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I SÉRIE — NÚMERO 39

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Devo dizer que me parece — e parece ao Partido Socialista — que este consenso se tem traduzido em ação

legislativa, com a ampliação dos tipos criminais em matéria de corrupção e na ampliação dos meios de

investigação, tanto os meios materiais como os processuais. Portanto, o legislador tem atuado em conformidade

com aquela prioridade e o PS orgulha-se do seu papel enquanto proponente de um conjunto desses decisivos

avanços legislativos em matéria de combate à corrupção.

A esse propósito, Sr.as e Srs. Deputados, acho que convém termos todos a noção de que o que é negativo

não é que existam processos de corrupção de grande visibilidade. O que é negativo, desde logo, é que exista

corrupção, mas é pior se existir corrupção e não existirem os correspondentes processos criminais.

Devemos estar satisfeitos? Não, devemos sempre estar disponíveis para criar medidas que melhorem o

combate à corrupção. Mas sendo certo, como aqui já foi referido, que a petição não define exatamente os

contornos dos dois institutos que vem propor, ou seja, o enriquecimento injustificado e a delação premiada, se

tomarmos esses institutos pelas suas consagrações mais correntes eles merecem-nos, em ambos os casos,

grandes reservas e não pensamos que sejam contributos positivos.

Quanto ao enriquecimento injustificado, ele tem um passado recente neste Parlamento. No nosso

entendimento, sempre foi uma forma de fingir que se fazia alguma coisa, tão evidente era a inconstitucionalidade

das propostas que foram aprovadas e rejeitadas pelo Tribunal Constitucional. Evidente inconstitucionalidade,

porque numa criminalização tem de ficar claro para todos qual é a conduta que é proibida ou qual é a omissão

que é proibida. Não podemos partir de um resultado e prescindir da prova da conduta. E não podemos porque

essa presunção — e este é o segundo argumento — viola o princípio da presunção da inocência ao obrigar

quem se defende a provar, pelo contrário, que o seu comportamento é lícito.

No que toca à delação premiada, e mais uma vez tomando aqui um exemplo extremo do que seria a sua

consagração legal, é um regime em que se negoceia a própria justiça e em que se acaba por punir menos a

corrupção, porque há alguém contra a qual existem indícios da prática de um crime que acaba por não ser

acusado. E, nesses termos, é um regime que não parece compatível com a Constituição, porque a

independência do Ministério Público enquanto titular da ação penal tem como necessário correspetivo a sua

vinculação à lei e não essa autonomia para decidir quem é ou não acusado, prescindindo da intervenção de um

juiz e das garantias da prestação de prova em julgamento.

Parece-nos, portanto, que o legislador deve prosseguir naquilo que tem sido o seu caminho no nosso

processo penal: dotar as magistraturas dos meios para provar a prática dos factos criminosos, não prescindir

das acusações em relação a ninguém face ao qual existam indícios e, em nome da defesa do Estado de direito,

nunca prescindir do próprio Estado de direito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do

PCP.

O Sr. António Filipe (PCP) — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vamos por partes relativamente ao

objeto desta petição.

O que está na sua base, a proposta de um referendo sobre estas matérias, o relatório da Comissão, que foi

da autoria do Sr. Deputado Fernando Rocha Andrade, que acabou de falar, equaciona a questão corretamente,

ou seja, um referendo incide sobre uma só matéria e não sobre duas completamente diferentes e não é possível,

nos termos em que a questão é colocada pelos peticionários, encontrar uma pergunta suscetível de ser levada

a referendo, por falta de objetividade e de precisão da pergunta a formular. Portanto, vamos deixar de parte a

questão do referendo e vamos às duas questões aqui colocadas: o enriquecimento injustificado e a delação

premiada.

Em primeiro lugar, queremos dizer que, em matéria de combate à corrupção, o maior problema no nosso

País não é já um problema de lei. Houve diversos pacotes legislativos em matéria de combate à corrupção em

legislaturas anteriores com efeitos significativos e, portanto, não temos uma ordem jurídica que pactue com a

impunidade dos crimes de corrupção. Creio, aliás, que, nos últimos anos, até tem ficado patente, tem ficado à

vista perante a sociedade portuguesa, que existem meios legais.

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17 DE JANEIRO DE 2019 59 Quanto aos meios materiais e humanos, essa é outra questão
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