passaram a substituir os
governadores civis nas competências que lhes eram atribuídas. Por exemplo, a declaração da situação de
estado de emergência passou a ser da competência do presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil
precedida de audição, sempre que possível, dos presidentes das câmaras municipais dos municípios
envolvidos.
A proteção civil não saiu, como se vê e como se tem visto, prejudicada com a extinção dos governos civis,
mas esta é, e temos consciência disso, a primeira lei de bases que é discutida neste Parlamento sobre esta
matéria, com este novo enquadramento administrativo.
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Por isso, Sr.ª Ministra, a minha pergunta, neste primeiro momento do debate, não poderia ser outra se não
a de saber que implicações teve e tem na nova proposta de alteração à Lei de Bases da Proteção Civil a
extinção dos governos civis.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Guilherme Silva.
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Freitas.
O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, o timing desta alteração da Lei de Bases da
Proteção Civil é, no mínimo, questionável. Primeiro, porque estamos no final de uma Legislatura e alterar uma
lei de bases neste momento é questionável. Mas também o é — e eu gostava de deixar este alerta à Sr.ª
Ministra — quando se faz num período que precede a época de incêndios florestais.
Espero que não haja a repetição do erro de 2013 relativamente a esta matéria, porque há aqui alterações
que têm a ver com relações entre os diferentes agentes da proteção civil. Portanto, é preciso ter cuidado, para
que não criemos, com esta alteração, um ruído nessas relações.
Mas a alteração de uma Lei de Bases da Proteção Civil também deve ser um momento de procura de um
consenso na Assembleia da República, pelo que o PS repudia o tom utilizado na intervenção da Sr.ª Deputada
Francisca Almeida relativamente àquilo que é uma questão que o PS, de facto, trouxe a esta Assembleia e
sobre a qual continua a manifestar a sua preocupação.
Protestos do PSD.
Era precisamente por aqui que eu gostaria de começar a colocar um conjunto de questões que tenho para
colocar à Sr.ª Ministra. Compreendendo que não traz grandes alterações e que o que pretende é justificar,
atualizando, aquilo que foram alterações feitas por este Governo no domínio da proteção civil, de facto, esta
proposta não clarifica aquilo que devia clarificar. Não clarifica, desde logo, aquilo que é autoridade política,
autoridade técnica e autoridade operacional, particularmente no que diz respeito ao patamar regional. Isto é,
acabaram com os governadores civis, mas não os substituíram por nenhuma autoridade distrital.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — E por que é que acabaram?
O Sr. Miguel Freitas (PS): — A primeira questão que lhe coloco, Sr.ª Ministra, tem a ver com o facto de
terem criado agora um expediente que é o de um presidente de câmara que vai presidir à comissão distrital de
proteção civil, que, no entanto, sendo uma autoridade política, não tem o poder de declarar o estado de alerta.
Isto é, ao nível municipal, quem declara o estado de alerta é um presidente de câmara, ou seja, a autoridade
política; ao nível nacional, também é a autoridade política; mas, ao nível distrital, não é a autoridade política,
continua a ser a autoridade técnica, o que significa fragilidade na solução encontrada pelo Governo para a
substituição dos governos civis.
Em seguida, Sr.ª Ministra, queria questioná-la sobre o facto de terminarem com o comandante operacional
municipal.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva):— Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Freitas (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Gostaria de saber se o substituem por um novo coordenador, uma nova figura. Nós não conseguimos
perceber como é que isso é feito, já que a lei enquadradora que cria, exatamente, o comandante operacional
municipal, Lei n.º 65/2007, não foi alterada. Portanto, estão a alterar a Lei de Bases sem terem alterado essa
lei e eu gostava de saber como é que isso se vai fazer.
Termino, Sr.ª Ministra, com uma última questão, que tem a ver com a não integração dos GIPS (Grupos de
Intervenção de Proteção e Socorro) da GNR e da FEB (Força Especial de Bombeiros) nos agentes de
proteção civil. Qual é a justificação para os GIPS da GNR continuarem a não fazer parte dos agentes da
proteção civil?
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Administração
Interna.
