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Quinta-feira, 4 de julho de 2019 I Série — Número 104
XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)
REUNIÃOPLENÁRIADE3DEJULHODE 2019
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Sandra Maria Pereira Pontedeira António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Ana Sofia Ferreira Araújo
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 14 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 1242 a 1244/XIII/4.ª e dos Projetos de Resolução n.os 2240 a 2252/XIII/4.ª.
Foi reapreciado o Decreto da Assembleia da República n.º 293/XIII — Restaura a Casa do Douro enquantoassociação pública e aprova os seus estatutos. Proferiramintervenções os Deputados Francisco Rocha (PS), CarlosMatias (BE), António Lima Costa (PSD), João Dias (PCP),Hélder Amaral (CDS-PP) e José Luís Ferreira (Os Verdes).
Foi debatido o Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade, tendo usado da palavra, além do Presidente da Comissão (Deputado do PSD Emídio Guerreiro) e do Relator (Deputado do BE Jorge Costa), os Deputados Bruno Dias (PCP), Hugo Costa (PS), Hélder Amaral (CDS-PP) e Jorge Paulo Oliveira (PSD).
Foi debatido o Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as Consequências e Responsabilidades Políticas do Furto do Material Militar Ocorrido em Tancos, tendo usado da palavra, além do Presidente da Comissão
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(Deputado do PS Filipe Neto Brandão) e do Relator (Deputado do PS Ricardo Bexiga), os Deputados Berta Cabral (PSD), João Vasconcelos (BE), Diogo Leão (PS), Telmo Correia (CDS-PP) e Jorge Machado (PCP).
Foi apreciada, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 203/XIII/4.ª (GOV) — Altera o regime da estruturação fundiária. Intervieram, além do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos), os Deputados Carlos Matias (BE), Maria Lopes (PS), Emília Cerqueira (PSD), Patrícia Fonseca (CDS-PP) e João Dias (PCP).
Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 204/XIII/4.ª (ALRAA) — Estabelece o regime jurídico da regularização dos «Chãos de Melhoras», tendo feito intervenções os Deputados Carlos Matias (BE), Berta Cabral (PSD), João Azevedo Castro (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e António Filipe (PCP).
Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 162/XIII/4.ª (ALRAM) — Altera o Código do Imposto sobre o
Valor Acrescentado (CIVA) e repõe a eletricidade na lista 1 — Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida do CIVA. Proferiram intervenções os Deputados Ernesto Ferraz (BE), Cristóvão Crespo (PSD), Hortense Martins (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e Paulo Sá (PCP).
Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Resolução n.os 2253 a 2255/XIII/4.ª.
Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 196/XIII/4.ª (GOV) — Autoriza o Governo a criar um sistema de recolha, registo e análise de dados sobre a ciência e tecnologia, tendo proferido intervenções o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (João Sobrinho Teixeira) e os Deputados Ana Mesquita (PCP), Ilda Araújo Novo (CDS-PP), Elza Pais (PS), Luís Monteiro (BE) e Duarte Marques (PSD).
O Presidente (José de Matos Correia) encerrou a sessão eram 18 horas e 3 minutos.
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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas.
Está aberta a sessão.
Eram 14 horas e 35 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da Autoridade para abrirem as portas das galerias ao público.
Antes de dar início à ordem do dia, peço ao Sr. Secretário da Mesa, Duarte Pacheco, o favor de anunciar o
expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, informo que deram entrada na
Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Lei n.os 1242/XIII/4.ª (PCP) — Modernização do regime de atividade do
setor do táxi (9.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 251/98, de 11 de agosto), que baixa à 6.ª Comissão, 1243/XIII/4.ª
(PCP) — Cria o Estatuto do Doente Crónico, que baixa à 9.ª Comissão, e 1244/XIII/4.ª (PCP), — Estabelece o
regime de financiamento permanente do Programa de Apoio à Redução Tarifária nos transportes públicos, que
baixa à 6.ª Comissão.
Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 2240/XIII/4.ª (BE) —
Recomenda ao Governo a reintegração de militares ex-pilotos do quadro permanente da Força Aérea (FAP)
que, em 1988 e 1989, decidiram abandonar a efetividade de serviço por não lhes ter sido concedida passagem
à situação de reserva ou licença ilimitada, que baixa à 3.ª Comissão, 2241/XIII/4.ª (PCP) — Recomenda ao
Governo que adote o procedimento necessário para a classificação do conjunto edificado composto pela fábrica
de briquetes e plano inclinado da mina do Espadanal, em Rio Maior, enquanto património de interesse público,
que baixa à 12.ª Comissão, 2242/XIII/4.ª (PCP) — Recomenda ao Governo que adote o procedimento
necessário para a classificação das salinas de Rio Maior como imóvel de interesse nacional, que baixa à 12.ª
Comissão, 2243/XIII/4.ª (BE) — Índices salariais de professores de técnicas especiais de escolas secundárias
artísticas, que baixa à 8.ª Comissão, 2244/XIII/4.ª (PCP) — Recomenda ao Governo que proceda à
requalificação da Escola Básica da Alembrança, no concelho de Almada, 2245/XIII/4.ª (PCP) — Recomenda ao
Governo que proceda à requalificação da Escola Básica e Secundária Francisco Simões, concelho de Almada,
2246/XIII/4.ª (PCP) — Assegurar os cuidados de saúde mental nos locais de trabalho, que baixa à 10.ª
Comissão, 2247/XIII/4.ª (PCP) — Recomenda a integração dos leitores das instituições do ensino superior
público, que baixa à 8.ª Comissão, 2248/XIII/4.ª (PCP) — Declaração da atribuição de 1% do Orçamento do
Estado para a cultura como meta a atingir no sentido da democratização cultural, que baixa à 12.ª Comissão,
2249/XIII/4.ª (PCP) — Respeito pelos direitos dos docentes do ensino artístico especializado, 2250/XIII/4.ª (PCP)
— Requalificação do parque escolar, que baixam à 8.ª Comissão, 2251/XIII/4.ª (PCP) — Consulta a entidades
representativas dos profissionais da pesca no âmbito do desenvolvimento de programas, planos e projetos com
incidência sobre zonas costeiras, que baixa à 11.ª Comissão, e 2252/XIII/4.ª (PCP) — Recomenda ao Governo
o ensino de suporte básico de vida nas escolas, que baixa à 8.ª Comissão, em conexão com a 9.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr. Secretário, Duarte Pacheco.
Antes ainda de começarmos os trabalhos, queria apenas dizer que, na última Conferência de Líderes, foram
decididos todos os agendamentos até ao final desta Legislatura.
Portanto, a continuação desta entrada massiva de projetos de lei e de resolução, porventura para efeitos
estatísticos, será, digamos, respondida não cerceando, evidentemente, os direitos de todos os Deputados e dos
grupos parlamentares, mas fazendo a evidência estatística de quais foram os que entraram depois de já não
haver agendamentos possíveis, para que a opinião pública saiba exatamente o que se passou na Assembleia
da República nesta última fase da Legislatura.
Vamos, então, entrar na nossa ordem do dia, cujo primeiro ponto consiste na reapreciação do Decreto da
Assembleia da República n.º 293/XIII — Restaura a Casa do Douro enquanto associação pública e aprova os
seus estatutos.
A primeira intervenção relativa a este ponto é do Sr. Deputado Francisco Rocha, do Grupo Parlamentar do
PS, a quem dou a palavra.
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O Sr. Francisco Rocha (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS quer
enfatizar, desde já, que a devolução do texto por parte de Sua Excelência o Presidente da República resultou
benéfico para este processo. Permitiu acrescida ponderação de cada um dos pontos constantes da mensagem
do Sr. Presidente da República, mas também de todo o diploma, possibilitando o respetivo aperfeiçoamento,
tendo em vista o objetivo de ampliar o apoio a esta iniciativa.
São alterações bem percetíveis que não beliscam a alma e a essência do diploma, que nunca quisemos
colado ao passado, e que visam dar voz e força à parte mais frágil de entre as profissões da viticultura.
Foquemo-nos, por isso, no que motivou e fundamentou a consagração em proposta de lei da «nova» Casa
do Douro enquanto associação pública de inscrição obrigatória.
Foi um processo político longo, durante o qual, desde sempre, apelámos aos consensos, desde logo, com
os partidos da esquerda, mas também com o PSD que, através dos seus autarcas representados na CIM
(Comunidade Intermunicipal) do Douro, afirmaram e votaram o seu apoio a este modelo estatutário.
O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Muito bem!
O Sr. Francisco Rocha (PS): — Por isso, perguntamos: será justo tentar diminuir um modelo que conseguiu
integrar propostas e sugestões da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), da CNA (Confederação
Nacional de Agricultura) e até da Associação dos Exportadores de Vinho do Porto, e que também concitou o
expressivo apoio das associações que na região representam a esmagadora maioria das adegas cooperativas
e os lavradores do Douro?
Aplausos do PS.
E a propósito da paz e normalidade institucional que se vive na região, e que alguns, muitos, gostam de
propalar, é bom lembrar que foi unicamente a esquerda parlamentar que fez com que isso acontecesse ao fazer
aprovar, nesta Câmara, a criação de uma comissão administrativa que continua a resolver, com elevado
sucesso, as questões relativas às dívidas gigantescas da ex-Casa do Douro e aos seus trabalhadores.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, resolvidas que estão essas questões urgentes, é chegado o tempo de dotar
a região de um novo modelo estatutário voltado para o futuro, ultrapassando algumas das suas fragilidades.
Com as suas singularidades próprias, donde ressalta o benefício, este território, que é Património Mundial,
necessita ainda de uma associação pública de inscrição obrigatória que agregue, que se faça ouvir, que
represente, de forma plena e não camuflada, o mosaico social dos seus produtores, promovendo
incessantemente a sua defesa, a sua representação, a sua formação, a sua inovação, mas também a sua
adaptação a novos desafios, de forma a ser assegurada a respetiva sustentabilidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a realidade do Douro é muito diversa e complexa. Como escreveu
Torga, o que é preciso, para ver essa realidade, é que os nossos olhos não percam a pureza original e o coração,
depois, não hesite.
Chegou, pois, a hora de não hesitarmos e contribuirmos para a construção de uma Região Demarcada do
Douro mais forte, menos desigual e mais sustentável, voltada para o futuro.
Foi esse consenso que, desde o início, nos obrigámos a conseguir, para que o Douro continue um poema
geológico: a beleza absoluta.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Matias, do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda.
O Sr. Carlos Matias (BE) — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos em vias de concluir um processo
longo e difícil para devolver à região duriense a sua histórica Casa do Douro, destruída e entregue pelo Governo
anterior a uma associação privada em conluio com os poderosos interesses do comércio e exportação dos
vinhos da região.
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Hoje, segue em frente a maioria que restaurou a Casa do Douro, mantendo a matriz essencial de associação
pública de inscrição obrigatória e, portanto, representativa de todos os viticultores da região duriense. Será
assegurada a devolução à região da sua histórica e icónica sede no Peso da Régua, bem como o património
remanescente do processo de liquidação da antiga Casa.
Da longa polémica resultante da anterior restauração da Casa do Douro, ressalta, com cristalina evidência,
o que sempre mais temeram o comércio e os exportadores: a amplitude e força de todos os produtores, unidos
numa única organização, regida por normas democráticas.
A suposta falta de liberdade de associativismo, o fantasma de uma pretensa imposição de pesadas quotas
e a acusação de que uma nova Casa do Douro iria colidir com a meritória atividade de outras organizações já a
trabalhar no terreno nunca passaram de cortina de fumo a esconder o essencial. O comércio e a exportação
querem controlar os produtores e negar-lhe a sua voz própria, apesar de todos eles terem, muito legitimamente,
as suas próprias organizações representativas.
O Sr. Pedro Soares (BE): — Muito bem!
O Sr. Carlos Matias (BE) — Infelizmente, estes e outros argumentos encontraram defensores com suficiente
peso institucional para condicionar e atrasar o processo. Mas, felizmente, isso foi insuficiente para o parar.
A nova Casa do Douro, uma vez renascida, tem pela frente tarefas imperiosas e de grande exigência. A
institucionalização da nova Casa vai implicar um enorme esforço de mobilização democrática em toda a região.
Por outro lado, a superação das dificuldades económicas por que passam os pequenos produtores durienses
vai exigir aos seus dirigentes independência, visão e coragem.
No horizonte dos seus associados e dos dirigentes, cremos dever estar a recuperação de funções
regulatórias perdidas ao longo de muitos anos sob mandatos de diversos governos.
A singularidade da região duriense exige regulação forte e não apenas a frágil competência regulatória hoje
exercida através do Conselho Interprofissional. A lei que sairá deste processo legislativo não resulta
exclusivamente do projeto do Bloco de Esquerda e dele difere em muitos aspetos importantes, sacrificados num
processo negocial difícil para a construção de uma maioria, mas, Sr.as e Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda
orgulha-se de ter tomado a iniciativa legislativa de restaurar a Casa do Douro e das posições que veio tomando,
sem nunca perder de vista o essencial: devolver aos produtores a sua representação própria.
Colocamos agora a nova Casa do Douro nas mãos calejadas das gentes que trabalham e investem
duramente nos socalcos durienses. O futuro depende do seu trabalho e da sua luta, como sempre e agora ainda
mais.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PSD. Tem a palavra o Sr. Deputado António Lima
Costa, para uma intervenção.
O Sr. António Lima Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Presidente da República
vetou o decreto que visava restaurar a Casa do Douro enquanto associação pública e na carta que nos dirige a
este propósito não podia ser mais claro.
Lembra-nos que a criação da Casa do Douro, pública e de inscrição obrigatória, em 1932, resultou da lógica
do regime político e do corporativismo de Estado vigente à época.
Protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.
Sabemos que os extremos se tocam, por isso, não se estranha que bloquistas e comunistas, aqui com o
apoio incompreensível do Partido Socialista, queiram repor uma entidade com funções sindicais de inscrição
obrigatória, própria de regimes totalitários.
Aplausos do PSD.
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Vamos pôr esta intervenção a correr no Douro!
O Sr. António Lima Costa (PSD): — Fazem-no, citando o Sr. Presidente da República, «em termos diversos
dos genericamente previstos no nosso quadro constitucional».
E, para lá da provável inconstitucionalidade, fazem-no, diz o Sr. Presidente, repondo uma entidade pública
mas sem lhe atribuir qualquer função pública concreta e atribuindo-lhe funções que são incompatíveis com a
alegada natureza pública.
Como muito bem resume o insuspeito Prof. Vital Moreira: «Estamos perante uma precipitada restauração da
Casa do Douro como entidade pública, sem poderes públicos mas, sim, com poderes sindicais e que
provavelmente acabará num beco sem saída».
Perante esta inutilidade jurídica, o Sr. Presidente da República solicita expressamente que se dê primazia a
uma reflexão mais ampla sobre outras fórmulas diversas da opção denominada de restauracionista. E qual é a
resposta de Partido Socialista, do Bloco e do PCP aqui, hoje?
Fazem um truque: mantêm inalterada a substância que levou ao veto e pegam num pequeno exemplo lateral,
marginal, usado apenas para ilustrar esta aberração, a alínea das convenções coletivas de trabalho, e eliminam-
na para, assim, poderem agitar a bandeira de que responderam às questões levantadas pelo Sr. Presidente da
República.
É um truque que é uma afronta ao Sr. Presidente da República, mas é, sobretudo, uma afronta aos durienses.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. António Lima Costa (PSD): — Insistir nesta inutilidade jurídica, neste vazio de conteúdo, que, por isso
mesmo, não conseguirá resolver nenhum problema estrutural da região, só tem uma explicação: a três meses
das eleições, querem atirar areia aos olhos dos viticultores, criar ilusões falsas, gerir expetativas infundadas,
tentando fazê-los passar por tolos.
Protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.
O PSD rejeita estas afrontas e só lamenta que se tenha perdido uma grande oportunidade,…
O Sr. João Oliveira (PCP): — É a voz das casas exportadoras!
O Sr. António Lima Costa (PSD): — … com a rejeição expressa do Partido Socialista ao repto que aqui lhe
lançamos, para, em conjunto, podermos encontrar um modelo de representação da produção compatível com
uma visão moderna e europeísta que julgávamos partilhar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi no passado dia 5 de abril que se iniciou o
caminho de recuperação da Casa do Douro enquanto associação pública verdadeiramente representativa dos
viticultores durienses, nomeadamente dos pequenos produtores, face ao poder das casas exportadoras.
Perante o restabelecimento da justiça na região, foi sem surpresa que as casas exportadoras, de imediato,
vieram a terreiro, levantando a sua voz, ou por interpostas pessoas, contra o diploma. Tal contestação — bem
organizada, é certo, contando com instrumentos bem posicionados e que, seguramente, voltará à carga depois
deste debate — só pode ser justificada pela consciência dos representantes do comércio, que sempre têm
explorado o Douro e as suas gentes, que perceberam que o caminho que encomendaram ao anterior Governo
PSD/CDS de desregulação da produção na região sofreu um importante revés.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendeu o Sr. Presidente da República que o diploma aprovado no dia 5
de abril de 2019 poderia ser melhorado, tendo-o devolvido a esta Casa a fim de se proceder a uma reflexão
adicional sobre o conteúdo da lei da Casa do Douro que havíamos aprovado por maioria absoluta.
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A solução encontrada na Assembleia da República é a que assegura um estatuto reforçado de uma estrutura
representativa de todos os vitivinicultores, permitindo a sua participação na propriedade e gestão da Casa do
Douro e garantindo que cerca de 30 000 pequenos vitivinicultores não são afastados das decisões que lhes
dizem diretamente respeito, e corresponde a uma região demarcada que é não apenas única no nosso País,
com a suas especificidades em termos de custos de produção que são incomparavelmente superiores às outras
regiões, é também única no mundo, e uma afronta é não dar a voz aos vitivinicultores que andam de sol a sol
produzindo nos socalcos do Douro um produto único no mundo e que, atualmente, nem sequer se sentem
representados na atual Casa do Douro.
Os vitivinicultores têm de se sentir representados, desde logo, no Conselho Interprofissional, onde sejam
defendidos os seus interesses, razão pela qual não se pode adiar mais a reversão da Casa do Douro. O roubo
que foi feito representou a entrega indevida da Casa do Douro, uma riqueza que não pertence à Federação
Renovação do Douro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ou se devolve a Casa do Douro aos seus legítimos donos, a produção, ou
o caminho é o da expulsão de milhares de pequenos viticultores da produção do vinho, seja através do resgate
da sua produção, e de direitos também, seja pelo fim do benefício — objetivo último, afinal — dos que querem
concentrar os maiores produtores, incluindo os cinco grupos exportadores que atualmente detêm já muitas
quintas.
Por isso, é com firmeza que reafirmamos a lei que aprovámos e propomos alterações que correspondem ao
solicitado pelo Sr. Presidente da República.
O PCP sempre tem estado ao lado dos vitivinicultores, como estivemos, domingo passado, num debate que
fizemos em Peso da Régua sobre os problemas dos viticultores.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Deviam lá ter estado!
O Sr. João Dias (PCP): — Os vitivinicultores sabem que é no PCP que encontram as soluções para os seus
problemas. Por isso, o PCP mantém a sua disposição para assegurar aos vitivinicultores soluções para os seus
problemas, ao contrário do PSD que o que quer é complicar-lhes a vida e eliminá-los da produção.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Confesso que não me surpreende
a posição do PCP e do BE, mas surpreende-me muito a posição do Partido Socialista pelo desrespeito que
demostra pelo Sr. Presidente da República, pelo desrespeito que demonstra pelo ex-Governo do Partido
Socialista e pelos agricultores do Douro.
Vou explicar: essa vossa proposta, se tivesse a assinatura do Sr. Presidente do Conselho, seria coerente,
porque é uma proposta, como diz o Sr. Presidente da República, digna de um Estado totalitário.
Ouvir dizer aqui que a proposta tem normas democráticas quando o que diz lá é «inscrição obrigatória»,
deitando por terra o princípio constitucional de liberdade de associação, leva-me a perguntar: os Srs. Deputados
têm noção do que estão a dizer?
O Sr. João Oliveira (PCP): — Têm de acabar com as ordens profissionais todas. São todas de inscrição
obrigatória!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Mas esta tentativa, que reconheço no PCP e no BE, de ser paternalista,
de tutelar politicamente as pessoas, de achar que as pessoas precisam de uma asa protetora para poderem
decidir os seus destinos, não esperava que o PS a fizesse…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Vá lá Régua fazer esse discurso!
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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É evidente que a pergunta fica: como é possível, nos dias de hoje, que
qualquer investidor no Douro, antes de investir, seja obrigado a inscrever-se numa associação pública? Como
é que isto é possível, nos dias de hoje?!
O Sr. João Dias (PCP): — Como é que é possível?!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Devo reconhecer que a Casa do Douro nem sempre funcionou bem, mas
quem fez o maior ataque às competências da Casa do Douro foi o ministro do Partido Socialista de seu nome,
batizado por mim, «Jaime Filoxera Silva», que retirou as competências da Casa do Douro para o IVDP (Instituto
dos Vinhos do Douro e Porto), anulando a única atividade que restava da Casa do Douro.
O Partido Socialista iniciou o caminho para …
O Sr. Ascenso Simões (PS): — É mentira! É mentira!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Deputado, é só ler!
Portanto, o CDS fez aquilo que achávamos que estava correto. Mas, vou mais longe e pergunto: no passado
funciona bem? O que assistimos foi a uma gestão danosa atrás de outra gestão danosa. Em 2014, a dívida da
Casa do Douro rondava os 160 milhões de euros, os agricultores estavam abandonados e foi por isso que foi
preciso tirar ilações e encontrar soluções. Foram as mais corretas? Podemos discutir, mas não é isso que
estamos a fazer hoje; hoje, é um puro regresso ao passado.
Mas vamos, então, falar do revés para os agricultores do Douro e dou-vos dados que os Srs. Deputados —
nomeadamente o Sr. Deputado Ascenso Simões — podem confirmar: na última década, o Douro cresceu 28,5
milhões de garrafas, mais de 104%.
