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Quinta-feira, 14 de março de 2019 I Série — Número 61

XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)

REUNIÃOPLENÁRIADE13DEMARÇODE 2019

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Ana Sofia Ferreira Araújo António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6

minutos. Deu-se conta da apresentação da Proposta de Lei n.º

188/XIII/4.ª, dos Projetos de Lei n.os 1152 a 1163/XIII/4.ª, da Apreciação Parlamentar n.º 124/XIII/4.ª e dos Projetos de Resolução n.os 2025, 2027 a 2031, 2033 e 2034/XIII/4.ª.

Em declaração política, o Deputado Adão Silva (PSD) acusou o Presidente da Associação Mutualista Montepio Geral de ter em dúvida a sua idoneidade para dirigir a maior mutualidade portuguesa, tendo exigido que o Governo defina a quem cabe essa avaliação e que garanta a segurança dos portugueses que confiaram as suas poupanças àquela instituição. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Mariana Mortágua (BE), Paulo Sá (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP) e João Paulo Correia (PS).

Em declaração política, a Deputada Margarida Marques (PS) afirmou que as próximas eleições europeias são um bom momento para mudar a União Europeia no sentido de que a Europa precisa de um projeto para o futuro, com mudança de liderança e de orientação política. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Inês Domingos (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Isabel Pires (BE) e Paula Santos (PCP).

Em declaração política, o Deputado João Vasconcelos (BE), face às declarações do Presidente da Comissão Liquidatária da EMPORDEF, que acusou de alta corrupção a gestão dos extintos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, anunciou que o seu partido irá propor a realização de uma auditoria forense às contas daquela empresa. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados

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Leonel Costa (PSD), Jorge Machado (PCP), João Rebelo (CDS-PP) e Joaquim Raposo (PS).

Em declaração política, a Deputada Vânia Dias da Silva (CDS-PP) referiu-se ao repto do Presidente da República acerca de uma reforma para a justiça e a diplomas apresentados pelo do seu partido relativos a este tema que, tendo baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, aguardam contributos dos outros grupos parlamentares e do Governo, e anunciou a apresentação de iniciativas legislativas na área da violência doméstica. No final respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados António Filipe (PCP), Fernando Anastácio (PS), Sandra Cunha (BE) e Sandra Pereira (PSD).

Em declaração política, a Deputada Paula Santos (PCP) condenou a política do Governo de submissão ao Tratado Europeu e às regras da União Europeia, preconizando políticas nacionais ao serviço do País, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados João Pinho de Almeida (CDS-PP), Maria Luís Albuquerque (PSD), Margarida Marques (PS) e Isabel Pires (BE).

Em declaração política, o Deputado José Luís Ferreira (Os Verdes), a propósito da deslocação dos Deputados da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas aos distritos de Vila Real e Braga, referindo-se ao Projeto PIN Aquanattur, em Pedras Salgadas, salientou a ausência de dinâmica termal e turística no local, bem como a necessidade de se apurar o cumprimento, por parte dos promotores, dos compromissos assumidos com o Estado e concluiu pela eliminação do regime dos projetos de potencial interesse nacional (PIN). Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento formulados pelos Deputados Duarte Alves

(PCP), Paulo Rios de Oliveira (PSD), Heitor de Sousa (BE), Ricardo Bexiga (PS) e Hélder Amaral (CDS-PP).

Em declaração política, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Regimento, o Deputado Paulo Trigo Pereira (N insc.) chamou a atenção para duas regras que condicionam a qualidade da democracia e das políticas públicas em Portugal, a primeira relacionada com o chamado «objetivo de médio prazo» para as finanças públicas, no âmbito da qual sugeriu a redução do excedente primário, sem pôr em causa a dinâmica de redução do peso da dívida, e a segunda relacionada com o âmbito onde podem surgir iniciativas legislativas dos cidadãos, criticando a impossibilidade de os cidadãos apresentarem um projeto de reforma do sistema eleitoral.

Ao abrigo dos n.os 2 e 3 do artigo 76.º do Regimento, a Deputada Isabel Alves Moreira (PS) condenou o racismo e a xenofobia e alertou para a necessidade de erradicação e combate de tais fenómenos, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento formulados pelos Deputados José Manuel Pureza (BE) e António Filipe (PCP).

Ao abrigo dos n.os 2 e 3 do artigo 76.º do Regimento, a Deputada Helena Roseta (PS) defendeu a passagem para o Estado do imobiliário não estratégico do Novo Banco e a impenhorabilidade da casa de morada de família em caso não só de dívida fiscal ou contributiva mas também hipotecária, se houver carência económica superveniente e justificada, e apelou a medidas preventivas ao nível da habitação. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Maria Manuel Rola (BE) e João Oliveira (PCP).

O Presidente (José de Matos Correia) encerrou a sessão eram 18 horas e 27 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, vamos dar

início à nossa sessão plenária.

Eram 15 horas e 6 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade para abrirem as portas das galerias ao público.

Antes de entrarmos na ordem do dia, que, hoje, é preenchida com declarações políticas, peço ao Sr.

Secretário Duarte Pacheco que proceda à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidas, várias iniciativas legislativas.

Refiro, em primeiro lugar, a Proposta de Lei n.º 188/XIII/4.ª (GOV) — Aprova a lei das infraestruturas militares,

que baixa à 3.ª Comissão.

Refiro, ainda, os seguintes projetos de lei: n.º 1152/XIII/4.ª (PCP) — Reforça os mecanismos legais de

proteção das vítimas de violência, que baixa à 1.ª Comissão; n.º 1153/XIII/4.ª (CDS-PP) — Altera a tributação

em sede de IRS, de modo a que os rendimentos passem a ser tributados de acordo com os proveitos efetivos

do sujeito passivo em cada um dos anos a que se reportam e à taxa efetiva (Alteração ao Decreto-Lei n.º 442-

A/88, de 30 de novembro de 1988), que baixa à 5.ª Comissão; n.º 1154/XIII/4.ª (PCP) — Aprova o Estatuto da

Rádio e Televisão de Portugal (terceira alteração à Lei n.º 8/2007, de 14 de fevereiro, que procede à

reestruturação da concessionária do serviço público de rádio e televisão, bem como os novos estatutos da Rádio

e Televisão de Portugal), que baixa à 12.ª Comissão; n.º 1155/XIII/4.ª (PS) — Reformula os crimes de violação,

coação sexual e abuso sexual de pessoa inconsciente ou incapaz no Código Penal, ao abrigo do disposto na

Convenção de Istambul, e alarga o âmbito de aplicação da medida de coação de proibição de contacto aos

crimes de ameaça, coação e perseguição (stalking), que baixa à 1.ª Comissão; n.º 1156/XIII/4.ª (PSD) —

Estabelece o regime jurídico da atividade de transporte público de aluguer em veículos automóveis ligeiros de

passageiros (táxi), que baixa à 6.ª Comissão; n.º 1157/XIII/4.ª (Os Verdes) — Relações de trabalho dentro da

Infraestruturas de Portugal, S.A. (Alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio), que baixa à 10.ª

Comissão; n.º 1158/XIII/4.ª (PS) — Reforçando a proteção de advogados em matéria de parentalidade ou

doença grave, alterando o Código do Processo Civil e o Código do Processo Penal, que baixa à 1.ª Comissão;

n.º 1159/XIII/4.ª (Os Verdes) — Determina a elaboração pelo Governo de relatório anual sobre as assimetrias

regionais em Portugal e a respetiva apresentação à Assembleia da República, que baixa à 11.ª Comissão; n.º

1160/XIII/4.ª (Os Verdes) — Determina a elaboração pelo Governo de um relatório sobre o clima, prévio à

apresentação do Orçamento do Estado, com vista à sua apresentação à Assembleia da República, que baixa à

11.ª Comissão; n.º 1161/XIII/4.ª (BE) — Determina a obrigatoriedade de análise à presença de glifosato na água

destinada ao consumo humano (alteração ao regime da qualidade da água destinada ao consumo humano),

que baixa à 7.ª Comissão com conexão à 11.ª Comissão; n.º 1162/XIII/4.ª (BE) — Proíbe a aplicação de produtos

contendo glifosato em zonas urbanas, zonas de lazer e vias de comunicação, que baixa à 7.ª Comissão; e n.º

1163/XIII/4.ª (BE) — Proíbe o uso não profissional de produtos contendo glifosato, que baixa à 7.ª Comissão.

Deu também entrada na Mesa a Apreciação Parlamentar n.º 124/XIII/4.ª (PCP) — Relativa ao Decreto-Lei

n.º 32/2019, de 4 de março, que alarga a competência dos órgãos municipais no domínio do policiamento de

proximidade.

Deram ainda entrada na Mesa os seguintes projetos de resolução: n.º 2025/XIII/4.ª (CDS-PP) — Recomenda

ao Governo que proceda à urgente realização de obras de reabilitação e requalificação da Escola Básica e

Secundária de Fajões, em Oliveira de Azeméis, alocando a totalidade dos meios financeiros necessários; n.º

2027/XIII/4.ª (Os Verdes) — Remoção das placas contendo amianto e reabilitação da Escola Secundária Dr.

João Carlos Celestino Gomes, em Ílhavo; n.º 2028/XIII/4.ª (PCP) — Pela melhoria do transporte ferroviário no

distrito de Braga e a concretização da ligação direta Braga/Guimarães; n.º 2029/XIII/4.ª (BE) — Recomenda ao

Governo que adote medidas que permitam melhorar as condições de vida e o acesso aos cuidados de saúde

por parte de pessoas com doença inflamatória do intestino, que baixa à 9.ª Comissão; n.º 2030/XIII/4.ª (CDS-

PP) — Recomenda ao Governo a promoção de um seguro para culturas agrícolas que abranja estragos com

animais selvagens, a abertura de aviso específico no PDR 2020 para apoio ao investimento em medidas de

proteção para culturas e a implementação de medidas para valorização da carne de javali, que baixa à 7.ª

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Comissão; n.º 2031/XIII/4.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo a elaboração de um estudo sobre a

distribuição territorial da população de javalis em Portugal, que baixa à 7.ª Comissão; n.º 2033/XIII/4.ª (PAN) —

Recomenda ao Governo que seja criado um Código de Conduta adaptado à Convenção de Istambul, visando a

adequada cobertura noticiosa de casos de violência doméstica impedindo um expectável efeito contágio, que

baixa à 1.ª Comissão; e n.º 2034/XIII/4.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que proceda à urgente retirada

das placas de fibrocimento existentes nas coberturas da EB 2,3 Dr. António Augusto Louro, do Seixal, e

programe e agende as necessárias obras de requalificação.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário Duarte Pacheco, pela informação de tantas iniciativas

legislativas.

Vamos passar à ordem do dia, que consta de declarações políticas.

Cabe ao Grupo Parlamentar do PSD proferir a primeira declaração política.

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Subo, hoje, a esta tribuna em nome do

Partido Social Democrata porque 630 000 portugueses não podem ser traídos na sua confiança e no seu futuro,

porque os aforros de uma vida de 630 000 portugueses não podem ser postos em risco, porque o Presidente

da Associação Mutualista Montepio Geral, Tomás Correia, tem em dúvida a sua idoneidade para dirigir a maior

mutualidade portuguesa.

Ora, a idoneidade é um valor essencial para quem dirige uma organização que deve responder por milhares

de milhões de euros, que dão segurança, tranquilidade e previsibilidade às vidas de 630 000 portugueses.

A idoneidade é confiança. Mas que confiança se pode esperar de alguém a quem o Banco de Portugal impôs

uma multa milionária (1 milhão e 250 000 €) por irregularidades e má gestão do Banco Montepio, de que é dona

a Associação Mutualista?

A idoneidade é responsabilidade. Mas que sentido de responsabilidade se pode esperar de alguém que

impôs, à socapa, uma manobra esdrúxula para que os 630 000 mutualistas pagassem as multas dos seus

desmandos e das suas irresponsabilidades? As multas que já chegaram e as que poderão ainda vir a chegar.

Apesar de tudo isto, e de muito mais que ainda não se sabe, Tomás Correia tem gozado da maior

condescendência do atual Governo socialista.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Condescendência que é cumplicidade quando o Governo aprova um decreto-lei,

em agosto de 2018, onde existe um enorme buraco de indefinição sobre a quem cabe a responsabilidade na

avaliação da idoneidade de Tomás Correia.

O Ministro Vieira da Silva diz, com autoridade de quem fez a lei, que «está tudo claro» e que é a Autoridade

de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) que deve fazer aquela avaliação.

A ASF, com a autoridade de quem lê, estuda e pede pareceres sobre a lei, diz que é o Governo, o Ministério

do Trabalho, Vieira da Silva, ele próprio, que deve avaliar.

O Presidente da República, com a autoridade do bom senso, diz que a lei do Governo tem de ser clarificada.

E o Primeiro-Ministro, António Costa, anunciou, na semana passada, contrariando o seu Ministro, Vieira da

Silva, que, afinal, o Governo vai clarificar o que antes estava claro.

Ficou claro, ou nem por isso, Srs. Deputados?

Neste jogo do empurra, uma coisa é certa: o Governo «foge a sete pés» da responsabilidade de avaliar,

imediatamente e sem mais delongas, a idoneidade de Tomás Correia.

Porquê, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta cumplicidade que roça o ridículo? Será porque Tomás Correia

é também o Presidente socialista da Assembleia Municipal de Pedrógão Grande, essa terra mártir, onde

apodrece e ganha pó a solidariedade e a generosidade dos portugueses?

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Adão Silva (PSD): — Ou haverá outras razões, para já indizíveis, mas suspeitadas?

Este jogo cúmplice entre o Governo socialista e o socialista Tomás Correia teve já, em anos recentes, outras

evidências, que importa recordar, aqui e agora.

Recordemos, em 2017, a imensa generosidade do Governo, ao querer pôr as poupanças da Santa Casa da

Misericórdia de Lisboa, cerca de 200 milhões de euros, como amparo da má gestão do Banco Montepio e,

indiretamente, da Associação Mutualista, má gestão de que, ao tempo, se suspeitava e que agora se percebe

melhor.

A oferta simpática e generosa do Governo, com o dinheiro de todos os portugueses, pois claro — sim, porque

a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma entidade pública, tutelada por Vieira da Silva —, abortou, embora

o Primeiro-Ministro tenha dito que era uma boa ideia e que só foi pena não ter sido ele a lembrar-se dessa boa

ideia! Uma tirada de falsa modéstia de António Costa, tão inútil quanto cúmplice.

Recordemos ainda que, em 2018, perante os prejuízos das contas de 2017 da Associação Mutualista, que

ascendiam a 220 milhões de euros, Tomás Correia pediu ao Governo alterações do regime fiscal, recebendo,

de imediato, 808 milhões de euros de créditos fiscais. Assim se maquilhavam resultados negativos da

Associação Mutualista, com supostos lucros artificiais para ficar bem na fotografia.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante tudo isto, os mutualistas estão sobressaltados e é crescente o

número dos que abandonam a instituição. Há registo de que, em 2018, cerca de 15 000 ter-se-ão desvinculado,

levando com eles as suas poupanças.

O Governo, ao seu mais alto nível, tem de ser claro. Aquilo que está em causa é de uma tremenda gravidade.

Por isso, o PSD exige ao Governo que garanta a segurança e a confiança aos 630 000 portugueses que, ao

longo de uma vida, acreditaram nas vantagens do mutualismo e na boa gestão da Associação Mutualista

Montepio Geral. Este elo de confiança não pode quebrar-se.

Por isso, o PSD exige que o Governo atue sem delongas e sem esconder as suas responsabilidades em

buracos de conveniência que deixa nas leis que ele próprio faz.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Sr. Adão Silva (PSD): — E o Governo não pode deixar de fazer o seu papel, apesar dos insultos e do

menosprezo com que, ontem mesmo, o Presidente da Assembleia Geral da Associação Mutualista, Padre Vítor

Melícias, fustigou os Secretários de Estado e os Ministros deste Governo socialista.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Os 630 000 mutualistas valem bem uma missa!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.

Entretanto, o Sr. Deputado Adão Silva informou a Mesa de que responderá, primeiro, a dois Srs. Deputados

e, depois, a outros dois Srs. Deputados.

Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Grupo Parlamentar do

Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, este é um tema importante, e

ainda bem que é trazido à Assembleia da República e exposto com toda a clareza. É que, depois de tudo o que

aconteceu, depois da tragédia que foi deixar Ricardo Salgado à frente do Banco Espírito Santo durante os

últimos meses de vida do banco, assistimos a este triste espetáculo, protagonizado pelo Governo e pelo

supervisor dos seguros, que lutam em praça pública, para que toda a gente possa ver, para decidir quem é que

não afasta Tomás Correia da Associação Mutualista Montepio.

E no meio desta triste luta entre Governo e supervisor, a única coisa que o País sabe e de tem a certeza é

que Tomás Correia não é idóneo. E não é idóneo porque até o Banco de Portugal — veja lá! — já disse que não

era idóneo e que não tinha capacidade para gerir mais nenhuma instituição financeira neste País.

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Já foi multado por práticas enquanto estava à frente do Montepio, mas nada disto é suficiente — nem para o

Governo, nem para a autoridade que supervisiona os seguros, nem sequer, já agora, para a terceira entidade

que tem poder para retirar Tomás Correia da Associação, que é o Presidente da Assembleia Geral, já aqui

referido — para que nem uma destas entidades entenda ser importante afastar esta pessoa de estar à frente da

Associação Mutualista.

A nossa posição — e já tivemos oportunidade de a manifestar — é a de que ambos, tanto o Governo como

a associação que tutela e supervisiona os seguros, têm poderes para lhe retirarem a idoneidade. Isto, apesar

de nenhum assumir esses poderes.

O Governo já tem poderes, porque mantém a aplicação do código que se aplica às associações mutualistas,

mas, neste regime transitório, a autoridade supervisora das seguradoras também tem poderes para avaliar o

modelo de governação e para avaliar o risco.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço-lhe para concluir.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Termino já, Sr. Presidente.

Se não tem poderes para retirar a idoneidade, tem poderes para pressionar o Governo. Que o faça!

Não temos nenhuma dúvida sobre a responsabilidade do Governo. Alguém tem de agir, e rápido.

A questão que coloco, Sr. Deputado, é porque é que o PSD exige uma resposta rápida e célere do Governo,

com o que concordamos, mas, depois, não aplica a mesma exigência ao Banco de Portugal e a outros

supervisores.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, começo por lhe dizer que o PSD nem

sequer conseguiu esperar pela realização das duas audições que o próprio PSD havia proposto para apresentar

as suas conclusões sobre o tema, que solicitou que fosse discutido na COFMA (Comissão de Orçamento,

Finanças e Modernização Administrativa).

Depois da audição com a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), e antes ainda

da audição com o Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o PSD já extraiu as suas conclusões.

Sr. Deputado Adão Silva, é, pois, caso para lhe perguntar: se já tinham as conclusões, porque é que propuseram

a realização de audições que, supostamente, deveriam sustentar essas conclusões?

Mas vamos ao que interessa.

Ontem, o presidente da ASF veio dizer, de forma muito taxativa, que considera que não lhe compete avaliar

a idoneidade do presidente da Associação Mutualista Montepio, Tomás Correia, e, para sustentar essa posição,

até invocou diversos pareceres jurídicos.

O problema é que, quando ouvirmos, na COFMA, o Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social,

é bem possível que este defenda que também não é a ele que compete avaliar a idoneidade de Tomás Correia

e é capaz, até, de aparecer com doutos pareceres jurídicos, a sustentar a sua posição. Se assim for, corremos

o risco — o sério risco! — de os próximos tempos serem gastos em estéreis discussões jurídicas sobre quem é

que, afinal, deve avaliar a idoneidade do presidente da Associação Mutualista Montepio.

Enquanto essas discussões se arrastarem, a idoneidade de Tomás Correia não é avaliada, com sério prejuízo

para a Associação Mutualista Montepio e para os mais de 600 000 associados.

Sr. Deputado Adão Silva, o PCP não acordou agora para este tema. Há muito que vimos alertando para os

problemas de gestão no Banco Montepio e na Associação Mutualista. Há muito que vimos defendendo o

afastamento de Tomás Correia e a constituição de uma nova equipa de gestão, que atue na defesa dos

interesses da instituição e das suas centenas de milhares de associados.

Para o PCP, Sr. Deputado Adão Silva, essa é a questão que interessa, essa é a questão que urge resolver

e é isso que o PCP vem defendendo.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, antes de mais, agradeço as questões colocadas, desde logo as

da Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

Não há dúvida nenhuma de que há um problema principal nesta questão, e chama-se «630 000 mutualistas».

São 630 000 portugueses que confiaram no mutualismo, e bem! Nós também acreditamos no mutualismo,

acreditamos que é um bom instrumento de mobilização e de segurança das pessoas, que não podem ser postas

em causa na sua segurança e na sua confiança.

No fundo, as pessoas têm o aforro de uma vida, vários milhares de milhões de euros, depositado na

Associação Mutualista e, obviamente, tem de ser certo e sabido que este dinheiro vai regressar para as suas

mãos quando for preciso. Por isso, causa-nos imensa estranheza que haja este buraco na lei que o próprio

Governo fez e, sobretudo, este exercício de pingue-pongue: o Governo faz a lei, mas depois diz que o

responsável para fazer a interpretação ou aferir da idoneidade é outra entidade, dando-lhe 12 anos para avaliar

essa idoneidade; a entidade diz que não é nada responsável por isto e o Governo, que antes tinha dito que

estava tudo claro, diz que afinal não está tão claro assim!

Acho que isto é, verdadeiramente, brincar com coisas sérias. Os aforros de 630 000 portugueses são uma

matéria da maior seriedade e, portanto, não podemos aceitar que o Governo, em particular, ande a brincar com

esta matéria. Até por uma razão: porque o Governo, depois da aprovação do Código Mutualista, sabia muito

bem que estas pessoas que foram eleitas para a direção da Associação Mutualista já tinham este problema da

idoneidade.

Sobre o que disse o Sr. Deputado Paulo Sá, fiquei com a sensação — porventura estarei a ser injusto — de

que o Sr. Deputado fez um exercício de defesa do Ministro Vieira da Silva.

Vozes do PSD: — Ora bem!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Não percebeu nada!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Não era isso?!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Não percebeu nada!

O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Mas pareceu!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Mas lá que pareceu, pareceu, Sr. Deputado.

Pareceu, porque, do nosso ponto de vista, entendemos que o maior responsável é o legislador e, neste caso,

o legislador é o Governo. Obviamente que quando o Decreto-Lei é aprovado em Conselho de Ministros provém

daquele que é o Ministério mais diretamente envolvido, que é o Ministério do Trabalho e da Segurança Social.

