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Sexta-feira, 18 de setembro de 2020 I Série — Número 2
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
REUNIÃOPLENÁRIADE17DESETEMBRO DE 2020
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 4
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa das Propostas de
Resolução n.os 11 e 12/XIV/2.ª, dos Projetos de Lei n.os 506, 507 e 509 a 511/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 627 a 631/XIV/2.ª.
Foi discutido o Projeto de Resolução n.º 561/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que crie uma tarifa social de acesso a serviços de internet. Intervieram os Deputados Filipe Pacheco (PS), Inês de Sousa Real (PAN), João Cotrim de
Figueiredo (IL), Hugo Martins de Carvalho (PSD), Mariana Silva (PEV), Bruno Dias (PCP), Isabel Pires (BE), João Gonçalves Pereira (CDS-PP) e André Ventura (CH).
Foi discutido, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 474/XIV/1.ª (PSD) — Programa especial de apoio social aos ex-trabalhadores da COFACO. Na abertura do debate, pronunciou-se o Deputado Paulo Moniz (PSD), seguindo-se no uso da palavra os Deputados João Azevedo Castro (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Isabel Pires (BE) e Alma Rivera (PCP).
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Foram apreciados, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 483/XIV/1.ª (BE) — Alarga o regime extraordinário de proteção dos arrendatários (4.ª alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março) e 488/XIV/1.ª (PCP) — Alarga o regime extraordinário de proteção aos arrendatários até 31 de dezembro de 2021 e define o prazo para entrega de candidaturas para apoio financeiro do IHRU até 31 de dezembro de 2020. Proferiram intervenções os Deputados Maria Manuel Rola (BE), Bruno Dias (PCP), Inês de Sousa Real (PAN), Hugo Costa (PS), João Gonçalves Pereira (CDS-PP), André Ventura (CH) e Márcia Passos (PSD).
Foram apreciados, em conjunto, o Projeto de Resolução n.º 471/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a reversão da alienação do Novo Banco, a sua transferência para a esfera pública e o apoio especializado às micro, pequenas e médias empresas e, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 499/XIV/1.ª (IL) — Condiciona o exercício dos direitos de conversão pelo Estado de créditos em capital do Novo Banco à sua aprovação prévia pela Assembleia da República. Intervieram os Deputados Duarte Alves (PCP), João Cotrim de Figueiredo (IL), José Luís Ferreira (PEV), Cecília Meireles (CDS-PP), Mariana Mortágua (BE), André Silva (PAN), André Ventura (CH), Duarte Pacheco (PSD) e Fernando Anastácio (PS).
Foram debatidos, conjuntamente, os Projetos de Resolução n.os 75/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que crie uma rede de apoio familiar e promova o estudo e o debate para uma política de família e de natalidade, 77/XIV/1.ª (CDS-PP) — Constituição de uma comissão eventual para o acompanhamento das iniciativas sobre a família e a natalidade, 59/XIV/1.ª (PSD) — Por uma política integrada para a infância e a família e 255/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas transversais e integradas de apoio e incentivo à natalidade. Proferiram intervenções os Deputados João Pinho de Almeida (CDS-PP), Lina Lopes (PSD), Paula Santos (PCP), José Moura Soeiro (BE), Mariana Silva (PEV) e Sónia Fertuzinhos (PS).
Foram discutidos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 476/XIV/1.ª (PAN) — Cria uma unidade especial de salvação e resgate animal, procedendo à terceira alteração à Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, e à primeira alteração ao Decreto-Lei
n.º 45/2019, de 1 de abril, 494/XIV/1.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Altera a Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, e o Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril, procedendo à criação da equipa especial de socorro animal e 501/XIV/1.ª (BE) — Prepara a Proteção Civil para o salvamento, resgate e socorro animal (3.ª alteração à Lei n.º 27/2006, de 3 de julho; 3.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 134/2006, de 25 de julho; 3.ª alteração à Lei n.º 65/2007, de 12 de novembro; 2.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril; e 2.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 116/98, de 5 de maio), juntamente com o Projeto de Resolução n.º 580/XIV/1.ª (PEV) — Formação, no âmbito da Proteção Civil, para salvar e resgatar animais em caso de catástrofe. Intervieram os Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Cristina Rodrigues (N insc.), Maria Manuel Rola (BE), Mariana Silva (PEV), António Lima Costa (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), Alma Rivera (PCP) e Santinho Pacheco (PS).
Foram discutidos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os
450/XIV/1.ª (PEV) —Apresentação de Relatório do ICNF à Assembleia da República, para acompanhar e reforçar o cumprimento do objetivo nacional de redução da área de eucalipto no espaço florestal, 493/XIV/1.ª (PAN) — Cria a comissão de acompanhamento para a vigilância, prevenção e controlo da regeneração natural dos eucaliptos e das exóticas lenhosas invasoras e determina a elaboração de um plano de controlo da regeneração natural dos eucaliptos e de ação para a vigilância e controlo das exóticas lenhosas invasoras e 500/XIV/1.ª (BE) — Cria uma rede pública de viveiros para multiplicação de espécies autóctones, recuperação de áreas ardidas e transformação da paisagem, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 521/XIV/1.ª (PEV) — Recomenda ao Governo apoios para retirar as árvores ardidas com incêndios de 2017, arranque de eucaliptos de crescimento espontâneo e para a (re)florestação com espécies endógenas. Proferiram intervenções os Deputados Mariana Silva (PEV), André Silva (PAN), Ricardo Vicente (BE), Joaquim Barreto (PS), João Dias (PCP), João Moura (PSD) e Cecília Meireles (CDS-PP).
Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.
O Presidente (Fernando Negrão) encerrou a sessão eram 19 horas e 3 minutos.
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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas. Vamos dar início à sessão plenária.
Eram 15 horas e 4 minutos.
Sr.as e Srs. Deputados, a ordem de trabalhos de hoje tem sete pontos de debate, mas, antes de começarmos,
a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha tem várias informações a dar.
Faça favor, Sr.ª Secretária.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: Propostas de Resolução n.os 11/XIV/2.ª (GOV) e
12/XIV/2.ª (GOV); Projetos de Lei n.os 506/XIV/2.ª (CDS-PP), 507/XIV/2.ª (PCP), 509/XIV/2.ª (PCP), 510/XIV/2.ª
(PCP) e 511/XIV/2.ª (PCP); e Projetos de Resolução n.os 627/XIV/2.ª (PCP), 628/XIV/2.ª (PAN), 629/XIV/2.ª
(PAN), 630/XIV/2.ª (PCP) e 631/XIV/2.ª (CDS-PP).
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária. Como é evidente, no site do Parlamento, estão identificados os temas visados por cada uma destas
iniciativas.
Sr.as e Srs. Deputados, vamos, então, dar início ao primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos de hoje, que
é o da apreciação do Projeto de Resolução n.º 561/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que crie uma tarifa
social de acesso a serviços de internet.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Filipe Pacheco, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Filipe Pacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista traz hoje a esta Câmara a discussão de um projeto de resolução para a criação de uma tarifa social de acesso a serviços de
internet, porque entende que a internet é hoje um bem absolutamente essencial para toda a população.
Entendemos que é função e responsabilidade do Estado garantir que ninguém fica para trás no atual
processo de transformação digital que todos vivemos e entendemos que esta transição digital tem de ser feita
protegendo os direitos e as liberdades e garantindo a igualdade de oportunidades a todos os cidadãos.
É neste contexto que defendemos uma internet livre e aberta e que o seu acesso seja um direito universal e
economicamente acessível.
Mas a medida que hoje aqui apresentamos não é uma medida avulsa e isolada, faz parte de um programa
muito mais vasto, de uma ideia para o País que está materializada no Plano de Ação para a Transição Digital,
que foi aprovado no início do ano, pelo atual Governo, no domínio do Portugal Digital, e que é um documento
estratégico que procura concretizar três grandes prioridades: a capacitação digital das pessoas, a transformação
digital das empresas e a digitalização do Estado.
Esta é uma medida que se encontra também alinhada com as iniciativas de capacitação da INCoDe.2030
(Iniciativa Nacional de Competências Digitais e.2030), criada também pelo atual Governo, que pretende
aumentar a literacia digital e a utilização de serviços públicos digitais.
E é também no contexto do crescente caminho que está a ser percorrido na modernização da Administração
Pública que é importante que não existam obstáculos no acesso à internet para utilização dos serviços públicos,
como, por exemplo, para fazer a renovação do cartão de cidadão à distância ou para a marcação de uma
consulta de saúde online.
Se tudo isto não bastasse, o isolamento que a maioria dos portugueses viveu, há uns meses, lembra-nos
que o acesso à internet está já entranhado nas nossas vidas e que sem esta rede ficaríamos confinados ou em
isolamento quase absoluto. E se é verdade que a pandemia veio acelerar a transformação digital das empresas
e dos governos, também é verdade que colocou em maior evidência as dificuldades sentidas pelos grupos mais
vulneráveis da sociedade no acesso às ferramentas tecnológicas, com consequentes e evidentes desigualdades
sociais.
Por todas essas razões, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista quer que o Governo crie uma tarifa social
de internet, semelhante à atual tarifa social de eletricidade, que possa contribuir não só para reduzir os encargos
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financeiros dos consumidores mais vulneráveis, como para que o preço não seja nunca, em situação alguma,
um fator de exclusão no acesso universal a este serviço.
Propomos também que a atribuição deste direito seja feita através de um processo simples e automático
para o cidadão. Ninguém terá de pedir esta tarifa, quem tiver direito beneficiará dela de forma automática, a
menos que diga que dela não quer beneficiar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Termino, convocando todos os partidos para que se juntem ao Partido
Socialista na aprovação deste projeto. Da nossa parte, o Partido Socialista continua absolutamente
comprometido com a construção de um Portugal moderno, inovador e na linha da frente da sociedade da
informação, o que significa proteger e dar condições àqueles que estão menos capacitados para enfrentar os
desafios da transição digital.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A criação de uma tarifa social de internet é, sem dúvida, uma medida fundamental para assegurar a igualdade de oportunidades no acesso a
este serviço público essencial, sobretudo num contexto em que a taxa de utilização da internet é inferior, em
12%, à média da União Europeia, razão pela qual saudamos o Partido Socialista por ter trazido a iniciativa a
esta Assembleia.
No século XXI, o combate pela igualdade de oportunidades no acesso à educação, ao mercado de trabalho,
à cultura e ao lazer também se faz pelo combate às desigualdades no acesso à internet.
Por isso mesmo, o PAN não só vai acompanhar esta proposta do PS, como até já apresentou uma carta dos
direitos digitais que, deixando o essencial da regulamentação para o Governo, propõe que se assegure o
enquadramento legal da taxa social de internet e dos seus beneficiários potenciais, que, em nosso entender,
deverão ser os beneficiários de prestações sociais, os desempregados (com ou sem subsídio) e os agregados
familiares de baixos rendimentos.
Esperamos que, de facto, no próximo dia 1 de outubro, aquando da discussão desta carta digital, proposta
pelo PAN, o Parlamento também não renuncie às suas competências e seja capaz de desenvolver o
enquadramento-base necessário à implementação desta importante medida que agora se quer recomendar ao
Governo.
Mas a desigualdade de acesso à internet vai bem mais além dos obstáculos que estão associados ao seu
preço.
No ensino obrigatório, por exemplo, sabemos que um quarto dos alunos não tem computador, problema que
ficou a nu no auge da crise sanitária. Portanto, igualdade de acesso é também garantir que as promessas de
digitalização na educação se cumprem e que os casos de alunos sem computador não se voltam a repetir neste
ano letivo. Não o fazer é não cumprir o direito à educação das nossas crianças e jovens.
Mas sabemos também que cerca de um quinto das zonas rurais do nosso País não estão servidas por banda
larga e que, em muitas zonas do interior, muitas são as denúncias recebidas pela ANACOM (Autoridade
Nacional de Comunicações) que relatam que as operadoras cobram serviços que, na prática, não são prestados,
seja pela descontinuidade dos mesmos, seja pela velocidade da internet. Manter este cenário é discriminar os
cidadãos em função do local onde residem e é também pôr em causa a competitividade do interior.
Por fim, sabemos que os dados móveis em Portugal são dos mais caros da Europa e que as operadoras
mantêm os pacotes de dados artificialmente baixos para incentivar a adesão a pacotes de zero rating. Manter
este cenário, mais do que violar o direito de acesso neutral à internet, é criar desigualdades e assimetrias sociais
e regionais que não podemos continuar a permitir.
Por isso mesmo, o PAN também irá defender a proibição de práticas abusivas de zero rating e a punição do
incumprimento, por parte da ANACOM.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, pelo Iniciativa Liberal, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.
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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Bem-vindos a mais um «minuto liberal», hoje dedicado às ironias da vida, ironias, essas, que acho que passaram desapercebidas ao
PS neste projeto de resolução.
Primeira ironia: 20 anos depois do início da disponibilização de serviços de internet em Portugal, há milhares
de portugueses que ainda não os conseguem pagar e por isso se justifica a discussão de uma tarifa social. Não
me conseguiria lembrar de uma maior confissão de fracasso da governação socialista.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Então, o mercado não resolveu?!
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Segunda ironia: é o próprio PS que vem exigir ao Governo do PS que cumpra uma resolução que já tomou em abril. Sei que o PS não é o único partido a celebrar a Revolução
de Abril, mas passa a ser o único partido a celebrar a resolução de abril.
Terceira ironia, e esta um bocadinho com laivos de sadismo, mas deve ser coincidência: por acaso, todos
aqueles serviços que os senhores querem garantir no acesso básico servem também para fortalecer a posição
do fisco. Senão, vejamos: acesso a serviços públicos digitais, certamente com o site da AT (Autoridade Tributária
e Aduaneira) à cabeça; homebanking, para pagar ao fisco mais depressa; correio eletrónico, para receber com
facilidade aquelas missivas e notificações na ViaCTT.
Última ironia, e esta é uma que, realmente, não entendo:…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — … até o PS pede ao Governo PS para ser simples, porque já sabe que estas coisas, por complicação, podem ficar na gaveta.
Para que não haja dúvidas, Sr. Presidente, nós não vamos inviabilizar este projeto de resolução, em
solidariedade com milhares de portugueses que não conseguem pagar a internet.
Mas isto, realmente, já não é ironia, é tristeza.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Hugo Carvalho, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Hugo Martins de Carvalho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nem mesmo os que aqui, muitas vezes, estão em profunda negação podem negar que existe uma nova dimensão do poder, da economia
e, também, da política, que é a digital.
Nenhum de nós nega que vivemos mais em tempos de seleção de informação do que em tempos de acesso
à informação. E ninguém nega que, ainda que nunca tenha sido aqui votada ou referendada, a internet mudou
profundamente a nossa vida e o nosso País.
Hoje, ter internet é ter mais saúde, é ter mais informação, é ter liberdade económica, é fazer e, sobretudo,
tomar parte da sociedade contemporânea e do nosso futuro coletivo.
Já muitas vezes aqui falei, Sr. Presidente, sobre a nova desigualdade que enfrentamos, a nova exclusão,
que é a digital e tecnológica. E várias vezes ouvimos dizer que todos nascemos iguais em direitos e
oportunidades, mas o dia seguinte é o verdadeiro desafio, pelo sítio onde nascemos, pelo nosso meio familiar
ou pelo nosso meio social.
Muitos têm ficado para trás e ficam para trás todos os que ainda não puderam aprender a lidar com a
tecnologia e, especialmente, todos os que ainda não têm acesso a ela.
O PSD quer que as coisas corram bem ao País e quer que as coisas corram bem aos portugueses e, por
isso, manifestámos apoio a esta intenção do Governo e manifestamo-lo também, naturalmente, a esta iniciativa
e a todas as que sirvam para lembrar o Governo daquilo que ainda tem para cumprir e alcançar.
O que não queremos fazer, no entanto, é perder uma oportunidade de focar o que é essencial. E o essencial
não é uma tarifa social, o essencial é o acesso à rede, que tem deixado de lado 40% das pessoas em meios
rurais da Europa, como lembrava a Presidente da Comissão Europeia, e que tem agravado as assimetrias que
todos nós conhecemos, há muitos anos, no território nacional.
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Uma tarifa social de internet pode, sem dúvida, significar muito para alguns portugueses, mas significa pouco
ou até quase nada para muitos, muitos portugueses que vivem em regiões sem banda larga, sem alta velocidade
e, às vezes, sem rede.
Portanto, muito diretamente, o que solicitamos ao Governo e partilhamos também com o Partido Socialista e
com os demais partidos é, em primeiro lugar e desde logo, que o Partido Socialista e o Governo não confundam,
mais uma vez, o Estado social com um Estado eleitoral ou com um Estado socialista.
A tarifa social deve ser desenhada para os agregados familiares que realmente necessitam de apoio. É que
muitas foram as medidas sociais — lembro-me de oferecerem os manuais escolares a toda a gente, de
reduzirem as propinas a toda a gente —, mas esqueceram-se de que estavam a reduzir e a oferecer a quem
pode efetivamente pagar, e podia continuar a pagar, agravando ainda mais as desigualdades e fazendo,
portanto, o contrário do que dizem defender.
Uma segunda nota é no sentido de o Governo cumprir e transpor, assim que possível, o Código Europeu das
Comunicações Eletrónicas, assegurando a neutralidade tecnológica da tarifa, que não pode ser só em linha fixa,
e assegurando também que a tarifa cumpre os serviços básicos de utilização da internet por qualquer cidadão.