O Sr. Ascenso Simões (PS): — DOC!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Não foi com a antiga Casa do Douro, foi com a liberdade dos agricultores.
Subiu em valor para 92,4 milhões, mais 121%. E sabem quanto é que aumentou em exportações? Aumentou
11,8 milhões de garrafas.
Protestos do PS.
Percebo que crescimento económico, valorização do turismo no Douro, valorização dos investimentos que
existem hoje no Douro para mais e melhor marca, para mais e melhor qualidade do vinho, tudo isto faça confusão
àqueles que querem controlar os agricultores, não os respeitando, e aqui devo incluir alguns autarcas…
O Sr. Ascenso Simões (PS): — Autarcas do PSD!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … e alguns Deputados que querem regressar ao passado, onde, de
facto, a tutela era política…
Protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.
O Sr. João Dias (PCP): — E qual é o mal aqui?
O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.
Não preciso de pedir aos Srs. Deputados que revisitem as audições feitas na Comissão de Agricultura e Mar,
e noutras comissões, sobre o que foi o descalabro das gestões da Casa do Douro no modelo antigo e sobre o
que levou ao desespero os agricultores do Douro.
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Protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Os senhores querem voltar ao passado. Ficam com essa mancha no
vosso currículo.
Aplausos do CDS-PP.
Protestos do Deputado do PS Ascenso Simões.
O Sr. João Dias (PCP): — Não conhece a realidade? Não conhece as casas produtoras?!
O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados que estão a intervir fora do Regimento para se tranquilizarem
porque nada de grave se está a passar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto da Assembleia
da República n.º 293/XIII, relativo à Casa do Douro, cuja reapreciação agora fazemos na sequência da
devolução pelo Sr. Presidente da República, partiu de uma proposta que Os Verdes subscreveram em conjunto
com o Partido Socialista, com o Bloco de Esquerda e com o PCP.
Neste contexto, importa referir que os proponentes do projeto de lei inicial, que, aliás, deu origem ao decreto
que agora estamos a reapreciar, procuraram uma solução que pudesse dar resposta às preocupações
manifestadas pelo Sr. Presidente da República na mensagem que dirigiu a esta Assembleia da República.
Essa solução está vertida nas propostas de alteração ao Decreto da Assembleia da República n.º 293/XIII
que os grupos parlamentares do BE, do PCP e de Os Verdes oportunamente apresentaram e que garantem o
essencial do que se pretendia com a proposta inicial.
Ora, ultrapassadas que estão as preocupações do Sr. Presidente da Republica, Os Verdes começam por se
congratular com o consenso conseguido entre os partidos proponentes, que, desta forma, devolvem à Casa do
Douro a sua natureza original, de instituição pública de inscrição obrigatória, para além de consagrar os próprios
estatutos da Casa do Douro.
Na perspetiva de Os Verdes, esta solução representa um forte contributo para dar resposta a um grave
problema vivido e sentido na Casa do Douro, que se arrasta desde 2013. Um grave problema, recorde-se — e
é importante dizê-lo face às intervenções do PSD e do CDS —, criado pelo anterior Governo do PSD e do CDS,
que conheceu o seu momento alto durante a madrugada de 10 de novembro de 2015,…
O Sr. João Dias (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — … com episódios estranhos como seja o arrobamento de portas
na sede da Casa do Douro e, até, com envolvimento policial. Foi um verdadeiro assalto à Casa do Douro, Sr.
Deputado Hélder Amaral! Foi um verdadeiro assalto à Casa do Douro, Sr. Deputado António Lima Costa!
Aplausos do PCP.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — E agora o que é? São os controleiros!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — E agora, com estas propostas de alteração, Os Verdes estão em
crer que esta Assembleia da República está em condições perfeitas para devolver aos agricultores do Douro a
faculdade de democraticamente escolherem os seus representantes nas instituições que irão estabelecer as
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regras da vitivinicultura do Douro, para devolver aos vitivinicultores o imóvel da sua sede e o nome da Casa do
Douro, que volta, assim, a ser de todos os vitivinicultores da Região Demarcada do Douro.
Estamos em crer que, com este processo legislativo, estamos a construir justiça na região do Douro e a
promover sustentabilidade num setor tão importante como é a Região Demarcada do Douro.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Concluído que está o primeiro ponto da nossa ordem do dia, vamos passar ao segundo
ponto, de que consta a apreciação do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas
Excessivas aos Produtores de Eletricidade.
Tem a palavra o Sr. Presidente da Comissão, o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras, em
meu nome e no de todos os membros da Comissão, são para a Deputada Mercês Borges, a quem sucedi na
presidência desta Comissão Parlamentar de Inquérito, para agradecer a forma como organizou e liderou os
trabalhos na sua fase inicial.
Aplausos do PSD e do Deputado do BE Jorge Costa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, desde muito cedo se constatou que existia um erro no objeto desta
Comissão: a fixação da investigação nos anos de 2004 a 2018 foi um erro, pois não é possível falar e/ou avaliar
os CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) de 2004 sem os CAE (Contratos de Aquisição de
Energia) da década de 90. Isto tornou-se evidente logo nas primeiras reuniões e audições e é bem realçado no
Relatório aprovado bem como em diferentes declarações de voto apresentadas.
Foi um longo processo de investigação e de estudo que a todos envolveu e motivou. Mais de 50 audições,
mais de 200 horas de trabalho e milhares e milhares de páginas de informação recolhida. Tudo isto disponível
a todos quantos se interessam pela matéria, num exercício de transparência política que dignifica esta Casa.
Os trabalhos permitiram confrontar crenças pré-existentes, evidenciar os caminhos que os diferentes
Governos prosseguiram, os erros cometidos e as boas decisões feitas ao longo das últimas décadas.
Evidenciaram também a dificuldade em avaliar, à luz dos dados de hoje, contratos feitos pelo Estado há
décadas, contratos longos, onde a ciência económica se revelou, em muitos casos, falível nas suas previsões.
Evidenciaram também que, ao longo destas décadas, o Estado português preferiu sempre diferir os custos
de investimento na fatura dos consumidores, em detrimento do investimento feito a partir do Orçamento de
Estado.
Evidenciaram, ainda, um conjunto de decisões, no mínimo duvidosas, feitas na primeira década do século
XXI e sobre as quais decorrem processos judiciais, para os quais acredito que os trabalhos e a informação
recolhida por esta Comissão Parlamentar de Inquérito possam ajudar no apuramento das responsabilidades
criminais dos envolvidos.
Os trabalhos evidenciaram igualmente que foi preciso esperar por 2012 para, pela primeira vez, um Governo
intervir sobre as rendas pagas ao setor, de forma a iniciar-se um processo irreversível de redução das mesmas
a favor dos consumidores, redução essa que o próprio Relatório quantifica em mais de 2 mil milhões até 2020,
sendo certo que o impacto destes mesmos cortes se prolonga até 2027. Os trabalhos tornaram ainda mais
evidente que o futuro passa pelo reforço das energias renováveis, pelos enormes ganhos ambientais que
proporcionam.
Sr. Presidente, Sr.as e Sr. Deputados: Ao longo do exercício deste mandato, procurei sempre ser um fator de
coesão e de equilíbrio da Comissão, de forma que os trabalhos decorressem no sentido de aprofundar o tema
e de permitir que as diferentes visões sobre política energética tivessem o seu espaço de intervenção. Este
exercício permite-me ter um certo distanciamento sobre o processo e as abordagens que se foram fazendo e,
confesso, a aprendizagem foi muita e questões que me pareciam evidentes deixaram de o ser.
Posso entender que os representantes dos grupos parlamentares, mais focados em fazer vingar as suas
convicções predefinidas, tenham mais dificuldade neste distanciamento. E isso tornou-se mais evidente na ponta
final dos trabalhos, nomeadamente no taticismo evidente na votação do Relatório e das propostas de alteração
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ao mesmo, em que imperou mais o interesse partidário do que o interesse do que realmente foi demonstrado
nos trabalhos: confirmar teses preconcebidas sem atender ao evidente contraditório; procurar salvaguardar as
decisões de um governo, apesar de as evidências apontarem para o erro das suas decisões; valorizar
determinados depoimentos em detrimento de outros, para valorizar uma determinada narrativa de política
energética. Enfim, tivemos, como é normal nestas ocasiões, um pouco de tudo isto na fase final dos nossos
trabalhos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acredito que todos demos um excelente contributo para o estudo de
uma matéria que, aos olhos do cidadão, é complexa. O acervo da Comissão é vasto e muito completo e será
um bom ponto de partida para todos que queiram estudá-lo, analisá-lo e extrair dele as suas próprias conclusões,
sem reservas mentais e sem tabus.
Termino com um profundo agradecimento à equipa de apoio que foi determinante em todo o processo,
dedicada, empenhada e competente. Sem esta equipa tudo seria muito mais difícil.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Agradeço, ainda, a todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados
desta Comissão o constante empenho em participar e a forma como possibilitaram que os trabalhos
decorressem de forma digna, prestigiando esta função para a qual fomos eleitos pelos portugueses.
Muito obrigado a cada um de vós.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — É agora a vez de o Relator desta Comissão Parlamentar de Inquérito intervir. Sr.
Deputado Jorge Costa, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria começar por fazer meus os
agradecimentos que o Sr. Presidente da Comissão, Deputado Emídio Guerreiro, acabou de fazer, em particular
à anterior Presidente e aos serviços, que foram inexcedíveis em todo o apoio prestado ao longo dos trabalhos
da Comissão.
O trabalho de redação de um trabalho como este é difícil e procurei fazê-lo com espírito de inclusão. Foi
assim que, no texto final e com alterações estruturais, incluindo novos capítulos que foram acrescentados por
proposta de outros partidos, foi possível fazer um relatório com dezenas e dezenas de alterações incorporadas,
vindas de todos os partidos presentes na Comissão Parlamentar de Inquérito.
É com esse espírito de inclusão que tenho vindo a estranhar o facto de ouvir grupos parlamentares
produzirem publicamente acusações sobre o rigor e a fidelidade ao trabalho da Comissão, acusações essas que
ouvi, também, de algumas partes interessadas, neste contexto.
O objetivo desta Comissão de Inquérito foi enunciado na resolução que a constituiu: identificar a dimensão
dos pagamentos a título de custos de manutenção de equilíbrio contratual, após a extinção dos CAE; identificar
a dimensão dos pagamentos à produção em regime especial, renovável, antes e depois da extensão da tarifa
garantida que ocorreu em 2013; identificar a natureza da extensão de utilização do domínio público hídrico das
barragens a favor da EDP; identificar as condições em que foram tomadas as decisões em todos estes
processos, nomeadamente considerando a informação disponível na altura; identificar a existência de
favorecimento e corrupção.
Em função disso e tentando sintetizar, gostaria de, brevemente, enunciar as principais conclusões do nosso
trabalho, nomeadamente as que dão origem a recomendações concretas. Em primeiro lugar, a constituição dos
CAE como garantia de rentabilidade futura não numa lógica de robustecimento de uma empresa pública com
objetivos estratégicos mas, sim, com o objetivo de promover e de maximizar os encaixes do Estado no processo
de privatização. Na sequência disso, e no contexto legislativo europeu, esses contratos de aquisição de energia
foram convertidos num novo regime, o dos CMEC, dos custos de manutenção do equilíbrio contratual. A lei foi
redigida e discutida no Parlamento com o objetivo de manter os níveis de remuneração e o tipo de regras que
constituíam os contratos anteriores.
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A primeira conclusão importante que a Comissão de Inquérito tirou é que essa manutenção do equilíbrio
contratual dos CAE não foi respeitada em diversos pontos da nova legislação.
Segundo a ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), os ganhos adicionais da EDP com o
novo regime alcançaram os 510 milhões de euros, que importa corrigir, sendo essa a recomendação aprovada
na Comissão de Inquérito, isto é, tal como indicado pela ERSE, é preciso que se faça a correção dos ganhos
que a EDP teve com a perversão desta manutenção do equilíbrio contratual e que seja revista a remuneração
dos CMEC para o período remanescente.
Em segundo lugar, no caso da central de Sines, cuja prorrogação da operação foi permitida pelo Decreto-Lei
n.º 240/2004 e concretizada, depois, em 2007, por um ato administrativo do Diretor-Geral de Energia, a
recomendação da Comissão é muito concreta e dirigida: devem ser propostas negociações aos produtores para
compensações e, no caso de não existir um acordo negocial, deve o Estado tomar a iniciativa, nomeadamente
através de um adicional ao ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos), que permita a
recuperação dos valores correspondentes à prorrogação da operação das centrais a carvão.
Em terceiro lugar, a remuneração da REN pela detenção de terrenos de domínio público hídrico é excessiva
— 80 milhões de euros são contestados pela ERSE desde o início do estabelecimento deste regime — e a
recomendação da Comissão de Inquérito é que essa remuneração termine.
Os acionistas da REN beneficiaram, em 2007, de uma extensão gratuita do prazo de concessão da rede
nacional de transporte por sete anos adicionais. Esse valor deve ser apurado e essa decisão deve ser
integralmente escrutinada.
Outra conclusão importante é que a produção eólica, em Portugal, tem uma rentabilidade mais elevada do
que em países comparáveis, nomeadamente em função da existência de ganhos de eficiência tecnológica
obtidos pela demora entre o momento da definição da remuneração e o momento da construção das centrais.
A recomendação da Comissão de Inquérito é concreta: solicitar à ERSE medidas para a recuperação das
vantagens obtidas pelos produtores através da demora da entrada em operação desta produção e que esta
experiência seja considerada na definição de regras de futuros concursos.
Uma outra conclusão importante da Comissão Parlamentar de Inquérito diz respeito à dívida tarifária
constituída a partir de 2007, no tempo do Ministro Manuel Pinho.
A partir de 2011, legislou-se no sentido de refletir o custo de financiamento da EDP, o que veio a permitir
que, no momento da titularização desta dívida e da sua venda em mercado, as mais-valias geradas nas
operações fossem integralmente absorvidas pela EDP, gerando 200 milhões de euros de lucros, entre 2008 e
2017. A recomendação da Comissão de Inquérito, na sequência do estudo feito por um grupo de trabalho que
envolveu a ERSE, a Direção-Geral de Energia e o Secretário de Estado de Energia, em 2016, é que esses
ganhos sejam partilhados, no mínimo na proporção de 50/50, entre a EDP e os consumidores e que essa norma
seja aplicada retroativamente sobre os ganhos já verificados, os tais 200 milhões de euros indevidamente
acumulados.
Tentando abreviar, Sr. Presidente, e pedindo a sua tolerância, há recomendações concretas sobre a garantia
de potência e a sua eliminação, sobre a eliminação do incentivo ao investimento, sobre o serviço de
ininterruptibilidade, que é excessivo e deve ter, imediatamente, um teto estabelecido para conter os seus custos,
num novo quadro que defenda o interesse dos consumidores, num serviço que já custou 727 milhões de euros
e nunca foi usado.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Sr. Presidente, para terminar, gostaria de mencionar um ponto muito importante
das recomendações da Comissão Parlamentar de Inquérito, que diz respeito à extensão dos preços garantidos
à produção eólica, decidida em 2013 pelo Governo PSD/CDS. A recomendação da Comissão de Inquérito é,
neste ponto, também, muito clara: que seja negociada com os produtores, ou imposta, na falta de acordo, a
reposição do equilíbrio económico anteriormente existente, através de uma alteração legislativa que evite as
perdas que, hoje calculadas, podem ir de 500 a 1000 mil milhões de euros.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
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O Sr. Jorge Costa (BE): — A Comissão de Inquérito não foi um exercício de arqueologia, a Comissão de
Inquérito foi um trabalho de conhecimento, de estudo, com vista a recomendações e a correções de desvios que
temos hoje no nosso sistema elétrico e que muito penalizam a economia e os consumidores. Esse trabalho foi
feito, está perante os Deputados e a nossa responsabilidade começa agora, diante das recomendações feitas e
da necessidade de legislar para as corrigir.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Vamos entrar no período de debate. Está inscrito, e tem a palavra, para uma
intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Das principais conclusões que
consideramos que deveriam constar do Relatório dos trabalhos desta Comissão de Inquérito, queremos começar
por destacar que a primeira conclusão é a da verificação confirmada da existência de rendas excessivas no
sistema elétrico nacional, identificadas como uma sobrerremuneração dos ativos de vários agentes económicos
na cadeia de valor da produção, do transporte e da comercialização de energia elétrica em Portugal. Esta tese
ficou inteiramente consolidada nas audições realizadas.
A dimensão das rendas excessivas foi avaliada e demonstrada pelo PCP, nos documentos que podem ser
consultados, em cerca de 5000 milhões de euros. É preciso que o poder executivo e os reguladores tomem as
medidas necessárias à sua completa eliminação, considerando, desde logo, as recomendações apontadas
neste Relatório. Não estamos a falar de medidas que devam começar a ser tomadas em 2020 ou 2021. Por
isso, o atual Governo tem, desde já, responsabilidades, com as quais o PCP irá confrontar o Sr. Ministro, hoje
mesmo, na Comissão Parlamentar.
Uma parte significativa da causa primordial das rendas excessivas, como ficou claro nos trabalhos da
Comissão de Inquérito, decorreu do objetivo de privatizar a principal empresa do setor no País, a EDP, que
integrou o processo de desmembramento vertical da cadeia de valor em empresas de produção, transporte e
distribuição, e a liberalização, abrindo a outras empresas a atividade de produção e comercialização de energia
elétrica. As rendas excessivas são o resultado concreto da política enérgica de sucessivos Governos.
Em síntese: os XI e XII Governos, do PSD, preparam a privatização da EDP e preparam os CAE; os XIII e
XIV Governos, do PS, iniciaram a privatização da EDP e da REN e concretizaram os CAE; os XV e XVI
Governos, do PSD/CDS, fizeram avançar a passagem dos CAE a CMEC; o XVII Governo, do PS, além de alterar
a legislação dos CMEC, avançou para a extensão do domínio público hídrico e cedeu, por despacho, a extensão
à EDP, com prejuízo do Estado e sem o pagamento da taxa de recursos hídricos.
As rendas excessivas, quaisquer que sejam as suas origens e natureza, não são fruto do acaso nem de
simples ou complexas operações, são o resultado concreto de opções políticas concretas.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Estamos perante a grave violação do princípio constitucionalmente consagrado
da subordinação do poder económico ao poder político democrático, estamos perante a promiscuidade entre
interesses públicos e interesses privados, estamos perante as portas giratórias e os indícios de corrupção que
esta Comissão regista e que podem e dever ser, naturalmente, considerados para futuros desenvolvimentos.
Sobre a responsabilidade das entidades reguladoras, há duas conclusões claras: as entidades conheciam e
conhecem, em todas as suas dimensões técnicas, legais e administrativas, os problemas do setor que são objeto
da Comissão de Inquérito. Por outro lado, as entidades não foram suficientemente diligentes e persistentes na
sua denúncia ou na proposta de medidas que atalhassem, em particular, os crescentes custos transferidos para
as tarifas, para os consumidores, para as empresas, para a economia real do nosso País.
Estamos perante uma responsabilidade política que é também uma responsabilidade da Assembleia da
República, quando o PCP alertou e chamou a atenção para as decisões desastrosas que estavam a ser tomadas
com a autorização legislativa da Assembleia da República. Seria importante que o Relatório refletisse essa
mesma realidade, assim como o papel e a responsabilidade da União Europeia, nomeadamente da Comissão
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Europeia, ao longo de sucessivos Governos e ao longo de todo este processo, que também se evidenciou e que
se devia ter sido assumido com outra clareza neste Relatório.
O PCP afirmou, desde o início, que não deixaria de contribuir para um relatório que permitisse dar a conhecer
os factos, responsabilidades e implicações deste processo. Apresentámos propostas de alteração que
permitiriam assegurar um relatório mais factual, mais rigoroso e mais consequente.
Por opção, numa primeira fase, do Deputado Relator, representante do BE, e, finalmente, na fase das
votações, por opção do PSD, PS e CDS, a parte fundamental destas propostas foi excluída do Relatório, não só
na parte respeitante às conclusões a retirar deste processo e às responsabilidades que devem ser imputadas,
mas, desde logo, na consideração de matérias importantes desta Comissão de Inquérito.
É de registar que, quer o CDS, quer, particularmente, o PSD, apresentaram, na aprovação do Relatório, uma
versão e uma leitura deste processo que se evidenciou, claramente, como um alinhamento total com a versão
dos grupos económicos do setor, com a EDP à cabeça.
PSD e CDS tentaram omitir…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino, Sr. Presidente.
PSD e CDS tentaram omitir e apagar capítulos inteiros, conclusões inteiras, e chegaram a conseguir, em
convergência com o PS, eliminar praticamente todas as referências à União Europeia.
Não poderemos deixar que se apague a memória e a verdade do que foram os trabalhos desta Comissão de
Inquérito.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados que estão de pé o favor de se sentarem ou de saírem do
Plenário, para podermos prosseguir a reunião nas melhores condições.
Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Hugo Costa.
O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista
assumiu, nas 212 horas, 55 audições e 61 reuniões que durou esta Comissão Parlamentar de Inquérito, uma
postura dialogante e participativa, uma postura construtiva e sem julgamentos precipitados.
No trabalho desenvolvido, procurámos contribuir para uma análise do sistema electroprodutor,
controvertendo os agentes e dissecando as decisões do passado para que, no futuro, possamos construir
políticas públicas para o setor da energia. Sim, é o futuro que nos interessa.
Começo por referir que, no nosso entendimento, existiram rendas excessivas; contudo, não são sinónimo de
ilegais, como, em muitos momentos, foi demonstrado e colocado no Relatório, pelas propostas do nosso Grupo
Parlamentar.
Neste debate, lutámos contra a deturpação da história, reescrita através de ataques personalizados que
afunilam o debate para fora do que é essencial para os portugueses.