A Sr.ª Ministra da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Francisca Almeida, começaria
por lhe responder dizendo que a extinção dos governos civis implica, realmente, uma nova lógica de
coordenação política. E um dos propósitos desta proposta de lei, ao introduzir alterações nas comissões
distritais de proteção civil, é responder a essa nova lógica de coordenação política. Por exemplo, para as
comissões distritais, são designados pela Associação Nacional de Municípios Portugueses três presidentes de
câmara, sendo determinado qual deles é que preside.
Sr. Deputado Miguel Freitas, gostaria de começar por lhe dizer que é precisamente para se adaptar à nova
realidade que esta alteração à Lei de Bases é feita. É, portanto, para se adaptar à nova realidade que se vive,
designadamente com a extinção dos governos civis.
No que diz respeito à Lei n.º 65/2007, ela será alterada no decurso da aprovação desta Lei de Bases — se
ela for aprovada, claro. Esta proposta de Lei de Bases tem um pressuposto técnico e, de acordo com isso, há
uma nova composição das comissões distritais de proteção civil. Fazem parte dessas comissões distritais de
proteção civil, por exemplo, todos os ministérios, tendo todos eles a sua representação. Também as regiões
autónomas passam a ser membros de pleno direito, assim como se integra a autoridade marítima nacional e
outras autoridades que possam contribuir em concreto para a proteção civil.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Abel
Baptista.
O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, fazer hoje o debate sobre as alterações à
Lei de Bases da Proteção Civil, com base no documento que nos é apresentado, é sinal de que se tem vindo a
fazer um progresso sustentado e sustentável no que diz respeito à proteção civil.
A proteção civil não é, de certeza, uma das questões onde haja uma intervenção ideológica. Há aqui uma
necessidade de garantir permanentemente a segurança das pessoas, a previsibilidade das situações de
catástrofe ou de perigo iminente. Isso é o que tem sido feito e esta proposta de lei, como foi referido, e bem,
pela Sr.ª Ministra, é uma proposta eminentemente técnica, que tem a ver com a organização, com «quem é
quem» dentro do sistema de proteção civil, desde o nacional, ao regional, ao municipal e, em algumas
situações, indo mesmo ao inframunicipal, às partes de um território de um município, no caso do alerta onde
isso é referido.
Ora, sendo uma proposta eminentemente técnica, não deixa, claramente, de ser uma questão política e as
duas questões políticas fundamentais que aqui estão são a questão dos distritos e a das regiões autónomas.
Aliás, estas questões só se colocam nestes dois níveis, porque ao nível das Regiões Autónomas dos Açores e
da Madeira, quer a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, quer a dos Açores deram parecer
favorável a esta proposta de lei. Do Governo da Madeira houve parecer favorável, do Governo dos Açores
houve parecer desfavorável, assim como da Associação Nacional de Municípios, mas é preciso explicar
porquê.
E em que é que foi desfavorável? O parecer desfavorável do Governo Regional dos Açores diz «não se
teve bem em atenção nas Regiões Autónomas…», «o Governo Regional não tem aqui um papel que pode
declarar determinadas situações…».
Ora, também em jeito de pergunta ao Governo, pergunto se é ou não possível fazermos uma ligeira
alteração em termos de discussão na especialidade.
Por outro lado, a Associação Nacional de Municípios Portugueses vem dizer, basicamente, duas coisas.
A primeira coisa que diz é que «bem, nós já não temos distritos, já não existe governo civil, existem as CIM
(Comunidades Intermunicipais), existem as NUT (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins
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Estatísticos) e nem sempre as CIM e as NUT coincidem com o que é o distrito,…» — até diz mais — «… à
exceção de Viana do Castelo e do Algarve, onde a própria CIM coincide com o distrito».
Há aqui algumas situações que, eventualmente, teríamos de ver. A organização dos municípios e das CIM
não tem, necessariamente, de ser toda do Estado. Não tem, necessariamente, de ser assim. A nível de
organização, a grande maioria dos serviços desconcentrados do Estado ainda continua a manter soluções
distritais: a segurança social, alguns organismos ligados ao Ministério das Finanças, as direções distritais de
finanças, algumas organizações da área da saúde ainda continuam a manter muitas das referências distritais.