Finalmente, solicitamos que o Governo possa colaborar com os operadores, a quem, certamente, vai pedir
auxílio nesta matéria, para que se desbloqueie o problema de facto que aqui já enunciei: cumprir, em Portugal,
finalmente, um serviço universal de redes de alta velocidade que não deixe parte do País de fora, porque, com
certeza, não é mais uma tarifa social que vem colocar a internet em lado algum, muito menos onde nem sequer
existe rede móvel em Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — É a vez de Os Verdes intervirem no debate, pelo que tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos meses, com a pandemia a forçar as rotinas, fomos confrontados com a importância das telecomunicações no dia a dia, para as empresas,
para os serviços públicos, para os utilizadores habituais e até para os mais descrentes, que a utilizaram para
estarem mais próximos dos seus familiares e amigos.
O acesso à internet aproxima-se a passos largos da necessidade de um bem essencial, como, por exemplo,
a eletricidade. No entanto, nem todos têm acesso a este serviço e, com as dificuldades crescentes em milhares
de famílias portuguesas, esta é a primeira despesa a ser anulada do orçamento familiar.
Tendo em consideração a imprescindibilidade da internet, os custos elevados e as dificuldades económicas
de muitos portugueses, o estabelecimento de uma tarifa social, tal como se verifica com outros serviços
essenciais, é a questão que está colocada na ordem do dia.
O Plano de Ação para a Transição Digital apresentado pelo Governo prevê, entre várias medidas para a
suposta transição, a criação de uma tarifa social de acesso a serviços de internet que permitirá a utilização mais
generalizada, de forma a promover a inclusão e a literacia digital nas camadas mais desfavorecidas da
população.
Mas é importante ter em conta outras variáveis, uma vez que o acesso à internet não é tão universal como
outros serviços essenciais. O serviço de internet é muito assimétrico em termos de cobertura e da respetiva
velocidade e Os Verdes consideram que, mais uma vez, pode estar-se a construir a casa pelo telhado. Não é
possível deixar ninguém para trás e, para isso, o acesso à internet pode ser economicamente acessível, mas é
necessária uma cobertura nacional da rede, eliminando a discriminação geográfica que se tem verificado.
No final do ano letivo anterior, muitas foram as dificuldades sentidas por professores e alunos devido à falta
de acesso à internet. Relembro o caso da professora que trabalhava dentro do carro, num local onde conseguia
ter acesso à rede, ou o dos alunos em Penalva do Castelo, que assistiam às aulas online no alpendre da Junta
de Freguesia devido à fraca cobertura de internet.
A situação a que chegamos, da falta de cobertura em muitas áreas do País, no que diz respeito quer à rede
de banda larga móvel ou à cobertura de fibra, não é alheia à privatização da própria PT (Portugal Telecom),
empresa que deveria estar sob o controlo do Estado, pois, como sabemos, as operadoras estão mais
preocupadas com os seus lucros do que propriamente com a dificuldade sentida pelo cidadão.
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Os Verdes não só consideram necessária a criação de uma tarifa social para os serviços de internet, nos
mesmos moldes da tarifa social do gás e da eletricidade, mas também que se assegure que os contratos onde
se aplique a tarifa social não sejam objeto de fidelização; a garantia de padrões mínimos de qualidade da
prestação dos serviços; e que seja assegurado, de forma equitativa, o uso das tecnologias de telecomunicação
e o usufruto dos serviços pelo território nacional.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Entre dezembro de 2009 e dezembro de 2019, neste domínio do acesso às telecomunicações, em termos médios nos países da União Europeia, os
preços para o consumidor tiveram uma redução de 9,9%. No mesmo período, em Portugal, tivemos um aumento
de 7,6%, o segundo maior aumento da União Europeia.
Atualmente, Portugal está na 22.ª posição entre os 23 países europeus indicados pela ANACOM em termos
de penetração da banda larga móvel. Apresentamos uma cobertura inferior à média dos países da União
Europeia e uma disponibilidade do serviço de apenas 83%, além de que estamos entre os três países europeus
com menor débito médio de download e, ainda, no conjunto de países onde a velocidade experimentada é das
mais baixas.
No ano passado, a Altice Portugal viu os lucros em 832 milhões de euros; a Nos fechou o exercício de 2019
com um resultado líquido de 143,5 milhões de euros; a Vodafone Portugal não anunciou esses resultados
líquidos, indicando apenas que tinha remunerado a casa-mãe, a multinacional Vodafone, em 75,2 milhões de
euros. A casa-mãe da Vodafone, essa sim, apresentou, a nível global, uma faturação de 45 000 milhões de
euros, com lucros de 14 900 milhões de euros.
Aqui está, Srs. Deputados, o resultado do mercado liberalizado a funcionar, depois das privatizações que
PS, PSD e CDS tão entusiasticamente realizaram e da liberalização do setor. Quando temos este escândalo
dos preços no acesso às telecomunicações e dos lucros das multinacionais que tomaram conta deste setor,
constatamos que é fraca resposta a de um país indicando que vai haver uma tarifa social para subsidiar o
pagamento do acesso dos mais pobres às telecomunicações.
Srs. Deputados, este escândalo nacional nos preços do acesso à internet e às telecomunicações não é um
problema dos mais pobres, é um problema da economia nacional. É um problema das micro, pequenas e médias
empresas e dos setores produtivos, e um problema de todo o País e não pode ter como única resposta do
Governo do PS, com o acordo do PSD e dos outros partidos, como vimos, em relação a esta matéria, subsidiar
apenas aqueles que mais dificuldades têm. Esta é uma dificuldade concreta, transversal à economia nacional e
aos setores produtivos, por termos esta situação de uma economia que está refém das multinacionais que se
apoderaram, de facto, dos setores não transacionáveis da economia. Este é um problema estrutural da economia
nacional.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, será necessária e incontornável uma política económica que coloque na
primeira linha do debate a efetiva capacidade de termos um setor ao serviço do povo e do País, que tenha
tarifários e serviços consentâneos com as necessidades da população e da economia.
Não mandem as pessoas para casa em teletrabalho e depois digam que os mais pobres vão ter um desconto.
Não façam da economia real saco de pancada das multinacionais para depois dizerem que vai haver uma tarifa
social. É mesmo preciso colocar o controlo público do setor no centro do debate, de uma forma efetiva e estável
em relação à nossa economia, para que seja, de facto, um fator de desenvolvimento e um fator estratégico de
modernização da economia, e não aquilo que tem vindo a acontecer com a, até agora, verificada penalização
profunda destes setores e das populações.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
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A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O tema que o PS traz a debate é, sem sombra de dúvida, relevante e, com certeza, um dos debates mais importantes da nossa década. A
digitalização da economia e da sociedade, não sendo algo propriamente novo, tem ganhado uma velocidade
maior nos últimos anos e obviamente, desde a pandemia, o acesso a serviços de internet e de telecomunicações
revelou ser mais um fator de potencial desigualdade. Por isso, é preciso responder.
Sabemos que o debate sobre o acesso a determinados serviços, como a energia, o gás ou a água, já é
antigo, mas, mesmo assim, ainda há muita gente sem acesso ou com dificuldades em aceder a eles. Isso teve
a ver com formas de olhar para a economia nacional, nomeadamente com a privatização de algumas empresas
estratégicas que forneciam este tipo de serviços essenciais ao dia a dia de cada um de nós.
Portanto, com o passar do tempo e a evolução da tecnologia, o debate em torno da internet e de serviços de
telecomunicações também se configura um pouco da mesma forma, fazendo a pergunta, a que depois teremos
de dar resposta, sobre se estamos, ou não, perante um bem essencial ou um bem universal.
Sabemos que, atualmente, não estamos perante um bem universal, porque conhecemos, e temo-lo discutido
amplamente, em especial no último ano, as dificuldades de cobertura de rede que existem no nosso País. E
porquê? Porque ela está dependente de interesses privados e não de interesses públicos, por erros cometidos
no passado no que toca à privatização deste tipo de infraestruturas.
Portanto, sabemos também que é este tipo de discussões que determina quais são os fatores de
desigualdade na nossa sociedade. Por isso mesmo, o exemplo da tarifa social de energia, proposta pelo Bloco
de Esquerda, que o Partido Socialista foi buscar para este Projeto de Resolução que temos em cima da mesa,
é bem exemplificativo de como mecanismos deste género ajudam no combate à pobreza. Porém, apesar de
ajudarem nesse combate, não serão os mais relevantes nesta matéria.
Temos de acompanhar o debate sobre uma possível tarifa social da internet e das telecomunicações, mas,
ao mesmo tempo, temos de o aprofundar relativamente aos preços, como já foi referido. Em sede de Comissão
de Economia temos debatido muito esta questão e, no caso de Portugal, os dados sobre o que se está a passar
com os preços são absolutamente significativos.
Se para estudar, para trabalhar ou, pura e simplesmente, para contactar com a nossa família, estamos tão
dependentes deste tipo de serviços, porque é que não mudamos o chip, ou seja, porque não mudamos a forma
como olhamos para este bem, para que ele possa ser universal? Temos de perceber que isso tem a ver com a
necessidade de cobertura, que tem de sair dos interesses de um monopólio de três grandes operadores que
decidem, basicamente, sozinhos aquilo que querem, que decidem como é que a cobertura é feita a nível do
território nacional, e das ilhas também, já agora.
Portanto, estamos completamente dependentes de interesses privados porque há alguns anos nos
demitimos, enquanto País, de manter públicos esses interesses.
Sr. Deputado, quanto à proposta concreta em cima da mesa, ela é bastante ampla, bastante genérica e,
aliás, não faz mais do que dar seguimento a algo que já foi aprovado numa Resolução do Conselho de Ministros.
Do nosso ponto de vista, é obviamente importante que possamos fazer o caminho para uma tarifa social da
internet ou das telecomunicações, mas também dizemos que é preciso ir mais longe nesta matéria. É preciso
discutir os preços e sua regulação, as questões da fidelização, a regulação do próprio mercado e,
essencialmente, a detenção das infraestruturas necessárias para a cobertura de rede em Portugal, que hoje em
dia ainda fica muito aquém. Isto num país que se diz civilizado e que quer fazer uma transição digital, essa
transição digital não poderá fazer-se se continuarmos com as infraestruturas atuais, pois estão dependentes dos
interesses privados.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, para uma intervenção.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria dizer ao Partido Socialista que o CDS acompanha esta iniciativa que tem como objetivo recomendar ao
Governo a criação de uma tarifa social de acesso aos serviços de internet, serviços de banda larga, e que vai
ao encontro das orientações e diretivas europeias.
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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Era o que eu dizia!
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — O século XXI é um século digital e, portanto, como é evidente, os países que estiverem na dianteira da transição digital estarão mais bem preparados para os desafios que vão
encontrar. Quer o Estado, quer as empresas, quer os cidadãos, todos temos de fazer essa mesma transição e
isso só se consegue com a massificação do acesso à internet.
Portanto, uma tarifa reduzida, que tenha em conta a correção das assimetrias ao nível dos rendimentos da
população, ou seja, que permita precisamente o acesso a esta internet, é algo positivo, devendo haver um
esforço da parte do Estado e de toda a sociedade na promoção da inclusão e da literacia digital.
A pergunta que se coloca, e que ainda não se ouviu neste debate, é a seguinte: quem paga isto? Quem vai
pagar? É uma necessidade da sociedade, é uma necessidade do País, mas tem de haver um esforço de
financiamento público precisamente nesta mesma tarifa. Só com esse esforço de financiamento, só com esse
sinal da parte do Estado, é que, seguramente, iremos acelerar todo este processo e chegar a mais pessoas.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ou seja, subsidiamos!
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Nesta área e neste domínio, o CDS apresentou um projeto de resolução ao nível do 5G, que, basicamente, vem recomendar o seguinte: que esteja definido que o Estado crie
incentivos para que, no processo de leilão do 5G, as empresas operadoras possam ter benefícios se começarem
os seus investimentos em termos de infraestruturas precisamente no interior do País, ou seja, precisamente nas
zonas onde existe menos acesso à rede e às comunicações.
Isso seria um bom sinal para o País, tendo em conta o debate que temos tantas e tantas vezes sobre como
conseguir valorizar e desenvolver o interior. São medidas que parecem pequenas, mas que são muito grandes
para posicionar o interior do País ao mesmo nível dos grandes centros urbanos e da zona litoral.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje uma proposta que vem do Partido Socialista para um serviço que tinha sido prometido há vários anos, para não dizer há várias décadas.
Temos 20% dos agregados familiares — repito, 20% — sem acesso à internet, temos 5% dos nossos alunos
sem acesso à internet, temos famílias que pagam, em média, 700 € por ano em internet e telecomunicações.
No ano passado, o Primeiro-Ministro prometeu que, até julho deste ano, todas as famílias e todos os alunos
teriam acesso à internet e a um computador para acesso aos conteúdos que fossem transmitidos por via digital.
Onde estamos?! Exatamente no mesmo ponto.
Apresentamos iniciativas para calar a política do outro lado. É o mesmo que dizer «já aprovámos». Mas o
que é que fizemos?! Absolutamente nada.
O Chega acompanhará esta iniciativa, mas com a exigência de que seja efetivamente cumprida.
Protestos da Deputada do PS Joana Lima.
Quanto à regulação do mercado, Sr. Deputado Bruno Dias, gostava que me dissesse uma coisa: qual é o
país comunista em que a internet é mais acessível do que em Portugal?!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ignorante!
O Sr. André Ventura (CH): — Qual é o país comunista em que a internet é tão barata que os cidadãos nem conseguem a ela aceder?!
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já excedeu o tempo de que dispunha.
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O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Tem muita graça ver o Sr. Deputado, representante do Partido Comunista, dizer «a internet isto», «a internet
aquilo», quando, nos países em que VV. Ex.as governam, nem sequer se pode aceder ao Google e ao Youtube.
Deviam ter vergonha!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Pacheco, do PS, para uma intervenção.
O Sr. Filipe Pacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista congratula-se e valoriza o apoio da maioria das forças políticas aqui presentes. Isto revela a importância e a relevância do projeto
que apresentamos.
Gostava de sublinhar — porque, muitas vezes, quando se trata de proteger os mais vulneráveis, há sempre
aqueles que respondem um pouco contrariados — que achei bastante irónica a intervenção do Sr. Deputado
João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal, que veio a esta Câmara queixar-se de que há consumidores
que não podem pagar alguns serviços de comunicações.
Pergunto-lhe: não é o Sr. Deputado que defende que o mercado deve funcionar livremente? Ou está a
defender que o Estado deve intervir no funcionamento do mercado?
Aplausos do PS.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — O senhor não tem internet também?!
O Sr. Filipe Pacheco (PS): — Da parte do Partido Socialista, respondendo em bloco a todas as intervenções e a todas as questões, entendemos, sim, que é muito importante que a criação desta tarifa social seja feita em
paralelo e no contexto da transposição do código europeu de telecomunicações, até para garantir o débito
mínimo para o serviço universal, ou seja, a garantia de qualidade do serviço.
A criação desta tarifa também deve ser paralela à definição de outras medidas que já estão a acontecer,
como, por exemplo, a do programa de digitalização para as escolas, que também tem uma parte que prevê o
acesso à internet dos estudantes.
Achamos que a questão central, nesta matéria, está salvaguardada, que é a da criação de uma tarifa social
de acesso a serviços de internet, ou seja, é proteger aqueles que estão mais vulneráveis, no caminho desta
transição digital.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Chegamos, assim, ao fim do primeiro ponto da nossa ordem do dia. O segundo ponto trata da discussão, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 474/XIV/1.ª (PSD) — Programa
especial de apoio social aos ex-trabalhadores da COFACO.
Tem a palavra, para abrir o debate, o Sr. Deputado Paulo Moniz, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A COFACO (Comercial e Fabril de Conservas, S.A.) é uma empresa conserveira presente na ilha do Pico desde 1963. Foi o maior empregador
industrial da ilha e manteve sempre uma ligação de proximidade, particularmente com o concelho da Madalena,
tendo desempenhado durante muitos anos, para além do papel industrial, um papel social importante.
O encerramento da fábrica da COFACO, na ilha do Pico, em janeiro de 2018, afetou diretamente cerca de
180 postos de trabalho e tantos outros de forma indireta. A COFACO, que era o maior empregador do Pico,
representando cerca de 4% da população ativa da ilha e 6% do concelho da Madalena, fechou portas.
Passaram quase 1000 dias desde o anúncio do encerramento da fábrica. Nesse mesmo dia, no dia do
encerramento, também foi anunciado que uma nova fábrica estaria em funcionamento em janeiro de 2020,
criando expectativas de continuação de ligação a estes trabalhadores. Janeiro de 2020 já lá vai. Estamos em
setembro.
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«Tudo começa no mar» é o que se lê quando se abre o site da COFACO, que se orgulha de pescar a sua
matéria-prima ao largo da costa dos Açores. O pescado de primeira qualidade, já reconhecido em mais de 30
países, é manipulado por mãos especializadas que dedicaram a vida inteira à indústria conserveira, que constitui
uma parte muito importante e significativa do PIB (produto interno bruto) dos Açores.
Os Governos servem, acima de tudo, para se porem ao lado das pessoas e dos seus problemas. É urgente
iniciar a anunciada nova fábrica, repondo estes postos de trabalho, tirando os mais de 180 trabalhadores da
frágil condição social de subsistência em que se encontram. São pessoas que puseram e que querem continuar
a pôr, com o seu grande saber, a indústria conserveira portuguesa, com labuta açoriana, na boa boca do mundo
e, neste momento, o Governo deixa as dificuldades aumentarem, sem nada fazer.