Portanto, não temos dúvida nenhuma de que há aqui uma estranha cumplicidade entre o Governo e Tomás

Correia e, até diria mais, entre Vieira da Silva e Tomás Correia. O que, aliás, já se notou no passado,

nomeadamente naquele exercício, de que se há de recordar, em que à viva força queriam meter 200 milhões

de euros da Santa Casa da Misericórdia — que é também sua e minha, porque é pública —, naquilo que era a

salvaguarda da Associação Mutualista.

Entendemos que estes buracos não podem existir. Esta matéria tem de ser clara e, muitas vezes, as

tragédias, a que já assistimos no passado, resultam exatamente destas ambiguidades, destas cumplicidades e

desta incapacidade de agir a tempo e horas para prevenir males maiores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, ouvi a sua intervenção e

queria começar por dizer que estamos aqui a falar da Associação Mutualista Montepio, que é dona de um banco.

Quer uma associação mutualista, quer um banco, têm de ter como bem essencial — diria mesmo como bem

máximo! — a confiança. Por isso mesmo, acho que este assunto tem de ser tratado com seriedade, com

responsabilidade e com serenidade.

É com serenidade que temos de dizer que o que tem acontecido nos últimos meses não pode acontecer.

Com franqueza, Sr. Deputado — e é esta a primeira pergunta que lhe deixo —, é possível olhar e não perceber

que há uma cumplicidade do Governo, não para com o Montepio, mas para com uma determinada linha dentro

do Montepio, chefiada por Tomás Correia?

É possível fingir, sequer, que não se percebe que esta cumplicidade do PS, do Ministro Vieira da Silva e de

Tomás Correia é visível e que tem trazido dano para as instituições, quer para a Associação Mutualista, quer

para o Banco Montepio?

Começou com o estranho negócio dos 200 milhões de euros que o Ministro Vieira da Silva queria, à força,

que a Santa Casa da Misericórdia emprestasse ao Banco Montepio e, depois de termos tido anos de promessas

de que a supervisão da Associação Mutualista ia ser alterada, o Governo, depois de pensar, pensar, pensar que

ia fazer nova legislação, fez nova legislação e deixou por resolver uma das questões mais importantes, que é

esta: afinal, quem é que tem a competência para avaliar a idoneidade de Tomás Correia e dos corpos dirigentes

da Associação Montepio?

É inaceitável, é inacreditável que haja uma discussão jurídica que dura há semanas sobre este assunto.

Aquilo que se exigia era, em primeiro lugar, que o Governo tivesse legislado bem e, em segundo lugar, que o

Governo tivesse legislado no sentido de que alguém que foi sancionado pelo Banco de Portugal — e que foi

sancionado de uma forma que não foi célere, não foi rápida, mas que foi pesada, justa, porventura! —, alguém

que o Banco de Portugal diz que não pode estar à frente de um banco não seja a mesma pessoa que, embora

não esteja à frente de um banco, decida quem é que vai estar à frente de um banco…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já ultrapassou largamente o seu tempo. Peço-lhe para concluir.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Com certeza, Sr. Presidente, ia mesmo concluir. Já teria até concluído,

não fosse a interrupção de V. Ex.ª, justíssima face ao tempo ultrapassado.

Portanto, faz sentido que a mesma pessoa que não pode estar à frente de um banco seja precisamente a

pessoa que decide quem é que está à frente de um banco? Faz isto algum sentido, Sr. Deputado?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, como se provou por esta última fração, a sua afirmação anterior não

corresponde à realidade.

Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado João Paulo Correia.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Adão Silva, para o

Grupo Parlamentar do PS a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões já tem habilitação legal

para avaliar a idoneidade do Dr. Tomás Correia, e já o deveria ter feito.

Para que não persista qualquer dúvida interpretativa, o Governo já anunciou que amanhã, em reunião do

Conselho de Ministros, irá aprovar um decreto clarificador que, nos próximos dias, após promulgação por parte

do Sr. Presidente da República, permita à Autoridade de Supervisão avaliar a idoneidade do Dr. Tomás Correia.

Se, nas últimas semanas, surgiu o debate sobre este tema, foi porque o Banco de Portugal aplicou uma

sanção pesadíssima ao Dr. Tomás Correia, enquanto administrador do Banco Montepio, entre 2008 e 2015,

porque detetou irregularidades ao nível do controlo interno, na gestão do banco, e também ao nível da

concessão de créditos enquanto aquele exerceu as funções de presidente do Banco Montepio.

É evidente que esta sanção pesadíssima, que, segundo sabemos, é a segunda sanção mais pesada que o

Banco de Portugal aplicou até hoje, a seguir à que aplicou a Ricardo Salgado, diz bem da dimensão das

irregularidades que, provavelmente — acreditamos que sim, mas são os tribunais que irão dar a palavra final —

, foram praticadas por Tomás Correia.

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É evidente que esta sanção do Banco de Portugal quebra a confiança nas capacidades de gestão do Dr.

Tomás Correia e, como tal, a permanência do Dr. Tomás Correia à frente da Associação Mutualista cria fundados

receios e uma ameaça à estabilidade da própria Associação Mutualista.

Este tema, que nos próximos dias será, certamente, resolvido pela Autoridade de Supervisão, no seguimento

do decreto clarificador que vai confirmar a habilitação legal da Autoridade de Supervisão para avaliar a

idoneidade do Dr. Tomás Correia, não nos pode fazer desviar de um aspeto importante que ontem foi destacado

na audição do presidente da Autoridade de Supervisão: o de que à Autoridade de Supervisão não cabe só avaliar

a idoneidade do Dr. Tomás Correia.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, vou terminar.

Cabe-lhe também, por exemplo, exigir informação financeira, promover auditorias especiais à Associação

Mutualista, proceder à verificação em matéria de provisões técnicas, dos requisitos de capital, da avaliação dos

elementos do ativo e do passivo e das regras de investimento e dos fundos próprios.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — É matéria fundamental para avaliar a situação patrimonial e o nível de

gestão da Associação Mutualista Montepio.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Porque é que o PSD não se preocupou, na sua intervenção, com estes

aspetos que são muito importantes para prestar a informação devida aos 630 000 associados da Associação

Mutualista?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, começo por agradecer as questões colocadas pela Sr.ª Deputada

Cecília Meireles e pelo Sr. Deputado João Paulo Correia.

De facto, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles tem toda a razão. O valor primacial nesta matéria é a confiança e,

por manifesta incompetência — digo eu! — do Governo, esta relação de confiança está, claramente, a esfiapar-

se, a debilitar-se. E isto, obviamente, não pode ser!

O Governo, alertado para isto, o que é que fez? Sentou-se em cima das próprias mãos, dizendo «a

competência não é nossa, está tudo claro, alguém que resolva a questão porque não temos nada a ver com

isto». Depois, verificou-se que, afinal, têm e, por isso, vão mesmo corrigir aquilo que estava errado. Isto é, o

Governo foi incompetente a legislar sobre matéria de grande sensibilidade, uma das matérias de maior

sensibilidade que existe, neste momento, no País.

É bom que fique claro das minhas intervenções que nós não atacamos o mutualismo, exaltamos o

mutualismo! Nós não atacamos a Associação Mutualista. Ela já lá estava antes do Dr. Tomás Correia e ficará

para depois do Dr. Tomás Correia. Ela não começou nem acabará com o Dr. Tomás Correia. Ela é um bem

precioso que há em Portugal.

Por isso é que reclamamos que haja clareza nesta matéria, para que esta questão seja rapidamente

ultrapassada, porque, desta maneira, a confiança esvai-se, a segurança enfraquece e quem mais perde são,

obviamente, os portugueses que acreditaram.

Sr. Deputado João Paulo Correia, V. Ex.ª proferiu uma frase que sou capaz de citar ipsis verbis. O Sr.

Deputado disse: «A continuação do Dr. Tomás Correia cria uma ameaça à estabilidade da Associação

Mutualista».

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O Sr. João Paulo Correia (PS): — Receios fundados!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Nós estamos completamente de acordo, Sr. Deputado.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Receios fundados!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Obrigado por ter dito isso, porque estamos completamente de acordo. Veja bem,

Sr. Deputado, cria mesmo uma ameaça! Mas estas ameaças, que têm, obviamente, muito a ver com a presença

de alguém que, reconhecidamente, não é idóneo, têm uma razão de ser: é um Governo incompetente a legislar,

incompetente a acompanhar uma entidade destas, numa estranha relação cúmplice com o Dr. Tomás Correia.

Os 630 000 cidadãos deste País merecem mais do que esta cumplicidade, merecem muito mais.

Por isso, Sr. Deputado, estamos absolutamente convencidos de que o Governo não tem razão nesta matéria.

Não a tinha antes, quando estas pessoas foram eleitas para a direção da Associação Mutualista, e continua a

não tê-la agora, quando procura afastar as suas responsabilidades, empurrando para terceiros aquilo que é seu

desde o princípio.

O Governo legislou mal, sem dúvida. O Governo criou um enorme buraco de irresponsabilidade, sem dúvida.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Adão Silva (PSD): — O Governo tem de resolver o problema em nome dos 630 000 cidadãos deste

País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para proferir a segunda declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida

Marques, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Começo com uma

citação: «O conceito dinâmico de Europa exige que ele seja constantemente repensado. Construir a Europa não

é tarefa fácil. Muitos obstáculos vão surgindo pelo caminho e alguns deles nascem de tradições ligadas à vida

coletiva de cada povo. Repensar a Europa e o seu futuro é assim um dever permanente que deve ser assumido

com humildade face à importância histórica dos objetivos e que deve ser obra de todos os europeus». — Mário

Soares, na Cimeira do Porto «A Europa Connosco», em 1976.

Aplausos do PS.

Retiramos das palavras de Mário Soares dois ensinamentos.

O primeiro ensinamento é o seguinte: a União Europeia é um processo em construção, inacabado, imperfeito.

Podemos e devemos afirmá-lo ainda hoje, 43 anos depois, e esperamos que os nossos netos o possam afirmar

no futuro.

Hoje, a União Europeia está profundamente sujeita a críticas, quer pela sua resposta lenta ao impacto na

União Europeia das crises das dívidas soberanas, quer por ter assente a sua resposta numa ideologia

ultraliberal, pondo em causa os direitos sociais e tentando fazer-nos crer que essa era a única resposta,

orientação seguida, aliás, religiosamente, em Portugal, pelo Governo PSD/CDS.

Aplausos do PS.

Quer pelo deficit de solidariedade em receber os que procuraram e procuram a Europa como tábua de

salvação para as suas vidas, vindos de zonas de guerra ou de regiões onde os direitos humanos não existem,

respeitando de forma duvidosa as suas obrigações internacionais no que diz respeito aos direitos dos refugiados.

Não, a União Europeia não foi invadida por refugiados! Aliás, António Guterres já nos alertara para esta não

invasão, quando era ainda Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.

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Estas e outras políticas levaram a que muitos europeus deixassem de acreditar na União Europeia e de ver

na União Europeia um espaço de solidariedade. Levaram, também, os movimentos populistas e a extrema-

direita europeia a aproveitar estas fragilidades, estes descontentamentos, para mobilizar os cidadãos contra o

projeto europeu.

O último Eurobarómetro mostra que a confiança dos cidadãos europeus está em alta, mas isso não nos pode

deixar descansados.

Segundo ensinamento deste discurso de Mário Soares: a pertença à União Europeia está na génese do PS.

O PS é um partido profundamente europeísta, como o são, aliás, os portugueses. Fez-se na Europa, com a

solidariedade dos partidos irmãos europeus, mesmo ainda na ditadura. Tem consciência de que o lugar de

pertença de Portugal é a União Europeia. Era-o em 1976, como bem percebeu o visionário Mário Soares, e é-o

em 2019.

Enganam-se aqueles que acham que o nosso lugar é fora da União Europeia. Não, não conseguiremos

responder, nem nós portugueses nem nenhum outro povo europeu, isoladamente, aos desafios mundiais,

sozinhos no mundo.

Enganam-se aqueles que entendem que devemos estar na União Europeia, mas que não devemos seguir

as políticas europeias decididas com a nossa participação.

Enganam-se aqueles que acham que temos ganhos votando sozinhos.

Não abdicaremos de influenciar fortemente as políticas europeias para que elas sirvam melhor a Europa,

Portugal e os portugueses, como tem feito este Governo, a título de exemplo, em matéria orçamental,

reivindicando e fazendo propostas para que o euro se torne num instrumento de convergência e não de

divergência — passos já foram dados —, ou agindo no sentido da não integração nos tratados do chamado

«tratado orçamental».

Refiro ainda que o grupo socialista e democrata no Parlamento Europeu condicionou o voto em Juncker no

Parlamento Europeu para Presidente da Comissão Europeia à existência de um plano de investimento para a

União Europeia, que veio a dar origem ao Plano Juncker, e a empenhar-se na adoção de um Pilar Europeu dos

Direitos Sociais, o que veio a acontecer em Gothenburg.

Mas também não abdicaremos de assumir os nossos compromissos no quadro da soberania que aceitámos

partilhar com a nossa adesão à União Europeia, no respeito pela diversidade e pela flexibilidade que

conseguimos fazer respeitar, por exemplo no reconhecimento das políticas deste Governo no quadro do

semestre europeu.

A União Europeia tem de estar ao serviço dos cidadãos.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

As eleições europeias são um bom momento para mudar a União Europeia e para construir uma União

Europeia mais justa, uma mudança radical para construir um projeto para o futuro.

Não deixar ninguém para trás. Não deixar para trás nenhum território.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem mesmo de terminar, por favor.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Só conseguiremos chegar aqui com um novo contrato social para a

Europa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Deputados para fazerem pedidos de esclarecimento, tendo a

Sr.ª Deputada Margarida Marques informado a Mesa que responderá dois a dois.

Tem, pois, a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Inês Domingos, do Grupo Parlamentar do PSD,

para um pedido de esclarecimento.

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A Sr.ª Inês Domingos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Marques, na iniciativa de cidadãos

sobre a União Europeia foram identificados vários temas importantes para os portugueses, como as migrações,

os fundos europeus ou as consequências do Brexit para os cidadãos portugueses e para a economia

portuguesa. Estes temas também são nossos e são temas que preocupam o PSD.

Sr.ª Deputada, falou aqui, e bem, do facto de haver um aumento do euroceticismo, o que a nós, PSD, que

somos um partido europeísta, também nos preocupa. Mas esse aumento do euroceticismo deve-se, também, à

desinformação. E devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que o PS não tem contribuído para uma boa informação sobre

a União Europeia.

Vozes do PSD: — Muito bem!

Protestos do PS.

A Sr.ª Inês Domingos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Marques, pensava que vinha aqui

corrigir algumas das coisas que foram ditas na campanha do PS e que foram propagandeadas pelo cabeça de

lista do Partido Socialista às próximas eleições europeias, porque até hoje, Sr.ª Deputada, as intervenções do

PS têm sido marcadas por contradições, interpretações criativas, para ser simpática, e por tentativas de passar

notícias requentadas como se fossem novas.

Por isso, gostava de lhe perguntar se é ou não verdade que a posição de Portugal na execução dos fundos

europeus passou para o sétimo lugar, contrariamente ao que o Partido Socialista tem vindo a dizer, afirmando

que Portugal estava em primeiro lugar.

Vozes do PSD: — É verdade! Bem lembrado!

A Sr.ª Inês Domingos (PSD): — Sr.ª Deputada, percebo que é um bocadinho desagradável que os factos

desmintam a realidade ou a imagem que quer tentar passar, mas, enfim, é o que é.

Gostava também de perguntar-lhe o seguinte: como explica, Sr.ª Deputada, a propaganda que o PS tem feito

sobre o próximo quadro comunitário? O PS diz que os fundos para Portugal aumentaram 1,7 mil milhões de

euros, só que em termos reais, se descontarmos a inflação, o que há é efetivamente uma diminuição dos fundos

para Portugal.

Porque é que insistem em fazer campanhas com elementos que não são verdadeiros?

Aliás, Sr.ª Deputada, o atual cabeça de lista do Partido Socialista às eleições europeias, que foi, por sinal, o

ministro responsável por estas negociações dos fundos europeus, não só foi incompetente a negociar com a

União Europeia estes fundos como agora procura disfarçar os seus erros com embustes!

Gostava de saber a opinião da Sr.ª Deputada sobre este tema.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Pedro Mota Soares,

do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar Mesa.

Sr.ª Deputada Margarida Marques, veio aqui fazer uma intervenção — percebemos, no final, que tinha muito

o mote das próximas eleições europeias — em que falou sobre um conjunto de matérias da Europa, mas,

espantosamente, pelo menos na minha opinião, a Sr.ª Deputada conseguiu passar ao lado de temas que hoje

são cruciais para Portugal na encruzilhada em que a União Europeia se encontra.

Por exemplo, estamos a negociar o próximo quadro comunitário, o quadro financeiro plurianual, e a verdade

é que o que está em cima da mesa é uma proposta francamente negativa para os interesses portugueses.

Perder 7% das verbas do Fundo de Coesão é algo que deve preocupar todos os portugueses que beneficiam

destes fundos numa altura em que Portugal ainda está, infelizmente, longe da média per capita do resto dos

países da União Europeia.

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Perder uma parte significativa das verbas do segundo pilar da agricultura, que são, muitas vezes, as verbas

mais ligadas ao investimento e à própria inovação do setor agrícola, é algo que devia preocupar o Partido

Socialista! Mas, pelos vistos, não preocupa a Sr.ª Deputada, porque não fala sobre esta matéria.

A Sr.ª Deputada não fala também, por exemplo, do que está a acontecer hoje na execução do atual quadro

comunitário. Estamos a menos de dois anos do fim do quadro e Portugal ainda só executou 29% das verbas,

18% no Fundo de Coesão, e isso devia preocupá-la, Sr.ª Deputada, tal como devia preocupá-la o facto de,

passado todo este tempo, a União Europeia ainda não ter conseguido fechar mecanismos que, para Portugal,

são muito importantes, como, por exemplo, o mecanismo da reforma da zona do euro.

A Sr.ª Deputada citou várias vezes Mário Soares. Não posso deixar de perguntar à Sr.ª Deputada o que é

que Mário Soares pensaria sobre a atual posição do Partido Socialista face a governos socialistas que são

colegas dentro do Partido Socialista Europeu e que estão, neste momento, a atacar os fundamentos do Estado

de Direito, como está, por exemplo, a acontecer na Roménia ou em Malta.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Quando isso aconteceu no PPE (Partido Popular Europeu) com um

partido congénere do CDS, fomos dos primeiros a pedir a suspensão, a pedir até a expulsão desse mesmo

partido.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Gostava de saber o que é que o Partido Socialista pensa sobre o

que está a acontecer na Roménia e o que está a acontecer em Malta.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente.

É espantoso que a Sr.ª Deputada não se tenha referido ao grande tema europeu neste momento, que é o

Brexit, que certamente nos preocupa muito pelo efeito que pode ter sobre os portugueses que lá estão e sobre

a economia portuguesa, sobre as entidades exportadoras que estão, neste momento, a exportar para o Reino

Unido.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Marques.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Sr. Presidente, Srs Deputados, efetivamente, as declarações políticas

têm um limite, e esse limite são 6 minutos. Mas, felizmente, o levantar aqui de algumas questões, que, aliás,

agradeço, permite-nos ir mais além neste debate sobre a União Europeia.

Sobre a primeira questão, a da execução do quadro, penso que quer a Sr.ª Deputada Inês Domingos, quer

o Sr. Deputado Pedro Mota Soares deveriam antes pensar qual foi o quadro que negociaram e qual era o nível

de execução quando deixaram o Governo.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.

No que diz respeito ao quadro que negociaram, é importante, por exemplo — é uma coisa de que se fala

muito pouco —, que nunca falem nas verbas que destinaram aos instrumentos financeiros, que têm um peso no

nosso quadro inaceitável. Aliás, éramos o segundo país, a seguir ao Reino Unido, em montantes orientados

para instrumentos financeiros. É muito interessante olhar para isso, sabendo nós que os operadores dos fundos

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estruturais em Portugal, as instituições portuguesas que beneficiam dos fundos estruturais não estão

tendencialmente interessadas em usar aqueles instrumentos financeiros.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Responda à pergunta!

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Mas nós quisemos ser modernos e, portanto, éramos os segundos em

instrumentos financeiros. Os outros 26 países não quiseram que esses instrumentos financeiros estivessem

contemplados nos seus quadros financeiros plurianuais.

Relativamente à execução do quadro, os senhores sabem qual era a execução quando saíram do Governo

e qual é a execução hoje.

Protestos dos Deputados do PSD Cristóvão Crespo e Duarte Marques.

E é importante destacar a capacidade que este Governo teve de renegociar a reprogramação do quadro

financeiro plurianual, reprogramação essa que foi, de facto, um sucesso para o Governo português, um sucesso

para Pedro Marques, Ministro na altura, que liderou essa reprogramação. Hoje, essa reprogramação serve,

efetivamente, os interesses dos portugueses, os interesses de Portugal e permite canalizar fundos para os

portugueses e para as empresas.

Sr. Deputado Pedro Mota Soares, podemos estar aqui a discutir o Brexit, mas quem o está a discutir são os

britânicos, no seu Parlamento. É evidente que o Brexit tem um impacto em toda a União Europeia e tem,

sobretudo, um impacto no Reino Unido. Mas o que é interessante verificarmos…

O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, o que é interessante verificarmos é o que significa para os britânicos a divisão e o

conflito de poderes na direita britânica.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sobre a Roménia e Malta, zero!

O Sr. Presidente: — Há mais duas Deputadas inscritas para pedirem esclarecimentos, do Bloco de Esquerda

e do PCP.

Para o efeito, tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Marques, quero agradecer o tema que

trouxe aqui a debat,e porque, de facto, ele é importante.

A Sr.ª Deputada falou-nos sobre o projeto europeu, que, na verdade, foi um projeto construído, desde o seu

início, nas costas dos povos, sem os ouvir. Por isso é que hoje temos coisas, como, por exemplo, o Tratado de

Lisboa, que é um exemplo paradigmático desse afastamento dos cidadãos e das cidadãs e de como este tipo

de tratados serviram para legitimar coisas absolutamente inaceitáveis que foram acontecendo ao longo das

últimas décadas, do ponto de vista económico, do ponto de vista financeiro, mas também do ponto de vista da

solidariedade, de que tanto aqui falou, além de que o projeto europeu também serviu para legitimar algumas

guerras que já têm acontecido no mundo.