Mas essa é uma questão que, se calhar, eventualmente, também se pode pôr em cima da mesa para
discussão.
A segunda coisa de que a Associação Nacional de Municípios Portugueses faz ênfase é no que diz
respeito a dizer que o presidente da câmara é a autoridade municipal de proteção civil. Também me parece
que isso não é, de todo, irrelevante para a questão da lei, até porque a própria lei das autarquias locais diz que
é o presidente da câmara que é a autoridade municipal de proteção civil.
Ou seja, no âmbito político, podemos dizer que também esta não é uma lei conflituante, que dê grande
perspetiva de debate, mas acho que deve ser operacionalizada depois, na sua execução. E então, Sr.ª
Ministra, Sr. Secretário de Estado, acho que temos de ter o cuidado de todos os agentes da proteção civil
estarem motivados, sensibilizados, numa organização bem estruturada e bem hierarquizada, para que tudo
isto possa funcionar perfeitamente.
A proteção civil, hoje, já não é só um problema de socorro. É, sobretudo, uma organização de prevenção e
de monitorização de riscos e, em caso de necessidade, deve ter um socorro perfeitamente organizado, muito
bem
Pergunta o Sr. Deputado Miguel Freitas onde é que estão os GIPS, sobretudo no caso dos fogos florestais.
Sr. Deputado, então, se calhar, também tínhamos de ter a brigada de trânsito, também tínhamos de ter a GNR
da área da proteção da natureza…
O Sr. José Magalhães (PS): — São hierarquias diferentes!
O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Não, Sr. Deputado José Magalhães, estão em nível idêntico. Por
exemplo, quando há uma catástrofe que afete as vias rodoviárias, se calhar é a brigada de trânsito da GNR
que mais lá vai.
Portanto, quem tem de estar presente é a organização, autoridade policial, no caso força paramilitar, que é
a GNR, que é a PSP, que é a autoridade marítima. É uma novidade nesta Lei de Bases da Proteção Civil
incluirmos a autoridade marítima até no sentido de prever muitas das situações que digam respeito à área da
pesca, onde, evidentemente, têm acontecido muitos acidentes. Não têm acontecido tantos no resto da
navegação marítima, mas na área da pesca, sim, pelo que faz muito sentido que a autoridade marítima esteja
presente, sobretudo para a área da prevenção e já não para a área do socorro.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Srs.
Deputados: Esta proposta de lei é apresentada, desde logo, com o objetivo de, sob uma forma duradoura,
resolver o problema da adaptação da estrutura da proteção civil à decisão — com a qual nós concordámos —,
de extinguir a figura do governador civil, apesar de o diploma de 2011 já ter procurado resolver esse problema,
porque, de facto, a extinção abrupta dessa figura exigiu uma adaptação legislativa que também teve
consequências ao nível da Lei de Bases da Proteção Civil. Mas agora adota-se uma solução mais definitiva,
que contém alguns aspetos aos quais gostaria de me referir, em nome da bancada do PCP.
Em primeiro lugar — e embora isso tenha a ver diretamente com a questão a nível distrital do governador
civil —, há uma boa medida constante desta proposta de lei, que é a extinção do comandante operacional
municipal. Sempre discordámos da criação desta figura pelo Governo anterior. Criou-se uma estrutura de
proteção civil em que os municípios foram envolvidos de uma forma que considerámos inadequada, com a
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criação da figura do comandante operacional municipal a responder diretamente perante o comandante
operacional distrital, esquecendo que os municípios não são estruturas da administração central do Estado,
nem sequer da administração indireta, são da administração autónoma, têm uma legitimidade própria.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, criou-se, aqui uma estrutura em que o município paga e o
Governo comanda por interposição do comandante operacional distrital e sempre discordámos disso.