Muitos dos trabalhadores despedidos da COFACO já deixaram até de receber o subsídio de desemprego,
estando, neste momento, sem alternativas num mercado de trabalho muito limitado e ainda mais fragilizado com
a crise económica e social causada pela pandemia.
É preciso, de uma vez por todas, pôr mão neste assunto e ajudar estas pessoas.
O Sr. António Ventura (PSD): — Muito bem!
O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Somos todos eleitos, em todos os quadrantes políticos, para representar os cidadãos deste País — obviamente também dos Açores — e para dar a quem nos elege respostas claras e
preferencialmente céleres. Os ex-trabalhadores da COFACO já esperaram demasiado tempo sem que nada de
concreto fosse feito.
Relembro que os Parlamentos dos Açores e da República aprovaram recomendações ao Governo para que
fosse criado um regime especial e transitório de majoração dos apoios sociais. E o que foi feito?! Nada!
O Orçamento do Estado deste ano obriga o Governo a instituir esse mesmo regime de majoração de apoios
sociais. Estamos quase no fim do ano e o que foi feito?! Nada!
Apesar da aparente unanimidade em torno da resolução desta matéria, o Governo teima em ignorar o drama
real dos trabalhadores despedidos da fábrica da COFACO, do Pico. Está, por isso, nas mãos dos partidos com
assento neste Parlamento votar este assunto, quantas vezes forem necessárias, para ajudar estas pessoas, já
que este Governo não se comove.
O Sr. António Ventura (PSD): — Muito bem!
O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, após terem sido aprovadas por unanimidade, nos Parlamentos dos Açores e da República, diversas recomendações ao Governo para que
apoiasse os ex-trabalhadores da COFACO, seria cómodo para um partido da oposição limitar-se agora a criticar
o Executivo por não ter cumprido.
Mas não é o combate de cores partidárias que nos move. O que nos move é sempre, e sobretudo, resolver
os problemas de quem de nós espera soluções. O que nos mobiliza é minimizar um drama concreto que afeta
estes trabalhadores. É nosso desígnio. É esta, e sobretudo esta, a nossa obrigação.
Em vez de apenas apontar o que está mal, trouxemos um projeto de lei claro, simples, que cria um regime
transitório de apoio, com o prolongamento do prazo do subsídio de desemprego, a majoração do rendimento
social de inserção em 20% e do abono de família em 25%, até janeiro de 2024, data em que mais do que se
espera que a já anunciada nova fábrica esteja em elaboração.
Perante todas as dificuldades em que estes trabalhadores esperam há dois anos por medidas concretas que
o Governo da República não implementou, resta uma forma de resolver este assunto: criar este regime especial
de apoio com força de lei. Perante tanta inoperância, não há outra maneira. Não contem que assobie para o
lado, como se nada fosse comigo. Jamais me calarei enquanto este e outros assuntos não estiverem resolvidos.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!
O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Isto não é pedir, não é um favor. Esta é uma questão de justiça social. Foi também para isto que todos fomos eleitos, sobretudo e, neste caso, os que aqui estamos em representação do
povo das nossas nove ilhas dos Açores.
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Perante uma causa tão justa e urgente, estando em debate uma iniciativa cujos princípios fundamentais
todos os partidos comungam, nada mais se espera do que a aprovação unânime desta lei. Apelo ao consenso
neste Parlamento, para que possamos, juntos, dar um exemplo de para que serve, efetivamente, a política e
ajudar estas pessoas.
Não dar um voto favorável a esta proposta é ignorar os mais vulneráveis. Não dar um voto favorável a esta
proposta é falhar aos ex-trabalhadores da COFACO. Não dar um voto favorável a esta proposta é votar contra
os Açores.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado João Castro, para uma intervenção.
O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar o Partido Social Democrata por suscitar este debate, com a presente iniciativa, que
vai ao encontro do exposto no artigo 55.º do Orçamento do Estado, em vigor desde o passado mês de março,
que determina a instituição de um regime especial e transitório de facilitação do acesso, majoração de valor e
prolongamento da duração de apoios sociais aos trabalhadores da fábrica COFACO que se encontrem em
situação de desemprego.
Importa relembrar que este artigo 55.º resultou de uma proposta do PCP, que mereceu o voto favorável na
especialidade, bem como na generalidade, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Obviamente, percebemos a necessidade do PSD de correr atrás do prejuízo, nomeadamente face ao
contexto regional, com esta manifestação de concordância com o exposto no Orçamento do Estado de 2020,
visto não ter votado favoravelmente esse mesmo Orçamento.
Tratou-se de um registo questionável a que não estávamos habituados, vindo do PSD, com o qual,
obviamente, não concordamos, mas só aos próprios e aos eleitores cabe a avaliação da sua utilização, na
convicção de que todos já o perceberam, ainda mais quando é o próprio texto proposto que assume a entrada
em vigor somente com o Orçamento de 2021, protelando uma situação que todos pretendem célere.
O Sr. Adão Silva (PSD): — E o que é que já foi feito?!
O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Para o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o que mais importa é o encerramento da empresa COFACO para a ilha do Pico e para os Açores. Esta empresa assumiu e assume
um impacto económico e cultural de expressão muito significativa que não pode ser ignorada.
Este é um assunto que remonta ao ano de 2018, também na Assembleia da República, que, inclusive,
aprovou por unanimidade a Resolução da Assembleia da República n.º 242/2018, recomendando ao Governo
que assegure apoio social aos ex-trabalhadores da COFACO, na Ilha do Pico. Desde então, várias têm sido as
tomadas de posição, seja por diferentes grupos parlamentares, seja por estruturas sindicais, seja mesmo pelos
órgãos do Governo próprio da Região Autónoma dos Açores.
Importa ainda referir que o Governo regional tem acompanhado em proximidade todo este processo, em que
se perspetiva a construção de uma nova fábrica conserveira na ilha do Pico, e que a Assembleia da República
recebeu, no passado mês de julho, a Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º
31/2020/A que se pronuncia pela necessidade urgente de dar cumprimento ao artigo 55.º do Orçamento do
Estado.
O Sr. Paulo Moniz (PSD): — E…?!
O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Neste momento, falamos de 110 trabalhadores que mantêm a sua inscrição ativa. Se nada for feito, deixarão de estar abrangidos pelos programas de proteção social existentes.
A pandemia da COVID-19 e os seus impactos tornam ainda mais evidente e urgente a necessidade de
encontrar um regime de proteção a estes trabalhadores e à economia local. Assim, quer seja no enquadramento
do Orçamento do Estado em vigor, quer seja no enquadramento da presente iniciativa, face à necessidade
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premente de intervir no plano social relativamente aos trabalhadores da COFACO na ilha do Pico, e sobretudo
por esse motivo, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acompanhará esta iniciativa.
Aplausos do PS.
O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Muito bem!
O Sr. Adão Silva (PSD): — Boa decisão!
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Almeida, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como já foi dito e é sabido por qualquer pessoa que conheça a ilha do Pico e, concretamente, o concelho da Madalena, a COFACO
foi, durante anos, durante décadas, uma instituição muito para além de uma empresa. Ela tinha um impacto
económico e social relevantíssimo para o concelho, para a ilha e até para a região, por dizer respeito a uma
indústria tradicional, a indústria conserveira, que, obviamente, tinha ali um dos expoentes máximos a nível
nacional, quando, no resto do contexto nacional, foi perdendo a sua importância.
Acontece que o encerramento da empresa, tendo a empresa esse impacto, teve igual consequência do ponto
de vista económico para a ilha e do ponto de vista social para todos aqueles que trabalhavam na COFACO e
para as suas famílias.
O CDS, desde o início, acompanhou esta matéria, quer no âmbito regional, quer no âmbito nacional. Em
janeiro de 2018, levantámos, pela primeira vez, a questão. Nessa altura, apresentámos, na Assembleia
Legislativa da região, uma proposta para que se criasse, na comissão permanente de economia, um grupo de
trabalho para acompanhar a questão da COFACO. Esse grupo de trabalho foi aprovado por unanimidade e foi
criado na sequência disso.
Depois, por várias vezes, no Parlamento, primeiro, através de um projeto de resolução, em 2018, segundo,
através de discussões no orçamento para 2019 e para 2020, estivemos sempre ao lado daqueles que aprovaram
condições tão boas quanto as possíveis para aqueles que perderam os seus empregos na COFACO.
Que condições são estas? Primeiro, reduzir os requisitos de acesso às prestações sociais, ou seja, permitir
que todos acedam a estas prestações sociais sem haver restrições. Depois, majorar essas prestações sociais.
Porquê? Porque, conhecendo o contexto da ilha, do concelho e aquele contexto social, uma situação de
desemprego, por despedimento coletivo e por encerramento de uma unidade industrial, não é, obviamente, a
mesma coisa na Madalena do Pico ou em outro qualquer concelho do País. A dificuldade de encontrar uma
alternativa é, obviamente, muito maior do que em muitas outras situações e isso justifica a terceira medida.
O prolongamento do prazo destas prestações sociais serve, exatamente, para que, perante esta dificuldade,
as pessoas possam durante mais tempo ter este apoio.
Como disse, o CDS esteve sempre do lado dos que apoiaram estas iniciativas. Hoje, voltaremos a estar,
como em 2018, quando propusemos, na Assembleia Legislativa da região, a criação do grupo de trabalho, ao
lado dos ex-trabalhadores da COFACO e das melhores condições possíveis para que o impacto para estes e
para as suas famílias seja minimizado.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: Os debates na Assembleia da República sobre a situação da COFACO e seus trabalhadores não são uma novidade, nem aqui, nem,
infelizmente, na Assembleia Legislativa dos Açores.
Por isso mesmo, em 2017, o Bloco de Esquerda, nos Açores, foi o primeiro a interpelar o Governo Regional,
na altura, sobre a anunciada deslocalização da fábrica e as consequências que isso traria para centenas de
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trabalhadores. Lembramos que a COFACO havia sido subsidiada por dinheiros públicos, na ordem dos vários
milhões de euros, uma situação que deveria ter obrigado a uma responsabilidade acrescida perante os seus
trabalhadores, mas também perante a região.
O tempo passou, a fábrica encerrou, o Governo regional prometeu que haveria uma nova fábrica e que a
situação dos cerca de 200 trabalhadores estaria assegurada. No entanto, como sempre viemos a denunciar, os
anúncios nunca passaram disso mesmo e a situação dos trabalhadores e da região viu-se agravada. Por isso
mesmo, tanto no Orçamento do Estado para 2019, como no Orçamento do Estado para 2020, apresentámos, à
semelhança de outros partidos, propostas de majoração de apoios sociais, sendo que, finalmente, no Orçamento
do Estado para 2020, acabou por ser aprovada a proposta do PCP, como já foi referido.
Novamente, falamos de quase 200 trabalhadores, muitos com idades já avançadas e com uma natural
dificuldade em encontrar alternativas laborais na ilha do Pico. Até hoje, o que foi aprovado no Orçamento do
Estado para 2020, ou seja, a promessa de majoração dos apoios sociais não foi cumprida. Mas também não foi
cumprida a promessa de construção de uma nova fábrica, muito menos a integração de trabalhadores nessa
nova unidade industrial que tanto foi anunciada e que, até hoje, continua a não existir. Sobre isso, o Bloco de
Esquerda questionou inclusivamente a Comissão Europeia acerca dos fundos europeus que haviam sido
dirigidos especificamente a esta nova unidade que, até ao dia de hoje, nunca chegou a existir.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, assim, considerando o histórico que é por todas e por todos conhecido,
não é aceitável que o Governo não tenha ainda regulamentado o que ficou aprovado no Orçamento do Estado
para 2020 e isso tem tido um claro prejuízo para centenas de trabalhadores e para as respetivas famílias.
Aliás, o Sr. Deputado do Partido Socialista citou aqui o artigo 55.º, aquele que foi aprovado. O que ninguém
consegue compreender é o facto de estarmos em setembro de 2020 e de o Governo do Partido Socialista não
ter regulamentado o que foi aprovado no Orçamento do Estado para 2020 e que protege estes trabalhadores.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Ah, pois é!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Como é obvio, isso deverá ser feito com a maior brevidade possível. Da parte do Bloco de Esquerda, desde o início que alertámos para tal, que o denunciámos, que o
propusemos, aqui na Assembleia da República, mas também na assembleia regional. Por isso, considerando
que não é aceitável esta situação, mantemos o empenho que sempre tivemos na resolução desta injustiça
trazida a estas centenas trabalhadores e suas famílias, mas também à economia da região. Por esta razão,
estaremos sempre do lado daqueles que apresentem as soluções mais rápidas para a resolução desta situação.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje discutimos uma questão de importância vital para os ex-trabalhadores da COFACO e para o próprio Pico.
É um tema que o PCP tem sucessivamente trazido, porque é vital mitigar as consequências sociais do
encerramento desta fábrica. Foi assim há dois anos, quando foi aprovada uma resolução no sentido de garantir
um regime especial de facilitação dos apoios sociais, e foi assim, no Orçamento do Estado para 2020, quando
foi aprovada a proposta apresentada pelo PCP, de apoio social aos trabalhadores da COFACO.
Nessa altura, o PSD achou tão bom, tão bom que votou contra o Orçamento.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — A realidade é que o que foi inscrito no Orçamento continua por cumprir e há quem esteja, Srs. Deputados, desde abril, sem qualquer rendimento, porque, entretanto, acabou o subsídio de
desemprego e não lhes está a ser atribuído o rendimento de inserção. Numa altura destas, é indecente o que
está a ser feito. Há famílias sem rendimento nenhum, conhecemos situações que são verdadeiramente
dramáticas. É indecente que o Governo não tenha feito a sua obrigação!
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Os trabalhadores já enviaram até um abaixo-assinado ao Governo da República para exigir aquilo que é seu
por direito e que ficou definido pelo Orçamento do Estado, por isso é um descaramento a conversa do PSD,
digo, do Partido Socialista.
Vozes do PSD: — Ah!…
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Bom, mas o PCP vai continuar a utilizar a sua voz e todos os meios, cá e lá, para responder a esta emergência social. Porque, Srs. Deputados, o impacto do despedimento coletivo de 300
trabalhadores, numa ilha que tem cerca de 14 000 habitantes, é brutal. Representa uma perda de mais de 4%
da população ativa e de 8% no concelho da Madalena.
Recorde-se que estamos a falar de uma ilha, com todas as especificidades que isso comporta, onde não é
fácil encontrar trabalho e onde não dá para ir procurá-lo mais ali ao lado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — E, para fomentar a criação de emprego e a manutenção dos postos existentes na ilha, é fundamental que a população não perca o poder de compra, o que já estava a acontecer mesmo antes
da pandemia.
Tudo o que ajudar a mitigar a situação aflitiva dos ex-trabalhadores da COFACO e do povo da ilha do Pico
terá o apoio do PCP, mas não podemos esquecer, também, que são precisas alternativas e a reconversão
económica da ilha do Pico para resolver as questões de fundo. E isso faz-se com fortes serviços públicos, como
a saúde, com mobilidade marítima e aérea asseguradas, com investimento nos setores produtivos, defendendo
a pesca e a agricultura locais. Só assim se garante o futuro destes trabalhadores da COFACO, da ilha do Pico
e dos Açores.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Se não houver mais inscrições, entramos, de seguida, na intervenção final deste ponto. Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Moniz, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para congratular o facto de este assunto, diversas vezes discutido, quer na Assembleia Legislativa regional, quer na
Assembleia da República, ter merecido este amplo consenso e de, finalmente, por mão do PSD, ter em concreto
uma resolução. Trata-se de pessoas e, para nós, o protelar de anúncios e de medidas que não se traduzem em
algo de concreto para a vida das pessoas tem pouco interesse.
Não posso também deixar de referir à Sr.ª Deputada Alma Rivera —recordar-se-á, certamente, do debate
que tivemos pouco antes das férias, quando este assunto foi uma das suas perguntas à minha intervenção —
que lhe disse, na altura, que estávamos a tratar do assunto e que íamos resolvê-lo. Como vê, em pouco mais
de dois meses, está resolvido. Entendemos que esses assuntos prioritários não devem ser esquecidos nem
devem ser motivo de exclusão dos ex-trabalhadores no acesso a um direito e às condições de dignidade
humana, ao fim de uma vida de anos e anos de trabalho.
Para finalizar, gostaria de dirigir uma palavra a estes ex-trabalhadores. Esta é uma vitória essencialmente
deles, uma vitória da perseverança, uma vitória da esperança sobre a experiência de medidas anunciadas e
fracassadas. Estamos a falar de pessoas que labutam em nome da região, no que designamos como «bens
transacionáveis», essenciais à nossa economia. De um dia para o outro, aqueles que têm formalmente
responsabilidade em defendê-las e a quem foi confiado o seu destino deixaram-nas desamparadas, no pior
momento.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Passamos ao ponto 3 da agenda que consiste no debate, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 483/XIV/1.ª (BE) — Alarga o regime extraordinário de proteção dos arrendatários (4.ª alteração à Lei
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n.º 1-A/2020, de 19 de março) e 488/XIV/1.ª (PCP) — Alarga o regime extraordinário de proteção aos
arrendatários até 31 de dezembro de 2021 e define o prazo para entrega de candidaturas para apoio financeiro
do IHRU até 31 de dezembro de 2020.