Mas também temos tido outros instrumentos de chantagem criados por este projeto europeu, como seja o

tratado orçamental, que, na verdade, nunca foi liminarmente rejeitado pelo próprio Partido Socialista.

É certo que rejeitaram que ele passasse a direito comunitário no Parlamento Europeu, mas o Partido

Socialista, aqui, e também a nível europeu, segue à risca aquilo que são as emanações que vêm deste tratado

orçamental. Portanto, serviu e serve para justificar uma obsessão doentia que tem existido por parte deste

Governo para ter um défice próximo de zero ou abaixo de zero.

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Não vale, pois, a pena vir falar de coisas que não aconteceram, tais como dizer que o Partido Socialista não

rejeita o tratado orçamental porque o aceita e segue-o à risca, o que tem prejudicado grandemente, por exemplo,

a capacidade de investimento público que o País tem à custa deste tratado.

Mas também há outros debates europeus que, na nossa opinião, o Partido Socialista deveria colocar em

cima da mesa. Ou a Sr.ª Deputada já não está recordada de um debate importantíssimo sobre a dívida pública?

Aliás, houve um grupo de trabalho do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista que fez exatamente este debate,

sob a condição de existir um debate a nível europeu sobre a questão da dívida pública, que é um problema que

afeta gravemente o nosso País, para além de outros países. É caso para perguntar se o Partido Socialista se

esqueceu também desta questão.

Por último, Sr.ª Deputada, falou de um projeto europeu minado pela extrema-direita, pelo ultraliberalismo,

que utiliza a questão dos refugiados…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, falou de um projeto europeu minado pela extrema-direita, pelo ultraliberalismo, que

utiliza a questão dos refugiados para criar uma narrativa de medo. Mas relembro-lhe, Sr.ª Deputada, que

esquece o papel que, tanto a Comissão Europeia como outras instituições onde o Partido Socialista e o Governo

têm assento, tiveram para fortalecer exatamente estas forças. E lembro apenas as medidas securitárias, as

cedências que foram sendo feitas a estas políticas do medo, porque só se defende a solidariedade praticando-

a, não é legitimando muros nem criando exércitos europeus.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do

Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Marques, quero igualmente

cumprimentá-la.

Sr.ª Deputada, muitas vezes, temos colocado em cima da mesa as opções políticas da União Europeia que

têm conduzido à degradação das condições de vida dos povos, que têm conduzido à pobreza, que têm levado

à exclusão, às desigualdades sociais e que são responsáveis, inclusivamente, pelo descontentamento dos

povos devido ao caminho por que a União Europeia optou.

E o que responde a União Europeia perante este descontentamento e perante problemas concretos com que

os povos e os trabalhadores são confrontados? A resposta não é no sentido da sua resolução, é seguir em

frente no mesmo caminho, aprofundando estas políticas de precariedade, de instabilidade, de desemprego, de

pobreza, que, de facto, não resolvem os problemas com que os povos são confrontados.

Esta é a questão de fundo, que clarifica e caracteriza a natureza deste projeto, um projeto de integração

capitalista que não foi feito para resolver nenhum dos problemas dos povos mas, sim, dos grandes grupos

económicos e do grande capital.

E isso é bem visível no nosso País, Sr.ª Deputada!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Ora bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Nós precisávamos de avançar no sentido da valorização dos salários, no

sentido da valorização das carreiras, no sentido do reforço do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública, da

contratação de mais trabalhadores, que estão em falta na Administração Pública, de valorização e garantia de

transportes públicos de qualidade, de mais investimento público para o desenvolvimento do nosso País na

aposta na produção nacional.

E o que é feito por parte do Governo? Aliás, havendo aqui uma convergência entre o PS, o PSD e o CDS,

de facto, a realidade do nosso País demonstra que não é possível concretizar estes avanços mantendo a

submissão às limitações e aos constrangimentos que a União Europeia está a impor ao nosso País, que o PS,

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o PSD e o CDS aceitam e que, na prática, constitui um obstáculo e um impedimento para o nosso

desenvolvimento e para o progresso do nosso País.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Deputada, a questão que lhe queria deixar é muito simples.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem mesmo de concluir.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.

A seguinte questão é importante: o Partido Socialista votou contra a transposição do conteúdo do tratado

orçamental para a legislação europeia. O que eu queria perguntar é se vai manter coerente essa posição e se

aqui, na Assembleia da República, o Partido Socialista vai defender a revogação desse tratado e a respetiva

desvinculação de Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Marques, do PS.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, agradeço as questões colocadas pelas

Sr.as Deputadas Paula Santos e Isabel Pires.

As Sr.as Deputadas trazem aqui um tema que é muito caro ao Partido Socialista, que é a questão do

intergovernamental versus comunitário. O que nós temos como tratado orçamental é um tratado

intergovernamental. O que o Partido Socialista tem defendido é que devemos valorizar o método comunitário e

não o método intergovernamental.

Por exemplo, quando propomos a transformação de um mecanismo europeu de estabilidade num Fundo

Monetário Europeu, o que nós queremos é que, de facto, se abandone a visão intergovernamental e se valorize

a dimensão comunitária, porque a dimensão comunitária significa mais poder da Comissão Europeia, que tem

sido a instituição aliada dos pequenos e médios países.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Oh! Vê-se bem!

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — A Comissão Europeia é a instituição que permite que todos os países

participem, de uma forma equilibrada, no processo de decisão ao nível europeu.

É por isso que, relativamente ao tratado orçamental, os socialistas no Parlamento Europeu se manifestaram

contra a transposição do tratado orçamental para os tratados da União Europeia. E isso está à vista: o tratado

orçamental deveria ter sido integrado nos tratados cinco anos depois de entrar em vigor, ou seja, no dia 1 de

janeiro de 2018. Já estamos quase em meados de 2019 e o tratado orçamental continua fora dos tratados da

União Europeia.

Relativamente à questão da Sr.ª Deputada Paula Santos, quando diz que a União Europeia não foi constituída

para responder aos problemas dos povos, penso que a Sr.ª Deputada está a esquecer a origem da União

Europeia, que foi, exatamente, a reconstrução europeia depois da II Guerra Mundial. Serviu, efetivamente, para

responder à necessidade de reconstruir a Europa, num projeto de paz, criando condições de vida e direitos para

os europeus depois da II Guerra Mundial.

É a esse projeto que a União Europeia se mantém ligada ainda hoje, para responder de forma concreta e

mais atual.

A Sr.ª Deputada sabe que os socialistas, na União Europeia, se bateram…

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José de Matos Correia.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

A Sr.ª Deputada Paula Santos sabe que os socialistas, na União Europeia, se bateram pela existência de um

pilar europeu dos direitos sociais, se bateram para que, nos objetivos de 2020, estivesse claramente definido e

quantificado um esforço de combate à pobreza e que, quer um, quer outro, existem hoje nas políticas europeias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José de Matos Rosa): — Para uma declaração política, em nome do Bloco de Esquerda,

tem a palavra o Sr. Deputado João Vasconcelos.

Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Vasconcelos (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O presidente da EMPORDEF, João

Pedro Martins, veio ao Parlamento fazer uma acusação gravíssima, a de que a gestão dos extintos Estaleiros

Navais de Viana do Castelo teve atos que classificou como sendo de alta corrupção.

Essa audição, pedida pelo Bloco de Esquerda e realizada na Comissão de Defesa Nacional, ficou marcada

pela denúncia de uma estratégia privatizadora, que passava por apresentar contas de empresas públicas

adulteradas e balanços muito negativos para justificar a necessidade da sua privatização. São acusações

gravíssimas que não podem ser ignoradas.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. João Vasconcelos (BE): — A EMPORDEF é a holding que gere as indústrias de defesa portuguesas,

cuja atividade consiste na gestão de participações detidas pelo Estado em sociedades ligadas, direta ou

indiretamente, às atividades de defesa como forma indireta de exercício de atividades económicas. Tem vários

núcleos de participação, que se dividem entre os setores naval, industrial, tecnológico, imobiliário e financeiro.

Também faziam parte da EMPORDEF os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, antes de terem sido

entregues a uma empresa privada pelo anterior Governo, PSD/CDS.

Os resultados da EMPORDEF, segundo denunciou João Pedro Martins, foram construídos para que a holding

apresentasse capitais próprios negativos. Aliás, foi esse o argumento que Paulo Portas apresentou em 2014

para justificar a decisão de extinção da EMPORDEF. Sabemos hoje que essa decisão assentou em argumentos

falsos e em mentiras técnicas.

O principal argumento invocado para liquidar a empresa não terá correspondido à verdade, pois a

EMPORDEF não apresentava capitais negativos nos três anos anteriores a 2014.

Efetivamente, a empresa apresentou nas suas contas auditadas, entre 2010 e 2014, capitais próprios acima

dos 100 milhões de euros. Mais uma enorme mentira que o Governo anterior contou aos portugueses!

Há um exemplo que mostra a dimensão da fraude: os terrenos de Alverca detidos pela EMPORDEF foram

avaliados para as contas por um valor de 113 000 euros. Repito, 113 000 euros. Ora, a avaliação mais recente

feita pelas Finanças mostra que esses terrenos valem 60 milhões de euros. São estas as contas à moda do

PSD e do CDS!

E qual seria a intenção? Claro, liquidar uma empresa pública que dava lucro e abrir o caminho para a

privatização das restantes empresas do Grupo, como aconteceu com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo

e com as OGMA.

Mas, diz-nos o atual presidente, que as mentiras do PSD e do CDS sobre as empresas detidas pela

EMPORDEF não acabavam aqui. As contas dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo foram manipuladas,

apresentando dívidas muito acima da realidade. Mais uma mentira, desta vez superior a 300 milhões de euros,

tal era a diferença entre o que anunciaram e a realidade e assim abria-se o caminho para uma mais fácil

privatização.

Perante estas denúncias gravíssimas, é preciso apurar todas as responsabilidades, pois está em causa o

património público, o património do Estado, que, no fundo, é de todos nós.

Afinal, houve ou não corrupção envolvendo todo este processo? «Alta corrupção», diz-nos o atual presidente

da EMPORDEF, «muitas irregularidades» e situações «de natureza criminal», diz-nos ele. Gravíssimo, dizemos

nós!

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Perante estas denúncias, o que têm a dizer o PSD, o CDS e até o PS? Queriam abafar a situação e, por isso

mesmo, pretendiam rejeitar a audição dos responsáveis políticos nestes processos. O Bloco de Esquerda propôs

a audição do ex-Ministro da Defesa Aguiar Branco e do ex-Ministro da Defesa Azeredo Lopes, mas PSD, CDS

e PS queriam vetar. Não o permitimos!

Aplausos do BE.

O Bloco de Esquerda apresentou um requerimento potestativo para que estes ex-governantes sejam ouvidos

no Parlamento. Uma denúncia gravíssima de corrupção tem de ter consequências e a verdade tem de ser

apurada.

Rui Rio dizia há dias que a privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo é um caso de sucesso. O

CDS faz de conta que não teve nada a ver com o assunto. O PS fica longe dos pedidos de transparência e da

investigação exigidas por Ana Gomes e prepara-se para extinguir a EMPORDEF, que sempre foi e é lucrativa,

dando cumprimento à vontade de Paulo Portas. É esta a muralha de silêncio que se ergue perante estas

denúncias?

O Bloco de Esquerda irá ouvir os ex-Ministros da Defesa e, anuncio já aqui, em nome do Grupo Parlamentar

do Bloco de Esquerda, propor a realização de uma auditoria forense às contas da EMPORDEF e dos Estaleiros

Navais de Viana do Castelo. A luta contra a corrupção não é compatível com muros de silêncio.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, inscreveram-se quatro Srs. Deputados para

pedir esclarecimentos. Como é que pretende responder?

O Sr. João Vasconcelos (BE): — Em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Muito bem, assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel

Costa, do PSD.

O Sr. Leonel Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Vasconcelos, este é um debate

marcadamente ideológico pelo Bloco de Esquerda.

O Bloco de Esquerda não quer esclarecer nada, e muito menos ser esclarecido; se não ontem, na reunião

da Comissão de Defesa, tinha aceite a sugestão do PSD de, antes de ouvir a classe política, ouvir os gestores

à data.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Há responsáveis não é?

O Sr. Leonel Costa (PSD): — Isto porque, para nós, de facto, é importante perceber o que se passa com a

empresa, mas para o Bloco de Esquerda não.

Sr. Deputado, sejamos muito claros: a questão da EMPORDEF foi originada pelas declarações do Sr.

Presidente do Conselho de Liquidação, que o Sr. Deputado há pouco referiu, em que alegava que a decisão de

2015 foi sustentada nos tais critérios contabilísticos, mas não. A resolução do Conselho de Ministros, e basta lê-

la do início ao fim, foi simplesmente uma decisão política, e uma decisão política acertada, sabemos hoje, citando

as palavras de Rui Rio, que também referiu há pouco, uma decisão com sucesso.

Portanto, de certa forma, espanta-me que o Sr. Deputado, apesar do que aconteceu na audição do Sr.

Presidente do Conselho de Liquidação, ainda hoje tente manter a sua interpretação de que o que esteve

subjacente foi um qualquer critério contabilístico, e não foi.

O lucro que boa parte das empresas participadas pela EMPORDEF tinha era canalizado para tapar os

prejuízos dos Estaleiros Navais, e não chegava. Com a decisão de privatização, esse prejuízo deixou de existir

e, hoje, a EMPORDEF tem lucros para distribuir, precisamente porque a decisão foi acertada.

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Aliás, o próprio Presidente do Conselho de Liquidação disse que os pressupostos atuais não são aqueles

que se verificavam em 2015. A decisão do PSD, a tal que foi acertada e com sucesso, é que permitiu manter os

Estaleiros Navais, manter os postos de trabalho e ter uma elevada receita adveniente da exportação.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Leonel Costa (PSD): — Portanto, a questão que se coloca ao Bloco de Esquerda é a de saber se o

Bloco preferia, por esta questão marcadamente ideológica, como eu disse, o encerramento do Estaleiro e a

extinção de todos estes postos de trabalho.

Aplausos do PSD

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado, do PCP.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Vasconcelos, começo por saudar a

declaração política que trouxe ao Plenário da Assembleia da República.

Em resposta ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, o Presidente da Comissão Liquidatária

da EMPORDEF, nomeadamente no que diz respeito aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, disse que se

tratava de alta corrupção. E nós não temos dúvidas, em dois aspetos fundamentais: o primeiro é que toda a

matéria que foi transmitida deve ser remetida para o Ministério Público para o apuramento de responsabilidades

criminais, e, portanto, há um mundo de averiguações que devem ser feitas e devem ser levadas as conclusões

até ao final.

Nessa perspetiva, queremos dizer que a esperança do Grupo Parlamentar do PCP é que o Ministério Público

faça o seu trabalho e sejam apuradas todas as responsabilidades, mas no plano político, que é aquele que mais

nos interessa, não temos dúvidas em afirmar que a privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo foi,

do ponto de vista político e do ponto de vista do interesse nacional, um verdadeiro crime. Ora, por isto é que

quero trazer à discussão a privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

Recordo duas ou três afirmações que proferimos nas conclusões da Comissão de Inquérito à privatização

dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Dizíamos, na altura, o seguinte: «Ficou claro nas audições que a

decisão de extinguir os Estaleiros Navais de Viana do Castelo e concessionar os respetivos terrenos não era

uma inevitabilidade, antes decorre, e é inseparável, de opções de sucessivos governos (…)» e agora acrescento

PS, PSD e CDS-PP, «(…) e das ações e omissões de sucessivas administrações por eles nomeados, cujas

responsabilidades não podem ser ilibadas. A opção do Governo de liquidar a empresa é uma escolha que reflete

uma posição ideológica que apenas serve os interesses de grupos privados que pretendem apropriar-se de um

património público, determinante e estratégico da construção naval em Portugal».

Veja-se, aliás, uma realidade, algo que é completamente factual: é que para construir os navios-patrulha

oceânicos quando os Estaleiros Navais eram uma entidade pública, sucessivos governos e sucessivas

administrações criaram dificuldades atrás de dificuldades, e assim que os Estaleiros foram privatizados é um

regabofe de facilidades e não falta dinheiro para construir os navios-patrulha oceânicos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Portanto, houve uma opção e pergunto-lhe: acha ou não que houve uma

estratégia deliberada de privatização e de desmantelar a resposta pública para favorecer o negócio privado de

meia dúzia de grupos económicos?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — A direita só não vê porque não quer!

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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo, do CDS-PP.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Vasconcelos, gostaria de colocar este

debate na realidade, porque o Sr. Deputado João Vasconcelos falou de uma realidade que não existiu, ontem,

na reunião da Comissão de Defesa.

Quem não quer ser esclarecido, não está interessado na verdade nem em detalhes que podiam apurar essa

mesma verdade é o Bloco de Esquerda. Aliás, estava presente a Lusa, Agência de Notícias, e recomendo aos

Srs. Jornalistas ouvirem a gravação dessa mesma audição porque foram feitas propostas pelo Partido Social

Democrata, pelo PS e pelo CDS para se ouvirem outras entidades antes dos ministros. E o que é que disse o

Bloco de Esquerda? Disse «não», quis colocar o seu requerimento a votação nesses mesmos termos, que foi

chumbado por causa disso, e depois avançou com o agendamento potestativo.

Sr. Deputado, não deixa de ser curioso que o Bloco de Esquerda, em quatro anos desta Legislatura, das

duas vezes que pode usar o agendamento potestativo em comissão tenha sido exclusivamente por causa da

gestão da EMPORDEF, como se não houvesse outros assuntos mas importantes para serem debatidos em

agendamentos potestativos.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Não, porque o que vocês querem é calar!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Bem sei que os Srs. Deputados não querem falar da saúde, nem dos

transportes, nem do estado da arte em que está o País, isso nós bem sabemos. Serve à vossa agenda de

mistificação. Esta intervenção do Sr. Deputado João Vasconcelos foi uma mistificação.

Por outro lado, como foi aqui dito pelos meus colegas, isto em muito a ver com o mau perder do Bloco de

Esquerda. Como a OGMA dá lucro, funciona e é um exemplo de produtividade na mão de uma empresa privada,

isto para o Bloco de Esquerda põe em causa todos os seus pensamentos sobre o privado ser mau.

Sr. Deputado, como os Estaleiros Navais de Viana do Castelo — que não foram privatizados, foram extintos

e foi entregue uma concessão a uma empresa privada — estão a funcionar, estão a laborar, têm mais

trabalhadores do que tinham antes, têm lucro,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora bem!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — … fabricam navios e barcos entregues a tempo e a horas, e isso põe em

causa a vossa visão ideológica, inventam este esquema para tentar rebater essa realidade.

Bem sei que isto é um problema ideológico, não é a verdade e os Srs. Deputados não estão nada

interessados nisto, querem é abrir uma frente ideológica contra esta opção dos Estaleiros Navais.

E, Sr. Deputado, também há manipulação do que aqui foi dito pelo Presidente da Comissão Liquidatária da

EMPORDEF, manipulação, repito, porque ele não disse muitas das coisas que foram aqui mencionadas pelo

Sr. Deputado João Vasconcelos.

Para terminar, Sr. Deputado João Vasconcelos, pergunto-lhe: ouviu aquilo que eu ouvi? Sr. Deputado, vou

ler o que ele disse, na parte refente a estes temas: «Para além das contas, os Estaleiros Navais de Viana do

Castelo alertaram para uma descativação nas contas de gerência de 2017 da EMPORDEF de 35 milhões». E

frisou: «não fui eu que pedi nem o Ministro da Defesa». O Sr. Deputado não acha isto um escândalo?!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.

E mais: «quiseram meter no orçamento da EMPORDEF 12 milhões de euros e eu disse que não, que não

devíamos nada a ninguém». O Sr. Deputado não acha isto esquisito?

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Nós pedimos o Ministro!

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O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — «Estranho» foi a expressão utilizada pelo Presidente da Comissão

Liquidatária da EMPORDEF, mas sobre isso já não convém ao Bloco de Esquerda falar. E sabe porquê? Porque

são orçamentos aprovados pelo Bloco de Esquerda e isso salpica o Bloco de Esquerda.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora bem!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Portanto, não estão interessados na verdade, não estão interessados em

coisíssima nenhuma, estão interessados em criar dificuldades a empresas que estão a funcionar muito bem.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

Joaquim Raposo.

O Sr. Joaquim Raposo (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Vasconcelos, lamentamos o que se tem

vindo a passar com a EMPORDEF, nomeadamente com a situação dos Estaleiros Navais.

Já em 2012 tínhamos apresentado um requerimento com caráter de urgência, na Comissão de Defesa

Nacional, para ouvirmos os então presidentes da EMPORDEF no sentido de esclarecer sobre as perspetivas da

evolução da situação gestionária e financeira, que, já na altura, se apresentavam graves nos Estaleiros Navais

de Viana do Castelo. Esse pedido foi rejeitado.

Na visão do PS, todo o processo relativo aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo foi tratado à pressa, de

forma atabalhoada pelo anterior Governo. O Partido Socialista não vai entrar em rodeios e, se no universo

empresarial da EMPORDEF existiram más práticas de gestão e foram praticados atos que lesaram o Estado e

o interesse público, no seguimento das declarações do Parlamento prestadas pelo atual Presidente da Comissão

Liquidatária, João Pedro Martins, esta é uma situação da maior gravidade. Assim sendo, esta situação tem de

ser esclarecida e clarificada por quem tem competência para isso, ou seja, a justiça, depois de nos ter sido

transmitido pelo Sr. Presidente da Comissão Liquidatária que essas práticas de má gestão já tinham sido

reportadas às entidades competentes, nomeadamente ao Ministério Público.

Aquilo que esperamos é que se investigue, que se responsabilize e que a justiça cumpra a sua missão.

Repito: que se investigue, que se responsabilize e que a justiça cumpra a sua missão!

Sr. Deputado João Vasconcelos, repito aquilo que o PS disse, nomeadamente através do Deputado Diogo

Leão, isto é, tivemos oportunidade de propor que se ouvissem os anteriores presidentes e responsáveis

financeiros da EMPORDEF para que, posteriormente, pudéssemos decidir ouvir os anteriores responsáveis

políticos. Essa foi uma proposta séria e consequente, mas o Bloco de Esquerda assim não entendeu mais

oportuno.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Socialista não retira essa hipótese de cima da mesa, porque

quer que esta situação seja esclarecida por quem tem competência para o fazer nesta fase.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João

Vasconcelos.

O Sr. JoãoVasconcelos (BE): — Sr. Presidente, queria agradecer os pedidos de esclarecimento dos Srs.