Sublinhamos o empenho que todos os grupos parlamentares depositaram no desenrolar dos complexos
trabalhos, assim como o trabalho do Relator, Presidentes e serviços.
O Partido Socialista faz um balanço positivo desta Comissão Parlamentar de Inquérito, que nos permitiu, por
exemplo, ter conhecimento de relatos que, de outra forma, não conheceríamos, sendo disso ilustrativos os
exemplos do protagonista que admitiu ter sido censurado, ou outros que não conheciam a dimensão do que
tinham aprovado na assunção do seu exercício governamental.
Temos também de ser claros ao afirmar que as decisões têm de ser contextualizadas e datadas, atendendo
às circunstâncias e aos dados históricos disponíveis a cada momento, nomeadamente a maturidade tecnológica.
Esta estratégia permitiu-nos superar uma série de equívocos que, até aqui, eram impulsionados e empolados
no debate público; permitiu-nos atestar que as energias renováveis não são sinónimo de rendas excessivas,
sendo a narrativa que alimentava esta tese destruída nas várias audições, tendo os grupos parlamentares que
enveredaram por esse caminho abandonado as suas certezas.
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As conclusões e as audições são claras. As bases dos CMEC têm uma raiz e um rosto comum: a governação
do PSD e do CDS, nomeadamente no período de 2003 a 2004, com o Decreto-Lei n.º 240/2004. Resulta também
desse Decreto-Lei a concessão das barragens, contratualizada no mesmo diploma que deu vida aos CMEC.
As audições permitiram-nos, no confronto com os decisores da época, fazer prova plena da forma leviana
como aquele diploma foi construído e aprovado, através das declarações, nesta Comissão Parlamentar de
Inquérito, do titular governamental da pasta, à altura, referindo este desconhecer o teor do que tinha aprovado
e discordando, inclusive, a posteriori, do que aprovou.
O debate permitiu provar que a transição dos antigos CAE para os CMEC não cumpriu a ambicionada
neutralidade financeira, gerando um sobrecusto de 510 milhões de euros, sendo que, segundo a entidade
reguladora do setor, são apenas recuperáveis — como frisa, taxativamente, o Relatório final, por proposta do
PS —, sob o atual enquadramento jurídico, 285 milhões.
O debate permitiu-nos também fazer uma retrospetiva dos processos de privatização, ficando
consensualizado que muitas decisões visaram, numa fase prévia, valorizar os ativos que o Estado pretendia
alienar aos privados. Nestes processos somos especialmente críticos da forma como fomos pioneiros, face aos
nosso homólogos europeus, em privatizar o total do capital da REN, um monopólio natural estratégico para o
País.
Acreditamos na importância das entidades reguladoras independentes, sem predação, e que visem corrigir
as falhas de mercado, nomeadamente, na defesa dos consumidores, na correção de externalidades existentes,
no combate à assimetria de informação, no combate ao poder de mercado e atuando sobre os monopólios
naturais. Não atacamos, não descredibilizamos e não dispensamos o papel dos reguladores públicos.
Entre os estudos das consultadoras — patrocinados ou não por empresas privadas, e cuja seriedade
científica não colocamos em causa —, e as avaliações do regulador, não temos dúvidas: preferimos acreditar
no regulador.
Defendemos, conforme ficou expresso nas propostas de alteração que apresentámos, que foram aprovadas
e, por sua vez, incluídas na redação final do Relatório, que o caminho não passa por abrirmos processos de
litígio com a União Europeia, com potenciais custos para os consumidores, depois de, mais do que uma vez, a
Comissão Europeia ter decidido esses processos e tê-lo feito sempre num mesmo sentido.
As alterações não podem ser feitas rasgando contratos e atropelando o Estado de direito, devem ser feitas
com a sobriedade de quem, salvaguardando os potenciais custos que esse trajeto acarreta para os
consumidores, acredita numa solução equilibrada, justa e legal, defendendo sempre os consumidores
portugueses.
Apesar da existência das supramencionadas rendas excessivas, corroboramos que não há espaço…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Hugo Costa (PS): — … nem enquadramento legal para decisões unilaterais, potencialmente contrárias
à lei portuguesa e castigadoras dos consumidores.
Mas este, que não seria o relatório do Partido Socialista se fosse ele o relator, é um Relatório que, após estas
conclusões serem aprovadas, nos permite trabalhar com seriedade e também defender um modelo de
sustentabilidade futura, defendendo as renováveis e uma política onde também o combate à pobreza energética
seja uma realidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Hélder Amaral.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar por cumprimentar
os dois Presidentes da Comissão, os colaboradores da Comissão e todos os colegas.
Gostaria de dizer que o CDS votou favoravelmente a constituição desta Comissão de Inquérito porque
considera, desde o início, que existem rendas excessivas. E não é por nenhum sentimento empírico, é porque
apoiou um Governo que, efetivamente, cortou nas rendas excessivas.
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Por isso, considerámos que valia a pena fazer uma avaliação do setor eletroprodutor nacional, percebê-lo
um pouco melhor e qual o quadro legislativo que o condiciona.
Desse ponto de vista, devo dizer que a Comissão de Inquérito cumpriu bem o seu papel: sabemos hoje muito
mais do que sabíamos.
Sabemos, hoje, que havia alguns dogmas que foram derrotados. Sabemos, hoje, que houve boa política no
incentivo às energias renováveis, mas também sabemos que o Estado precisa de ser mais cuidadoso nas
iniciativas e nos processos legislativos, que deve criar mecanismos de auditoria, fiscalização e monitorização de
contratos, que são longos e, como tal, podem mudar, durante o seu percurso, um conjunto de variáveis. Também
percebemos que devíamos ter reguladores mais fortes, mais ativos e, porventura, com capacidade de
intervenção melhorada. Um regulador fraco sai muito caro ao Estado português, sai muito caro aos contribuintes
portugueses.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Mas, ainda assim, o CDS votou contra este Relatório da Comissão, e fê-
lo por considerar que o documento traduz uma visão política do Bloco de Esquerda, que reflete as posições já
defendidas pelo Deputado Relator — e não só — ainda antes do início da Comissão.
O Relatório chega a conclusões com base em opiniões, não tendo em conta os vários depoimentos na
Comissão, nem os 13 000 documentos recebidos na Comissão ao longo dos meses.
Por isso, o CDS não nega a existência de rendas excessivas, mas não pode ignorar o facto de o Bloco de
Esquerda ter criado aqui uma narrativa para disfarçar a sua própria incoerência, por não ter sido capaz de reduzir
o IVA (imposto de valor acrescentado) da eletricidade para os 6%.
Risos do Deputado do BE Jorge Costa.
Lembro que o Bloco de Esquerda, durante toda a duração do Governo da PaF (Portugal à Frente),
apresentou, em todos os Orçamentos do Estado, propostas para a redução do IVA para 6%.
Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.
Pergunto se o Bloco de Esquerda, nos quatro Orçamentos do Estado que aprovou, apresentou alguma
proposta de redução do IVA para 6%.
Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.
Direi mais, a Deputada Catarina Martins dizia: «durante muito tempo falou-se do sobrecusto da produção,
mas este Governo falou de rendas excessivas na eletricidade e, portanto, é preciso atuar». E afirma que há um
estudo, de investigadores da Universidade de Cambridge, que determina com exatidão o valor das rendas
excessivas: entre 2007 e 2020 seriam 4000 milhões.
Ora, não são 4000 milhões, porque o relatório fala em 2000 milhões, nem é da Universidade de Cambridge,
porque a Comissão provou que se trata de um estudo de uma consultadoria que se chama Cambridge, cujo
relatório não diz nada sobre rendas excessivas, a não ser, no seu anexo, uma pequena referência às taxas
internas de passagem dos CAE para os CMEC. E diz o quê? Refere que as taxas não são irrazoáveis.
É assim que se montam narrativas falsas, pouco rigorosas, sobre as rendas excessivas.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Gostaria ainda de dizer que se omitiu, nesta Comissão, o grupo de
trabalho feito pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Socialista, sendo que a pessoa indicada, na altura, pelo
Partido Socialista é o atual Presidente da ERSE.
É por isso que, num dos Orçamentos, o Bloco de Esquerda propõe uma sobretaxa para o setor das energias
renováveis. Ora, todos nos lembramos do que aconteceu com essa sobretaxa: o Sr. Primeiro-Ministro
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desautorizou o acordo, desautorizou a bancada do Partido Socialista, e terminou com a mudança do Secretário
de Estado e com a mudança da tutela para outro Ministério.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Sobre a Comissão de Inquérito não há nada!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Não sei se foi também por isso que o Bloco de Esquerda resolveu abrir
mão de uma comissão de inquérito para as rendas excessivas.
Mas podemos ir ao estudo da ERSE que esteve na base da comissão de inquérito proposta pelo Bloco de
Esquerda. Infelizmente, provou-se na Comissão — e por isso falo em reguladores fracos e reguladores que não
são independentes —, que este não tinha fundamento legal nem económico. E dou apenas como exemplo aquilo
que consta nos testes de disponibilidade, que configuram, segundo o relatório da ERSE e segundo o próprio
Relatório da Comissão, 285 milhões de euros em rendas excessivas. Ora, nenhum especialista, nenhum
depoimento confirma que este valor tenha algum rigor. A própria ERSE, que indica este valor, diz, na sua
correspondência com a DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia), que é apenas uma estimativa, estimativa
essa que não tem base legal. E o mesmo diz o Secretário de Estado demitido, Jorge Seguro Sanches. Portanto,
é com base em algo que não é concreto, que não é rigoroso, que se faz isto.
Mas, para terminar, quer isto dizer que não há rendas excessivas? Não, há rendas excessivas. E tanto há
rendas excessivas que o Governo da PaF cortou nas rendas excessivas. Cortou, com cortes efetivos, 708
milhões, mais os 510 que a ERSE identifica; cortou — na previsão de cortes até 2020 — 2080 mil milhões de
euros; e cortou na cogeração, nas eólicas, nas pequenas centrais hídricas e na garantia de potência.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.
Como é que esses cortes foram feitos? Foram feitos da forma como sempre defendemos que devem ser
feitos: respeitando o Estado de direito, respeitando os contratos assinados, com base em documentos legais e
na mesa das negociações. Foi o que o Governo apoiado pelo PSD e pelo CDS fez e foi por isso que, até hoje,
é o único Governo que conseguiu apresentar verdadeiros cortes nas rendas excessivas, uma vez que este
Governo, até hoje, não foi capaz de apresentar um único corte nas rendas excessivas, em termos efetivos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, do Grupo
Parlamentar do PSD.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras
são para cumprimentar o Sr. Deputado Emídio Guerreiro, que presidiu aos trabalhos desta Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) com elevado sentido de responsabilidade, rigor e imparcialidade, como já o havia
feito a Sr.ª Deputada Mercês Borges, sua antecessora.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao fim de 358 dias, de mais de 200 horas de inquirições e de mais de
13 000 documentos reunidos, muitos portugueses, por certo, se interrogam sobre se terá valido a pena todo
este trabalho.
Da nossa parte, a resposta é afirmativa. Os portugueses ficaram a saber que as rendas da EDP não tiveram
origem nos CMEC e na legislação aprovada em 2004, mas sim nos CAE, negociados e assinados em 1996, na
governação do Eng.º António Guterres.
Os portugueses ficaram a saber que as decisões políticas do Governo socialista do Eng.º José Sócrates
colocaram os portugueses em situação de devedores da EDP, criando uma dívida tarifária que atingiu, em 2015,
os 5080 milhões de euros.
Os portugueses ficaram a saber que foi o anterior Governo do PSD/CDS-PP quem, pela primeira vez, colocou
a temática das rendas excessivas no centro das preocupações governativas e apontou para a necessidade de
aplicação de medidas corretivas.
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Os portugueses ficaram a saber que foi o anterior Governo do PSD/CDS-PP quem, pela primeira vez, aplicou
medidas corretivas, as quais, de acordo com os dados contabilizados pela própria Entidade Reguladora dos
Serviços Energéticos, executados até 2017 e projetados até 2020, mas que sabemos se prolongam para além
daquele prazo, equivalem a cortes no montante global de 2048 milhões de euros, dos quais 718 milhões de
euros com impacto direto e negativo na EDP.
A resposta à pergunta sobre a existência de rendas excessivas é, pois, mais do que óbvia.
O anterior Governo, que nenhuma renda gerou, foi o primeiro que as identificou e foi o primeiro que as cortou.
Então, o que falhou nesta Comissão Parlamentar de Inquérito? Falhou o Relatório final! Falhou, porque, não
obstante dar como assentes conclusões como aquelas que referi, muitas outras, e são mesmo muitas, nenhuma
adesão têm com a realidade vivida por todos quantos participaram nesta Comissão; faz tábua rasa do amplo
contraditório que nela teve lugar, apenas se apoiando nas convicções do Sr. Deputado Relator, diga-se, as
mesmas que já tinha ainda antes do início dos trabalhos desta Comissão.
Não aceitamos esta tentativa de reescrever a história, orientada pelo habitual desígnio político do Bloco de
Esquerda, contra as empresas e contra as renováveis.
Para afastar este preconceito, esta visão excessivamente ideológica, mas também as inverdades e os muitos
erros grosseiros de quantificação, de que o melhor exemplo é a utilização de um conjunto de valores de
referência de leilões que nunca existiram, nem poderiam ter existido, para calcular o impacto das alterações ao
regime remuneratório aplicável aos centros eletroprodutores,…
Aplausos do PSD.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Isso é que vos dói!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … o PSD apresentou à proposta final do Relatório mais de quatro
centenas e meia de propostas de alteração. Todas, todas foram chumbadas pelo PS, pelo Bloco de Esquerda e
pelo PCP. O «rolo compressor» tinha sido previamente acordado por aquelas três forças partidárias. Um «rolo
compressor» que só falhou quando o PS, após rejeitar as propostas de alteração do PSD, decidiu «passar a
perna» aos seus parceiros e deixar cair todo o Capítulo 2, branqueando, assim, a atuação do ex-Ministro
socialista, Dr. Manuel Pinho,…
O Sr. Hugo Costa (PS): — Isso é falso!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … com a atribuição que fez à EDP, em condições muito duvidosas, da
extensão do domínio público hídrico das barragens, e que ainda hoje está sob investigação da Procuradoria-
Geral da República.
A Comissão teve as condições ideais para oferecer aos portugueses um quadro completo e rigoroso de todas
as decisões políticas e daí retirar os devidos ensinamentos.
Os desígnios políticos do Bloco de Esquerda, com os votos de interesse e de ocasião do PS e do PCP, assim
não o permitiram.
Perderam os portugueses, perdeu o setor da energia, perdeu o Estado português.
Aplausos do PSD.
Protestos do Deputado do PS Hugo Costa.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Dói, não dói?! Isso é que vos dói!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa, do Bloco de
Esquerda.
Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. Jorge Costa (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que as intervenções agora ouvidas
nos mostram como foi e como terminou a Comissão de Inquérito às rendas da energia.
Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.
Para o PSD e o CDS, rendas excessivas existiram, sim, mas foram integralmente corrigidas e hoje temos um
sistema elétrico nacional expurgado de qualquer distorção e de qualquer privilégio para as empresas que o
exploram.
Para o Partido Socialista, as alterações legislativas que o Relatório propõe são justas, mas podem não vir a
ter acolhimento. Aqui, queria muito claramente enunciar a questão principal que resulta das conclusões e das
recomendações desta Comissão de Inquérito: o mandato que todos temos para, na próxima Legislatura,
responder às conclusões que tirámos e seguir as recomendações que todos aprovámos, no sentido de corrigir
as rendas que permanecem e as que ainda estão para ser cobradas, nomeadamente aquelas que o PSD e o
CDS, no anterior Governo, estabeleceram, com a extensão dos preços garantidos aos produtores eólicos.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Jorge Costa (BE): — Para corrigir essas distorções, para podermos responder a quem vive na pobreza
energética e baixar a fatura elétrica, para podermos dizer que nesta economia há justiça e não há privilégio,
temos de ter a coragem de fazer as alterações legislativas — sim, alterações legislativas — que permitam que
estes rendimentos possam ser corrigidos e levados à razoabilidade,…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Já fizeram alguma?!
O Sr. Jorge Costa (BE): — … terminando o escândalo das remunerações e das taxas de rentabilidade
estratosféricas que hoje existem no setor elétrico.
Se as medidas que aprovámos, Srs. Deputados do Partido Socialista — e do Partido Comunista, mas julgo
que aqui temos um acordo maior —, se as recomendações que aprovámos forem, efetivamente, levadas à
prática, o que podemos ter é a recuperação de mais de 750 milhões de euros que foram indevidamente pagos,
no passado, e estamos de acordo que foram indevidamente pagos pelos consumidores.
Se as recomendações que aprovámos forem, efetivamente, levadas à prática e forem feitas as alterações
legislativas necessárias, poderemos evitar 200 milhões de euros por ano de custos futuros nas tarifas, que
também são indevidos, e estamos de acordo que são indevidos.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, o trabalho aturado, profundo, que fizemos, e que fizemos bem, enquanto
interrogámos as pessoas que passaram pela Comissão de Inquérito, enquanto ouvimos os seus depoimentos,
e todos os partidos deram um contributo válido para o apuramento dos factos, esse trabalho, infelizmente, no
momento conclusivo, viu o PSD e o CDS debandarem, para repetirem, ipsis verbis, as acusações que a EDP
fazia em comunicados públicos à parcialidade, à falta de rigor, à agenda política, às obsessões do Relator.
Todos os chavões da EDP foram repetidos,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Todos do mesmo sítio!
O Sr. Jorge Costa (BE): — … a cada palavra, pelos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Traga o estudo da Universidade de Cambridge!
O Sr. Jorge Costa (BE): — Sabemos que não contamos convosco, mas é o mandato dos grupos
parlamentares que se comprometeram com as conclusões e recomendações deste Relatório, dar-lhes
sequência prática para corrigir as rendas excessivas que hoje estão na fatura, que hoje estão a ser cobradas
aos consumidores e que virão a ser cobradas ainda se nada fizermos para as evitar.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — E o que fizeram?! É só blá, blá, blá….!
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O Sr. Jorge Costa (BE): — Esse é o repto que fica, o repto da democracia.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Ainda estou à espera do estudo da Universidade de Cambridge!
O Sr. Jorge Costa (BE): — Conseguimos mais transparência, o Parlamento está hoje mais preparado para
responder, sabemos o que foi feito e os erros cometidos, sabemos que a existência do regulador e a existência
de conhecimento no regulador das distorções do sistema não lhe dá a força para as corrigir, não lhe dá a força
para pressionar os Governos no sentido dessa correção. O que vimos foi silêncio, obscuridade na atuação dos
reguladores e por isso se acumularam estas rendas indevidas ao longo dos anos.
Hoje sabemos isso e podemos corrigir. Hoje sabemos que os consumidores estão a pagar o que não devem
e podemos corrigir. E se as empresas continuam com taxas de rentabilidade estratosféricas, então, é preciso
corrigir essas taxas de rentabilidade e é preciso que o legislador assuma a sua função e mude as leis que é
preciso mudar para termos um sistema elétrico e uma economia mais justos.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Depois do que ouvi hoje sobre a Casa do Douro já nada me espanta!
O Sr. Jorge Costa (BE): — Não é combater as renováveis, não é prejudicar o investimento externo. Só um
país que se respeita e que é capaz de enfrentar a economia privada para impor o interesse público é que está
à altura de responder aos seus cidadãos e de criar leis que respondam a esse interesse público.
Portanto, o repto que hoje aqui fica, aos Deputados que aprovaram este Relatório, é o de que, na próxima
Legislatura, estejamos todos à altura de lhe dar a sequência com que nos comprometemos e de transformar em
lei, em decisão política, as recomendações que em conjunto aprovámos.
Aplausos do BE.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Ah, é só na próxima Legislatura!… Pensei que já tinham acordado!
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, chegámos, assim, ao fim da apreciação do Relatório da
Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade.
Passamos ao debate do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as Consequências e
Responsabilidades Políticas do Furto do Material Militar Ocorrido em Tancos.
Tem a palavra o Sr. Presidente da Comissão, Filipe Neto Brandão, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com compreensível pasmo, o
País recebia, no final de junho de 2017, a notícia de que de uma infraestrutura a cargo daqueles a quem a
Constituição confia a defesa militar da República desaparecera relevante material aí depositado.
Uma instituição venerável revelava-se, assim, aos olhos de todos, surpreendentemente vulnerável. E foi
também, entre o assombro e a incredulidade, que o País foi recebendo, através dos media, relatos cada vez
mais circunstanciados das condições de vulnerabilidade em que, afinal, o material depositado em Tancos se
encontrava, desde as câmaras de videovigilância que nada vigiavam até às rondas ao seu perímetro, feitas com
intervalos tais, entre si, que as faziam pouco mais do que inúteis, como a subtração do material, infelizmente,
demonstrou.
Havendo, mais do que suspeita, evidência de crime, o inquérito, a cargo das autoridades judiciárias, para
apurar responsabilidades foi tempestivamente aberto. Sem prejuízo desse, a Assembleia da República entendeu
constituir uma comissão parlamentar de inquérito, através da Resolução da Assembleia da República n.º
304/2018, com o objetivo de apurar os factos, direta ou indiretamente, relacionados com o furto de armas em
Tancos, bem como as responsabilidades políticas daí decorrentes.
Tendo as regras parlamentares ditado que a sua presidência caberia ao grupo parlamentar que integro,
entenderam os meus pares honrar-me com essa indicação, sabendo de antemão que procuraria desempenhar
o cargo com a isenção e o rigor que a Constituição e a lei esperam do mesmo. Confio tê-lo feito. Outros, que
não eu, melhor ajuizarão se o logrei fazer.
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Sobre o Relatório aprovado pela Comissão, prevendo a lei, expressamente, que neste debate use da palavra
o Sr. Deputado Relator, compreender-se-á que deixe para si a exposição do mesmo.