Para abrir este debate, tem a palavra o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, através da Sr.ª Deputada
Maria Manuel Rola.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este projeto que aqui apresentamos é simples e não é novo, pois já o fizemos quando discutimos as medidas de apoio e de mitigação
desta pandemia.
Propomos prolongar os prazos dos contratos de arrendamento. Não, não estamos a falar de moratórias e
também não estamos a falar de perdão de rendas, mas de prazos de contratos prolongados nos mesmos termos
iniciais.
Traduzo para miúdos, a suspensão que agora vigora, até ao dia 30 de setembro, passará a estar em vigor
até ao final de 2020. Isto ocorre de duas formas: para quem já recebeu ou venha a receber a comunicação de
fim de contrato ou de desocupação, dentro do previsto legalmente, só terá de sair da casa a partir de 1 de janeiro
de 2021; já os contratos que se encontram perto do fim são, também eles, estendidos até dia 1 de janeiro de
2021.
Na prática, para resumir, todos os contratos a prazo são estendidos e sê-lo-ão apenas até ao final do ano de
2020. Porquê? Porque existem várias razões, desde logo de higiene, de saúde pública e de condições para o
confinamento. Se todos sabemos que devemos lavar as mãos, manter o distanciamento, usar a máscara,
respeitar a etiqueta respiratória, também sabemos que devemos manter-nos em casa sempre que possível e
que, se tivermos contacto com alguém infetado, ficar em casa torna-se mesmo obrigatório.
Ora, com o crescimento do número de casos, não podemos dar-nos ao luxo, enquanto sociedade, de
intensificar a crise na habitação e a exposição ao vírus. É simples e sensato. Mas existem também razões de
estabilidade de vida e de saúde dos inquilinos, num momento de perda de rendimentos. Sabemos que a descida
dos valores das rendas não tem sido, nem de longe nem de perto, tão acentuada quanto a quebra de
rendimentos. Em julho, tínhamos já cerca de 636 000 pessoas em situação de desemprego. Destas, apenas
220 000 teriam acesso a apoio decorrente desta condição.
Falamos, para além disto, de centenas de milhares de trabalhadores que estiveram em layoff, de
despedimentos coletivos que ocorreram e a ocorrer, de atividade zero ou extremamente reduzida no caso de
precários e de prestadores de serviço, de fim de contratos de trabalho a prazo, tendo estes últimos sido os
primeiros a sofrer devido à pandemia.
Podemos ver o exemplo do setor da cultura e nestes casos, e em tantos outros, fazer face às condicionantes
de fiança ou de seguro, a várias rendas adiantadas, à caução solicitada, como sabemos, num novo contrato de
arrendamento é simplesmente impossível, é um acréscimo brutal de despesa extraordinária que não decorre do
pagamento da renda fixa.
E é este o contexto, que não é assim tão diferente do de março, que nos chama a tomar medidas de proteção
dos inquilinos. Tanto mais que sabemos que cerca de 700 000 agregados mantêm contratos de arrendamento
e são, normalmente, os estratos sociais mais frágeis, mais precários e jovens aqueles que alugam uma casa ou
um quarto no mercado privado, porque não têm acesso fácil a crédito ou porque não têm sequer património
próprio. Neste momento, podem nem sequer ter rendimento próprio.
O acesso à habitação era já em si uma crise, que agora se agrava na alimentação da voracidade deste vírus,
que ele próprio se alimenta da falta de condições para a proteção de cada um de nós e de todos nós como um
todo. Agrava-se, ainda mais, pelo afundanço que representa a falta de emprego.
Já sabemos que, se queremos combater a pandemia, temos de apostar na saúde e num Serviço Nacional
de Saúde robusto. Mas não se enganem: temos também de garantir habitação digna, condições mínimas de
habitabilidade e não permitir que existam despesas avultadas a que as famílias não conseguem fazer face,
adensando o problema que têm agora de rendimentos.
Há muita gente, Sr.as e Srs. Deputados, que depende da rede que somos todos e todas nós. Não podemos
largar a mão.
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A epidemia da COVID-19 veio agravar a situação do arrendamento habitacional, contribuindo para um maior desemprego e originando 2177 pedidos de
empréstimo no Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana para o pagamento das rendas das habitações.
Por outro lado, a dramática situação das micro, pequenas e médias empresas, bem como de clubes e de
coletividades do movimento associativo popular, veio suscitar idênticas preocupações relativamente ao
arrendamento não habitacional.
Neste período, milhares de trabalhadores foram despedidos, pois os mecanismos para permitir descartar
trabalhadores, seja ao fim de seis meses do período experimental, seja pela não renovação de contratos, seja
pelos despedimentos coletivos, seja pelos falsos recibos verdes, já existiam — bastou acioná-los! Centenas de
milhares viram os seus salários reduzidos, designadamente os que estiveram em layoff. Muitos milhares viram
atacados os seus direitos a férias, a horários estáveis, a componentes variáveis das remunerações, como os
subsídios de refeição, revelando os desequilíbrios existentes nas relações laborais que agora se agravaram.
Micro, pequenos e médios empresários foram forçados a suspender os seus negócios e viram as suas
atividades postas em causa e os efeitos duradouros que hoje se fazem sentir decorrem não já da epidemia mas
da redução do poder de compra.
Mas este foi também o tempo de agravamento de muitos outros problemas. Tal como, oportunamente, alertou
a Associação dos Inquilinos Lisbonenses, o número de pessoas que solicitaram empréstimo é claramente
diminuto considerando o número total de contratos de arrendamento, sendo que, dos mais de 735 000 contratos
existentes, apenas 2100 pessoas fizeram o pedido correspondente e, daí, só metade foi considerada.
A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à
situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e COVID-19, definiu o regime extraordinário
e transitório de proteção dos arrendatários, suspendendo a produção de efeitos quer das denúncias de contratos
de arrendamento, quer da sua caducidade, revogação ou oposição à renovação por parte do senhorio. Ora,
essa suspensão, que está em vigor, termina no dia 30 deste mês e, face à evolução da situação económica e
social, com o avolumar dos problemas que acabámos de referir, é indispensável que não seja abandonada e
extinta esta medida de proteção aos inquilinos. O PCP propõe que seja mantido este regime até ao final de
2021.
Por outro lado, o Orçamento Suplementar, em vigor até ao final do ano, garante o cabimento das verbas
destinadas ao apoio financeiro do IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana). Essas verbas foram
previstas para apoiar os interessados que preenchessem os requisitos descritos na Lei n.º 4-C/2020,
regulamentada pela Portaria n.º 91/2020, de 14 de abril. A possibilidade de apresentação de candidaturas, nesse
processo, terminou no passado dia 1 de setembro e tem sido do conhecimento público quer a informação da
falta de conhecimento desse direito, quer a situação de manifestas dificuldades de muitos arrendatários no
pagamento de rendas de casas de habitação própria e permanente.
Assim, coloca-se a urgente necessidade de abertura de um novo prazo para apresentação de candidaturas
nos mesmos termos, para dar resposta aos problemas sentidos pelas populações. Procura-se assegurar que a
candidatura à obtenção do apoio financeiro não tenha qualquer obstáculo. É esse o sentido da presente iniciativa
do PCP, em que propomos que tal seja possível até ao final do ano.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os problemas neste âmbito estão muito longe de estar ultrapassados:
para muitas famílias, micro e pequenas empresas ou associações não é sequer possível afirmar que o pior já
passou. O PCP defende, desde o início, como sabem os Srs. Deputados, que se vá mais longe nas soluções a
aplicar, mas é indispensável que, no mínimo, as medidas de resposta que estão em vigor não desapareçam
este mês. Devem ter continuidade e não só até final deste ano.
Esta Assembleia tem de decidir e responder, de forma justa e célere, a esta situação grave que se está a
fazer sentir por todo o País. É esse o sentido da proposta do Partido Comunista Português.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do Grupo Parlamentar do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde a primeira hora que o PAN tem afirmado que a COVID-19, mais do que uma crise sanitária, trazia consigo uma crise social e
económica sem precedentes e que ninguém poderia, de facto, ser deixado para trás. Fizemos propostas para o
assegurar, mas, infelizmente, nem sempre tal foi possível concretizar devido a algumas maiorias negativas que,
por vezes, aqui se formaram ou devido à falta de abertura por parte do Governo e do Partido Socialista.
Hoje, discute-se o alargamento do âmbito temporal das medidas de proteção dos inquilinos e o alargamento,
até ao fim do ano, do prazo para apresentação de pedidos de empréstimo ao IHRU pelos senhorios e inquilinos
habitacionais. O PAN não podia estar mais de acordo com estas propostas, uma vez que nos vários momentos
em que se discutiu aqui este tema sempre defendemos que, face à imprevisibilidade da crise sanitária e das
suas consequências, o mais adequado era não serem previstos prazos rígidos para a vigência destas medidas
de proteção e garantir que as mesmas se poderiam aplicar enquanto se mantivesse a crise sanitária e nos três
meses seguintes.
É precisamente esse o período temporal de referência para as medidas excecionais da contratação pública
que deveria ser, também, o período de referência para as medidas de proteção no domínio da habitação. É isso,
de resto, que nos recomenda a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) quanto
aos apoios sociais criados no atual contexto.
Por isso, na especialidade, o PAN vai insistir com esta proposta, pelo menos quanto aos prazos dos pedidos
de empréstimos ao IHRU, uma vez que se espera um agravamento da crise social nos próximos meses e que
a dotação orçamental desse apoio está longe, infelizmente, de ser esgotada.
Mas, hoje, o PAN não pode deixar de assinalar dois problemas que existem quanto a estes pedidos de
empréstimo e que o Governo e o IRHU têm de resolver o quanto antes.
O primeiro prende-se com o número muitíssimo reduzido de pedidos. Até ao final de agosto, foram apenas
feitos pouco mais de 2000 pedidos, o que, manifestamente, não espelha a realidade do País e as necessidades
dos cidadãos no quadro atual. Parece-nos muito claro que o Governo e o IHRU deveriam fazer um esforço maior
para publicitar esta importante medida e daqui fazemos precisamente esse apelo, no caso, sobretudo, de os
projetos hoje apresentados virem a ser aprovados.
O segundo problema prende-se com uma exigência excessiva na análise dos critérios de candidatura,
patente no chumbo de mais de metade dos pedidos efetuados, e numa demora de processamento do pagamento
dos apoios, após a respetiva aprovação. Aliás, o PAN questionou, há mais de um mês, o Ministro Pedro Nuno
Santos e aguarda resposta sobre casos de pessoas que viram o seu apoio aprovado em junho e que só o viram
processado no final do mês de agosto. Estamos a falar de apoios de emergência, pelo que não é admissível
que demorem três meses a ser processados e, menos ainda, não foi esse o objetivo que tínhamos quando
aprovámos esta medida.
Por isso, daqui afirmamos que é urgente que o Governo assegure que a lei no papel se torne efetiva na
prática e que as burocracias, tão comuns em Portugal, não atirem os cidadãos para situações ainda mais
complicadas do que aquelas em que, atualmente, já se encontram.
Aplausos do PAN.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Hugo Costa, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A atual situação pandémica da COVID-19 alterou rotinas, dinâmicas sociais e colocou desigualdades já existentes em maior evidência. É
responsabilidade da Assembleia da República debater medidas e soluções que visem proteger quem está em
situações que podemos considerar de maior dificuldade.
O desemprego, a quebra de rendimentos e as consequências económicas e sociais sobre um vasto conjunto
de pessoas e de atividades que estivaram paradas, nomeadamente no período de confinamento, não podem e
não devem ser ignoradas.
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O momento de emergência e a proteção da saúde pública obrigou a decisões difíceis e a respostas dos
poderes públicos. Se, no emprego, medidas como o layoff simplificado tiveram um grande alcance, na habitação
também tiveram impacto a suspensão de despejos, a suspensão da cessação de contratos de arrendamento e
da execução de hipotecas sobre imóveis que constituam habitação própria e permanente dos arrendatários.
Dessa forma, um dos direitos, entre muitos, que foi possível salvaguardar neste período foi o direito à
habitação.
Numa primeira fase do confinamento, atendendo ao risco de saúde pública, tornou-se necessário assegurar
a todos, com urgência, as condições de confinamento doméstico necessárias para a proteção das suas famílias
e a contenção das cadeias de contágio.
Revelou-se, ainda, necessário acautelar os direitos dos arrendatários face ao risco de incumprimento dos
contratos de arrendamento, resultante da quebra de rendimentos sofrida em função da paralisação de atividades
durante a fase de confinamento.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a habitação é considerada um direito fundamental, previsto na
Constituição da República Portuguesa no seu artigo 65.º, e é a base para outros direitos como a saúde, o
emprego ou a educação. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista e o Governo estão fortemente empenhados
em políticas públicas de habitação que sejam justas e equitativas.
Em termos de políticas públicas, na área da habitação, a velha crença da «mão invisível» de Adam Smith,
na qual o mercado resolveria com o seu equilíbrio todas as dificuldades, teve grande aplicação no mercado da
habitação em Portugal e falhou redondamente. Esta crença fez com que, em Portugal, apenas 2% da nossa
habitação fosse pública, contrariando a maioria dos países europeus, com valores na casa dos 10%.
Nos últimos anos, por propostas do Governo e do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, existiu uma
aposta na habitação com programas como o 1.º Direito, bem como o reforço sucessivo de verbas no Orçamento
do Estado. Relembre-se que, no último Orçamento do Estado, por proposta do Partido Socialista, foi prolongado
o período transitório das rendas antigas, afetando, nomeadamente, os mais idosos e quem mais precisa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a pandemia da COVID-19 colocou novas dificuldades e, por isso, o
Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera que os projetos hoje em debate vão no sentido do que é
socialmente certo e justo. Contudo, na nossa opinião, precisam de ser trabalhados em sede de especialidade.
Sobre o mercado de arrendamento, consideramos que o facto de as suspensões previstas terminarem no
final deste mês pode levar a consequências sociais que não podem ser ignoradas, sendo que concordamos com
a prorrogação do prazo até ao final do ano. Aproveitamos para relembrar que o prazo anterior já tinha sido
prolongado, por proposta do Governo.
Sublinhamos, contudo, que essa solução deve ser feita de forma justa e de modo a não prejudicar os
proprietários e, simultaneamente, não estarmos a apoiar, efetivamente, quem não precisa. Seria injusto.
Ou seja, as medidas são justas sempre que haja um efetivo cumprimento, por parte de proprietários e
senhorios e por parte de arrendatários, de todas as suas obrigações contratuais. Dessa forma, em sede de
especialidade, temos abertura para realizar propostas que vão nesse sentido, o da equidade.
Em relação à proposta do Partido Comunista Português de extensão do prazo para as candidaturas aos
apoios do IRHU, parece-nos importante, visto ser conhecida a pouca execução dos apoios e a necessidade de
garantir efetiva informação.
Por fim, quero garantir que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista continuará a acompanhar este tema
do arrendamento, com toda a atenção, dedicação e cuidado que o mesmo nos merece.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A situação pandémica do País agravou vários setores da nossa economia.
A pandemia trouxe mais desemprego, menos rendimento para as famílias, mais famílias desprotegidas, mais
vulnerabilidade habitacional, mais pobreza.
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Este contexto coloca uma questão pertinente, a proteção dos arrendatários. E aqui há uma enorme diferença
entre aquilo que é a esquerda e as soluções da esquerda e as soluções da direita.
A esquerda quer que os proprietários e os senhorios assegurem a proteção dos arrendatários e dos
inquilinos, a direita entende que deve ser o Estado a suportar essa mesma responsabilidade. E devemos aqui
colocar uma pergunta, Sr.as e Srs. Deputados: foram os proprietários, foram os senhorios que trouxeram o
desemprego? Foram eles que trouxeram a pobreza? Foram eles que trouxeram a pandemia? Não, não foram.
Por isso, cabe ao Estado proteger, com os seus meios, aqueles que têm vulnerabilidade habitacional.
Proprietários e senhorios não têm de fazer aquela que é a ação social que cabe ao Estado. Tivemos anos,
tivemos décadas em que os proprietários e os senhorios tiveram de fazer esta ação social através do
congelamento de rendas quando não lhe cabia a si.
Todos sabemos que este contexto económico e social vai agravar-se. Nesta pandemia, os senhorios já
perderam muito rendimento e desses senhorios e desses proprietários não se pode exigir mais.
O projeto de lei do Bloco de Esquerda aplica-se a todos os contratos de arrendamento e não tem em conta
um requisito, um critério fundamental, que é a condição de recursos, ou seja, deveria aplicar-se àqueles que
mais precisam. Repito, esse projeto de lei aplica-se a todos os contratos de arrendamento.
Por isso, o projeto de lei do Bloco de Esquerda é lesivo para a propriedade privada, desprotege os
proprietários e tenta resolver um problema criando outro.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta que nos é trazida hoje mostra duas coisas, aqueles que têm um profundo desconhecimento da realidade social e aqueles que querem, acima
de tudo, destruir o mercado.
O que temos hoje aqui é um conjunto de propostas que desprotege por completo os proprietários, a
propriedade privada e os senhorios. Torna-os quase como criminosos, num Estado em que têm sempre de
suportar mais impostos, e agora torna-os também os garantes da ação social.