Parece-nos que é uma boa medida distinguir a figura do comandante operacional municipal, que nunca foi
bem vista pelos municípios e daí o facto óbvio de muitos deles nunca terem sido nomeados porque as
autarquias se recusaram a fazê-lo — e nós bem compreendemos essa posição. Portanto, a criação da figura
que aqui se propõe de um coordenador municipal tem outra configuração e parece-nos que poderá pacificar a
relação com os municípios em matéria de proteção civil no que a este aspeto diz respeito.
Relativamente ao problema que se coloca ao nível do distrito, o que acontece é que foi extinto o
governador civil, algo que não contestamos, mas há como que uma reabilitação do distrito a vários níveis,
porque a configuração distrital mantém-se e agora o mapa judiciário ressuscita o distrito, ao estabelecer as
capitais de distrito como sedes de comarca.
O Sr. Miguel Freitas (PS): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Na proposta mantém-se o distrito, algo que a associação de municípios
contesta. Aliás, a Associação Nacional de Municípios Portugueses dá parecer desfavorável precisamente
nessa base, mas nós não lhe damos razão porque também não concordamos com a solução que propõem.
Porque se algo foi clarificado, até pela jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, é que as
comunidades intermunicipais não são autarquias locais, não o podem ser.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Assim, do nosso ponto de vista, só havia uma forma de resolver este
problema, que era cumprir a Constituição, com a criação das regiões administrativas. Aí o problema ficava
claro.
O Sr. David Costa (PCP): — Claro!
O Sr. António Filipe (PCP): — Ou seja, se nós tivéssemos o Governo central, as regiões administrativas,
tal como a Constituição determina, e os municípios, tínhamos uma estrutura de poder intermédia e legitimada
entre o Governo e a administração local e o problema ficava resolvido. Enquanto não se criar essa autarquia
local, tal como a Constituição prevê, intermédia, entre o Governo e os municípios, nós andaremos sempre às
voltas com este problema sem saber se ele se resolve por via das NUT, por via de quaisquer comunidades ou
por via do distrito, ou seja, não se resolve.
Portanto, cada Ministério vai resolvendo o problema como pode, ou seja, não vai resolvendo, vai
atamancando como pode.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Enquanto não se criar uma autarquia intermédia, democraticamente
legitimada, nós vamos andar aqui às voltas e vamos andar a rever mapas judiciários, estruturas de proteção
civil e seja o que for, de uma forma em que continuaremos com aquele problema da incoerência total da nossa
organização administrativa, em que para um efeito temos uma organização, para outro efeito temos outra e
para outro temos outra ainda. Portanto, esse problema não vai ficar resolvido.
O que eu queria dizer é que há, nesta proposta de lei, alguns aspetos que nós saudamos, que até
consideramos que são positivos e que dão uma base interessante para discussão na especialidade. Portanto,
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esta proposta de lei não terá o nosso voto contra, mas achamos que há aqui aspetos que ainda não estão bem
resolvidos e que justificariam uma melhor discussão.
Saliento que não aderimos à posição da Associação Nacional de Municípios Portugueses de considerar
que isto devia ser resolvido com base nas comunidades intermunicipais, não apenas por discordância
relativamente à configuração que essa figura assumiu, mas porque está resolvido que as comunidades
intermunicipais não são autarquias locais, de qualquer maneira há aspetos que pensamos que devem ser
aperfeiçoados e, para isso, temos a discussão na especialidade.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília
Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ª Ministra da Administração
Interna: Discutimos esta proposta de alteração à Lei de Bases da Proteção Civil, cuja exposição de motivos
começa por invocar o quão alargado foi este debate, e bem.
Entendemos que é importante, nesta discussão, atermo-nos aos diferentes pareceres dos membros da
Comissão Nacional de Proteção Civil, bem como dos representantes da Associação Nacional de Freguesias e
da Associação Nacional de Bombeiros Portugueses. Esperamos que esses pareceres nos cheguem para
tornar mais rico este debate.