A mim, cumpre — porque, antes do mais, sendo justo, se impõe — saudar todas as Sr.as e Srs. Deputados
que integraram a Comissão, registando o modo como, ao longo de mais de meia centena de sessões, souberam
elevadamente expressar as suas convergências e divergências. O Parlamento sai dignificado pela vossa
prestação e eu grato pela vossa inexcedível compreensão e cooperação para com a condução dos trabalhos.
Uma palavra de apreço e reconhecimento igualmente se impõe para as Sr.as Funcionárias destacadas para
o apoio à Comissão. A sua permanente disponibilidade e inobservância de horários, a sua comprovada
competência e dedicação, fazem-nas justamente credoras do nosso apreço e a nós testemunhas do seu mérito
e profissionalismo.
O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Apoiado!
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr.as e Srs. Deputados, como atrás referi, esta CPI foi constituída na
pendência de um processo criminal instaurado pelos mesmos factos que lhe deram origem, prevendo a lei, em
tais casos, a possibilidade de suspensão do inquérito parlamentar até ao trânsito em julgado da correspondente
sentença judicial. Não se tendo verificado tal deliberação — e estamos, previsivelmente, ainda a anos do trânsito
em julgado de um processo, cuja acusação, a existir, não foi sequer proferida —, não deixaram de se colocar
questões relevantes sobre a inoponibilidade, ou não, do designado segredo de justiça perante uma CPI.
Sendo certo que sobre análogas questões se pronunciara já o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral
da República, as mesmas ganham, porém, redobrada pertinência, quando um titular do inquérito, abertamente,
vem desconsiderar aquele, pondo-se em causa tudo o que aquele refletira sobre a previsão constitucional e
densificação legal das CPI. A intervenção esclarecida da Sr.ª Procuradora-Geral da República — que registo e
louvo — terá, decerto, evitado, no caso, incidente institucional de maior relevo, mas a conveniência de uma
melhor explicitação do modo como deve operar o dever de coadjuvação entre uma CPI e as autoridades
judiciárias, essa, subsiste e julgo dever vir a merecer a melhor atenção legiferante do Parlamento.
No fundo, tratar-se-á de transpor para a letra da lei aquilo que o referido Parecer do Conselho Consultivo da
Procuradoria-Geral da República havia já elucidado, quando, citando um aresto do Tribunal Constitucional,
escreveu, e cito, «o dever de coadjuvação que impende sobre o Governo e os tribunais apenas pode ser
legitimamente inobservado, em casos excecionais, quando o órgão a quem a coadjuvação é solicitada provar,
inequivocamente, que o envio de um determinado documento impediria o desempenho das funções que lhe são
constitucionalmente atribuídas ou implicaria a violação de direitos fundamentais.»
Nada mais do que isto, porém, também nada menos do que isto deve a Assembleia representativa de todos
os cidadãos portugueses exigir para as comissões parlamentares de inquérito que venha a constituir no futuro.
Uma palavra final se impõe para o Exército. Foi preocupação permanente do Presidente desta Comissão a
preservação da imagem de uma instituição à qual o País muito deve e que se não confunde com quaisquer
falhas imputáveis àqueles que, conjunturalmente, a serviram ou servem.
O «murro no estômago» — para citar a expressiva imagem utilizada pelo ex-Chefe do Estado-Maior-General
das Forças Armadas, General Pinto Monteiro — que o furto de Tancos constituiu para a instituição militar não
se pode confundir, assim, com um qualquer labéu de improbidade ou demérito, que se não justifica e que o
Exército não merece.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tempo não pode ser revertido, nem os erros já cometidos evitados.
Que o revés sofrido em Tancos possa, assim, servir como penhor da sua irrepetibilidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Relator da Comissão, o Deputado Ricardo Bexiga, do Grupo
Parlamentar do PS.
O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os inquéritos parlamentares, como
sabem, têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da
Administração.
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À Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as consequências e responsabilidades políticas do furto de
material ocorrido em Tancos foi fixada a missão de identificar e avaliar os factos, os atos e as omissões do XXI
Governo Constitucional relacionados, direta ou indiretamente, com o furto de armas em Tancos, no período
compreendido entre junho de 2017 e o presente, bem como apurar as responsabilidades políticas daí
decorrentes.
Em seis meses de trabalho e ao longo de 26 audições e da consulta de mais de 700 documentos, os
Deputados da Comissão de Inquérito procuraram saber como foi possível acontecer o furto dos Paióis Nacionais
de Tancos e como ocorreu, depois, a recuperação do material furtado.
Procurando sintetizar todos os factos apurados pela Comissão, entendemos integrar no Relatório um
conjunto de 86 conclusões que permitem, a nosso ver, compreender o que aconteceu em Tancos, e, depois,
como foi preparada e executada a operação de recuperação do material furtado ocorrida em 18 de outubro de
2017.
É certo que não respondemos às perguntas que pairam em muitos de nós, sobre quem, quando, porquê e
como foi executado o furto de Tancos. Todavia, não era essa a missão da Comissão, porque essa é matéria
reservada à investigação criminal, investigação criminal que está em curso e em segredo de justiça.
Mas, analisando as conclusões do Relatório, ficamos com a ideia muito clara dos factos e circunstâncias que
permitiram que ocorresse aquele furto e dos factos e circunstâncias que deram origem ao posterior achamento
do material furtado.
Não posso deixar de destacar a colaboração dos Srs. Deputados de todos os grupos parlamentares que
participaram na Comissão de Inquérito, não só pelo trabalho dedicado, empenhado e sabedor no decorrer dos
trabalhos, mas também pela forma como contribuíram para a redação final do Relatório.
No seu conjunto, foram apresentadas 161 propostas de alteração à redação preliminar do Relatório, das
quais foram integradas 98 alterações no texto final. Este facto traduz bem o esforço realizado para que o
Relatório fosse o Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito e não do Relator.
Integrámos também no Relatório a apresentação de 24 recomendações que pretendem consubstanciar os
contributos deste Parlamento para que não voltem mais a acontecer os factos que ocorreram nos Paióis
Nacionais de Tancos.
Depois do diagnóstico concretizado, nas conclusões do Relatório, procurámos apontar o caminho para que
as diversas autoridades competentes encontrem, o mais rapidamente possível, as soluções adequadas para
corrigir o que falhou em Tancos.
E em Tancos, infelizmente, muita coisa falhou: falharam as hierarquias militares — e não apenas o capitão,
o sargento e o praça, que foram sancionados com penas menores à luz do Regulamento de Disciplina Militar;
falhou a comunicação, a cooperação e a pró-atividade entre as diversas organizações integradas no Sistema de
Segurança Interna do Estado; na Polícia Judiciária Militar (PJM), a Direção então em funções atuou contra
normas regulamentares e legais aplicáveis e contra decisões superiores da Sr.ª Procuradora-Geral da
República, encenando uma operação com vista a recuperar o material furtado, mas já não se preocupando com
a detenção dos criminosos, pondo em causa o bom nome desta prestigiada instituição.
Como referi no início da minha intervenção, o objetivo desta Comissão era o de apurar as responsabilidades
políticas nos factos ocorridos em Tancos.
Do Relatório final resulta que o Governo, através do então Ministro da Defesa e do Sr. Primeiro-Ministro, só
teve conhecimento dos factos a posteriori: quer do furto, quer do achamento do material furtado.
Logo que tiveram conhecimento dos factos ocorridos, o Governo ordenou de imediato, por despacho do Sr.
Ministro da Defesa, a averiguação urgente dos factos e o apuramento das respetivas responsabilidades, cujo
resultado encontramos no documento Tancos 2017 — Factos e Documentos.
No momento em que o Governo tomou conhecimento dos factos relativos ao achamento do material, já
estava em curso a investigação criminal, tendo em vista apurar os responsáveis pelo furto e pelos factos que a
seguir ocorreram.
Ora, analisados os factos apurados pela Comissão, analisados com detalhe os documentos entregues,
verificados os depoimentos das diversas personalidades que responderam, em audição, às perguntas dos
membros da Comissão, concluímos que não foi encontrada factualidade concreta e suficiente para imputar
responsabilidades políticas aos membros do XXI Governo Constitucional.
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O legado que este Relatório pretende deixar para o futuro, são as bases essenciais para uma intervenção
corajosa e decidida de um processo de mudança que permita que os factos que ocorreram em Tancos não
voltem mais a suceder.
Concluo, por isso, a minha intervenção com uma certeza: esta Comissão de Inquérito cumpriu a sua missão
e dignificou o papel da Assembleia da República nas suas funções de último garante da legalidade e do
cumprimento da Constituição.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Vamos, agora, entrar no debate.
Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Berta Cabral, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, terminada a tarefa da Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre Tancos importa dizer que o PSD esteve nesta Comissão, desde a primeira hora,
com o propósito de contribuir, construtivamente, para apurar as responsabilidades políticas numa matéria que
pôs em causa a segurança nacional e expôs fragilidades de comunicação entre os diversos serviços do Estado
que devem garantir essa segurança.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Também é de sublinhar que, face ao impacto que o furto teve nas Forças
Armadas, tivemos sempre a preocupação de preservar a imagem e o prestígio desta instituição que, para nós,
é considerada fundamental para o País.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — O Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito de Tancos, aprovado
pelo PS e pelos partidos de esquerda, traduz uma visão incompleta e parcial do que se passou durante os
trabalhos da Comissão de Inquérito.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Isso mesmo!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — O PS procurou atribuir as culpas ao Exército e à Polícia Judiciária Militar,
branqueando o desempenho dos responsáveis políticos, nomeadamente do ex-Ministro da Defesa Nacional e
do Primeiro-Ministro António Costa.
A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Ora, para nós, nem o Exército, nem a Polícia Judiciária Militar devem ser
postos em causa, enquanto instituições, pois não podemos tomar a parte pelo todo nem confundir os erros
individuais com o desempenho do coletivo.
Aplausos do PSD.
Foi também evidente que o PS, o Bloco de Esquerda e o PCP procuraram diluir responsabilidades políticas,
alargando o âmbito da Comissão aos Governos anteriores, mas cedo se apurou que não havia qualquer
responsabilidade política passada. Na verdade, o atual Governo foi o único que tomou conhecimento da situação
em que se encontravam os Paióis Nacionais de Tancos e foi com este Governo que o furto aconteceu — é um
facto!
A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Muito bem!
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A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD apresentou mais de meia
centena de propostas, no sentido de melhorar alguns aspetos do Relatório, de forma a conformá-lo, o mais
possível, com as diversas audições e com a documentação apresentada. Se é verdade que algumas das nossas
propostas foram incorporadas, outras há, por sinal as mais relevantes, que acabaram por não ficar no Relatório
final, numa manifesta opção política dos partidos que apoiam o Governo.
A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Para nós, não é possível afirmar com total certeza que não existiram pressões
políticas sobre a atuação da Polícia Judiciária Militar e do Exército, muito particularmente sobre o General
Rovisco Duarte.
Também não podemos pactuar com o facto de um Relatório, aprovado, como já se viu, pela maioria que
apoia o Governo, branquear a atuação do ex-Ministro Azeredo Lopes e do Primeiro-Ministro António Costa,
quando proferiram declarações contraditórias sobre como e quando tiveram conhecimento do conteúdo do
memorando entregue pelo Diretor da Polícia Judiciária Militar e pelo Major Vasco Brazão ao Chefe de Gabinete
do Ministro da Defesa Nacional, em 20 de outubro de 2017, uma peça fundamental em todo este processo.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — O ex-Ministro da Defesa Nacional Azeredo Lopes soube, desde essa data,
desde o dia 20 de outubro de 2017, que a investigação que a Polícia Judiciária Militar estava a fazer era uma
investigação paralela e soube também da operação encenada para a recuperação do material furtado em
Tancos, quer através do conteúdo desse documento que referi, quer através do telefonema da Procuradora-
Geral da República Joana Marques Vidal.
A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Também não se pode afirmar com total certeza, como faz o Relatório, que o
Primeiro-Ministro apenas teve conhecimento da atuação da Polícia Judiciária Militar no dia 12 de outubro de
2018, ou seja, um ano depois: primeiro, porque há diferentes declarações do Primeiro-Ministro sobre esta
matéria; segundo, porque não é normal que um Ministro omita ao Primeiro-Ministro, durante um ano, uma
informação com esta importância e esta gravidade; terceiro, porque não é admissível que o Primeiro-Ministro
nunca tenha questionado o Ministro da Defesa Nacional sobre o processo de Tancos, ao longo desse ano que
decorreu entre o documento e a demissão do Ministro.
Aplausos do PSD.
Por fim, é para nós absolutamente incompreensível que uma Comissão que tinha por objeto encontrar as
responsabilidades políticas no furto ocorrido em Tancos acabe por concluir que as mesmas não existiram,
quando o Ministro da Defesa e o Chefe do Estado-Maior da altura se demitiram exatamente na sequência desse
processo.
A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Exatamente!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Pergunto: se isto não são consequências políticas, então, o que é isto?!
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José de Matos Correia.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de terminar.
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A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Eu diria: É o «elefante no meio do processo»!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os portugueses esperavam e mereciam que se apurassem, de facto,
as responsabilidades políticas do ocorrido em Tancos, mas, com este Relatório, aprovado pelo PS, pelo Bloco
de Esquerda e pelo PCP, subsistem mais dúvidas do que certezas sobre a atuação dos governantes
portugueses neste caso.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra, em nome do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado João Vasconcelos.
O Sr. João Vasconcelos (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda retira diversas ilações da Comissão de Inquérito sobre Tancos, muitas das quais se encontram
plasmadas no próprio Relatório aprovado.
Ficou, assim, confirmado o que o Bloco de Esquerda disse na altura do furto de Tancos: houve uma falha
grave numa das funções centrais do Estado — a defesa — e as consequências podiam ter sido de uma enorme
gravidade.
Através das várias audições que tiveram lugar, o Parlamento e o País ficaram a conhecer o estado deplorável
e de degradação acentuada, ao longo de vários anos e de vários Governos, em que se encontrava uma das
infraestruturas de elevada sensibilidade militar em termos de segurança: os Paióis Nacionais de Tancos.
Havia relatórios, normas e inspeções, onde os problemas foram diagnosticados, mas quem tinha a
responsabilidade de decidir e atuar nada fez, não considerando essas lacunas e problemas prioritários.
Algumas chefias superiores, particularmente no seio do Exército e da Polícia Judiciária Militar, não atuaram
como lhes competia, utilizando normas e procedimentos desadequados, falharam na supervisão, rivalizaram
entre si e até atuaram violando a própria lei. Está, neste caso, a própria Polícia Judiciária Militar.
O Relatório e, muito em particular, as suas conclusões e recomendações ficaram notoriamente enriquecidas
com os inúmeros contributos apresentados pelo Bloco de Esquerda.
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda releva como bastante significativo o facto de, por proposta sua,
a Comissão de Inquérito ter apurado que o poder político, particularmente durante a implementação do Portugal
2020, pelo Governo PSD/CDS, ter colaborado, ou seja, ter sido corresponsável, a par do poder militar, pela
situação que se verificou em Tancos, visto que a determinação era dar prioridade aos investimentos na
componente operacional, com prejuízo da componente fixa, o que se refletiu na degradação dos Paióis
Nacionais de Tancos.
Também é de assinalar uma outra proposta, apresentada pelo Bloco e aprovada, respeitante ao facto de o
anterior Ministro da Defesa nada ter feito para esclarecer a situação, como lhe competia, logo que tomou
conhecimento da informação transmitida pela Procuradora-Geral da República sobre a ação ilegal desenvolvida
pela Polícia Judiciária Militar.
O Bloco de Esquerda lamenta que tenha sido eliminada uma proposta sua, referente ao caso do Colégio
Militar, em que alunos foram discriminados em função da sua orientação sexual, e à situação da investigação
às mortes de instruendos ocorridas em treino de Comandos, que potenciaram a contestação, existente na
estrutura superior do Exército, ao Chefe do Estado-Maior do Exército e até ao próprio Ministro.
Em algumas audições, houve uma tentativa para se branquear o que se passou no Colégio Militar há algum
tempo, o que o Bloco de Esquerda nunca poderia permitir.
No campo das recomendações, seria desejável que tivesse sido aprovado o reforço da democraticidade
interna ao nível das estruturas do Exército e dos outros ramos, incluindo ao nível das chefias, atualizando e
modernizando normas e processos que estão desatualizados e ao arrepio dos princípios da própria Constituição
da República.
Dou apenas dois exemplos que ilustram o que acabo de referir: a desatualização e rigidez do Regulamento
Interno — Guia do Aluno do Colégio Militar, referido por diversos especialistas; e a desadequação do Referencial
do Curso dos Comandos, confirmada pela Inspeção-Geral do Exército. Esperemos que estas normas já tenham
sido alteradas de forma adequada.
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Uma outra recomendação do Bloco de Esquerda não aprovada era a de que o Governo ponderasse a
extinção da Polícia Judiciária Militar, passando todas as suas competências para a alçada da Polícia Judiciária.
Esta não é uma recomendação nova por parte do Bloco de Esquerda.
Embora tal recomendação tivesse sido rejeitada pela Comissão de Inquérito, há mais entidades que já
pensaram ou pensam da mesma forma que o Bloco, com destaque para a anterior Procuradora-Geral da
República.
Até o atual Primeiro-Ministro, quando foi Ministro da Justiça de António Guterres, entre 1999 e 2002,
defendeu o fim da PJM, através da sua fusão com a Polícia Judiciária.
Também o Governo de José Sócrates chegou a equacionar, em 2006, essa fusão, embora sem sucesso,
visto ter tido a oposição das chefias militares.
O PSD e o CDS certamente queriam um outro Relatório, queriam outras conclusões e recomendações que
dessem cobertura à sua tese da cabala política, já que o diabo nunca mais chegava.
O que o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda espera é que este Relatório e, muito em particular, as
suas conclusões e recomendações sirvam para que nunca mais se verifique no País um acontecimento como o
que ocorreu em Tancos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do
Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o Sr. Deputado Diogo Leão.
O Sr. Diogo Leão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Impõe-se uma palavra de elogio ao
Deputado Filipe Neto Brandão, cuja presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito foi, em todos os
momentos, de uma verticalidade e desempenho exemplares, e estendo também este agradecimento aos Srs.
Vice-Presidentes José de Matos Rosa e João Vasconcelos.
Aplausos do PSD.
Quero também fazer uma referência ao Relator, Deputado Ricardo Bexiga, pela concretização do Relatório
final apresentado, pela honestidade intelectual e pela abertura democrática que revelou, ao ponderar introduzir
quase 100 propostas de alteração.
Aplausos de Deputados do PS.
Mas, uma vez que o Partido Socialista não dará resposta às insinuações aqui deixadas pelo PSD, vamos a
factos: assente um desinvestimento ao longo de mais de duas décadas nos Paióis Nacionais de Tancos por
parte do Exército e, indiretamente, por sucessivos Governos;
Assente a quebra do princípio de unidade de comando na gestão e segurança destas instalações;
Assentes vulnerabilidades diversas, destacando-se a degradação das vedações e dos sistemas de alarme e
de videovigilância, ambos totalmente obsoletos;
Comprovadas falhas graves do dever militar do pessoal que tinha a seu cargo a segurança, aquando do furto;
Comprovadas faltas sistemáticas de informação em toda a hierarquia do Exército, durante anos, sobre o real
descrédito da segurança dos Paióis de Tancos;
E comprovado também que foi este Governo que, a pedido do ex-CEME (ex-Chefe do Estado-Maior do
Exército), dotou o ramo dos meios necessários para se iniciar a correção de vulnerabilidades dos paióis antes
do furto ter ocorrido, PSD e CDS deixaram rapidamente de estar interessados no furto do material militar, ao
reconhecerem que, por aí, não conseguiam sequer tentar a implicação do Governo, a não ser que insistissem
na ideia de que o Sr. Primeiro-Ministro era o Comandante do Regimento de Engenharia n.º 1 e o Sr. Ministro da
Defesa era o soldado de guarda aos paióis.
Aplausos do PS.
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A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Mas que disparate!
O Sr. Diogo Leão (PS): — Como esta ideia era pouco crível, passaram para a tese de que o Governo estaria
implicado na operação de encobrimento levada a cabo ilegalmente pela Polícia Judiciária Militar. Nada mais
falso, como os factos vieram a comprovar.
Constituímos esta Comissão de Inquérito em outubro de 2018, uma Comissão proposta pelo CDS neste
mesmo Plenário.
O Partido Socialista, em nome do apuramento da verdade dos factos, votou a favor da constituição desta
Comissão. E daí resultou um trabalho sólido, independente e rigoroso, na análise de centenas de documentos
e dezenas de audições de individualidades.
O CDS reivindicava que o Parlamento devia apurar, e cito, «quem falhou nas medidas de segurança e por
que é que as medidas de segurança falharam». A Comissão apurou.
O CDS reivindicava a constituição de uma Comissão para que se alcançasse, e cito, «respostas sobre o que
falhou, por que é que falhou e por responsabilidade de quem». A Comissão apurou.
O CDS reivindicava uma Comissão que permitisse, e cito, uma «reflexão e avaliação sobre o funcionamento
do Ministério da Defesa Nacional, assim como das formas de articulação entre as Forças Armadas e as diversas
forças e serviços de segurança e órgãos de polícia criminal». A Comissão refletiu, produziu e aprovou um
conjunto de conclusões e recomendações nesse mesmo sentido.
Mas permitam-me citar o Grupo Parlamentar do CDS em dois outros trechos breves da exposição de motivos
da iniciativa que originou a constituição da Comissão.
O primeiro, e cito, diz o seguinte: «O Governo procurou, numa primeira fase, desvalorizar o sucedido, depois
alegou desconhecimento e, por fim, tentou precipitadamente encerrar o problema».
O segundo trecho refere: «As negações, omissões e contradições dos factos praticadas pelo Governo, ao
longo deste processo, foram constantes e sistemáticas».