Portugal é o País da Europa com mais taxação sobre os senhorios e a propriedade e, em termos
comparativos com a OCDE, onde mais se suporta os impostos sobre a propriedade. E o que nos trazem aqui,
hoje, é um projeto para que estas famílias, que também pagam impostos, porque são portuguesas como nós,
sejam agora responsáveis pela crise que vivemos. É como aqueles que criticam sempre o discurso do ódio,
mas, quando chega o momento de assacar culpas, dizem que são os mauzões dos proprietários e dos senhorios
que têm de assegurar os custos de todos nós que aqui estamos e deles também.
Foi sempre assim e há de sempre continuar a ser assim.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado. Já ultrapassou o seu tempo.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir, Sr. Presidente. O projeto do PCP vai mais longe: diz que até ao fim do próximo ano os senhorios ficarão completamente de
mãos atadas. É o mesmo que dizer «destrua-se o mercado, nós continuaremos aqui a trabalhar».
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Márcia Passos, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda e o PCP trazem a discussão a este Plenário propostas de alteração ao regime extraordinário e transitório de proteção dos
arrendatários.
Em concreto, falamos do regime especial que, por causa da pandemia COVID-19, justificou que se legislasse,
suspendendo os efeitos da cessação dos contratos de arrendamento até ao próximo dia 30 de setembro de
2020.
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Não podemos esquecer, Srs. Deputados, que estamos perante contratos de arrendamento que,
maioritariamente, já terminaram, por uma ou outra razão, mas já terminaram. Estamos a falar de situações em
que, fruto da pandemia, aliada à crise social e económica provocada por aquela, foi prolongado o prazo de
entrega dos imóveis aos seus proprietários.
Assim, um inquilino que deveria ter entregado a casa ao senhorio, porque o contrato terminou — convém
não esquecer! —, por exemplo, em 30 de maio de 2020, ficou com a possibilidade de a entregar apenas em 30
de setembro de 2020, beneficiando, assim, neste exemplo concreto, de mais quatro meses para procurar outra
casa,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Procurar outra casa?!
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — … procura que, naturalmente, já deveria ter iniciado antes de o contrato terminar.
Mas também não podemos esquecer que estamos, ou podemos estar, perante situações em que os
arrendatários, apesar de terem possibilidades de entregar os imóveis aos senhorios, não o fazem apenas por
conforto, cobertos por este regime excecional.
Alguns deles, Srs. Deputados, nem sequer pagam a renda, mas continuam, porque também estes beneficiam
deste regime excecional, a esperar pela data de 30 de setembro, prejudicando com isso o senhorio. Por um
lado, há inquilinos que não pagam as rendas devidas, por outro, há senhorios que estão no estrangeiro a
aguardar que a casa lhe seja entregue para vir para Portugal morar na sua própria casa.
Ora, alargar, por si só, o prazo de entrega dos imóveis, só porque ainda vivemos em situação pandémica,
como pretendem os diplomas apresentados pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, sem encontrar mecanismos
de salvaguarda para quem tem direito a receber as suas rendas e, para além de não as receber, ainda tem de
continuar a dar habitação aos arrendatários infratores, parece-nos querer ir longe demais.
Então, se pensarmos que a proposta do PCP pretende implementar tal regime até 31 de dezembro de 2021,
parece-nos totalmente injustificável. Srs. Deputados, porquê 31 de dezembro de 2021?
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Porque não há 32 de dezembro!
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Nesse caso, até ouso perguntar: porque não 2022 ou 2023? Não faz qualquer sentido tal proposta, a não ser que a mesma esconda a ambição do PCP, que é a
substituição das funções do Estado usando, para isso, os proprietários, o que, naturalmente, repudiamos.
Tal como repudiamos, Srs. Deputados, beneficiar quem não cumpre as suas obrigações, como é o
pagamento das rendas, como é a falta de pagamento, por parte do Estado, aos seus fornecedores — posturas
destas repudiamos e repudiaremos sempre.
Estamos, como temos vindo a demonstrar, totalmente disponíveis para, na discussão na especialidade,
encontrar soluções, eventualmente até aceitar prorrogar o prazo de entrega dos imóveis, mas desde que sejam
soluções de bom senso e de equilíbrio. Como temos dito, Srs. Deputados, para isso, contem sempre com o
PSD.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto alguns continuam na mesma cruzada de sempre, ao assumirem-se como representantes e defensores dos fundos imobiliários, vê-se a hipocrisia
política de quem chumbou as propostas do PCP que protegiam os senhorios de forma justa com a compensação
do Estado. Nem isso os senhores quiseram!
Enchem a boca com a justiça social e, depois, falam dos inquilinos como se fossem criminosos. E falam de
2021 como se fosse o ano da graça, em que vai estar tudo na paz dos anjos.
Srs. Deputados, nem os senhores acreditam nas vossas próprias palavras!
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Protestos do Deputado do CDS-PP João Gonçalves Pereira.
O PCP está disponível, sim, para o trabalho na especialidade — sempre esteve!
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Tem complexos com a propriedade privada!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Continuamos onde estávamos, com a proposta de alargamento do regime até 2021, pelo que não acompanhamos o recuo que o BE teve ao substituir a sua proposta de 2021 para 2020.
Não pactuamos com perdas de tempo nem com manobras de quem quer, afinal, continuar a defender os
mesmos interesses do costume.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para a última intervenção do debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do BE.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós tínhamos, e temos, um problema concreto e uma crise na habitação a que o mercado não tem respondido e a qual o PSD e o CDS vieram
intensificar com as alterações que fizeram à legislação do arrendamento, sem antever a resposta que tanto
pedem que o Estado venha agora garantir.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Isso não é verdade! Não é sério!
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — É verdade! É necessária uma resposta do Estado, mas ela não está na gaveta de ninguém. A resposta que se pode garantir não é por perdão de rendas, não é por congelamento de
rendas, é por manutenção de contratos com condições iguais às anteriores, devendo ser garantidos apenas por
mais três meses. Estamos a falar num período de aumento da pandemia, num período de crise de saúde,…
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — É um regabofe!
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — … em que é necessária uma resposta de proteção às pessoas. O mercado não garantiu o combate à pandemia na saúde, mas também não o garantiu na habitação, quando,
apesar de os despejos estarem suspensos, contratou segurança privada, ilegalmente, para despejar pessoas
de prédios que estavam vazios há mais de dois anos e que continuam a ser protegidos por vistos gold, à margem
de qualquer Estado democrático que tenhamos.
E sabemos também que esta crise trouxe um problema relativamente à procura de casa. Gostava de
perguntar à Sr.ª Deputada Márcia Passos como é que procuramos casa se não podemos sair dela. Essa é uma
questão para a qual gostava mesmo de conseguir ter resposta: como é que procuramos uma casa sem sair
dela? Como é que alugamos uma casa se não temos rendimento? E quanto às cauções e rendas extra? Como
é que fazemos isso?
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Ocupar, barricar!
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Gostava que me respondesse, Sr.ª Deputada Márcia Passos, até porque gostava de perceber como faria para alugar casa.
Bem, se o bom senso e o equilíbrio do PSD passam por mandar as pessoas para a rua numa situação de
crise pandémica, numa situação de perda de rendimentos, ora, parece-me que «equilíbrio» e «bom senso» já
não fazem parte do dicionário da direita.
Da nossa parte, estamos cá para dar resposta e manter o equilíbrio e bom senso, tão necessários para
garantir que todas as pessoas sejam protegidas no seu direito à habitação, que é essencial neste momento de
crise pandémica, e à saúde.
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Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao final do terceiro ponto da nossa agenda. Segue-se o quarto ponto, que consiste na apreciação do Projeto de Resolução n.º 471/XIV/1.ª (PCP) —
Recomenda ao Governo a reversão da alienação do Novo Banco, a sua transferência para a esfera pública e o
apoio especializado às micro, pequenas e médias empresas e, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 499/XIV/1.ª
(IL) — Condiciona o exercício dos direitos de conversão pelo Estado de créditos em capital do Novo Banco à
sua aprovação prévia pela Assembleia da República.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado mês de maio, o Governo realizou a transferência de mais 850 milhões de euros para o Novo Banco, sem que a pandemia e todos os desafios que
enfrentamos o tenham feito sequer pestanejar.
Nessa altura, o PCP apresentou o projeto de resolução que agora discutimos, que coloca em cima da mesa
o início do processo de recuperação de controlo público sobre o Novo Banco, condição necessária para acabar
com este autêntico escândalo nacional que é o Estado pagar a conta da limpeza de um banco, mas, no final, o
banco não é nosso, nem é colocado ao serviço da economia e do País.
Desde maio até agora, o que vamos sabendo sobre o Novo Banco só dá mais força aos argumentos do PCP.
Tivemos, ontem e anteontem, audições com o Dr. António Ramalho, Presidente do Conselho de Administração
do Novo Banco, e com o Dr. Máximo dos Santos, Presidente do Fundo de Resolução. Saímos destas audições
sem sabermos quem são, afinal, os beneficiários últimos das vendas de ativos que levantaram legítimas
suspeitas sobre a idoneidade dos compradores e sobre as suas ligações ao próprio Lone Star.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — O Dr. António Ramalho, que garantiu em comunicado que sabe quem são todos os beneficiários últimos e que se indignou com quem fizesse suposições sobre o cumprimento da lei, não
foi capaz de esclarecer a Assembleia da República sobre quem são, afinal, esses beneficiários.
Estamos a falar de negócios como a venda da seguradora GNB Vida, que representou perdas de mais de
380 milhões de euros para o erário público, ou dos imóveis, vendidos a uma fração do valor a que estavam
registados no balanço, com prejuízos de milhões de euros.
Mas podemos também olhar para as reestruturações de créditos, os refinanciamentos a ativos que já
estavam a dar problemas, decisões tomadas já pela atual administração e que avançaram, apesar da análise
de risco do próprio Novo Banco desaconselhar esses negócios.
A auditoria deixa muito por analisar, desde logo a política de imparidades do Novo Banco, mas assinala
vários exemplos de falhas nos mecanismos de controlo, o que contraria a ideia de que o controlo ia ser total,
como foi dito na altura da privatização do banco.
Tudo isto tem dado razão ao PCP, que, ao longo deste processo, sempre defendeu que o controlo público é
condição necessária para acabar com a gestão danosa, que acaba sempre por ser paga pelos portugueses.
Defendemos essa opção na altura em que o Governo PSD/CDS decidiu avançar com um processo de
resolução fraudulento, em que disse aos portugueses que era possível resolver um banco que tinha 12 000
milhões de euros de passivo na sua holding internacional, com os 4,9 mil milhões de euros correspondentes ao
que restava do fundo da troica e do Fundo de Resolução.
Foi uma mentira. Hoje, toda a gente reconhece que não havia banco bom. Essa divisão fez-se apenas para
procurar iludir, com a ideia de uma resolução sem custos.
Até o Dr. Máximo dos Santos disse ontem, na audição, que «a má qualidade dos ativos do Novo Banco é
evidente». Toda a gente sabia — o Banco de Portugal sabia, o Governo de Passos Coelho sabia — que nunca
na vida aquela divisão e aquela resolução sem custos era verdadeira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
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O Sr. Duarte Alves (PCP): — Os portugueses estão ainda a pagar as consequências dessa resolução, baseada numa mentira e depois agravada pela decisão, já do Governo PS, de privatizar a custo zero o banco,
entregando-o ao Lone Star, dando uma garantia pública de 3,9 mil milhões de euros.
Também aí se disse que a privatização, e cito o Primeiro-Ministro, António Costa, «não terá impacto direto
ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes».
Pois bem, a verdade é que os ativos abrangidos pela garantia estavam mal avaliados, o que permitiu à
administração registar perdas para ser o Estado a pagar. A verdade é que o limite dos 3,9 mil milhões de euros
não era uma mera baliza teórica, mas sim um valor que o Lone Star, desde o início, tudo fez para usar na sua
totalidade e, se possível, ultrapassar. Aliás, outra coisa não seria de esperar de um fundo com aquelas
características. A verdade é que, juntando a resolução às garantias da privatização, os portugueses já
enterraram no Novo Banco perto de 9000 milhões de euros.
Sejamos realistas: já pagámos a limpeza do banco, continuamos a pagar a limpeza do banco. E, se assim é,
se estamos a pagar a limpeza do banco com fundos públicos, então, não podemos admitir que, no final, o banco
seja entregue a um qualquer grupo privado, provavelmente a um grupo estrangeiro, em vez de ser assegurado
o seu controlo público.
É essa a oportunidade que o PCP dá com este projeto de resolução, ou seja, a oportunidade de a Assembleia
da República dar um sinal ao Governo de que existe vontade política para que, já que o pagamos, então, que o
banco seja colocado na esfera pública.
Se houver essa vontade política, podem ser muitas as formas de garantir esse controlo público e de colocar
o banco ao serviço do financiamento da economia nacional e do País, particularmente importante no momento
em que vivemos.
É essa opção de um Estado que se dá ao respeito que o PCP coloca em cima da mesa com esta iniciativa.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei da Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de resolução que o PCP nos traz lembra-me aquele dito «para quem só tem um martelo, todos os problemas lhe parecem pregos»!
Sei que o PCP tem martelo e foice, mas, mesmo assim, todos os problemas lhe parecem pregos.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Veja lá, não queira acabar no lugar do prego!
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Para o PCP, se há alguma coisa a resolver, a solução é sempre a mesma: nacionalizar; se há alguma coisa a melhorar, algum serviço ou algum regime, a solução é sempre a
mesma: mais Estado e só Estado. E, se o assunto mete banca, então, todo o furor marxista-leninista, não sei se
ainda estalinista, vem ao de cima e «como a banca é o coração do capitalismo, há que arrancar o coração da
besta!».
Lamento dizê-lo, mas o PCP tem a memória muito curta, porque a banca em Portugal, entre 1975 e 1985, foi
toda pública, foi toda nacionalizada…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — … e os resultados foram catastróficos! Ainda hoje estamos a pagar a descapitalização da banca e da economia dessa altura.
A Iniciativa Liberal não tem esse tipo de obsessões nem está agarrada a esse tipo de passado, não precisa
disso para sobreviver, e, por isso, vem aqui apresentar um projeto de lei que pretende prevenir a hipótese de o
Estado vir a participar diretamente no capital do Novo Banco, sem discussão e pela calada.
Na Lei n.º 61/2004, que pretendemos vir aqui alterar, o Estado atribui-se a si próprio direitos de conversão
de créditos relativamente a, por exemplo, imparidades. O Novo Banco teve a necessidade de utilizar esta
alternativa, porque senão não cumpriria os rácios. E isso levou-o a gerar imparidades que teriam sido muito
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inferiores se o Estado tivesse cumprido o seu papel de regulação e supervisão — isto tem de ser dito — e
acabou por gerar uma reserva especial, ela própria superior às imparidades criadas, que dá hoje ao Estado a
possibilidade de se transformar em acionista, com 13% do banco.
A Iniciativa Liberal quer que esta eventual decisão de conversão de créditos em capital passe pela
Assembleia da República. Quer mais: quer que os relatórios semestrais que esta lei prevê, a Lei n.º 61/2004,
contenham obrigatoriamente a declaração da intenção do que o Estado quer fazer com esses dinheiros.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr. Presidente. Já não bastava a sangria anual que temos através do Fundo de Resolução, agora tínhamos o Estado a
participar diretamente nos prejuízos futuros do Novo Banco. Era só o que faltava!
Deixo este requinte de malvadez: o Ministro das Finanças que aprovou a magnífica negociação que faz com
que o Fundo de Resolução seja diluído, mas que o Lone Star não seja diluída em caso de conversão, é o mesmo
Governador do Banco de Portugal que não pode agora proteger os interesses do Fundo de Resolução. E isto
dá razão à Iniciativa Liberal quando chamou a atenção para os enormes conflitos de interesses desta nomeação
do Governador do Banco de Portugal.
O Sr. João Oliveira (PCP): — A sua intervenção deixou uma lágrima de emoção no olho do Salgado!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar de Os Verdes.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As decisões de vários governos em proceder à privatização do setor financeiro foi um excelente negócio para engordar fortunas de uns poucos,
mas representou volumosos prejuízos acumulados para o Estado e para as famílias portuguesas.
Façamos uma leitura rápida dos resultados dessas privatizações: transferências milionárias de verbas do
setor produtivo para a especulação financeira; canalização do dinheiro dos depositantes para a cedência de
créditos às empresas dos próprios grupos bancários, tantas vezes sem qualquer garantia de retorno; e, por fim,
distribuição de volumosas somas em dividendos pelos respetivos acionistas.
Estamos, portanto, a falar de muito dinheiro. São muitos milhões que faziam falta à nossa economia e que
hoje ninguém sabe onde param.
Não sabemos onde param, mas sabemos que não estão onde fazem falta, ou seja, no setor produtivo. E Os
Verdes consideram que é tempo de interromper o domínio da especulação financeira. É tempo de direcionar
recursos para a nossa economia, para a nossa produção, para criar riqueza e postos de trabalho. É tempo de a
banca deixar de constituir uma atividade que apenas serve para engordar os lucros de uns poucos para passar
a estar ao serviço do País e do seu desenvolvimento.
Ora, é exatamente neste contexto que o problema do Novo Banco deve ser enquadrado. E, sem pretender
trazer para a discussão as responsabilidades do Governo PSD/CDS neste processo, que são, aliás, muitas,
como sabemos, importa, contudo, recordar que o problema do Novo Banco não nasceu agora, nasceu com o
Governo de Passos Coelho e Paulo Portas, que separou o BES (Banco Espírito Santo) mau do BES bom,
quando se percebeu que, afinal, não existia banco bom. Ou seja, o Governo PSD/CDS criou um problema, mas
não o resolveu e, a cada dia que passa, vamos percebendo que, afinal, a apregoada «saída limpa» está cada
vez mais poluída.
