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Quinta-feira, 17 de janeiro de 2019 I Série — Número 39

XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)

REUNIÃOPLENÁRIADE16DEJANEIRODE 2019

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Sandra Maria Pereira Pontedeira António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Ana Sofia Ferreira Araújo

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa das Propostas de Lei

n.os 173 e 174/XIII/4.ª, dos Projeto de Lei n.os 1067 a 1072/XIII/4.ª e dos Projetos de Resolução n.os 1932 a 1942/XIII/4.ª.

Deu-se conta dos resultados das eleições realizadas na anterior sessão, tendo sido eleitos: para Secretária da Mesa da Assembleia da República a Deputada Sandra Maria Pereira Pontedeira (PS); para Vice-Secretária da Mesa da Assembleia da República a Deputada Ana Sofia Ferreira Araújo (PS); para o Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço os Deputados António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto (PSD) e José Manuel Santos de Magalhães

(PS); para membro do Conselho Superior de Segurança Interna o Deputado Fernando José dos Santos Anastácio (PS); e para membro do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida a candidata Helena Pereira de Melo. De seguida, o Presidente felicitou os Deputados eleitos para os diferentes cargos.

Procedeu-se à evocação de Francisco de Oliveira Dias, antigo Presidente da Assembleia da República. Após o Presidente ter proferido uma intervenção, foi lido e aprovado o Voto n.º 706/XIII/4.ª (apresentado pelo CDS-PP e subscrito por Deputados do PS e do PSD) — De pesar pela morte do antigo Presidente da Assembleia da República, Dr. Oliveira Dias, tendo usado da palavra os Deputados José de Matos Correia (PSD), Filipe Neto Brandão (PS), Pedro Filipe Soares

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(BE), João Oliveira (PCP), José Luís Ferreira (Os Verdes) e Assunção Cristas (CDS-PP). No final, a Câmara guardou 1 minuto de silêncio.

Em declaração política, o Deputado Bruno Dias (PCP) chamou a atenção para a degradação do serviço público postal com a privatização dos CTT e defendeu o seu regresso à condição de empresa pública nacional, tendo informado a Câmara da intenção do seu grupo parlamentar de requerer, nesse âmbito, uma audição do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas em comissão parlamentar. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados José Luís Ferreira (Os Verdes), Hélder Amaral (CDS-PP), Luís Moreira Testa (PS), Heitor de Sousa (BE) e Joel Sá (PSD).

Em declaração política, o Deputado José Luís Ferreira (Os Verdes), após ter protestado contra o encerramento de inúmeras estações de Correios, referiu-se também à crescente deterioração daqueles serviços e defendeu um processo de reversão da privatização dos CTT. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento do Deputados Hélder Amaral (CDS-PP), Luís Moreira Testa (PS), Heitor de Sousa (BE) e Bruno Dias (PCP).

Em declaração política, o Deputado Ricardo Baptista Leite (PSD) acusou o Governo de ser responsável pela situação, que considerou grave, que se vive no Serviço Nacional de Saúde e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Moisés Ferreira (BE), Isabel Galriça Neto (CDS-PP), António Sales (PS) e Carla Cruz (PCP).

Em declaração política, o Deputado Vitalino Canas (PS) referiu-se ao processo de saída do Reino Unido da União Europeia, tendo considerado crucial que Portugal continue a manter uma relação estreita com aquele Estado. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), Isabel Pires (BE), Paula Santos (PCP) e Rubina Berardo (PSD).

Em declaração política, o Deputado Luís Monteiro (BE) referiu-se às bolsas de ação social no ensino superior, criticando os prazos em que os estudantes tomam conhecimento dos resultados e o número de estudantes abrangidos. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento formulados pelos Deputados Álvaro Batista (PSD), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Ana Mesquita (PCP) e Pedro Delgado Alves (PS).

Em declaração política, a Deputada Patrícia Fonseca (CDS-PP) salientou a importância do papel do mundo rural na economia, referindo-se, em particular, ao setor agroalimentar. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento formulados pelos Deputados Carlos Matias (BE), Nuno Serra (PSD), João Dias (PCP) e João Azevedo Castro (PS).

Foi apreciada a Petição n.º 477/XIII/3.ª (José Miguel Cardoso Marques e outros) — Solicitam a realização de auditoria à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, tendo feito intervenções os Deputados Sandra Pereira (PSD), José Manuel Pureza (BE), Vânia Dias da Silva (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Carla Tavares (PS).

Foi apreciada a Petição n.º 489/XIII/3.ª (Pedro Miguel Dias Vaz Paulo e outros) — Solicitam referendo sobre a legislação da delação premiada e do enriquecimento injustificado. Proferiram intervenções os Deputados Andreia Neto (PSD), José Manuel Pureza (BE), Fernando Rocha Andrade (PS), António Filipe (PCP) e Telmo Correia (CDS-PP).

A propósito do Projeto de Resolução n.º 1930/XIII/4.ª (PAR) — Deslocação do Presidente da República ao Panamá, aprovado em anterior sessão, a Mesa deu conta à Câmara de que, por razões técnicas, a escala desta deslocação irá ocorrer em Halifax.

O Presidente (Jorge Lacão) encerrou a sessão eram 18 horas e 57 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, vamos dar

início à sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade para abrirem as galerias ao público.

Antes de entrarmos no primeiro ponto da ordem do dia, peço ao Sr. Secretário Duarte Pacheco o favor de ler

o expediente.

Tem a palavra.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.as e Srs. Deputados, cumpre-me informar que o Sr. Presidente

admitiu as Propostas de Lei n.os 173/XIII/4.ª (GOV) — Regula a operação de sistemas de aeronaves civis não

tripuladas («drones») no espaço aéreo nacional, que baixa à 6.ª Comissão, em conexão com a 1.ª Comissão, e

174/XIII/4.ª (GOV) — Reformula e amplia o Sistema de Informação da Organização do Estado (SIOE), que baixa

à 5.ª Comissão, e os Projetos de Lei n.os 1067/XIII/4.ª (PCP) — Regime jurídico de embalagens fornecidas em

superfícies comerciais, que baixa à 11.ª Comissão, em conexão com a 6.ª Comissão, 1068/XIII/4.ª (PCP) —

Atribuição aos técnicos de saúde ambiental das unidades de saúde pública a colheita de amostras de água no

âmbito da investigação ambiental na identificação de fontes de contaminação e disseminação de Legionella

(Procede à primeira alteração à Lei n.º 52/2018, de 20 de agosto — Estabelece o regime de prevenção e controlo

da doença dos legionários), que baixa à 11.ª Comissão, em conexão com a 6.ª e a 9.ª Comissões, 1069/XIII/4.ª

(BE) — Estabelece o regime jurídico aplicável à avaliação de impacto dos atos normativos na produção,

manutenção, agravamento ou na diminuição e erradicação da pobreza, que baixa à 1.ª Comissão, 1070/XIII/4.ª

(CDS-PP) — Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro de 1999, eliminação da

possibilidade da redução do valor da pensão de preço de sangue quando esta resulte de falecimento de

deficiente das Forças Armadas, que baixa 10.ª Comissão, em conexão com a 3.ª Comissão, 1071/XIII/4.ª (CDS-

PP) — Alarga o prazo de reclamação ou impugnação do IMI — Altera o artigo 129.º do Código do Imposto

Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que baixa à 5.ª Comissão,

e 1072/XIII/4.ª (CDS-PP) — Altera o artigo 11.º-A do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que baixa à 5.ª Comissão.

Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 1932/XIII/4.ª (CDS-PP) —

Recomenda ao Governo que proceda às diligências necessárias para assegurar que todos os espaços incluídos

na Rede Natura 2000 sejam devidamente preservados e conservados, que baixa à 11.ª Comissão, 1933/XIII/4.ª

(CDS-PP) — Recomenda ao Governo que contabilize a avaliação obtida pelos ex-militares, nos anos em que

desempenharam funções nas Forças Armadas, após ingresso na Administração Pública, para efeitos do sistema

integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP), que baixa à 10.ª

Comissão, em conexão com a 3.ª Comissão, 1934/XIII/4.ª (PS) — Recomenda ao Governo o reforço da

fiscalização e a definição de medidas de proteção do habitat da Ria Formosa, 1935/XIII/4.ª (PS) — Consagra a

memória dos três membros do Congresso da República Portuguesa mortos em consequência de combates na

Grande Guerra de 1914-18, que baixa à 3.ª Comissão, 1936/XIII/4.ª (PCP) — Recomenda ao Governo que

promova um amplo e profundo debate nacional sobre a reorganização dos ciclos de ensino e a realização de

uma profunda reorganização curricular, que baixa à 8.ª Comissão, 1937/XIII/4.ª (BE) — Universalidade da escola

pública na freguesia de Fátima, 1938/XIII/4.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a revisão do programa curricular

da disciplina de Estudo do Meio do 1.º Ciclo Ensino Básico, 1939/XIII/4.ª (PS) — Programa Nacional de

Investimentos 2030, que baixa à 6.ª Comissão, 1940/XIII/4.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a adoção de

medidas que visem a redução do risco rodoviário sobre os utilizadores de bicicleta, que baixa à 6.ª Comissão,

1941/XIII/4.ª (PAN) — Recomenda ao Governo o reforço dos cuidados paliativos, que baixa à 9.ª Comissão, e

1942/XIII/4.ª (PAN) — Planeamento de recursos humanos no setor da saúde, que baixa à 9.ª Comissão.

Sr. Presidente, gostaria ainda de informar a Câmara acerca dos resultados das eleições que ocorreram na

última sessão plenária.

Relativamente à eleição de um Secretário da Mesa da Assembleia da República, verificou-se o seguinte

resultado: votaram 213 Deputados, tendo-se registado 170 votos «sim», 33 votos brancos e 10 votos nulos, pelo

que se declarou eleita a Sr.ª Deputada Sandra Maria Pereira Pontedeira (PS). Para o cargo de Vice-Secretário

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da Mesa da Assembleia da República, verificou-se o seguinte resultado: votaram 213 Deputados, tendo-se

registado 168 votos «sim», 35 votos brancos e 10 votos nulos, pelo que se declarou eleita a Sr.ª Deputada Ana

Sofia Ferreira Araújo (PS).

Para o Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço, verificou-se o seguinte resultado: votaram os

mesmos 213 Deputados, tendo-se registado 136 votos «sim», 54 votos brancos e 23 votos nulos, pelo que se

declararam eleitos para o efeito os Srs. Deputados António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto (PSD) e José

Manuel Santos de Magalhães (PS).

No que diz respeito ao Conselho Superior de Segurança Interna, o resultado foi o seguinte: votaram os

mesmos 213 Deputados, tendo-se registado 145 votos «sim», 53 votos brancos e 15 votos nulos, pelo que se

declarou eleito para o efeito o Sr. Deputado Fernando José dos Santos Anastácio (PS).

Em relação ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, verificou-se o seguinte resultado:

votaram os mesmos 213 Deputados, tendo-se registado 153 votos «sim», 44 votos brancos e 16 votos nulos,

pelo que se considerou eleita a candidata Helena Pereira de Melo.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário Duarte Pacheco.

Queria começar por felicitar os novos membros da Mesa que foram eleitos, a Sr.ª Deputada Sandra

Pontedeira e a Sr.ª Deputada Ana Sofia Araújo, bem como o Sr. Deputado Fernando Anastácio, que foi eleito

para o Conselho Superior de Segurança Interna, numa eleição difícil, não pelo número de votos agora obtidos,

mas pelo que se passou antes.

Felicito, ainda, os Srs. Deputados que foram eleitos para o Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço,

o Sr. Deputado António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto e o Sr. Deputado José Manuel Santos de

Magalhães.

Vamos, então, entrar no primeiro ponto da ordem do dia, dedicado à evocação de Francisco de Oliveira Dias,

antigo Presidente da Assembleia da República.

Sr.as e Srs. Deputados, evocamos hoje a memória do Dr. Francisco de Oliveira Dias, antigo Presidente da

Assembleia da República, desaparecido na passada segunda-feira, aos 88 anos.

Fazemo-lo em sessão plenária da Assembleia da República, órgão de soberania a que presidiu entre 1981

e 1982, era ainda jovem a nossa democracia, que foi também sua, porque a si muito deve, dela tendo sido pai

fundador.

Fazemo-lo na presença da sua família, a quem, neste momento difícil, reitero a manifestação do mais sentido

pesar, em meu nome e em nome de todos os presentes, em especial à Sr.ª D.ª Maria Teresa Forjaz de Oliveira

Dias, aos seus filhos e filhas, netos e netas.

Sr.as e Srs. Deputados, o Dr. Francisco de Oliveira Dias foi Deputado à Assembleia Constituinte de 1975-

1976, durante a qual participou, ativamente, na elaboração da Constituição da República Portuguesa. Foi por

essa participação justamente homenageado pela Assembleia da República — por todos nós — no início desta

Legislatura, ao ser-lhe conferido o estatuto de Deputado Honorário, manifestação da nossa gratidão pelos

serviços prestados ao Parlamento e à democracia.

Eleito Deputado à Assembleia da República em 1976, foi sucessivamente reeleito até 1983, assumindo, entre

22 de outubro de 1981 e 2 de novembro de 1982, a presidência do Parlamento, sucedendo a Vasco da Gama

Fernandes, a Teófilo Carvalho dos Santos e a Leonardo Ribeiro de Almeida.

E ainda que a sua eleição não tenha sido fácil, foi um bom Presidente, granjeando o respeito e a admiração

dos seus pares e dos funcionários do Parlamento, alguns deles ainda ao serviço da Assembleia da República,

sobretudo pela forma discreta e rigorosa como assumiu o cargo.

Enquanto Deputado, foi proponente de um conjunto muito vasto de diplomas, do domínio autárquico à área

do património histórico, passando pela autonomia das universidades ou pelo ensino da língua e difusão da

cultura portuguesa no estrangeiro. Integrou a primeira delegação da Assembleia da República à Assembleia

Parlamentar do Conselho da Europa, tendo sido membro da sua Comissão de Educação e Cultura.

Sr.as e Srs. Deputados, recordo a sua presença amiga nas iniciativas desenvolvidas pelo Parlamento, quer

em grandes conferências e exposições, quer nas sessões solenes da Assembleia da República.

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Guardo do Dr. Oliveira Dias a memória de um cidadão empenhado, ativo cívica e politicamente, com

assinalável presença e participação nos grandes debates promovidos pela sociedade portuguesa, a nobreza e

a verticalidade do seu caráter, fiel aos valores que orientaram a sua longa vida, até ao último dos seus dias.

À memória de um grande democrata e de um cidadão ao qual o Parlamento e a República muito devem.

Dou, agora, a palavra ao Sr. Secretário António Carlos Monteiro para ler o Voto n.º 706/XIII/4.ª (apresentado

pelo CDS-PP e subscrito por Deputados do PS e do PSD) — De pesar pela morte do antigo Presidente da

Assembleia da República, Dr. Oliveira Dias.

Faça favor, Sr. Secretário

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr.as e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

«A morte do Sr. Dr. Francisco de Oliveira Dias, aos 88 anos, enluta o Parlamento e a democracia portuguesa.

Médico de profissão, foi construtor diligente e obreiro discreto da democracia. Participou na fundação do

CDS, partido do qual foi dirigente, tendo sido Deputado Constituinte e, depois, Deputado ao Parlamento entre

1976 a 1983. Em 1981, foi eleito Presidente da Assembleia da República.

A sua entrega à democracia comportou trágicas consequências pessoais, nomeadamente quando, num

momento particularmente difícil para a Assembleia Constituinte, a mãe dos seus 11 filhos, Maria das Mercês Gil

Oliveira Dias, sofreu um acidente cardíaco fatal. Voltaria a casar com Maria Teresa Forjaz de Oliveira Dias, com

quem viveu até ao final da sua vida.

Ao tomar posse como Presidente da Assembleia da República, Oliveira Dias assinalou que esta Casa é

‘muito que mais do que nós, Deputados que passamos, enquanto ela permanece e há de permanecer,

rejuvenescer-se, aperfeiçoar-se’. E, nesse seguimento, sempre foi um amigo do regime parlamentar, que não

cessava de elogiar e promover. Lembrava que se os Deputados pensavam diferentemente e assumiam posições

opostas, isso era saudável, ‘porque quando tal não se verifica ou os homens estão doentes ou as pátrias

subjugadas’.

Foi sempre um homem bom e íntegro, fazedor de pontes, sem nunca renunciar às convicções e aos seus

valores. Católico empenhado, procurou — no Parlamento, no Conselho de Estado ou na sociedade civil —

defender, antes do mais, a dignidade da pessoa humana.

Na sua morte, os seus amigos e aqueles que lhe foram mais próximos recordam o exemplo de quem lutou

sempre com ânimo e esperança, de quem, mesmo diante das maiores dificuldades, nunca perdeu não só uma

grande combatividade, como um enorme sentido de humor.

A Assembleia da República, reunida em Plenário, apresenta sentidas condolências à família e amigos do seu

antigo Presidente, Dr. Oliveira Dias, pela perda de um português que dignificou, honrou e construiu o nosso País

e a democracia.»

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário.

Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Matos Correia.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se há traço que define a vida

de Francisco de Oliveira Dias é o da sua dedicação à causa pública. Desde logo, como médico, profissão que

abraçou em 1953 e que exerceu em diversas instituições, com destaque para o Hospital Pulido Valente. O

Hospital a que, com a normalidade e a tranquilidade que é apanágio dos cidadãos exemplares, regressou, em

1985, quando entendeu pôr fim à sua vida política.

Foi precisamente essa devoção à causa pública e o sentido de missão que lhe está associado que o levou a

participar de forma muito importante e empenhada na construção do Portugal democrático.

Primeiro, em 1974, como membro fundador do CDS, em cuja comissão diretiva participou; depois, em 1975

e 1976, quando na Assembleia Constituinte contribuiu, com o seu empenho, para a elaboração da nova Lei

Fundamental; e, por fim, entre 1976 e 1983, período em que exerceu as funções de Deputado à Assembleia da

República.

Pode dizer-se que foi curto o período em que a sua vida se centrou na atividade política, mas o prestígio que

nela granjeou alcandorou-o às funções de Presidente da Assembleia da República, que exerceu entre outubro

de 1981 e novembro de 1982. A sua inteligência, o seu caráter, o seu absoluto respeito pela diferença, a sua

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preocupação em construir consensos fizeram dele um exemplo. Um exemplo que marcou quem com ele teve o

privilégio de colaborar e um exemplo que também fica para a nossa história política e parlamentar.

E não deve olvidar-se, porque é relevante, que foi no período da sua presidência, aqui, que foram produzidas

algumas das leis estruturantes do nosso sistema constitucional, como é o caso da primeira revisão

constitucional, da primeira lei de defesa nacional, ou da lei do Tribunal Constitucional.

Como cidadão, mas também enquanto político, moviam-no valores e preocupações fundamentais: a

afirmação da dignidade da pessoa humana, a defesa da liberdade, o reforço da democracia, então ainda muito

jovem entre nós.

Mas, no âmbito das suas preocupações primeiras, estava também a valorização da instituição parlamentar,

como elemento central da representação política. Disso são exemplo, entre muitas outras, as palavras que

proferiu no seu primeiro discurso como Presidente da Assembleia da República, que agora entendo deverem

ser trazidas aqui de novo. E cito: «É do conhecimento e da experiência de todos nós que na lenta maturação da

estabilidade e do prestígio das instituições democráticas a Assembleia da República vive de novo uma época

delicada.

Tem o seu lugar incomparável e insubstituível na hierarquia e no funcionamento do Estado. Mas, por uma

razão ou por outra, daqui ou dali, há quem muito a discuta, o que é normal, mas também há quem muito a acuse

e a ataque. Daqui se passa por vezes para posições claras ou ocultas que, ao fim e ao cabo, chegam a pôr em

causa a sua utilidade, a sua dignidade, o seu poder, em suma, a sua existência. E, muitas vezes, para atacar a

instituição, desprestigiam-se, põem-se nos pelourinhos da opinião e atacam-se os deputados. (…) Estamos na

primeira linha dos que se encontram disponíveis, por todos os meios legítimos ao nosso dispor, a quebrar de

uma vez o círculo vicioso da rotina e da incontornável campanha contra esta instituição. Com a convicção de

que, através da dificuldade, da adversidade e das insídias, esse é um dever que temos a cumprir.»

Num momento em que, um pouco por todo o mundo, à esquerda e à direita, ganha novo fôlego o discurso

populista e demagógico de ataque ao Parlamento, as palavras de Francisco de Oliveira Dias são, para todos

nós, um chamamento à necessidade de travar, com determinação e sem receios, uma batalha que temos de

ganhar.

Neste momento de tristeza, o Grupo Parlamentar do PSD apresenta à sua família enlutada e ao seu partido

de sempre, o CDS, a expressão do seu mais profundo respeito e admiração por Francisco de Oliveira Dias, e

os seus mais sentidos pêsames.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão.

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS):— Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A circunstância de o Dr. Francisco

de Oliveira Dias ter sido eleito Deputado Constituinte assegurar-lhe-ia, desde logo, e por esse facto, um lugar

na história da democracia portuguesa.

Mas esse lugar que conquistou não foi decorrência de um mero ato formal, foi também o resultado daquilo

que soube imprimir na sua vida pública e pessoal. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista associa-se ao

pesar que a Assembleia da República manifestará, enaltecendo o exemplo de discrição e rigor que, aliás, o Sr.

Presidente acabou de referir.

Não tive, pessoalmente, a grata satisfação de privar com o Dr. Francisco de Oliveira Dias, mas são unânimes

os testemunhos que chegam de um legislador tão profícuo, de um cidadão impoluto, bom e íntegro, como refere

o voto de pesar apresentado pelo CDS-PP. E podemos referir e enaltecer a postura que sempre relevou em

momentos que, inegavelmente, na história portuguesa, tiveram uma ressonância que seria, na altura, ainda mais

necessário salientar, que são a marca da tolerância democrática e da afirmação do valor da diversidade das

opiniões.

Em síntese, podemos dizer, sem qualquer hesitação, que, com o exemplo cívico do Dr. Francisco de Oliveira

Dias, o Parlamento se prestigiou e é essa a nota que o Partido Socialista quer deixar frisada.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado Pedro

Filipe Soares.

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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda associa-se

a este voto de pesar pela morte do Dr. Oliveira Dias. Não temos, enquanto partido, uma história que remonte ao

período em que o Dr. Oliveira Dias foi Presidente da Assembleia da República, mas associamo-nos a este voto

de pesar pela memória e pela marca de tolerância democrática e de respeito por todas as forças presentes no

Parlamento por parte do Dr. Oliveira Dias, na altura em que foi Presidente, como nos é relatado nos escritos e

nas provas testemunhais a que tivemos acesso.

Desse ponto de vista, temos, claramente, de assumir a perda de alguém que sempre respeitou o Parlamento

como Casa da democracia e que o fez enquanto Presidente da Assembleia da República, respeitando todas as

forças políticas, é uma perda também para a democracia no nosso País.

Por isso, termino dizendo ao CDS, o Partido do Dr. Oliveira Dias, que nos associamos à sua perda, sendo o

pesar também direcionado ao partido, ao mesmo tempo que transmitimos, claramente, à família enlutada a

nossa palavra de solidariedade neste momento difícil.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP associa-

se à expressão de pesar assumida pela Assembleia da República por ocasião da morte do antigo Presidente da

Assembleia da República, Francisco de Oliveira Dias, que assumiu funções num período particularmente

complexo da nossa vida política e da nossa vida nacional, o Governo AD (Aliança Democrática).

Foi, de resto, o primeiro Presidente da Assembleia da República eleito por um grupo parlamentar que não

era o mais votado na Assembleia da República.

Foram profundas as divergências políticas e ideológicas com o Partido Comunista Português, mas isso não

impede que façamos o registo do que foi o exercício das funções de Presidente da Assembleia da República e

que merece, da nossa parte, inteiro respeito.

Por isso, dirigimo-nos à família e ao seu partido, ao CDS, com a expressão do nosso pesar.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, o Sr. Deputado José Luís

Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não tendo convivido com

o Dr. Francisco Oliveira Dias, nem enquanto Presidente da Assembleia da República nem enquanto Deputado

desta Assembleia, não quero, no entanto, deixar de, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os

Verdes», apresentar as sentidas condolências à sua família e aos amigos do Dr. Oliveira Dias, ex-Deputado

desta Assembleia e ex-Presidente da Assembleia da República.

Por fim, queria dizer que o Partido Ecologista «Os Verdes» se associa ao voto de pesar pela morte do antigo

Presidente da Assembleia da República, Dr. Oliveira Dias, apresentado pelo CDS-PP, o seu partido de sempre.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, a Sr.ª Deputada Assunção

Cristas.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste momento em que

lembramos o Dr. Francisco Oliveira Dias, queria deixar, em nome do CDS, uma palavra de enorme gratidão,

que endereço a toda a sua família.