A única coisa que esta Comissão de Inquérito não apurou foram estas autênticas conclusões preconcebidas
que o CDS e o PSD, antes sequer de constituída a Comissão de Inquérito, quiseram impor como facto
consumado e dado adquirido.
Aplausos do PS.
Mas a verdade é que, no Relatório, nas conclusões sobre as responsabilidades governativas, ficou apurado
e comprovado que não se verificou qualquer interferência política na ação do Exército ou na atividade da Polícia
Judiciária Militar relacionada com os acontecimentos de Tancos. O mesmo se apurou quanto à interação do
poder político com a justiça e com a investigação criminal, tendo sido inclusivamente uma estratégia de
investigação e opção consciente da justiça, a de não pedir ao Governo a abertura de ações disciplinares a
elementos militares ligados à operação de encobrimento da recuperação do material militar, permitindo o avanço
da operação Húbris. Foi integralmente respeitado pelo Governo o princípio de separação e interdependência de
poderes.
Sr. Presidente, a nossa última palavra é justamente para as Forças Armadas. O que aconteceu em Tancos
foi sem dúvida uma falha de enorme gravidade a nível da segurança do Estado, mas sabemos que o Exército e
as Forças Armadas no geral estão hoje, mais do que nunca, a trabalhar para a segurança das suas
infraestruturas. E não é um núcleo reduzido de militares com condutas desprestigiantes — outras certamente
irregulares e até mesmo ilegais e que estão, neste momento, ao abrigo da investigação e da justiça — que
diminui o prestígio de uma instituição multissecular como o Exército português.
Hoje, encerra-se um capítulo iniciado com a constituição da Comissão de Inquérito. Esperamos que se
encerre também uma certa vertigem para a «política de casos», patrocinada pelo PSD e CDS, e que, na sua
voracidade, não poupou sequer as nossas Forças Armadas.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Impressionante!…
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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do
CDS-PP, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começaria por dizer que o Partido
Socialista termina exatamente onde começou e onde sempre esteve: encerrar, encerrar, encerrar, encerrar, se
possível, não falar mais sobre Tancos!
Aplausos do CDS-PP.
Mas não é assim, Sr. Deputado. Em primeiro lugar, não é para encerrar e, em segundo lugar, queria dizer-
lhe o seguinte: nós não prestigiamos as Forças Armadas, nem o Exército, nem instituições tão importantes,
escondendo, omitindo e diluindo aquilo que são responsabilidades óbvias e evidentes. Não é assim!
Diz o Sr. Deputado — e começou por aí — que havia conclusões preconcebidas. Quer que eu lhe fale de
conclusões preconcebidas? O Partido Socialista, ainda a Comissão de Inquérito não tinha iniciado os seus
trabalhos, disse: «não há responsabilidades políticas». O Partido Socialista, concluídos os trabalhos da
Comissão de Inquérito, diz: «não há responsabilidades políticas». Ou seja, se alguém tem conclusões
preconcebidas nesta matéria é, obviamente, o Partido Socialista.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Ao contrário daquilo que aqui disse o Relator, este não é o Relatório do
Parlamento ou da Comissão. Nós votámos contra, o PSD votou contra!
Este Relatório constitui as alegações de defesa do Governo e do Partido Socialista. É, de facto, perante isto
que estamos, aqui e hoje, nesta Câmara.
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — O Relatório tem uma orientação claríssima, ou seja, atribuir
responsabilidades aos militares, atribuir responsabilidades à PJM, diluir, branquear, lavar, tanto quanto possível
— não é Omo, como dizia o Deputado Ascenso Simões, é a maior branqueadora que este País conhece, que é
a chamada «máquina da geringonça» —, todas as responsabilidades políticas. A única coisa que tem de
responsabilidades políticas é aquilo que foi aqui dito e que é consensual: houve falha de investimento de vários
Governos. Falha de investimento de uns e de outros. Tudo bem, isso é consensual. A falha de denúncias dos
militares também é consensual, mas, depois, chegamos àquilo que foi lamentável e que, na minha opinião, foi
uma vergonha, ou seja, um ex-Chefe do Estado-Maior a atribuir responsabilidades pessoais a tenentes-generais,
quando eles se demitiram por razões éticas e, precisamente, por não concordarem com a tentativa de esconder
Tancos. A esse tenente-general, e refiro-me, obviamente, ao General Rovisco Duarte, ex-Chefe do Estado-
Maior, só faltou um louvor da parte do PS, quando a sua atitude foi lamentável. E os senhores, a maioria,
impediram que os tenentes-generais aqui viessem para, que mais não fosse, defender a sua honra militar. Foi
lamentável!
Protestos do Deputado do PS Diogo Leão.
Queria dizer-vos também que, em nossa opinião, o centro deste Relatório — e aí estava o coração das
nossas propostas — são as responsabilidades políticas. E vamos a factos, só a factos!
O que é que sabemos? Sabemos que a Polícia Judiciária Militar, liderada pelo Coronel Luís Vieira, teve uma
atuação que o Relatório tenta minorar e que, só depois da nossa insistência, classifica de forma clara como
tendo sido uma atuação ilegal, inaceitável, com um processo paralelo, com diligências que não podiam ter sido
feitas. Portanto, sabemos isso claramente e não há nenhuma dúvida.
O segundo facto que conhecemos, e que é da maior relevância, é que esta encenação — não foi um
achamento, Sr. Deputado Relator, pois ninguém tropeçou nas granadas, foi, sim, uma encenação! — foi relatada
ao Governo dois dias depois de ter ocorrido, repito, dois dias depois. Ocorreu em 18 de outubro e, no dia 20 de
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outubro, o Coronel Luís Vieira e o Major Vasco Brazão entraram no gabinete do Sr. Chefe de Gabinete do
Ministro da Defesa Nacional Azeredo Lopes, à época, e entregaram um documento, o qual tenho na minha
posse, que é o documento central desta Comissão de Inquérito e desta investigação, e que diz coisas como:
«acordo», palavra referida por três vezes, e «contrato». Acordo e contrato com quem? Com os informadores e,
obviamente, com os assaltantes, porque não pode haver devolução das armas nem acordo a não ser com quem
roubou, como é evidente. Mais: acordo sob ameaça! Ameaça, caso a PJ tivesse interferência no processo, à
família do Major Vasco Brazão. Havia risco de vida para a família dele, caso viesse a saber-se deste acordo! As
ameaças estão lá, basta ler!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Nessa altura, a investigação criminal já estava em curso.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Basta ler! Portanto, dois dias depois, o Chefe de Gabinete teve
conhecimento de que houve uma atuação ilegal e criminal por parte de uma instituição sob tutela do Ministro.
Sr. Deputado, o Ministro foi informado e disse-nos, na Comissão, que teve conhecimento do essencial desta
situação, repito, teve conhecimento do essencial.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — E a PJ não sabia?!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — A pergunta que se impõe é evidente: se teve conhecimento do essencial,
por que razão é que o Ministro, quando veio ao Parlamento e foi inquirido na Comissão de Defesa, nunca o
disse, omitindo-o sempre?! Por que razão é que o escondeu à Comissão de Defesa?!
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Por que razão é que, quando foi ouvido em Bruxelas, uns dias depois, o
Ministro disse à comunicação social que nunca soube da encenação?! O Ministro soube, o Primeiro-Ministro
também soube, e também omitiu. Omitiu ao Sr. Deputado Fernando Negrão e omitiu à comunicação social.
Portanto, os senhores nem sequer foram capazes de reconhecer e de assumir as responsabilidades políticas
daqueles que se demitiram.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, estou mesmo a terminar.
Se não fosse a Polícia Judiciária, ainda hoje o Coronel Luís Vieira seria diretor da PJM e, provavelmente,
ainda hoje o Ministro Azeredo Lopes estaria em funções.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Demissão, já!…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Srs. Deputados, para terminar, esta é a história de um roubo e de três
encenações. Se quisermos um título, é o seguinte: um roubo e três encenações.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — A primeira encenação foi da PJM, a segunda encenação foi do Governo,
que omitiu, a terceira encenação é este Relatório, que esconde a verdade.
Protestos do PS.
Vamos ver, Srs. Deputados, se não será com o inquérito que ficaremos a saber tudo aquilo que, se calhar,
faltou saber nesta Comissão de Inquérito. Fico com essa curiosidade, mas com a sensação de que, se calhar,…
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, termine, se não se importa!
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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — … o inquérito e a acusação mostrarão aquilo que não soubemos agora.
Peço desculpa, Sr. Presidente, terminei mesmo.
Aplausos do CDS-PP e da Deputada do PSD Berta Cabral.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Concluímos o debate do Relatório da Comissão Parlamentar
de Inquérito sobre as consequências e responsabilidades políticas do furto do material militar ocorrido em
Tancos com a intervenção do Sr. Deputado Jorge Machado, do PCP.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira consideração do Grupo
Parlamentar do PCP é de agradecimento. Agradecimento aos serviços de apoio à Comissão Parlamentar de
Inquérito, aos funcionários, aos assessores, que tiveram um trabalho fundamental para o sucesso desta
Comissão. Foram longas sessões de trabalho, foram transcrições feitas em tempo record, foi todo o apoio
prestado à Comissão, pelo que importa saudar, em primeiro lugar, os trabalhadores da Assembleia da República,
as assessoras, todas elas senhoras, que nos deram apoio nesta Comissão Parlamentar de Inquérito. É justo
referi-lo.
Deixo uma palavra ao Presidente da Comissão, pela forma exemplar como conduziu os trabalhos e, para
concluir os agradecimentos, deixo também uma palavra ao Relator. O trabalho não foi fácil e registamos como
positiva a abertura do Relator para aceitar uma grande parte das propostas de diferentes grupos parlamentares.
Não só foram aceites praticamente todas as propostas do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português,
mas foram também muitas as propostas das restantes bancadas que foram aceites. Houve, portanto, um esforço
para consensualizar o documento, que só não é consensual por agenda política, como ficou demonstrado.
O Sr. Ricardo Bexiga (PS): — Muito bem!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — A versão final do Relatório assenta em factos, faz uma análise corajosa e
rigorosa e produz um conjunto de recomendações e conclusões que valorizamos.
Srs. Deputados, podemos dividir o Relatório, as conclusões e as recomendações em três momentos.
Primeiro, o momento anterior ao furto, em que se faz uma análise daquilo que, efetivamente, correu mal,
apurando-se — sim! — responsabilidades políticas e da estrutura do Exército na degradação do Exército e na
gestão das suas prioridades.
Para nós, ficou claro, ficou evidente, que a opção do Governo e da estrutura de topo do Exército sempre foi
a de dar prioridade às forças nacionais destacadas às missões da NATO (North Atlantic Treaty Organization),
com prejuízo para a componente fixa e para as missões de segurança. Em nossa opinião, isto ficou demonstrado
e importa valorizá-lo.
Depois, temos o momento do furto propriamente dito, sobre o qual também recolhemos um conjunto valioso
de informação, que será um contributo para a investigação criminal em curso.
Por fim, temos o momento posterior ao furto, em que a gestão política foi analisada, tanto da parte da
hierarquia como da parte do Governo. Ao contrário do que é dito pelo PSD, e foi dito, agora mesmo, pelo
Deputado Telmo Correia, do CDS, não há no Relatório um exercício de ilibar o Governo das suas
responsabilidades.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Ora vejam só!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — É dito de forma clara e taxativa que o anterior Ministro da Defesa
desvalorizou um documento que lhe foi entregue. Srs. Deputados, não foi por acaso que este mesmo Ministro
se demitiu. Em nossa opinião, demitiu-se porque cometeu esse erro de desvalorizar o documento que lhe foi
entregue.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Claro!
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Protestos do PSD.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Houve erros na gestão política, por parte da hierarquia do Exército.
Responsabilizar apenas um praça, um sargento e um oficial foi um erro! Nenhum tenente-general assumiu as
suas responsabilidades e o Governo não tomou nem uma medida…
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Desvalorizaram!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — … para que esses tenentes-generais fossem responsabilizados pelo que
aconteceu. E isto também fica claro no Relatório desta Comissão Parlamentar de Inquérito, só não lê quem não
quer ler!
O Relatório responsabiliza sucessivos Governos pela degradação das condições operacionais do Exército e
das suas infraestruturas, mas é preciso fazer um exercício sério da análise da Comissão Parlamentar de
Inquérito.
O Governo sabia dos problemas estruturais de Tancos? Aliás, posso mesmo questionar se os sucessivos
Governos sabiam dos problemas estruturais de Tancos! Não sabiam. A estrutura de topo do Exército empurrou
o problema com a barriga e não o comunicou aos decisores políticos.
O Governo sabia, previamente, da operação ilegal montada pela PJM para recuperar o material de guerra?
Não! Não há nenhum relato que permita afirmar isso e, por muitas voltas que o Sr. Deputado Telmo Correia
tente dar, não há nenhuma evidência que o permita afirmar. Diz o Sr. Deputado Telmo Correia que o documento
foi entregue ao Governo «dois dias depois de ter ocorrido». E depois?!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — O Governo não fez nada durante um ano!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Dois dias após o ocorrido, já o Ministério Público sabia da operação ilegal
em curso, já a PJ sabia da operação ilegal em curso, o Governo tinha a obrigação de deixar a justiça funcionar.
O Sr. Diogo Leão (PS): — Muito bem!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não competia ao Governo atuar, como é óbvio. Soubesse o Governo da
operação clandestina ilegal de recuperação de material militar antes de ela ocorrer e, aí sim, teríamos problemas
de responsabilidade política. Isso não ocorreu e, em rigor, com honestidade intelectual, não há nenhum facto
que lhe permita retirar essa mesma conclusão.
O Governo poderia, de alguma forma, ter evitado o furto propriamente dito? Não! Houve responsabilidade
política no furto propriamente dito? Isso, em rigor, não podemos assumir.
Protestos do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.
Apurou-se, na verdade, e cito o Relatório, que «não ficou provado que, em algum momento, se tenha
verificado qualquer interferência política na ação do Exército e na atividade da PJM». Concordamos com esta
citação.
A Comissão de Inquérito ao caso de Tancos não apurou responsabilidades políticas no furto do material
militar propriamente dito, mas pôs a nu as responsabilidades políticas e militares na degradação do Exército.
São coisas substancialmente diferentes, mas isto ficou demonstrado.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, para concluir, queremos destacar que esta
Comissão Parlamentar de Inquérito resulta, essencialmente, num conjunto de recomendações que devem ter
importância na análise e no trabalho futuro. Que sirva de lição e que se retirem as ilações deste processo, das
conclusões deste Relatório, para que, no futuro, não volte a acontecer aquilo que aconteceu.
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Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Passamos, então, ao quarto ponto da nossa ordem de
trabalhos, com a discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 203/XIII/4.ª (GOV) — Altera o regime da
estruturação fundiária.
Para iniciar o debate, com a apresentação da iniciativa legislativa do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro
Luís Capoulas Santos. Mas antes, peço aos Srs. Deputados que caso necessitem de se retirar que o façam
rapidamente, pois este ruído de fundo não ajuda em nada.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos): — Sr.
Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que iremos agora discutir é mais um diploma inserido no
amplo contexto da reforma da floresta, que temos vindo a executar desde 2016, e que se junta a várias dezenas
de outros, já aprovados e em execução, visando responder à questão fundamental que se coloca ao futuro da
nossa floresta, que é a do seu ordenamento e, sobretudo, da sua gestão, peças-chave para que, num horizonte
de 20 a 25 anos, tenhamos um mosaico florestal mais adaptado, mais resiliente, com maior criação de valor e
com um contributo mais relevante para o ambiente e para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas.
Trata-se de uma alteração à Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto, que estabelece o regime jurídico da
estruturação fundiária, através da qual se pretende: evitar a continuação do fracionamento dos prédios; introduzir
mais isenções fiscais e mais isenções de taxas e emolumentos; simplificar e agilizar procedimentos; e tornar
mais justas as sanções decorrentes das contraordenações. Depois de, em janeiro deste ano, termos
estabelecido, por portaria, a unidade mínima de cultura para os prédios rústicos de regadio, sequeiro e florestais,
que varia entre os 2,5 ha e os 48 ha, segundo as regiões, para evitar a continuação do fracionamento dos
prédios, propomos agora impedir a utilização do regime do usucapião relativamente aos prémios cuja dimensão
esteja abaixo deste limiar mínimo.
Pretendemos, ainda, para evitar a continuação do fracionamento, simplificar procedimentos, propondo que
passem a presumir-se de sequeiro todos os prédios relativamente aos quais seja difícil definir a sua vocação ou
uso potencial.
Para introduzir mais isenções fiscais, taxas e emolumentos, o que pretendemos é alargar a isenção de IMT
(imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis) e imposto do selo (IS) às aquisições de prédios
contíguos, regime que já era aplicado apenas aos confinantes. Portanto, temos um prédio, temos o confinante
e o contíguo é o que está imediatamente a seguir. Alargam-se estes benefícios para facilitar a anexação.
Alarga-se, também, a isenção de IMI (imposto municipal sobre imóveis) por 10 anos a este tipo de operações
e passam, igualmente, a ser isentos de quaisquer taxas ou emolumentos os procedimentos que concorram para
a anexação de prédios rústicos.
Para simplificar, propomos dispensar alguns requisitos, como, por exemplo, o parecer vinculativo do
Ministério da Agricultura, passando, apenas, a ser exigido o parecer do município respetivo, e, logo que um
prédio seja isento de IMI ou de imposto do selo, passa a ser, imediatamente, também isento de IMT.
Por último, propomos tornar mais justas as sanções decorrentes das contraordenações, estabelecendo
valores diferenciados quer se trate de pessoas coletivas ou de pessoas singulares.
É uma aparente pequena alteração, mas traz um conjunto de benefícios e, estou certo, concorrerá para o
grande objetivo que temos, que é o de ter uma floresta e, para além da identificação do património, ter uma
dimensão de património que permita gerir profissional e responsavelmente a floresta portuguesa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos
Matias, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:
A extrema fragmentação das parcelas rurais tem dificultado, quando não mesmo impossibilitado, a sua gestão
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ativa de forma rentável. Daí resultam prejuízos muitas vezes apenas superados por investimentos provenientes
de outros rendimentos exteriores à exploração agrícola, encarada como atividade subsidiária. São situações
insustentáveis que bastas vezes levam ao abandono da gestão ativa da terra ou à sua entrega à fileira do
eucalipto e aos interesses das celuloses.
Reconhecemos, portanto, que urge resolver o problema da escala da gestão dos espaços rurais. Uma das
formas de aumentar essa escala é através da criação das unidades de gestão florestal, em que os pequenos
proprietários se juntam para gerir em conjunto e de forma rentável as suas pequenas parcelas. Outra das formas,
a subjacente a esta proposta de lei, é através do emparcelamento voluntário. É uma opção a ter em conta e que
deve, de facto, como aqui é proposto, ser mais estimulado.
Em concreto, esta proposta de lei visa alterações que se nos afiguram positivas, como o reforço da distinção
entre terrenos de regadio, de sequeiro e da floresta na determinação das unidades de cultura. Quando não for
possível esta definição, como o Sr. Ministro acabou de dizer, opta-se, e bem, por atribuir a categoria de sequeiro.
É, ainda, visada alguma simplificação no processo de acesso às isenções fiscais, que passarão a ficar
dependentes de um único parecer a emitir pela câmara municipal. Cremos, no entanto, que, neste ponto, a
simplificação deveria ir ainda mais longe. A operação de emparcelamento deveria ser isenta, mediante
declaração do adquirente de que cumpria as condições exigidas e a prova de que havia requerido o tal parecer
municipal, documento que, por vezes, poderá demorar meses a ser emitido. A eventual cobrança de IMT e de
imposto do selo seria a posteriori, quando esse parecer municipal fosse enviado ao serviço de finanças e,
obviamente, no caso de ser negativo. Seria ainda mais facilitado o emparcelamento sem comprometer nem o
rigor, nem as receitas fiscais.
Finalmente, discordamos do facto de não ser previsto um limite à dimensão do emparcelamento para acesso
a incentivos que venham a ser criados por despacho do Governo. Faz sentido que, para obter incentivos, o
emparcelamento rural tenha de atingir a unidade mínima de cultura, como é proposto no artigo 53.º, mas já não
faz qualquer sentido o Governo estar a investir dinheiro do Orçamento do Estado, eventualmente, na
concentração de médias ou de grandes propriedades, já que não são colocados limites máximos da propriedade
emparcelada para acesso aos incentivos.
Recordo, por exemplo — certamente, o Sr. Ministro lembrar-se-á disso —, a linha de crédito PAR (programa
de financiamento a arrendatários rurais), que esteve aberta até 2005 e que impunha um teto máximo para lhe
aceder. No caso do crédito PAR, que ainda está aberto na página do ICNF (Instituto da Conservação da
Natureza e das Florestas), à agricultura de grupo apenas teria acesso a financiamento quem não explorasse em
comum área que excedesse 10 vezes a área de exploração familiar economicamente viável, incluindo aquela a
financiar. É, precisamente, um teto máximo da área que resultar do emparcelamento que deve ser introduzida,
também, nesta proposta de lei para acesso a incentivos, pois não está lá.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Esta omissão, a manter-se, permite que o Orçamento do Estado possa vir a financiar a concentração de
grande propriedade, o que em caso algum se justifica nem deverá acontecer.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do
Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a Sr.ª Deputada Maria da Luz Lopes.
A Sr.ª Maria Lopes (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:
Apreciamos, hoje, a proposta de lei sobre o regime da estruturação fundiária, que constitui a primeira alteração
à Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto. O seu objetivo é o de criar melhores condições para a reforma da floresta
e da atividade agrícola, à semelhança de outros normativos que convergem para o desenvolvimento do setor
primário, tão importante no contexto económico nacional.
Esta importante iniciativa legislativa simplifica o processo de atribuição das isenções fiscais, que passará a
ser efetuado no âmbito de um único parecer pelo município territorialmente competente, e alarga a isenção quer
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do imposto do selo a operações de crédito, com vista a facilitar o acesso a financiamentos, quer do imposto
municipal sobre imóveis, com a particularidade de facilitar a anexação, algumas operações de transmissão, a
aquisição ou a permuta de prédios rústicos.