Relevamos alguns aspetos clarificadores, ou mesmo positivos, desta proposta de lei. Penso que os aspetos
mais relevantes serão, porventura, a previsão da subsidiariedade tal como está expressa no n.º 3 do artigo 8.º,
que refere o especial dever colaboração dos meios de comunicação social, bem como das operadoras de
telecomunicações, em situação de alerta — é um aspeto relevante —, o alargamento da composição da
Comissão Nacional de Proteção Civil, bem como das comissões distritais de proteção civil, além da revisão do
artigo 50.º, relativo aos planos de emergência ou à solicitação de colaboração. Portanto, há aspetos que são
clarificadores ou que aprofundam toda esta rede de competências e de entidades que se devem articular em
coerência numa matéria determinante para o País.
Sem subscrever a preocupação ou o enfoque da Associação Nacional dos Municípios Portugueses sobre
as CIM — de que falarei mais à frente —, entendemos que há alguns aspetos que podem ser considerados,
que são críticos, que resultam de uma reflexão que deve ser tida em linha de conta.
De facto, o enfoque continua a ser feito no plano da proteção civil, e agora, que revemos a sua lei de
bases, centrada muito mais na resposta do que na prevenção, numa cultura de prevenção muito participada.
Nesse sentido, de facto, é de sublinhar que todo o trabalho que é feito nas escolas devia ser muito mais
profundo e mais sistemático e, porventura, considerar o alargamento da representação das escolas nos
diferentes órgãos aqui previstos. É certo que se fala de um representante de cada ministério tanto na
comissão nacional, como nas comissões distritais, mas não objetivamente nesta vertente que, para nós, é
muito importante, nomeadamente no plano municipal.
É também preciso reconhecer que todos nós, a sociedade civil é parceira de primeira linha no quadro da
proteção civil e eu tinha algumas expectativas sobre uma maior proteção, quer do voluntariado, quer mesmo
de uma expectativa criada quanto ao papel que algumas ONG (organizações não governamentais) têm tido
neste quadro.
Em todo o caso, já foi aqui sublinhado — se bem que não tenhamos qualquer dúvida sobre as
comunidades intermunicipais e o facto de não serem autarquias e de essa discussão estar, neste momento,
arrumada — que não deixa de haver uma rota de colisão entre a proposta de lei e a Lei n.º 75/2013, a qual
penso que convém esclarecer, porque, de facto, a lei dotou estas comunidades intermunicipais de
competências e, neste momento, algumas delas têm os ditos planos intermunicipais de proteção civil.
Nós não concordamos com as CIM, mas consideramos que há, na proposta, quer uma inversão de
estratégia do próprio Governo relativamente a esta matéria, porque no passado houve uma aposta muito mais
forte no plano das comunidades intermunicipais e na sua esfera de intervenção nesta matéria, quer a
necessidade, no plano da proposta de lei, de resolver este conflito, de clarificá-lo. Parece-nos que é uma
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questão a ter em linha de conta. Em todo o caso, há aqui aspetos relevantes e, evidentemente, em sede de
especialidade, estaremos também disponíveis para os apreciar.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Muito bem!
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Simões
Ribeiro.
O Sr. Paulo Simões Ribeiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Administração Interna, Sr.ª e Sr.
Secretário de Estado, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: A proteção civil tem como objetivo primordial a
prevenção de riscos coletivos inerentes às situações de acidente grave ou catástrofe e de atenuar os seus
efeitos e proteger e socorrer as pessoas e os bens em perigo.
A atual Lei de Bases da Proteção Civil, já aqui referida, não é alterada há oito anos, devendo ser, e bem,
atualizada e adaptada à realidade, atendendo à importância da matéria por ela regulada.
A presente alteração, hoje aqui em discussão, resulta da experiência decorrente da lei que está em vigor,
mas também das várias alterações que se fizeram sentir com o passar destes anos, quer ao nível legislativo
quer ao nível da própria estrutura administrativa do País, sendo exemplo disso a já aqui tão falada extinção
dos governadores civis, que tantos calafrios causou ao Partido Socialista. Pensávamos que os calafrios já
estavam resolvidos, mas, neste debate, percebemos que ainda continuam a causar inquietude ao Partido
Socialista. Fiquei até com a sensação de que estão com saudades dos governos civis — aliás, devem ser os
únicos portugueses com saudades dos governos civis.