Deputados Leonel Costa, do PSD, Jorge Machado, do PCP, João Rebelo, do CDS, e Joaquim Raposo, do PS.

Dirijo-me, em primeiro lugar, aos Srs. Deputados Leonel Costa e João Rebelo porque foi o vosso Governo

que levou a cabo a extinção dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

Vozes do CDS-PP: — E bem!

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Na bancada do CDS diz-se «e bem»!

O Sr. JoãoVasconcelos (BE): — Já agora, faço uma declaração de interesse para dizer que o Bloco de

Esquerda não compactua com qualquer tipo de corrupção, seja ela qual for e venha de onde vier. Somos

intransigentes nas denúncias de qualquer tipo de corrupção.

Sr. Deputado Leonel Costa, é muito estranha a sua posição. O Presidente da Comissão Liquidatária da

EMPORDEF demonstrou cabalmente as contas da empresa nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, portanto

antes de 2014, e referiu que a empresa tinha resultados líquidos acima de 100 milhões de euros.

Protestos do Deputado do PSD Leonel Costa.

O Sr. Deputado recebeu esses resultados tal como eu!

De acordo com as contas auditadas, a EMPORDEF tinha, em 2010, 195 milhões; em 2011, 163 milhões; em

2012, 147 milhões; e, em 2013, 119 milhões. E o Sr. Deputado não conseguiu desmistificar um único número!

Estão aqui as contas auditadas.

De facto, da vossa parte, é evidente que os senhores querem que isto fique no esquecimento, e também o

Sr. Deputado João Rebelo.

Dizem que o Bloco de Esquerda queria o encerramento de uma empresa que tinha a dimensão que nós

sabíamos e com mais de 600 trabalhadores. Não, Srs. Deputados Leonel Costa e João Rebelo! Esta foi uma

opção política e ideológica do vosso Governo, do Governo anterior. Por exemplo, porque é que o ex-Ministro

Aguiar Branco anulou a construção, que tinha sido decidida em 2004, de 10 navios-patrulha?

Depois, fez-se o anúncio e entregou-se à Marinha dois navios-patrulha oceânicos por 77 milhões de euros,

sem qualquer contrato público, por ajuste direto. Aqui, efetivamente, já houve facilidades!

Srs. Deputados, esta é uma matéria que não podemos deixar cair e é preciso que os responsáveis políticos

sejam ouvidos. Não vamos ouvir o merceeiro, aquele que faz as contas, o que é preciso é apurar

responsabilidades políticas.

O Sr. PedroFilipeSoares (BE): — Pois é! Aí é que dói!

O Sr. JoãoVasconcelos (BE): — É isso que o Bloco de Esquerda quer e exige e nada melhor do que fazê-

lo, aqui, nesta Casa, no Parlamento. Os portugueses têm o direito a saber efetivamente o que se passou.

Sr. Deputado Jorge Machado, é preciso que se apurem responsabilidades no âmbito político — com certeza

que a investigação criminal estará a fazer o seu trabalho, pelo menos é o que desejamos —, porque, neste caso

concreto, houve uma estratégia deliberada de privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. JoãoVasconcelos (BE): — Sr. Deputado Joaquim Raposo, do PS, queremos que tudo seja

investigado, é um facto, mas também queremos que os políticos não saiam ilibados dessa investigação.

A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — Não quer que saiam ilibados mesmo que sejam inocentes?!

O Sr. JoãoVasconcelos (BE): — É preciso que os políticos respondam politicamente por aquilo que fizeram.

Portanto, temos de ouvir os responsáveis máximos e nada melhor do que começar por aí; depois, poderemos

ouvir todos os outros.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Vânia Dias da Silva.

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A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na semana em que se

cumprem três anos do mandato presidencial, o CDS assinala o momento trazendo novamente a esta Câmara

uma questão que, infelizmente e não obstante os apelos do Sr. Presidente da República, passou ao lado de

uma Legislatura que caminha a passos largos para o seu fim. Falo, naturalmente, da reforma da justiça.

Sr.as e Srs. Deputados, passaram-se 923 dias — repito, 923 dias — desde que o Sr. Presidente da República

lançou o repto para que fosse firmado um pacto entre os protagonistas da justiça e os partidos políticos. Foram

923 longos dias que serviram para os operadores da justiça se entenderem, mas que não chegaram aos partidos

para mostrarem a sua visão e alcançarem o mínimo denominador comum, com a exceção do CDS, que há

exatamente 377 dias apresentou, no lugar próprio, nesta Câmara, as suas propostas.

Aplausos do CDS-PP.

Trezentos e setenta e sete dias em que os Srs. Deputados da maioria foram absolutamente incapazes de

dar, mesmo com todas as cartas em cima da mesa, um pequeno contributo útil que fosse, juntando-se ao

trabalho que o CDS apresentou. É não só desconcertante como, pior, foi uma oportunidade completamente

perdida, o que lamentamos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Mais: naquele dia 1 de março de 2018, quando aqui apresentámos

as nossas propostas, portanto há mais de um ano, o PS desafiou o CDS a fazer baixar os seus projetos sem

votação para que pudesse ser feito um debate aprofundado e alargado no âmbito do Pacto da Justiça. Juntos

— o PS, aliás, fez coro com o Bloco de Esquerda e com o PCP — fizeram acusações várias de quem não tem

nada de mais substancial para dizer e entenderam que precisavam de mais tempo para pensar e debater a

justiça.

Por ser precisamente o objetivo do CDS fazer a sua parte numa discussão que podia e devia ser de todos

nós e por, naturalmente, cada partido ter as suas prioridades e os seus tempos, o CDS aceitou o apelo e fez

baixar as suas propostas sem votação.

Esperávamos — sabemos agora que foi em vão — que em tempo razoável pudesse ser feito o debate que

se aguardava e que pudessem ser apresentadas as propostas que faltavam.

Aguardámos 377 dias — Sr.as e Srs. Deputados, 377 dias! — e das bancadas do PS, do Bloco e do PCP

nada! Nem debate, nem ideias, nem propostas. Nada! Um zero à esquerda! O deserto!

Aplausos do CDS-PP.

E porque 377 dias é tempo mais do que suficiente e, sobretudo, porque já não há muito tempo útil para que

se alcance o consenso maior que se exigia, o CDS dará hoje mesmo entrada de um requerimento dirigido ao

Sr. Presidente da 1ª Comissão a solicitar nova discussão e votação das 13 iniciativas que pendem, sozinhas,

naquela Comissão.

O Sr. NunoMagalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, ao contrário da maioria, o

CDS não esteve parado. Lançou o debate e o fórum para a justiça, liderado pelo Sr. Prof. Dr. Rui Medeiros,

ouviu os operadores judiciários e aprofundou muitas outras matérias. Algumas dessas matérias, porque

implicam uma revisão constitucional que a maioria também rejeitou, terão forçosamente de ficar adiadas, mas

outras, como a revisão do regime do acesso ao direito, que o Governo tarda em apresentar, como o combate à

corrupção ou como o combate ao flagelo da violência doméstica, serão tratadas por nós de imediato.

Destaco o tema da violência doméstica. Como tragicamente se viu, este é um combate que não se

compadece com hesitações e ausências. Por isso mesmo, o CDS dará, agora mesmo, entrada de três projetos

que tratam o tema. Fazemo-lo a montante e a jusante.

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A montante: no trabalho fundamental da prevenção e da deteção de risco, propondo que o Governo replique

por todos os comandos metropolitanos e distritais da PSP e comandos territoriais da GNR o modelo do gabinete

de apoio à vítima de violência doméstica do Comando Distrital da PSP do Porto, que é uma experiência de

sucesso. Esse gabinete acompanha as vítimas em todo o processo em que a identificação do risco é feita, a par

e passo, com o Ministério Público, que tem duas magistradas dedicadas, a tempo integral, apenas e só a esta

matéria e com resposta 24 sobre 24 horas. Este é um modelo que tem funcionado bem e que, portanto, vale a

pena copiar.

A jusante: com uma alteração simples e pontual no Código Penal, que passará a classificar os crimes de

ameaça e coação como crimes públicos, insuscetíveis de desistência de queixa, mesmo quando a coação é

exercida sobre marido e mulher, descendentes ou ascendentes, e, ainda, a obrigatoriedade de inclusão de

módulos específicos de formação inicial e contínua para magistrados.

Aplausos do CDS-PP.

Na área da violência doméstica, temos, felizmente, a companhia de todos os outros partidos, pelo que

esperamos que, ao menos aqui, Sr.as e Srs. Deputados, o esgrimir de argumentos possa trazer alguma luz ao

problema, sem cegueiras ideológicas ou chumbos canhestros.

No mais, a sorte das propostas do CDS será aquela que lhes quiserem dar as Sr.as e os Srs. Deputados

daqui a dias, quando, finalmente, as votarmos. E aí ficará claro ao que vem cada um de nós e qual o real

interesse que cada um de nós tem sobre um consenso para a justiça.

Dizia o Sr. Presidente da República, em 2016, quando lançou um repto para um pacto de regime a que a

maioria não soube ou não quis dar resposta, que, entre os vários desafios que a justiça enfrenta, o «primeiro e

mais difícil» é o desafio de «querermos» continuar a lutar por ela, «num tempo que convida a capitular ou a

ceder».

O CDS cumpriu o seu papel: reuniu, estudou, propôs e até, veja-se só, esperou pela maioria. Não capitulou,

nem cedeu. Mas a ausência dos demais partidos ignorou o trabalho dos operadores judiciários e impediu o pacto

de regime que se impunha.

Cumprimos o nosso desígnio de sermos uma oposição vigilante mas também um partido de alternativa e de

iniciativa. Já a maioria, à reforma da justiça, disse nada.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, a Mesa registou a inscrição,

para pedir esclarecimentos, de três Srs. Deputados.

Quer informar a Mesa de como pretende responder?

A Sr.ª VâniaDiasdaSilva (CDS-PP): — Um a um, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, em primeiro lugar,

o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.

O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, divido as questões que

lhe quero colocar em duas partes.

Na primeira parte, quero salientar que a Sr.ª Deputada fez um exercício de alguma lamúria, permita-me a

expressão. Lamentou que tenham sido remetidos, com baixa à Comissão para nova apreciação, projetos de lei

do CDS, que passou muito tempo e que não tiveram nova apreciação. Portanto, o CDS pretende que eles sejam

discutidos e votados.

É um direito que assiste ao CDS que as suas iniciativas que baixaram à Comissão para nova apreciação

sejam efetivamente discutidas e votadas. É um direito que tem e, normalmente, compete aos proponentes, ou

seja, são os próprios proponentes que tomam a iniciativa de discutir e votar os seus diplomas que baixaram à

Comissão.

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Porventura, houve iniciativas que baixaram por benevolência dos outros partidos que não propriamente do

CDS e o problema é que os projetos de lei não amadurecem pelo facto de ficarem nas comissões à espera de

uma nova apreciação.

Achamos que este é um direito que assiste ao CDS e votaremos as iniciativas por aquilo que elas valem do

nosso ponto de vista. Portanto, votaremos a favor daquilo que concordarmos e votaremos contra — e nestes

projetos apresentados pelo CDS há matérias das quais discordamos — aquilo que discordarmos. Cada um

assumirá a sua responsabilidade. É assim que deve funcionar a Assembleia da República.

Relativamente às iniciativas que aqui anunciou, creio que são válidas quaisquer contribuições que possam

ser dadas para uma discussão que é necessário fazer, e continuar, sobre as melhores soluções legislativas em

matéria de violência doméstica, que é, evidentemente, um crime grave e que nos preocupa a todos.

O PCP apresentou, ainda muito recentemente, um projeto de lei que visa o reforço da proteção das vítimas

de violência doméstica. Portanto, todas as iniciativas são bem-vindas.

Não que deva haver um concurso de ideias sobre soluções para o problema da violência doméstica, porque

isso normalmente não costuma dar bons resultados — não estou a dizer que é isso, acho que as contribuições

são bem-vindas para serem discutidas —, mas a Sr.ª Deputada anunciou algo que, à partida, nos causa alguma

estranheza, que é o facto de ter considerado o crime de ameaça como crime público.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Termino, Sr. Presidente.

O CDS que apresente as iniciativas e nós cá estaremos para as discutir com toda a boa-fé.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vânia Dias da

Silva.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, muito obrigada pelas

suas perguntas.

Sr. Deputado, começava por dizer-lhe que confunde lamúria com inércia.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exatamente!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — O que aqui vim fazer foi um exercício de denúncia da vossa inércia

e, Sr. Deputado, devo dizer-lhe mais: passaram-se 377 dias e 2 minutos sem que o Sr. Deputado tivesse dito

absolutamente nada em matéria de justiça.

Vozes do CDS-PP: — Zero! Zero!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Na área da justiça, os senhores apresentaram, aqui, «zero»!

Sr. Deputado concentra-se sempre em questões de forma e nunca em questões de conteúdo. Já no debate

de há um ano foi exatamente a mesma questão: ou porque os projetos foram apresentados tarde demais, ou

porque não tinham tido tempo… Sr. Deputado, teve 377 dias e, ainda assim, continua a não apresentar

absolutamente nada em matéria de justiça.

Era fundamental que o fizesse, era fundamental que todos viéssemos aqui não para fazer um concurso de

ideias, Sr. Deputado, pois não é disso que se trata, mas para pôr em cima da mesa as nossas propostas e, com

o consenso de todos, chegarmos às melhores políticas possíveis. Era isso que fazia falta, Sr. Deputado.

De resto, gostaria de dizer-lhe, também, que o CDS não tem nenhum problema em ter baixado a iniciativa à

comissão sem votação e, agora, pedir a sua votação novamente.

Vozes do PCP: — 377 dias!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Os Srs. Deputados usam isso como um estilo de vida, nós sabemos.

Para calarem a vossa clientela têm sempre de fazer aqui o vosso número.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Tenha respeito pela classe política! Tenha respeito, se quer ser respeitada!

Mais respeito!

Neste momento, o Deputado do PCP João Oliveira bateu com as mãos no tampo da bancada.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — E depois de fazerem o número, baixam as iniciativas sem votação,

para que não haja problema nenhum, sobretudo com a bancada do PS.

Sr. Deputado, nós não fazemos assim. Quando acreditamos numa iniciativa, propomo-la, e baixámo-la sem

votação para que os senhores pudessem trazer as vossas propostas. Como não trouxeram nada, vamos votar.

É pena que não tenham querido vir para esta discussão. Nós quisemos fazê-la e os senhores não quiseram.

Fica com os senhores esse ónus.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Tenha tento na língua! Se quer ser respeitada, dê-se ao respeito!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — O pedido de esclarecimento seguinte é do Sr. Deputado

Fernando Anastácio, a quem dou a palavra.

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, 377 dias e mais

alguns minutos de atraso, é verdade, mas trata-se de inércia vossa.

Aplausos do PS.

Vozes do CDS-PP: — Nossa?!

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Com certeza! São os únicos que têm legitimidade para requer a votação

dos vossos diplomas.

Também compreendo que têm a consciência relativamente pesada porque sabem que muitas das coisas

que ali estão não têm a mínima capacidade de poderem ser viabilizadas, porque são coisas sem qualquer

fundamento. Nesse quadro concreto, nem sequer puseram os diplomas a votação e ficaram à espera que, por

estes estarem depositados um ano na gaveta, pudessem melhorar. Mas, Sr.ª Deputada, as coisas não mudam

pela inércia!

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Muito bem!

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Essa é a diferença!

Aliás, sobre justiça, falámos hoje todo o dia. Durante a manhã, tivemos oportunidade de falar sobre justiça e

de pegar naquela lista vermelha com coisas que não foram feitas na área da justiça, que a Sr.ª Deputada Vânia

Dias da Silva trouxe, e, pela resposta da Sr.ª Ministra da Justiça, tenho a certeza que, neste momento, a

Deputada Vânia Dias da Silva já transformou essa lista vermelha numa lista cor-de-rosa, porque, de facto, não

há outra forma de o percebermos.

Aplausos do PS.

Mas, independentemente das cores, vamos aos factos.

Falou-se de balanço, falou-se do que se fez e do que não se fez. Depois, recordámos algumas coisas que

se fizeram e outras que não se fizeram, mas recorda-se da reabertura dos 20 juízos de proximidade que vosso

Governo fechou? Pois, fizemos isso, Sr.ª Deputada! Recorda-se dos números que lhe foram dados, ainda hoje,

sobre a baixa da pendência processual? São realidades a que não podemos fugir.

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Se falamos de reforma de justiça, temos de falar de resultados e estes estão claramente aqui. Mas podemos,

também, falar dos magistrados que foram contratados e admitidos, da progressão dos funcionários, do projeto

Tribunal +, da monitorização, dos guardas prisionais que foram contratados, da redução da população prisional

e do facto de, neste momento, não haver sobrelotação, do regime do maior acompanhado, que é uma reforma

profunda do nosso Código de Processo Civil.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Vou já terminar, Sr. Presidente.

Podemos falar de um conjunto de coisas que mostram claramente que a justiça, hoje, em 2019, comparada

com a justiça que os senhores deixaram, é muito diferente, de facto, mas diferente para melhor. Portugal,

também nesta matéria, está muito melhor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem novamente a palavra a Sr.ª Deputada

Vânia Dias da Silva.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fenando Anastácio, muito obrigada

pelas afirmações que aqui trouxe.

Gostava de lhe dizer, Sr. Deputado, aos 377 dias e, agora, 6 minutos, que a inércia não é nossa. A inércia é

só vossa e só a vós pode aplicar-se!

Protestos do PS.

Hoje, 377 dias e quase 7 minutos depois, Sr. Deputado, não está aqui absolutamente nenhuma proposta do

PS para o pacto da justiça.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Nem para dizer mal!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Foi isto que foi pedido pelos senhores. Aliás, o Sr. Deputado

Fernando Rocha Andrade, que fez o debate há um ano, pediu que fizéssemos as audições que havíamos de

fazer, no âmbito do pacto da justiça, na 1.ª Comissão. Fizemo-lo, Sr. Deputado? Nem vê-lo!

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Requereu?!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Deputado, requereu? Qual é o seu interesse? É tanto meu,

como seu. Pena é que o Sr. Deputado não tenha rigorosamente nenhum interesse em fazer este debate.

O CDS esteve aqui, apresentou todas as suas propostas e os senhores apresentaram zero propostas!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa está boa!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Portanto, a nossa paciência, francamente, esgotou-se, Sr.

Deputado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Isto é crença! É ter fé!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — O nosso erro foi confiarmos que os Srs. Deputados iriam apresentar

alguma coisa, mas, obviamente, não apresentaram, porque têm muito pouco interesse neste pacto da justiça e

numa verdadeira reforma da justiça.

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Sr. Deputado, quero dizer-lhe ainda que a lista vermelha de que hoje falávamos com a Sr.ª Ministra não se

transformou nem em verde, nem em cor-de-rosa, nem em coisa nenhuma, transformou-se antes numa lista

negra. A lista está cada vez pior!

Vozes do PS: — Eh!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — A Sr.ª Ministra da Justiça não respondeu a rigorosamente nenhuma

das perguntas que lhe deixei, hoje de manhã.

Aplausos do CDS-PP.

Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que o que era realmente importante fazer não está feito. Quer que lhe diga o

que é? Tornar mais acessível a justiça constitucional; tratar da prevenção e da investigação da corrupção com

capacitação da PJ (Polícia Judiciária); assegurar cuidados de saúde e reformar a formação nas prisões;

conselho de concertação do sistema judicial; gabinetes de assessoria jurídicas;…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Zero!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — … alargamento da competência e da rede de julgados de paz;

simplificação processual, com redução de atos processuais redundantes; avaliação da possibilidade de

alteração das regras de produção de prova, etc., etc., etc., etc.

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Precisávamos de uma hora!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Deputado, a todas estas perguntas que fiz à Sr.ª Ministra obtive

zero respostas. Sabe porquê? Porque também a atividade do Governo, em matéria de justiça, foi zero!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — A palavra agora é da Sr.ª Deputada Sandra Cunha, do Bloco

de Esquerda, para mais um pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, ainda há pouco mais de

um mês, nesta Casa, várias bancadas, incluindo a bancada do CDS, defenderam com toda a veemência que

não era necessária qualquer alteração à lei, qualquer previsão ou acolhimento legal em matéria de violência

doméstica.

Defenderam que os problemas e as lacunas que a equipa do GREVIO (Grupo de Peritos sobre o Combate

à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica) registou, no seu relatório de avaliação de aplicação da

Convenção de Istambul em Portugal, careciam apenas de ajustamentos em relação aos procedimentos, aos

meios, à formação, mas, enfim, não passavam por alterações à lei.

Há dois ou três meses, o Bloco de Esquerda trouxe aqui vários projetos, tendo estes sido apresentados,

discutidos e votados, bem como várias iniciativas, que pretendiam, precisamente, responder ao problema da

violência doméstica, com alterações à lei. Mas estas foram chumbadas, foram altamente criticadas e fomos

acusados de responder à espuma do momento com medidas populistas, de ceder a pressões sociais. Afinal,

agora, o CDS, mas também o Governo, que já anunciou várias medidas que vão exatamente no mesmo sentido

e que têm o exatamente o mesmo objetivo de várias medidas que o Bloco de Esquerda apresentou, vêm dizer

que é preciso alterar a lei.

Também o PSD vem apresentar as mesmas medidas que o Bloco de Esquerda havia apresentado e que

chumbou há dois ou três meses, com a argumentação de que não era necessário proceder a alterações à lei.

Afinal, agora, dois ou três meses depois, apresentam as mesmas medidas.

O CDS, pelos vistos, vem agora, também, anunciar que vai apresentar alterações ao Código Penal, algo que,

há dois ou três meses e ainda no dia 30 de janeiro, era completamente impensável.

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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.

O Bloco de Esquerda sempre disse que tinha abertura para qualquer proposta de alteração que qualquer

bancada quisesse apresentar. Teremos toda a abertura para analisar todas as iniciativas agora anunciadas e

apresentadas. O que nos interessa, realmente, é resolver o problema da violência doméstica, melhorando a

prevenção e combatendo-a. Não se trata, de todo, de protagonismo ou de ficar com a etiqueta de «pai» ou

«mãe» das iniciativas legislativas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, tem a palavra para

responder.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sandra Cunha, esqueceu-se do resto

da intervenção e trouxe aqui apenas a questão concreta da violência doméstica. Portanto, será sobre isso que

falarei.