Gratidão por ter tido a coragem de fundar o nosso partido, um partido de inspiração democrata-cristã, um

partido centrista, num tempo em que o País tombava para a esquerda e era difícil ter uma voz diferente.

Gratidão por ter sido um exemplo vivo de uma forma de fazer política assente no respeito por todos, de que

a sua presidência desta Assembleia da República foi o retrato vivo. Sempre presidiu com exemplar

imparcialidade e respeito por todas as forças partidárias.

Hoje, agradeço também todas as intervenções, que ilustram bem esse respeito e essa forma de estar, de

fazer política e de presidir ao Parlamento. Sempre respeitou as diferenças mas também sempre procurou os

consensos e as pontes.

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Como Presidente da Assembleia da República, o seu grande empenho foi a revisão constitucional de 1982,

que considerava fundamental para a moderação e a democratização do regime.

Homem de fé, católico comprometido, humanista profundo de sólidas convicções, Francisco Oliveira Dias

contribuiu empenhadamente, desde a primeira hora, para a construção da nossa democracia.

Foi eleito para a Constituinte, onde foi um Deputado particularmente ativo, suportou o cerco ao Parlamento,

em 1975, que o tocou tristemente, de forma inaudita, com a morte da sua mulher Mercês. Ficou com 11 filhos e

só alguns anos mais tarde reconstruiu a vida com a sua mulher Teresa, também da fundação do CDS, que o

acompanhou até ao final.

Sentiu a dor da perda de um filho, mas a imensa alegria de 28 netos e 10 bisnetos. A todos cumprimentamos

hoje, bem como aos seus companheiros de partido e amigos de sempre.

Quem privou com Francisco Oliveira Dias fala de um homem inteligente, discreto, sereno e com um grande

sentido de humor. Quem conheceu a sua fé realça o homem que serviu sempre os outros, na política ou no

exercício da sua profissão de médico cardiologista, na certeza de que a sua primeira missão era a do serviço.

Cruzei-me com o Dr. Francisco Oliveira Dias pela primeira vez em 2011, quando aceitou, com grande

generosidade, presidir à Comissão de Honra da minha candidatura a Deputada pelo círculo de Leiria, a sua

terra, e se deslocou a Porto de Mós para participar num evento de campanha e partilhar connosco esses tempos

primeiros do CDS. Também pessoalmente lhe devo essa gratidão.

No início deste ano, na mensagem do Dia Mundial da Paz, o Papa Francisco sublinha que «a boa política

está ao serviço da paz; respeita e promove os direitos humanos fundamentais, que são igualmente deveres

recíprocos para que se teça um vínculo de confiança e gratidão entre as gerações do presente e as futuras».

Estou certa de que Francisco Oliveira Dias cumpriu estas palavras.

Saibamos nós, no CDS de hoje e de amanhã, honrar o seu testemunho.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 706/XIII/4.ª (apresentado pelo CDS-PP e

subscrito por Deputados do PS e do PSD) — De pesar pela morte do antigo Presidente da Assembleia da

República, Dr. Oliveira Dias.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos guardar 1 minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Passamos ao segundo ponto da nossa agenda, que consta de declarações políticas, sendo que hoje

começamos pela do Grupo Parlamentar do PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como o PCP tem reiteradamente

afirmado, os Correios são um instrumento insubstituível para a coesão social, económica e territorial do nosso

País.

Mais do que uma empresa que garanta lucros e dividendos, os Correios devem ser o garante de um serviço

público efetivamente ao serviço do País e das populações, ao serviço da economia nacional e do

desenvolvimento, com uma gestão que vise o equilíbrio económico-financeiro e o investimento na melhoria da

qualidade.

No entanto, a verdade é que, com o caminho da privatização dos CTT (Correios de Portugal, SA), todos

esses objetivos deram lugar à degradação e ao desmantelamento do serviço público, em nome dos milhões

para os acionistas.

Em 2013, o Governo PSD/CDS concretizou uma velha aspiração do capital monopolista que vinha sendo

preparada por sucessivos Governos, incluindo o do PS, e assim se fez a privatização dos CTT. Os resultados

estão à vista e são verdadeiramente desastrosos, aprofundando o caminho de destruição que prossegue há

anos a fio.

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Já nas contas dos CTT do primeiro semestre do ano passado, as últimas disponíveis, os números

evidenciavam a dimensão da ofensiva que a gestão privada está a levar a cabo: menos estações de correios,

menos 169 trabalhadores, quando comparado com a mesma data do ano anterior.

Neste período, os CTT distribuíram 57 milhões de euros pelos seus acionistas — como a família

Champalimaud, grandes bancos europeus ou o fundo abutre Blackrock —, um valor que ultrapassa o dobro dos

lucros do ano passado.

Os salários dos trabalhadores desceram em termos reais e prosseguiu a destruição de postos de trabalho,

que é uma constante desde 2012. Mesmo para a imprensa local e regional, tal como o PCP já alertou nesta

Assembleia, as medidas impostas pelos CTT na recolha e distribuição postal estão a criar problemas graves de

condicionamento, risco de perda de assinantes, condições de distribuição cada vez piores.

A situação revela-se ainda mais gravosa face ao quadro que está descrito e retratado na importante

publicação da ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações), do passado dia 10, sobre a densidade da

rede postal e ofertas mínimas de serviços.

Em 2013, ano da privatização dos CTT, em todos os 308 concelhos do País existia, pelo menos, uma estação

de correios.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Nesse ano, pela primeira vez, começou a haver concelhos sem qualquer

estação: Gavião e Pedrógão Grande.

Em 2018, arrancou uma nova ofensiva e o número de concelhos sem qualquer estação de correios passou

de 2 para 33 e, de acordo com a ANACOM, é expectável que esse número possa, a curto prazo, atingir os 48

concelhos — mais de 15% da totalidade dos concelhos do País.

Este é apenas um dos muitos e gravosos elementos que demonstram a situação inaceitável que estamos a

verificar.

A ANACOM refere as denúncias e alertas, das organizações dos trabalhadores dos CTT, de autarquias

locais, das regiões autónomas, de todos os partidos ou grupos parlamentares sobre a situação escandalosa que

se está a verificar e identifica os problemas que estão em causa, em matérias que vão desde o sigilo e a proteção

da vida privada à deficiente prestação de serviços postais, passando por irregularidades nos horários de

funcionamento ou, mesmo, pela inexistência de prévio entendimento com as autarquias no encerramento

abrupto de serviços.

Esta situação revela as consequências trágicas da privatização dos CTT inscrita no pacto de agressão

assinado por PS, por PSD e por CDS com a troica estrangeira e depois concretizada pelo Governo PSD/CDS.

Revelou-se tágica para o País que perdeu o serviço público postal e para as populações, em particular as do

interior, que ficaram entregues à sua própria sorte perante uma empresa privada que atende apenas aos seus

lucros sem preocupação com as consequências das decisões que toma.

Não é admissível que o Governo faça declarações proclamatórias sobre o desenvolvimento do interior e do

mundo rural e depois assista, impávido e sereno, à destruição do serviço postal, ao abandono das populações,

tudo em nome do lucro dos grupos económicos que tomaram conta dos CTT.

Isso não é admissível e exige-se que o Governo assuma as suas responsabilidades, trave este processo,

inverta o caminho de degradação do serviço postal prestado pelos CTT e assegure o investimento no serviço

público postal correspondente à sua consideração como alavanca de desenvolvimento, designadamente

retomando o controlo público dos CTT.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É para abordar estas matérias com o Governo que o PCP vai requerer a

presença do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas à Comissão Parlamentar, porque este é acima de

tudo um problema de responsabilidade política e de opções políticas, que têm de ser colocadas no plano do

regresso dos CTT à condição de empresa pública nacional.

Nesse sentido, o PCP irá também apresentar uma nova iniciativa, um projeto de lei, pela gestão pública da

empresa.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Correios, ao longo de mais de cinco séculos, asseguraram a

prestação dos serviços postais em condições que lhe permitiram granjear o apreço da generalidade dos

cidadãos e todas as entidades que a eles recorreram.

Vai longínquo o ano de 1606, quando o rei Filipe II, III de Castela, vendeu o cargo de Correio-Mor do Reino

por 70 000 cruzados. Ficaram os Correios submetidos, durante quase 200 anos, aos interesses de um fidalgo

que pôs e dispôs do título até que novo decreto real finalmente reintegrou o serviço postal no Estado.

A nova fidalguia que, neste século XXI, comprou os nossos Correios, não por 70 000 cruzados, mas por 909

milhões de euros, lançou uma nova vaga de assalto ao serviço público, tentando reduzir os CTT a uma licença

bancária.

Hoje, como há 400 anos, há quem aproveite a maré da ingerência, da agressão ao povo e da traição ao

interesse nacional para amassar milhões com os sacrifícios do País. Continuam a viver acima das nossas

possibilidades e, por mais que lhes dermos, dirão sempre que não chega.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas hoje, como sempre, há quem não desista de lutar e de defender os direitos

das populações e dos trabalhadores, o interesse nacional, a coesão territorial, a própria soberania.

Inevitável é a luta, Srs. Deputados. Os Correios hão de voltar a ser do povo e é na primeira linha dessa luta

que está, e continuará a estar, o Partido Comunista Português.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa regista cinco inscrições de Deputados para pedidos de

esclarecimento. Como pretende responder?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, responderei primeiro aos dois primeiros Srs. Deputados e depois

aos restantes.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, queria começar por

saudá-lo por ter trazido os CTT para debate. Aliás, Os Verdes vão também hoje fazer uma declaração política

sobre esta matéria e duas declarações políticas sobre os CTT atestam bem a importância do debate deste

assunto.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Deputado Bruno Dias, como bem referiu, esta privatização feita

pelo PSD e pelo CDS veio trazer consequências muito negativas não só para o Estado, mas também para as

populações e, ainda, para os trabalhadores.

Quando olhamos para os números, percebemos que em 2017, por exemplo, a empresa CTT lucrou 27

milhões de euros, mas distribuiu o dobro pelos acionistas. Ou seja, foram distribuídos 57 milhões de euros só

num ano.

Mas mais: desde a privatização até ao final de 2018, terão sido distribuídos 329 milhões de euros em

dividendos, ou seja, quatro vezes mais do que o seu próprio capital social.

Se tivermos em conta que em apenas cinco anos o tráfego caiu 23% e que, ainda assim, os lucros se

mantiveram, somos tentados a concluir que quem «cabritos vende e cabras não tem de algum lado ele vem»!

E de onde vêm os lucros? Vêm, desde logo, da descapitalização da empresa, do incumprimento das

obrigações do contrato de concessão, nomeadamente dos encerramentos a que o Sr. Deputado fez referência,

mas também do atropelo que está a ser feito aos direitos dos trabalhadores dos CTT e, por fim, do aumento

brutal do custo do correio normal que, entre 2013 e 2017, conheceu um aumento de 56%, com grave prejuízo

para as populações.

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Sr. Deputado Bruno Dias, sobre os encerramentos, à data da privatização, os CTT detinham a maior rede de

presença territorial no País, constituída por 2300 balcões. Hoje, é o que se sabe!

Por isso, não se estranha que durante todo este processo tenhamos assistido a uma incansável luta por parte

das populações, dos trabalhadores no sentido de reivindicar um serviço de correio à medida das necessidades

do País.

Portanto, a nosso ver, aquilo que importa é reverter este processo, tal como o Sr. Deputado Bruno Dias

defende, mas consideramos que, para além disso, era importante apurar as responsabilidades pelos prejuízos

causados ao País e às populações com esta decisão de privatizar os CTT. Queria saber se o Sr. Deputado nos

acompanha neste propósito.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral para pedir esclarecimentos.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Bruno Dias, queria

começar por citar o Secretário-Geral do Partido Comunista Português, Jerónimo de Sousa, que utiliza

expressões como «lágrimas de crocodilo». Foi isso que o Partido Comunista Português veio aqui fazer: chorar

lágrimas de crocodilo. Não é novo esse ódio, esse ataque ao capital. Não é nova essa intenção de o Partido

Comunista Português fazer esse exercício de lágrimas de crocodilo e, até, de algum — vou tentar encontrar um

termo simpático — embuste, para ser cordial, ao eleitorado e ao povo português.

O Partido Comunista Português não precisa de uma declaração política destas para dizer que vai apresentar

uma iniciativa, que não é nova, ou para dizer que está contra a privatização, o que não é novo, e que defende

uns CTT, um serviço postal público.

O que já não consigo perceber é como é que o Partido Comunista Português consegue votar três

Orçamentos, fazer o negócio de apoio ao Governo e não pôr como condição para o apoiar a reversão da

privatização dos CTT.

Aprova tudo, vota tudo, aceita a degradação da qualidade dos serviços públicos, mas, depois, passa o

Orçamento, rasga as vestes e ai, ai, ai que há um problema.

Mas vou mais longe: a troica nacional, de que V. Ex.ª faz parte, não teve a coragem para citar todos os

números, mas foi em 2018 que se deu um aumento significativo de encerramentos nos CTT.

Diz a ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) — naquele princípio de que todos tinham de estar

de acordo em haver, pelo menos, um posto de Correios em cada sede de concelho — diz que, no primeiro

trimestre de 2018, encerraram 6 concelhos, no terceiro trimestre de 2018, 10 e, no final de 2018, o número de

concelhos sem estação de correios passou para 33.

O que é que fez o PCP? Nada! Lágrimas de crocodilo! Passado esse tempo, vem agora dizer: «Isto não pode

ser!» e falar do capital, dos lucros… Mas onde é que os senhores andavam?! A aprovar o Orçamento deste

Governo!

O problema não é do capital da empresa, Sr. Deputado, mas, sim, da incompetência do Governo que não

controla o contrato de serviço público…

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … e do regulador, porque um regulador mau e incompetente sai muito

caro aos portugueses.

O que devíamos estar a discutir, porque em 2020 termina o contrato de concessão, é quais são os critérios

de qualidade de serviço que queremos ter, quais são os postos que devem existir.

Sr. Deputado, o Partido Comunista Português é, ou não, a favor da autonomia do poder local?

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.

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Toda a gente sabe que muitos destes postos que são encerrados são-no de acordo com as juntas de

freguesia e com as câmaras municipais. O Partido Comunista Português é, ou não, favorável à autonomia do

poder local e à sua decisão?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, infelizmente, são cada vez mais as

pessoas que, cedendo aos impulsos da demagogia e do populismo, têm a convicção de que na política são

todos iguais, que na Assembleia da República estão todos na mesma, têm todos a mesma atitude e que é tudo

a mesma coisa.

Julgo que este debate já é uma ajuda e já é esclarecedor para responder às pessoas que pensam assim

quando ouvem os Deputados falar e notam as diferenças entre aqueles que denunciam os problemas, atacam

as situações,…

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — E votam!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … denunciam os responsáveis por aquilo que está a acontecer e, por outro lado,

aqueles que respondem com a intrigalhada, com a deturpação, com a mentira e apontam o dedo àqueles que

continuam a lutar pela defesa do serviço público.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

Protestos de Deputados do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Nós, Srs. Deputados, estamos onde sempre estivemos: na defesa do serviço

público e da gestão pública de uma empresa fundamental para o País e para a coesão territorial.

Aquilo que os senhores fizeram… Recordo, aliás, as palavras de um senhor, que não sei se conhecem,

chamado António Pires de Lima que dizia que a privatização dos CTT tinha sido um enorme êxito.

A pergunta que colocámos e voltamos a colocar é a seguinte: é um êxito para quem? Para quem amealha e

amassa lucros de milhões e milhões de euros à custa dos sacrifícios da população? Para quem aprovou, nesta

Assembleia, as leis que permitem à administração dos CTT e à sua gestão privada fazer o que está a fazer,

encerrando estações de correios pela calada da noite, sem dar cavaco às autarquias?

Protestos do Deputado do CDS-PP Hélder Amaral.

É mentira o que o Sr. Deputado disse. Há casos em que a estação de Correios aparece encerrada de manhã

e a autarquia nem sabe de nada, Sr. Deputado!

As populações são confrontadas com o que o PCP disse que iria acontecer quando os senhores privatizaram

os Correios. Nós avisámos que isto iria ser assim e continuamos em luta pelo regresso dos Correios à esfera

pública e, nesse aspeto, o Governo do PS, com o apoio do PSD e do CDS, recusou essa proposta do PCP e

essa reivindicação das populações e dos trabalhadores! Mas, mais uma vez, vamos ver de que lado vão estar

os senhores quando votarmos aqui, na Assembleia da República, a gestão pública dos CTT! Cá estaremos para

ver, Srs. Deputados!

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Jorge Lacão.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Bruno Dias tem a palavra o Sr. Deputado

Luís Testa, do PS.

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O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, tem razão o PCP quando ataca o

vergonhoso processo de privatização dos CTT e da concessão do serviço postal a esta empresa.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Tem razão o PCP quando ataca o que foi feito, em verdade pela calada

da noite, sem ter sido dado conhecimento e sem transparência, sem acautelar os direitos das populações, a

diversidade do território, atacando o interior, que deveria merecer mais preocupação por parte do Estado, e

atacando também os interesses dos trabalhadores.

Na verdade, tem razão o PCP quando diz que este processo não deveria ter ocorrido como ocorreu.

Mas o PCP omitiu uma questão que também me parece relevante para esta discussão: a privatização não

foi uma mera privatização, foi mais do que isso, foi uma privatização blindada, com amarras para o futuro e sem

poderem ser desatadas. E porquê? Porque a esta empresa foi atrelada a concessão de uma licença bancária

que impede hoje o Estado de intervir como seria seu desejo.

Na verdade, o que foi feito na TAP, por exemplo, poder-se-ia fazer nos CTT, não fosse a licença bancária ter

sido atribuída da forma como o foi.

O Estado tudo fará, através do Governo e também aqui, na Assembleia da República, para que o serviço

público possa ser prestado nas condições em que deve ser prestado.

Na verdade, o PS apresentou aqui, e foi aprovado, um pedido de inspeção à Inspeção-Geral de Finanças

para que pudesse ser feita uma auditoria ao processo de privatização e aguardaremos essa auditoria que,

provavelmente, nos levará a tirar conclusões.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor de

Sousa, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Heitor de Sousa (BE):— Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por cumprimentar o Sr. Deputado

Bruno Dias pelo tema que nos traz aqui hoje e que nos convoca para discussão e reflexão: a privatização e a

concessão dos CTT, uma empresa que foi privatizada e que antes era pública, que é, evidentemente e sempre,

uma questão de atualidade e recorrente em muitas discussões que temos tido quer no Plenário, quer nas

comissões permanentes da Assembleia da República.

Sr. Deputado Bruno Dias, é evidente que assistimos, durante todo o ano de 2018, a uma catadupa de

processos de encerramento de estações de correios, normalmente em zonas do interior do País, e é com alguma

estupefação e incompreensão que vemos a direita passar por estas questões como «cão por vinha vindimada».

É que, nomeadamente o PSD e o CDS, na Assembleia da República, alegadamente, fazem a defesa do interior

do País, falam da necessidade de não se abandonar as populações, etc., mas depois silenciam quando são

confrontados com o facto de haver uma empresa que foi privatizada, uma administração privada cuja única

orientação para a gestão das estações de correios é, desde que não sejam estações que sirvam o Banco CTT,

a de encerrar todas as estações de correios, mesma que elas sejam únicas em cada concelho.

Sr. Deputado Bruno Dias, queria perguntar-lhe se acha bem que a administração dos CTT confunda o serviço

postal universal, que tem de prestar por via do contrato de concessão que é responsável pela sua execução, e

a proliferação, o reforço e o alargamento do Banco CTT à custa das instalações que eram públicas, das estações

de correios que foram pagas pelo erário público, pela contribuição de todos os portugueses.

A segunda questão é sobre a substituição que algumas autarquias têm vindo a fazer neste processo de

desertificação e abandono do serviço postal universal, transferindo para as autarquias esta responsabilidade

que cabe à administração dos CTT.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

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O Sr. Heitor de Sousa (BE):— O que é que o Sr. Deputado tem a dizer, porque isto é relevante do ponto de

vista da coesão territorial de que falou e com a qual estamos de acordo?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Sá, do

PSD.

O Sr. Joel Sá (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, hoje temos aqui, mais uma vez, o fingimento

do Partido Comunista Português, que gosta de fingir que é oposição mas na hora de votar os Orçamentos do

Estado, durante estes três anos, nunca se esqueceu de o fazer!

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. Joel Sá (PSD): — O Partido Socialista hoje também finge que não é Governo e apoia estas declarações

do Partido Comunista, mas esquece-se que faz parte de um Governo…

O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Que baralhação!

O Sr. Joel Sá (PSD): — Não é baralhação nenhuma, Sr. Deputado. O senhor finge que não faz parte do

Governo, mas o Governo, durante três anos, nada fez sobre esta questão.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Joel Sá (PSD): — Mas deixemo-nos de demagogias e vamos ao que é importante, porque este assunto

interfere no dia a dia das pessoas, das populações, das empresas, e nós temos, naturalmente, de estar atentos.

O Partido Social Democrata está atento a este assunto, tem-no acompanhado, tem reunido com as entidades

necessárias — eu próprio reuni com vários membros da empresa CTT para conhecer de perto alguns destes

problemas que temos debatido hoje.

Como é conhecido, aprovámos, na Comissão de Economia, a vinda da ANACOM à Comissão para

debatermos este assunto e perceber o que a ANACOM está a desenvolver para resolver todas estas questões

e, se necessário, o Partido Social Democrata pondera chamar a empresa à Comissão para analisarmos todas

estas questões, como já foi ponderado na Comissão, como o Sr. Deputado sabe. E não é novidade nenhuma

aquilo que trouxe hoje aqui que poderia vir a contecer.

Esperemos que a ANACOM cumpra o seu papel de entidade reguladora, um papel importante, de uma forma

séria, com sensatez e rigor.

É importante que a ANACOM desenvolva todo este trabalho e é fundamental que as entidades necessárias

— o Governo, a ANACOM e nós próprios — fiscalizem o contrato de concessão e que essa fiscalização seja

feita para que se possa avaliar o que é desenvolvido pela empresa, de acordo com o contrato de concessão que

tem com o Estado.

Pergunto ao Sr. Deputado Bruno Dias o que entende que deva ser feito pela ANACOM e se o trabalho por

ela desenvolvido é suficiente ou se deve ser melhorado.

Pergunto-lhe também o que é o que Governo e o Partido Socialista devem fazer, no sentido da revisão do

contrato de concessão. E vocês, de uma vez por todas, assumam que são governo, não entrem na demagogia

de dizer que são oposição. Digam o que entendem que deva ser feito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria dar uma notícia de última hora ao Sr.

Deputado Joel Sá e também aos Srs. Deputados do CDS: no Orçamento do Estado não se discutiu os CTT, não

se aprovou nada sobre os CTT.

Vozes do PSD: — Votou, votou!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Onde se falou nos CTT, no regresso à gestão pública e na defesa do serviço

público foi nos projetos do PCP, que os senhores chumbaram. Os senhores chumbaram os projetos do PCP,

votaram contra, ao lado do CDS, e, verdade seja dita, também do PS. Portanto, o problema manteve-se.

Aliás, há uma frase que ficou para a História, dita, na altura, pelo então Secretário de Estado Sérgio Monteiro,

do seguinte teor: «Independentemente de quem for o acionista, a qualidade do serviço postal nunca estará em

causa. A verdade é esta e quaisquer outros fantasmas que sejam apresentados relativamente à privatização

são isso mesmo, fantasmas e não se materializam!». Isto foi o que o Secretário de Estado do PSD disse ao PCP

na altura do debate sobre a privatização dos Correios. Exatamente o que os senhores diziam que não iria

acontecer é o dia a dia das populações e dos trabalhadores, Sr. Deputado!

O Sr. Joel Sá (PSD): — Chega de demagogia!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Esta questão concreta dos concelhos que passam a ficar sem nenhuma estação

de correios assume particular gravidade. Mas não é admissível que fique no ar a ideia de que uma estação de

correios por concelho já não é mau. Não! Uma estação por concelho é muito mau! Precisamos de mais de 1000

estações de correios, que era o que tínhamos antes de avançar desta forma criminosa para o processo de

privatização.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Este encerramento constante, que agora até já chegou ao ponto de se aproximar-

se, a curto prazo, de meia centena de concelhos do País, mais de 15% do total nacional que não tem nem uma

estação de correios para amostra, é o resultado das vossas opções políticas e das vossas decisões, que desde

o início sempre denunciámos e desmascarámos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não podemos aceitar esta perspetiva de deixar andar, deixar arder para depois

discutir as cinzas e o que fazemos com elas.

Protestos do Deputado do CDS-PP Hélder Amaral.

Não podemos ficar muito preocupados e com ar compungido à espera de 2020 para depois dizer: «pronto,

fiquem lá com a licença bancária, fiquem lá com o dinheiro, com os lucros, que nós agora ficamos com o regresso

do serviço público e da concessão do serviço público postal». Isso é inaceitável!