Aliás, todos nos lembramos das palavras da então Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, quando,
em 2015, garantia ao mundo que não ia haver custos para o contribuinte.
Pois bem, o que é verdade é que os contribuintes já estão cansados de andar a pagar as aventuras e as
irresponsabilidades dos banqueiros, mas também as opções erradas dos Governos. Impõe-se, portanto, pôr
termo a esta gritante imoralidade e a esta assombrosa injustiça.
O Estado não pode andar a suportar negócios privados, desde logo porque estamos a falar do dinheiro dos
contribuintes. Por isso, consideramos que esta mudança de paradigma devia começar já com o Novo Banco e
começar pela solução que menos onere os contribuintes e que melhor sirva os interesses do País. Deve ser
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essa a solução a adotar para o caso do Novo Banco, mas, para isso, é necessário que o Estado tome conta do
Novo Banco.
O Novo Banco tem de ficar nas mãos do Estado para, desta forma, o Estado o poder colocar ao serviço do
desenvolvimento do País e da nossa economia, ao serviço dos interesses dos portugueses, ao serviço dos
interesses do nosso País.
Se o Estado paga, o Novo Banco deve estar nas mãos do Estado, nas mãos de quem o paga. Se o Estado
paga o martelo e paga o prego, a ferramenta tem de estar nas mãos do Estado.
Aplausos de Deputados do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Fernando Negrão.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do CDS-PP, para uma intervenção.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta discussão que estamos a ter pela centésima vez sobre a nacionalização da banca em Portugal, começaria por dizer que o projeto do
PCP se poderia apelidar de «é pior a emenda que o soneto». De facto, ao olharmos para a situação do Novo
Banco, pensamos que não poderia ser pior, mas, se seguíssemos o projeto do PCP, poderia ser muito pior, e
explico porquê.
O projeto do PCP propõe nacionalizar o Novo Banco, mas gostaria de lembrar que já houve, como solução
para um banco que faliu, o BPN, a solução da nacionalização e a conta que pagámos por isso foi de quase 5000
milhões de euros, por um banco que é mais ou menos um décimo do que era o BES.
Portanto, se passarmos esta conta para o Novo Banco, significa que em vez de 9000 milhões de euros
teríamos de pagar cerca de 40 000 ou 50 000 milhões de euros. Ou seja, este projeto acha que os portugueses
pagaram pouco e, portanto, vamos multiplicar por três ou por quatro a conta que vai para os contribuintes, que
é para os senhores do PCP, que estão cheios de vontade de gerir bancos, terem um banco para gerir. Não
chega a Caixa, é preciso um outro!
Em segundo lugar, já que se fala em resoluções fraudulentas — ouvi o Sr. Deputado de Os Verdes falar em
imoralidade —, vamos lá lembrar algumas coisas.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Algumas imoralidades!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Disseram que foi privatizado a custo zero. Infelizmente, não foi privatizado a custo zero, foi privatizado com uma conta que foi uma garantia de 3900 milhões de euros, que está
agora a aparecer.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — É uma imoralidade!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — E foi, de facto, pelo Governo de António Costa. Só que não foi só pelo Governo de António Costa, foi pelo Governo do PCP, pelo Governo do Bloco de Esquerda e pelo Governo do
PEV. Os senhores viabilizaram quando assinaram um documentozinho ali às escondidas num gabinete. E o
dinheiro dos contribuintes, que desde então lá foi parar, foi com os orçamentos que os senhores votaram.
Portanto, se o PCP, ao invés de se ter lembrado que queria votar contra os Orçamentos depois de ter alguns
resultados eleitorais, se tivesse lembrado disso nessa altura, nunca um tostão lá teria ido parar.
Protestos do PCP.
Portanto, Srs. Deputados, quando falam em «fraudulento» e «imoralidade», só lhes posso aconselhar a que
comprem espelhos e que nas vossas sedes os observem.
O Sr. João Oliveira (PCP): — A Sr.ª Deputada falou de resultados eleitorais? De certeza?!
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O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Precisa de um espelho!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que vale é que em matéria de Novo Banco conseguimos distribuir as responsabilidades em dois momentos essenciais.
O Governo PSD/CDS e o Banco de Portugal mentiram aos portugueses, quando disseram, em 2014, que o
Novo Banco estava limpo, e hoje sabemos isso. Mentiram! O Banco de Portugal tinha condições para saber que
o banco não estava limpo. Não se pode prometer uma coisa que não se vai cumprir.
Da mesma forma, o Governo de António Costa voltou a mentir aos portugueses, quando disse que a venda
não teria custos, nem diretos nem indiretos, e que a garantia não seria usada.
Ambos os Governos fizeram o mesmo! E fizeram-no porque nenhum destes Governos quis assumir os custos
políticos de mais injeções no Novo Banco. É que tem custos políticos dizer às pessoas que um banco faliu, que
tem custos e que é preciso que o Estado ponha lá dinheiro. E nenhum Governo quis assumir isto com clareza,
perante os contribuintes, perante as pessoas que estavam a assistir ao belo espetáculo da falência do Banco
Espírito Santo. E também por isso, porque ninguém quis assumir os custos, criou-se a ficção do Fundo de
Resolução: um fundo que, afinal, seria pago pela banca e não pelo Estado, embora seja financiado pelo Estado;
que sairia dos bancos e não do Estado, embora entre para défice; que, quando Passos Coelho dizia que era
dos bancos, António Costa dizia que era do Estado; que, quando António Costa diz que é do Estado, o PSD diz
que é dos bancos, e vice-versa. Portanto, este fundo vai servindo todos os discursos, conforme o momento que
vivemos.
Mas a falta de transparência sobre o Novo Banco teve outras consequências que não apenas a de enganar
as pessoas e não ser frontal com elas. É que a falta de transparência manietou o debate sobre as alternativas,
porque, quando o Ministro das Finanças Mário Centeno, da tribuna do Governo, nos prometeu que a venda ao
Lone Star era a melhor solução e a que tinha menos custos, havia uma alternativa em cima da mesa, que era a
da manutenção na esfera pública. Mário Centeno prometeu que era a melhor solução, porque minimizava as
perdas, só que fez essa promessa baseado numa afirmação que era falsa, que era a afirmação de que a garantia
não ia ser utilizada.
É por isso que o debate tem de ser transparente, para que possamos escolher as melhores alternativas,
tendo todas as informações.
Hoje sabemos que os custos do Novo Banco não foram travados com a venda ao Lone Star e podemos
discutir se havia alternativas.
A manutenção do banco em esfera pública teria custos, é óbvio que teria custos, mas teria uma vantagem: o
banco ficava nas mãos do Estado. A venda tem custos e tem uma desvantagem: o Estado pagou um banco
limpo ao Lone Star e agora não o controla, e isto é um custo.
Sobre a questão do Novo Banco, o Bloco teve sempre uma única posição: antes de o banco ser vendido,
apresentámos um projeto para que o banco fosse mantido na esfera pública. Esta opção não teve maioria,
porque não teve o apoio de PSD e de PS, que não tinham alternativa à venda.
Já depois da venda, voltámos a propor que o banco passasse para a esfera pública, mas não foi aprovado.
Já depois desse projeto, voltámos a propor, no Orçamento, que fossem travadas as injeções no Novo Banco
sem uma apreciação e uma votação pela Assembleia da República. Esta proposta foi chumbada pelo PS, com
o apoio do PSD.
Portanto, não é verdade que os partidos não tenham tido iniciativas para apresentar alternativas ou para
impedir novas injeções no Novo Banco. Houve partidos que nunca, nunca abdicaram de fazer esse debate e eu
pertenço a um deles, porque fiz esses debates e apresentei essas propostas muitas vezes, aqui, na Assembleia
da República.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Hoje, temos o resultado de decisões que foram tomadas, em consciência, pelo PS, com o apoio do PSD: há um contrato ruinoso de venda, repito, ruinoso, há uma gestão predatória do
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Lone Star e há suspeitas de fraude na gestão do contrato com o Estado. E, por isso, só há uma coisa a fazer:
investigar essas suspeitas, com independência e em defesa do interesse público, denunciar esse contrato e
recuperar o controlo do Novo Banco.
Quanto aos Deputados que aqui enchem tantas vezes a boca…
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo a sua atenção para o tempo utilizado.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente. Como estava a dizer, quanto aos Deputados que aqui enchem tantas vezes a boca para falar de dogmatismo
ideológico — como se o Sr. Deputado do Iniciativa Liberal ou o PSD, o CDS e o PS não tivessem uma ideologia,
não defendessem uma ideologia nesta matéria —, que raio de dogmatismo ideológico é esse que faz com que
continuem a insistir numa venda, quando está à frente dos olhos que essa venda foi ruinosa e que a manutenção
na esfera pública era uma melhor opção?!
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Era!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Que raio de dogmatismo é esse que vos impede de ver as opções que melhor defendem o interesse do Estado?!
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que apoiaremos os dois projetos que estão em cima da mesa.
Por último, deixo uma palavra de saudação aos trabalhadores do Novo Banco, porque acho que merecem e
não têm responsabilidade por aquilo que as administrações fizeram.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Silva, do PAN.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Novo Banco tem custado demasiado dinheiro aos contribuintes e tem lesado o interesse público com uma falta de pudor que raramente tínhamos
visto.
Nos últimos anos, o Lone Star tem feito o que quer, com uma gestão de autêntico abutre, focada no prejuízo
e sempre com olho nas injeções de dinheiro público. Banco de Portugal e Fundo de Resolução assistem
impávidos e o Governo do Partido Socialista, sem pensar duas vezes, passa cheques em branco de injeções de
muitos milhões.
No pico da crise imobiliária, o Lone Star vende uma carteira de imóveis de nome «Viriato», com um prejuízo
de 159 milhões de euros, numa operação assessorada pela Alantra, cuja responsável era um alto quadro de
Ricardo Salgado e ex-membro do Governo PSD/CDS. Banco de Portugal e Fundo de Resolução nada fizeram
e o Governo limitou-se a passar o cheque. Tivemos até o Partido Socialista a dizer — imaginem só! —, pela voz
de João Paulo Correia, que os imóveis tinham sido vendidos ao preço de mercado e que era errado falar em
venda ao desbarato. Curioso como agora, que se «chora sobre leite derramado», vemos o Partido Socialista
mudar de posição. Mas mais vale tarde do que nunca, Srs. Deputados!
O que mais preocupa os cidadãos neste momento é se, perante estes abusos do Novo Banco, vamos ver
novas injeções de dinheiros públicos no próximo ano e, pior, se vamos ver concretizado um cenário em que o
Novo Banco, à boleia da crise sanitária, receberá uma injeção ainda maior do que a prevista nos acordos de
venda.
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Mas esses acordos têm mais problemas, para lá da previsão de transferências de dinheiros públicos. Um
deles é o facto de aí se determinar que, em 2021, o Estado poderá passar a ser detentor de mais de metade
das ações do Fundo de Resolução no Novo Banco. Ou seja, o Lone Star nada perderá e o Estado ficará ainda
mais comprometido.
Para o PAN, o Estado não pode continuar a ser o SOS dos prejuízos da banca…
Protestos do Deputado do PSD Carlos Silva.
… e o caminho não pode ser o da nacionalização ou do reforço da participação pública no Novo Banco, como
propõe o PCP. O Novo Banco é um ativo tóxico e, a este tempo, nacionalizá-lo não serve o interesse público. O
tempo é de dar um murro na mesa e fechar a torneira ao Novo Banco.
Mais do que nunca, é necessário renegociar os acordos de venda do Novo Banco, de modo a garantir não
só que não vão existir mais injeções públicas durante a crise sanitária, mas também que não vamos ter o Estado
a ser acionista do banco em 2021 e que operações lesivas do interesse público, como as que ocorreram nos
últimos anos, não poderão continuar a existir. Aliás, em sede de Orçamento Suplementar, o PAN fez esta
proposta, mas foi chumbada por PS, PSD, PCP e CDS.
Uma nota final para dizer que estamos de acordo com a proposta de reforço dos poderes do Parlamento,
apresentada pelo Iniciativa Liberal. Contudo, seria bom que, tal como ficou no Orçamento do Estado, por
proposta do PAN, se previsse que esta avaliação não fosse puramente política, como quer o Iniciativa Liberal,
mas fosse também acompanhada de uma avaliação técnica independente do Conselho das Finanças Públicas
e da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental).
Aplausos do PAN.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos de começar por dizer que isto do Novo Banco é uma grande trapalhada, porque, de facto, nunca deveríamos ter tido, como tivemos, nomeações de
indivíduos que, como já se sabia ou deveria saber, viriam a ter um currículo invejável nos Estados Unidos,
condenados por fraude e corrupção. E, como também sabemos, foram permitidas nomeações no Novo Banco
que envergonhariam hoje qualquer Estado de direito democrático.
Mas, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, não há só dois momentos de responsabilidade, há três ou quatro, na
verdade, porque, para além desses dois momentos que referiu, nós lembramo-nos de outro, em que a Sr.ª
Deputada Catarina Martins assinou um acordo com o Dr. António Costa, aqui, nesta instituição. E esse acordo
gerou milhões para o Novo Banco. Foi o terceiro momento de que a Sr.ª Deputada se esqueceu.
Mas houve ainda outro, Sr.ª Deputada: o momento em que o PAN tentou impedir a nomeação de Mário
Centeno para o Banco de Portugal, através de uma iniciativa legislativa, e o Bloco de Esquerda disse que não
queria, mas não se ia opor nem apressar a iniciativa legislativa, sabendo-se hoje que Mário Centeno é o grande
defensor do Novo Banco na instituição onde está.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo utilizado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Portanto, não há dois momentos de responsabilidade, há três ou quatro.
Mesmo a terminar, Sr. Presidente, estou farto de ouvir sobre nacionalizações. Para o PCP é a única solução
que existe em Portugal: nacionalizações!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Quando pagamos!…
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O Sr. André Ventura (CH): — Se pesquisarmos na internet por PCP e nacionalizações — a tal internet que, em Cuba, funciona bem —, aparecem milhares de notícias. É a única solução que têm: nacionalizar,
nacionalizar, nacionalizar!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Nós cá estamos para pagar, como sempre!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Já pagámos! A questão é essa!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, ainda para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Pacheco, do PSD.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A relevância do Novo Banco para a economia portuguesa é inquestionável, quer a nível dos depositantes, quer a nível da sua participação no
financiamento da economia e das empresas portuguesas. E, por isso, tudo aquilo que acontece ao Novo Banco
é algo que deve merecer a nossa melhor atenção.
Mas é preciso pensar alto. Os problemas que acontecem no Novo Banco têm um primeiro responsável: a
gestão que aconteceu no BES e que, por isso mesmo, é um caso de polícia. E não vamos confundir as coisas
— nunca! —, apesar de haver quem esteja mais interessado em acusar forças políticas do que aqueles que são
os verdadeiros causadores do problema.
Em segundo lugar, é preciso também realçar que este Parlamento analisou com profundidade exemplar,
numa comissão de inquérito, dirigida, aliás, pelo Sr. Presidente Fernando Negrão, toda a matéria que culminou
na resolução. E o relatório que essa comissão de inquérito produziu avança o seguinte: pode não ter sido a
solução perfeita, mas foi a solução possível, repito, a solução possível naquele fim de semana trágico de agosto.
É preciso recordar que esse relatório foi aprovado por uma ampla maioria neste Parlamento,…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Com o voto contra do PCP!
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — … inclusive pelo Bloco de Esquerda. Mas é preciso ver o que aconteceu depois disso, porque persistem dúvidas e há coisas que devem ser
esclarecidas. Por exemplo, dizem algumas pessoas: «naquele fim de semana, o Banco de Portugal devia ter
tido a capacidade de fazer a avaliação de todos os ativos e de proceder a uma separação exemplar; em 48
horas, devia tê-lo feito e, se não o fez, falhou». É o que alguns dizem. Em teoria, isso pode ser verdade, mas,
humanamente, sabemos que, em 48 horas, seria impossível fazer a separação exemplar de ativos que todos
gostaríamos que tivesse ocorrido.
Depois, podemos dar o passo seguinte e, então, passamos para o momento em que se fez a alienação.
Continuava a dúvida da existência ou não de ativos tóxicos? Será que, durante os dois anos seguintes, não
houve capacidade para fazer aquilo que não se conseguiu fazer em 48 horas? Houve!
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Claro que sim!
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — E foi porque houve que apareceu a tal garantia. É que aquele valor de 3,9 mil milhões não apareceu por milagre, não foi uma moeda ao ar que caiu em 3,9, como se se jogasse no casino.
Não! Esses cálculos estavam feitos e estavam identificados. Portanto, aí, sim, houve um engano claríssimo,
assumido a todos os portugueses.
Por fim, ficamos nesta dúvida: foi só o Banco de Portugal? E, nesta semana, o que é que veio dizer o Dr.
Máximo dos Santos, Vice-Governador do Banco de Portugal e responsável pelo Fundo de Resolução? Veio
dizer que todo o processo de alienação foi tratado de braço dado com o Governo.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Exatamente!