Trata-se de uma proposta de lei, do Governo,que se enquadra no artigo 93.º da Constituição da República
Portuguesa, que diz respeito à política agrícola, com potencialidades de conferir mais eficácia à unidade de
cultura e de reforçar os instrumentos de estruturação fundiária, já elencados na Lei n.º 111/2015. São eles: o
emparcelamento rural; a valorização fundiária; o fracionamento dos prédios rústicos; os planos territoriais
intermunicipais e municipais. Estes instrumentos visam a criação de melhores condições de desenvolvimento
das atividades agrícolas e florestais de modo compatível com a sua gestão sustentável nos domínios económico,
social e ambiental, através da intervenção na configuração, dimensão, quantificação e utilização produtiva das
parcelas e prédios rústicos.
Em rigor, o desenvolvimento do mundo rundo rural passa por atribuir um papel privilegiado às autarquias
locais em matéria de ordenamento e de gestão do território, na linha da estruturação fundiária. Afinal, o seu
conhecimento do território e proximidade confere-lhe essa faculdade. As autarquias são, assim e agora, mais
envolvidas e chamadas a integrar a tomada de decisão em alguns instrumentos fundiários, e têm, por isso, e
muito bem, responsabilidades na aprovação de projetos.
A proposta de lei em apreço visa também reforçar o caráter dissuasor de incumprimentos, prevendo a
alteração do regime sancionatório, através de coimas que variam em função da entidade infratora, quer seja
pessoa singular ou pessoa coletiva.
Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: No entender do Partido Socialista, estamos
perante uma importante proposta de lei, que tem, como horizonte, a promoção da situação económica daqueles
que trabalham a terra, melhorias na estruturação fundiária da propriedade, a valorização da atividade agrícola,
a reforma florestal e do espaço rural e, em última instância, Sr. Ministro, a prevenção dos fogos rurais, pelo que
o Grupo Parlamentar do Partido Socialista irá votar favoravelmente o diploma em apreço.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do
Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar o Sr. Ministro e os Srs.
Secretários de Estado.
O regime jurídico da estruturação fundiária a que se refere a proposta de lei é fundamental e estruturante.
Foi aprovado em 2015 por um consenso alargadíssimo desta Câmara: o Partido Socialista, o PSD e o CDS
votaram favoravelmente, tendo o Bloco de Esquerda e o PCP ficado fora desta solução tão importante para um
desenvolvimento harmonioso, para um melhor aproveitamento do interior do nosso território e das suas
potencialidades, até como forma de desenvolvimento económico e de atratividade para fixar populações e aí
criar atividade económica.
Dito isto, estamos a falar de alterações cirúrgicas. Sr. Ministro, lamento, mas deixe-me dizer-lhe que foi com
alguma pena, diria mesmo quase com surpresa, que o ouvi justificar esta alteração pela reforma da floresta. É
que, Sr. Ministro, isso veio confirmar aquilo que o PSD tem vindo a dizer há tanto tempo: o Sr. Ministro não quer
saber da agricultura, esqueceu-se completamente da atividade agrícola e, de facto, durante a sua apresentação,
só falou da floresta.
Protestos do PS.
Este regime é importante não só para a floresta, mas para todo o setor, para todo o território.
O PSD tem algumas reservas relativamente a este regime proposto, nomeadamente na parte em que trata
das coimas, porque, quando o que queremos é uma política de atração quer de empresas, quer de jovens, quer
de particulares, em zonas especialmente deprimidas — basta vermos o que aconteceu nas zonas afetadas pelos
incêndios, onde tem havido grande dificuldade de atrair investimentos, de atrair novas explorações —,
interrogamo-nos seriamente sobre se este aumento, este reforço das coimas é um fator de atratividade para que
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esses investimentos se façam nestes territórios que mais precisam deste emparcelamento. No fundo, é disso
que falamos e que o PSD considera fundamental.
Naturalmente, somos favoráveis quer quanto ao emparcelamento, quer quanto às isenções fiscais, que
essas, sim, estão de acordo com a necessidade do setor, da agricultura e das florestas, para o desenvolvimento
dos territórios. Estamos a favor dessas isenções, estamos a favor da facilitação na emissão de pareceres, para
que agora seja mais simples, e da isenção de IMT.
Deixe-me que também lhe diga, Sr. Ministro, que temos preocupações com esta classificação automática de
terrenos de sequeiro, quando não haja parecer, porque tal pode não estar de acordo com grande parte do nosso
território, e basta pensarmos, nomeadamente, na minha região, que é o Minho. A maior parte do território não é
de sequeiro, pelo que essa classificação automática também nos preocupa.
Porém, porque este diploma, que está há três anos em vigor, é importante, bem como as alterações que se
vão fazer, esperamos que, na especialidade, estas nossas preocupações sejam tidas em conta.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do
CDS-PP, a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar o Sr. Ministro e os Srs.
Secretários de Estado.
Sr. Ministro, esta proposta de lei vem alterar o regime jurídico da estruturação fundiária. São alterações, de
facto, cirúrgicas, tem aspetos positivos, mas também nos levanta algumas reservas que gostaria de ver
esclarecidas, se possível.
O regime jurídico da estruturação fundiária decorreu de um amplo processo de revisão dos vários
instrumentos de gestão territorial que foi levada a cabo pelo Governo PSD/CDS.
Destaco como positivos o alargamento da isenção de IMI por 10 anos aos prédios resultantes de
emparcelamento, de anexação ou quando deixem de estar em compropriedade e a isenção do imposto do selo
nas operações de crédito e nos juros para aquisição das operações de emparcelamento. Estes incentivos são
alargados, o que também é positivo, ao emparcelamento simples, quando antigamente não o eram, estavam
apenas cingidos ao emparcelamento integral.
Gostaria de levantar duas dúvidas.
Por um lado, deixa de estar explícito o estabelecimento dos incentivos no caso de os proprietários terem
mais de 65 anos ou quando os prédios são vendidos à reserva de terras, remetendo para posterior
regulamentação por parte do Governo. Gostaria de perguntar se, de facto, está na ideia do Governo manter
esse benefício às pessoas com mais de 65 anos, como incentivo, no fundo, à cedência das terras e ao
emparcelamento.
A segunda dúvida já foi esclarecida pelo Sr. Ministro e deixa-me preocupada, porque era uma questão que
eu tinha e agora é uma confirmação. O artigo 51.º deixa, de facto, de exigir o parecer da Direção Regional de
Agricultura e Pescas. Se poderá, eventualmente, não fazer sentido, nas operações de emparcelamento, porque
se está a agregar e a junção contribui para melhorar a estrutura fundiária, um parecer da Direção Regional,
porque melhorará sempre a estrutura fundiária, o mesmo já não é verdade quando esse parecer se refere à
justificação para o fracionamento não acarretar inconvenientes. Dispensar o parecer da Direção Regional de
Agricultura nessas situações, como está previsto nesta proposta de lei, parece-nos ir mais além do que a
Resolução do Conselho de Ministros n.º 13/2019, porque o parecer único não tem obrigatoriamente de dispensar
a Direção Regional de Agricultura e nem todas as autarquias terão certamente técnicos habilitados para poderem
fazê-lo.
Para além desta questão das isenções, que são positivas, mas relativamente às quais temos algumas
reservas, coloca-se-nos uma dúvida quanto ao fracionamento, uma vez que a proibição estabelecida no artigo
48.º nos parece ser muito mais ampla e abrangente do que está previsto na resolução do Conselho de Ministros.
Porquê? Da leitura que fazemos, parece-nos que os cidadãos ficam impedidos de justificar a posse por
usucapião quando o terreno for, em qualquer circunstância, inferior à unidade de cultura, e não apenas quando
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resultar de atos de partilha ou de divisão de coisa comum, como estava previsto na Resolução do Conselho de
Ministros n.º 13/2019.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Para terminar, Sr. Presidente, devo dizer que gostava que estas
matérias fossem esclarecidas, se possível.
Lamentamos que esta proposta de lei, apesar de globalmente positiva, seja apresentada em final de
Legislatura. Na nossa perspetiva, e como a própria nota técnica refere, faltam os pareceres e, além disso, esta
proposta carece de uma discussão na especialidade, embora tenhamos já muito pouco tempo para a fazer.
Portanto, é pena que não tenhamos um período mais alargado para analisar este processo e fazer uma lei
como deve ser.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do
PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e
Desenvolvimento Rural, Srs. Secretários de Estado: Falamos hoje do regime jurídico da estruturação fundiária
e começo por assinalar as poucas reservas do PSD e do CDS relativamente à proposta apresentada e até
alguma satisfação em relação à maioria das alterações apresentadas, o que ainda nos deixa mais preocupados.
Quero, desde logo, deixar bem claro que o PCP sempre defendeu o emparcelamento, mas, e deixe que lhe
diga, Sr. Ministro, não pode ser sempre à custa dos mesmos, sempre à custa dos pequenos e médios
proprietários. Não podemos penalizar os proprietários.
Não estamos a falar de uma reforma. Recordamos, Sr. Ministro, que dissemos desde o início que esta
proposta de lei não constitui, em si, a alteração de fundo que era necessário fazer. Aliás, esta proposta de lei
vem alterar a lei do emparcelamento, aprovada pelo PSD e pelo CDS, com o apoio do PS, e, na altura, deixámos
bem claro que o regime que o Governo então chamava de «reestruturação fundiária» não o era de verdade.
O regime fica-se apenas pelo emparcelamento, com referências ineficazes a um verdadeiro
redimensionamento da propriedade, para além de estar eivado da orientação geral da política do Governo para
a agricultura, que é no sentido da desproteção dos pequenos e médios proprietários. Estes ficam, assim, à
mercê da vontade dos mais poderosos, pois a propriedade rústica necessitará de emparcelamento a centro e a
norte, enquanto a sul a dimensão excessiva da propriedade continuará a ser um entrave ao desenvolvimento.
Não deixa de ser caricato que o atual Governo avance com este regime passados quatro anos, sem promover,
como deveria ser sua obrigação, o emparcelamento nos perímetros de rega, por exemplo.
Esta proposta não vem alterar a matriz de fundo, como disse, e mantém-se a natureza dos problemas:
alargam-se as isenções e os benefícios aos prédios contíguos, além dos prédios confinantes; dificulta-se a
usucapião para parcelas pequenas; clarifica-se o que se entende por «unidade de cultura»; alargam-se as
isenções às operações de crédito e os juros delas decorrentes destinam-se a emparcelamento e a aquisições
de prédios contíguos; prevê-se um incentivo para operações de emparcelamento; agravam-se as penas para
quem não cumprir a lei, designadamente para quem criar dificuldades ao emparcelamento.
Sr. Ministro, o artigo 51.º é, sem dúvida nenhuma, para favorecer o grande capital, aqueles que querem
adquirir terrenos, uns atrás dos outros, sem sequer estabelecer uma área máxima de prédios a adquirir. Veja-
se que, no caso de um prédio que valha 5000 €, o valor do imposto do selo é de 40 €.
Note-se ainda, Sr. Ministro, que as operações de emparcelamento, em si, que tantas vezes implicam custos,
não ficam isentas do IS, mas a concentração da propriedade sim. Consideramos que o artigo 55.º é uma coerção
que ameaça e pune quem se oponha aos poderosos que queiram avançar com o emparcelamento forçado numa
região.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para encerrar o debate, tem a palavra, de novo, o Sr. Ministro
Capoulas Santos.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.
Deputados: Em primeiro lugar, manifesto o meu regozijo, em nome do Governo, pelo acolhimento e pelo apoio
muito amplo que acabou de ser demonstrado relativamente ao diploma por parte das diferentes bancadas
parlamentares, diria mesmo, incluindo a do PCP, porque ouvi uma crítica geral, procurando criar uma questão
ideológica onde não existe ideologia nenhuma, mas não ouvi criticar nenhuma das medidas em concreto.
Trata-se apenas de evitar o fracionamento das propriedades para além da unidade mínima de cultura, que
já existe, e facilitar a anexação para que, com isso, possamos ter uma propriedade rústica mais rentável e
economicamente gerível. Portanto, é apenas isso, Sr. Deputado.
Respondendo à Sr.ª Deputada do PSD, que disse que estávamos a olhar só para a floresta, devo confessar
que a motivação para introduzir estas alterações decorreu, de facto, da floresta e da necessidade de olhar para
o excessivo fracionamento da propriedade florestal. Mas, obviamente, o diploma aplica-se a toda a propriedade
rústica, isto é, à propriedade agrícola, seja ele de sequeiro ou de regadio, e à propriedade florestal.
Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, relativamente às questões que colocou, gostava de dizer que é claro que
não pretendemos tirar nenhuns apoios aos proprietários com mais de 65 anos.
Relativamente aos pareceres das direções regionais, parece-nos que, entre os valores em presença, o da
simplificação pesou mais e não creio que venha daí prejuízo.
Relativamente à usucapião, dirá que estamos a querer ir mais longe, mas o que pretendemos mesmo é que
não se fracione a propriedade de qualquer forma. Portanto, se alguém a detiver na sua posse, de boa-fé, e
quiser legalizá-la abaixo da unidade mínima de cultura, não deve fazê-lo sem que antes proponha uma junção
para que haja respeito por essa unidade mínima que acabamos de definir.
Por último, as sugestões do Sr. Deputado Matias, do Bloco de Esquerda, parecem-me merecer apreciação,
apesar do pouco tempo até à votação final, estando o Governo inteiramente disponível para as analisar,
designadamente a relativa ao estabelecimento de um valor máximo para a atribuição de benefícios, de que o
Sr. Deputado João Dias também falou. Parece-me uma questão muito pertinente e, naturalmente, estamos
dispostos a avaliá-la,…
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Ministro, tem de terminar.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — … assim como as questões que o
CDS referiu, em sede parlamentar, com completa boa-fé. Se puderem introduzir melhorias no diploma, estamos
disponíveis para isso.
Queria apenas usar os últimos 30 segundos para me dirigir aos Srs. Deputados, sendo esta a última vez que
estarei aqui convosco, para desejar a todos as maiores felicidades futuras e agradecer a forma como
trabalhámos em conjunto, quer àqueles que nos criticaram e ajudaram a melhorar, quer àqueles que nos
apoiaram, que nos ajudaram e estimularam a fazer melhor.
Muito obrigado a todos e desejo as maiores felicidades.
Aplausos do PS, de Deputados do BE e do Deputado do PSD Duarte Marques.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, como já foram informados, deixaremos o
quinto ponto da ordem de trabalhos para o fim dos trabalhos. O Sr. Secretário de Estado Adjuntos e dos Assuntos
Parlamentares solicitou que assim acontecesse e eu anuí a esse pedido, tendo em conta que as razões são
ponderosas.
Assim sendo, passamos à discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 204/XIII/4.ª (ALRAA) —
Estabelece o regime jurídico da regularização dos «Chãos de Melhoras».
A Mesa regista a inscrição do Sr. Deputado Carlos Matias, do Bloco de Esquerda, para uma intervenção.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que nos é apresentada
pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores visa resolver um problema de regularização dos chamados
«Chãos de Melhoras», uma ancestral e singular forma de separação entre a propriedade do solo e a das
edificações aí implantadas.
Como explica o preâmbulo do diploma, os «Chãos de Melhoras» concentram-se quase todos em zonas
delimitadas, estimando-se em cerca de 600 as pessoas afetadas. Ao Bloco de Esquerda, parece ir no bom
sentido a solução proposta para a criação de um direito potestativo temporário de aquisição da propriedade do
solo ou das edificações nele existentes e o estabelecimento de um regime de regularização urbanística e de
ordenamento do território. O prazo de 10 anos para esta operação parece-nos aceitável.
A ser aprovada esta solução, e quando for aplicada, o proprietário da edificação, entendida no seu sentido
mais lato — com anexos, por exemplo —, passará a ser também o titular do solo em que ela se implanta ou,
pelo contrário, o proprietário do terreno adquirirá as edificações que aí foram sendo construídas e mantidas.
Como regista o preâmbulo do diploma, a separação da propriedade do solo e da habitação torna precária a
habitação e diminui o seu valor patrimonial. Do mesmo passo, os proprietários das habitações veem-se também
confrontados com dificuldades na sua conservação, pois as instituições de crédito não lhes constituem hipotecas
apenas sobre edificações sem a reunião com a propriedade do solo e, dessa forma, vai-se degradando o parque
habitacional, frequentemente usado por pessoas de limitados recursos financeiros.
O sublinhado preambular, assim como a criação de um regime de incentivos exclusivos para a aquisição da
propriedade do solo, não das edificações, parece assentar no pressuposto de que deverá ser atribuída prioridade
à aquisição do solo por parte de quem constituiu e/ou mantém as edificações. Ou seja, ainda que tal não seja
perfeitamente explícito, parece assentar no justo princípio de que deverá prevalecer o direito à habitação;
simplesmente, depois, este bom pressuposto não tem tradução no restante articulado, que coloca em igual plano
o direito ao solo e o direito à habitação.
Na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, o Bloco de Esquerda procurou superar esta fragilidade do
diploma propondo que o direito potestativo da aquisição fosse prioritariamente atribuído ao proprietário da
benfeitoria, desde que manifestasse expressamente essa pretensão. Visava-se a proteção da parte mais fraca,
impedindo que fiquem sem casa famílias humildes e de poucos recursos, a troco de uma pequena indemnização.
Esta alteração foi rejeitada nos Açores e, portanto, não foi incorporada nesta proposta de lei.
Esperamos que, entretanto, tenha surgido uma nova sensibilidade para o problema e que a proposta seja
acolhida aqui, em sede de discussão na especialidade.
Ainda assim, Sr.as e Srs. Deputados, cremos estarem criadas as condições para sair da Assembleia da
República um diploma que ajudará a resolver um problema que afeta a vida de centenas de açorianos e
açorianas.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Berta Cabral, do Grupo
Parlamentar do PSD, para uma intervenção.
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Sr. Presidente: A proposta de lei que hoje apreciamos, da iniciativa da
Assembleia Legislativa Regional dos Açores, tem por objeto estabelecer um regime jurídico de regularização
dos chamados «Chãos de Melhoras».
Com esta proposta de lei, pretende-se resolver um problema que remonta ao século XIX e que tem a ver
com a existência de habitações construídas em terrenos de outros proprietários, mediante o pagamento de uma
renda, normalmente pecuniária e também normalmente paga ao ano.
Esta separação entre a propriedade do solo e a propriedade da habitação configura, efetivamente, um regime
singular existente nos Açores, em particular em algumas localidades da ilha de São Miguel, que, com o decorrer
do tempo, originou situações financeiras e também sociais complexas.
As situações financeiras complexas estão relacionadas com limitações na transmissão da propriedade, na
conservação e na ampliação das habitações existentes, associadas também, na maioria dos casos, à dificuldade
de obtenção de crédito e à constituição de hipotecas.
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As situações sociais complexas estão relacionadas com a degradação do parque habitacional, com a
desertificação das freguesias onde existe este tipo de problemas e com o aumento injustificado do preço das
casas e dos terrenos nessas localidades.
Sem áreas urbanas para novas construções e sem possibilidade de ampliação e conservação do edificado
existente, os casais jovens abandonam as suas freguesias de origem, propiciando um círculo vicioso de
desertificação e de envelhecimento populacional difícil de reverter.
Este é um problema que tem atravessado várias gerações e algumas soluções têm vindo a ser ensaiadas
para o resolver, envolvendo os proprietários e as autarquias locais e recorrendo a figuras urbanísticas,
designadamente desafetação e destaque, previstas na lei e também nos regulamentos municipais.
Contudo, estas abordagens, pela sua complexidade burocrática, têm permitido resolver apenas algumas
dezenas de situações.
Importa, por isso, encontrar uma solução mais abrangente, uma solução que resolva o problema das
centenas de casos que ainda persistem, como parece ser, julgo, o objetivo deste diploma e desta iniciativa
apresentada pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PSD acompanha a proposta em causa, sem prejuízo, contudo, de
se introduzirem algumas alterações em sede de especialidade. Refiro-me, em concreto, a situações que têm a
ver com habitações de emigrantes, que não estão previstas, porque isso apenas tem a ver com as habitações
permanentes.
Portanto, deixo já este alerta e a disponibilidade para, em sede de comissão, podermos melhorar este
diploma.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Vamos prosseguir com a intervenção do Grupo Parlamentar
do Partido Socialista.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Castro.
O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tendo por base a anteproposta
de lei do Governo Regional à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, debatemos hoje uma
proposta do regime jurídico da regularização dos «Chãos de Melhoras».
Esta realidade, visível na ilha de São Miguel, especialmente nas Sete Cidades e em Santo António, decorre
da cedência de uso de solo, mediante contrapartida financeira, que é alvo de beneficiação e/ou edificação,
ficando na propriedade dos fruidores do solo.
Designado por «Chão de Melhoras», trata-se de um mecanismo singular, registado desde o século XIX, de
separação da propriedade, não enquadrável na forma de contrato obrigacional, bem como nos direitos reais
legalmente tipificados.
As situações daqui decorrentes constituem um problema social complexo, limitando a transmissão e
diminuindo o valor patrimonial.
Enquanto os bens passaram de geração em geração, ficando na posse das famílias, não se colocaram
grandes dificuldades.
Face à possibilidade de o terreno e de o edificado pertencerem ao mesmo proprietário, conjugado com
interesses empresariais, geram-se diferentes questões, nomeadamente relacionadas com as avaliações.
Por outro lado, os proprietários das melhoras vêm-se confrontados com dificuldades de conservação e de
registo, bem como no seu relacionamento com instituições bancárias, contribuindo para a sua degradação.
Estima-se que possam estar nesta situação mais de 600 pessoas, numa área assinalável, que na atual
situação encontram dificuldades e se veem impossibilitadas de proceder à regularização dos seus bens, a que
estão legalmente sujeitas.