Não podemos deixar que o problema se vá agravando cada vez mais porque cada dia que passa, cada mês

que passa, cada ano que passa as populações estão com mais problemas, o território do interior está com mais

problemas, os trabalhadores dos CTT estão com mais problemas e não podemos deixar andar ou, como nós

dizemos, não podemos deixar arder para depois discutirmos as cinzas. E o projeto que, aparentemente, alguns

vão acalentando — o de esperar pelo termo da concessão do serviço postal, do serviço universal, para depois,

nessa altura, avaliar o que se fará — é ainda mais insidioso.

Não, Srs. Deputados, há uma responsabilidade política e não apenas regulatória. Não podemos ficar à espera

que a ANACOM faça recomendações e que isso resolva os problemas. Há um problema que tem de ser tratado

com responsabilidade política, com opções e coragem políticas, e é esse o desafio que o PCP lança a todos os

Deputados na Assembleia da República.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís

Ferreira, de Os Verdes.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que está a passar-se

com os CTT é uma autêntica vergonha.

As notícias sucedem-se umas atrás das outras e praticamente todos os dias somos confrontados com o

anúncio do encerramento de estações de correios.

Aliás, de acordo com a Comissão de Trabalhadores dos CTT, corremos o risco de chegar-se a 2020 apenas

com cerca de 200 estações, em vez das 600 existentes no início de 2018. Infelizmente é para aí que

caminhamos.

Segundo dados da ANACOM, durante o ano de 2018, 33 concelhos do nosso País ficaram sem estação de

Correios e, como se não bastasse, a empresa CTT anunciou a pretensão de encerrar ainda mais 15 estações,

o que significa que meia centena de concelhos ficará sem estações de correios. Ou seja, mais de 15% do número

total de concelhos ficam desprovidos de qualquer estação de Correios, penalizando, sobretudo, as populações

do interior.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já foram encerradas mais de 1000!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Mas esta é, infelizmente, apenas uma das consequências da

decisão do Governo PSD/CDS em privatizar os CTT.

Com efeito, a decisão do Governo anterior, de entregar os CTT aos privados que, recorde-se, foram vendidos

em Bolsa, ainda por cima a um preço muito abaixo do mercado, está a ter consequências muito negativas, tanto

para o Estado, como para as populações, como ainda para os próprios trabalhadores dos CTT.

Por um lado, privou-se o Estado de receitas necessárias para dar resposta às políticas sociais. Recorde-se

que, enquanto empresa pública, os CTT contribuíam todos os anos com importantes receitas para os cofres do

Estado e ao mesmo tempo prestavam um serviço público de altíssima qualidade, facto, aliás, reconhecido

também no plano internacional.

Ao fim destes anos, o Estado já perdeu centenas de milhões de euros em dividendos e o País deixou de ter

um serviço de correios público, fiável e seguro.

Por outro lado, com a decisão de privatizar os CTT, PSD e CDS acabaram por sujeitar os cidadãos à

constante degradação de um dos mais importantes bens de interesse público, o serviço postal. De facto, os

Correios são um serviço fundamental para as populações, para o desenvolvimento do País e para a coesão

territorial, desde logo porque contribuem para atenuar desequilíbrios sociais e económicos, mas também para

esbater as assimetrias regionais.

Ora, cinco anos depois da privatização desta importante empresa, e face à constante degradação do serviço

prestado aos cidadãos, é tempo de repensar, não o contrato de concessão, aliás descaradamente incumprido,

porque isso nada resolverá, mas a própria propriedade dos CTT.

A verdade é que, após cinco anos de privatização, é hoje perfeitamente notória e crescente a deterioração e

a descaracterização dos serviços de correio, o que contraria o que a própria empresa apresenta como a sua

missão, visão e valores.

Os exemplos desta situação são muitos: encerram-se centenas de estações e postos — desde a privatização

dos CTT, foram encerradas centenas de estações e centenas de postos de correio; foram vendidos os edifícios;

foram retirados da via pública centenas de recetáculos postais; foram despedidos trabalhadores; os vínculos

precários aumentaram e aumentaram os percursos de cada giro de distribuição, assim como os tempos de

espera para atendimento.

Mas não ficamos por aqui: há falta de dinheiro disponível nas estações para pagamento de pensões e de

outras prestações sociais; registam-se atrasos que já chegam a duas semanas na entrega de vales postais com

as pensões; as situações em que o correio deixou de ser distribuído diariamente generalizaram-se — existem

mesmo localidades no País onde o carteiro apenas passa uma vez por semana, e, noutras, pouco mais do que

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isso; populações inteiras que se veem obrigadas a deslocações de vários quilómetros até à estação mais

próxima, muitas vezes sem terem transportes ou condições para o fazer; o recurso sistemático a empresas de

trabalho temporário e a prestadores de serviços, entre tantos outros exemplos que aqui poderiam ser referidos.

Tudo isto sem ter em conta as necessidades e os direitos das populações e dos trabalhadores e sem garantir

as condições que assegurem a celeridade, a segurança e a privacidade da correspondência.

Em resumo, a privatização trouxe menos qualidade, menos postos de trabalho, menos estações de correios,

menos distribuição, menos receitas para o Estado, delapidação de património e mais encargos para as pessoas.

De facto, a esta evidente degradação do serviço é ainda necessário somar o aumento das tarifas que, desde

a privatização, subiram já mais de 55%.

Ou seja, neste momento, e como resultado da privatização, os cidadãos pagam mais e a oferta do serviço é

menor, ao mesmo tempo que os trabalhadores viram as suas condições de trabalho sofrer um substancial

retrocesso.

Em bom rigor, o que se está a passar nos CTT não é próprio de um Estado de direito. Os acionistas continuam

a apoderar-se, sob a forma de dividendos, de todos os lucros gerados pela empresa e até a distribuírem

dividendos superiores aos lucros, descapitalizando completamente os CTT.

Só entre 2013 e 2016, foram distribuídos mais de 270 milhões de euros em dividendos, ou seja, cerca de um

terço da receita total da privatização.

A tudo isto acresce ainda o facto de o Banco CTT ter sido implementado sobre a estrutura de estações de

correio, funcionando nas instalações e com os trabalhadores dos Correios, que são desviados dos balcões dos

serviços postais para os balcões do serviço do Banco, o que está a provocar um substancial aumento nas filas

de espera.

Definitivamente, a administração remete o serviço postal para segundo ou terceiro plano. O que agora

interessa é o Banco CTT, e só o Banco CTT.

Para terminar, gostaria de dizer o seguinte: cinco anos após a privatização dos CTT, e face ao que assistimos,

Os Verdes não têm dúvidas de que se impõe avançar com o processo de reversão da privatização dos CTT de

forma a que a sua propriedade e gestão regressem à esfera do Estado, a única forma de recuperar a qualidade

e a universalidade do serviço público postal no nosso País.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Sr. Deputado José Luís Ferreira, inscreveram-se quatro Deputados para

lhe formularem pedidos de esclarecimento.

Como pretende responder?

O Sr. JoséLuísFerreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, vou responder aos quatro em conjunto.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Hélder

Amaral, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, não me surpreendem

estas lágrimas em dose dupla, mas há um dano para a democracia portuguesa, muito mais grave que para o

serviço público postal, que consiste em ver o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista «Os Verdes»

nessa posição tão poucochinha, tão poucochinha de aceitarem tudo que ficam reduzidos à mise en scène e a

tiros de pólvora seca de apresentarem, desta forma, iniciativas cujas consequências já conhecem.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Não tenha medo da pressão!

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Digo-o por uma simples razão: o CDS, Sr. Deputado, vai votar como

sempre votou, porque o CDS não serve, apenas e só, como partido apoiante de uma lógica de poder de outros,

que é o que faz hoje, neste momento, o Partido Comunista Português. Portanto, o CDS votará como sempre!

Protestos do PCP.

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Sr. Deputado, para sermos sérios nesta discussão, independentemente de concordarmos, ou não, com a

privatização — ainda bem que há uma auditoria sobre a privatização —, falaremos das consequências dessa

auditoria.

Dando um passo em frente, pergunto: há ou não um acordo e um contrato de serviço público postal? Gostaria

que o Sr. Deputado me dissesse quais são as cláusulas dessa concessão e desse acordo que não estão a ser

cumpridas e, se identificou algumas que não estão a ser cumpridas, qual foi a queixa que já fez.

Segunda pergunta: a empresa apresentou, ou não, em tempo oportuno, um plano de reestruturação?

Apresentou ao Governo e ao regulador! Diga-me o que é que o Governo que V. Ex.ª e o Partido Comunista

apoiam — ficam tão eufóricos com a geringonça — fez sobre o plano que a empresa apresentou. Está a

empresa, ou não, a cumprir o plano que apresentou? Que críticas é que fizeram o Governo e a ANACOM

(Autoridade Nacional de Comunicações) a esse mesmo plano, que é para sermos claros?

Vou dar-lhe ainda outro dado: a empresa diz que fechou 70 estações em 2018, no decorrer do Governo da

troica nacional — não foi em 2013, foi em 2018! Bem-vindo, agora, à discussão! E até quero que a discussão

seja feita, porque o CDS está preocupado com a qualidade de serviço porque, isso sim, é que obriga a empresa!

O Sr. BrunoDias (PCP): — Não parece!

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — O CDS está preocupado com a qualidade e a prestação de serviço!

O Sr. BrunoDias (PCP): — Está entusiasmado!

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Sr. Deputado, ouça com atenção, não fale alto! Não é quem berra mais

quem tem razão, é quem acerta!

Vou dar-lhe dois dados.

O Sr. BrunoDias (PCP): — O aparte é regimental! Quer mandar calar, mas não consegue!

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Sr. Deputado, fecharam 70 estações, abriram 145 postos.

O Sr. BrunoDias (PCP): — Papelarias! Retrosarias!

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — A dúvida do CDS é o que quer dizer um posto e o que quer dizer uma

estação.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.

Se quer dizer a mesma coisa, quer dizer que até se abriram mais instalações do que aquelas que se

encerraram. E nós vamos querer saber exatamente que serviços estão numas e noutras.

O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Para o CDS está tudo bem!

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Essa é que é a questão essencial. Três delas têm acordos com câmaras

municipais, 15 têm acordos com juntas de freguesia. Falta saber das outras.

Volto a perguntar: é ou não o Partido Ecologista «Os Verdes» conhecedor desta situação? Concorda, ou

não, com a autonomia do poder local que aceita esses encerramentos?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Também para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr.

Deputado Luís Moreira Testa.

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O Sr. LuísMoreiraTesta (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, existe, neste momento,

um dilema que nos deve congregar a todos: perante um mau serviço prestado por atribuição de uma concessão

pública do Estado, o que é que o próprio Estado deve fazer?

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Fiscalizar! Atuar!

O Sr. LuísMoreiraTesta (PS): — Por um lado, já ouvimos aqui o repto à reversão da privatização, com as

condicionantes que eu próprio já referi da quase impossibilidade de se fazer, uma vez que a privatização foi

atrelada a uma licença bancária e, por isso, hoje, nacionalizar ou reverter essa privatização não é só reverter a

privatização dos CTT, mas também é nacionalizar um banco.

Protestos do PCP.

Por outro lado, também já ouvimos, não poucas vezes, o repto, por exemplo do Bloco de Esquerda, para a

reversão da concessão do serviço postal. Perante essa circunstância, o que é que o Estado faria com a

concessão que lhe chegaria às mãos, mas sem a rede e sem a empresa de distribuição? Digo, por graça, que,

se calhar, restava apenas a GNR para entregar cartas. Portanto, a reversão da concessão também não pode

ser a solução.

Assumo que a auditoria que deve ser feita ao processo de privatização da empresa CTT deve, ela própria,

poder responder às premissas que devemos todos encontrar do ponto de vista político, e as responsabilidades

não podem ser apenas do regulador, têm de ser também assumidas pela Assembleia da República e pelos

Governos. Essa auditoria deve, em si mesma, encerrar respostas que o Estado português deve dar a este tão

deficiente serviço que tem sido prestado às populações, ao território e, mormente, àqueles que mais dele

necessitam: as populações que vivem em locais isolados, que, muitas vezes, precisam de levantar as suas

reformas em forma de vale postal.

Portanto, é nesse sentido que reafirmamos o nosso compromisso com o povo português e com o País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem agora a palavra, ainda para um pedido de esclarecimento, o Sr.

Deputado Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda.

O Sr. HeitorSousa (BE): — Sr. Presidente, hoje é o primeiro dia de uma discussão sobre os CTT que,

certamente, vai repetir-se bastantes vezes ao longo deste ano, porque, como todos sabemos, o prazo limite da

concessão do serviço postal universal termina no dia 31 de dezembro de 2020 e é neste ano, ou seja, um ano

antes, que a Assembleia da República pode e deve tomar a decisão de saber se os CTT, tal qual existem, devem

continuar a exercer o serviço postal universal ou se devem voltar para a esfera pública, para que seja o Estado

a assumir um serviço postal universal que a administração dos CTT, privada, já demonstrou que não quer fazer

e que não está em condições de fazer.

E não está em condições de o fazer porque, como já se percebeu, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, a

estratégia da administração dos CTT é a de transferir para as autarquias o serviço postal universal e ficar com

o exercício da licença bancária como única e exclusiva atividade dos CTT. De resto, em muitas estações dos

CTT já se vê mais o anúncio ao Banco CTT do que, propriamente, a estação de correios CTT.

É por isso que, Sr. Deputado José Luís Ferreira, lhe perguntava o que acha desta questão, deste fantasma

que o próprio Partido Socialista está agitar de que existe uma licença bancária associada, esquecendo que os

serviços financeiros postais eram uma atividade concessionada que era secundária na concessão dos CTT.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. HeitorSousa (BE): — Cada vez mais, a atividade financeira, isto é, a atividade bancária é a atividade

principal dos CTT.

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Pedia-lhe, pois, Sr. Deputado José Luís Ferreira, um comentário sobre esta transmutação de um serviço

postal em Banco CTT.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Passando agora de «perguntado» a «perguntador», tem a palavra,

também para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.

O Sr. BrunoDias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, passo a ler uma pequena

passagem do relatório da ANACOM, que diz: «Os serviços que antes eram assegurados na estação de correios

são agora prestados numa papelaria, onde o atendimento é feito por pessoas sem a devida responsabilidade

ou dever de natureza deontológica, nomeadamente no que respeita às questões de confidencialidade, o que

vem suscitando algumas preocupações, particularmente no que se refere à garantia de sigilo e inviolabilidade

dos envios postais, bem como à proteção da vida privada».

Srs. Deputados, é disto que estamos a falar e é disto que trata o balanço, altamente entusiástico, que o CDS

faz quando se trata da abertura de novos estabelecimentos postais que, na verdade, são papelarias, são

retrosarias, são lojas de venda de materiais de construção. É assim a rede postal, tal como o CDS a conhece.

O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Não foi isso que eu disse!

O Sr. BrunoDias (PCP): — E é assim que dizemos que não podemos continuar.

Perante a proposta do PCP, apresentada na Assembleia da República, e que iremos trazer de novo a

Plenário, para que seja novamente da esfera pública e da gestão pública a empresa CTT, o CDS — e,

certamente, o PSD — vão votar de uma maneira que já estamos a ver. O Sr. Deputado foi muito claro no que

disse, ou seja, o CDS e o PSD vão estar lado a lado com o PS nessa votação, tal como também estiveram lado

a lado com o PS na defesa da posição de manter a privatização dos CTT que os senhores ordenaram.

Portanto, quando se trata do interesse das populações e dos trabalhadores face ao interesse do Grupo

Champalimaud, da família Champalimaud e do Fundo Blackrock não temos dúvidas de que lado está o CDS.

Não podemos é continuar a ter este triste fado de andar a injetar dinheiro e a nacionalizar bancos que foram

arrombados pelo capital financeiro, e a ver, ao mesmo tempo, a impunidade do poder económico que tomou

conta dos Correios a encerrar e a desmantelar o serviço público postal. Isto, com o aplauso do CDS e do PSD,

que continuam a fazer um balanço muito positivo da privatização que decidiram, continuando agora a apoiar o

Governo PS na manutenção dos Correios na esfera privada.

Protestos do CDS-PP.

A pergunta que lhe coloco, Sr. Deputado José Luís Ferreira, é no sentido de saber se não considera urgente

— e cada dia que passa é um dia perdido — esta reversão dos correios para a esfera pública e que, enquanto

País, não temos dinheiro para continuar a ter os correios na esfera privada, a consumir milhões à riqueza pública

nacional e à economia nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, começo por agradecer os pedidos de

esclarecimento formulados pelos Srs. Deputados Hélder Amaral, Luís Moreira Testa, Heitor de Sousa e Bruno

Dias.

Sr. Deputado Hélder Amaral, quanto às lágrimas, do que tenho receio é de chegarmos ao fim desta

Legislatura e haver Deputados que ainda não tenham percebido a circunstância que se vive.

Protestos do Deputado do CDS-PP Hélder Amaral.

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Eu sei que estavam habituados a fazer birras irrevogáveis que até obrigavam o então Primeiro-Ministro a

alterar a lei orgânica do Governo para criar o cargo de Vice-Primeiro-Ministro. Connosco não tem havido isso.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Agora é pior!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Connosco, há uma posição conjunta que tem sido respeitada e

que é fundamental.

Mas, Sr. Deputado, o senhor não pode dizer que aumentaram em não sei quantos os postos de correio e, ao

mesmo tempo, dizer que o CDS está preocupado com a qualidade do serviço. Se diz que aumentaram os postos,

então…

Agora, os postos de correio vão para as livrarias, para as lojas dos trezentos!? Mas nós estamos a falar de

quê, Sr. Deputado? De postos de correio?!

Sr. Deputado, também não sei onde foi buscar a ideia de que os autarcas têm pacificamente concordado

com o encerramento! Não sei a que autarquias se refere, só se forem as autarquias do CDS. É que, das

autarquias que conheço — e, aliás, já fui a várias —, eram todas contra o encerramento dos Correios.

O Sr. Deputado Luís Moreira Testa pergunta o que há a fazer face ao quadro que está traçado. Sr. Deputado,

acho que a resposta está no que foi dito por um camarada seu, Artur Penedos, que, na semana passada,

escreveu um artigo no Público, cujo título é o seguinte: É urgente reverter a privatização dos CTT. Acho que a

resposta está aí, Sr. Deputado.

Sr. Deputado Heitor de Sousa, quanto às licenças bancárias, é verdade, tem razão. E o que sucede é que,

quando foi com o BES ou com o BPN, ninguém levantou qualquer problema com licenças bancárias e, portanto,

aqui deveríamos estar na mesma situação.

O Sr. Deputado tem também razão ao dizer que este é um ano crucial para esta Assembleia decidir se quer

manter os CTT na esfera privada ou se é altura de o serviço postal regressar à esfera do Estado. Nós

consideramos que é absolutamente decisivo que venha para a esfera do Estado. Inclusivamente, já

apresentámos, há alguns meses, uma iniciativa legislativa nesse sentido, exatamente para haver uma reversão

do processo de privatização dos CTT, de forma a que a propriedade e a gestão regressem à esfera pública

porque essa é a única forma de garantir a qualidade do serviço prestado.

Sr. Deputado Bruno Dias, claro que é urgente fazer essa reversão, e quanto mais cedo melhor. É que, quanto

mais tarde se fizer, menos estações de correio haverá e mais prejuízos haverá para o Estado, porque, como

referi há pouco na tribuna, só em dois anos os acionistas já recuperaram um terço do investimento que fizeram.

Se calhar, é por isso que o Sr. Pires de Lima diz que foi um excelente negócio. Pois foi! Só que ele não diz é

para quem foi um excelente negócio!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas nós sabemos!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Mas nós sabemos! Para as populações não foi um bom negócio.

Para os autarcas não foi um bom negócio. E para o Estado foi um péssimo negócio, com o qual ainda hoje

estamos a sofrer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo

Baptista Leite.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A confiança entre os cidadãos

e quem governa os destinos de um país é um dos pilares fundamentais do Estado de direito democrático. Agora

que o Governo se aproxima do fim do seu mandato, volvidos mais de três anos no poder, confirma-se que essa

confiança foi quebrada.

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Três anos de ilusões e habilidades. Três anos de promessas vãs e por cumprir. Três anos de austeridade

encapotada. Três anos que deixaram os cidadãos, nomeadamente os mais pobres e vulneráveis, ao «Deus-

dará», cidadãos a quem o Estado tem a obrigação de proteger.

Veja-se a situação dramática que se vive no Serviço Nacional de Saúde (SNS): aquela que foi a maior

conquista da democracia — o SNS representa a mais relevante rede de proteção social — está hoje em situação

de falência, incapaz de responder às necessidades dos cidadãos.

Não há memória de uma situação tão grave como aquela que vivemos hoje na saúde. Veja-se o caso da

Maternidade Alfredo da Costa: esta instituição de referência nacional fechou portas por falta de meios — por

falta de profissionais! — na noite de Natal. É caso para se dizer que o diabo não está para chegar, o diabo

chegou e está no Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — É falso!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Ainda ontem, a Comissão de Saúde visitou o Hospital Dona Estefânia

— o mais relevante centro pediátrico do nosso País —, onde os diretores de serviço se demitiram em bloco.

O que motivou a demissão destes profissionais foi claro: uma situação de insustentável falta de médicos e

enfermeiros que perdura desde 2017, com promessas múltiplas do Governo que nunca foram cumpridas.

Demitiram-se e deixaram o aviso de que, se nada for feito, não restará outra solução que não seja o fechar

das portas do serviço de urgência do Hospital Dona Estefânia, afetando toda a população pediátrica da Grande

Lisboa.

Infelizmente, constata-se que nunca, como nestes três últimos anos, ocorreram tantas demissões de

responsáveis hospitalares do SNS, de norte a sul do País. Já para não falar da demissão do Presidente da

ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde) ou da demissão do Coordenador da Rede Nacional de

Cuidados Continuados e Paliativos. Todos se demitiram por terem esgotado a paciência perante as constantes

promessas não cumpridas do Governo.

Quebrou-se a confiança, deixando a gestão da saúde «sem rei nem roque» e deixando os portugueses a

pagar a conta.

Sr.as e Srs. Deputados: O Governo prometeu um médico de família para todos. A realidade é que há mais de

meio milhão de portugueses ainda sem médico de família.

O Governo prometeu acabar com as listas de espera. A realidade é que os tempos de espera continuam a

degradar-se de mês para mês, havendo casos de doentes que esperam 1300 dias — mais de três anos e meio!

— por uma simples consulta de cardiologia!

O Governo prometeu que a saúde seria a sua primeira prioridade. E a realidade é que nunca se verificou

uma tão grande redução dos níveis de investimento público no Serviço Nacional de Saúde — menos 26% do

que em 2015!

O Governo prometeu devolver a paz social e aprovar as carreiras dos profissionais. Mas, na realidade, não

há memória de tantas greves na saúde,…

Protestos da Deputada do PS Maria Antónia Almeida Santos.

… com todos — médicos, enfermeiros, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica — a verem as

promessas não cumpridas. Já para não falar na forma como a Sr.ª Ministra da Saúde qualificou de «criminosos»

os enfermeiros do nosso País.

Protestos do PS.

Mas há mais. O Primeiro-Ministro, António Costa, prometeu que todas as cirurgias adiadas por causa das

greves seriam realizadas até março de 2019. No entanto, esqueceu-se de dizer que, para se realizarem essas

cirurgias, os hospitais vão adiar as outras cirurgias que já estavam agendadas. A estratégia do Governo é

simples: os doentes que esperem.

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O Governo prometeu rigor nas contas públicas. A realidade é que foi divulgado há dias um relatório do

Tribunal de Contas, no qual se denuncia a degradação da situação financeira do Serviço Nacional de Saúde,

tendo a dívida do Ministério da Saúde atingido quase 3000 milhões de euros, no final de 2017. Pior, o Tribunal

de Contas põe mesmo em causa a própria credibilidade das contas do Ministério da Saúde.

Os socialistas continuam, portanto, os campeões da dívida e a herança socrática permanece bem patente.

Vozes do PSD: — É verdade!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — O Governo prometeu, em 2017, que a ala pediátrica do Hospital de

São João seria inaugurada, em 2019. Qual é a realidade? É que, hoje, em 2019, as crianças doentes do norte

do País — muitas delas com cancro — continuam a ser tratadas em contentores em pleno inverno. Inaceitável!

Aliás, depois de vários sobressaltos, no dia de Natal, a Sr.ª Ministra da Saúde, ao lado do Sr. Presidente da

República, afirmou que a obra da ala pediátrica do São João teria início em 2019. Nesta semana, apenas duas

semanas depois destas declarações, a mesma Ministra informou o País que, afinal, as obras só teriam início lá

para 2020. É impossível confiar neste Governo!

E a degradação do serviço público prossegue, empurrando quem tem recursos para o setor privado e

deixando quem não tem recursos à mercê da sua sorte.

Sr.as e Srs. Deputados: Os utentes e os profissionais estão no seu limite. Se nada for feito, a segurança dos

doentes pode vir a ser comprometida. Exige-se que o Governo reconheça que falhou e que ative um plano de

intervenção de emergência no Serviço Nacional de Saúde.