Queria dizer-lhe que nunca ouviu dizer da boca do CDS que as medidas que o Bloco de Esquerda

apresentava eram populistas e que não interessavam para nada. Nós discordamos de algumas das soluções

que apresentam e dissemos, aliás, no âmbito deste pacote legislativo sobre a justiça que apresentámos há um

ano, que tínhamos um projeto de resolução para constituição de uma comissão de revisão da legislação penal,

no sentido de, entre muitas outras coisas, ser feito o estudo do equilíbrio das molduras penais dos crimes de

sangue e dos crimes económicos.

Entendemos que o Código Penal é uma manta de retalhos que dificilmente se conseguirá coser sem deixar

buracos e que merece, sim, um estudo aprofundado, aturado e uma revisão sistemática, para que tudo seja

calibrado na forma devida. Porém, há matérias urgentes, das quais nos apercebemos no dia a dia e que a

realidade impõe, fazendo sentido fazermos uma alteração pequeníssima apenas naquela questão de que lhe

falei.

Estamos dispostos a estudar com profundidade todas as medidas que aqui forem trazidas. Este é um domínio

em que, de facto, há um problema real com o qual nos confrontamos, por isso é vital que todos nos entendamos

sobre o que é possível, sobre como fazer mais e melhor. Falta prevenção, faltam meios, mas também faltam

algumas outras matérias que estamos dispostos a estudar. Quisessem os Srs. Deputados fazer o mesmo para

o resto da reforma da justiça e teríamos um mundo ideal neste domínio.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — O último pedido de esclarecimento cabe ao PSD. Sr.ª Deputada

Sandra Pereira, tem a palavra.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva, o PSD teve ocasião de

dizer, no dia de luto nacional, que, para nós, é importante que a um dia de luto nacional se somem 365 dias de

luta contra a violência doméstica.

Por isso, saudamos o CDS por trazer hoje este tema e por juntar a sua à nossa voz, por ter correspondido

ao repto que o PSD lançou nesse dia para que trabalhássemos em conjunto para além de simbolismos, no

sentido de encontrarmos respostas cabais e eficazes para as vítimas, que, neste ano, lamentavelmente, já são

13.

Sr.as e Srs. Deputados, o que nos preocupa são as vítimas e a eficácia do sistema de forma a podermos

prevenir as suas mortes. Por isso, apresentámos cinco iniciativas, nas quais propomos mais e melhor formação

para a magistratura e que esta componente seja ministrada como parte letiva integrante do curso do SEJ (Centro

de Estudos Judiciários).

Propomos alterar, também, o limite máximo da moldura penal do crime de violência doméstica em um ano,

não tanto pelo endurecimento da pena em si mesma mas, sobretudo, pelo objetivo de desamarrar o crime de

violência doméstica da pequena e média conflitualidade. Assim, poderão aplicar-se a este crime outros institutos

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processuais mais garantísticos para as vítimas, nomeadamente que os agressores passem a ser julgados, em

regra, por um tribunal coletivo e que fiquem sob a alçada dos crimes aos quais pode aplicar-se a prisão

preventiva em razão da pena.

Sr.as e Srs. Deputados, é este o nosso contributo para a luta, não para o luto. É este o nosso contributo para

um debate sério e o mais alargado possível. O que pergunto à Sr.ª Deputada é se não considera pertinentes

estas propostas do PSD, que são propostas abertas, às quais se somam, naturalmente, com muito agrado,

agora, as vossas, sobretudo no dia de hoje, em que ouvimos, de manhã, a Sr.ª Ministra da Justiça a dizer que

o Governo está a trabalhar na identificação das necessidades de informação e articulação entre as várias

entidades e está a estudar a formação conjunta…

O Sr. Presidente (José Matos Correia): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente.

… das magistraturas e a avaliar a necessidade de intervenção nos conteúdos de formação, quando todos já

sabemos que entidades são as que necessitam de articulação e quando todos já percebemos que a formação

dos magistrados é insuficiente e inadequada. Aliás, o País todo já percebeu que a formação dos magistrados

necessita de ser revista e alterada. Só a Ministra da Justiça é que ainda não sabe disso.

Aplausos do PSD.

Protestos da Deputada do BE Isabel Pires.

O Sr. Presidente (José Matos Correia): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Vânia Dias da

Silva.

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sandra Pereira, muito obrigada pelas

questões que aqui me deixou.

A questão da violência doméstica é, obviamente, uma questão muitíssimo importante e que tem de ser

debatida exaustivamente entre todos. É fundamental que todos olhemos para o problema, olhemos para as

soluções que estão à nossa frente e percebamos aquilo que é possível fazer.

Há nas propostas do PSD algumas com as quais o CDS concorda, naturalmente, sendo algumas delas até

coincidentes. Há outras com as quais não estamos em concordância, mas estamos dispostos, naturalmente, a

olhar para elas, para vermos o que é que pode ser aproveitado de cada uma e perceber aquilo que é mais

importante fazer de imediato.

Sr.ª Deputada, digo-lhe aquilo que já disse à Sr.ª Deputada Sandra Cunha, ainda há pouco: entendemos

que, de facto, a legislação penal precisa de uma revisão de fio a pavio. É fundamental que toda a legislação

penal seja vista de uma forma integrada e transversal.

Vamos perto das 50 alterações, quer ao Código Penal, quer ao Código de Processo Penal. É muito!

Entretanto, a sociedade alterou-se imenso, as realidades são outras, as dinâmicas são outras e, portanto, faz

falta olharmos de forma sistemática para a legislação penal. E esse é um dos projetos que tínhamos neste

pacote da justiça que há de ser votado daqui a dias.

Entendemos que é prioritário que isto seja feito. Não obstante, há matérias tão urgentes e tão candentes que,

obviamente, têm de ser vistas com todo o cuidado, com toda a cautela. Portanto, estamos, obviamente,

disponíveis para isso mesmo, dizendo, de resto, que temos muita pena que os outros partidos nesta Câmara

não tenham estado dispostos a apresentar as suas propostas na área da justiça,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — … numa área maior, que abrange a questão da violência doméstica

mas não só.

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A área da justiça tem muitas outras áreas e é muitíssimo mais abrangente. Temos pena que este debate não

tenha sido possível de uma forma mais aberta, com todos os partidos a trazerem as suas propostas para a

justiça em geral, designadamente para as áreas que apresentámos.

Termino dizendo, de resto, que a violência doméstica é uma questão essencialíssima, não só a violência

contra as mulheres mas também a violência contra os idosos,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — … que é um tema que não nos temos cansado de trazer aqui, a

este Parlamento.

Infelizmente, ainda não conseguimos aprovar muitas das medidas que preconizamos, mas estamos a estudar

para que possamos atender, também, a essa realidade, que não pode deixar de ser vista no âmbito destes

projetos de que estamos agora a tratar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Matos Correia): — Tem a palavra, para uma declaração política em nome do PCP,

a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É preciso avançar e não andar para

trás.

Renegociar a dívida, libertar Portugal da submissão ao euro e desvincular o País do tratado orçamental

constituem premissas essenciais para defesa da nossa soberania.

Com a luta dos trabalhadores e do povo e a intervenção do PCP foi possível avançar na defesa, reposição e

conquista de direitos e rendimentos, interrompendo a política do pacto de agressão da troica prosseguida por

PSD e CDS e aplaudida pelas instituições europeias.

Avanços com direitos que foram conquistados em contraciclo, com as imposições da União Europeia, que

procurou travar e impedir a sua concretização, recorrendo à chantagem e à ameaça.

Avanços positivos que, ainda assim, ficam muito aquém das necessidades do povo e do País, por opção do

Governo e devido às limitações e constrangimentos impostos pela União Europeia, a partir de instrumentos e

mecanismos como o tratado orçamental, a governação económica, o pacto de estabilidade ou o semestre

europeu, e que os sucessivos governos, incluindo o atual Governo do PS, aceitaram.

Instrumentos e mecanismos com que a União Europeia procura usurpar, grosseiramente, a soberania dos

Estados-Membros, sem promover o pronunciamento dos povos e amarrando os países a regras sem qualquer

racionalidade, que limitam e impedem o seu desenvolvimento.

Instrumentos e mecanismos que pretendem condenar os povos à pobreza, ao atraso, à exclusão e às

desigualdades, somente para satisfazer os interesses do diretório de potências da União Europeia, a agiotagem

e o esbulho de recursos públicos, que deveriam ser investidos no reforço de direitos sociais e na valorização do

rendimento dos trabalhadores.

O tratado orçamental, cuja transposição para o quadro jurídico da União Europeia, o Parlamento Europeu,

para já, suspendeu, é um instrumento que visa condicionar ainda mais a política orçamental dos estados, já

condicionada pelas regras da zona euro, procurando institucionalizar as políticas de restrição orçamental à custa

dos salários, dos direitos e do investimento público e acentuar os mecanismos de chantagem, pressão e

ingerência associados ao euro.

A suspensão do processo de transposição do tratado orçamental não significa que ele não se aplique.

Mantém-se em vigor para os países que o assinaram, incluindo Portugal, continuando os condicionamentos para

o futuro. Nada muda no condicionamento da soberania, e percebe-se porquê.

As forças políticas — PS, PSD e CDS — que estiveram de acordo com as regras do tratado orçamental, que

o fazem aplicar a Portugal e que rejeitaram as propostas do PCP para a sua revogação, em conjunto com a do

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pacto de estabilidade e de todos os mecanismos de chantagem associados à União Económica e Monetária,

que têm subjugado Estados e povos a estas regras,…

Protestos do PS.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Está a lançar-vos um desafio!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … são as mesmas forças políticas que, nos governos, mantêm o País

amarrado ao processo de integração capitalista europeia.

Desafiamos, em particular, o PS a clarificar a sua posição. Se o voto do PS no Parlamento Europeu contra a

transposição do tratado orçamental para a legislação europeia não é uma posição oportunista, então que

assumam a convergência com o PCP para a revogação do tratado orçamental ou para a desvinculação de

Portugal deste tratado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A realidade do nosso País demonstra

que não é conciliável avançar no sentido do desenvolvimento e do progresso, ultrapassar os défices estruturais

existentes, redistribuir a riqueza de forma mais justa e assegurar direitos sociais e, ao mesmo tempo, cumprir

os constrangimentos e limitações impostos pela União Europeia. O PS e o seu Governo minoritário afirmam que

é, mas a vida evidencia que não.

Quando se trata de resolver problemas concretos, de corresponder às reivindicações dos trabalhadores e

das populações, surge sempre o estafado argumento das metas do défice, comprovando como essas

imposições da União Europeia pesam nas opções do PS e do seu Governo.

Sendo claro que há recursos financeiros disponíveis, a questão é que, em vez de serem canalizados para

investir no desenvolvimento do País, são extorquidos e sonegados ao povo português, em nome das imposições

de Bruxelas.

As limitações e constrangimentos impostos pela União Europeia têm impacto no dia a dia da vida dos

trabalhadores e do povo, em particular na «ditadura» do défice, e são responsáveis pela falta de valorização do

trabalho, dos trabalhadores e dos seus salários, ou pela recusa de contagem do tempo de serviço para

progressão na carreira. São responsáveis pela falta de profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde,

pela não substituição de equipamentos obsoletos e pela não construção ou requalificação de centros de saúde

e hospitais. São responsáveis pela falta de auxiliares de ação educativa nas escolas e pela degradação do

parque escolar. E são responsáveis pela falta de investimento nos transportes públicos, ou de investimento

público que potencie a coesão e o desenvolvimento, a criação de emprego com direitos e o incremento da

produção nacional.

É preciso valorizar rendimentos, garantir os direitos sociais na saúde, na educação, na cultura, na proteção

social e na habitação e assegurar o investimento público, e isso exige a recusa de um país amarrado às

imposições da União Europeia e ao tratado orçamental.

A política monetária, cambial e orçamental tem de estar ao serviço dos interesses nacionais e ao serviço do

povo e não das grandes potências que ditam as orientações políticas da União Europeia. Não abdicamos da

nossa soberania, nem admitimos que sejam outros a decidir o que cabe ao povo português decidir.

Recuperar os instrumentos de soberania é condição para o desenvolvimento e progresso de que o nosso

País precisa e a que o povo aspira.

É deste lado que está o PCP: do lado do desenvolvimento nacional, dos trabalhadores e do povo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Matos Correia): — Sr.ª Deputada, inscreveram-se quatro Deputados para formularem

pedidos de esclarecimento. Como pretende responder?

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, responderei dois a dois.

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O Sr. Presidente (José Matos Correia): — Tem, assim, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado

João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Paula

Santos, ao ouvir a intervenção de V. Ex.ª, penso que os trabalhadores e o povo têm uma grande dúvida. A

intervenção de V. Ex.ª ou foi um equívoco ou foi um profundo exercício de hipocrisia política, naturalmente.

Começo por um ponto: a matéria europeia. Percebe-se que esta matéria seja trazida a este Parlamento em

contexto de pré-campanha para eleições europeias e que o PCP tenha de dizer alguma coisa sobre isso. Mas

é importante que o PCP, em campanha europeia, diga, de uma vez por todas, rejeitando todos os instrumentos

da União Europeia, rejeitando toda a arquitetura institucional da União Europeia, rejeitando todos os

mecanismos de apoio aos países que fazem parte da União Europeia, como é que o Partido Comunista

Português concilia essas posições de rejeição com a maior exigência, que tem sempre, das contrapartidas da

União Europeia para com Portugal. Como é que pretende, por exemplo, que as autarquias comunistas continuem

a fazer investimentos com dinheiro europeu, rejeitando, depois, tudo aquilo que são instrumentos de

compromisso ao nível europeu?

Sr.ª Deputada Paula Santos, é equívoco ou é hipocrisia?

Segue-se a segunda questão. V. Ex.ª vem falar, aqui, de um conjunto de vantagens que o País tem, porque

o PCP apoia o Governo, mas, depois, fala também de um conjunto de dramas que o País tem, porque o PCP,

afinal, não tem nada que ver com o Governo. Sr.ª Deputada, também é muito importante, para os trabalhadores

e para o povo, que fique claro esse exercício.

Os senhores não podem continuar com esse exercício de dizer que tudo o que é bom é porque o PCP vota

com o PS, e tudo o que é mau é porque o Governo é só do PS e o PCP não tem nada que ver com isso. É

equívoco ou é hipocrisia?

Por fim, o tratado orçamental, Sr.ª Deputada, também o tratado orçamental! Sabe porquê? O tratado

orçamental foi aprovado em 2012. Sabe qual é o partido que pertence ao conjunto daqueles que aprovaram

mais Orçamentos, neste Parlamento, para cumprir o tratado orçamental? Será o CDS? Será o PSD? Não, Sr.ª

Deputada, não é nem o CDS, nem o PSD. O PCP é um dos partidos que, aqui, neste Parlamento,…

Aplausos do CDS-PP.

…mais Orçamentos aprovou para cumprir o tratado orçamental e para cumprir as exigências de Bruxelas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — São para nós esses aplausos?!

O Sr. Presidente (José Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Por isso, a pergunta é sempre a mesma, Sr.ª Deputada.

Perguntam os trabalhadores e o povo: esta intervenção, foi equívoco ou foi uma profunda hipocrisia?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Matos Correia): — Tem, agora, a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª

Deputada Maria Luís Albuquerque.

A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Santos, não podemos dizer

que ficámos surpreendidos com o discurso da Sr.ª Deputada, que, aliás, é amplamente repetido, utilizando

sempre as mesmas expressões, de pressão, ingerência, chantagem, por parte da Europa.

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Sr.ª Deputada, recordo que, quando Portugal decidiu ignorar as regras, e nem eram ainda as do tratado

orçamental mas as regras básicas da boa gestão das finanças públicas, foram os nossos parceiros europeus

que nos impediram da falência absoluta.

O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!

Vozes do PCP: — Oh!

A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — É bom recordar que, quando se ignoraram as regras das finanças

públicas, o País ficou à beira da falência, sem ter dinheiro para pagar salários aos trabalhadores e para

assegurar ao povo aqueles direitos que o povo, de facto, tem o direito de exigir.

Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.

Foram os parceiros europeus, no âmbito das instituições europeias, que foram capazes de impedir que

Portugal entrasse nessa situação de completo descalabro.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — E bem sabemos o que nos custou a todos.

Protestos das Deputadas do PCP Carla Cruz e Diana Ferreira.

Aquilo que verdadeiramente nos causa problemas, Sr.ª Deputada, não são os tratados, não é o pacto de

estabilidade, é, antes, o facto de termos de ter finanças públicas sustentáveis, porque, se não o fizermos,

precisamos de quem nos empreste dinheiro. E já sabemos, a duras penas, o que é que acontece, quando

aqueles que, habitualmente, nos financiam, se recusam a emprestar.

A Sr.ª Deputada depois diz que estas regras são responsáveis por tudo o que falta: pelos problemas no

Serviço Nacional de Saúde, nas escolas, nos transportes, no investimento público, etc. Pergunto-lhe se o tratado

orçamental também se aplica, por exemplo, na Venezuela, onde estes efeitos são gravíssimos e onde são

aplicadas políticas que os senhores defendem. E garanto-lhe, Sr.ª Deputada, que vivem muitíssimo pior do que

os portugueses sujeitos à dita pressão e ingerência do tratado orçamental.

A Sr.ª Deputada disse ainda que não admitem que sejam outros a determinar aquilo que são decisões

soberanas do povo português. Recordo à Sr.ª Deputada que o tratado orçamental, em particular, foi aprovado

nesta Casa pelos representantes legítimos e democraticamente eleitos pelo povo português. Se o PCP não

consegue que os portugueses votem no PCP com votos suficientes para assumir uma posição maioritária, deve

respeitar democraticamente as posições maioritárias que existem nesta Casa, embora saibamos todos que o

conceito de «respeito democrático» é, talvez, algo com que os Srs. Deputados têm alguma dificuldade em lidar,

num contexto de democracia em que, naturalmente, não têm o domínio.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Que desorientação vai no PSD!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, agradeço as questões que foram formuladas pelo Sr.

Deputado João Almeida, do CDS, e pela Sr.ª Deputada Maria Luís Albuquerque.

Percebo o incómodo quer do PSD, quer do CDS relativamente às questões que colocamos sobre as

imposições e os constrangimentos da União Europeia e as consequências que têm no nosso País, porque os

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portugueses, os trabalhadores e o povo, não esqueceram as vossas responsabilidades na aplicação do pacto

de agressão da troica, nos cortes nos salários, nos cortes nas prestações sociais,…

A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Pois não, Sr.ª Deputada, até votaram em nós! Veja lá!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … na privatização de serviços públicos fundamentais, e o que isso significou

na degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo e de retrocesso e atraso no nosso País.

A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Significou 89 Deputados!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Por isso, compreendemos perfeitamente que se sintam incomodados. Quando

toca a abordar aqui os problemas concretos que hoje os trabalhadores e o povo português sentem, quando toca

às opções políticas que são necessárias, obviamente, fogem e não querem abordá-las.

Também compreendemos o vosso incómodo, porque os senhores cortaram nos rendimentos dos

trabalhadores e atacaram diretamente serviços públicos fundamentais,…

A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Estavam melhor do que agora!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … e foi com a intervenção do PCP que se repuseram salários, foi com a

intervenção do PCP que se repôs o horário semanal de trabalho nas 35 horas, foi com a intervenção do PCP

que se repuseram os feriados. Esta é a verdade que vos custa a engolir e, por isso, de facto, compreendemos

o vosso incómodo relativamente a estas matérias.

Protestos da Deputada do PSD Maria Luís Albuquerque.

Para nós está muito claro, e creio que para os trabalhadores e para o povo também, que, felizmente, nesta

nova correlação de forças na Assembleia da República não foram o PSD e o CDS que governaram, que houve,

de facto, uma outra solução que permitiu avanços, que permitiu conquistas que consideramos insuficientes face

aos problemas que hoje existem no nosso País, mas, como afirmamos, o caminho é de avançar e não de andar

para trás. É de avançar na valorização dos salários e dos rendimentos, que os senhores diziam que não era

possível; é de avançar no aumento das pensões, que os senhores também diziam que não era possível, aliás,

preparavam-se — nós lembramo-nos! — para cortar 600 milhões de euros na segurança social.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Com a nossa intervenção, houve um aumento extraordinário nas pensões.

A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Não é verdade!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Esta é a verdade dos factos e que está presente na vida de milhares e

milhares de portugueses.

A Sr.ª Maria Luís Albuquerque (PSD): — Não é verdade!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Por isso, o caminho que se faz para reforçar a saúde, a educação, a cultura,

a habitação, tem como condição romper com as imposições e limitações da União Europeia.

Isso está bem claro e é nesse caminho e nessa batalha que está o PCP.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, passamos ao segundo bloco de questões, a

primeira das quais cabe ao Partido Socialista.

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Tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Marques.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Santos, efetivamente, há uns anos

que o Partido Comunista Português deixou de ser internacionalista e penso que isso é evidente na intervenção

da Sr.ª Deputada Paula Santos.

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

Sabemos que o Partido Comunista Português é contra a pertença ao euro e, efetivamente, Portugal pertence

ao euro, Portugal faz parte da área do euro na União Europeia. É a nossa moeda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — É o internacionalismo monetário!

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Sendo o euro uma moeda única é natural que haja regras. Essas regras

são várias e o tratado orçamental é, como eu disse há pouco, um tratado intergovernamental que define regras

para o funcionamento da área do euro.

Estamos de acordo com essas regras? Não! Temos imensas reservas a essas regras e por isso votámos,

com o grupo a que o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda pertencem no Parlamento Europeu,

contra a integração do tratado orçamental nos tratados da União Europeia.

O PPE, a que pertence o CDS e o PSD, votou a favor dessa integração, como votou o grupo das direitas no

Parlamento Europeu.

Dito isto, o Governo e o Partido Socialista entendem que as regras têm de se cumprir e devem ser cumpridas,

a questão fundamental está em saber como lidamos com essas regras. E ficou claro que, com as mesmas

regras, o Governo do PSD/CDS seguiu uma política e o Governo do PS seguiu outra. E este Governo repôs

salários, repôs pensões, repôs direitos, melhorou os serviços públicos e, mesmo assim, respeitou as regras

orçamentais da União Europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — O último pedido de esclarecimentos é da Sr.ª Deputada Isabel

Pires, do Bloco de Esquerda.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Santos, quero cumprimentá-la também pela

declaração política que tivemos aqui hoje e que volta outra vez ao tema europeu, especificamente, à questão

do tratado orçamental.