Destacam-se três áreas de atuação: assegurar as bases para um equilíbrio na relação entre o proprietário
do terreno, ou chão, e o proprietário das benfeitorias, ou melhoras; enquadrar a possibilidade de cooperação
financeira entre o Governo Regional e as camara municipais no âmbito do exercício das competências de
planeamento e ordenamento do território; regular o acesso a um regime de incentivos sociais que facilitem a
agregação da propriedade, bem como o registo respetivo.
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É neste contexto que a Região Autónoma dos Açores suscita à Assembleia da República a criação de um
direito de aquisição da propriedade do solo ou das beneficiações nele existentes, bem como o estabelecimento
de um regime de regularização urbanística e de ordenamento do território.
O Grupo Parlamentar do PS acompanhará esta iniciativa, um problema com centenas de anos, que agora vê
solução conciliando as melhoras ao chão.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra, em nome do CDS-PP,
o Sr. Deputado João Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como já foi dito, esta
proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores diz respeito a um tipo de situação
que não é enquadrável no Direito existente, não se configura a relação contratual como uma relação do direito
das obrigações, mas também os direitos reais e as figuras existentes nos direitos reais, as figuras típicas dos
direitos reais não enquadram e não conseguem abranger este tipo de situações.
Basicamente, existem, ao mesmo tempo, dois tipos de propriedade sobre uma unidade, a edificação e o solo,
em que o solo pertence a uma pessoa e a edificação pertence a outra.
Essa realidade tem dificultado a transmissão quer entre vivos, quer mortis causa e tem também levado a
uma depreciação das avaliações deste tipo de edificações, para além de constituir também um problema porque
quem queira fazer melhorias nessas habitações e recorrer a um empréstimo bancário fazendo hipoteca do bem
não consegue fazê-lo.
Assim sendo, o regime extraordinário que aqui se pretende criar tem um prazo para que esta situação seja
regularizada por uma ou outra via, ou seja, ou quem é proprietário do solo adquire a edificação ou quem é
proprietário da edificação adquire o solo.
São bem expressos, nesta proposta de lei, os termos em que esta possibilidade existe, bem como — matéria
importante, também — as questões urbanísticas de regularização deste tipo de situações.
Parece-nos que, ainda assim, poderá, em sede de especialidade, levantar-se a questão dos casos em que
não estejamos perante situações de habitação própria permanente, que existem e que, obviamente, não têm
resposta por esta proposta de lei. Uma vez que se abre um processo para resolver estas situações, o desejável
é que se conclua o processo legislativo resolvendo todas e não apenas algumas. Será nisso que o Grupo
Parlamentar do CDS se empenhará na especialidade, votando favoravelmente esta iniciativa, na generalidade.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António
Filipe, do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já muito foi dito sobre esta matéria; ainda
assim, gostaria de fazer umas observações.
O chamado «Chão de Melhoras» está já caracterizado nas várias intervenções, já todos sabemos do que se
trata. Lemos atentamente os debates realizados sobre esta matéria na Assembleia Legislativa da Região
Autónoma dos Açores, verificámos o amplo consenso existente relativamente à necessidade de resolver este
problema e também alguns aspetos que suscitaram alguma discussão na Assembleia Legislativa da Região.
Efetivamente, nas últimas décadas temos vindo a abolir, por via legislativa, direitos reais arcaicos. Isso
aconteceu com a extinção da enfiteuse há umas décadas, aconteceu com a extinção do regime de colonia na
Região Autónoma da Madeira, mas afinal subsiste o «chão de melhoras», cujas situações importa também
resolver e regularizar.
Vamos demorar ainda alguns anos até que isso seja feito, porque, segundo esta proposta de lei, é necessário,
primeiro, que os municípios procedam à aprovação dos respetivos planos de pormenor para que a situação da
propriedade fique devidamente regularizada, para o que, segundo a proposta de lei, haverá um prazo de dois
anos — no debate da Assembleia Legislativa da Região, foi posto em causa se será possível em dois anos que
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todos os municípios procedam à aprovação dos planos de pormenor e foi admitido que sim, vamos admitir que
sim — e, depois, é criado um direito potestativo que pode ser exercido ao longo de 10 anos.
Portanto, ainda vamos ter algum tempo até que se proceda à abolição total desta figura jurídica atípica. Em
todo o caso, há um grande consenso quanto à necessidade de o fazer.
Relativamente a problemas, o Sr. Deputado Carlos Matias acabou de colocar aqui um que é real, que é o
facto de haver uma situação de desigualdade económica entre o proprietário do terreno e o proprietário da
habitação, a pessoa que construiu a habitação, em desfavor da pessoa que habita aquele solo e que tem aí a
sua construção, e que isso se possa traduzir na negação do direito de habitação dessas pessoas. Esse é um
problema real. Creio que, na especialidade, devemos atentar nesta situação para encontrar uma solução justa.
Para além disso, há um artigo da proposta de lei que não nos agrada particularmente, que é a possibilidade
de recurso ao tribunal arbitral. Prevê-se que este direito potestativo seja usado judicialmente, ou seja, seja usado
no caso de ser necessária uma decisão judicial que, de certa forma, proceda à homologação do exercício do
direito potestativo, mas depois, quando se prevê a possibilidade de recorrer a um tribunal arbitral, sabemos que,
havendo uma situação de desigualdade económica entre as partes, o tribunal arbitral funciona normalmente
como um campo inclinado a favor da parte mais forte.
Portanto, quer parecer-nos que, havendo a possibilidade de recurso aos tribunais estaduais, é por aí que
devemos ir, evitando situações que se possam traduzir em desigualdade.
Em todo o caso, há um consenso muito amplo relativamente à necessidade de resolver este problema por
via legislativa e pela nossa parte há todo o empenhamento para que isso seja feito.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Com esta intervenção, pomos fim ao debate do ponto seis dos
nossos trabalhos.
Passamos ao ponto sete, que consta da apreciação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 162/XIII/4.ª
(ALRAM) — Altera o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e repõe a eletricidade na lista 1 —
Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida do CIVA.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ernesto Ferraz, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Ernesto Ferraz (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O enquadramento. Corria o
ano de 2011 e o País e os portugueses foram cercados pela troica, que vinha com uma missão bem clara: cortar
a eito nas gorduras de quem vivera acima das suas possibilidades, diziam.
Na RAM (Região Autónoma da Madeira), a esta realidade sobrepôs-se uma outra: também em 2011, o PSD
de Alberto João Jardim e a coligação Passos/Portas impôs um PAEF, Plano de Ajustamento Económico e
Financeiro, em resultado de uma dívida oculta e aterradora para o futuro comum.
Na Região Autónoma da Madeira, a austeridade chegou em dose dupla. O aumento de impostos seria
temporário, diziam, o PAEF vigoraria até 2014, ano em que foi expandido por mais um ano, até 2015. Estamos
em 2019 e quatro anos depois o que seria temporário virou definitivo e o IVA da eletricidade, por exemplo,
mantém-se, também na Região Autónoma da Madeira, na sua taxa máxima.
Esta proposta de lei, proveniente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, visa repor a
taxa reduzida do IVA sobre a eletricidade, passada quase uma década sobre esse aumento exponencial.
Em final de Legislatura é hora de aprofundar este debate e preparar o futuro próximo para que, a breve
trecho, se reponha esta taxa reduzida de IVA na eletricidade, sendo esta um bem de primeira necessidade e a
que toda a população e empresas diz respeito.
Comecemos, por exemplo, por repor esta redução nas regiões autónomas, territórios insulares,
ultraperiféricos e carregados de constrangimentos quotidianos a quem ali vive e trabalha.
Da parte do Bloco de Esquerda, votaremos como o fizemos na Assembleia Regional e esperemos que da
parte do PS também o façam.
Pela coerência política, pela discriminação positiva territorial das regiões insulares, por maior coesão social,
corte-se nas rendas excessivas porque, se assim for, existirá margem de manobra para que se acabe com estes
abusos de impostos sobre a eletricidade, que perduram no tempo para além do aceitável.
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Se se repercutir a votação registada na ALRAM, esta proposta de lei tem caminho para singrar e fazer
diminuir a carga de impostos que os portugueses pagam todos os meses, substituindo-se a quem explora a
energia neste País e lucra muito, mesmo muito, com isso, à custa dos sacrifícios permanentes da maioria da
população.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, agora, o Sr. Deputado Cristóvão Crespo, do
Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que estamos a
discutir é originária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira e pretende repor a eletricidade na lista 1 do
Código do IVA. Significa isto que toda a faturação da eletricidade seja taxada a 6% no continente, a 5% na
Madeira e a 4% nos Açores.
Esta medida pretende reverter uma medida do memorando da troica, assinado em maio de 2011 pelo PS,
representado pelo Primeiro-Ministro José Sócrates e pelo Ministro das Finanças Teixeira dos Santos,…
O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — … que visava aumentar as receitas de IVA para obter uma receita
adicional de, pelo menos, 420 milhões de euros.
Protestos do PS.
Repito, 420 milhões de euros, Srs. Deputados.
E isso era obtido através da transferência de bens e serviços das taxas de IVA reduzida e intermédia para
taxas mais elevadas.
O Sr. Jorge Costa (BE): — E o PSD opôs-se vivamente!
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — A forma como se trata esta matéria, o IVA da eletricidade, é o espelho da
atuação da maioria parlamentar desta Legislatura.
Esta maioria — PS, Bloco de Esquerda e PCP — tem tratado as matérias relevantes para a generalidade
dos portugueses, sejam residentes na Madeira, nos Açores ou no continente, de forma avulsa e sempre a
carregar na carga fiscal.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Exatamente!
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Então, vai votar a favor?!
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Esta matéria não pode ser vista de forma isolada, mas num quadro mais
global de redução da carga fiscal.
Esta maioria de esquerda tem vindo sempre a carregar neste reforço da carga fiscal, mas esta matéria não
pode ser equacionada sozinha, não faz sentido que assim seja, tem se ser ponderada com outras medidas de
carga fiscal e enquadrada no contexto da despesa do Estado.
Também não deixa de ser curioso ver qual vai ser o posicionamento do PS. Como é que o PS, que votou a
favor na Madeira, votará aqui?
O Sr. Adão Silva (PSD): — Bom desafio!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Nós vamos votar da mesma maneira!
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O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Aquilo que temos de concluir, Sr. Presidente, é que toda a estratégia
desta maioria, seja para a energia ou para que matéria for, é, toda ela, «colada com cuspo», utilizando a
linguagem popular. Não olha para o interesse nacional de forma integrada, aumentando sempre no final a carga
fiscal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Mas neste caso é para diminuir! Então, vai votar a favor?!
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do
Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Hortense Martins.
A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos, neste momento, em debate
uma proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que foi apresentada em outubro
de 2018 na sua sessão plenária e que altera o Código do IVA e repõe a eletricidade na lista I.
Sabemos bem que a alteração da taxa do IVA da eletricidade de 6% para 23% no continente ocorreu em 16
de setembro de 2011 na decorrência do programa de resgate financeiro, numa altura de crise, que muito
penalizou as populações tanto do continente, como das regiões autónomas.
Nesta proposta de lei, refere-se a preocupação com os mais carenciados que auferem menores rendimentos,
o que nós, Partido Socialista, acompanhamos e para quem dirigimos, tanto no Governo como no Parlamento,
muito do nosso trabalho.
Manifestámos sempre preocupação com os carenciados e lutámos para que a tarifa social de energia fosse
realmente efetiva e que beneficiasse quem dela necessitava, o que não acontecia no passado, Sr.as e Srs.
Deputados. Hoje, a referida tarifa abrange 821 000 agregados familiares economicamente vulneráveis.
Recordemos, Sr.as e Srs. Deputados, que este diploma foi feito pelo Partido Socialista e que, no tempo do
anterior Governo, apenas abrangia 80 000 agregados no final dessa legislatura. Hoje, são 821 000 agregados!
Tivemos, ainda, recentemente a publicação de um decreto-lei de alteração do Código do IVA, que entrou em
vigor a 1 de julho, que, aliás, teve uma autorização legislativa no Orçamento de 2019, determinando a aplicação
da taxa reduzida do IVA à componente fixa de determinados fornecimentos de eletricidade e gás natural. E cito:
«passa a ser tributada pela taxa reduzida de 6% no continente e de 4% e 5%, respetivamente, nas Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira, para os consumidores que, em relação à eletricidade, tenham uma
potência contratada que não ultrapasse 3,45 KWA e que, no gás natural, tenham consumos em baixa pressão
que não ultrapassem os 10 000 m3 anuais». Isto visando proteger os consumidores vulneráveis.
Sr.as e Srs. Deputados, temos ainda outras medidas que visam diminuir o custo efetivo da eletricidade e do
gás e que foram tomadas nesta Legislatura, como a redução de 3,5% nas tarifas transitórias suportadas, que
afeta cerca de 1,13 milhões de famílias, como a descida média de 14,3% nas tarifas de acesso à rede de que
todos os consumidores beneficiarão, independentemente do seu agregado. Já falei no desconto para a tarifa
social e há ainda muitas outras medidas que, penso, temos de continuar a apresentar.
Sr.as e Srs. Deputados, em conclusão, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista reconhece que este é um
assunto importante que terá de ser equacionado numa próxima oportunidade, depois de uma aprofundada
avaliação, tendo em conta as condições financeiras do País, pelo que considera prematura a iniciativa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João
Pinho de Almeida, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Confesso que, quando
vi o agendamento desta proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, a primeira
reação que tive foi achar que ela era extemporânea. Isto porque, na sequência do debate orçamental para este
ano, ouvimos inúmeras vezes, diria, ad nauseum, partidos da esquerda parlamentar vangloriarem-se de terem
baixado o IVA da eletricidade.
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Portanto, de duas, uma, ou esta proposta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não
tem sentido, porque a esquerda parlamentar já baixou o IVA da eletricidade, ou a esquerda parlamentar anda
há seis meses a mentir ao País…
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Há quatro anos!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … porque diz que baixou o IVA da eletricidade, mas, afinal, é
preciso uma nova proposta de lei para fazer o que os senhores disseram que já tinham feito.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Portanto, não deixa de ser um debate interessante principalmente no que toca à postura do Partido Socialista.
O Partido Socialista deixou que o Bloco de Esquerda e o PCP dissessem que tinham baixado o IVA da
eletricidade, quando sabia perfeitamente que isso não era verdade. E agora aparece a dizer que aquilo que
supostamente foi feito no Orçamento, afinal, é prematuro.
Sr.ª Deputada Hortense Martins, há de explicar-me como é que alguma coisa que aconteceu supostamente
em novembro do ano passado passa a ser prematura em julho do ano seguinte! Há de conseguir explicar essa
sucessão no tempo de uma coisa que foi votada e que, seis meses depois, passa a ser prematura.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Pior é fingir que não percebem!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Portanto, o Partido Socialista, amanhã, na votação, terá
oportunidade de explicar aos madeirenses e aos porto-santenses, mas também a todos os cidadãos do País,
aquilo que efetivamente é a essência de um partido que deixou que se dissesse que o IVA da eletricidade tinha
baixado no final do ano passado, que votou na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira a favor
da redução do IVA da eletricidade.
O Sr. João Oliveira (PCP): — É na potência máxima ou na potência mínima?!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vamos ver amanhã como é que acabará a Legislatura e que
palavra dará aos madeirenses, aos porto-santenses e aos restantes portugueses sobre a efetiva baixa do IVA
da eletricidade.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — E o CDS, o que dirá?!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não deixa de ser uma curiosidade sobre o que foi a postura de
hipocrisia do Partido Socialista nesta Legislatura.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Vamos ver o que os senhores dirão!?
Protestos da Deputada do PS Hortense Martins.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para a última intervenção relativa a este ponto da ordem de
trabalhos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá, do PCP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Agora é que se vai ouvir a verdade!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados. Ao longo dos anos, o PCP tem defendido a
necessidade de reduzir o custo final da eletricidade e do gás, em Portugal. Esta foi uma reivindicação que
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assumiu maior relevo no seguimento dos processos de privatização, segmentação e liberalização do setor
energético concretizados por sucessivos Governos do PS, PSD e CDS.
Em 2011, no âmbito do programa da troica, o Governo PSD/CDS impôs um agravamento da taxa do IVA da
eletricidade e do gás natural, de 6% para 23%…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — … dando mais uma machadada no objetivo de redução do custo da energia.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Uma vergonha!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Esta foi uma medida extremamente penalizadora, quer para as famílias,
principalmente as de mais baixos rendimentos, quer para a economia nacional.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Já baixaram?!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Os dramáticos problemas sociais que o aumento da taxa do IVA na energia
provocou e as consequências negativas desses mesmos aumentos na estrutura de custos e na competitividade
de milhares de micro, pequenas e médias empresas em Portugal exigiam a reversão desta medida.
Mas todas as propostas do PCP nesse sentido — e foram muitas — foram rejeitadas pelo PSD e pelo CDS,
mas também pelo PS. E, no último Orçamento do Estado para 2019, apresentámos uma proposta para redução
da taxa do IVA para 6% que a Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças não deixou votar.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nova fase da vida política nacional, iniciada após
as eleições legislativas de 2015, permitiu a reversão de muitas medidas gravosas do anterior Governo PSD/CDS
e a conquista de novos direitos.
Mas, por resistência do PS e do seu Governo, não foi ainda possível reverter totalmente a medida de
agravamento da taxa de IVA da eletricidade. No Orçamento do Estado para 2019, com o contributo decisivo do
PCP, foi assegurada uma redução dos custos da energia elétrica e do gás natural, através da afetação de verbas
resultantes da contribuição extraordinária sobre o setor energético, em conjugação com a redução do IVA para
os contadores de luz e gás com potência mínima.
Esta é uma medida que, naturalmente, o PCP valoriza, porque contribui para a redução dos custos com a
energia elétrica e gás natural, mas fica aquém, muito aquém daquilo que o PCP vem defendendo, que é a
reposição da taxa de IVA nos 6%.
Assim, o PCP acompanhará a proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira,
de redução do IVA da eletricidade.
Sabemos que esta medida tem um impacto orçamental relevante, mas entendemos que a prioridade deve
ser a resolução dos problemas das pessoas e do País e não, como têm sido a opção do PS e do seu Governo,
secundados pelo PSD e pelo CDS, a redução acelerada do défice orçamental, o qual, de acordo com os mais
recentes dados, já não é défice, mas sim excedente.
A grande questão no momento atual é a de avançar e não a de andar para trás — …
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Muito bem!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — … avançar na reposição e conquista de direitos; avançar na resposta aos
problemas dos trabalhadores e do povo; reduzir o IVA da eletricidade para 6%.
Reverter integralmente a gravosa medida do anterior Governo PSD/CDS é uma medida justa, necessária e
possível. A sua concretização contribuirá para a melhoria das condições de vida das populações, assim como
se traduzirá num fator de crescimento da economia e do emprego.
Por isso, amanhã, o PCP votará favoravelmente a redução do IVA da eletricidade.
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Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Crespo, para utilizar
o tempo que lhe resta… para falar, entenda-se!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Toda a gente percebeu que não era a extrema-unção!
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É interessante a intervenção do
Partido Socialista ao vir, neste momento, com a argumentação dos recursos, quando disseram que tinha
acabado a austeridade, que a tínhamos ultrapassado e virado a página…
O Sr. Adão Silva (PSD): — Tem dias!
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Penso que aqui, claramente, cai a máscara ao Partido Socialista.
Já agora, relativamente ao PCP e ao Bloco de Esquerda, ao fim de quatro anos é que os Srs. Deputados se
sentem desconfortáveis com esta maioria? Srs. Deputados, já passaram quatro anos, quatro Orçamento do
Estado!
Protestos do Deputado do PCP Jorge Machado.
Não tiveram oportunidade, no seio da vossa maioria, de dirimir estas situações?
Conforme eu disse antes, a vossa governação teve medidas avulsas e «coladas a cuspo».
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Hortense Martins (PS): — É o bla, bla, bla do costume!
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária da Mesa Emília Santos vai
dar conta das iniciativas legislativas que deram entrada na Mesa.
Faça favor.
A Sr.ª Secretária (Emília Santos): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, informo que deram entrada na Mesa,
e foram admitidos pelo Sr. Presidente, os Projetos de Resolução n.os 2253/XIII/4.ª (CDS-PP) — Recomenda ao
Governo que proceda à urgente remoção de todo o amianto existente nas instalações da Escola Secundária
Ginestal Machado, em Santarém, 2254/XIII/4.ª (BE) — Recomenda ao Governo a salvaguarda equitativa dos
direitos de todos os pescadores afetados pelo Projeto Windfloat Atlantic, que baixa à 6.ª Comissão, e
2255/XIII/4.ª (BE) — Protege a importância histórica e social das repúblicas de estudantes da cidade de Coimbra,
que baixa à 5.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Muito obrigado, Sr.ª Secretária.
Srs. Deputados, vamos regressar ao ponto 5 da ordem de trabalhos que consta da discussão da Proposta
de Lei n.º 196/XIII/4.ª (GOV) — Autoriza o Governo a criar um sistema de recolha, registo e análise de dados
sobre a ciência e tecnologia.
Para apresentar a iniciativa legislativa, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
O Sr. Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (João Sobrinho Teixeira): — Sr.
Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passo a fazer uma breve apresentação da nossa proposta de lei e, depois,
no período subsequente, estarei disponível para dar os esclarecimentos necessários
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De acordo com as regras europeias, em particular o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, o
Governo propõe com este diploma a criação de um sistema de acompanhamento e monitorização estatística de
dados sobre ciência e tecnologia. Estes dados serão recolhidos tanto na perspetiva de recursos humanos como
de instituições de atividade e produção científica, projetos, programas e financiamento. Para tal, impõe-se
também criar o observatório das competências digitais, o observatório do emprego científico e docente e um
inquérito ao emprego no ensino superior público.
Esta proposta é também a concretização da Resolução da Assembleia da República n.º 286/2018, que
recomenda ao Governo a correta e efetiva aplicação do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, sobre o regime
de contratação de doutorados.