Terminando, Sr. Presidente, direi que o Partido Social Democrata está — como sempre esteve — preparado

para intervir e garantir que o acesso aos cuidados de saúde de qualidade seja uma realidade.

Estamos ao lado dos portugueses, apresentando soluções que devolvam dignidade, qualidade e humanidade

ao Serviço Nacional de Saúde.

Está na hora de o Governo fazer o mesmo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos, tendo

o Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite informado a Mesa de que pretende responder, primeiro, a dois Srs.

Deputados e, depois, a outros dois.

Tem, então, a palavra para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Moisés Ferreira.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite, começo por

cumprimentá-lo pela sua declaração política e dizer-lhe que quase já tínhamos saudades da tese do diabo. O

PSD utiliza-a mais ou menos de três em três meses, e certamente devem ter passado três meses desde a última

vez que a utilizou.

Sabemos que alguma coisa está mal no PSD quando vai buscar esta tese do diabo e quando reza todos os

dias para que o tal diabo apareça no País. Enfim, sempre que o PSD recorre a essa tese, isso é indicador de

algum mal-estar dentro do PSD.

Também sabemos que o PSD não tem credibilidade para falar do Serviço Nacional de Saúde, e muito menos

a tem quando envereda pelo desespero, que foi aquilo que se notou na intervenção do Sr. Deputado.

Falou o Sr. Deputado de transferências, de financiamento, de solvabilidade do Serviço Nacional de Saúde.

Em 2010, as transferências para o Serviço Nacional de Saúde foram de 8849 milhões de euros. Entretanto,

aconteceu essa catástrofe ao País, que foi um Governo do PSD e do CDS-PP, apoiado pela troica e a apoiar a

troica, e, em 2015, essas transferências já eram de 7880 milhões de euros, ou seja, menos 1000 milhões de

euros, Sr. Deputado.

No Orçamento do Estado para 2019, as transferências para o Serviço Nacional de Saúde são de 9200

milhões de euros, Orçamento do Estado este contra o qual o PSD votou, provavelmente porque até aumentava

as transferências para o SNS. Está visto que foi assim, porque este aumento foi o que contrariou a política do

PSD durante dois anos.

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Portanto, na verdade, ao falar de Serviço Nacional de Saúde, é inegável que há muita coisa a fazer, desde

a contratação de profissionais e a dignificação das carreiras dos profissionais até ao investimento, ao

investimento em tecnologia, etc.

Mas também é inegável que hoje se vive um paradigma diferente daquele que era o paradigma do PSD, que

é o de, todos os anos, afinal, haver mais orçamento do que aquele que existia no ano anterior. Isso é inegável.

É ainda inegável, Sr. Deputado, que, efetivamente, o PSD não tem credibilidade para falar sobre o Serviço

Nacional de Saúde. Basta olhar para aquilo que nos deixou.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Para concluir, Sr. Presidente, a pergunta que deixo ao Sr. Deputado é a

seguinte: se defende tanto o Serviço Nacional de Saúde, como é que justifica os atrás referidos 1000 milhões

de euros a menos, orçamentados pelo seu partido, em 2015?

E como é que justifica uma lei de bases que continua a querer drenar os recursos do Serviço Nacional de

Saúde para o privado, como aquela proposta de lei de bases apresentada pelo PSD?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem, agora, a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada

Isabel Galriça Neto.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero agradecer ao Sr.

Deputado Ricardo Baptista Leite e ao PSD terem trazido a temática da saúde a este Plenário, embora,

lamentavelmente, pelas piores razões.

Como o CDS vem dizendo, desde há três anos, a saúde dos portugueses está pior, os recursos humanos do

Serviço Nacional de Saúde estão piores, o SNS tem a sua sustentabilidade e a sua viabilidade ameaçadas. Em

suma, a saúde dos portugueses está mal!

E não é apenas o CDS e o PSD que o dizem, dizem-no as ordens profissionais, as associações sindicais,

que ainda hoje de manhã ouvimos na Comissão de Saúde, as associações de gestores, os profissionais que

denunciam a falta de segurança clínica, algo que, insisto, não é de um País europeu mas de um País terceiro-

mundista.

Protestos do PS.

Os senhores das bancadas das esquerdas unidas podem vir aqui anunciar números, podem vir desvalorizar

a realidade, podem vir dizer que está tudo bem, mas o que demonstram é uma insensibilidade social perigosa.

O que os senhores não podem fazer é negar que estão há mais de três anos no Governo…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora!

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — … e que o principal instrumento de ação governativa, que é o

Orçamento do Estado, foi aprovado pelas bancadas do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda, do Partido

Ecologista Os Verdes e do PCP.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Podem vir dar os golpes teatrais todos e dizer que estão

preocupados com o Serviço Nacional de Saúde, o que não podem é negar que aprovam Orçamentos que fazem

com que o Serviço Nacional de Saúde esteja no estado em que está.

Também não podem vir tentar branquear, com os poucos aspetos positivos da realidade, a gravidade dos

factos, que, tal como já disse aqui, são denunciados por entidades independentes, como o Tribunal de Contas,

que chamam a atenção para aquilo que o CDS não se tem cansado de alertar.

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Assim sendo, Sr. Deputado, pergunto-lhe, se concorda que a saúde não tem sido uma prioridade para este

Governo, que, a começar pelo seu Primeiro-Ministro e pelo Ministro das Finanças, sacrificou os serviços públicos

e a qualidade assistencial na saúde, e se também concorda que os três anos e tal de ação governativa socialista,

com o apoio das esquerdas unidas, fizeram agravar, e muito, o estado do Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr.

Deputado Ricardo Baptista Leite.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Sr. Presidente, começo por agradecer ao Sr. Deputado Moisés

Ferreira e à Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto pelas questões que suscitaram.

De facto, tenho de agradecer ao Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda, porque, depois de ter

passado 45 segundos a falar do diabo, me fez lembrar que o Bloco de Esquerda é corresponsável direto pela

realidade que estamos a viver na saúde.

Aplausos do PSD.

Reconheço que foi uma falha na minha intervenção!

Os senhores ficam para a história colados ao que estamos a viver nestes últimos três anos e que terá

consequências ao longo dos anos vindouros.

Não é certamente deste lado que se vive o desespero. O desespero que se vive é o das populações, Sr.

Deputado, aquele que vimos ainda ontem na cara dos profissionais, desesperados por não terem respostas por

parte do Governo, quando visitámos o Centro Hospitalar de Lisboa Central, o desespero dos doentes que não

têm acesso às consultas a tempo e horas.

E o Sr. Deputado vem falar do setor privado ou mesmo do setor social?! Então, quando cortam o acesso à

saúde pública no nosso País, que outro remédio é que as pessoas têm senão irem para o privado? Aliás, quem

vai para o privado são os ricos, aqueles que têm possibilidades, porque quem é pobre fica, como eu disse, à

mercê da sua sorte. O que os senhores estão a criar é um Serviço Nacional de Saúde que não é para todos,…

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — … um Serviço Nacional de Saúde para pobres, empurrando quem

tem recursos para os privados. Hoje, há uma violação da Constituição, porque não há um acesso universal geral

e tendencialmente gratuito à saúde.

O que estamos a viver — a Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto tem absoluta razão — é catastrófico, quer do

ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista clínico.

Do ponto de vista financeiro, as esquerdas vêm falar de um aumento do orçamento para a saúde. Quando

olhamos para o Orçamento do Estado, vemos que há um aumento de toda a despesa pública — ainda agora

aumentou 3,3%. Mas, na verdade, quanto é que a despesa pública aumentou na área da saúde? Aumentou

2,3%. Fica sempre sempre atrás! É isto que é uma prioridade para vós? E quando comparamos quanto é que

investimos em saúde face ao PIB (produto interno bruto), isto é, 5,2%, em relação à OCDE, em que este valor

está nos 6,5%?!

Sr. Deputado, a verdade é esta: o investimento na saúde não é uma prioridade para vós, porque, se o fosse,

ao contrário de vermos uma redução face ao PIB, veríamos um aumento, que é aquilo que não estamos a ver.

Mas o pior de tudo é que os senhores estão a aumentar a dívida. Os senhores dizem que estão a aumentar

o orçamento, mas os tempos de espera continuam a aumentar, a qualidade clínica continua a estar

comprometida e a dívida continua a aumentar. É tudo mau!

Srs. Deputados, pergunto-vos: o que é que o Governo vai fazer? Há uma emergência eminente! Os partidos

têm de colocar a «partidarite» à parte, o Governo tem de assumir que falhou e temos de assumir uma causa

nacional, que é salvar o Serviço Nacional de Saúde.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António

Sales, do PS.

O Sr. António Sales (PS): — Sr. Presidente, quero agradecer ao Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite ter

trazido o tema da saúde a este Plenário. O Sr. Deputado continua, de facto, preso à vinda do diabo. O PSD, ao

chamar o diabo, garantidamente necessita de uma sessão de exorcismo. Prevejo que será amanhã ao fim do

dia. Provavelmente, essa sessão de exorcismo será amanhã ao fim do dia!…

Risos e aplausos do PS.

Protestos da Deputada do PSD Inês Domingos.

Sr. Deputado, há umas semanas, o PSD ensaiou um número político com dados do Tribunal de Contas

relativos a 2016 e, com base nesses dados, procurou adaptar uma seleção conveniente de argumentos,

ignorando dados mais atualizados, nomeadamente os do relatório da ACSS (Administração Central do Sistema

de Saúde) de 2017.

O PSD voltou agora a ensaiar o mesmo exercício e o mesmo número político, mas, desta vez, sem esperar

pelo relatório da ACSS de 2018, que sai em março/abril, não viessem os dados desse relatório, novamente,

contradizer a vossa narrativa.

Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite, não percebo que PSD é este! Se é o de Rui Rio, que há umas semanas

tentou ludibriar os portugueses e quebrar a confiança — de que o senhor ali falou — numa retórica sustentada

na manipulação de dados mais convenientes, ou se é outro PSD, sabe-se lá qual, talvez o de Montenegro,…

Protestos do PSD.

… que, definitivamente, encara a dívida como despesa de investimento nos serviços de saúde e que olha

verdadeiramente para os cidadãos portugueses.

Protestos do PSD.

Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite, o PSD continua a negar o que é óbvio, ou seja, o reforço orçamental

deste Governo na saúde dos portugueses.

Sr. Deputado, o Partido Socialista encara a dívida como investimento, como despesa, o que significa mais

recursos, mais investimentos, melhor serviço aos cidadãos.

A Sr.ª Inês Domingos (PSD): — Tenha vergonha!

O Sr. António Sales (PS): — E se não fosse a ausência de investimento, por parte de VV. Ex.as, entre 2011

e 2015, talvez a dívida de que falou não fosse esta.

Protestos do PSD.

É que, entre 2011 e 2015, a média de investimento foi de 91 milhões de euros; a partir de 2016, essa média

passou a ser de 145,3 milhões de euros.

É nesta perspetiva, Sr. Deputado, que devemos olhar para a dívida e sermos sérios para com os portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Ainda para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Carla Cruz, do PCP.

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A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite, a sua declaração política e

as respostas que já deu são, efetivamente, mais um episódio de um capítulo que, nos últimos tempos, tem sido

uma ofensiva violenta contra o Serviço Nacional de Saúde, uma ofensiva que tem origem nos grandes grupos

económicos que operam na saúde, mas que tem como protagonistas o PSD e o CDS.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

Protestos do PSD.

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Quando o PSD estava no Governo, tentava — e tentou! — destruir o Serviço

Nacional de Saúde por dentro; agora, que não está no Governo, tenta destruir o Serviço Nacional de Saúde por

fora.

O Sr. Deputado trouxe aqui mais um triste episódio, que tem a ver com as opções políticas do PSD

relativamente ao Serviço Nacional de Saúde. O que o Sr. Deputado aqui fez foi uma tentativa — mais uma —

de descredibilizar o SNS, de criar insegurança no Serviço Nacional de Saúde e de atacar os direitos dos utentes.

Mas o Sr. Deputado sabe perfeitamente — aliás, na visita que a Comissão de Saúde fez ontem ao Hospital

Dona Estefânia, foram os próprios profissionais a considerá-lo unanimemente — que não está em causa a

segurança dos doentes e que os trabalhadores, os profissionais de saúde dão todos os dias o seu melhor para

não porem em causa a segurança dos doentes.

Aplausos do PCP.

Efetivamente, é no Serviço Nacional de Saúde que os utentes encontram a resposta mais qualificada, mais

eficaz, não é nos grupos económicos que os senhores tanto apregoam, porque, quando alguma coisa corre mal

nesses grupos económicos é ao Serviço Nacional de Saúde que recorrem.

Sr. Deputado, a questão que lhe coloco é no sentido de saber se o seu discurso vai ter repercussões na

alteração do vosso posicionamento relativamente às propostas que o PCP aqui apresentou.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Sr.ª Deputada, peço-lhe que tenha atenção ao tempo, por favor.

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

O PSD irá votar favoravelmente as propostas que o PCP apresente sobre investimentos nos hospitais?

A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Mas quais investimentos?

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — O PSD irá aprovar as nossas propostas no sentido da valorização e da

contratação dos profissionais, do transporte não urgente de doentes, da isenção de taxas moderadoras, da

distribuição gratuita de medicamentos para pessoas com mais de 65 anos?

São essas as respostas que é necessário darem, mas, certamente, não serão essas as respostas que o PSD

dará. O PSD dará é para aquele peditório de destruir o Serviço Nacional de Saúde! Mas, Sr. Deputado, para

esse peditório não conte com o PCP, bem pelo contrário encontrará aqui sempre a resistência e a defesa

intransigente do Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr.

Deputado Ricardo Baptista Leite.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer à Sr.ª Deputada

Carla Cruz e ao Sr. Deputado António Sales as perguntas que colocaram.

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Começando pelas perguntas da Sr.ª Deputada Carla Cruz, direi que, de facto, quando olhamos para o PCP

e para o Bloco de Esquerda, temos dois níveis de propostas: as propostas que são muito, muito importantes, e

que exigiram que constassem do Orçamento do Estado para votarem a favor delas,…

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Estavam lá e votaram contra!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — … e há as outras propostas, que não estão incluídas no Orçamento

do Estado, que os senhores vão apresentando para poderem satisfazer as clientelas aqui e ali e a vossa

orientação ideológica.

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Quem tem clientelas é o PSD!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Falei em clientelas, Sr.ª Deputada, de propósito! É que quem tem

prestado o maior serviço ao setor privado da saúde, em Portugal, são o PCP e o Bloco de Esquerda, ao porem

a ideologia à frente dos direitos dos utentes, ao votarem os Orçamentos do Estado, como fizeram, empurrando

as pessoas para o privado. Aliás, só empurraram aqueles que têm recursos, porque, como já disse várias vezes,

quem não tem recursos fica refém da sua sorte, dos tempos de espera.

O Sr. Deputado António Sales falou aqui de um relatório muito importante, que é um relatório da ACSS, de

acesso a cuidados de saúde. E o que é que dizia esse relatório? Dizia que, para uma consulta de cirurgia

vascular, no Hospital de Vila Real, havia 1000 dias de espera; para uma consulta de cardiologia, havia 1307

dias de espera; para uma consulta de neurocirurgia, havia 490 dias de espera, no Centro Hospitalar Universitário

do Algarve, o tal hospital que os senhores prometeram e que depois não fizeram.

A Sr. Ângela Guerra (PSD): — Esse, esse!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Em termos de cirurgias, havia 546 dias de espera para uma cirurgia

de otorrino, no hospital de Évora. E a lista continua.

Além disso, sabemos da degradação que existe. Ainda agora, no meu hospital de origem, o Hospital Egas

Moniz, até há furtos de material hospitalar no valor de centenas de milhares de euros. O Hospital Egas Moniz é

hoje «o Tancos da saúde».

Quando falamos da dívida, o Sr. Deputado diz: «Nós, Partido Socialista, assumimos a dívida». Ora, nós

conhecemos essa escola, é a chamada «escola socrática», isto é, aquela em que a dívida não se paga, acumula-

se e gere-se e em que, quem vier a seguir, que a pague. Ao falar da dívida, o Sr. Deputado dizia «nós

acumulamos dívidas, não pagamos aos fornecedores porque fizemos investimentos».

A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Quais?!

O Sr. António Sales (PS): — Olhe para os investimentos! Olhe para o nível de investimentos!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Ora, que eu saiba, no tempo da troica nós construímos cinco

hospitais.

A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Cinco hospitais!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Quantos é que os senhores construíram? Zero!

Vozes do PSD: — Zero!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — E quando olhamos para os dados de execução orçamental, vemos

que o nível de investimento em 2015 foi de 102 milhões de euros, em 2016 foi de 87 milhões de euros,…

O Sr. António Sales (PS): — Veja a partir de 2016!

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O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — … em 2017 foi de 71 milhões de euros e em 2018 de 96 milhões de

euros. São estes os grandes níveis de investimento do Sr. Deputado.

Protestos do Deputado do PS António Sales.

Vivemos, de facto, uma situação particularmente difícil, porque o Serviço Nacional de Saúde está em situação

de stress, há riscos clínicos objetivos…

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Difícil, difícil agora é o tempo, Sr. Deputado. Faça favor de terminar.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente, agradecendo a tolerância.

A situação é grave e temos de encontrar uma base de entendimento.

Sr. Deputado António Sales, uma vez que ocupou metade da sua intervenção com o Partido Social

Democrata, devo dizer-lhe que tenho muito orgulho em ser social-democrata,…

O Sr. Luís Vales (PSD): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — … porque é um partido onde as pessoas vivem do confronto de

ideias, vivem do confronto de opiniões, e fazem-no de uma forma livre, com liberdade — uma palavra que os

partidos de esquerda têm muita dificuldade em encarar, infelizmente.

Se houvesse mais liberdade na gestão dos hospitais, hoje o Serviço Nacional de Saúde estaria melhor.

Aplausos do PSD.

Protestos do Deputado do BE Moisés Ferreira.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino

Canas, do PS.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Ontem, assistimos a mais

uma demonstração da força de uma invenção britânica que estrutura o sistema político europeu — a democracia

parlamentar.

A votação na Câmara dos Comuns — aliás, idêntica à registada na Câmara dos Lordes — é histórica pela

expressão da supremacia parlamentar e da derrota do Governo britânico, mas não é historicamente clarificadora.

Depois da rejeição do acordo de saída negociado pela Primeira-Ministra Theresa May com a União Europeia,

e depois de outra votação ocorrida há alguns dias, sabemos que o Parlamento do Reino Unido não quer algumas

coisas. Não quer uma saída desordenada ou sem acordo e não quer o acordo de saída negociado com Bruxelas.

Os motivos que juntaram 432 Deputados são, obviamente, discrepantes e, em alguns casos, até

contraditórios, mas é possível concluir que a chamada «cláusula do backstop», prevista no ponto 6.2 do

protocolo adicional sobre a Irlanda e a Irlanda do Norte foi causa determinante para muitos dos Deputados da

maioria de Governo votarem contra o acordo.

Para clarificação é pouco, e o Governo britânico, que daqui a horas assistirá à votação de uma moção de

não confiança, terá de fazer melhor.

A União Europeia aguarda, expectante e unida.

Já várias vezes se realçou e sublinha-se novamente: neste processo, a União Europeia deu uma excecional

prova de maturidade e de união dos restantes 27 Estados-Membros. Logo que foram conhecidos os resultados

do referendo, muitos populismos correram a comprar os confetti com que iriam festejar o dia da saída do Reino

Unido, o dia — antecipavam! — da derrota da Europa e, talvez até, o dia do início da sua desagregação.

Imaginaram uma Europa desorientada, vergada e suplicante perante o Reino Unido, triunfante exemplo a

seguir por mais alguns Estados-Membros.

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Os confetti vão ter de esperar por outra ocasião, porque o que efetivamente observamos e aplaudimos é uma

Europa tranquilamente preparada para tudo e um Reino Unido impreparado para lidar com os seus fantasmas

e com as suas contradições.

A União Europeia não tem poupado nas mensagens claras. Com as linhas vermelhas que as partes traçaram,

não é possível um acordo de saída diferente daquele que foi negociado.

Se o Reino Unido necessitar de mais tempo, terá mais tempo para o que quer que seja; se quiser anular a

sua notificação de retirada ao abrigo do artigo 50.º do Tratado da União Europeia, poderá fazê-lo; se quiser sair

sem acordo, lamentamos, pois será uma opção grave, mas estamos preparados com planos de contingência.

Não custa antever o que o Partido Socialista preferiria.

A Europa recebeu do Reino Unido um legado incomensurável. O sistema político comum à Europa não seria

o que é sem os contributos de John Locke, Thomas Hobbes ou Jeremy Benton. O nosso sistema económico

não teria a configuração que tem sem Adam Smith, John Stuart Mill ou John Maynard Keynes. Os nossos valores

fundamentais — de limitação do Governo, de liberdade e de tolerância — teriam soçobrado às mãos dos

populismos fascistas e nazis se os britânicos não tivessem liderado a resistência da Europa livre. A cultura

europeia seria bem diferente sem Shakespeare, os Monty Python ou os Beatles.

O Reino Unido é, indiscutivelmente, um artífice da construção da Europa tal como ela existe.

Para Portugal, o Reino Unido, ou, mais remotamente, a Inglaterra, tem um valor especial. São os amigos

com quem quase sempre estivemos do mesmo lado. Além disso, ligam-nos ao Reino Unido centenas de

milhares de portugueses que ali vivem, trabalham e estudam, e dezenas de milhares de britânicos que estão

em Portugal, para além de um relacionamento económico umbilical.

Repito: não custa perceber o que o Partido Socialista preferiria, através de novo referendo ou, simplesmente,

por as instituições democráticas do Reino Unido concluírem que a saída da União Europeia colocará problemas

insolúveis e que o melhor seria regressarem ao acordo negociado entre o ex-Primeiro-Ministro britânico e a

União Europeia antes do referendo.

A votação não clarificou, mas também não tornou este desenlace mais improvável. Compete, todavia, ao

povo do Reino Unido e às suas instituições decidirem o rumo que querem tomar.

Por sua parte, Portugal prepara-se para qualquer cenário, designadamente, desenhando e executando

planos de contingência para uma saída desordenada.

Não ignoramos que a comunidade portuguesa no Reino Unido e que a comunidade britânica em Portugal

não estão totalmente tranquilas, o que é compreensível. Porém, aquilo que sabemos, com base sólida, é que,

se houver saída desordenada, os britânicos em Portugal não sentirão um impacto significativo nas suas vidas,

e há boas razões para crer que o Governo britânico não quererá que os portugueses no Reino Unido vejam a

sua vida significativamente perturbada. Para isso trabalham o Governo, os serviços diplomáticos e consulares,

os departamentos da Administração Pública com responsabilidades conexas. Para isso, também estará aqui o

Partido Socialista pronto a promover e a apoiar quaisquer medidas com caráter de urgência que se mostrem

necessárias.

Termino, assinalando que qualquer que seja o resultado deste percurso conturbado, há algo que não

podemos ignorar: mesmo fora da União Europeia, uma relação futura sólida e próxima com o Reino Unido, quer

ao nível bilateral, quer no contexto da União Europeia, é crucial. Seja segundo o modelo norueguês, de que

agora se fala muito, ou outro qualquer, estamos condenados a uma relação estreita, não apenas no domínio da

defesa europeia, onde é imprescindível, mas também ao nível económico e comercial.

Por muita incerteza e falta de clareza que exista, isto é inequívoco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Sr. Deputado Vitalino Canas, inscreveram-se quatro Deputados para

formularem pedidos de esclarecimento.

Como deseja responder, Sr. Deputado?

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Dois a dois, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota

Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, cumprimento-o por ter

trazido este tema a Plenário, que está na ordem do dia depois da votação que vimos ontem acontecer no

Parlamento britânico.

Sr. Deputado, certamente, o que está a acontecer relativamente ao processo de saída do Reino Unido da

União Europeia, o Brexit — nenhum de nós desejaria que acontecesse o que está a acontecer, o CDS já o disse

muitas vezes —, é mau para a Europa, é mau para Portugal e também é mau para o próprio Reino Unido, mas

não pomos em causa, como é óbvio, a vontade soberana do povo britânico, que votou em referendo.

Se, nesse sentido, o que ontem aconteceu é um resultado indesejável, infelizmente já não é um resultado

improvável. Isto é, todos nós fomos percebendo, nomeadamente ao longo dos últimos meses, que o que ontem

sucedeu com esta votação, que deixa o Reino Unido sem um acordo de saída e sem um acordo de transição

para essa mesma saída, não era uma situação improvável. Diria que todos nós o percebemos, com exceção de

uma pequena aldeia, não de gauleses, mas neste caso de lusitanos, que é o Governo de Portugal, que até ao

dia de ontem sempre acreditou, com um otimismo irritante — e deixe-me usar esta expressão, Sr. Deputado,

porque é uma expressão que um socialista percebe facilmente —, que não viria a acontecer o que aconteceu

com aquela votação.