De facto, não é de agora a consciência que também o Bloco de Esquerda tem sobre o real significado do

tratado orçamental. Ele sempre foi um instrumento de chantagem sobre os povos e sobre a política económica

e financeira dos países e serviu, e serve ainda, para legitimar medidas de austeridade que ora serviram, por um

lado, a PSD e CDS, para cortar tudo o que eram salários, pensões e direito social, ora servem, por outro lado,

ao Partido Socialista, de justificação para a obsessão pelo défice, que encolhe cada vez mais a capacidade de

investimento público que existe no nosso País.

Portanto, desde o início que temos vindo a lutar contra este tratado e, mais recentemente, como aqui foi

falado, a Comissão Europeia quis passá-lo para o direito comunitário, mas o Parlamento Europeu bem rejeitou

esta opção, e isto incluiu eurodeputados socialistas.

E, de facto, este ponto é importante, porque, depois desta rejeição, a questão que se coloca em cima da

mesa é a de saber como é que se vão posicionar os diferentes partidos sobre esta matéria, aqui, em Portugal.

Ficou claro, pelo menos para nós, que não podem ser aceites manobras mais ou menos burocráticas, por parte

da Comissão Europeia, para implementar algo que já foi rejeitado pelo Parlamento Europeu. Mas, por outro lado,

tem de ficar também clarificado, com este debate, qual é a escolha que o Partido Socialista vai fazer sobre esta

matéria. Se rejeitou a passagem do tratado orçamental para o direito comunitário no Parlamento Europeu tem

de fazer uma escolha clara, também aqui, no nosso País.

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Portanto, a escolha é entre tratado orçamental ou investimento público, entre tratado orçamental ou saúde e

educação. E ficou mais do que claro que, neste momento, o Partido Socialista está em cima do muro

relativamente a esta matéria, mas em cima do muro não se fazem políticas e, por isso, vai ter de escolher um

lado ou outro.

Da parte do Bloco de Esquerda, escolhemos o lado do investimento público, de dar segurança aos cidadãos,

com saúde e educação pública, e não com instrumentos de chantagem, como é o tratado orçamental.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, agradeço também as questões colocadas pela Sr.ª Deputada

Margarida Marques e pela Sr.ª Deputada Isabel Pires.

Queria começar por dizer que a reposição, a defesa, a conquista de direitos e rendimentos que foi possível

alcançar nesta nova fase da vida política nacional foi feita contra a vontade da própria União Europeia,…

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Não é verdade!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … que, muitas e muitas vezes, ameaçou o nosso País em relação às opções

políticas que estavam a ser adotadas. E, inclusivamente, a vontade que a União Europeia tinha era a de

prosseguir o caminho anterior, da troica, de empobrecimento e exploração, que estava a ser seguido por PSD

e CDS.

Mas também é verdade que o atual Governo minoritário do Partido Socialista não se liberta deste conjunto

de limitações e constrangimentos e de submissão do País a estes condicionalismos que estão, neste momento,

a impedir o desenvolvimento do nosso País.

A Sr.ª Deputada Margarida Marques diz que também não estão de acordo com um conjunto de regras e

normas a esse nível, mas a verdade é que cá, no nosso País, não só as aceitam todas como o Partido Socialista

não tem tido disponibilidade para dar um conjunto de respostas que são necessárias aos trabalhadores e ao

povo português.

Portanto, Sr.ª Deputada, é preciso ter presente que, quando o Governo recusa valorizar carreiras e salários,

porque está obcecado com o défice,…

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Não tem nada a ver!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … isto significa que as limitações e imposições da União Europeia estão a

impedir este desenvolvimento. Quando o Partido Socialista não dá a cabal resposta ao Serviço Nacional de

Saúde e à escola pública, porque, mais uma vez, opta pela redução obsessiva do défice, ou quando o Partido

Socialista e o seu Governo minoritário optam por não fazer o investimento necessário nos transportes públicos

ou no investimento público para dar resposta ao desenvolvimento do nosso País, e optam, efetivamente, pela

redução do défice, isto deixa clara a amarração que existe do atual Governo às imposições da União Europeia.

É importante que seja clarificado o lado em que está o Partido Socialista. A Sr.ª Deputada Margarida

Marques, mais uma vez, hoje fez a referência de que votaram contra a transposição do conteúdo do tratado

orçamental para o quadro jurídico da União Europeia. Mas, se não foi uma posição oportunista, então, que

tradução é que isso vai ter no nosso País? Que tradução é que isso vai ter no posicionamento do Partido

Socialista em relação à revogação e à desvinculação de Portugal de um tratado que, já está mais do que

demonstrado, constitui claramente um obstáculo e um impedimento ao desenvolvimento e ao progresso do

nosso País?!

Para o PCP, e para terminar, Sr. Presidente, está muito claro: o nosso desenvolvimento passa pela

recuperação dos instrumentos de soberania e para isso é condição fundamental libertar o nosso País do conjunto

de imposições e constrangimentos que em nada contribuem para o nosso desenvolvimento, mas, sim, para o

nosso retrocesso.

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É esse combate que o PCP, firmemente, vai continuar a travar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, passamos à declaração política seguinte.

Em nome do Partido Ecologista «Os Verdes», tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Comissão Parlamentar

de Economia, Inovação e Obras Públicas começou os seus trabalhos desta semana numa longa e intensa

jornada de trabalho nos distritos de Vila Real e Braga, levando na agenda três importantes matérias: o Projeto

PIN (potencial interesse nacional) Aquanattur, em Pedras Salgadas, a eventual exploração de lítio no Barroso e

os problemas com que o setor têxtil hoje se confronta no norte do País e, em particular, no Vale do Ave.

Estamos, portanto, diante de três relevantes assuntos para as populações locais, mas também para o País,

e, sem pretender minimizar a importância dos restantes temas que levaram a Comissão de Economia, Inovação

e Obras Públicas ao norte do País, Os Verdes trazem hoje para discussão a matéria relativa ao Projeto PIN de

Pedras Salgadas.

Neste contexto, a Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas teve oportunidade de ouvir os

interessados neste projeto, desde logo as populações, através da Associação de Amigos de Pedras Salgadas,

a Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar e a Junta de Freguesia de Bornes de Aguiar, bem como a Super

Bock Group, promotora do Projeto PIN Aquanattur.

Além destes encontros, tivemos ainda oportunidade de visitar o Parque Termal de Pedras Salgadas, o que

nos permitiu ter uma ideia quanto à avaliação do grau de cumprimento dos compromissos assumidos pelo

promotor do projeto, que, como sabemos, foi considerado um projeto de relevante interesse nacional.

Como é público, Os Verdes estiveram sempre contra o sistema dos projetos PIN, tendo apresentado, aliás,

projetos de lei no sentido da sua eliminação.

Ora, não tendo essas iniciativas legislativas merecido o acolhimento da maioria das bancadas parlamentares,

Os Verdes consideram que interessa, apesar de tudo, assegurar a presença do interesse público nos projetos

PIN existentes, desde logo na exigência do cumprimento integral, por parte dos promotores, dos compromissos

assumidos com o Estado.

Na verdade, o sentimento geral dos cidadãos é o de que as empresas recebem incentivos financeiros e

fiscais e muitas vezes não cumprem com a sua parte. Foi o que sucedeu em Pedras Salgadas, cujas populações

há muito têm vindo a denunciar o incumprimento, por parte do promotor, dos compromissos assumidos.

No entender das populações, mas também da Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar e da Junta de

Freguesia de Bornes de Aguiar, a Unicer, agora Super Bock Group, está a matar ou a deixar morrer a natureza

termal que há mais de um século caracteriza a vila termal de Pedras Salgadas.

Recorde-se que a renovação termal e a oferta turística em Pedras Salgadas constituiu o fundamento central

para a atribuição de tamanhos benefícios fiscais e tão generosos incentivos financeiros, por parte do Estado, ao

Super Bock Group.

E, sendo verdade que, nesta visita, pudemos constatar o que foi feito e o que falta fazer — e cada um dos

Deputados fará a avaliação do cumprimento dos compromissos por parte do promotor, face ao que vimos e

ouvimos —, há, contudo, um elemento que é central neste processo e sobre o qual todos, certamente, se

interrogarão, porque esse, seguramente, ninguém viu. Refiro-me, naturalmente, à dinâmica termal e turística de

Pedras Salgadas.

De facto, a renovação termal e a oferta turística em Pedras Salgadas não se está a verificar nem será, aliás,

possível com as valiosas infraestruturas do parque literalmente encerradas e outras ao abandono e, sobretudo,

sem dispor de um único hotel.

E, agora, perguntamos: onde está a profunda remodelação do parque de Pedras Salgadas, com a construção

de infraestruturas hoteleiras, culturais, desportivas, sociais e turísticas de qualidade, prometidas pela Unicer,

agora Super Bock Group?!

Vejamos! Foi prometida a reabilitação do Hotel Avelames para o elevar a uma categoria superior. O hotel,

que tinha sido reconstruído em 1995 com fundos comunitários, foi demolido em 2010 e, segundo as populações,

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uma grande parte do entulho foi enterrada no próprio parque, o que, a confirmar-se, representará um verdadeiro

crime ambiental. Como se isso fosse pouco, hoje, nem hotel reabilitado, nem Hotel Avelames, nem hotel de

categoria superior.

Foi também prometida a criação de uma nova unidade hoteleira por recuperação do Grande Hotel. Hoje, o

hotel continua em ruinas, literalmente ao abandono, a cair aos poucos e, como pudemos constatar, a servir de

depósito de lixo. Uma verdadeira lixeira a céu aberto.

As antigas garagens foram objeto de intervenção, mas estão encerradas.

A Vila Adriana encontra-se num estado de abandono total.

O minigolfe está em ruinas.

O casino foi remodelado, mas sem qualquer atividade regular, para não dizer que «está às moscas» na maior

parte do tempo.

Relativamente à requalificação da zona marginal do rio Avelames, através da implementação de um jardim

temático, hoje, as populações de Pedras Salgadas continuam sem ver qualquer jardim temático e a

requalificação acabou por ser feita pela Câmara Municipal.

Quanto às fontes, apenas a Fonte de Pedras Salgadas está aberta ao público durante o verão; a Grande

Alcalina apenas serve para mostrar o edifício e todas as outras fontes estão encerradas, algumas até ao

abandono.

Ora, face a este cenário, não estranhem que as populações se sintam absolutamente defraudadas por

assistirem à morte da sua vila termal, por não verem a criação de postos de trabalho, que tanta falta fazem numa

região do interior fortemente desprotegida, nem verem os prometidos hotéis para os turistas que pretendam

usufruir do termalismo.

Mas, tal como as populações e a própria autarquia, também Os Verdes consideram que ainda é possível

fazer renascer o termalismo em Pedras Salgadas. Com ou sem Unicer, com ou sem Super Bock Group, é ainda

possível fazer renascer a natureza termal e fazer justiça à designação de «Vila Termal» de Pedras Salgadas.

Mas este caso deveria ainda fazer-nos refletir sobre a necessidade imperiosa de, definitivamente, se proceder

à eliminação do regime associado aos ditos projetos de relevante interesse nacional, que, pelos vistos, só

interessam aos promotores.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado José Luís Ferreira, inscreveram-se cinco Srs.

Deputados para formularem pedidos de esclarecimento.

Como pretende responder, Sr. Deputado?

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Responderei a três e, depois, a dois Srs. Deputados,

conjuntamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, então, a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado

Duarte Alves, do PCP.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Ferreira, saudamos a

iniciativa de Os Verdes, de trazer a este debate a realidade que a Comissão de Economia teve oportunidade de

conhecer, no terreno, na visita realizada a Pedras Salgadas.

No contacto com as populações, empresas, associações e instituições daquela região, aquilo que os

Deputados ouviram em Pedras Salgadas foram preocupações sobre o projeto de potencial interesse nacional

Aquanattur.

Essas preocupações vão ao encontro da posição há muito defendida pelo PCP, no que diz respeito aos

projetos PIN.

Com a invocação do interesse nacional, determinados projetos obtêm benefícios fiscais e incentivos

financeiros, e são subtraídos às reservas ecológica e agrícola nacional, com prejuízo do ambiente.

Em troca, criam-se expectativas nas populações de que, por essa via, se vai conseguir avançar com projetos

que vão ter importância para a economia local e para a criação de emprego, expectativas, essas, que muitas

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vezes são defraudadas — basta ver que cerca de um terço dos projetos PIN entram em insolvência ou têm de

entregar os ativos à banca.

Neste caso, temos um projeto PIN cujo racional de atribuição foi, além do projeto industrial, o da

requalificação e certificação ambiental do Parque Termal de Pedras Salgadas, valorizando o seu património

natural, arquitetónico e histórico. Ora, esta parte do projeto, não foi cumprida. Não há um hotel a funcionar em

Pedras Salgadas, o património do Parque está em estado de degradação, os postos de trabalho prometidos não

foram criados.

A Unicer, ou Super Bock Group, limitou-se a cumprir a parte do «lombo» do projeto, que é o projeto industrial.

Mas a pergunta que temos de formular é a seguinte: que acompanhamento deu a AICEP (Agência para o

Investimento e Comércio Externo de Portugal), que acompanhamento deram os Governos a esta situação? O

próprio grupo económico disse à Comissão que a AICEP aprovou, com ele, tudo o que foi sendo feito. É este o

papel que a AICEP e o Governo devem ter? Limitarem-se a rever os objetivos em favor do promotor? Não

deveriam pugnar para que estes projetos cumprissem com o que foi definido?!

Pergunto-lhe, por isso, Sr. Deputado, o que pensa que deve ser feito neste caso e também se considera que

este é mais um exemplo de como devem ser postas em causa as excecionalidades permitidas aos projetos PIN,

que produzem avultados benefícios fiscais e incentivos financeiros, sobretudo para grandes grupos económicos,

muitas vezes em troca de pouco mais do que nada que se veja, em termos de interesse nacional e das

populações.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem, agora, a palavra o Sr.

Deputado Paulo Rios de Oliveira, do PSD.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputado, Sr. Deputado José Luís Ferreira, o

PSD felicita o Partido Ecologista «Os Verdes» por trazer este tema a discussão na Assembleia da República. O

tema justifica-o.

Como sabe, eu próprio acompanhei esta visita da Comissão de Economia aos distritos de Vila Real e Braga

e, de facto, também acompanhei a visita ao projeto da Super Bock e participei nos contactos que fizemos com

as populações e com as autarquias.

Sr. Deputado, se calhar, em benefício do debate, não ganharíamos muito, até porque é altamente discutível,

começar a ver se o contrato foi muito cumprido ou pouco cumprido, se foi ou não cumprido o artigo 24.º ou a

alínea 36).

O que nós detetámos lá e que pode ficar para memória futura é que, de facto, parece difícil haver projetos

desta importância que sejam construídos contra as populações locais. Quando as pessoas de Pedras Salgadas

deixam de falar do seu local, das suas termas e passam a referir-se a elas como sendo deles, há aqui um

divórcio que é muito difícil de ultrapassar.

Portanto, parece-nos que, antes de mais, o mais grave de tudo será o divórcio ou a falta de diálogo que existe

entre o Super Bock Group e a própria autarquia. Parece-nos que é, antes de mais, por aí que temos de ir e não

procurar retirar deste caso ou deste exemplo a conclusão definitiva de que todos os projetos PIN são bons ou

de que todos os projetos PIN são maus. Até porque, conforme se percebeu nas reuniões que tivemos, não ficou

muito claro o cumprimento ou incumprimento.

Muito claro ficou que as pessoas deixaram de sentir aquela área, aquela atividade, como sendo delas. E,

quando se prometia ou quando se pretendia redinamizar esta vila termal, a verdade é que, e reconhecemo-lo

todos, isso não aconteceu.

Alguma coisa há a fazer, mas pergunto-lhe se a questão, aqui, é essencialmente uma questão de diálogo e

de implantação do projeto ou se considera que se trata de uma questão de contrato, de cumprimento de uma

alínea ou de um artigo.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, as nossas felicitações por

ter sido tão célere na aplicação daquelas que são as nossas conclusões comuns, perante a visita que a

Comissão de Economia fez ao projeto de Pedras Salgadas e a reunião que teve quer com o promotor do projeto,

quer com as várias entidades que tiveram intervenção no projeto.

A primeira pergunta que a sua intervenção suscita tem a ver com a Resolução da Assembleia da República

n.º 211/2016, que, com base num projeto de resolução de Os Verdes, recomenda expressamente que o Governo

desenvolva as medidas necessárias para que a Unicer cumpra, integralmente, os compromissos assumidos no

âmbito do Projeto PIN Aquanattur em Pedras Salgadas.

O que nós, enquanto Comissão de Economia, fomos fazer ao local foi ver se o projeto estava ou não a ser

cumprido e deparámo-nos com uma situação bastante insólita. É que sabemos — e, Sr. Deputado Paulo Rios,

desculpe que lhe diga, não leu, com certeza, o Projeto PIN em causa — que há uma série de dimensões do

Projeto PIN Aquanattur que não foram, pura e simplesmente, cumpridas.

Mas o curioso da questão é que, na reunião que houve em Pedras Salgadas com o Conselho de

Administração da Unicer/Super Bock, foi dito expressamente pelo CFO (chief financial officer) — o responsável

financeiro —, que, aliás, disse perceber mais de finanças do que de turismo, que, no entendimento da

administração, fizeram tudo o que se propuseram fazer no âmbito do Projeto Aquanattur.

Ora bem, quando o Projeto PIN Aquanattur está disponível nos sites do Ministério da Economia, da IAPMEI

(Agência para a Competitividade e Inovação) e da própria AICEP,…

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado Heitor de Sousa, já ultrapassou o tempo de que

dispunha.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — … quando se pode fazer a comparação entre o que está no projeto e o que

está efetivamente concluído — porque fomos lá ver —, quando temos aquela afirmação do representante

financeiro do Conselho de Administração e não temos nada que a sustente, é, no mínimo, absolutamente

inapropriada a sua conclusão, Sr. Deputado Paulo Rios.

Portanto, Sr. Deputado Paulo Rios, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda divorcia-se completamente

da análise que fez.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — A declaração política é de Os Verdes!

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Sabe porquê? Porque, como o Grupo Parlamentar do PSD e todos nós

dizemos, os contratos são para cumprir, meu caro amigo, os contratos são para cumprir!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — O que a Unicer devia ter feito, a esta altura, 10 anos depois de o projeto ter

começado a ser implementado, era o seu cumprimento integral. Mas não fez!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Portanto, a pergunta que lhe deixo, Sr. Deputado José Luís Ferreira, é no

sentido de saber que medidas entende que o Governo deve tomar para que a Resolução da Assembleia da

República seja integralmente cumprida e para que o projeto seja retomado ou devolvido aos cidadãos de Pedras

Salgadas.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra, para responder a este primeiro conjunto

de pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de agradecer as

perguntas que foram formuladas pelo Sr. Deputado Duarte Alves, do Partido Comunista Português, pelo Sr.

Deputado Paulo Rios, do PSD, e pelo Sr. Deputado Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda.

Sr. Deputado Duarte Alves, de facto, o projeto tinha duas componentes — a componente industrial e a

componente termal ou turística — e, em relação à parte industrial, não há nada a dizer. O que nos move é a

natureza termal e turística de que também se reveste o projeto. E, aproveitando também para responder já ao

Sr. Deputado Heitor de Sousa — que muito bem lembrou a resolução apresentada por Os Verdes, que foi

aprovada sem votos contra, recorde-se —, gostaria de dizer que aquilo que consideramos essencial é que, não

conseguindo o Governo obrigar o Super Bock Group a cumprir os compromissos que assumiu, só restam duas

soluções: renegociar o contrato, de forma a garantir os objetivos centrais que presidiram à atribuição dos

benefícios fiscais — estou a falar da dinamização da vida termal e da oferta turística — ou, se assim não for,

fazer uso do mecanismo que o próprio contrato de investimento prevê, que é a rescisão unilateral do contrato,

uma vez que há incumprimento, certamente bem claro. E, neste caso, haveria necessidade de o próprio Estado

reaver tudo aquilo que a Unicer, agora Super Bock Group, recebeu, de benefícios e incentivos fiscais.

Depois, Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, a questão não é de alínea, a questão não é de diálogo. Aliás,

se o Sr. Deputado votou a favor do nosso projeto de resolução, foi certamente porque o PSD considerou que

havia incumprimento por parte do promotor do projeto. Se o Sr. Deputado considera que é pelo diálogo que se

constroem hotéis, se considera que é pelo diálogo que se dinamiza a atividade termal em Pedras Salgadas, isso

é a filosofia do Sr. Deputado Paulo Rios, na qual Os Verdes em nada se reveem.

De facto, o que interessa aqui salientar é que o objetivo central que presidiu à atribuição de benefícios fiscais

e de incentivos financeiros a um grupo económico tinha como contrapartida fazer renascer a vida termal em

Pedras Salgadas. E o Sr. Deputado certamente percebeu cedo como as coisas estavam, porque os próprios

Deputados da Comissão não conseguiram pernoitar em Pedras Salgadas, dado não existir um único hotel. E

quanto aos hotéis que ficaram de ser reconstruídos pela Unicer dentro do parque, um, o Hotel Avelames, que

tinha sido construído com dinheiros públicos, foi demolido, aparentemente até enterrado dentro do próprio

parque, e o Grande Hotel está como o Sr. Deputado o viu, cheio de entulho e completamente ao abandono.

Portanto, se o Sr. Deputado acha que, se a Unicer chamar lá as populações e dialogar com elas, o hotel, de

repente, fica bom essa é uma solução mágica para a qual duvido que o Sr. Deputado tenha poderes, e muito

menos os tem a Unicer ou Super Bock Group.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Passamos à segunda ronda de pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra, para o efeito, o Sr. Deputado Ricardo Bexiga, do Partido Socialista.

O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, penso que a «pergunta de 1

milhão de euros», a propósito desta iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes», que também saúdo, é esta:

qual terá sido o pedido que o administrador da Unicer, Pires de Lima, terá feito ao Ministro da Economia Pires

de Lima, quando aceitou renegociar o contrato de investimento que estava planeado para o projeto

Vidago/Pedras Salgadas?

É que, de facto, o que encontramos é um projeto parcialmente cumprido, mas que foi objeto de uma

renegociação, na vigência do anterior Governo. Portanto, quando o administrador do atual Super Bock Group

diz «nós estamos a cumprir aquilo a que nos obrigámos», eventualmente, isso será mesmo verdade. Teremos

de esclarecer junto da AICEP se efetivamente a renegociação implicou aquilo a que assistimos, do ponto de

vista da reformulação do projeto, mas temos de perceber que, neste momento, o que é preciso é dar uma nota

muito positiva a este processo, uma vez que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista sentiu nesta visita ao

local que há condições para revitalizar um território com recursos naturais excecionais e que tem uma

capacidade de atração e de desenvolvimento do turismo termal, a título europeu, excecional.