A criação deste sistema de registo e a análise de dados em ciência e tecnologia, por ser necessário
estabelecer deveres de recolha, comunicação e outra forma de tratamento de dados pessoais, que não estão
atualmente legalmente previstos, constitui matéria relativa a direitos, liberdades e garantia.
Nesse sentido, a presente proposta de lei vem autorizar o Governo a proceder à recolha e tratamento de
determinados dados pessoais definidos no articulado.
Portanto, prever a realização do observatório do emprego científico nos presentes termos tem a vantagem
de manter um sistema de monitorização regular do emprego científico em todas as instituições de I&D
(investigação e desenvolvimento) em Portugal, incluindo o nível de emprego precário ou de bolseiros, avençados
e contratos a tempo parcial em cada instituição; de monitorizar, de forma transparente, o nível de cumprimento
dos diversos diplomas legislativos sobre emprego científico conforme a recomendação da Assembleia da
República; de melhorar as estatísticas nacionais de I&D, através de um sistema de reporte de recursos humanos
que permite melhor validação de dados e identificação de duplicados.
Nesta situação, a Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC) e a Direção-Geral do
Ensino Superior (DGES) são as entidades responsáveis pelo tratamento de dados pessoais, sendo ainda os
mesmos divulgados ao Instituto Nacional de Estatística (INE) para fim de estatísticas oficiais.
É nesse sentido que o Governo solicita à Assembleia da República a aprovação desta proposta de lei, que,
ao fim e ao cabo, visa fazer aquilo que já hoje acontece para os docentes, ou seja, ser estendido também aos
investigadores com toda a vantagem que advém, sobretudo para os próprios e para todo o sistema de ensino
superior e científico em Portugal, de que essa informação possa ser pública e disponibilizada.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Inscreveu-se a Sr.ª Deputada Ana Mesquita para formular um
pedido de esclarecimento, mas o Sr. Secretário de Estado dispõe apenas de 1 segundo para responder.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Secretário de Estado, na
autorização legislativa e no projeto de decreto-lei, que se centra nos procedimentos de recolha de dados,
inclusivamente de dados pessoais, focam-se aspetos relativos à criação e manutenção do sistema de recolha,
registo e análise, mas parece-me que, apesar da apresentação que aqui foi feita, restam algumas dúvidas a que
gostaríamos que nos respondesse.
Gostaríamos de entender, porque não vem detalhado, o seguinte: quais os fins e o âmbito específico da
proposta que é aqui trazida; qual será a utilização concreta destes dados recolhidos; como será realizado o
acesso aos dados, isto é, quem vai ter acesso, a quê, para quê e até que nível de detalhe; que mecanismos
concretos vão ser adotados para garantir o sigilo integral de todos os dados pessoais recolhidos. E, sendo este
um sistema que abrange o público e o privado, significa isto que privado e público vão ter acesso aos dados de
todos e serão todos os dados, serão dados parciais, serão dados detalhados, serão apenas e só dados
estatísticos? Onde é que, concretamente, isto vai ficar definido até este nível de detalhe?
Gostaria ainda de dizer que parece-nos que não se pormenoriza a utilização concreta desta informação, de
todos estes dados recolhidos, pelo que gostaríamos que pudesse ser dado esse esclarecimento.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Como o Governo só dispõe de 1 segundo nesta fase mas,
depois, disporá ainda de mais 2 minutos na fase de encerramento, sugeria que o Sr. Secretário de Estado
respondesse à Sr.ª Deputada Ana Mesquita no final.
Pode ser, Sr. Secretário de Estado?
O Sr. Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: — Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Dou, então, agora, a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª
Deputada Ilda Araújo Novo.
A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:
Pretende o Governo que lhe seja concedida autorização legislativa para criar um sistema de recolha, registo e
análise de dados sobre ciência e tecnologia relativos a recursos humanos, instituições, atividade e produção
científica, projetos, programas e financiamento.
No procedimento justificativo que precedeu a apresentação da proposta de lei, verifica-se que o Governo não
invocou a existência de estudos, pareceres e outros documentos em que, eventualmente, se tivesse
fundamentado, sendo igualmente omisso no que se refere aos encargos e à implicação orçamental que,
necessária e diretamente, decorrerão da aprovação e implementação do decreto-lei.
Dando de barato a manifesta ligeireza com que pretende legislar, são ignoradas também regras fundamentais
que podem inquinar o diploma.
Na verdade, e por exemplo, no texto que nos chegou, concretamente no Capítulo IV, referente ao «inquérito
ao emprego no ensino superior público», a informação respeitante aos recursos humanos que se integrarem na
previsão do artigo 15.º, a prestar pelas instituições do ensino superior, sob pena de serem penalizadas pelo
incumprimento, e a recolher através do inquérito ao emprego no ensino superior público, inclui dados individuais
cujo acesso deve ser restringido e protegido.
Aliás, um parecer emitido pela Comissão Nacional de Proteção de Dados levantou, em tempo oportuno,
questões relacionadas com a inconstitucionalidade orgânica e formal de um outro projeto, as quais, neste caso,
ao que se nos afigura, também não foram plenamente atendidas e acauteladas.
Temos também várias outras reservas em relação a este diploma no âmbito da utilização prática das bases,
designadamente no tocante à fidedignidade da informação que dela constar e à legalidade da disseminação
generalizada do acesso à mesma.
Seja como for, justifica-se a existência de uma base de dados com informação pública e permanente que
inclua todas as pessoas envolvidas em investigação científica, mas não se pode deixar de garantir pleno respeito
por direitos fundamentais, designadamente pelo direito à proteção dos dados pessoais e, já agora, não se pode
deixar de explicar os consequentes custos e justificar o cabimento orçamental.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do
Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a Sr.ª Deputada Elza Pais.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Com a presente
proposta de lei, o Governo pretende criar um sistema de recolha, registo e análise de dados sobre ciência e
tecnologia, um observatório de emprego científico e docente de modo a abranger, para além dos docentes,
também os investigadores e garantir a evolução adequada de instrumentos estatísticos de emprego científico e
qualificado de relevância nacional e internacional.
As vantagens desse observatório, Sr. Secretário de Estado, são por demais reconhecidas: manter um
sistema de monitorização regular do emprego científico em todas as instituições de I&D em Portugal; monitorizar
o nível de cumprimento dos diversos diplomas legislativos sobre o emprego científico e a sua fiscalização,
conforme, aliás, foi recomendado por uma resolução desta Assembleia da República; identificar e distinguir o
emprego parcial resultante de acumulações de contratos de emprego parcial precário de investigadores sem
qualquer vínculo de carreira e ver ainda se o vínculo contratual foi obtido através do PREVPAP (Programa de
Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública); e, ainda, melhorar as estatísticas
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nacionais em I&D através de um sistema de reporte de recursos humanos que permite melhorar a validação dos
dados e a identificação de duplicados.
O presente diploma aprofunda, assim, o carácter de publicidade e de recolha de dados de leis anteriores no
âmbito do inquérito anual aos docentes do ensino superior.
Importa, ainda, salientar o caráter inovador deste instrumento, que abrange investigadores e não apenas
docentes e que associa informação de âmbito financeiro.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, só com esta solução – observatório de emprego científico e docente
– é possível proceder à monitorização dos contratos que aí vêm em 2021 e 2024.
A proposta que, hoje, aqui, discutimos foi expurgada da Lei da Ciência, como sabem, dada a abrangência da
solução em causa carecer da autorização da Assembleia da República para se acautelarem riscos associados
à divulgação de dados pessoais de utilizadores de serviços.
Os pareceres solicitados à Comissão Nacional de Proteção de Dados e ao Conselho Nacional de Estatística
permitem acautelar esses riscos para termos uma solução eficaz de monitorização e mais um importante
instrumento no sistema científico e tecnológico nacional.
Finalizo, saudando o Governo pelo modo como tem definido a política de ciência. O rigor e a transparência
presentes na criação deste observatório, com as cautelas de que já falei, com as consultas ao INE e à Comissão
Nacional de Proteção de Dados, é bem o sinal de uma governação ganha que colocou o conhecimento ao
serviço das pessoas e do desenvolvimento do País.
Ciência aberta e informação em banda larga para a democratização e disseminação do conhecimento é uma
marca socialista de que muito nos orgulhamos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado
Luís Monteiro.
O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta Legislatura provou que existe,
realmente, uma importância de se fazer um raio X à qualidade do emprego no ensino superior e na ciência.
Talvez tenha provado pelas piores razões: os números de contratos precários, de docentes convidados, de
investigadores que, ao invés de estarem ao abrigo do Estatuto do Bolseiro, deviam, sim, estar ao abrigo da sua
respetiva carreira, provaram, ao longo destes quatro anos, que o próprio debate político que se fez dentro desta
Casa, mas também fora, em todos os laboratórios, centros de investigação, universidades, institutos
politécnicos, provou que necessitamos de dados mais atualizados, de dados mais concretos, porque eles são
também um instrumento precioso para que os grupos parlamentares, a sociedade civil e, acima de tudo, os
investigadores tenham também esse instrumento que os proteja dessa sua condição, muitas vezes precária.
Aliás, os dados, por vezes vagos, chegam de entidades ou estudos internacionais e acabamos por utilizá-los
no nosso debate do dia a dia, na própria Comissão de Educação e Ciência ou aqui, em Plenário. Portanto, mais
uma vez, é importante relacionar e comparar os estudos que existem também feitos em Portugal e que, agora,
este observatório pode vir a promover justamente por isso.
Mas não podemos deixar de refletir sobre uma matéria que não diria central, mas que me parece, ao mesmo
tempo, uma lembrança e um esquecimento por parte do Governo. Diz o Governo, na exposição de motivos, que
o observatório do emprego científico e docente serve também para dar resposta à resolução da Assembleia da
República n.º 276/2018, que recomenda ao Governo a correta e efetiva aplicação do decreto-lei.
Em primeiro lugar, é bom que o Governo, a praticamente três semanas do fim da sessão legislativa, se tenha
lembrado que existe uma resolução para que o próprio Governo cumpra o que devia cumprir.
É também importante avisar o Governo que não é com a criação do observatório que se vai resolver a
situação. Isso carece, acima de tudo, de uma posição diferente por parte do Ministério, por parte do Sr.
Secretário de Estado e, principalmente, por parte do Ministro.
Mas, ao mesmo tempo que fala, justamente, da correta e efetiva aplicação do Decreto-Lei n.º 57/2006, não
se compreende por que razão, no artigo 9.º, nomeadamente no ponto 2, quando se diz «incluir todos os
doutorados», se está, na verdade, a excluir todos os bolseiros de gestão de ciência e tecnologia que não têm
doutoramento. Portanto, esses bolseiros, que são precários, que estão ao abrigo do estatuto de bolseiro de
investigação científica, e não ao abrigo de uma carreira, não entram para este observatório? Não interessa ao
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Governo mostrar esses números? Talvez fosse importante refletir em relação ao ponto 2 do artigo 9.º, porque
se realmente queremos uma abrangência total na análise dos dados não podemos deixar ninguém para trás.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem, agora, a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado
Duarte Marques, do PSD.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado: Não
podia deixar de mencionar nesta intervenção, tendo em conta que as nossas caixas do correio e os nossos
telemóveis foram inundados por esta notícia, o acidente de um meio de combate aos fogos no distrito pelo qual
fui eleito. Toda a gente espera que não exista gravidade neste acidente, tendo acabado de ser informado que o
ferido é ligeiro, que toda a gente está bem e que não há vidas a lamentar. Isso é bom para todos, e espero
também que este momento sirva de homenagem aos homens e mulheres que dão a vida por nós nesse combate.
Sr. Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, ao preparar esta intervenção, dei por
mim a pensar que, provavelmente, neste debate sobre ciência, o Grupo Parlamentar do PSD iria estar de acordo
e satisfeito com uma iniciativa da ciência, com uma iniciativa deste Governo, trazida pela mão deste Ministro.
Estivemos quase lá! Aliás, se esta iniciativa tivesse tido lugar há mais tempo, não teríamos passado sequer pela
dúvida ou pelas tentativas do Ministro da tutela de enganar o Parlamento com dados que não são verdadeiros
ou que não correspondem exatamente à verdade. Há algo que tem de ser dito: este instrumento pode trazer
maior transparência à política de ciência em Portugal, algo que não tem existido, não só nesta pasta, como é
transversal ao resto do Governo.
Sr. Secretário de Estado, ficamos com dúvidas sobre qual vai ser a abrangência desta base de dados. Faz
referência aos investigadores doutorados e aos docentes, mas fica a dúvida do que irá acontecer aos restantes
bolseiros e estudantes contratados que têm apenas mestrado. Fazem parte do sistema científico nacional?
Esperemos que estejam incluídos, para que isso possa trazer maior transparência na análise e maior eficiência
no objetivo que aqui trazemos.
Há um observatório de competências digitais, um observatório do emprego científico e docente — este
Governo é pródigo em criar observatórios. O que queremos, Sr. Secretário de Estado, é que estes observatórios
sejam independentes, transparentes e que daí seja possível tirar ilações para definir políticas melhores e
reformas estruturais que possam trazer mais qualidade.
Sr. Secretário de Estado, ficamos com a sensação de que este observatório e esta iniciativa vêm revelar uma
realidade que não é a realidade que o Governo tem tentado apresentar aos portugueses neste setor.
Termino, Sr. Secretário de Estado, dizendo que esta será, pelo menos, a medida menos criticada de toda a
governação na área da ciência e, talvez, a mais consensual de todas aquelas que foram tomadas. Isso não é
um bom sinal em relação a esta medida, mas um péssimo sinal em relação ao resto que o Governo fez nesta
área.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem ainda a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada
Ana Mesquita, do PCP.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior, as perguntas que há pouco fizemos não são despiciendas, tendo até em conta o debate que aqui
tivemos. Efetivamente, esta iniciativa continua a merecer-nos dúvidas em relação ao seu objetivo pela forma
como o projeto de lei está redigido e por este poder suscitar a possibilidade de extravasar o mero apuramento
de resultados estatísticos. Esta é uma questão que tínhamos de assinalar e, também, a necessidade de se ter
em conta o parecer da Comissão Nacional da Proteção de Dados, que é fundamental.
Esta iniciativa, Sr. Secretário de Estado, tem um mérito inegável que não pode ser escamoteado: o
reconhecimento, se não formal pelo menos tácito, por parte do Governo, da enorme precariedade que afeta o
sistema científico e técnico e a ciência em geral. Esta situação não é estruturalmente e radicalmente alterada
pelo decreto-lei que estabelece o regime jurídico das instituições que se dedicam à investigação e
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desenvolvimento, sobre o qual, aliás, apresentámos um pedido de apreciação parlamentar. Fizemo-lo, entre
outros motivos, porque é mais do mesmo e mais a partir da mesma perspetiva que o PSD e o CDS tinham em
relação à ciência.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Parece-nos, Sr. Secretário de Estado — e reafirmamo-lo —, que a ciência
deve ser encarada como um bem público, deve ser estimulada através de financiamento público, não limitando
linhas de investigação, antes abrindo perspetivas de desenvolvimento económico e social, assegurando
simultaneamente — e esta é uma questão fundamental — o cumprimento integral dos direitos dos trabalhadores
e o combate à precariedade.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para encerrar o debate, tem, de novo, a palavra o Sr. Secretário
de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
O Sr. Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: — Sr. Presidente, Srs. Deputados,
muito obrigado pelas questões que colocaram. Antes de mais, gostava de sossegar os Srs. Deputados
relativamente às dúvidas que possam existir acerca da utilização dos dados.
A utilização dos dados que vão ser, de facto, recolhidos é em tudo semelhante ao que já foi feito,
nomeadamente, com os dados do corpo docente através do REBIDES (registo biográfico de docentes do ensino
superior), que é hoje uma informação crucial para as instituições de ensino superior, para o próprio País e para
esta Assembleia, de forma a estarem, digamos, dentro dessa informação.
Portanto, o que temos aqui, neste caso, é também um nível de informação necessário para podermos ter
uma ideia de como está a correr o emprego científico, para que esta Câmara possa ter uma ideia sobre esse
assunto, também com um efeito pedagógico. Ao sabermos uns dos outros e se as próprias instituições de ensino
superior souberem como está a correr o processo em outras instituições, que, porventura, estejam a trabalhar
de uma forma mais eficiente, penso que isso também terá um efeito pedagógico de motivação para seguirem
as boas práticas. Também gostava, pois, de relevar essa parte.
Falou-se, inclusivamente, no parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados. Temos um parecer que
refere a necessidade de aprovação da autorização por parte da Assembleia, mas que não põe reservas a que
essa informação possa ser recolhida. Aliás, o parecer do Conselho Superior de Estatística também refere, da
mesma forma, a informação que vai ser recolhida, não tendo colocado reservas relativamente a essa informação.
Portanto, penso que podemos estar sossegados relativamente a isso.
Sr.ª Deputada Ilda Araújo Novo, quero dizer-lhe que, neste momento, esta questão vai ser trabalhada nas
bases de dados da nossa DGEEC (Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência), por isso não traz um
acréscimo em termos de necessidade de financiamento, irá ser acomodada na estrutura já criada na própria
Direção-Geral.
Também gostaria de dizer ao Sr. Deputado Duarte Marques que, não concordando com o que referiu sobre
o que são, hoje, os dados e a transmissão dos dados da ciência e do ensino superior em Portugal, penso que
isto é a prova provada da vontade, de facto, do nosso Ministério de que esses dados sejam públicos e de que
possam ser também sufragados por esta Assembleia. Parece-me que isto é demonstrativo da posição do nosso
Ministério e do Governo relativamente a esta matéria.
Penso que esgotei o tempo de que dispunha e que tentei esclarecer o que era necessário.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr.as e Srs. Deputados, findo este debate, passaria a enunciar
a agenda da reunião plenária de amanhã, dia 4 de julho, cujo início, recordo, está também marcado para as 14
horas e 30 minutos.
Em primeiro lugar, procederemos à discussão conjunta, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 202/XIII/4.ª
(GOV) — Altera o regime aplicável ao processo de inventário e dos Projetos de Lei n.os 1234/XIII/4.ª (PCP) —
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Altera o Código do Processo Civil, estabelecendo um regime de impenhorabilidade da habitação própria e
permanente e fixando restrições à penhora e à execução de hipoteca e 1235/XIII/4.ª (PCP) — Altera o regime
jurídico do processo de inventário, reforçando os poderes gerais de controlo do juiz.
Do segundo ponto da ordem do dia consta a discussão, na generalidade, das Propostas de Lei n.os
193/XIII/4.ª (GOV) — Altera o regime do mandado de detenção europeu e 192/XIII/4.ª (GOV) — Executa o
Regulamento (UE) n.º 2017/1939, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da
Procuradoria Europeia.
Do terceiro ponto consta a discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 200/XIII/4.ª (GOV) — Altera o
regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses.
No quarto ponto da ordem do dia está agendada a discussão conjunta, na generalidade, da Proposta de Lei
n.º 205/XIII/4.ª (GOV) — Aprova o regime jurídico do acesso ao direito e aos tribunais e dos Projetos de Lei n.os
1232/XIII/4.ª (BE) — Determina a alteração do regime jurídico das custas judiciais de forma a garantir um acesso
mais alargado aos tribunais pelos trabalhadores, pelos trabalhadores precários e pela generalidade dos
cidadãos (14.ª alteração ao Regulamento das Custas Processuais) e 1233/XIII/4.ª (PCP) — Garante o acesso
ao direito e aos tribunais.
Segue-se, no ponto quinto, a discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 199/XIII/4.ª (GOV) —
Assegura a execução e garante o cumprimento, na ordem jurídica interna, das obrigações decorrentes do
Regulamento (UE) n.º 536/2014, relativo aos ensaios clínicos de medicamentos para uso humano.
Do sexto consta a discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 201/XIII/4.ª (GOV) — Estabelece
mecanismos para a resolução de litígios que envolvam as autoridades competentes de Portugal e de outros
Estados-Membros da União Europeia em resultado da interpretação e aplicação de acordos e convenções
internacionais para evitar a dupla tributação de rendimentos, transpondo a Diretiva (UE) 2017/1852.
No sétimo ponto está agendada a discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 1196/XIII/4.ª (PS) —
Estabelece limitações e regras de publicidade suplementar a nomeações para os gabinetes de apoio aos
titulares de cargos políticos, 1198/XIII/4.ª (N insc) — Procede à sétima alteração à Lei n.º 2/2004, de 15 de
janeiro, e à segunda alteração aos Estatutos da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração
Pública publicados no anexo A à Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro, 1200/XIII/4.ª (N insc) — Procede à quarta
alteração ao Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, à segunda alteração à Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto,
à sétima alteração do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro, e à segunda alteração aos Estatutos da
Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública publicados no anexo A à Lei n.º 64/2011,
de 22 de dezembro, 1201/XIII/4.ª (N insc) — Procede à segunda alteração aos Estatutos da Comissão de
Recrutamento e Seleção para a Administração Pública publicados no anexo A à Lei n.º 64/2011, de 22 de
dezembro, 1205/XIII/4.ª (PSD) — Aprova a Lei de Organização e Funcionamento da Entidade para a
Transparência e procede à 9.ª alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional) e 1228/XIII/4.ª (PS) — Cria a Entidade para a Transparência no Exercício
de Cargos Públicos juntamente com os Projetos de Resolução n.os 1239/XIII/3.ª (PS) — Aprova o Código de
Conduta dos Deputados à Assembleia da República e 2174/XIII/4.ª (PSD) — Aprova o Código de Conduta dos
Deputados à Assembleia da República.
Por fim, do oitavo e último ponto, consta a discussão, na generalidade, do Projeto de Resolução n.º
2239/XIII/4.ª (PSD, PS, BE, CDS-PP, PCP e Os Verdes) — Princípios gerais de atribuição de abonos para apoio
à atividade política dos Deputados.
Sr.as e Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 3 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.