Isso, Sr. Deputado, deixa muitos portugueses que estão no Reino Unido a trabalhar numa situação em que

não sabem o que vai acontecer no seu futuro, e também não sabem, efetivamente, com que tipo de apoio podem

contar por parte do Governo português. A mesma coisa acontece relativamente às muitas empresas

portuguesas que estão a exportar para o Reino Unido, que é o nosso quarto maior parceiro comercial, do ponto

de vista dos produtos, e até o primeiro, do ponto de vista dos serviços. A verdade é que, ao dia de hoje, uma

empresa portuguesa não sabe que tipo de apoios poderá ter.

Uma empresa em Espanha, uma empresa na Irlanda, uma empresa na Holanda, uma empresa na Suécia,

uma empresa na Dinamarca já sabem com que tipo de apoios poderão contar, mas isso não acontece em

Portugal.

Por isso mesmo, Sr. Deputado, acompanho uma parte muito importante da sua intervenção, mas há uma

outra parte que não acompanho, e é sobre ela que lhe queria perguntar o seguinte: não lhe parece que o Governo

português «dormiu na forma», nesta matéria, e que adiou até ao limite do indesejável a apresentação de

soluções, que são essenciais, quer para os cidadãos portugueses, quer para as empresas portuguesas que

neste momento estão a exportar para o Reino Unido?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, começo por agradecer o tema que

trouxe hoje ao período de declarações políticas. Obviamente, todos nós percebemos a dimensão daquilo que

estamos aqui a discutir, até porque a comunidade portuguesa é uma das maiores comunidades no Reino Unido

e, portanto, toda esta matéria tem aqui uma influência grande.

Sabemos que o Brexit é um dos processos políticos mais complexos das últimas décadas, mas deixe-me

dizer-lhe que aquilo que mais se retira de todo este processo, seja da parte da União Europeia, seja da parte do

próprio Reino Unido, é um enorme sentimento de incerteza e de insegurança, acima de tudo, para todas as

comunidades — no nosso caso, para a comunidade portuguesa — que têm pessoas a trabalhar e a morar no

Reino Unido e que, desde o início, têm este sentimento que é muito difícil de dissolver.

Já ontem tivemos oportunidade de dizer ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que é normal que,

passado quase mais de um ano e meio desde o início de todo este processo, quando não houve uma posição

forte e clara desde o início, seja muito difícil reverter este sentimento de insegurança que a comunidade

portuguesa também tem vindo a demonstrar.

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As minhas questões prendem-se, essencialmente, com isso, porque, independentemente do que vá hoje

acontecer na votação da moção de censura, resta saber o que vai acontecer com a prorrogação de tempo que

poderá existir daqui para a frente.

Há a possibilidade de o Reino pedir a prorrogação do prazo para a saída da União Europeia, mas é essencial

perceber para que é que serve este tempo. Se não servir para negociar — o Sr. Deputado disse-o aqui, e já

outros Deputados disseram que este é o único acordo possível —, para que serve esta prorrogação de tempo?

Considera que esta prorrogação, que poderá vir a existir, pode melhorar as garantias que existem para a

comunidade portuguesa?

Nesse sentido, pergunto também se considera que o plano apresentado ontem pelo Sr. Ministro dos Negócios

Estrangeiros dá garantias sólidas à comunidade portuguesa.

Por último, face a este cenário e a um problema de tão grandes dimensões, não considera que a melhor

opção seria a realização de eleições?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados Pedro Mota Soares e Isabel

Pires as questões colocadas.

Gostaria de assinalar dois ou três aspetos. Em primeiro lugar, refiro-me à questão do otimismo. Não, não é

otimismo excessivo ou irritante, como o Sr. Deputado Pedro Mota Soares prefere! É, sim, realismo. É, sim, saber

como se negoceia e é, sim, saber transmitir os sinais corretos.

A Europa esteve envolvida numa negociação complicada, complexa, que durou quase dois anos, com o

Reino Unido. A Europa mostrou, desde o início, que pretende uma saída ordenada, uma saída regida por um

acordo. Se esse é o objetivo da Europa, não faz nenhum sentido que os Estados-Membros estejam ou a fazer

negociações bilaterais, que não fizeram, ou a criar planos de contingência que mostrem qualquer tipo de

desconfiança em relação ao resultado que se pretende atingir.

O Governo português está a agir no tempo certo. O Governo português está a agir quando existem

probabilidades sérias de que o Brexit se faça de forma desordenada. É isso que o Governo português está a

fazer e a programar, está a planear e a executar planos de contingência, que são planos adequados, como

tivemos oportunidade de ver ontem — e o Sr. Deputado também teve —, pela intervenção do Sr. Ministro dos

Negócios Estrangeiros.

Os portugueses podem estar tranquilos. O Governo português está a fazer tudo para que a sua vida não

sofra percalços, não sofra nenhum tipo de inconvenientes depois do Brexit, sobretudo se esse Brexit, ao

contrário daquilo que desejamos, se verificar de uma forma desordenada.

É claro que temos de saber para que é o tempo, Sr.ª Deputada Isabel Pires. Se o Governo britânico o pedir,

para que é esse tempo? Não é, certamente, para negociar ou renegociar o acordo, se as «linhas vermelhas»

que as partes estabelecerem se mantiverem. A Europa disse «não queremos dissociar nenhuma das quatro

liberdades, não queremos que elas sejam dissociadas, portanto, têm de ser todas negociadas em conjunto. Se

o Reino Unido quiser estar no mercado único, tem de aceitar as quatro liberdades» — esta foi a «linha vermelha»

estabelecida pela União Europeia.

Do lado britânico também há «linhas vermelhas», designadamente as questões relacionadas com a fronteira

entre a Irlanda e a Irlanda do Norte.

Com estas «linhas vermelhas», não é possível outro acordo, repito, não é possível outro acordo com estas

«linhas vermelhas». A Europa tem sido clara a dizer isso, mas é possível, porventura, negociar, continuar a

dialogar, se estas «linhas vermelhas» vierem a ser retiradas do percurso da negociação. Vamos ver.

Nesta altura, não compete à Europa fazer qualquer tipo de clarificação. Já dissemos tudo o que tínhamos a

dizer. Já dissemos que aceitamos aquilo que o Reino Unido e o seu povo quiserem — já o dissemos, com toda

a clareza —, compete, agora, ao Reino Unido, às suas instituições e ao seu povo, definirem aquilo que querem,

e nós cá estaremos com tranquilidade para negociar, para conversar e para fazer.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Passamos à segunda ronda de perguntas.

Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP, tem a palavra.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Vitalino Canas, a rejeição pelo

Parlamento britânico dos termos do acordo que foi negociado entre o Reino Unido e a União Europeia é, em si

mesma, inseparável das pressões, chantagens e manobras, quer das instituições da União Europeia, quer da

Grã-Bretanha, para procurarem reverter uma decisão legítima e soberana do povo britânico, pressões às quais

o próprio Governo português também não é alheio.

Ao longo de todo este processo, fomos vendo, de facto, um inaceitável comportamento, para que a decisão

do povo britânico não venha a ser concretizada.

Esta rejeição não é desligada da campanha política e ideológica que prosseguiu ao longo destes meses,

sempre dando conta de que a saída do Reino Unido da União Europeia, apesar de não haver qualquer

fundamentação para isso, seria um desastre, particularmente para o Reino Unido.

O que importa, Sr. Deputado, neste momento, para o PCP, é reiterar aquilo que temos vindo a afirmar ao

longo deste processo, que é o seguinte: o Governo português deve intervir, junto das autoridades do Reino

Unido e da União Europeia, para assegurar a defesa dos direitos dos cidadãos portugueses que trabalham e

vivem naquele país, nomeadamente o direito de residência, o direito à igualdade de tratamento, o direito de

acesso aos serviços públicos, cuidados de saúde, educação, o direito às prestações da segurança social, o

direito ao reagrupamento familiar, o reconhecimento mútuo das habilitações académicas e das qualificações

profissionais, e deve, ao mesmo tempo, tomar a iniciativa para o desenvolvimento de relações bilaterais

mutuamente vantajosas entre Portugal e o Reino Unido, no respeito da nossa soberania e também da do povo

britânico.

Por isso, Sr. Deputado, a questão que lhe queria colocar relaciona-se com o facto de, contrariamente àquilo

que referiu, o nosso País e o Governo estarem, mais uma vez, a correr atrás do prejuízo e estarem, mais uma

vez, subordinados às próprias diretrizes da União Europeia.

Portugal já devia ter iniciado o processo de preparação para qualquer cenário, independentemente do

desfecho do processo de saída do Reino Unido da União Europeia.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Portugal já devia ter iniciado o processo, nomeadamente no que diz respeito à salvaguarda dos direitos dos

cidadãos portugueses, mas, também, ao impacto da saída do Reino Unido nas suas diversas dimensões, mas,

saliento, do ponto de vista económico, em particular para as micro, pequenas e médias empresas, e para a

agricultura, no que diz respeito à manutenção da nossa soberania.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem mesmo de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Era sobre isso que questionava o Sr. Deputado. É que, contrariamente ao

que disse, não estamos a tempo, não estamos a cumprir com as responsabilidades, estamos, sim, atrasados e,

mais uma vez, subordinados às diretrizes da União Europeia e não a defender os interesses nacionais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rubina Berardo, do PSD.

A Sr.ª Rubina Berardo (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, gostaria de cumprimentar

o Sr. Deputado Vitalino Canas por trazer ao Parlamento este tema extremamente pertinente, especialmente no

dia em que ocorre, precisamente, a votação da moção de censura ao Governo de Theresa May, e, nesse sentido,

podermos debater a atualidade europeia no Plenário.

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Sr. Deputado Vitalino Canas, também é pertinente por causa das perigosas promessas eleitorais impossíveis

que certos políticos fazem ao eleitorado, ou seja, é uma mensagem para todos os partidos políticos de todos os

Estados-Membros, precisamente sobre essas promessas que são impossíveis de cumprir, como se nota neste

imbróglio relativo ao Brexit.

Nesse sentido, até parece que o PS, de certa forma e em parte, se antecipou ao debate sobre o Brexit, que

ocorrerá aqui, no Parlamento, amanhã, talvez devido à ausência de iniciativa legislativa própria do Partido

Socialista, ao contrário do PSD e do CDS, que trazem, precisamente, a necessidade dos planos de contingência.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Muito bem! Bem lembrado!

A Sr.ª Rubina Berardo (PSD): — Aliás, foram essas iniciativas legislativas que, de facto, impulsionaram o

Governo da República a trazer finalmente esta matéria a debate, após a insistência dos verdadeiros partidos da

oposição.

Relembro que o próprio estudo sobre as consequências do Brexit para a economia portuguesa foi também

impulsionado pelo PSD. O Governo andou a reboque e foi necessário a CIP (Confederação Empresarial de

Portugal) avançar.

Sr. Deputado, planos de contingência, estudos sobre a situação económica e sobre o impacto do Brexit não

se fazem por desconfiança sobre as negociações em curso, bem pelo contrário, são para mostrar que existe

algo preparado, para ver qual é a realidade e para chegar aos anseios da população, seja da comunidade

portuguesa residente no Reino Unido, seja da comunidade britânica residente em Portugal, seja das empresas

portuguesas que têm trocas comerciais com o Reino Unido.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Atenção ao tempo, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Rubina Berardo (PSD): — Temos de nos preparar para o pior, temos de esperar pelo melhor. E, Sr.

Deputado, o Governo deixou não cinco para a meia-noite, mas meia-noite e dez.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Sr. Deputado Vitalino Canas, tem a palavra para responder.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas Paula Santos e Rubina Berardo, agradeço as

questões, que me permitem desenvolver mais dois ou três tópicos importantes.

Começando com a ideia que tenho visto o PCP defender, de que este processo de saída do Reino Unido da

União Europeia está pejado de chantagens, sim, Sr.ª Deputada, há chantagem. Houve! Na campanha do

referendo, houve uma grande chantagem sobre o eleitorado britânico. E os resultados do referendo, se calhar,

teriam sido diferentes se essa chantagem não tivesse existido. E sabe, Sr.ª Deputada, que parte dessa

chantagem assentou numa mentira, a mentira de que a permanência do Reino Unido na União Europeia estava

a permitir que o Reino Unido fosse inundado por estrangeiros, incluindo portugueses. Ou seja, quando falamos

de chantagem, temos de saber que essa foi a chantagem principal que existiu, a de haver quem defendesse

que o Reino Unido deveria sair da União Europeia, de forma a evitar que estrangeiros fossem para o Reino

Unido, incluindo portugueses.

Sr.ª Deputada, deveríamos ter isso em conta, porque é historicamente relevante e importante.

Sr.ª Deputada, quando diz que o Governo português deveria intervir junto do Governo britânico, para

salvaguardar a posição dos portugueses, estamos de acordo, e o Governo português está a fazer isso. Ouvimos

ontem o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros dizer que, não havendo negociações bilaterais entre Portugal e

o Reino Unido, está convencido de que a posição portuguesa, que é a de unilateralmente conceder aos cidadãos

britânicos residentes em Portugal todos os direitos que eles têm hoje, será seguida, também, pelo Governo do

Reino Unido. Existe uma base de confiança e de boa-fé que permite ao Governo português dizer isso e vamos

confiar que essa boa-fé esteja correta.

A Sr.ª Deputada disse que Portugal já devia ter iniciado negociações bilaterais para construir com o Reino

Unido uma relação futura depois do Brexit. Não concordo com isso, Sr.ª Deputada. Se os 27 Estados-Membros

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estivessem, todos eles, a fazer isso, estaríamos a cometer um erro grave. Negociar bilateralmente com o Reino

Unido seria criar condições para uma saída totalmente desordenada, em que cada um se salvava como pudesse.

Não seria correto, não seria adequado, e o Estado português não o fez.

Sr.ª Deputada Rubina Berardo, vou deixar passar a ideia que nos quis transmitir, de que o Governo português

só está a fazer os planos de contingência porque o PSD tomou uma iniciativa… Ó Sr.ª Deputada, como é que

isso é possível?! O Governo português está a fazer os planos de contingência na mesma altura em que os outros

Governos o estão a fazer e na sequência daquilo que foi decidido ao nível da União Europeia.

Foi o PSD que convenceu, também, a União Europeia, a Comissão Europeia, a definir diretivas para os

planos de contingência?!

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Não foi, certamente, Sr.ª Deputada.

Queria finalizar, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: não estamos apenas no processo do Brexit, estamos,

também, num processo de derrota dos populismos, porque o Brexit é, se vier a verificar-se, o êxito de um

determinado populismo. Por isso, devemos procurar derrotar o Brexit e, sobretudo, tentar derrotar que ele se

faça de uma forma desordenada. É para isso que o Governo português está a contribuir e é isso que estamos,

também, a tentar fazer nesta Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Estamos em condições de passar a outra declaração política.

Tem a palavra, para esse efeito, o Sr. Deputado Luís Monteiro, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje é noticiado que temos 17 000

alunos à espera de saber se têm bolsa de estudo. É um problema que não é novo mas que se agravou este

ano. Comparando com o período homólogo do ano passado, a situação agravou-se em mais de 4000 casos.

Todos os anos, as notícias relativas aos atrasos nas bolsas de ação social do ensino superior ocupam

manchetes de jornais. Ainda que, no início da Legislatura, o Governo tivesse feito um esforço no sentido de

garantir mais celeridade no processo, através do Programa Simplex, a situação mantém-se. O sistema é arcaico,

o regulamento de bolsas é burocrático e quem depende desse apoio para se manter a estudar fica «de mãos a

abanar».

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É isso mesmo! Bem dito!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Estarão os bolseiros condenados aos mesmos atrasos em cada ano letivo?!

Terão os bolseiros de viver «com o coração nas mãos», meses a fio, à espera de uma decisão sobre se têm ou

não direito a bolsa?! Será que os bolseiros não merecem mais respeito? Será que não merecem ser tratados

com mais dignidade?

A nossa resposta é clara e já apresentámos propostas, aqui mesmo. Por várias vezes, trouxemos a debate

a proposta de consagração do dia 31 de dezembro como limite máximo para a transferência da primeira tranche

das bolsas, mas PS, PSD e CDS rejeitaram a proposta do Bloco de Esquerda. Foi uma oportunidade perdida e

os bolseiros não esquecem.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Bem lembrado!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Mas o debate não é só sobre prazos, Srs. Deputados, é também sobre a

eficácia da ação social. Por isso mesmo, também apresentámos uma proposta para alargar o número de

estudantes abrangidos pela ação social, mas, mais uma vez, PS e PSD chumbaram a nossa proposta. Os

bolseiros não esquecem, nós não esquecemos.

Foi em 2010 que o ensino superior assistiu ao maior corte em bolsas de ação social. Quem estava no

Governo era o Partido Socialista e quem lhe deu a mão para cortar foi o PSD. Perdemos praticamente um terço

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dos estudantes bolseiros, o que, conjugado com uma política de propinas agressiva, os deixou sem qualquer

hipótese de prosseguir estudos ou ingressar no ensino superior.

O Governo da direita apenas manteve a lógica de asfixia do financiamento e, hoje, mais de metade das

bolsas de ação social pagam apenas o valor das propinas. A desresponsabilização do Estado é inequívoca, na

medida em que apenas 40% do financiamento da ação social é garantido via Orçamento do Estado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Ou seja, temos um sistema que depende de fundos estruturais e, por isso

mesmo, um sistema que oferece menos garantias e mais atrasos aos estudantes.

Apesar de estarmos a percorrer um caminho de recuperação da eficácia da ação social, ainda estamos longe

dos números de 2010, o ano em que a ação social foi brutalmente reduzida. É esse o problema que queremos

atacar, numa visão articulada e estrutural.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Porém, sabemos que os problemas não se ficam por aqui e o diagnóstico é

conhecido. Segundo o último estudo produzido pelo Conselho Nacional de Educação, Estado da Educação

2017, continuamos a ser um dos países onde o fosso entre o valor da propina praticado e o financiamento da

ação social direta é mais elevado. Ao mesmo tempo, somos um dos países da OCDE (Organização de

Cooperação e Desenvolvimento Económico) e da União Europeia onde o valor das propinas é mais alto.

Resumindo, o que o diagnóstico nos diz é que o ensino superior não é para todos. É essa a acusação que a

OCDE faz, demonstrando que Portugal continua aquém da meta, apontada para 2030, de ter 40% de diplomados

entre os 30 e os 34 anos.

A falta de eficácia da ação social, a pouca abrangência do seu regulamento ou o valor absurdo das propinas,

que ainda persiste em Portugal, são fatores que servem de travão ao acesso ao ensino superior.

O ano de 2019 é, por isso, histórico no que diz respeito ao início das respostas a estes problemas. Em boa

hora, o Bloco garantiu a descida do valor máximo das propinas em 212 €, um pequeno passo para iniciar um

caminho que garanta um Estado social onde ninguém fique para trás, caminho, esse, que temos de continuar

até à eliminação das propinas.

No entanto, as mudanças na ação social também são essenciais e, por isso, iremos reapresentar as nossas

propostas para a sua melhoria.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sabemos bem que a discussão sobre o futuro do ensino superior não passa

pela chantagem feita pela direita, que contrapõe as escolhas entre mais bolsas ou menos propinas. Como nos

mostra a sua atuação no Governo, a direita quer mesmo propinas em alta e bolsas em baixa, que é como quem

diz: o ensino superior não é para quem quer, é para quem pode! Tal não passa sem a nossa denúncia e o nosso

combate.

Aplausos do BE.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É necessário descontaminar a discussão. Se queremos um ensino

superior robusto, democrático e universal, como emana da Constituição da República Portuguesa, então, não

se pode continuar a ensaiar uma espécie de guerra entre direitos.

O acesso a um ensino superior livre de propinas não se contrapõe ao direito de acesso às bolsas de ação

social e a capacidade de investimento em mais ação social não obriga à existência de propinas. Enganam-se

aqueles que, assustados com a ideia do fim das propinas e um ensino superior para todos, utilizam a chantagem

para negar direitos aos estudantes.

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Este é um debate de futuro para o País. Queremos mesmo cumprir as metas apontadas para 2030?

Queremos mesmo mais estudantes no ensino superior? Então, temos de investir nesse objetivo, garantindo

direitos e inclusão, não deixando ninguém pelo caminho, devido a dificuldades económicas.

O Bloco cá estará, para todos os combates.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Srs. Deputados, a Mesa regista as inscrições de quatro Srs. Deputados

para pedirem esclarecimentos e foi informada de que o Sr. Deputado Luís Monteiro responderá dois a dois.

Para pedir esclarecimentos, em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Batista, do PSD.

O Sr. Álvaro Batista (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Luís Monteiro, ao ouvir a sua

intervenção, a única expressão que me ocorria era: «consciência pesada». Quando é que o Bloco deixou de

apoiar o Governo da geringonça? É óbvio que nunca. Tem a consciência pesada!

O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Álvaro Batista (PSD): — Sr. Deputado, quem aprovou todos os Orçamentos da geringonça tem de ser

responsável pelos seus insucessos. Assim, este debate só pode significar, para além de uma grande hipocrisia,

o reconhecimento da incapacidade do Bloco e da esquerda radical para resolver os problemas do País, também

no ensino superior.

O Bloco apoia o Governo, mas falta-lhe o que é preciso para o obrigar a conceder bolsas de estudo a tempo

e a concretizar o programa de regularização dos vínculos precários.

O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Álvaro Batista (PSD): — Não tem, também, o Bloco o que faz falta para saber assumir as suas

responsabilidades pelas desastrosas políticas deste Governo para o ensino superior.

Em dezembro de 2018, tinham sido pagas menos 4500 bolsas de estudo do que em 2017. Como parceiro

deste Governo, o que é que o Bloco fez para resolver o problema?

Hoje, em janeiro de 2019, quando nos preparamos já para o início do segundo semestre, 17 000 estudantes

continuam sem saber se vão ou não ter bolsa de estudo. Qual é a culpa do Bloco?

Hoje, praticamente a meio do ano letivo, há 33 000 estudantes — 33 000! — a aguardar resposta definitiva

do Governo sobre se vão ou não ter bolsa de estudo.

No anterior Governo, do PSD e do CDS, o prazo de decisão para a atribuição das bolsas passou de 100 para

40 dias e o seu valor aumentou 200 €. Além disso, no ano letivo de 2014/2015, o número de estudantes bolseiros

aumentou em 6000. No anterior Governo, mesmo apesar da troica, de má memória, que o PS ofereceu ao País,

tudo melhorou na concessão de bolsas aos estudantes do ensino superior.

Passados quatro anos, com a conivência do Bloco e do PCP, tudo está pior.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Baixaram as propinas! Upa!

O Sr. Álvaro Batista (PSD): — E o que fez o Bloco? Veio para aqui chorar-se e «sacudir a água do capote»,

mas as pessoas lá fora sabem que são «lágrimas de crocodilo».

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Muito bem!

Protestos da Deputada do PCP Carla Cruz.

O Sr. Álvaro Batista (PSD): — Sr. Deputado, foram apresentados mais de 3200 requerimentos de

regularização de vínculos precários no ensino superior, a maioria dos quais continua pendente.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Sr. Álvaro Batista (PSD): — Termino já, Sr. Presidente.

Esta situação é responsabilidade deste Governo e do Bloco, que lhe aprovou os Orçamentos.

Desde setembro do ano passado que se conhecem os resultados do concurso de estímulo ao emprego

científico individual de 2017. Passados muitos meses, ainda não há contratos assinados, por culpa do Governo

e de quem o apoia, o Bloco e o PCP.

Sr. Deputado Luís Monteiro, os estudantes que pediram bolsas e os docentes e investigadores precários do

ensino superior não querem lamúrias, não querem «desculpas de mau pagador», não querem teatros, não

querem «lágrimas de crocodilo».

O Sr. Presidente (PSD): — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

O Sr. Álvaro Batista (PSD): — Termino já, Sr. Presidente.

Querem, sim, seriedade e responsabilidade, querem os seus problemas resolvidos, e têm direito a isso. O

que é que o Bloco vai fazer?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS, para pedir

esclarecimentos.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Monteiro, muito obrigada pelo tema

que trouxe a debate.

Sr. Deputado, acho que os bolseiros também não esquecerão que o Grupo Parlamentar do CDS propôs,

neste Orçamento do Estado, o aumento da ação social escolar, justamente no mesmo montante em que os

senhores pretendiam — e conseguiram — descer as propinas. Resultado? A ação social escolar vai ficar,

essencialmente, no mesmo valor, mas os filhos dos mais favorecidos estão bastante agradecidos pela borla de

200 € que os senhores lhes concederam.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Portanto, este é um pequeno passo que os ricos agradecem e não

deixa de ser extraordinário que tenha sido o Bloco de Esquerda a conseguir essa proeza.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Os ricos?!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Deputado, o sistema de ensino superior tem crescido e deve

continuar a crescer, com uma conjugação entre propinas e uma ação social escolar forte e justa. Como sabe, o

custo de um estudante no ensino superior anda, em média, na casa dos 5000 €, dos quais as propinas

representam um quinto. Portanto, não sei se o Sr. Deputado acredita mesmo que seja por causa de um quinto

deste valor que se impedem estudantes de aceder ao ensino superior.