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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Logo, o Dr. Mário Centeno não pode dizer que desconhecia a existência de ativos tóxicos, no valor de 3,9 mil milhões, no momento em que procedeu a essa alienação.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Mas há mais! Disse-nos ainda o Dr. Máximo dos Santos que há um plano de reestruturação que foi negociado com a Comissão Europeia e que esse plano de reestruturação termina em
2021. E por que razão é que não se tentou prolongar a data desse plano de reestruturação? Que iniciativas
foram desenvolvidas? Quando a economia mergulha numa crise, deixam-se ficar as datas-limite todas iguais,
sabendo-se perfeitamente que quem vende à pressa vende barato e com perdas potenciais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, de facto, há muito a ser apurado, mas isso não significa que este
debate faça sentido. Não faz sentido nenhum, porque, se estamos todos imbuídos do mesmo espírito de apurar
responsabilidades e saber a verdade, esse debate vai ocorrer de amanhã a oito dias, quando os projetos
relativos à comissão de inquérito forem votados. Mas a ânsia de protagonismo de alguns agentes é maior,
porque têm o maior ego do mundo e quiseram antecipar esse debate, trazendo-o já hoje a esta Casa.
Com isso, mostram o quê? Mostram que, antes mesmo de os trabalhos se iniciarem, já têm as conclusões
feitas, já sabem o que querem, já sabem qual a conclusão total.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Pois já!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente. A solução que propõem é a nacionalização, como sempre, pensando que ainda vivem antes de 1989, na
RDA (República Democrática Alemã). Felizmente, o mundo é outro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Fernando Anastácio, do PS.
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, é verdade que estamos a antecipar um debate que está agendado para a próxima semana, quando tivermos de discutir as propostas de
constituição de comissão de inquérito.
Porém, também reconheço que, pela importância do tema, não há que ter medo nem que enjeitar momentos
para a sua discussão. Aliás, ouvidas algumas intervenções, há uma reflexão que, desde logo, se me coloca: uns
querem nacionalizar; outros nem querem lá ver o Estado, de forma alguma; e outros não sabem bem o que
querem, pois não querem nacionalizar, mas não têm soluções.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — É o caso do PS!
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Srs. Deputados, acho que tem de haver um adulto na Sala que ponha um pouco de responsabilidade no sistema financeiro português para que avancemos com algumas questões
concretas.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — É o Sr. Fernando Anastácio!
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — É que discursos, sem resolver e sem assumir responsabilidades, são muito fáceis de fazer.
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Sr. Deputado Duarte Alves, reconheço-lhe coerência e reconheço a convicção das suas propostas. Aliás, há
muito tempo que o Partido Comunista Português tem defendido esta solução, mas a convicção e a coerência
não são, desde logo, sinónimos de razão.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — É verdade!
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — De facto, pode ser coerente, mas tem uma solução que, em primeiro lugar, não está comprovado que seja menos onerosa para os contribuintes, e essa é uma questão importante.
Um desafio que se coloca ao Partido Comunista Português é também o de dizer aos portugueses quanto
custaria a nacionalização do Novo Banco. Era importante saber qual seria o prejuízo ou quais seriam as
vantagens dessa solução. O Partido Comunista Português defende a nacionalização, mas não dá essa resposta.
A Sr.ª Deputada Mariana Mortágua defende, e defendeu que defendeu, algumas vezes, que deveria ficar na
esfera pública, mas, na sua análise, omitiu a impossibilidade que existe nessa matéria e que tem que ver com
as regras da Direção-Geral da Concorrência e com a obrigação de aquele banco ser vendido ou liquidado.
Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.
Ora bem, não vale a pena propormos uma solução que sabemos não ser exequível. Isso é, mais uma vez,
ficarmos a meio da ponte.
Relativamente ao Partido Social Democrata… Aliás, relativamente à Iniciativa Liberal…
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Coerência!
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Meu caro Deputado Cotrim de Figueiredo, habitualmente, já com alguma perceção de que muito dificilmente os seus projetos terão algum respaldo e responsabilidade ao nível das
decisões executivas no futuro, o que faz? Traz para o debate parlamentar e para as decisões da Assembleia da
República matéria que é estritamente de competência executiva, confundindo os debates. Porém, os 40 anos
da nossa democracia têm mostrado que a estrutura do nosso sistema jurídico-constitucional, com a diferença
entre poder legislativo e poder executivo, está muito bem entregue e está estável.
Aplausos do PS.
Por isso, não vale a pena confundirmos, trazendo para aqui questões quando, no fundo, o que se quer é pôr
em causa um sistema que tem funcionado bem.
Protestos do IL.
No fundo, o que é que quer com o seu projeto? Quer retirar uma competência que é estritamente executiva
da sua decisão, mas quer mais ainda, quer que o Estado diga antecipadamente o que vai fazer, para acontecer
aquilo que muitas vezes acontece, que é o chamado «vender à pressa sem saber o que se vai fazer». Ou seja,
é precisamente o contrário dos resultados que se pretendem.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Não sei!
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Relativamente à intervenção do Sr. Deputado Duarte Pacheco, concordo com algumas das questões que disse e de facto, centro, desde logo, o problema na gestão do BES. Não vale a
pena fugir a isso. A gestão do BES é um caso de polícia e vamos assumir que é isso mesmo. Aliás, o Parlamento
fez um trabalho estruturado na Comissão de Inquérito à Gestão do BES e, a breve trecho, vai ter oportunidade,
com certeza, de fazer um trabalho de análise de aspetos que não foram verificados na altura, desde o período
da resolução até ao presente. Não tenhamos medo das questões.
Vamos fazer esse trabalho, mas o Sr. Deputado, que foi lesto a aligeirar as responsabilidades do momento
da resolução, não conseguiu ter a capacidade de fazer o mesmo raciocínio relativamente à venda. Ou seja,
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enquanto, na resolução, o Banco de Portugal não tinha possibilidade… Mas, se tivesse feito um trabalho bem
feito, não teria estado no mercado, um pouco tempo antes, a estimular os portugueses, dizendo que era saudável
comprar títulos do BES. Se antes tivesse feito bem o trabalho, não o teria dito.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo disponível.
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Vou terminar já, Sr. Presidente. Sr. Deputado, o que lhe posso dizer é o seguinte: todos nós temos a certeza de que, nessa altura, o então
Governador do Banco de Portugal e o Governo de Passos Coelho também estiveram, provavelmente, de braço
dado. Ou estão-no só agora o atual Governador do Banco de Portugal e este Governo? Ou seja, temos dois
pesos e duas medidas.
Para terminar, o Partido Socialista irá, necessariamente, votar contra qualquer um dos projetos apresentados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No final deste debate, não podemos dizer que estranhamos o que se passou aqui. Não estranhamos que o PSD empurre culpas para o PS; não estranhamos
que o PS empurre culpas para o PSD; também não estranhamos que o Deputado André Ventura defenda e
branqueie as posições do Governo de Passos Coelho, porque, na altura, estava no seu partido; assim como
também não estranhamos que a Iniciativa Liberal defenda aquele que é o seu liberalismo, o de que o Estado
paga mas não manda.
Protestos do IL.
É esse o liberalismo da Iniciativa Liberal.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Falou-se também dos vários Orçamentos do Estado. Vejam as propostas que o PCP apresentou, nomeadamente no Orçamento do Estado para 2020. O que dizia a proposta do PCP? Das
duas, uma: ou o Estado não mete nem mais um cêntimo no Novo Banco ou, se o fizer, tem de se iniciar o
processo de recuperação do controlo público.
Quem votou contra esta proposta? PS, PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega, que, no fundo, assumiram estar
de acordo com o que se está a passar, que é uma situação em que o Estado paga mas não manda e em que
não se garante o controlo público, apesar de continuarmos a pagar as contas daquele banco,…
Protestos do Deputado do PSD Carlos Silva.
… sobretudo quando está à vista o que esta administração do Novo Banco tem estado a fazer, ou seja, a
limpar os ativos tóxicos com o nosso dinheiro, a encerrar balcões — ainda na audição ficou confirmado que vão
encerrar mais balcões — e a despedir trabalhadores, também com o dinheiro dos contribuintes. No final, o «bife
do lombo», depois de limpo com o dinheiro dos nossos impostos, será entregue a um qualquer grupo privado.
Esta foi a questão que o Sr. Deputado André Silva também não percebeu: os ativos tóxicos, já os pagámos
ou estamos a pagar.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — O que vai ficar no Novo Banco para entregar a um qualquer grupo privado estrangeiro é a parte boa, e é isto que não podemos aceitar: ficarmos com os prejuízos e não ficarmos com os
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lucros. Foi isso que aconteceu nos casos do BPN e do Banif: os prejuízos foram públicos e os lucros para os
privados.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Portanto, é preciso começarmos a cair na realidade. Já pagámos as contas do Novo Banco e continuamos a pagá-las. Agora, se os prejuízos são públicos, há que garantir que os lucros
não são privados e que não se repete o mesmo erro de colocar o Estado a pagar sem ter o controlo. É esse o
sentido da iniciativa que o PCP apresentou nesta Assembleia.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, passamos ao quinto ponto da ordem do dia, com o debate conjunto dos Projetos de Resolução n.os 75/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que crie uma
rede de apoio familiar e promova o estudo e o debate para uma política de família e de natalidade, 77/XIV/1.ª
(CDS-PP) — Constituição de uma comissão eventual para o acompanhamento das iniciativas sobre a família e
a natalidade, 59/XIV/1.ª (PSD) — Por uma política integrada para a infância e a família e 255/XIV/1.ª (PCP) —
Recomenda ao Governo a adoção de medidas transversais e integradas de apoio e incentivo à natalidade.
Para apresentar os projetos de resolução do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A demografia é o problema mais grave que temos em Portugal, é o problema estrutural mais grave que temos no País, é aquele
que condiciona a solução de todos os outros, pois, quando discutimos muitas matérias nesta Assembleia,
sabemos que a nossa evolução demográfica condiciona muito a eficácia das soluções que discutimos.
Os dois indicadores principais desta realidade são, por um lado, a diminuição dos nascimentos — desde o
início do século, os nascimentos em Portugal diminuíram 28% — e, por outro, o envelhecimento da população.
Com a subida dos óbitos, que aumentaram em 6% desde o início do século, a consequência é a de que temos,
desde essa altura, um envelhecimento da população de 63%.
Podemos discutir à vontade a localização da população, se é mais no litoral ou mais no interior, podemos
discutir as soluções de sustentabilidade para a segurança social, podemos discutir o modelo do Serviço Nacional
de Saúde, podemos discutir a viabilidade das reformas educativas que promovemos. Podemos, devemos e
discutimos estas questões todas, o que não podemos ignorar é que, em cada uma das referidas questões, esta
evolução demográfica pesa negativamente.
Se não invertermos esta tendência, não conseguiremos dar sustentabilidade ao modelo social em que
vivemos. Portanto, convém que, com tempo — e já não o temos em grande quantidade —, nos preparemos e
vamos tomando as medidas necessárias para restabelecermos um nível de natalidade minimamente equilibrado.
Convém dizer que, entre 2002 e 2019, a natalidade diminuiu de 1,55 para 1,42 nascimentos por mulher em idade
fértil. O valor para uma renovação geracional é de 2,1 e nós estamos em 1,42. Ou seja, estamos a envelhecer,
o que tem como consequência o aumento dos custos de todos os sistemas sociais, e estamos a ser cada vez
menos e a conseguir renovar menos, geracionalmente, a nossa população.
É por isso que o CDS entende que esta deve ser uma discussão de fundo, e não apenas uma discussão de
medidas isoladas.
Propomos, hoje, duas coisas muito claras.
Uma é no sentido de introduzir no sistema social um apoio à família que permita apoiar as decisões de
viabilidade e de gestão económicas, de gestão de saúde e de gestão social destes agregados familiares. Ou
seja, não retirando autonomia às famílias, vai no sentido de permitir que esse apoio lhes dê instrumentos para
tomarem decisões que ajudem a este desenvolvimento da natalidade e para que tenham condições de ter filhos
e renovar a população.
Na segunda iniciativa propomos que esta Legislatura seja marcada, na Assembleia da República, pela
questão da demografia. Se conseguirmos criar a comissão eventual para discutir esta matéria, estaremos a dar
um contributo que irá no sentido da reflexão que vários partidos e várias entidades públicas e privadas já fizeram
em Portugal.
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Vamos criar esta comissão eventual para que possamos ouvir todos os que, em Portugal, já refletiram sobre
esta evolução, sobre as soluções para a natalidade, sobre as soluções para a velhice, sobre as soluções para
a renovação geracional e, acima de tudo, para ouvir aqueles que já refletiram sobre a sustentabilidade social do
nosso modelo, para que possamos ser mais e viver melhor em Portugal.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para apresentar o projeto de resolução do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lina Lopes.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos os países desenvolvidos têm um problema de natalidade e todos o tentam resolver, uns com mais sucesso, outros com menos. Mas Portugal é
um País desenvolvido que tem um enorme problema de natalidade e não está a conseguir resolvê-lo.
As famílias querem e desejam ter mais filhos, mas não se sentem seguras, não se sentem confiantes, não
se sentem suficientemente apoiadas para realizar este desejo. Assim, todos os anos, temos mais idosos, porque
as pessoas envelhecem e a longevidade aumenta, e poucas crianças, porque os pais adiam a decisão de alargar
a família e, por vezes, acabam mesmo por não tomar, de todo, esta decisão, que é cada vez mais importante
para o País.
Esta realidade compromete o nosso futuro, porque não permite a renovação de gerações, e compromete a
Nação, porque restringe progressivamente o número de portugueses em idade ativa, fragilizando a economia e
ameaçando o equilíbrio nacional. Por isso, o PSD encara o cerne deste projeto de resolução como uma
prioridade nacional, como algo que deve ser assumido enquanto verdadeiro desígnio para Portugal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a natalidade não aumenta por decreto! A decisão de ter filhos é do
foro pessoal, mas cabe ao Estado criar condições que favoreçam esta decisão e que permitam que as famílias
se sintam amparadas para a assunção de tão grande responsabilidade.
Entre os países desenvolvidos, os que têm as taxas de natalidade mais elevadas são os que mais investem
no apoio à família, na parentalidade, na conciliação entre a vida pessoal e a vida profissional, nos cuidados
infantis e na educação das crianças e são também os que transmitem segurança e confiança aos pais, levando-
os a ir ao encontro do seu desejo de ter o segundo filho e, por vezes, mais ainda.
Isso só é possível com políticas de longo prazo. Para ser eficaz, aquilo que vier a ser feito neste domínio não
pode ser percecionado como algo fugaz, fruto de um ímpeto momentâneo de cariz demagógico, eleitoralista ou
populista. Medir o impacto de uma determinada política na natalidade requer tempo, por isso, é impossível, no
curto prazo, justificar a sua substituição por outra, alegadamente por ser melhor ou mais adequada.
As políticas a definir mobilizam diferentes áreas: trabalho, empresas, segurança social, finanças, educação,
saúde e tantas outras. Por isso, dada a sua transversalidade, é indispensável que tenham a participação e o
comprometimento de todos os cidadãos e um consenso político-partidário alargado, que vai muito além de uma
ou de duas legislaturas. Isto pressupõe a criação de um espaço para o debate alargado e consciencioso dos
tópicos em causa, para o qual devem ser convocados os parceiros sociais, as instituições da economia social,
os técnicos, os especialistas e todos os cidadãos interessados.
Com esta resolução, o PSD recomenda ao Governo, precisamente, que realize este debate urgente e de
reconhecido interesse nacional. A natalidade e a infância assumem, mais do que nunca, a maior relevância em
Portugal. O PSD considera-as um desígnio nacional.
Sr.as e Srs. Deputados, este desígnio para uma política integrada para a infância e a família não nasceu
agora, sendo que o PSD há muito que o colocou na centralidade das suas preocupações.
Em 2014, foi criada, pelo PSD, uma comissão independente constituída por personalidades de várias áreas
disciplinares, que fizeram um estudo e elaboraram um relatório denominado Por um Portugal amigo das
crianças, das famílias e da natalidade (2015-2035).
Em 2015, foi aprovada uma resolução do PSD, em conjunto com o CDS, que recomendava ao Governo
medidas de reforço ao apoio à criança e à família.
Em maio de 2018, foi apresentado pelo Partido Social Democrata, através do seu Conselho Estratégico
Nacional, um documento intitulado Uma política para a infância: Um desígnio para Portugal, onde é apresentado
um conjunto de medidas que permitem estruturar uma nova política para a infância.
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Também no Programa Eleitoral do PSD foram lançados vários desafios, de acordo com a resolução que
estamos a apresentar.
Sr.as e Srs. Deputados, Portugal enfrenta uma grave crise demográfica. Temos de encarar este problema
como uma causa nacional, como um problema estrutural de longo prazo e, sobretudo, essencial para uma
sociedade como a nossa, que era jovem no meu tempo, na minha adolescência, e que envelhece a passos
largos, com implicações na sustentabilidade do País.
Portugal tem de encarar o problema da natalidade e da família de frente, com realismo, e começar a resolvê-
lo como o estão a fazer os outros países europeus, porque não podemos esquecer em momento algum que
somos um dos países da Europa mais envelhecidos e com menor taxa de natalidade.
Os portugueses podem contar com o PSD, que acredita que esta Câmara se unirá neste desígnio nacional.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para a apresentação do projeto de resolução do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP tem tido uma intervenção consistente e persistente sobre a problemática da demografia e da natalidade.
A reduzida natalidade no nosso País não é uma fatalidade, nem estamos condenados a esta realidade. A
baixa natalidade é, aliás, o resultado das políticas de direita, que não dão estabilidade, segurança e condições
às famílias para poderem ter o número de filhos que desejam.