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Portanto, temos de criar condições não para desmerecer todo o esforço que foi feito até agora, mas para que

a AICEP possa, de forma concertada com o investidor, reabilitar e recuperar aquilo que falta recuperar e reabilitar

neste projeto.

Ora, a questão que coloco ao Sr. Deputado tem exatamente a ver com isso. De facto, apesar daquilo que foi

a sua descrição da atual situação, o que verificámos foi uma vontade muito forte das populações e das

autarquias envolvidas neste projeto de fazer mais e melhor. Assim sendo, pergunto-lhe se, em vez de recuperar

o tempo passado, em vez de recuperar aquilo que eventualmente era o projeto inicial, seremos capazes de

construir, em conjugação de esforços, um projeto capaz de responder às novas necessidades e àquilo que é

hoje o turismo termal, que tem características muito diferentes daquelas que vivemos no passado, pois tem hoje

a capacidade de ser um produto vendável a nível europeu e mundial.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado

Hélder Amaral, do CDS-PP.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, quero cumprimentá-lo e

pedir-lhe dois esclarecimentos.

Um primeiro esclarecimento é factual. De facto, as populações, os autarcas e os Deputados eleitos

demonstraram, na visita que a Comissão de Economia teve oportunidade de fazer, quer à exploração de lítio,

no Barroso, quer a Pedras Salgadas, uma paixão por aquilo que é seu, uma defesa intransigente daquilo que é

seu, e isso é de louvar.

Mas, do outro lado, há um projeto de interesse nacional, que cumpriu todas as regras e que foi elaborado

entre as autarquias, o promotor da empresa em causa e o Governo da República. Esse mesmo projeto foi

discutido em sede de comissão, com a presença da AICEP, que é quem tem a tutela ou quem controla a

execução do projeto.

E a verdade é que a empresa disse — e disse-o à frente dos autarcas e da população —, sem qualquer

margem de dúvida, o seguinte: «Nós cumprimos tudo aquilo a que nos propusemos».

Posto isto, não parto do princípio de que a empresa, por ser privada, mente e que a população, que

legitimamente tinha e tem uma expectativa que, pelos vistos — o que ficou também claro —, não se encaixa no

projeto e no plano que a empresa tem para aquele parque, esteja a mentir.

Portanto, qual é a parte que falta aqui ouvir? É a parte do Turismo de Portugal, da AICEP, do Governo,

nomeadamente, da Sr.ª Secretária de Estado do Turismo, uma vez que o turismo de saúde e bem-estar faz

parte do PENT (Plano Estratégico Nacional do Turismo), um dos planos estratégicos que a Sr.ª Secretária de

Estado e o Governo da República assumem. E eu fiz o convite, enquanto Presidente da Comissão de Economia,

para que a AICEP estivesse presente. Como V. Ex.ª sabe, a AICEP disse que sim, mas apareceu no dia

seguinte, quando estávamos a falar de matéria que nada tinha a ver com as Pedras Salgadas, e perguntei por

que razão a AICEP não tinha estado presente numa reunião onde estiveram os autarcas, o promotor e a

população, e onde este assunto foi discutido.

Posto isso, a intervenção de V. Ex.ª devia ser só no sentido de perguntar ao Governo e às entidades públicas

o que andam a fazer e quem é que não está a cumprir. Isto, para percebermos a situação, em vez de dizermos

que não se podem fazer mais projetos de potencial interesse nacional, que não se pode confiar nas empresas

privadas, que não se pode confiar nos promotores. É que é o Governo que não cumpre com a sua obrigação

elementar de controlar, fiscalizar e fazer executar aquilo que assina.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Portanto, estou à espera — já fiz a solicitação à AICEP, aliás, antes

mesmo da visita, e avisei os grupos parlamentares de que tinha feito esse pedido por escrito — de que a AICEP

nos diga qual é o ponto da situação do projeto, o que é que está cumprido e o que falta cumprir.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Até este preciso momento, eu não tenho, a Comissão não tem, os

Deputados não têm qualquer informação da AICEP sobre o que está ou não cumprido.

Fica o quê? Fica a resposta dada, de forma clara e simples, pelo Conselho de Administração do Super Bock

Group, ao dizer: «Cumprimos tudo aquilo a que nos propusemos com o Estado português».

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — Os privados também podem estar a mentir!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Portanto, ou o Governo desmente, ou o Governo governa, ou os

senhores, que apoiam o Governo, tentam, no seio da vossa geringonça, perceber o que se está a passar.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem mesmo de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Resta uma coisa, que o CDS vai fazer, que é colocar questões quer à

Sr.ª Secretária de Estado do Turismo, quer ao Turismo de Portugal, quer à AICEP. Amanhã mesmo, haverá

uma oportunidade para isso, uma vez que teremos uma audição do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, dizendo que o Sr. Deputado, amanhã, também tem uma boa

oportunidade, uma vez que teremos uma audição do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, para perguntar ao

seu Governo o que é que andou a fazer até agora e o que se passa nas Pedras Salgadas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Heitor de Sousa (BE): — O CDS é que podia responder pelo Conselho de Administração da Unicer!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, não me leve a mal, mas transformar uma

pergunta de 2 minutos numa pergunta de 3 minutos e 20 segundos…!

Para responder aos dois Srs. Deputados, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados Ricardo Bexiga e

Hélder Amaral as perguntas formuladas.

Sr. Deputado Hélder Amaral, a pergunta não pode ser feita só a este Governo, pois o projeto já devia estar

concluído até antes de este Governo tomar posse.

Mas, já que falou disso, deixe-me dizer-lhe uma coisa, com o que aproveito para responder também ao Sr.

Deputado Ricardo Bexiga, a propósito da questão do aditamento ao contrato, em 2012. É que o Sr. Deputado

Hélder Amaral diz que o contrato foi feito, em conjunto, com a autarquia, o Estado, a AICEP e a Unicer, na altura,

agora Super Bock Group. Mas sabe o que aconteceu, Sr. Deputado Hélder Amaral? É que, no ano de 2012, o

Governo do PSD e do CDS fez um aditamento ao contrato de investimento, através do qual procedeu a uma

redução do número de postos de trabalho a criar, que passaram de 110 para 58. Mas isso nem foi o pior. O pior

é que o Governo de então fez esse aditamento ao contrato com a Unicer, na altura, sem ter consultado a câmara

municipal. Ou seja, em 2005, quando era preciso «luz verde» da autarquia para haver isenções de IMI

relativamente a todo o imobiliário que vimos naquele parque, e até na fábrica, a autarquia é chamada a dar «luz

verde», mas quando se faz um aditamento para reduzir o número de postos de trabalho a autarquia não é tida

nem achada no processo.

Sr. Deputado Ricardo Bexiga, é verdade que há um protocolo que obriga a Unicer a entregar 20 000 € por

ano à junta. Ora, a Unicer, com 10 anos de atraso relativamente a este compromisso, tem o desplante de vir

dizer — aliás, isso viu-se durante a reunião que o Sr. Deputado Hélder Amaral referiu — que só cumpre aquilo

que assumiu há 10 anos se a câmara municipal, agora, lhe der mais um ou dois furos para explorar a água.

Portanto, parece que quem manda aqui é o dinheiro, é o poder económico e não o poder político.

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Depois, Sr. Deputado Hélder Amaral, é verdade que as pessoas vivem o parque como delas, como se fosse

das populações, aliás, até um recurso como a água. Aqui, em Lisboa, há o Centro Cultural de Belém; as

populações das Pedras Salgadas tinham o parque termal. Tiveram as portas fechadas durante quatro anos,

porque a Unicer fechou o parque; hoje, como também já ouvimos as populações dizer, pede exorbitâncias para

o aluguer do espaço. Muitas vezes, nem sequer fotografias as pessoas podem lá ir tirar, porque a Unicer não o

disponibiliza.

Portanto, a questão aqui não tem a ver só com este Governo.

É verdade que agora é preciso ver o que se vai fazer para o futuro. A resolução que Os Verdes fizeram

aprovar, sem votos contra, também exigia a este Governo o cumprimento integral do contrato. Mas o problema

não é só destes últimos quatro anos; o problema vem muito de trás. Aliás, a grande questão neste processo é

o aditamento de 2012, cujo alcance ainda estamos para perceber, porque até já ouvi o Sr. Deputado Pedro Mota

Soares, que agora não se encontra na Sala, dizer que um dos hotéis foi em troca com as eco-houses, mas as

eco-houses não faziam parte do projeto, não têm nada a ver com o projeto.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Continuamos com as declarações políticas, visto que é o único

tema da nossa ordem de trabalhos.

Tem, agora, a palavra para o efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Regimento, o Sr. Deputado Paulo

Trigo Pereira.

O Sr. Paulo Trigo Pereira (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Mahatma Gandhi disse

palavras simples e sábias, que passo a citar: «Nunca poderás saber o resultado das tuas ações. Mas se não

fizeres nada, não haverá resultados».

As iniciativas que tomo nesta sessão legislativa têm, todas elas, um resultado incerto. Independentemente

do seu desfecho são sementes que aqui lanço. Podem levar meses ou anos, mas estou plenamente convencido

de que algumas germinarão.

A qualidade da democracia e o desenvolvimento económico, social e ambiental de um país, ou da União

Europeia, dependem da qualidade das suas regras e instituições. A melhoria do sistema político faz-se com

pequenas reformas direcionadas para, entre outras coisas, o reforço da autonomia nacional e da participação

cidadã. Hoje, abordo apenas duas regras, uma, europeia, outra, nacional, que condicionam a qualidade da

democracia e das políticas públicas.

A primeira regra envolve dois órgãos com legitimidade democrática diferente: a Comissão Europeia e o

Governo português. Trata-se de definir o «objetivo de médio prazo» para as finanças públicas, em Portugal, do

ano de 2020 até ao ano de 2022. A diferença entre o que a Comissão Europeia acha que deve ser hoje esse

objetivo para 2019 (+0,25% do PIB) e aquilo que poderia ser (-0,5% do PIB) são 1500 milhões de euros anuais,

ou seja, 4500 milhões de euros em três anos.

Ter um pequeno défice, sem pôr em causa a dinâmica de redução do peso da dívida, facilitaria a

sustentabilidade social da política orçamental; permitiria ainda dar alguma margem orçamental adicional, ou

para reduzir impostos, ou para acomodar necessários aumentos de despesa pública, ou para ambos.

Em contrapartida, ter um saldo orçamental estrutural maior do que o necessário para ter as contas públicas

em ordem é um duplo erro: provoca uma desaceleração desnecessária no crescimento económico e põe em

causa a sustentabilidade social da política orçamental.

Nesse sentido, apresentei aqui um projeto de resolução a recomendar ao Governo uma negociação com a

Comissão Europeia, cujo efeito seria manter a consolidação orçamental atual, assim evitando quer o laxismo

orçamental e o descontrolo financeiro, quer o seu oposto, um esforço excessivo adicional sobre famílias e

empresas portuguesas.

O PS foi o único partido que votou contra este projeto, o que levou à sua rejeição. Questiono-me, assim, se

o Grupo Parlamentar do Partido Socialista percebeu o alcance do que estava a votar.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Essa é que é essa!

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O Sr. Paulo Trigo Pereira (N insc.): — De facto, o voto para manter o objetivo de médio prazo significa exigir

a Portugal que tenha um excedente primário da ordem dos 4,5% do PIB em 2021, ou seja, 9000 milhões de

euros de excedente primário.

Tem o Grupo Parlamentar do PS a noção das implicações orçamentais, nos próximos anos, da redução das

propinas no ensino superior, do descongelamento das carreiras e atualização salarial na função pública, de

novos subsídios de apoio aos cuidadores informais, da contratação de mais médicos e enfermeiros? Acho que

não.

Não é possível melhorar a qualidade dos serviços públicos e querer, simultaneamente, ter excedentes desta

natureza.

Estávamos habituados a ver PSD e CDS a ir para além da troica, mas ter o PS a aceitar a redução do espaço

de decisão democrática nacional e a ir para além do tratado orçamental — repito, para além do tratado

orçamental! — não deixa de ser contraditório e preocupante. Só esperamos que o Governo do PS seja mais

realista e menos conservador do que o seu Grupo Parlamentar mostrou aqui ser.

Uma segunda regra para o reforço da qualidade da democracia relaciona-se com o âmbito onde podem surgir

iniciativas legislativas dos cidadãos. Hoje, são necessárias 20 000 assinaturas para os cidadãos apresentarem

projetos de lei na Assembleia da República. Podem, por exemplo, ter uma iniciativa legislativa para manter

abertas as farmácias hospitalares, como recentemente aqui foi aprovado, mas se quiserem ter uma iniciativa

para alterar o sistema eleitoral — a meu ver, um ingrediente indispensável para a reforma do sistema político —

, sejam 20 000 ou meio milhão de assinaturas, não a podem concretizar. Isto, porque a lei em vigor impede que

os cidadãos submetam projetos relativamente a matérias do domínio de reserva absoluta da Assembleia da

República, com uma única exceção: as bases da educação.

Qual o argumento constitucional que sustenta esta restrição à iniciativa dos cidadãos? Existe? Não existe.

Há alguma razão para que os cidadãos não possam apresentar uma proposta de reforma do sistema eleitoral,

definido há mais de 40 anos, que só permite votar em partidos e não, também, personalizar o voto em

candidatos? Não há.

Será que as iniciativas legislativas dos cidadãos diminuem o papel ou as competências exclusivas da

Assembleia da República? Não. Compete exclusivamente à Assembleia da República deliberar, aprovar ou

rejeitar, e, no caso de aprovação na generalidade, alterar esses projetos de lei na especialidade. Porquê, então,

limitar desnecessariamente a iniciativa cidadã? Não percebo.

O reforço adequado dos direitos dos cidadãos melhora a qualidade da democracia.

Sr. Presidente, concluo com a seguinte ideia: não necessitamos, nem são exequíveis, grandes reformas do

sistema político, mas sim algumas pequenas reformas que fortaleçam a democracia europeia e nacional. Sem

elas, o caminho para a vulnerabilidade e, quiçá, a decadência das democracias torna-se mais provável.

Podemos evitar que isso aconteça, só depende de nós.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Ninguém bate palmas?!

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Não se registando inscrições para pedidos de esclarecimento,

passamos à intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Moreira, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 76.º do Regimento.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se há coisa que foi globalizada

foi o racismo. O campeonato de que sociedade é mais ou menos racista não faz sentido; todas as sociedades

que participaram do processo colonial ou que dele beneficiaram são-no. É estrutural e histórico. O problema é

o velho discurso oficial da negação.

O espaço para um debate construtivo e continuado é parco, como se falar de racismo fosse aumentar o

racismo.

Aqui, temos uma dívida histórica com o movimento social antirracista e com comunidades negras e ciganas,

pois são eles que têm obrigado Portugal a ver o que o País apaga.

Temos de interiorizar a questão do racismo e o seu combate e fazer disso programa político. O legislador

constituinte, no artigo 13.º, n.º 2, enumerou os fatores de discriminação identificados na sociedade, com peso

histórico inegável, e conferiu-lhes uma proteção especial. A Lei Fundamental, ao eleger a «raça» como um

desses fatores, espelha a certeza de que a discriminação racial existe.

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Não há «raças», mas há categorias de pessoas condenadas a serem identificadas com esse velho e

ultrapassado conceito criado na expansão e colonialismo europeus.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — É por isso que faço parte de quem goza do privilégio, por não ser

discriminada, de não ter sido e não ser racializada.

Até o branco pobre tem abaixo dele o pobre negro. No que à racialização diz respeito, o facto de a pessoa

racializada ser percecionada como tal antes de todas as outras identidades e recursos que tenha tem um peso

negativo evidente.

O mecanismo de apresentação de queixas de racismo e xenofobia, só este ano, contabilizou mais de 200

queixas.

Falar sobre racismo estrutural significa perceber que estas pessoas são discriminadas em todas as estruturas

sociais, políticas e jurídicas. Estas estruturas não nasceram em Marte, pelo que a discriminação está lá e os

relatórios, como o Relatório sobre Portugal,da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância,do

Conselho da Europa, devem levar-nos a refletir e a agir.

O poder que os grupos nacionalistas de extrema-direita e neonazis poderão estar a conquistar em Portugal

está a preocupar este órgão do Conselho da Europa, nomeadamente no que a alguns agentes que se infiltram

na polícia diz respeito.

Debruçarmo-nos sobre estes dados não é incitar ao ódio nem afirmar que toda a polícia é racista.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — É, antes, não negar um problema, para bem da comunidade e da própria

instituição PSP.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — De resto, o racismo estrutural e institucional está na educação, no

acesso ao emprego, na saúde, nos serviços públicos, na habitação, na justiça. É normal que a taxa de

encarceramento da população PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) seja 15 vezes superior

à restante?! Falar disto não é diabolizar a saúde ou a justiça. Falar de racismo não é incitar ao ódio. Invisibilizar

quem tem de fazer parte de Abril e da Avenida da Liberdade é, sim, intolerável.

Temos de reconhecer que quando criamos guetos para pessoas negras e ciganas, longe da cidade e das

possibilidades da cidade, estamos a ser cúmplices do tal racismo estrutural, e os números disponíveis

demonstram a discriminação e a falta de oportunidades.

Falar de racismo contra o silenciamento, dizia. É por isso que louvo o Deputado Hélder Amaral ou a Ministra

da Justiça, por terem dado publicamente os seus testemunhos contra a invisibilidade. Isto não é incitar ao ódio,

mas à decência.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Negar o racismo deve ficar para os racistas, tão ativos nas redes sociais

nos tempos recentes. Defender a Constituição, os direitos fundamentais, as instituições livres de quem as

mancha e uma sociedade em que as pessoas negras e ciganas deixem de ser as «outras» é para democratas

e exige um programa político.

Exige, desde logo, que se leve avante a recolha de dados estatísticos étnico-raciais para os censos de 2021,

por autoidentificação, e para políticas de igualdade de oportunidades.

Olhando, em todo o caso, para os dados de que já dispomos relativamente à população PALOP, sabemos

que, por exemplo, nas remunerações médias mensais ganham 104 € menos do que a restante população; e a

discriminação continua, sendo que a percentagem desta população a ocupar os piores empregos é três vezes

superior à restante. A taxa de desemprego, por sua vez, é o dobro da relativa à população não PALOP.

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Isto significa que é nosso dever tomar uma posição política, assumir políticas positivas de emprego.

Uma das dificuldades que temos é a de identificar uma pessoa negra como portuguesa. Anos e anos de

afirmação da nacionalidade com base no critério do sangue, mesmo que agora já mitigado, leva a que a pele

conte mais para a integração intuitiva do outro do que o facto de esse outro ser parte da comunidade porque

aqui nasceu, ou porque aqui trabalha, e colabora como qualquer outra pessoa para a cidade.

«É portuguesa?», «É português?», até no telejornal ouvimos esta pergunta absurda, e não preciso de dizer

qual a cor da pele dos visados.

O caminho certo é o de ser português quem nasce em Portugal.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Falemos de tudo isto! Falemos de projetos-piloto na área da

discriminação racial, como há nas áreas de género e da deficiência. Falemos da figura do mediador sociocultural.

Façamos o diagnóstico da situação carcerária de pessoas não brancas. Façamos uma política nesta matéria

transversal a todas as áreas da governação.

Reconheçamos voz e poder a homens e mulheres que sabem do que falam, porque são o lugar da fala.

Sei que já fizemos alguma coisa, e falo pela esquerda a que pertenço, mas sei que esperam muito mais de

nós. Assumamos este combate como estruturante da nossa identidade política.

Aplausos do PS e do Deputado do BE José Manuel Pureza.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Registam-se duas inscrições para pedir esclarecimentos. Como

pretende responder, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado

José Manuel Pureza.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Moreira, na

verdade, não é um pedido de esclarecimentos que lhe quero fazer, mas, enfim, recorro a essa figura regimental

para lhe dar eco daquilo que a sua intervenção, que quero saudar, provocou em mim e neste grupo parlamentar.

Queria sublinhar a clarividência de muitas das suas palavras, a propósito do lastro colonial que está presente

nesta questão, no discurso da negação como um dos principais problemas a enfrentar aqui, no apoio que

expressou a um princípio basilar de que quem nasce em Portugal deve ser português.

Tem razão a Sr.ª Deputada! O racismo é um atentado grosseiro contra os direitos humanos; o racismo é, em

si mesmo, uma diminuição da democracia. E anda mal quem pensar, quem achar que o racismo é apenas aquilo

que se exprime em palavras grosseiras ou em gestos primários. Não é! O racismo é muito mais do que isso!

Como a Sr.ª Deputada muito bem expressou na sua intervenção, hoje estamos confrontados com a existência

desse racismo primário, mas também, e sobretudo, com a existência de um racismo institucionalizado, de um

racismo estrutural que se exprime em cultura institucional, que se exprime em programas escolares, que se

exprime em tantas expressões que são tidas como normais, como naturais. Esse é o perigo essencial que temos

de enfrentar.

É o racismo que naturaliza estereótipos, como a Sr.ª Deputada expressou na sua intervenção. É o racismo

que torna as pessoas ou os grupos racializados em discriminados naturais de determinadas medidas, em alvos

naturais, tudo isto entre aspas, naturalmente, de suspeição, de criminalização e também de guetização nas

nossas sociedades.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.

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Há algo novo que não podemos deixar de sublinhar: a vinda para as ruas de tantos jovens que não se

resignam a esta situação, de jovens que dão a cara por um movimento claro de luta antirracista.

Pela parte do Bloco, é com essa juventude e com todas essas pessoas que queremos fazer caminho! É um

caminho difícil, mas é um caminho absolutamente necessário para tornar a democracia mais digna desse nome.

Estamos absolutamente certos de que a Sr.ª Deputada acompanha também este raciocínio.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr.

Deputado António Filipe, do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Moreira, pedimos para

intervir sobre a sua intervenção, não apenas para a saudar e para a cumprimentar, mas para dizer que

convergimos e concordamos com muito do que disse, embora não concordemos com tudo o que disse. Foi

precisamente por isso que pedimos a palavra.

Consideramos que a luta antirracista deve ser travada sem qualquer hesitação, sem qualquer vacilação,

condenando todas as expressões de racismo que se manifestem na sociedade portuguesa, assumam elas as

formas que assumirem, seja nas redes sociais, seja através de atos do Estado, seja em intervenções de

autoridades públicas, seja em quaisquer intervenções de quaisquer entidades, públicas ou privadas, singulares

ou coletivas. Em qualquer circunstância, o racismo deve ser condenado.