No CDS, sabemos que a forma certa de concretizar esta democratização, que parece ser um objetivo

consensual, é ajudar quem não pode lá estar hoje em dia, é ajudar quem não consegue aceder ao ensino

superior, não é financiar mais quem já pode.

Portanto, Sr. Deputado, alertava-o para que tivesse alguma cautela, porque as suas opções ideologicamente

puras e asséticas, em cima de um sistema que está subfinanciado, podem ter dois efeitos colaterais óbvios.

Primeiro, podem fazer disparar as propinas do 2.º ciclo, que parece ser agora o grande objetivo de

qualificação dos portugueses, com o qual estamos de acordo. Portanto, para ajudar quem mais pode, prejudica

aqueles que já não conseguem chegar ao 1.º ciclo e nem com o 2.º ciclo podem sonhar.

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Mas, pior do que isso, podem pôr em causa a qualidade do sistema de ensino superior público em Portugal,

à conta de uma má gestão de prioridades e de uma má gestão do financiamento público, do dinheiro do

Orçamento do Estado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Monteiro, para responder.

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero agradecer as questões colocadas

pelo Sr. Deputado Álvaro Batista e pela Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

Começo por dizer ao Sr. Deputado Álvaro Batista que, de facto, já discutimos por várias vezes um assunto

que nem sequer está em debate hoje, que é a questão da precariedade no ensino superior e na ciência. E é

interessante reparar que o Sr. Deputado vai escolhendo um de entre dois discursos: às vezes, diz que o

PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública) serve

para regularizar os boys da esquerda radical;…

O Sr. Álvaro Batista (PSD): — Também!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — … hoje, parece que já é bom e o Governo é que não cumpre.

Bem, precisamos de saber exatamente se o Sr. Deputado, hoje, escolhe o insulto aos precários da ciência,

que é o que tem feito na comissão e em Plenário, ou se está realmente preocupado com o atraso na resposta

ao PREVPAP. Nós estamos preocupados com esse atraso, mas quem tem dado a mão aos Srs. Reitores, nesse

aspeto, têm sido o PSD,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Ah! O PSD é que é Governo?!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — … o PS e o CDS, não tem sido o Bloco de Esquerda.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Portanto, sobre má consciência, estamos conversados.

Sabe qual foi o ano em que houve menos bolsas de ação social no ensino superior? Foi em 2013! Sabe qual

foi o ano em que houve menos investimento do Orçamento do Estado em bolsas de ação social no ensino

superior? Foi em 2013! Talvez não seja necessário relembrar quem governava nessa altura…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Muito bem!

Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Seja sério!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Foi mais ou menos quando deram a «bolsa» ao Salgado!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, é interessante que agora esteja preocupada

que a descida do valor das propinas das licenciaturas possa fazer disparar as propinas do 2.º ciclo.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não pode fazer disparar, já fez disparar!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr.ª Deputada, há um ano, apresentámos uma iniciativa que garantia o

congelamento do valor das propinas dos 2.º e 3.º ciclos e o CDS votou contra,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Pois!

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Vozes do CDS-PP: — Não!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — … porque acha que as propinas dos 2.º e 3.º ciclos devem ser ainda mais

agravadas.

Protestos da Deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa.

Sentem-se à vontade com a situação! Agora que se baixaram as propinas das licenciaturas, dizem que estão

preocupados com o 2.º ciclo.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Estou, claro!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr.ª Deputada, é um grande descaramento!

Protestos do CDS-PP.

Tivessem votado a favor da nossa proposta de congelamento desses valores!

Diz a Sr.ª Deputada que a redução das propinas é uma ajuda aos mais ricos, mas engana-se!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Pelo contrário!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Não é a redução das propinas que é regressiva,…

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — É, é!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — … a existência das propinas é que é regressiva.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — O próprio Tribunal Constitucional, em 1994, disse uma coisa muito simples: a

introdução de uma lógica utilizador/pagador só vai ajudar as famílias com mais capacidade e vai prejudicar as

famílias com mais dificuldade.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não, por causa da ação social!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Portanto, Sr.ª Deputada, se quer fazer uma discussão sobre isso, também a

nível jurídico, aconselho-a a revisitar esse acórdão, ao invés de usar sempre a mesma ladainha, que já está

gasta, pois nem sequer o Sr. Presidente da República a acompanha nisso.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Passamos ao segundo conjunto de pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do PCP.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Monteiro, o aumento do investimento no

ensino superior e na ação social escolar é precisamente o caminho que o PCP defende.

Nós dizemos que a resposta não pode ser só numa das vias, tem de ser nas duas: o reforço do investimento

no ensino superior, uma lei justa que elimine as propinas e, ao mesmo tempo, um aumento e um reforço da

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ação social escolar, e um aumento na abrangência, sendo esse um caminho que tem de ser feito e trilhado

nestas duas vias.

Há outros partidos que não podem dizer o mesmo, para quem a universalidade dos serviços públicos e o

cumprimento da própria Constituição é uma confusão e que não percebem que é por via da diferenciação dos

impostos que a justiça social é efetivamente alcançada.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — E mais: são partidos que também têm uma bagagem pesada, porque, em 9

de janeiro de 2015, saiu uma notícia que dava nota que dos 86 000 pedidos de bolsa apenas 62 000 processos

tinham sido despachados. Portanto, esses partidos não podem vir agora queixar-se da situação atual sem querer

saber daquilo que fizeram na altura em que foram Governo. Portanto, sejam agora coerentes!

Reconhecemos que é grave que, volvidos quatro anos, haja ainda 17 000 estudantes que aguardam resposta

ao seu pedido de atribuição de bolsa. Mesmo que fosse um só, era gravíssimo! Se às propinas, à falta de

alojamento em residências, ao aumento dos custos de arrendamento, aos custos de frequência com materiais

escolares e outros, ainda acrescentarmos atrasos no pagamento das bolsas, temos um cocktail explosivo que

pode resultar na exclusão de milhares de estudantes por insuficiência económica.

Aquilo que gostaríamos de perguntar, Sr. Deputado Luís Monteiro, é se efetivamente o caminho é aquele

que a direita aponta, de continuar a exclusão, de continuar a elitização, de continuar o agravar das dificuldades

no ensino superior e na ciência, ou tem de ser aquele que o PCP propõe, que é o do aumento do investimento

no ensino superior público, a revogação das propinas e também a necessidade do aumento quer dos montantes

das bolsas, quer da abrangência da ação social escolar. Tem de ser, efetivamente, um caminho de maior justiça,

que seja feito desta maneira.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro

Delgado Alves, do PS.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Luís Monteiro,

saúdo a temática que aqui trouxe, que é, de facto, fundamental e importante até para que se consiga precisar

essa mesma temática e para que os partidos à nossa direita compreendam algumas das questões que passam

ao lado do debate.

É interessante e fascinante ouvir o Sr. Deputado Álvaro Batista queixar-se do procedimento de integração de

precários, quando não me recordo de uma iniciativa, da parte do PSD, de qualquer manifestação de

preocupação com o PREVPAP, seja no âmbito geral, seja no âmbito do ensino superior, e aquilo que o PSD

teria para oferecer seria, seguramente, zero colocações em regularização de vínculos precários. Mas, de

repente, com as vestes rasgadas, vem colocar aqui o tema, como se o atraso — que, de facto, é preocupante e

deve ser objeto de resolução — fosse a questão principal.

Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, com todo o respeito, também penso que faz uma leitura errónea do que é a

realidade social, quando diz que uma redução de propinas beneficia os ricos. Gostava de perceber qual é o

conceito de ricos em que uma redução de propinas, no valor proposto para o próximo ano, não tem um impacto

fundamental nos orçamentos das famílias, mesmo quando elas não são elegíveis para a ação social escolar.

Claro que tem, porque não olhamos apenas para aqueles que têm a maior necessidade, e que são os

beneficiários da ação social escolar, olhamos para o conjunto da classe média, que também tem de ter acesso

ao ensino superior e que hoje, infelizmente, não tem, por causa das barreiras que as propinas representam.

Mas neste debate queria abordar a questão primeira que o Sr. Deputado Luís Monteiro colocou, que é

importante e fundamental e que tem a ver com os atrasos. Efetivamente, há registo de atrasos, que se devem,

em grande parte, a problemas informáticos da migração para o novo sistema, mas gostaria de sublinhar que o

esforço de desburocratização que foi inserido no regulamento também é um passo dado no sentido de agilizar

e diminuir a carga burocrática. Infelizmente, não correu bem, no sentido de que há problemas informáticos a

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resolver, mas o desiderato e o propósito mantêm-se e, da nossa parte, contará com o nosso apoio para procurar

resolver e colaborar com o Governo, no sentido de ultrapassar este problema.

E disto isto, num debate sobre financiamento do ensino superior e sobre custos, é importante que recordemos

aquilo que o atual Governo e a atual maioria que o suporta têm feito, porque o balanço é positivo, seja no

Programa +Superior, em que se majorou o valor anual da bolsa de mobilidade, seja no valor do complemento

de alojamento, que aumentou, passando a poder ir até 40% do IAS (indexante dos apoios sociais), seja nas

medidas adotadas em relação aos estudantes com necessidades especiais, que também passam a ter acesso,

como antes não tinham, à atribuição de bolsas, seja através da já referida redução de propinas, seja através da

previsão que temos vindo sistematicamente a inserir em Orçamento do Estado.

Fica, pois, demonstrado que aquilo que a Sr.ª Deputada do PCP também dizia é o que está a ser feito: olhar

para os dois lados do problema, aumentar e reforçar a capacidade de apoio da ação social direta e indireta e

aumentar, através da redução das propinas, o rendimento disponível dos agregados familiares.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Mas, acima de tudo — e queria deixar esta nota para concluir esta intervenção —, o ambicioso programa de

construção de residências, inovador, que, pela primeira vez, encara o problema do alojamento como estruturante

para qualquer estudante do ensino superior e que, graças também aos esforços que esta maioria foi

introduzindo, representa um número muito substancial.

Portanto, neste sentido, Sr. Deputado, enfatizaria aquilo que está a correr bem, mas também concordo que

há muito trabalho ainda por fazer, para o qual estamos disponíveis.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Monteiro.

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero agradecer as questões colocadas

pela Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do PCP, e pelo Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do Partido Socialista, e

aproveitaria para responder em conjunto a algumas das questões que, na verdade, se articularam.

A primeira refere-se à importância de uma resposta nas várias vias: por um lado, combater as propinas que

temos hoje e, por outro lado, garantir um sistema de ação social mais robusto e capaz de resolver os problemas.

Aliás, sobre esta matéria convido os Srs. Deputados a atentarem no argumentário que a direita tem utilizado

muitas vezes, principalmente nestes últimos meses, após a descida das propinas: acusam a maioria

parlamentar, que aprovou a descida das propinas, de, com esta medida, aumentar os impostos, dizendo: «Só

vão conseguir baixar as propinas se aumentarem os impostos». Mas, depois, quando propõem mais bolsas de

ação social já não dizem que se aumentam os impostos.

Portanto, é todo um argumentário altamente falacioso sobre as contas do Estado e que esquece uma coisa

importantíssima: o sistema de impostos que temos no País é um sistema de impostos progressivo e, por isso,

quem ganha mais, paga mais e, quem ganha menos, paga menos. E é justamente a partir daí, é justamente a

partir dessa coleta que se investe na universalidade do Estado social e dos serviços públicos.

Portanto, não, Srs. Deputados, não se promove a equidade no acesso ao ensino superior à porta das

faculdades, com o cheque da propina; a equidade no acesso ao ensino superior faz-se, sim, com base num

sistema de impostos progressivos, e é isso que a direita tanto quer atacar, porque não concorda com aquilo que

a Constituição da República Portuguesa diz, nomeadamente sobre a gratuitidade progressiva de todos os graus

de ensino. É isso que chateia os «falcões» neoliberais que neste momento querem, sim, apostar numa mera

lógica de serviço de ação social que responde apenas a uma minoria daqueles que não conseguem aceder ao

ensino superior, ao invés de apostar na universalidade do sistema.

Protestos do Deputado do PSD Jorge Paulo Oliveira.

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Para terminar, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, a questão dos precários. Nós já conhecemos bem a

complicada situação em que a direita se encontra também neste aspeto: votou contra o PREVPAP e agora

queixa-se de que, na verdade, quer que o PREVPAP seja bem-sucedido. É extraordinário, é extraordinário! Um

dia insultam os precários da ciência,…

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Pare de enganar os trabalhadores!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — … dizendo que são os boys dos partidos da esquerda, e, no dia a seguir, dizem:

«Bem, mas estas pessoas que trabalham tanto precisam de ser integradas nas instituições de ensino superior».

Não há maior ladainha nem maior fantochada do que a relação que tem, neste momento, o argumentário da

direita com a realidade.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Fantochada foi aquilo que os senhores fizeram aos trabalhadores da

função pública!

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Mas, Sr. Deputado, é importante, sim, garantir que o Partido Socialista e o

Governo vão para além daquilo que têm feito também, nomeadamente, em relação ao PREVPAP, e não podem

continuar a dar as mãos aos reitores que declaradamente têm boicotado a integração dos precários nas

instituições.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma nova declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia

Fonseca, do CDS-PP.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2017 o País ardeu,

morreram mais de 100 pessoas e falou-se de floresta.

Em 2017, o País secou e pouco se viu e ouviu sobre o assunto, à exceção da falta de água que assolou

Viseu e que levou o Governo a uma patética ação de transporte de água entre barragens.

Fora isso, que é muito pouco, diga-se de passagem, há um setor da economia que tem estado, desde 2016,

afastado do discurso público e político. É o setor agroalimentar e, com ele, todo o mundo rural.

Falar de agricultura, para o PS, é falar de vacas voadoras e de cabras sapadoras.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Estes são termos que podem parecer muito simpáticos e muito

engraçados para os portugueses urbanos, mas que são um desrespeito para quem vive da terra,…

Aplausos do CDS-PP.

… para todos os homens e mulheres que trabalham 365 dias por ano, de sol a sol, para produzir os alimentos

que todos os dias os restantes 10 milhões de portugueses colocam nas suas mesas, para cuidar da paisagem

que todos os restantes admiram quando vão passear ao fim de semana.

O PS, mais uma vez, falhou num setor essencial para o País. Decididamente, PS e mundo rural são dois

termos que não combinam.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Esta é, aliás, uma marca distintiva do PS: sempre que o PS governa,

a agricultura e os agricultores sofrem.

Aplausos do CDS-PP.

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E, nos últimos anos, o PS tem-no feito com o silêncio cúmplice das esquerdas unidas, que esquecem,

desprezam e ignoram todo o mundo rural e quem vive do campo.

Srs. Deputados, este é um Governo PS que diz querer travar o abandono do território, mas que não investe

no setor agrícola nem no mundo rural, limita-se a anunciar medidas propagandísticas que não saem do papel.

O PDR 2020 (Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020), que é o principal instrumento de

financiamento do setor, ao fim de quatro anos está com uma execução de apenas 50%, mas o PS congratula-

se com isso. Faltam dois anos para terminar o Programa e são milhares os projetos que aguardam no corredor

da morte anunciada.

Este Governo quis ser o Robin dos Bosques, mas tornou-se no Xerife de Nottingham.

A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Daquilo que sabemos do próximo período de programação de fundos

comunitários, o País vai perder 15% das verbas para o desenvolvimento rural, mas o Governo do PS acha uma

negociação positiva, porque os agricultores terão, no final, mais ou menos a mesma verba disponível, o problema

será mesmo para o Governo, que vai ter de despender mais do Orçamento do Estado.

Para este Governo, qualquer cêntimo do Orçamento do Estado colocado no setor agrícola, é um cêntimo

desperdiçado noutros setores capturados por preconceitos ideológicos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — O Governo do PS apresentou recentemente o seu Programa Nacional

de Investimentos 2030 (PNI 2030), que diz ser um documento estratégico para fazer face às necessidades e

desafios das próximas décadas. Mas, mais uma vez, o setor agrícola e o mundo rural são esquecidos ou

relegados para segundo plano.

Vejamos: nesse documento, o Governo identifica as alterações climáticas como um enorme desafio que o

País vai ter de enfrentar, mas preocupa-se apenas em mitigar, descarbonizando, esquecendo a necessidade de

adaptar. E como vai o Governo do PS descarbonizar? Investindo na mobilidade elétrica e reduzindo as vacas,

em 40%, até 2050.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Uma vergonha!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — E o que esquece o Governo do PS de adaptar? Não tem 1 € para o

armazenamento de água. Num país que é dos que mais vai sofrer com os eventos climáticos extremos, onde

todos os especialistas dizem que vai haver mais períodos curtos de chuva intensa e secas mais prolongadas, é

urgente, num documento que se diz estratégico, garantir que se vai investir no armazenamento de água, quando

ela cai, para a poder usar nos períodos em que falta. E vai faltar, Srs. Deputados, não apenas para a agricultura,

mas também para o abastecimento público. Aliás, vimos o que se passou em Viseu, em 2017.

Se dúvidas houvesse, basta perceber que o PNI 2030 fala em armazenamento de água apenas para o

regadio. São 750 milhões de euros. É muito, poderão pensar alguns, mas é muitíssimo pouco, se pensarmos

que são apenas 3% dos mais de 20 000 milhões de euros do PNI 2030.

Aliás, quando se fala de água — e dou o exemplo da bacia do Tejo, que é a mais problemática do País —, o

Sr. Ministro do Ambiente diz: «que estranho seria se os rios não corressem para o mar». E o Sr. Ministro da

Agricultura, quando confrontado com a não inclusão de um projeto de regularização de água do Tejo no PNI

2030 — o Projeto Tejo —, afirma que não existe um projeto mas apenas uma ideia visionária de projeto.

O Governo do PS vem, mais uma vez, deixar a sua marca de total desconhecimento e desvalorização do

importante papel do mundo rural.

Nos anos de 2011 a 2015, quando Portugal esteve a recuperar da bancarrota em que o Partido Socialista o

colocou, foi o setor agrícola que puxou pela economia. Nesse período, as exportações cresceram mais do que

o resto da economia, o que não acontece agora.

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Infelizmente, esse não é o legado que o PS vai deixar. As exportações estão a crescer a uma taxa muito

inferior e o défice da balança comercial do setor está a agravar-se.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, os agricultores não precisam que o Governo lhes dê «saquinhos de

dinheiro», que, aliás, o Sr. Ministro da Agricultura diz não ter para dar. Os agricultores precisam de um Ministro

da Agricultura que tenha peso político no Governo e em Bruxelas…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — … e que garanta as verbas necessárias, cá dentro e lá fora, seja para

capacitar e impulsionar os mais competitivos e empreendedores, seja para apoiar os mais pequenos, menos

especializados e que, apesar de não serem competitivos, mantêm e ocupam o território e prestam os tão falados

«serviços de ecossistemas».

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Os agricultores precisam que o Ministro da Agricultura os compreenda

e que os defenda dos ataques dos seus colegas de Governo, como quando o Ministro do Ambiente diz querer

acabar com as vacas até 2050 ou que, para resolver o problema das alterações climáticas e da falta de água,

só têm de ser mais eficientes no regadio.

Infelizmente, os agricultores sabem há muito que não podem contar nem com o PS, nem com esta maioria,

capturada por preconceitos ideológicos contra a propriedade privada, contra as empresas, contra a produção

animal e contra o lucro.

Mas o CDS, em matéria de agricultura, mais uma vez, diz «presente», e diz «presente» com coerência,

porque o que defendemos hoje é aquilo que fizemos ontem e aquilo que projetamos para amanhã.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Sr.ª Deputada, tem quatro pedidos de esclarecimento. Como deseja

responder?

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Responderei a cada dois Srs. Deputados, conjuntamente, Sr.

Presidente.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Assim sendo, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Carlos

Matias, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, antes

de mais, devo felicitá-la por trazer aqui a temática da agricultura e do mundo rural.

Quero dizer-lhe que falar de agricultura e de mundo rural também combina com falar da Casa do Douro e do

Douro. A Região Demarcada do Douro é a mais antiga região demarcada da produção de vinhos, remonta a

1756, visando garantir a qualidade e a regulação dos vinhos do Porto e o seu comércio e evitar os efeitos

nefastos da atividade dos comerciantes ingleses. Desde então, a Região Demarcada do Douro, assim como a

produção de vinho do Porto obedecem a especiais cuidados na sua regulamentação, com um importantíssimo

papel desempenhado pela antiga Casa do Douro, uma instituição de referência na região duriense.

Em 2014, o anterior Governo resolveu aproveitar a fragilidade da Casa do Douro, fruto de gestões infelizes

e incapazes, para acabar com ela enquanto associação pública. Num processo extremamente conturbado e

litigioso — que ainda prossegue hoje, nos tribunais, com protagonistas ansiosos de poder —, a nova Casa do

Douro foi atribuída a uma fundação privada. Foi um processo lamentável ao qual nem faltou um assalto com

arrombamento ao icónico edifício no Peso da Régua. Um processo no qual o CDS, o seu partido, e o Ministério

então dirigido pela atual Sr.ª Deputada Assunção Cristas, que, por sinal, no dia em que é suscitada a discussão

da agricultura nem sequer está presente no Plenário,…

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — E a Deputada Catarina Martins?!

O Sr. Carlos Matias (BE): — … manobraram os cordelinhos e a que a anterior maioria de direita forneceu o

suporte político.

Estamos, agora, na fase final de um processo legislativo desencadeado por iniciativa do Bloco de Esquerda,

visando restaurar a Casa do Douro como associação de direito público e de inscrição obrigatória.

Esta manhã — e a Sr.ª Deputada também lá estava — ouvimos, em comissão, um alargado leque de

protagonistas da região do Douro. Ouvimos todos com atenção, mas não podemos deixar de sublinhar a posição

unanimemente adotada pela Comunidade Intermunicipal (CIM) do Douro, constituída por 19 municípios, sendo

12 de maioria PSD, 6 de maioria PS e um independente. A Comunidade Intermunicipal pronunciou-se, por

unanimidade, pela restauração da Casa do Douro como associação de direito público e de inscrição obrigatória

para todos, visando regular o comércio das uvas na região e a bolsa do vinho generoso.

Sr.ª Deputada, perante a posição unânime destes autarcas, profundos conhecedores da região,…

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Há para todos os gostos!

O Sr. Carlos Matias (BE): — … sobre os quais não recairá, certamente, a suspeição de serem perigosos

extremistas radicais,…

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Isso, não, porque não temos lá disso!

O Sr. Carlos Matias (BE): — … é tempo de o CDS reconhecer a instabilidade e o passo em falso para os

quais contribuiu decisivamente e de passar, também, a defender a restauração da Casa do Douro como

associação pública de inscrição obrigatória e com poderes de regulação.

Isto, Sr.ª Deputada, tem tudo a ver com o mundo rural, tem tudo a ver com a agricultura,…

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sim, sim!

O Sr. Carlos Matias (BE): — … tem tudo a ver com a paisagem, tem tudo a ver com a nossa economia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Sr. Deputado Nuno Serra, do PSD, tem agora a palavra, para pedir

esclarecimentos.

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por cumprimentar a Sr.ª Deputada

Patrícia Fonseca pelo tema que aqui trouxe, pela relevância que tem esta área económica do nosso País.

Quero, também, dizer-lhe que as suas palavras mostram bem que existe um completo desnorte deste

Governo quanto ao mundo rural. Aliás, não é só um desnorte, é um desprezo e também uma falta de visão

estratégica em relação à agricultura nacional, que tem permitido que o Ministro da Agricultura esteja

completamente comandado e preso aos preconceitos ideológicos dos partidos de extrema-esquerda e a

medidas de outros membros do Governo que estão completamente alheados da importância do setor primário

para Portugal. Exemplo disso, Sr.ª Deputada, é o facto de o Ministro da Agricultura estar preso às sucessivas

cativações e à falta de investimento a que o Ministro das Finanças tem sujeitado o setor agrícola.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Apesar de o Ministro da Agricultura acenar com 50% da execução global do

PDR (Programa de Desenvolvimento Regional), a verdade é que, em 2018, tivemos apenas 10% de execução

deste Programa, ao contrário dos anos anteriores, em que tivemos 13%, aliás, tal como o investimento, que foi

reduzido a menos de metade do que era em 2012, 2013 e 2014.

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Outro exemplo é termos o Ministro preso aos objetivos impostos pelo Ministro do Ambiente, para quem o

mundo rural e a atividade agrícola são uma mera paisagem, mostrando a maior das desorientações.