Nesta proposta de lei, gostaríamos de destacar algumas alterações propostas pelo Governo. Por um lado,
propõe-se o reforço da aplicação do princípio da subsidiariedade entre os diversos atos de declaração de
alerta, de contingência e de calamidade, reformulando o conteúdo do seu âmbito material e instituindo a regra
que obriga à existência prévia de atos do patamar precedente sempre que necessária na declaração da
situação de contingência ou de calamidade.
No que respeita à composição das comissões de proteção civil, é também reforçado o seu peso na
estrutura enquanto estruturas de coordenação política. É assim que se vê quanto à composição da Comissão
Nacional de Proteção Civil, à composição das comissões distritais e também quanto à composição das
comissões municipais.
Ainda relativamente às comissões de proteção civil distritais, deixa de ser atribuída a presidência a um
comandante operacional distrital, passando esta função a ser exercida, como já aqui foi referido, por um dos
três presidentes de câmara indicados pela Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Lembramos que, na atual lei, não se obriga a que sejam presidentes de câmara mas, sim, três
representantes indicados pela Associação Nacional de Municípios Portugueses.
É, simultaneamente, clarificada a distinção e a separação de competências entre os agentes de proteção
civil e as entidades com dever de cooperação no âmbito da proteção civil, promovendo as alterações aos
artigos 46.º e 47.º e introduzindo, aliás, um novo artigo, em que se elencam as entidades com especial dever
de cooperação.
Por fim, queria também sublinhar o enquadramento específico que é dado aos espaços que estão sob
jurisdição da autoridade marítima. Esta proposta de lei já mereceu um debate alargado. Falou-se aqui dos
contributos de todos os membros da Comissão Nacional de Proteção Civil, dos organismos das regiões
autónomas e relembro, relativamente ao parecer do Governo Regional dos Açores, que o mesmo era
desfavorável em relação ao anteprojeto que lhes foi cometido, mas o Governo aceitou todas as propostas e
sugestões de alteração que o Governo Regional dos Açores propôs em sede de audiência.
Em nossa opinião, estas alterações justificam-se e são adequadas aos fins que se pretende com a
atualização desta Lei de Bases aqui em discussão. Cabe agora ao Parlamento apreciar, discutir,
consensualizar e aprovar esta proposta de lei, sempre com o intuito não só de obter as melhores soluções
mas, sobretudo, de conferir a estabilidade necessária a essas mesmas soluções.
É que se é fundamental que a lei esteja atualizada e adaptada à realidade, não é menos necessário dar
estabilidade às soluções legislativas, pois isso permitirá aos agentes envolvidos programar e desenvolver as
suas atividades num quadro de operação que seja conhecido, e bem conhecido, por todos.
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Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Administração Interna, Sr.ª Secretária de
Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Sr. Secretário de Estadoda Administração Interna, Sr.as
e
Srs. Deputados: Creio que haverá ainda alguma coisa que terá de ser explicada relativamente às alterações
que o Governo aqui nos traz. Acima de tudo, para podermos definir o nosso sentido de voto, é necessário
entendermos qual o sentido das alterações.
O Governo vem reforçar o princípio da subsidiariedade relativamente à declaração de alerta, contingência e
calamidade. Mas não o faz em relação aos planos de emergência, que é o mais essencial. O essencial é que,
acima de tudo, seja garantido o princípio da subsidiariedade na ativação dos planos municipais, distritais ou de
qualquer plano de emergência de proteção civil. Por que é que não o fazem?
Aliás, Sr. Deputado Paulo Ribeiro, a nossa inquietude não é em relação à extinção dos governos civis.
O Sr. Paulo Simões Ribeiro (PSD): — É, é!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A nossa inquietude deve-se ao facto de não existir no terreno quem os tivesse
substituído. Digamos que o senhor não está lá, nem está lá mais ninguém. O grande problema é esse. O
grande problema da extinção dos governos civis é que, nos últimos quatro anos, na vigência deste Governo,
não foi ativado um único plano distrital. E olhe que no Algarve bem tinha sido preciso!