Aquilo com que não concordamos na sua intervenção é quando chega a qualificar Portugal como um País

racista.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Nós não concordamos com essa qualificação. Mais: consideramos que a luta

antirracista não é nem nunca pode ser entendida como uma luta contra a sociedade portuguesa ou uma luta

contra os portugueses, pela mesma razão que a luta anticolonial não era uma luta contra o povo português nem

contra Portugal, era uma luta contra o fascismo português que colonizava outros povos.

Quer-nos parecer que a luta antirracista é uma luta a travar com a sociedade portuguesa, a travar com os

portugueses, contra todos os racistas que existam em Portugal e que se manifestem. Era neste ponto que queria

deixar clara alguma demarcação ideológica, se quiser, relativamente à forma como se expressou. A luta

antirracista não é contra os portugueses, não é contra a sociedade portuguesa. Ela é feita com a sociedade

portuguesa por uma sociedade mais decente, por uma sociedade mais saudável, onde quaisquer manifestações

racistas não devam ter lugar, porque elas são contra Portugal e contra os portugueses.

Era isso que queria deixar aqui dito. Por isso, obviamente, queria dizer-lhe que, na convicção antirracista que

expressou da tribuna, pode contar sempre com as posições do PCP, considerando que estamos a tomar uma

posição ao lado do povo português e na convicção de que aquilo que defendemos firmemente, de combate a

quaisquer manifestações de racismo, sejam convicções com as quais o povo português profundamente se

identifique.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para responder, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Isabel

Moreira.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, começo por agradecer ao Srs. Deputados José Manuel

Pureza e António Filipe as questões que colocaram.

Sr. Deputado José Manuel Pureza, quero apenas agradecer as suas palavras e dizer que também me revejo

naquilo que disse e até na comoção que me provoca esta novidade de a juventude estar a dizer que a rua

também é dela e a ocupar a Avenida da Liberdade, porque, como alguém escreveu, até que seja normal que a

rua seja o lugar da reclamação, que a Avenida da Liberdade, o centro de Lisboa, seja o lugar da reclamação

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das pessoas que hoje vivem guetizadas ainda não vivemos propriamente no 25 de Abril, mas no «24 e meio»,

e eu não quero ficar pelo «24 e meio».

Sr. Deputado António Filipe, é evidente que a luta antirracista faz-se com os portugueses e não contra os

portugueses. Contudo, devo dizer que me cansa um pouco essa questão de as pessoas se sentirem ofendidas

quando se diz que Portugal é um país racista, porque quando dizemos que Portugal é um país sexista ninguém

se zanga.

Vamos para a rua com cartazes a contestar a justiça sexista, o País sexista que temos. O sexismo está

identificado na sociedade, está identificado nas instituições e sabemos que temos um País sexista.

Quando fazemos este diagnóstico, não estamos a dizer que todos os portugueses são sexistas, não estamos

a dizer que todas as pessoas de todas as instituições são sexistas, não estamos a dizer que todos os juízes e

juízas são sexistas! Mas está identificado que, estruturalmente, há um problema de sexismo em Portugal!

Portanto, dizemos que Portugal é um país sexista, é evidente, senão não morriam as mulheres que morrem

por ano, para além dos outros problemas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Que disparate!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — E o mesmo se passa com a homofobia!

Temos uma história com um passado colonial recente que tem, evidentemente, reflexos, com uma

propaganda que ainda hoje tem os seus reflexos, que o Sr. Deputado conhece muito bem, do luso-tropicalismo,

com um passado de trabalho forçado que acabou legalmente em 1961 mas que terminou muito mais tarde —

temos reflexos de tudo isso — e temos, também, atos condicionados que não digo que sejam por dolo, mas que

refletem o tal racismo latente, mesmo que não haja vontade de fazer esse racismo.

Quando uma escola acha por bem discutir o tema «Raças» e, para isso, diz aos alunos para se vestirem de

negro, para se pintarem de preto e para porem umas imitações de carapinha na cabeça, para com isso

representar África, penso que está dito que há aqui um problema!

O Sr. António Filipe (PCP): — Há um problema de parvoíce!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Há um problema, porque, desde logo, não perceber a ofensa que coloca

é grave. Em primeiro lugar, penso que não é assim que se discute a questão, mas, desde logo, imagino que

haja alunos negros e alunas negras em Matosinhos que, «por defeito», já estarão mascarados! Isto são coisas

graves que acontecem, para além de todo aquele racismo que estive a descrever da tribuna.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

Quando digo que Portugal é um país racista, não estou a dizer isto contra os portugueses. Digo e assumo

em mim própria, repito, em mim própria, a interiorização desse racismo, desde o momento do meu nascimento,

como é evidente, tal como interiorizei o sexismo, tal como interiorizei a homofobia. Cresci com esses fatores que

estavam identificados na sociedade e fiz um combate para me libertar deles. Portanto, todos padecemos disso.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Ao abrigo dos n.os 2 e 3 do artigo 76.º do Regimento, tem a

palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aproveito este final de sessão para

trazer um problema que me preocupa.

Há um sentimento generalizado de revolta perante a desigualdade de tratamento que no nosso País é dado

aos incumpridores. O castigo é máximo para os pequenos e suave ou inexistente para os grandes.

Veja-se o caso do Novo Banco. Herdou do BES enormes imparidades no seu balanço — imparidades é,

evidentemente, um eufemismo para «buracos», é assim que o povo lhes chama. Grande parte destas

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imparidades é da responsabilidade do BES (Banco Espírito Santo) e de quem o dirigiu. O BES era um dos

grandes proprietários imobiliários de Portugal, que dispunha de terrenos e imóveis com excelentes localizações,

mas teve, como se costuma dizer, «mais olhos que barriga», sobreavaliou aquilo que tinha.

Conheço bem esse fenómeno de alavancagem. Sei que é através dos arquitetos e dos autarcas que se

fabrica aquilo a que há muito tempo chamei «nova moeda»: metros quadrados de construção. Trata-se de

multiplicar, através de sucessivas decisões urbanísticas, o valor do imóvel. Nem é preciso executar a obra, basta

obter a aprovação dos projetos com as alterações de uso e de espaço edificável que se pretendem.

A desalavancagem do Novo Banco está agora em curso. Na limpeza do balanço que tem vindo a fazer, estão

a ser vendidos ativos imobiliários não estratégicos, ao desbarato e com grandes perdas, ao primeiro que se

apresente. No geral, a um hedge fund, outro eufemismo para fundo abutre.

Em dezembro passado, consumou-se o contrato de promessa do Projeto Viriato do Novo Banco. A carteira

imobiliária, com o valor contabilístico de 717 milhões de euros, era composta por 8726 propriedades com

diferentes usos — residencial, industrial, comercial e terrenos —, foi vendida à Anchorage Capital Group, que

pagou apenas 389 milhões de euros. Uma pechincha.

De caminho, a imparidade correspondente foi limpa do balanço e a perda soma-se às outras que os

resultados do Novo Banco refletem. Certo, certo é que o buraco será, mais uma vez, coberto pelo Fundo de

Resolução, com a ajuda de um empréstimo milionário do Estado.

Podia ser de outra maneira? Podia, mas o caminho escolhido foi este complexo mecanismo de capitalização

contingente, também conhecido, por parte da Sr.ª Deputada Catarina Martins, por «Maria Albertina», que mais

não é do que uma tentativa póstuma de controlo de danos através da restante banca e do Estado.

Admito que a nacionalização simples do Novo Banco, que é defendida por algumas bancadas nesta Casa,

pudesse ter custos mais elevados, como o Primeiro-Ministro aqui já disse. Mas já lá vão alguns milhares de

milhões de euros e o processo ainda não terminou. Não conheço sequer a dimensão exata das imparidades do

Novo Banco, em particular as que resultam de ativos imobiliários, mas, pelo que temos visto, será colossal.

A questão que vos trago, Srs. Deputados, é muito simples: já que, direta ou indiretamente, somos todos

chamados a pagar para manter a confiança dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro, já que a

nacionalização do Novo Banco, que alguns aqui defendem, foi descartada, porque não há de o imobiliário não

estratégico do Novo Banco ficar na posse do Estado? Porque se aceita passivamente que ele seja vendido ao

desbarato, ainda por cima quando o mercado está sobreaquecido, quando afinal precisamos «como de pão para

a boca» de imobiliário público para habitação?

Sr.as e Srs. Deputados, está em discussão a futura lei de bases da habitação. Sabemos que em Portugal, ao

contrário do que acontece em grande parte da Europa, apenas 2% dos recursos habitacionais do País são

públicos, sendo os restantes 98% privados. Deixem-me fazer uma precisão: os 2% públicos dividem-se em 0,2%

do Estado e em 1,8% dos municípios. Repito, 0,2% do Estado. É impossível, em minha opinião, garantir o direito

constitucional à habitação, que compete ao Estado, a partir de uma capacidade tão pequena, tão ridícula até.

Que fazer, então? Desde logo, o Estado tem de se chegar à frente sempre que grandes carteiras de

imobiliário são transacionadas a preço de saldo, como está a acontecer. O Projeto Viriato não é filho único. Há

bem pouco tempo, a Fidelidade vendeu perto de 2500 imóveis por 425 milhões de euros, dos quais também só

recebeu uma parte. Foi outra oportunidade perdida.

Mas o caso do Novo Banco tem uma agravante. É que se exige ao Estado que ele ajude a suportar as perdas

para o banco se tornar apetecível para a revenda, essa, sim, certamente lucrativa, por quem nada pagou pela

aquisição.

Há mais imóveis na calha para suceder ao Projeto Viriato.

Em minha opinião, está mais do que na altura de o Estado abrir o radar. Não sei exatamente, Srs. Deputados,

e não sou especialista destas matérias, qual será a melhor solução técnica. Não sei se é um direito de

preferência do Estado, se é uma exigência maior de controlo, se é outra solução qualquer. O que sei é que o

caminho atual é desproporcionado e injusto, e, no final de contas, ficamos sem nada: nem banco, nem

imobiliário.

Dir-me-ão que o Estado nem sempre é bom gestor imobiliário. Isso é verdade, mas chamem as cooperativas,

chamem as novas modalidades de habitação colaborativa, chamem a capacidade de inovação da geração

jovem, tão qualificada e tão maltratada no seu direito à habitação. Há tanto caminho a fazer!

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Sr.as e Srs. Deputados, trago este caso pela incompreensão e justa revolta que ele está a gerar.

Incompreensão e revolta que são tanto maiores quão desigual é o tratamento dado ao cidadão comum que pede

um empréstimo para compra de casa. Também nesta matéria, em muitos bancos e não apenas o Novo Banco,

sobreavaliaram os ativos sobre os quais constituíram as hipotecas e sobreavaliaram com alguma leviandade a

capacidade de cumprimento de famílias com os baixos rendimentos médios, que são os nossos. Quando a crise

sobreveio e muitas famílias deixaram de poder pagar, grande parte da banca foi inexorável: as pessoas

perderam as casas, perderam o dinheiro e muitas vezes ainda ficaram com dívidas, porque o valor real do bem

afinal é muito inferior ao valor do empréstimo. O processo é injusto e desproporcionado, novamente, e tem

consequências sociais gravíssimas.

É por isso que estão a fazer caminho por essa Europa fora medidas como a extensão da dívida hipotecária

com entrega do bem quando está em causa a morada de família, medidas estas que o Partido Comunista

Português e o Bloco de Esquerda propõem nos seus projetos de lei de bases da habitação e que, creio, não

devem ser descartadas. É um apelo que dirijo ao Partido Socialista.

Sugiro, mesmo, que se vá mais longe. A impenhorabilidade da casa de morada de família, que já está

reconhecida hoje em Portugal legalmente, em caso de dívida fiscal ou contributiva, deve ser alargada a dívida

hipotecária contraída para a aquisição de habitação própria se houver carência económica superveniente e

justificada. E deve haver formas, sem novas alcavalas, de reestruturar a dívida hipotecária à luz das condições

reais da família ou, pelo menos, a possibilidade de trocar a casa por outra mais barata. É que é o direito à

habitação que está em causa.

Defendo, igualmente, maior prudência no crédito à habitação. Têm sido vários os apelos, e eu também os

faço. Os juros poderão subir de um momento para o outro. Tanto as famílias como a banca, devem ter a noção

exata dos riscos que isso comporta.

A crise habitacional está a agravar-se no nosso País. São precisas medidas preventivas, uma maior

proatividade das políticas públicas, mas é, sobretudo, preciso, Srs. Deputados, que os cidadãos sintam que o

sistema financeiro tem de deixar de ser uma espécie de rede de pescadores ao contrário, que prende o pequeno

e deixa passar o grande. O tratamento dado à pequena dívida familiar não pode ser tão violento face à

complacência a que assistimos perante sucessivos buracos financeiros que não podem ser indefinidamente

escondidos ou adiados. Não haverá maior confiança no sistema bancário sem este reequilíbrio entre pequenos

e grandes.

Mas, Srs. Deputados, é também a confiança na democracia que está em causa. Precisamos todos de ser

mais exigentes com a seriedade e com a decência de quem toma decisões sobre as nossas vidas.

Aplausos do PS e de Deputados do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, dois Srs.

Deputados.

Pergunto à Sr.ª Deputada Helena Roseta como deseja responder.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): — Respondo em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Com certeza, Sr.ª Deputada.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, só posso começar por

agradecer o facto de ter trazido o tema da habitação, principalmente a financiarização da habitação, um tema

que tem estado debaixo do tapete e que, de facto, tem de passar a estar em cima da mesa.

Existe uma urgência que não tem encontrado no Partido Socialista o albergue das medidas decididas para

fazer face à falta de habitação acessível a uma grande parte da população, em Portugal. Ainda anteontem, a

SIC fez uma reportagem sobre a dificuldade de encontrar casa para arrendar ou, até, para comprar na cidade

do Porto.

Conseguimos, recentemente, a algumas alterações à lei do arrendamento de Assunção Cristas, alterações

essas que trouxeram mais proteção aos inquilinos, mas, de facto, é manifestamente insuficiente. Basta falarmos

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com a D. Nazaré aqui, no Marquês de Pombal, ou com a D. Maria Augusta, em Miragaia, para percebermos que

até as pessoas com mais de 65 anos estão desprotegidas.

Entretanto, e como aqui bem referiu, cresce a financeirização da habitação e a certeza de que o investimento

estrangeiro em imobiliário tem desregulado e tornado inacessível o direito à habitação.

Ao mesmo tempo, fundos imobiliários e bancos têm cada vez mais imóveis em carteira e as operações

massivas, como a da Fidelidade e a do Novo Banco, ganham adeptos em Portugal. Provavelmente, as tão

famosas SIGI (sociedades de investimento e gestão imobiliária) vêm ajudar a esta festa.

Uma medida tão simples e justa que o Bloco de Esquerda inscreveu na lei de bases como a garantia de que

ninguém fica com dívidas na entrega da sua casa, o que garante uma partilha do risco entre as pessoas e a

banca — que, diga-se, é quem faz a avaliação que garante, posteriormente, arrecadar as dívidas —, encontra

entrave no seio do próprio Partido Socialista, nesta Legislatura.

Onde ficamos, então, com as prioridades? No combate à especulação e à inflação artificial da banca e da

finança e em medidas decididas para fazer face aos milhares de casas vagas e entregues à banca nos últimos

anos? Pois, a questão que colocamos é mesmo essa, e ainda bem que a Sr.ª Deputada também a trouxe aqui

hoje: conseguirá o Partido Socialista estar disponível para travar, de facto, o combate à especulação financeira,

bancária e dos fundos de investimento? Irão reconhecer o açambarcamento como atividade contrária à função

social da habitação?

Por fim, Sr.ª Deputada, só lhe posso dizer que esperamos, de facto, que o Partido Socialista a tenho ouvido

bem esta tarde, porque o que disse relativamente ao mínimo que temos de alcançar na lei de bases da habitação

está no caminho certo e o Bloco de Esquerda só pode aplaudir a sua intervenção.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João

Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Roseta, queria

também começar por saudá-la pela matéria que trouxe na declaração que acabou de fazer, que aborda, de

facto, questões de fundo.

Tenho a certeza de que não foi por acaso que procurou abordar a problemática que aqui trouxe da forma

como o fez, sobretudo colocando questões que são de fundo, do ponto de vista das opções políticas, de

organização social, de reconhecimento do valor social que tem um determinado bem, que por isso não pode ser

remetido apenas para a gestão privada em função de opções particulares, mas que tem de ter uma consideração

da função social, da necessidade social a que dá resposta. E a situação da habitação é precisamente essa.

Quando discutimos políticas de habitação, estamos a discutir opções que a sociedade deve fazer enquanto

tal, relativamente às condições de uso de um bem que não pode estar sujeito apenas às opções privadas ou

particulares de quem o detém, porque esse bem satisfaz uma necessidade social, tem de cumprir uma função

social e esta tem de ser determinada pelas linhas políticas que são definidas por quem tem competência para o

fazer.

Quanto às referências que fez a propósito do Novo Banco, diria que a Sr.ª Deputada, talvez não de forma

tão clara, colocou uma questão que nós, PCP, temos sublinhado ao longo do tempo. O facto de o Estado ter de

beneficiar do património que resulta do BES, do Grupo Espírito Santo, em particular, de algum património que

assume características especiais, coloca-se como necessidade não apenas no plano do ressarcimento do

Estado pelo dinheiro público que foi utilizado na Resolução do Banco e na constituição do Novo Banco, mas

também por um outro motivo — e eu arriscar-me-ia a dizer que esse é o motivo principal —, pelo destino, pela

utilização que pode ser dada a todo esse património se ele estiver nas mãos do Estado e, portanto, disponível

para resolver problemas sociais.

Essa é uma das questões colocadas desde o início em todo este processo, porque, privatizando-se o Banco

depois da sua Resolução, isso significou que o património não ficou na disponibilidade do Estado para resolver

problemas sociais, ficou na mão dos novos donos e, em particular, considerando quem ficou com o Novo Banco,

à mercê de quem pretende obter lucro rapidamente.

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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Quanto à questão que colocou relativamente à impenhorabilidade da casa de morada de família, gostaria de

esclarecer que o PCP não introduziu esse elemento no seu projeto de lei de bases da habitação porque já,

desde 2016, apresentou um projeto próprio — o qual, de resto, está na Comissão de Orçamento e Finanças

para discussão na especialidade —, que estabelece o regime de impenhorabilidade da habitação própria

permanente precisamente nos casos em que a Sr. Deputada se referiu. Propusemos esta matéria numa lei

ordinária e entendemos que a lei de bases da habitação não era o espaço próprio para a resolução desta

questão.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado João Oliveira…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente.

Sr.ª Deputada Helena Roseta, queria deixar o seguinte desafio: convença o Partido Socialista a mudar a sua

posição quer em relação ao destino a dar aos bens do Novo Banco, quer em relação a esta opção da

impenhorabilidade da casa de morada de família.

Sei que a Sr.ª Deputada Helena Roseta deu uma opinião individual, mas, já agora, convirja com o PCP…

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado João Oliveira…

O Sr. João Oliveira (PCP): — … nesse esforço de convencimento do Partido Socialista, e tenho de agradecer

a tolerância do Sr. Presidente à extensão desta minha pergunta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Quase que não percebo o comentário, Sr. Deputado João

Oliveira. Dispunha de 2 minutos e usou de 3 minutos e 25 segundos. Não vejo quase nada de extraordinário!

Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): — Sr. Presidente, começo por agradecer as questões que foram colocadas.

Há uma coisa que tem de ficar muito claro, Srs. Deputados: eu usei do meu direito regimental de falar durante

10 minutos numa sessão legislativa, um direito de todos os Srs. Deputados individualmente. Eu usei desse

direito.

Os Srs. Deputados sabem que pertenço ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, mas não sou do Partido

Socialista, nem tenho qualquer competência ou cargo diretivo no Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Tenho o maior gosto em partilhar das preocupações aqui manifestadas. Sei que há muitos colegas meus que

as partilham, sei que, porventura, as posições não serão unânimes dentro do Grupo Parlamentar, mas as

perguntas que a Deputada Maria Manuel Rola me fez terá de as colocar ao Partido Socialista. Não posso

responder em nome de um partido a que não pertenço.

Tenho muito gosto em poder estar neste Parlamento, por convite do António Costa, como independente, no

Grupo Parlamentar do Partido Socialista, mas reconheçam as minhas limitações. Muitas vezes, estou em

minoria absoluta, coisa que não é grave e que assumo com alguma ironia porque, na verdade, já estive noutras

condições neste Parlamento e, provavelmente, esta intervenção será a última que faço como Deputada nesta

Assembleia da República.

Seja como for, Srs. Deputados, vamos continuar a luta, vamos batalhar pela lei de bases. Aguardamos ainda

os contributos da direita em matéria da lei de bases. Já criticaram muito as nossas soluções, mas ainda não

apresentaram as deles.

Vamos tentar encontrar convergências o mais amplas possível. Estou disponível para essas convergências

e espero que os meus colegas do Grupo Parlamentar também estejam. Vamos trabalhar!

Quero apenas lembrar o seguinte: quando chamei a atenção para a possibilidade de o Estado se chegar à

frente para comprar estas carteiras do imobiliário, é porque entendo que não é tarde, Sr. Deputado João Oliveira.

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As que já foram vendidas já não se podem recomprar, mas em relação às que ainda não foram, pode haver

soluções. É esse o meu apelo.

Dou apenas um número. O Novo Banco vendeu quase 9000 imóveis. Os Imóveis que o IRHU (Instituto da

Habitação e da Reabilitação Urbana) detém em nome do Estado para habitação social são 11 000. Só a carteira

do Novo Banco do Projeto Viriato é quase tanto como toda a habitação pública do Estado português. Isto é

inconcebível!

Portanto, temos de fazer alguma coisa. É este o meu apelo: temos de fazer alguma coisa!

Aplausos de Deputados do PS e do BE.

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Com a resposta da Sr.ª Deputada Helena Roseta, e antes de

dar por findos os trabalhos, relembro os Srs. Deputados que teremos uma reunião plenária amanhã, com início

às 15 horas.

A ordem do dia é exclusivamente ocupada por uma marcação do CDS-PP, em que será discutido, na

generalidade, o Projeto de Lei n.º 1144/XIII/4.ª (CDS-PP) — Nomeação dos membros das entidades

administrativas independentes. Tratando-se de um agendamento desta natureza, alerto os Srs. Deputados para

o facto de poder haver votação no final do debate.

Muito obrigado.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 27 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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