Vejamos: o Ministro do Ambiente quer diminuir a água para a agricultura, o Ministro da Agricultura apresenta

um Programa Nacional de Regadios; o Ministro do Ambiente quer reduzir o efetivo bovino, o Ministro da

Agricultura diz que não; o Ministro do Ambiente quer aumentar a área de floresta e de eucalipto nos próximos

30 anos, o Ministro da Agricultura quer proibir. Depois, vemos também o Ministro da Agricultura aprisionado a

um conjunto de decisões e de afirmações da Ministra da Cultura que põem em causa atividades tão importantes

para o mundo rural.

No final de tudo, quem é que manda? Qual é o caminho que temos para a agricultura em Portugal? Qual é a

política agrícola nacional? Quem a define? Quem manda? É o Ministro das Finanças, o Ministro do Ambiente, a

Ministra da Cultura ou, mesmo, lá no fundo, o Ministro da Agricultura?

Sr.ª Deputada, deixo-lhe as seguintes questões: considera ou não, tal como o PSD tem defendido, que é

urgente desenvolver uma estratégia para a política agrícola nacional? Concorda ou não que o Ministro da

Agricultura tem tido falta de afirmação política dentro do seu atual Governo? Considera ou não que o Ministro,

preso às finanças, ao ambiente, à cultura, aos partidos da extrema-esquerda, tem liberdade para criar, inovar e

dinamizar o mundo rural?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, tem a palavra para responder.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, queria agradecer ao Sr. Deputado Carlos Matias e ao

Sr. Deputado Nuno Serra pelas questões que me colocaram e que são muito pertinentes.

Sr. Deputado Carlos Matias, gostaria de lhe dizer que lamento que a visão para a agricultura e a estratégia

para o setor agrícola do Bloco de Esquerda se limitem à Casa do Douro.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Zero!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — De facto, estive hoje presente, tal como o Sr. Deputado, na audição,

com um enorme conjunto de entidades que vieram falar da Casa do Douro e das suas preocupações. O que

ouvimos foi que a CIM defendeu algo que não representava todas as freguesias que lá estavam também e que

não se sentiam representadas. Mas, sobretudo, Sr. Deputado, ouvimos os produtores, todos aqueles que

produzem vinho, porque a Casa do Douro não é das autarquias,…

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Nem é dos políticos que querem mandar para lá!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — … é dos viticultores, é dos que produzem e vendem vinho, e é a esses

que a Casa do Douro deve servir. A Casa do Douro deve servir os interesses dos viticultores durienses e deve

continuar a pacificar e a deixar pacificado o setor vitícola duriense. Foi isso que ouvimos dizer de quem

representa o setor e que está contra o projeto do Bloco de Esquerda, apoiado, também, pelo projeto do PS.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — No que diz respeito às questões do Sr. Deputado Nuno Serra, queria

dizer-lhe que, de facto, não podia estar mais de acordo com aquilo que nos apresenta. Aliás, ouvimos o Sr.

Ministro do Ambiente dizer que quer menos vacas e vimos o Sr. Ministro da Agricultura vir logo a correr dizer

que a redução de bovinos não vai resolver a descarbonização. Vimos a Sr.ª Ministra da Cultura defender uma

cultura do gosto, dizendo que é uma questão civilizacional…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

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A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — … e proferir um ataque às tradições do mundo rural, tendo

imediatamente alguns Deputados do Partido Socialista defendido o setor.

O Sr. João Dias (PCP): — Vocês é que não o defendem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Ouvimos, também, o Ministro do Ambiente dizer que é preciso poupar

água e que, em caso de seca, em vez de aumentarmos a capacidade de armazenamento, temos de regar

menos, o que é um contrassenso completo.

Quanto ao PDR, o Sr. Ministro da Agricultura passa a vida a dizer que o PDR está muito bem e que se sente

muito contente por isso, mas tenho aqui uns gráficos que mostram claramente que o PDR está muito, muito,

muito abaixo dos próprios objetivos a que o Governo se propõe, porque o Governo tem colocado, todos os anos,

menos de 100 milhões de euros do Orçamento do Estado no PDR. Aliás, é curioso que o PDR esteja com uma

execução de 50% e que aquilo que tem salvado a sua execução seja o tão malfadado buraco dos 200 milhões

das agroambientais. Não fossem as agroambientais e o PDR estaria pelas ruas da amargura, sem qualquer tipo

de execução, estaria mesmo abaixo dos 30%!

Este Ministro da Agricultura está capturado pelos interesses da esquerda. Aliás, nem sequer serve os

próprios interesses da esquerda, porque até o Partido Comunista ficou muito descontente com o estatuto da

agricultura familiar que tanto tem defendido.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Atenção ao tempo, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Nem sequer o Partido Comunista Português ficou contente com o que

o Governo prometeu e que, afinal de contas, não deu.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Passamos, agora, à segunda ronda de perguntas.

Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Dias, do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de cumprimentar a Sr.ª Deputada Patrícia

Fonseca pelo tema relevante que traz — a agricultura e o mundo rural.

Quando ouvi inicialmente a sua declaração política e começou por dizer que o País ardeu e secou, falando

também da destruição do setor agroalimentar, até tive uma réstia de esperança de que o CDS fizesse hoje, aqui,

um ato de contrição e reconhecesse as responsabilidades que tem na destruição da agricultura nacional e até

mesmo nos trágicos incêndios de 2017, que são também responsabilidade vossa.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Os boys que foram despedidos eram vossos! Essa responsabilidade

é vossa! Está nas vossas mãos!

O Sr. João Dias (PCP): — Se pensam que vêm aqui esconder as vossas responsabilidades, estão muito

enganados!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Dias (PCP): — Querem fazer parecer que não têm essas responsabilidades e querem fazer

esquecer as pesadas responsabilidades que tiveram no Ministério da Agricultura, nomeadamente quando

estiveram no Governo, mas a Sr.ª Deputada Assunção Cristas teve mesmo a responsabilidade de destruir

praticamente todo o setor florestal com a transferência de mais de 150 milhões de euros para o agronegócio da

indústria da floresta.

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Têm pesadas responsabilidades, porque foi a vossa Ministra que levou à desistência de milhares de

pequenos agricultores, que foram obrigados a coletar-se só para vender um ramo de salsa. Vejam bem ao que

isto chegou! Foi também a vossa Ministra que aprovou a lei contra os baldios, contra a propriedade comunitária.

Mais, e já aqui se falou disso, é também da vossa responsabilidade, é da responsabilidade do CDS a

destruição da Casa do Douro, que a entregou à gestão privada, bem como todo o seu riquíssimo património,

que tanta falta faz à produção vinícola.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Dias (PCP): — Quiseram destruir aquele que é um património dos viticultores do Douro! O CDS

não tem memória e vem aqui dizer que está «presente», mas a única coisa que tem presente é o compromisso

com o agronegócio! Isso, sim, vocês têm presente!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — «Vocês» é lá com os camaradas do Partido Comunista em Beja!

O Sr. João Dias (PCP): — Quanto ao PDR 2020, que vocês estão aqui a questionar, no tempo em que foram

Governo, no tempo do PRODER, não esquecemos que os fundos foram, essencialmente, para o grande

agronegócio, numa distribuição perfeitamente desigual. Muitos e muitos agricultores, aqueles que mais

precisavam, ficaram de fora do acesso aos fundos, tendo sido atribuídos 80% dos fundos a apenas 20% dos

agricultores.

Ainda agora falou do estatuto da agricultura familiar. Devo dizer-lhe que, naturalmente, não esperava que

falasse da agricultura familiar, nem da pequena e média agricultura. Temos uma oportunidade e daqui lançamos

um desafio ao Governo e ao PS para que, nesta solução política que conseguimos, se publique o estatuto da

agricultura familiar.

Precisamos de mais, precisamos de um conjunto de medidas que sejam implementadas, precisamos que

este estatuto venha a ser efetivo e venha a beneficiar a pequena e média agricultura, pois nem a Sr.ª Deputada,

nem o CDS, nem o PSD estão para aí virados — estão, sim, virados para o agronegócio. Para isso, sim, dizem

que estão presentes!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Sr. Deputado João Castro, do PS, tem a palavra, para pedir

esclarecimentos.

O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começaria por cumprimentar o

CDS e a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca pela declaração política que nos trouxe. Embora discordando

profundamente do seu conteúdo, fazemos votos de que a repita muitas vezes, pois foi bastante esclarecedora

daquilo que nos diferencia.

Aproveitava para sublinhar o cumprimento do Programa do Governo para a agricultura portuguesa, aprovado

nesta Casa, com destaque para o prosseguimento da internacionalização, com a abertura de novos mercados,

sendo o exemplo mais recente o da China, reafirmando a organização e a competitividade do setor e

corroborando o crescimento das exportações na ordem dos 6%.

Sublinho o cumprimento do Programa do Governo destacando ainda a discriminação positiva da pequena

agricultura e a agricultura familiar em implementação, a reforma da floresta e a valorização do território, com a

realização de três reuniões do Conselho de Ministros sobre esta temática, aprovando mais de 18 diplomas que

visam reunir condições de irreversibilidade nas políticas prosseguidas, em complemento da regulamentação já

em vigor, com o reforço do Fundo Florestal Permanente, com o cadastro — estando já mais de metade dos

prédios rústicos identificados e cartografados —, prevendo-se o seu alargamento a todo o País após conclusão

das experiências-piloto em 10 municípios, ou com a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, que não

existia.

Mais: o setor conta com um orçamento global do Ministério da Agricultura na ordem dos 2000 milhões de

euros, preconiza uma nova orgânica para o ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas),

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aumentando a capacidade, os meios humanos e materiais, para corresponder às suas intervenções, depois de

o vosso Governo o ter despido.

Em relação às medidas dirigidas ao regadio, face à vitória do financiamento externo obtido junto do BEI

(Banco Europeu de Investimento) no Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), estando Portugal nas

melhores execuções orçamentais no contexto europeu, com despesas contratadas que já ultrapassam 1500

milhões de euros, nunca se pagou tanto e, pasme-se, nunca se pagou tão cedo, afetando mesmo recursos

significativos para adiantamentos.

Protestos da Deputada do CDS-PP Patrícia Fonseca.

Sr.ª Deputada Patrícia, ainda bem que o CDS agora diz estar presente. Já o devia ter dito antes, mas ainda

bem que o diz agora.

Neste contexto, deixava a seguinte questão: depois do buraco financeiro herdado,…

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Buraco?!

O Sr. João Azevedo Castro (PS): — … de cerca de 300 milhões de euros das medidas agroambientais,

como bem se lembra, como vê uma execução financeira do PDR de 100%, repito de 100%, como se tem

verificado nos últimos três anos, que vai ao encontro das expectativas e dos desafios que se colocam à

agricultura nacional?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, queria agradecer aos Srs. Deputados João Dias e

João Castro as questões que me colocaram e a oportunidade que me dão de vos esclarecer.

Sr. Deputado João Dias, não estava cá no início desta Legislatura, mas tem graça, porque, quando este

Governo tomou posse, foi assim que comecei a minha intervenção, precisamente sobre a Casa do Douro e

sobre os baldios…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É verdade!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — … e o facto de este Governo estar capturado aos interesses do PCP

para destruir aquilo que se tinha conseguido fazer…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — … para democratizar o acesso de todos os fregueses aos baldios e

para pacificar a Casa do Douro, da qual já falei na minha intervenção anterior.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exatamente!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Portanto, Sr. Deputado, quanto às responsabilidades que o CDS tem

para com o setor agrícola, temos muito orgulho nisso, porque deixámos o setor muito melhor do que o

encontrámos. Deixámos um setor dinâmico, pujante e com dois tipos de agricultura. O Sr. Deputado,

provavelmente, não ouviu, mas, durante a minha intervenção, tive oportunidade de referir que, para além dos

competitivos, tínhamos de apoiar os mais pequenos, os menos especializados e que, apesar de não serem

competitivos, se mantêm e ocupam o território.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora!

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A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Aquilo que nos distingue, Sr. Deputado, é que os senhores só querem

os pequenos e nós entendemos que tem de haver lugar para os pequenos e para os grandes. Este é o facto

que nos distingue.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Ao Sr. Deputado João Castro queria dizer que não posso deixar de

achar graça a algumas coisas que aqui nos diz.

Afirma que cumpriram o Programa do Governo, que abriram o mercado. Sr. Deputado, ouvi o Sr. Ministro da

Agricultura dizer, pelo menos, três vezes que tinha aberto o mercado da China. Disse tantas vezes que até

cheguei a pensar que haveria várias Chinas e que eu é que não conhecia muito bem a geografia.

Protestos do Deputado do PS João Azevedo Castro.

Finalmente, o mercado da China foi aberto. Todos os outros mercados que o Sr. Ministro tem aberto, foram-

no a reboque daquilo que a União Europeia também tem aberto, em vez de ir procurando, proativamente, outros

mercados.

Ainda bem que os abre! Todos aqueles que abrir são bem-vindos, porque são uma oportunidade para que

no setor agrícola os pequenos e grandes exportem, coloquem os nossos produtos lá fora…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — … e, com isso, vendam mais, exportem mais, criem riqueza e também

tragam a Portugal os estrangeiros que querem provar os nossos produtos.

O Sr. Deputado falou-nos depois dos diplomas, do Conselho de Ministros, do cadastro, do Fundo Florestal

Permanente… Lá está! De facto, corresponde, tal e qual, àquilo que eu disse da tribuna: o PS faz anúncios,

anúncios, anúncios propagandísticos que não saem do papel. Não basta legislar, Sr. Deputado. Não vale a pena

legislar muito quando se legisla mal. É preciso, isso sim, executar no terreno. Mas as medidas não saem do

papel.

Quanto à execução do PDR 2020, os senhores teimam em confundir os portugueses, dizendo que executam

100%, mas é 100% daquilo que está previsto para o ano. É que se tivessem executado 100% já não teriam

dinheiro para gastar.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora!

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Mas, mesmo aquilo que os senhores se propõem gastar, veja bem,

Sr. Deputado, não é executado.

Todos os anos, no Orçamento do Estado, o Sr. Ministro diz que vai gastar 100 milhões de euros. E o Sr.

Ministro nunca gastou 100 milhões de euros do Orçamento do Estado. O Sr. Ministro, em 2016, gastou 90

milhões, o que não foi 100%. É sempre abaixo. Aliás, o quadro e o gráfico que lhe mostrei são perfeitamente

claros e elucidativos daquilo que estou a dizer.

Por isso, Sr. Deputado, há 24 000 projetos que não se sabe onde estão e aos quais o Ministério não dá

resposta.

Eu ando na rua, tenho contacto com agricultores…

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Como eu estava a dizer, ando na rua, tenho contacto com agricultores todas as semanas e aquilo que oiço

é que têm muitas saudades do Governo anterior, porque, de facto,…

O Sr. João Azevedo Castro (PS): — É, é! As saudades vão ver-se já em outubro!

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A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Os agricultores dizem que têm muitas saudades do Governo anterior,

porque agora o investimento não descola, não há pagamentos feitos e os projetos estão pendurados na

Autoridade de Gestão, nos corredores do Ministério, e não há possibilidade de investir.

Sr. Deputado, de facto, há uma grande diferença que nos separa!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Srs. Deputados, vamos passar ao ponto seguinte da ordem do dia, com

a apreciação da Petição n.º 477/XIII/3.ª (José Miguel Cardoso Marques e outros) — Solicitam a realização de

auditoria à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Peço aos Srs. Deputados que pensam intervir neste ponto o favor de se inscreverem.

Tem, desde já, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Sandra Pereira.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O direito de petição é um instrumento

cada vez mais importante e privilegiado de aproximação e participação política dos cidadãos. Por isso, quero,

desde já, cumprimentar os 4523 peticionários que, através do exercício do direito de petição, se dirigiram à

Assembleia da República, concretizando um direito e uma liberdade.

Os peticionários têm direito, independentemente do objeto da petição, a que esta seja recebida pelos poderes

públicos e que por eles seja devidamente apreciada — como, efetivamente, o foi — e a eles cabe,

exclusivamente, a conformação do objeto da petição.

Posto isto, cumpre dizer que os peticionários se dirigiram à Assembleia da República e também ao Primeiro-

Ministro, à Sr.ª Ministra da Justiça, ao Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, ao Bastonário

da Ordem dos Advogados, ao Bastonário da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, ao Presidente

da Direção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e ao Conselho de Fiscalização da mesma,

solicitando a realização das diligências necessárias e adequadas à efetivação de uma auditoria contabilística,

financeira, de gestão, externa e independente, à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Pretendem, assim, aferir da robustez económica e financeira da Caixa de Previdência e da sua

sustentabilidade a longo prazo e pretendem, também, que se proceda a uma análise dos exercícios desde 2008

até ao presente, apurando todas as responsabilidades dos respetivos decisores.

Sr.as e Srs. Deputados, a natureza jurídica da Caixa de Previdência, uma instituição de previdência autónoma,

com personalidade jurídica, com regime próprio e com gestão privada, limita muito o alcance das pretensões

aqui aduzidas pelos peticionários, sob pena de violação do princípio constitucional de separação de poderes.

Não obstante, consideramos que as preocupações sociais dos peticionários com a sustentabilidade

financeira da CPAS (Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores) obrigam, naturalmente, a uma

reflexão e são plenamente compreensíveis, atendendo ao crescendo das contribuições pagas pelos advogados

sem o correspondente aumento dos benefícios.

Sr.as e Srs. Deputados, o PSD não é indiferente aos inúmeros problemas e constrangimentos sentidos por

advogados e solicitadores, um pouco por todo o País, nesta matéria, assim como noutras matérias relativas ao

exercício da sua profissão. É necessário reconhecer um conjunto de pretensões relativas ao exercício da

profissão de advogado.

Os advogados estagiários, por exemplo, defrontam-se com inúmeras dificuldades no início da profissão e

não podem ser, de forma nenhuma, os novos escravos. A advocacia, hoje, exerce-se de forma diferente, há

mais advogados, há muita precariedade. A advocacia individual e tradicional passou a exceção e a regra são as

grandes sociedades. Por isso, naturalmente, exigem-se novas respostas.

Sr.as e Srs. Deputados, e para terminar, não se fará verdadeira justiça com advogados vulneráveis nos seus

direitos e na penúria. O País deve refletir sobre as condições de exercício da advocacia, perceber as suas

dificuldades, quer as dos advogados quer as dos advogados estagiários, intervir de forma a valorizar a profissão

— que é uma profissão nobre e digna — e assegurar direitos, especialmente os direitos de proteção social.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José

Manuel Pureza.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A saúde financeira e a

sustentabilidade da CPAS é, há muito, um problema que se mantém em aberto.

O regime contributivo recentemente reformado, digamos assim, é um problema adicional, que acrescenta

gravidade a este primeiro, justamente porque a capacidade de, como agora mesmo foi dito, a CPAS dar uma

resposta acrescida que corresponda ao acréscimo de responsabilidades contributivas por parte dos advogados

continua a ser uma realidade pouco clara.

É evidente que há, nesta situação, nesta interrogação, nesta dúvida, uma responsabilidade acumulada ao

longo do tempo por parte de profissionais que falharam prolongadamente no cumprimento das suas obrigações

contributivas ou que descontam significativamente menos do que aquilo que deveriam descontar para a Caixa

de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Mas, mais do que responsabilidades passadas, é de problemas presentes que estamos aqui a tratar com

esta petição. O problema tem um nome e ele é: precarização do exercício da advocacia em Portugal e na

generalidade dos países.

Na verdade, o perfil desta profissão mudou, mudou significativamente, e do velho modelo do profissional

liberal, com escritório individual ou com escritório de pequena sociedade, passámos, claramente, a um dualismo

entre grandes sociedades, em que a precariedade reside, justamente, em jovens advogados, numa — diria—

multidão de jovens advogados estagiários, assalariados, portanto, e, por outro lado, pequenos escritórios, onde

a luta pela sobrevivência é o dia a dia.

É esta situação, esta condição social e económica que requer um direito à segurança social que seja justo e

que seja sustentável.

Ora bem, o regime hoje em vigor é assumido, é percecionado, é experimentado por um número significativo

de profissionais da advocacia como um regime que não é justo. Não é justo.

Justamente, o cálculo do esforço contributivo, feito com base no rendimento líquido presumido e não com

base no rendimento efetivo, havendo muitas vezes discrepâncias muito significativas entre os dois, por um lado,

e, por outro lado, taxas contributivas que estão fixadas num crescimento muito rápido — de 21% para 24%,

entre 2018 e 2020 —, a que acresce, ainda, a atualização em virtude da indexação pela remuneração mensal

mínima garantida, tudo isto faz com que este seja um problema efetivo, a que importa dar resposta e ao qual

esta Assembleia tem de dar toda a atenção. Portanto, a exigência de fiabilidade tem de ser máxima.

Do nosso ponto de vista e dentro dos condicionalismos — que a Sr.ª Deputada Sandra Pereira agora mesmo

sublinhou — que têm que ver, naturalmente, com o respeito escrupuloso que temos de ter nesta matéria, e em

todas as outras, pelo princípio da separação de poderes, a realização de uma auditoria, com os contornos que

estão colocados nesta petição, facilitaria a perceção, por parte dos profissionais da advocacia, da solidez da

CPAS, ou falta dela.

Portanto, do nosso ponto de vista, pode ser um instrumento que contribui para a credibilização de um

instrumento que está falho de credibilidade.

Não compreendemos, e com isto termino, o argumento de algumas pessoas, desde logo, alguns advogados,

que invocam que a realização de uma auditoria constituiria um abalo na confiança daquela instituição. Cremos

que não é assim.

O abalo à confiança é a falta de sindicabilidade, a falta de escrutínio por parte de uma entidade independente

que contribua para clarificar serenamente os contornos da dimensão da questão.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva para uma intervenção.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, antes de mais,

saudar os Srs. Peticionantes que estão presentes e os demais subscritores, no total de 4523, que pretendem

basicamente aquilo que já aqui disseram os Srs. Deputados Sandra Pereira e José Manuel Pureza e que é a

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realização de uma auditoria contabilística, financeira, de gestão e legal à Caixa de Previdência dos Advogados

e Solicitadores a fim de se aferir da sua robustez económica e da sua sustentabilidade financeira.

O problema, segundo os peticionantes, tem que ver com as alterações feitas em 2015, em que foram, em

nome da sustentabilidade desta Caixa, alteradas e aumentadas as taxas contributivas e, por isso, há agora

alguns problemas, tendo os peticionantes essa visão do problema.

A CPAS é um subsistema da segurança social para profissionais independentes, advogados e solicitadores,

e que sempre assentou nos mesmos princípios. Isso não mudou, nem com as alterações de 2015.

Houve, realmente, um aumento gradual das taxas com vista à sua sustentabilidade, como disse, mas quem

tem esta tutela é o Governo e o Governo garante que a sustentabilidade da Caixa está assegurada, pelo menos,

até 2031.

Percebemos as preocupações e as dificuldades e nem sequer ignoramos que a CPAS nem sempre teve a

dimensão assistencialista, que devia ter, e que hoje em dia ainda não tem por completo, mas a verdade é que

foi havendo algumas melhorias e, nos últimos anos, foram sendo feitas algumas alterações que melhoraram

bastante o domínio assistencialista desta Caixa.

Lembro, por exemplo, algumas alterações, recentes, já deste Governo, e, portanto, estou completamente à

vontade para as promover, nomeadamente a promoção da equidade do esforço contributivo dos beneficiários

ou a eliminação da obrigatoriedade contributiva dos beneficiários estagiários.

Lembro também a suspensão do pagamento de contribuições nas situações de incapacidade temporária

para o trabalho por motivo de doença grave ou de situação particular de parentalidade.

Lembro a alteração da forma de apuramento da base de incidência contributiva, que passou a estar

dependente do conceito indexante contributivo atualizado com base no índice de preço no consumidor, entre

outras alterações que foram feitas recentemente e que ajudaram a melhorar o estado de coisas atual.

O CDS não vê uma enorme necessidade desta auditoria, mas, naturalmente, não se opõe a ela. Mal não fará

seguramente e, portanto, se o Governo quiser fazê-la, não temos nenhuma posição de princípio contra.

Contudo, esta Assembleia da República já fez o seu trabalho nessa matéria: remeteu para os Ministérios

responsáveis este pedido dos peticionantes para que o Governo, assim querendo, determine esta auditoria.

A Assembleia da República não tem a competência de o poder fazer por si só e, portanto, se o Governo a

quiser fazer, da nossa parte, não há nenhum problema quanto a isso, mas acreditamos — mal de nós se não

acreditássemos — que, de facto, a sustentabilidade está garantida até 2031. O que é preciso é continuar a

melhorar o sistema e a assegurar a sustentabilidade e também o lado assistencialista, que não deve faltar a

esta Caixa de Previdência.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do

PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queríamos, em primeiro lugar, saudar os

peticionários e dizer que o debate que se realizou há uns meses em torno da Caixa de Previdência dos

Advogados e Solicitadores produziu os seus efeitos. Teve consequências aqui, na Assembleia da República,

onde nos pronunciámos sobre esta matéria e onde, inclusivamente, houve foi aprovada uma resolução.