Por que é que não foi ativado nenhum plano distrital de emergência? Não era necessário, quando o
Algarve estava a arder?! Não era necessário, quando o Caramulo estava a arder?! Esse é que é o problema
relativamente à extinção dos governos civis. A inquietude não é em relação à extinção dos governos civis; a
nossa inquietude é por não sabermos quem é que lá está.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E há uma outra questão que gostava que fosse esclarecida e que tem a ver
com a confusão que percebi haver entre o conceito de autoridade política e o de coordenação política. É que o
sistema nacional de proteção civil tem uma autoridade política, tem uma coordenação política e tem um
comando único operacional. Tem o comando único operacional para as forças no teatro de operações, tem a
coordenação política para a ativação dos agentes necessários no terreno, mas tem de ter uma autoridade
política no respetivo patamar.
E os senhores põem os presidentes de câmara não como autoridade política que é exigida ao nível distrital,
mas como presidentes de uma comissão que é de coordenação política. Ora, não podemos confundir
coordenação com autoridade ou com comando, são coisas completamente diferentes.
Sr.ª Ministra, então, agora, temos o Sr. Presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil a ativar a
situação de contingência que determina que o presidente de câmara tem automaticamente de ativar o plano
distrital de emergência? Quem é que manda em quem? Estas questões têm de ser clarificadas em termos de
compreensão dos conceitos que estão subjacentes às alterações aqui presentes.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da
Administração Interna.
A Sr.ª Ministra da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O Governo entendeu
que era necessário adequar a Lei de Bases da Proteção Civil a uma nova realidade, como já foi referido, e que
era necessário atualizá-la com base na experiência de oito anos da sua aplicação.
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Posso elencar dois pontos em que houve alterações. Um deles diz respeito ao princípio da subsidiariedade.
E, de uma forma geral, isso vale relativamente a qualquer aspeto a que se aplique o princípio da
subsidiariedade. É que ele radica na necessidade e, portanto, traduz-se no fundo na ideia de que os recursos
a utilizar devem ser adequados às necessidades, não fazendo sentido usá-los além do necessário e do
suficiente. E é nessa base que se propõem alterações em concreto.
Outra das alterações prende-se com a necessidade de uma nova lógica de coordenação política, que não
se confunde com autoridade política. Foi por isso que, como referi há pouco, se alteraram as comissões
distritais de proteção civil, delas fazendo parte os presidentes de câmara. E gostava de acrescentar este
aspeto: com esta solução, valoriza-se, de novo, a coordenação política, e com a vantagem de a legitimidade
vir da base, vir dos autarcas.
De qualquer modo, queria enfatizar que esta discussão decorreu num clima de consenso e que houve
propostas muito construtivas feitas por todos. Portanto, o debate feito neste clima de consenso e as propostas
que aqui foram feitas, tudo isto permitirá que saia daqui uma lei com alterações que vão melhorá-la, que é o
que todos desejamos, a bem da proteção civil, que é o objetivo destas alterações.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — A Sr.ª Deputada Isabel Oneto pediu a palavra para que efeito?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, congratulo-me com o facto de haver a distinção
entre autoridade política e coordenação política. A minha questão é esta: estando o sistema organizado entre
três níveis de atuação — o municipal, o distrital e o nacional — e entre três pilares — o da autoridade nacional,
o da coordenação política e o do comando único operacional —, quem é, então, a autoridade política do
patamar distrital, uma vez que não se confunde com a coordenação distrital? Esta é uma pergunta a que
gostaria que respondesse.
Outra questão tem a ver com o seguinte: quando a Sr.ª Ministra refere a atuação dos meios e recursos
mais adaptados à ocorrência, esse é o princípio geral da proteção civil. De facto, é um princípio genérico que
devem atuar os meios e recursos mais próximos, e os públicos em detrimento dos privados, se for necessário.
É o que diz a lei.
A questão que coloco tem a ver com o seguinte: Sr.ª Ministra, não há uma declaração de alerta, uma
declaração de contingência, pelo menos nos últimos quatro anos. Houve, entretanto, alguns planos municipais
de emergência que foram ativados — poucos, mas foram.