Mas os alertas relativamente à situação em que estavam, designadamente, os jovens advogados, perante

as obrigações contributivas estabelecidas no Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e

Solicitadores, levaram a que esta questão fosse efetivamente objeto de debate e que, desde a apresentação e

tramitação desta petição até à data de hoje, se tenham verificado, de facto, vários desenvolvimentos que são

consideráveis e que importa assinalar.

Aquilo que é objeto desta petição não é concretizável por esta Assembleia, ou seja, não é esta Assembleia

que vai decidir a realização de uma auditoria à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores — isso só

poderá ser feito por entidades que tenham uma tutela direta sobre esta entidade.

Porém, na sequência, até, da resolução da Assembleia da República, houve uma comissão que funcionou,

com representantes da Ordem dos Advogados, da Caixa de Previdência, dos Ministérios envolvidos,

nomeadamente o da Segurança Social e o da Justiça, e, de certa forma, foi auditada a situação da Caixa de

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Previdência e foram adotadas medidas que entraram em vigor no passado mês de dezembro com o decreto-lei

de 21 de dezembro, que visa corresponder a algumas questões que foram suscitadas, designadamente aos

advogados que não estão em situação de contribuir nos termos que o Regulamento previa. Podemos dizer que

essas medidas resultam de chamadas de atenção que foram feitas relativamente à situação muito complicada,

se não impossível de concretizar, com que muitos advogados se viram confrontados.

Esta Caixa de Previdência tem uma dificuldade à partida, na medida em que é um regime mais próximo de

um fundo de pensões do que, propriamente, do regime geral da segurança social. Isso é efetivamente um

dificuldade congénita com que estamos confrontados.

De facto, a situação de precarização que afeta milhares de advogados no nosso País, particularmente os

mais jovens, coloca grandes dificuldades de resposta às obrigações contributivas. Também advogados que

estejam numa situação de incapacidade, ainda que temporária, para o exercício da profissão, tendo em conta

que há um défice grande em matéria assistencial da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, ficam

numa situação de prática impossibilidade de contribuir.

Sublinho que este diploma, que entrou em vigor a 21 de dezembro de 2018, há muito pouco tempo, procura

dar resposta a algumas questões e fá-lo, até, correspondendo a objeções que foram colocadas por quem se

tem vindo a pronunciar sobre esta matéria, por quem tem vindo a chamar a atenção para os problemas mais

graves.

Esperemos que tenha, de facto, um efeito, mas essa é uma matéria para a qual estamos evidentemente

disponíveis para acompanhar e procurar intervir no sentido de corrigir injustiças que sejam detetadas

relativamente ao regime contributivo específico para os advogados. Contarão com a nossa compreensão e com

a nossa participação por forma a poder resolver o melhor possível estes problemas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Tavares, do

PS.

A Sr.ª Carla Tavares (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, antes de mais, saudar o Dr.

José Miguel Marques, primeiro subscritor da petição hoje em discussão, e, na sua pessoa, todos aqueles e

aquelas que a subscreveram, e foram mais de 4000, e, bem assim, todos os advogados que diariamente tem

um papel fundamental, insubstituível na realização da justiça e, sobretudo, no acesso a ela, enquanto direito

fundamental que é.

Ora, a presente petição reveste-se da maior importância e surgiu num momento em que os advogados se

manifestaram profundamente desagradados e, sobretudo, preocupados quanto ao seu futuro e ao perigo que

consideravam existir de colapso da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Importa, no entanto, desde logo, referir que a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores é uma

instituição de previdência autónoma, de gestão privativa e que tem como objeto a previdência e proteção social

dos advogados e associados da Ordem dos Solicitadores, cabendo por isso ao órgão de fiscalização da CPAS,

e não à Assembleia da República, a verificação da prestação das suas contas.

Acresce que os peticionantes referem também a degradação progressiva das condições económicas dos

beneficiários da CPAS, bem como a inexistência de contrapartidas em termos previdenciais semelhantes

àquelas que existem no sistema de segurança social, nomeadamente em matéria de parentalidade,

incapacidades, apoio a filhos e doença. Alertam para o facto de os advogados e, bem assim, os associados da

Ordem dos Solicitadores continuarem a ter pouca proteção na parentalidade e muito pouca proteção na doença

e em situação de impossibilidade de prestação de trabalho.

Na verdade, recorde-se, os advogados não têm licença de parentalidade, nem direito a baixa por doença e

os apoios que existem têm sido por todos reclamados como insuficientes, para não dizer inexistentes.

Sr.as e Srs. Deputados, a verdade é que este é o tempo em que tem havido, por parte quer da sociedade,

quer do Governo e também da União Europeia, a preocupação em que haja um alargamento do reconhecimento

de direitos sociais, tais como o subsídio da parentalidade, de doença e de desemprego, aos trabalhadores

independentes. Esta situação é já uma realidade no nosso País desde 1 de janeiro de 2019 com a entrada em

vigor do novo Regime Contributivo dos Trabalhadores Independentes, pelo que, atualmente, quer os advogados,

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quer os solicitadores não abrangidos por este Regime são talvez os únicos profissionais aos quais não são

reconhecidos estes direitos.

Ora, parece-nos que é precisamente aqui que devem ser centradas as nossas atenções, não podendo deixar

de ser referida a proposta de recomendação do Conselho Europeu relativa ao acesso à proteção social dos

trabalhadores seja por conta de outrem, seja também por conta própria, profissionais liberais incluídos. Essa

recomendação insta os países-membros da União Europeia a criar condições que garantam o acesso a apoios

sociais obrigatórios na parentalidade, na doença a todos os trabalhadores, sejam eles, ou não, profissionais por

conta de outrem. Ou seja, também os profissionais liberais estão abrangidos por esta recomendação.

Esta, sim, deve ser a nossa prioridade e deve ser aqui que devemos focar a nossa atenção na preparação

do futuro.

Em suma, importa, sim, que haja uma justa correspondência entre os rendimentos auferidos, as contribuições

pagas e as contrapartidas sociais dela decorrentes. Os advogados e solicitadores não devem continuar a ser

tratados de forma desigual quer na doença, quer na parentalidade.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem estado atento e é sensível a esta realidade. Aliás, estamos a

trabalhar numa solução que possa contribuir para que a profissão de advogado ou solicitador possa ser exercida

de uma forma mais digna no que respeita ao exercício da parentalidade e, bem assim, em caso de doença.

Os advogados e solicitadores são agentes fundamentais para a realização da justiça e devem, por isso, ser

também tratados com justiça.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Passamos à apreciação da Petição n.º 489/XIII/3.ª (Pedro Miguel Dias

Vaz Paulo e outros) — Solicitam referendo sobre a legislação da delação premiada e do enriquecimento

injustificado.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Andreia Neto, do PSD.

A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje uma petição que

propõe um referendo sobre o enriquecimento injustificado e a delação premiada.

Aproveito, desde já, também, para saudar todos aqueles que subscreveram a presente petição e que são

mais de 4000 e que, embora sabendo que ela não abre, efetivamente, nenhum processo legislativo, assume

sempre o propósito de alertar os que são os representantes dos cidadãos.

Para os presentes peticionários, o referendo com este enunciado está totalmente de acordo com todos os

programas eleitorais que todos os partidos apresentaram e que pretendem efetivamente reduzir a corrupção.

Aliás, o texto da petição em causa cita passagens dos programas eleitorais de todos os partidos políticos

para a sustentar e dizem que a justiça portuguesa não pode fazer milagres se não tiver um conjunto de leis que

permita penalizar os atos corruptos.

Sr.as e Srs. Deputados, o PSD tem lutado pela transparência nas instituições. Aliás, a criminalização do

enriquecimento ilícito é uma matéria muito nossa. Acreditamos que o estabelecimento da confiança nas

instituições só se faz quando há confiança nos agentes políticos.

Esse é efetivamente o instrumento que temos repetidamente dito que faz falta no nosso ordenamento jurídico.

O PSD, naturalmente, não se cansará de continuar a procurar uma solução que possa ir ao encontro da

jurisprudência constitucional e, de alguma forma, de alguma norma jurídica que possa criminalizar esse tipo de

comportamentos, e de um Estado exclusivamente orientado na sua ação pela defesa do interesse público. Com

isso podem sempre contar.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — É também verdade que está em funcionamento a Comissão Eventual para o

Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas que tem em mãos três propostas que defendem

também a penalização do enriquecimento injustificado, uma figura legal que não existe no nosso ordenamento

jurídico, mas que já leva, também ela, um longo trabalho na Assembleia da República.

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Mas aqui, concretamente, os peticionários pretendem que a Assembleia da República aprove a realização

de um referendo nos termos que já foram enunciados, embora saibamos que, tratando-se de duas matérias

diferentes, as que são objeto da presente petição, a Constituição da República Portuguesa exige uma maior

clareza e precisão do conteúdo da solução que apontam os peticionários para a delação premiada e para o

enriquecimento injustificado, para que esse conteúdo seja materialmente conforme à nossa Constituição.

No entanto, o Grupo Parlamentar do PSD entende como positivo o debate suscitado pelos peticionários

acerca das convicções que são expostas, nomeadamente no que diz respeito ao combate à corrupção e à

existência de legislação que permita uma eficaz investigação e uma punição dos respetivos responsáveis.

Defendemos, porém, que é fundamental perceber se estas figuras em causa são compatíveis, nos termos

em que são apresentados, com os princípios fundamentais do nosso Estado de direito.

Para terminar, Sr. Presidente, estaremos sempre presentes para um debate, desde que seja efetivamente

para fazer um caminho positivo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza,

do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta petição suscita dois tipos

de problemas diferentes. O primeiro, é o da substância essencial, digamos assim; o segundo tem a ver com o

facto de os peticionários pedirem que a Assembleia da República legisle no sentido de que haja um referendo

sobre esta matéria. Do nosso ponto de vista, não faz qualquer tipo de sentido este pedido, ou seja, ele não

merece, de todo, a nossa concordância. Diante disso, a pergunta que fazemos é a seguinte: porque é que a

Assembleia da República, titular do poder legislativo, deveria ficar à espera de um referendo para cumprir aquilo

que são as suas responsabilidades em matéria de trabalho legislativo?

Como a própria petição esclarece, os programas dos diversos partidos políticos convergem no essencial no

que diz respeito à assunção da legislação contra as práticas de corrupção, entendendo-as como uma prioridade.

Portanto, não deteto, efetivamente, nenhuma razão para que, convocando-se hipoteticamente um referendo, se

fizesse tábua rasa dessa mesma circunstância.

Portanto, esta parte do pedido não merece, de todo, a nossa concordância.

O que está em causa, do ponto de vista da legislação sobre corrupção, tem sido objeto da nossa maior

atenção. O Bloco de Esquerda assumiu esse compromisso e materializou-o em diversos projetos. Lembro a

proposta de criação da entidade da transparência; a proposta de estabelecimento do regime de exclusividade

dos Deputados; a proposta de criminalização do enriquecimento injustificado, que é objeto desta mesma petição.

Portanto, do nosso ponto de vista, não esperámos qualquer momento para assumirmos as nossas

responsabilidades e os nossos compromissos nesta matéria.

Para terminar, queria dizer que não se confunda isto com o darmos lugar a envenenamento social, digamos,

e à negação do Estado de direito para este efeito. Não o faremos, não o queremos fazer. Não queremos que a

luta política, a competição económica, a simples vendetta pessoal ou de grupo sejam agora alcandoradas ao

estatuto de fontes de incriminação ou de abate na praça pública, que é aquilo que, em última análise, se pretende

e se insinua, creio, com a delação premiada. Há direito premial em Portugal, é possível, seguramente, afiná-lo,

mas não contem com o Bloco de Esquerda para criarmos e alimentarmos uma sociedade de bufos em Portugal,

porque não o faremos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rocha

Andrade, do PS.

O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo também por

saudar os subscritores da petição pelo exercício de cidadania nesta matéria e pela preocupação, que é

consensual nesta Câmara, em torno do combate à corrupção.

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Devo dizer que me parece — e parece ao Partido Socialista — que este consenso se tem traduzido em ação

legislativa, com a ampliação dos tipos criminais em matéria de corrupção e na ampliação dos meios de

investigação, tanto os meios materiais como os processuais. Portanto, o legislador tem atuado em conformidade

com aquela prioridade e o PS orgulha-se do seu papel enquanto proponente de um conjunto desses decisivos

avanços legislativos em matéria de combate à corrupção.

A esse propósito, Sr.as e Srs. Deputados, acho que convém termos todos a noção de que o que é negativo

não é que existam processos de corrupção de grande visibilidade. O que é negativo, desde logo, é que exista

corrupção, mas é pior se existir corrupção e não existirem os correspondentes processos criminais.

Devemos estar satisfeitos? Não, devemos sempre estar disponíveis para criar medidas que melhorem o

combate à corrupção. Mas sendo certo, como aqui já foi referido, que a petição não define exatamente os

contornos dos dois institutos que vem propor, ou seja, o enriquecimento injustificado e a delação premiada, se

tomarmos esses institutos pelas suas consagrações mais correntes eles merecem-nos, em ambos os casos,

grandes reservas e não pensamos que sejam contributos positivos.

Quanto ao enriquecimento injustificado, ele tem um passado recente neste Parlamento. No nosso

entendimento, sempre foi uma forma de fingir que se fazia alguma coisa, tão evidente era a inconstitucionalidade

das propostas que foram aprovadas e rejeitadas pelo Tribunal Constitucional. Evidente inconstitucionalidade,

porque numa criminalização tem de ficar claro para todos qual é a conduta que é proibida ou qual é a omissão

que é proibida. Não podemos partir de um resultado e prescindir da prova da conduta. E não podemos porque

essa presunção — e este é o segundo argumento — viola o princípio da presunção da inocência ao obrigar

quem se defende a provar, pelo contrário, que o seu comportamento é lícito.

No que toca à delação premiada, e mais uma vez tomando aqui um exemplo extremo do que seria a sua

consagração legal, é um regime em que se negoceia a própria justiça e em que se acaba por punir menos a

corrupção, porque há alguém contra a qual existem indícios da prática de um crime que acaba por não ser

acusado. E, nesses termos, é um regime que não parece compatível com a Constituição, porque a

independência do Ministério Público enquanto titular da ação penal tem como necessário correspetivo a sua

vinculação à lei e não essa autonomia para decidir quem é ou não acusado, prescindindo da intervenção de um

juiz e das garantias da prestação de prova em julgamento.

Parece-nos, portanto, que o legislador deve prosseguir naquilo que tem sido o seu caminho no nosso

processo penal: dotar as magistraturas dos meios para provar a prática dos factos criminosos, não prescindir

das acusações em relação a ninguém face ao qual existam indícios e, em nome da defesa do Estado de direito,

nunca prescindir do próprio Estado de direito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do

PCP.

O Sr. António Filipe (PCP) — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vamos por partes relativamente ao

objeto desta petição.

O que está na sua base, a proposta de um referendo sobre estas matérias, o relatório da Comissão, que foi

da autoria do Sr. Deputado Fernando Rocha Andrade, que acabou de falar, equaciona a questão corretamente,

ou seja, um referendo incide sobre uma só matéria e não sobre duas completamente diferentes e não é possível,

nos termos em que a questão é colocada pelos peticionários, encontrar uma pergunta suscetível de ser levada

a referendo, por falta de objetividade e de precisão da pergunta a formular. Portanto, vamos deixar de parte a

questão do referendo e vamos às duas questões aqui colocadas: o enriquecimento injustificado e a delação

premiada.

Em primeiro lugar, queremos dizer que, em matéria de combate à corrupção, o maior problema no nosso

País não é já um problema de lei. Houve diversos pacotes legislativos em matéria de combate à corrupção em

legislaturas anteriores com efeitos significativos e, portanto, não temos uma ordem jurídica que pactue com a

impunidade dos crimes de corrupção. Creio, aliás, que, nos últimos anos, até tem ficado patente, tem ficado à

vista perante a sociedade portuguesa, que existem meios legais.

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Quanto aos meios materiais e humanos, essa é outra questão. Aí também temos chamado a atenção para a

necessidade urgente de a Polícia Judiciária e o Ministério Público serem dotados com os meios suficientes para

um combate mais eficaz a uma forma de criminalidade cuja investigação é, naturalmente, complexa.

Mas, relativamente a estes dois institutos, podemos dizer que em relação ao enriquecimento injustificado

estamos de acordo com a necessidade e a possibilidade de se evoluir legislativamente sobre esta matéria, não

nos termos que já foram declarados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, e se na primeira vez ainda

podemos dar o benefício da dúvida quanto à sua aprovação, na convicção de que ela não seria inconstitucional,

na segunda vez ela foi claramente intencional. Portanto, tendo em conta o primeiro acórdão, era mais do que

óbvio que a insistir-se numa solução como aquela em que a maioria parlamentar de então insistiu, ela estaria

condenada ao fracasso, mas quer-nos parecer que é possível — e os trabalhos que têm sido desenvolvidos na

Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas demonstram que é

possível — que venha a haver um entendimento relativamente a uma consagração legal do combate ao

enriquecimento injustificado. Por isso é que até propusemos que, no âmbito dos trabalhos dessa Comissão, se

desse prioridade a esta matéria, procurando resolvê-la do ponto de vista legislativo na base do entendimento do

denominador comum a que for possível chegar. E estamos convictos, estamos otimistas quanto à possibilidade

de, a curto prazo, poder chegar a um entendimento.

Posição diferente temos relativamente à delação premiada. Sabemos que a ordem jurídica portuguesa tem

já alguns institutos, cautelosos, e ainda bem, de direito premial, que tiveram o nosso apoio. Mas a possibilidade

de o Ministério Público poder negociar, ainda por cima sem controlo judicial, com um denunciante, ou seja, com

alguém que cometeu um crime, que é corrupto e que tenciona ilibar-se denunciando outro alguém que pode até

nem ter cometido crime nenhum, faz com que o Ministério Público participe num verdadeiro negócio com alguém

que se pretende ilibar de crimes que cometeu, e é, do nosso ponto de vista, uma afronta ao Estado de direito.

Portanto, connosco não poderão contar para introduzir medidas legislativas no nosso País que contrariem

frontalmente o princípio da legalidade no exercício da ação penal e que constituam uma verdadeira afronta a

um Estado de direito democrático. Portanto, delação premiada, do nosso ponto de vista, não.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, do

CDS-PP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer

que, ao contrário do que se poderia deduzir de algumas intervenções que ouvimos, esta matéria é importante e

faz todo o sentido, porque o que está aqui em causa e que constitui a matéria de fundo que traz esta petição,

assinada, como aqui foi dito, por mais de 4000 pessoas, é o combate à corrupção.

De resto, percebendo as preocupações do Sr. Deputado José Manuel Pureza, por exemplo, e percebendo a

sua argumentação, parece-me muito óbvio o que os peticionários estão a querer dizer a esta Câmara: estão a

dizer que os partidos têm nos seus programas esta matéria como matéria importante, mas se não legislam,

então, devolvam a palavra aos cidadãos para um referendo. É isso que estão a dizer.

O que não quer dizer — e aí partilho de algumas opiniões que já ouvimos — que esse referendo fosse

possível, porque, logo à partida, um referendo sobre duas matérias diferentes e em simultâneo não seria viável

nem realizável.

No entanto, conhecemos o que tem sido feito e o que não tem sido feito em termos legislativos nesta matéria

e vamos analisar as duas matérias aqui em causa.

Quanto à delação premiada — passe a expressão à brasileira, por assim dizer —, não tem acolhimento no

nosso ordenamento jurídico e, na nossa opinião, não faz sentido que o tenha nos termos em que ela existe no

Brasil. No entanto, quero lembrar que temos já vários institutos e vários avanços que, não sendo o regime da

delação premiada à brasileira, são avanços significativos e positivos de um regime que, no nosso ordenamento

jurídico, se chama de colaboração premiada. Temos a atenuação de pena no combate à droga, temos o agente

auxiliar na recolha de prova decisiva, temos também uma colaboração especial, em processo penal, na recolha

de provas determinantes em relação a determinados agentes de crimes e temos a redução de coima nos casos

do regime jurídico da concorrência.

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Portanto, temos várias situações e lembramos, até, que foi por iniciativa do CDS que, em 2007, começámos

a discutir e avançámos para o chamado estatuto do arrependido, que, no fundo, é também uma fórmula de

colaboração premiada.

Gostaria de dizer, ainda, que em 2010 o CDS liderou a iniciativa e a introdução do chamado crime urbanístico,

que, do nosso ponto de vista, foi também um avanço significativo no combate à corrupção. Isto em relação à

delação premiada.

Em relação ao enriquecimento ilícito, como aqui foi lembrado ao longo deste debate, o CDS, conjuntamente

com o PSD, apresentou, na Legislatura anterior, uma proposta que veio a ser declarada inconstitucional.

Tentámos, numa segunda vez, com algumas alterações, instituir novamente o chamado regime do

enriquecimento ilícito e, numa segunda vez, o Tribunal Constitucional declarou-o inconstitucional.

Chegados aqui, que conclusões podemos tirar?

Em primeiro lugar, que estes regimes, e logo à partida a chamada colaboração premiada, podem ser

aperfeiçoados. O regime de colaboração premiada pode ir mais longe e podemos trabalhar nesse sentido.

Estamos disponíveis para isso.

Em segundo lugar, em relação ao enriquecimento ilícito, temos dois caminhos possíveis: ou seguimos uma

via completamente diferente — fiscal ou outra — ou, então, aceitemos o repto que o CDS também aqui fez, há

uns largos meses, de pensar se esta matéria pode, ou não, ser trabalhada, designadamente em sede de revisão

constitucional, o que, obviamente, também nos impede um referendo.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.

Na nossa ordem jurídica, como o Sr. Presidente sabe melhor que ninguém, o referendo sobre matérias

constitucionais não é possível. Sendo assim, o que nós deixamos é a disponibilidade para trabalhar e aperfeiçoar

estas matérias, para tentarmos estabelecer um melhor regime de delação premiada e um eventual regime de

combate ao enriquecimento ilícito, porque, repito e sublinho, o combate à corrupção é um combate fundamental.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Srs. Deputados, terminada a nossa ordem do dia, tem a palavra o Sr.

Secretário Duarte Pacheco para dar uma informação à Câmara.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, em relação ao Projeto de Resolução

n.º 1930/XIII/4.ª (PAR) — Deslocação do Presidente da República ao Panamá, votado já no passado dia 11, a

Assembleia da República foi informada de que, por razões técnicas, a escala desta deslocação irá ocorrer em

Halifax.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, quinta-feira, à hora

regimental, às 15 horas.

Em primeiro lugar, debateremos os Projetos de Resolução n.os 1887/XIII/4.ª (PSD) — Recomenda ao

Governo a implementação de um plano de ação de contingência no sentido de serem adotadas medidas

urgentes para atenuar os impactos globais da saída do Reino Unido da União Europeia e 1928/XIII/4.ª (CDS-

PP) — Recomenda ao Governo a adoção de plano de ação de contingência para minimizar os efeitos e

consequências de uma saída desordenada do Reino Unido da União Europeia.

Em segundo lugar, discutiremos o Projeto de Resolução n.º 1824/XIII/4.ª (PS) — Recomenda ao Governo o

estabelecimento de um limite proporcional para a disparidade salarial no interior de cada organização.

Em terceiro lugar, procederemos ao debate, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 1050/XIII/4.ª (BE) —

Legaliza a canábis para uso pessoal e 1062/XIII/4.ª (PAN) — Regulamenta o uso adulto da canábis.

Em quarto lugar, apreciaremos a Petição n.º 436/XIII/3.ª (Plataforma Antitransporte Animais Vivos) —

Abolição do transporte de animais vivos por via marítima para Países fora da União Europeia, os Projetos de

Resolução n.os 1214/XIII/3.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que implemente um regime em que o transporte

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de animais vivos por via de viagens de longo curso para países terceiros seja permitido apenas em situações

excecionais, 1215/XIII/3.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que não preveja nos programas de apoio à

produção pecuária a atribuição de qualquer incentivo público a empresas de produção pecuária que exportem

animais vivos para países terceiros e 1594/XIII/3.ª (Os Verdes) — Limitação e adaptação do transporte de

animais vivos e os Projetos de Lei n.os 719/XIII/3.ª (PAN) — Adota medidas mais garantísticas do bem-estar

animal no que diz respeito ao transporte de animais vivos e 1051/XIII/4.ª (BE) — Regula o transporte de longo

curso de animais vivos.

Em quinto lugar, apreciaremos a Petição n.º 458/XIII/3.ª (Verónica Sofia Varela de Matos e outros) —

Solicitam a disponibilização gratuita de medicamento para atrofia muscular espinal.

Em sexto e último lugar, apreciaremos as Petições n.os 431/XIII/3.ª (Jorge Van Krieken Mota e outros) —

Solicitam a adoção de medidas com vista à defesa do alojamento local sustentável e 441/XIII/3. ª (Ana Glória

Setas Teixeira Lopes Ferro e outros) — Solicitam a adoção de medidas no âmbito do alojamento local.

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, é tudo por hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 57 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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