Onde é que está, o que é fundamental, o princípio da subsidiariedade na aplicação dos planos de
emergência? Quando é que se põe na lei — e aí, sim, o que a experiência destes anos nos diz é que nós
devemos determiná-lo — que, a partir de determinada ocorrência, deve ser automaticamente obrigatório o
acionamento do plano de emergência?
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Termino já, Sr. Presidente.
É que se o Governo tivesse feito isso, Sr.ª Ministra, teria cumprido as recomendações de uma resolução da
Assembleia da República, no âmbito de um grupo de trabalho que aqui elaborou um relatório, relatório esse
que foi aprovado por unanimidade.
E creio que o Governo teria feito muito bem se tivesse acolhido essa recomendação, aprovada por
unanimidade na Assembleia da República.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Administração
Interna.
A Sr.ª Ministra da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Oneto, agradeço as
suas perguntas.
Relativamente à primeira pergunta, respondo que, de acordo com a proposta agora apresentada, é o
presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil que tem essa competência. Mas, como referi, em geral,
não há reserva em discutir aspetos técnicos na especialidade.
Quanto ao princípio da subsidiariedade, relativamente aos planos de emergência, também não há qualquer
oposição a que essa questão seja discutida em sede de especialidade — discutida —, o que não quer dizer
que, do meu ponto de vista, seja a melhor solução.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado
Paulo Simões Ribeiro.
O Sr. Paulo Simões Ribeiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Administração Interna, Sr.as
e Srs.
Deputados: Rematando este debate, e para tranquilizar, nomeadamente, o Partido Socialista, gostaria dizer
que há naturalmente — e o Governo disse-o aqui várias vezes pela voz da Sr.ª Ministra — a total
disponibilidade para uma discussão profunda, na especialidade, e para a consensualização de uma lei que
sirva os interesses da proteção civil, o que, estou certo, é o objetivo de todos, e para lhe conferir a estabilidade
necessária, com o que estamos todos de acordo.
Mas há uma questão que a bancada do PSD não queria deixar de sublinhar: não estamos disponíveis para
ressuscitar os governos civis!
Aplausos do PSD.
Sei que esse é um velho desejo do Partido Socialista, mas não estamos disponíveis para fazê-lo, nem nada
que se pareça com os governos civis com outro nome. Portanto, contam connosco para consensualizar, para
debater, mas os governos civis, connosco, não voltam, podem estar descansados.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o
debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 319/XII (4.ª) e, com isto, a ordem do dia de hoje.
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, pelas 15 horas, com a seguinte ordem do dia: debate de
urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre a situação laboral, emprego e desemprego.
Segue-se a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 316/XII (4.ª) — Aprova o novo regime
especial aplicável às entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira a partir de 1 de janeiro de 2015; a
apreciação dos projetos de resolução n.os
1450/XII (4.ª) — Sobre a interdição do uso do glifosato (Os Verdes)
e 1408/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo a proibição do uso do glifosato (BE); e a apreciação, em conjunto,
dos projetos de resolução n.os
1373/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo a definição de uma estratégia para o
aprofundamento da cidadania e da participação democrática e política dos jovens (PSD), que foi aprovado,
1290/XII (4.ª) — Recomenda a valorização da educação para a cidadania em todos os ciclos do ensino básico
e secundário (PS), 1447/XII (4.ª) — Pelo respeito integral pela autonomia e não ingerência na vida
democrática dos estudantes e suas associações, pela desburocratização do processo de legalização e de
atribuição de apoios públicos ao associativismo juvenil e pelo reforço das condições de participação
democrática dos jovens na vida das escolas e do País (PCP) e 1449/XII (4.ª) — Medidas para garantir a
promoção dos direitos sexuais e reprodutivos nas escolas como dimensão fundamental da cidadania dos
jovens (BE).
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Por fim, será apreciado o projeto de resolução n.º 1451/XII (4.ª) — Adoção pela Assembleia da República
das iniciativas europeias consideradas prioritárias para efeito de escrutínio, no âmbito do Programa de
Trabalho da Comissão Europeia para 2015 (Comissão de Assuntos Europeus).
Às 18 horas haverá votações regimentais.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.