Uma das conclusões do Inquérito à Fecundidade 2013 foi a de que ter filhos não é para quem quer, é para
quem pode, revelando bem como a falta de condições económicas e sociais constitui um obstáculo no momento
da decisão do número de filhos que cada família efetivamente tem.
O diagnóstico sobre a baixa natalidade está feito. Não faltam estudos que identificam os vínculos precários,
a instabilidade no local de trabalho, os baixos salários, o desemprego, o desrespeito pelos direitos laborais e
pelos direitos de maternidade e paternidade, os elevados custos com as creches, os custos com a saúde, a
educação ou a habitação como as causas para a baixa natalidade.
Por isso, não basta constatar a realidade e manifestar preocupações com ela. É preciso identificar as causas
e os responsáveis e apontar soluções.
As famílias não precisam de medidas assistencialistas e caritativas, como o PSD e o CDS propõem.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não propõem, não!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Aliás, recordo até que o PSD e o CDS tiveram grandes responsabilidades no período em que houve a maior quebra de natalidade no nosso País. Foi um período em que a instabilidade no
local de trabalho era maior, um período de desemprego, de baixos salários e de cortes nas funções sociais. Esta
foi, de facto, a realidade.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Por amor de Deus! Como se isso acontecesse a curto prazo… Que disparate!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Podemos fazer todos os debates, mas as famílias precisam de soluções transversais e duradouras que eliminem os condicionalismos que determinam a quebra da natalidade e que
apostem em soluções que respondam aos vários fatores que a afetam. Importa criar condições para que as
famílias possam decidir, de forma livre e consciente, quantos filhos desejam ter e em que momento e importa
assegurar condições de vida dignas, a estabilidade no emprego, a valorização salarial e o acesso aos direitos
sociais.
A intervenção e a proposta do PCP, nos últimos anos, significaram importantes avanços, como o alargamento
e o reforço do abono de família, a gratuitidade dos manuais escolares em toda a escolaridade obrigatória, a
integração de vacinas no Programa Nacional de Vacinação, o pagamento a 100% do subsídio por riscos
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específicos e a gratuitidade das creches para as famílias do 1.º escalão, com a perspetiva do seu alargamento
a todas, de forma progressiva.
Temos presente que é preciso ir mais longe para assegurar a confiança, a segurança e a estabilidade. Por
isso, trazemos a este debate soluções para inverter a baixa natalidade: o aumento geral dos salários, em
particular o aumento do salário mínimo nacional para 850 €; o combate à precariedade nos setores público e
privado, garantindo um vínculo efetivo a todos os trabalhadores; a implementação das 35 horas de trabalho para
todos os trabalhadores; a efetiva articulação entre a vida profissional, familiar e pessoal, pondo fim à
desregulação dos horários de trabalho; o reforço dos direitos de maternidade e paternidade, designadamente
na livre escolha do casal quanto ao gozo da licença de maternidade e paternidade de 150 ou 180 dias,
assegurando sempre o seu pagamento a 100%; a implementação da licença específica de prematuridade, com
duração do período de internamento hospitalar do nascituro, garantindo também o seu pagamento a 100%; o
reforço dos apoios sociais à infância e à juventude, nomeadamente através do progressivo alargamento das
condições de acesso e atribuição do abono pré-natal e do abono de família a todas as crianças e jovens; a
criação de uma rede pública de creches que abranja todas as crianças e o alargamento da rede pública de
educação pré-escolar; o reforço do SNS, em particular dos cuidados de saúde dirigidos às crianças e aos jovens;
a dinamização de programas que assegurem o acesso à habitação.
Para o PCP, o incentivo à natalidade é inseparável da função social da maternidade e da paternidade e da
concretização de uma maternidade e uma paternidade conscientes, livres e responsáveis. É inseparável da
proteção das crianças e dos jovens e da promoção do seu desenvolvimento integral, garantindo o direito da
criança a ser desejada e amada, assim como as condições económicas e sociais para que lhe sejam
asseguradas todas as oportunidades. É preciso garantir condições de vida para as famílias, assegurando à
mulher um papel ativo na sociedade e no plano profissional, compatível com o plano familiar e pessoal.
Face ao contexto em que vivemos, importa, desde já, travar as consequências do agravamento das
condições económicas e sociais para as famílias que já têm filhos e para aquelas que querem ter filhos, de forma
que as dificuldades já sentidas não contribuam para a diminuição da natalidade. A vida já demonstrou que a
redução de rendimentos e o aumento da exploração não são solução. É preciso proteger o emprego e os
rendimentos dos trabalhadores, reforçar os direitos e assegurar a proteção social, a saúde, a educação e o
acesso à habitação.
Em suma, é preciso garantir, de facto, as condições de segurança, de confiança, de estabilidade e de vida
para que as famílias possam, de forma livre, ter o número de filhos que desejam ter.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado José Soeiro, do Bloco de Esquerda, tem a palavra para uma intervenção.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O diagnóstico é conhecido, como já foi dito, enfrentamos uma dupla dinâmica de envelhecimento e de recuo do número de nascimentos e temos,
em Portugal, uma descoincidência gritante entre a fecundidade desejada e a fecundidade real, ou seja, entre os
desejos e os projetos das famílias e os obstáculos que elas encontram para cumprir esses desejos e esses
projetos.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Ser pai ou ser mãe é uma escolha, não é uma obrigação, mas também não é uma escolha que possa acontecer num vazio social. Por isso, ela depende das condições materiais e
subjetivas que sejamos capazes de criar para que essa escolha possa ser feita, isto é, para que as pessoas
possam escolher ter filhos, ter como sustentá-los, ter como fazê-los crescer.
Os partidos da direita apresentam, neste debate, que propostas para fazer face a este problema? São quatro,
essencialmente: um gabinete, um diagnóstico, um debate e uma comissão eventual. Convenhamos que não são
propriamente as propostas mais concretas nem as mais ousadas do mundo.
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A natalidade não é um debate setorial que fazemos para picar o ponto parlamentar, nem se resolve com mais
uma comissão, um gabinete, um debate. Ela, na verdade, atravessa todas as nossas escolhas de política
pública, que aqui fazemos todos os dias.
O debate sobre a natalidade é o debate que fazemos quando discutimos os serviços públicos, a necessidade
de uma infraestrutura de cuidados ou, por exemplo, a integração de uma rede pública de creches como parte
do serviço de educação, da Lei de Bases do Sistema Educativo, da resposta pública.
É o debate que fazemos quando discutimos as leis do trabalho e o combate à precariedade, que mina, que
obstaculiza, que impede que as pessoas projetem o seu futuro.
É o debate que fazemos quando falamos da necessidade de valorizar salários, que são uma condição de se
viver dignamente.
É o debate que fazemos quando discutimos as políticas na área da habitação e a necessidade de uma
resposta pública face à evidente escassez de oferta, face à especulação dos preços das rendas, nomeadamente
nos centros das grandes cidades, face à precariedade habitacional.
É o debate que fazemos quando discutimos — e discutimo-lo há tão pouco tempo — as licenças parentais,
não apenas a sua duração, mas também o seu valor e o modo como promovem, ou não, a igualdade de género.
É o debate que fazemos quando discutimos os horários, nomeadamente os horários de trabalho e a sua
redução.
É o debate que fazemos quando, na discussão da regulação do trabalho, reivindicamos mais tempo para
viver ou formas de descolonizar o tempo pessoal, que é hoje invadido por solicitações permanentes,
nomeadamente por via da incursão patronal, através das novas tecnologias, no tempo pessoal dos
trabalhadores.
Sr.as e Srs. Deputados, o debate demográfico é, também, o debate que fazemos, por exemplo, sobre políticas
de acolhimento de todas as crianças que vivem em Portugal, nomeadamente das crianças migrantes.
É nas escolhas concretas em cada uma destas políticas públicas que contribuímos, ou não, para que as
pessoas possam realizar os seus projetos pessoais e os seus projetos familiares.
Desse ponto de vista, parece-nos francamente que precisamos de menos proclamações e menos apelos
morais e de mais políticas públicas e laborais que sejam amigas das crianças e de quem as cuida. É para esse
debate que certamente somos convocados.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Então, está de acordo connosco!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV, para uma intervenção.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes consideram que o tema da natalidade e da demografia é de extrema importância. Já muito se disse sobre a transversalidade desta questão,
sobre o facto de as propostas eficazes de apoio às famílias portuguesas passarem pelo acesso à educação, à
saúde, com o direito de todos a terem médico de família, ao transporte público gratuito até aos 18 anos e,
sobretudo, aos direitos laborais.
Os discursos de preocupação com a natalidade não passarão de palavras vãs se os portugueses não tiverem
segurança para dar o passo de ter filhos, mesmo que queiram e tenham o sonho de formar família. É aceitável
que quem viva na precariedade, sem saber o dia de amanhã, sem garantias e segurança, não consiga assumir
ter a seu cargo a responsabilidade de criar um filho? É legítimo que quem sobrevive com o salário mínimo atual
e já faz um esforço enorme para chegar ao fim do mês com todas as despesas pagas decida não ter um segundo
filho, mesmo que seja esse o seu desejo? É compreensível que quem enfrenta o desemprego, que, nos próximos
tempos, será cada vez maior, não seja capaz de sonhar com a constituição de uma família?
Aos portugueses, é necessário devolver-lhes rendimentos, condições de vida, direitos, estabilidade e
segurança para que não tenhamos de enfrentar repercussões graves com a diminuição real da população ativa,
que arrasta consigo sérios problemas para o Estado e para a sociedade.
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Os incentivos à natalidade passam, sobretudo, por opções políticas concretas e proativas, por combater o
desemprego, por aumentar o salário mínimo nacional, por políticas de habitação para todos, por um médico de
família para todos os portugueses, por garantir, com rigor, que nenhuma mulher é despedida estando grávida,
por combater a precariedade, por políticas no âmbito da educação, da saúde e dos transportes públicos de
acesso gratuito para crianças e jovens. Passam, também, por garantir uma rede pública de creches e infantários
gratuitos para todas as crianças, com condições e distribuídas pelo País, assegurando aos pais a certeza de,
nestes tempos cada vez mais exigentes, terem onde deixar as suas crianças, com qualidade, com carinho, com
atividades e afetos. Os incentivos à natalidade passam por ter como prioridade o combate à pobreza!
A criação de grupos de trabalho ou de comissões para se encontrarem soluções é de duvidosa utilidade. É
preciso coragem para se votar a favor de propostas que vão ao encontro da melhoria da vida dos portugueses.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, do PS, tem a palavra para uma intervenção.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As políticas de família e a natalidade são temas que têm estado na agenda do debate político e social, do Parlamento e deste Governo.
Dizer o contrário, ignorar as políticas que foram sendo adotadas desde 2006 — e que voltaram a ganhar
prioridade política na ação do Governo desde 2015, com o objetivo expresso de apoiar a natalidade —, como
fazem alguns dos projetos apresentados, é contribuir para o contrário daquilo que o CDS e o PSD dizem
pretender nesses mesmos projetos.
Os estudos de caso e comparados de uma vasta literatura científica evidenciam que é a combinação
integrada, coerente e estável de várias políticas públicas ao longo do tempo, com a centralidade das políticas
de família, que permite obter resultados na criação de um ambiente que apoie as famílias na concretização dos
seus projetos e decisões parentais.
O caso da França é apontado, num dos projetos do CDS, como um exemplo na promoção da natalidade.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade!
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Mas importa lembrar que a história da adoção de políticas de família em França, com o objetivo de apoiar a natalidade, teve início no século XVIII e foi sendo sucessivamente
aprofundada e adaptada às novas realidades familiares, tendo como contexto de fundo um consenso social e
político forte desde o início.
Importa deixar bem claro que, para o PS, a importância do apoio à natalidade assenta no objetivo de
aproximar o número de filhos que as pessoas têm do número de filhos que as mesmas pessoas afirmam desejar
ter, com o objetivo de cada um e cada uma poderem ter condições para concretizar os seus projetos pessoais
e familiares.
Queremos, assim, deixar bem claro que uma das perspetivas com que o CDS fundamenta a apresentação
dos seus projetos em debate, que relaciona a perda da importância da família com a queda da natalidade, tendo
em conta as baixas taxas de nupcialidade e a elevada taxa bruta de divórcios em Portugal, não é a perspetiva
do PS nem tem evidência científica que o demonstre, muito pelo contrário.
Aplausos do PS.
Sabemos do impacto negativo das crises económicas na fecundidade, desde logo pela perda de rendimentos
e pela perda de confiança e de estabilidade face ao futuro, e, por isso, existe a necessidade imperiosa de adoção
de medidas contracíclicas, que permitam evitar a queda drástica da natalidade e promover a estabilização
possível do número de nascimentos.
As medidas que este Governo e esta Assembleia adotaram na última Legislatura, assim como nesta
Legislatura, e que, como referi, já vêm de 2006, assumem continuar a aprofundar: a definição de uma política
de rendimentos e salários dignos, justos e que acompanhem a cada vez maior qualificação das novas gerações;
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o combate à precariedade e a promoção e manutenção, na crise do desemprego que enfrentamos, do emprego
de qualidade, com direitos; o reforço significativo do abono de família e da sua majoração; o reforço dos apoios
nas despesas escolares, desde logo na mais pesada, a dos manuais escolares; a redução do custo das creches;
a redução dos custos das propinas, com o reforço da ação social escolar no ensino superior; a promoção do
arrendamento acessível; o lançamento de mais uma geração do PARES (Programa de Alargamento da Rede
de Equipamentos Sociais), destinado ao aumento dos lugares nas creches; a política fiscal no apoio direto às
crianças, às famílias e aos mais jovens, no início da sua vida profissional; a promoção da conciliação entre a
vida profissional, familiar e pessoal; a realização de um novo inquérito à fecundidade, sete anos depois do último,
para um diagnóstico mais atual da evolução demográfica em geral e dos obstáculos à parentalidade em
particular.
Ignorar ou desvalorizar a evolução que temos feito, nesta Assembleia, no País, na adoção de políticas de
família e de apoio à natalidade, por vezes por unanimidade, em algumas medidas de política de família, como
as que aprovámos na última Legislatura, é um erro que o PSD e o CDS cometem nas propostas que apresentam
e que o PS não pode deixar passar.
Aplausos do PS.
Volto a invocar o caso da França, utilizado num dos projetos como um exemplo a seguir, para perguntar o
seguinte: que indicadores de natalidade teria França hoje se, desde o século XVIII, estivesse constantemente a
pretender começar do zero, ignorando as políticas adotadas em cada um dos momentos passados?
Por outro lado, o CDS e o PSD — como já aqui foi dito — voltam a propor estudos e comissões de
acompanhamento, depois de vários estudos feitos, incluindo vossos, e de várias comissões de
acompanhamento, também propostas por vós.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo a sua atenção para o tempo.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Srs. Deputados e Sr.as Deputadas do CDS, a família e o apoio à família não são, como afirmam nestes projetos, um tema tabu, e já não o são há muito tempo.
De igual modo, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas do PSD, as políticas de família que temos hoje em vigor já
assentam numa visão estratégica e coerente. Aconselho-vos a lerem o Programa do Governo.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, agradecia que terminasse.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente. É evidente que salientamos e reconhecemos uma certa mudança das vossas propostas de política de família
face ao que defenderam e implementaram entre 2011 e 2015, com consequências catastróficas para a evolução
da natalidade.
Protestos da Deputada do PSD Clara Marques Mendes.
Sr. Presidente, termino dizendo que a construção de um entendimento social e político de base forte quanto
às medidas de políticas públicas, para aproximarmos a fecundidade desejada da fecundidade realizada, é
importante.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, muito obrigado. Já ultrapassou em 1 minuto o tempo que lhe cabia.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Estamos disponíveis para isso, mas estas propostas do PSD e do CDS não são a resposta.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada Lina Lopes, tem a palavra para intervir novamente, dispondo de 50 segundos.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, penso que não estamos no mesmo País, nem no mesmo Parlamento.
Sr.ª Deputada, em 24 anos de legislatura, vocês estiveram na governação em 18 deles. O que é que fizeram?
Foram os 6 anos em que nós estivemos que não se fez nada? E o que é que vocês fizeram em 18 anos? Não
fizemos nada?! Foi tudo feito por vocês?! Então, foi mal feito! Porque é que os pais não têm mais filhos?
Sr.ª Deputada, o que pedimos — penso que não nos ouviu — foi que tivéssemos um consenso alargado, que
juntássemos esforços, não que eu esteja contra o PS e o PS esteja contra o PSD. Vamos juntar esforços! As
famílias e os jovens precisam de apoio, Sr.ª Deputada. Penso que não me ouviu!
Sr. Deputado José Soeiro, também não me deve ter ouvido quando estive na tribuna, porque eu disse que
queríamos que as políticas a definir mobilizassem diferentes áreas: trabalho, empresas, segurança social,
finanças, educação, saúde e tantas outras.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo a sua atenção para o tempo.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Eram transversais! Foi o que nos foi dizer! Ouviu-me? Não me ouviu!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Eu li o projeto!
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Por isso, o que me custa mesmo é que, quando falamos de forma séria e queremos um consenso, os senhores fujam. Querem ou não querem? Estiveram 18 anos neste Governo!
Aplausos do PSD.
Neste momento, a Deputada do PS Sónia Fertuzinhos chamou a atenção da Mesa com um estalar de dedos.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — As «castanholas» são sempre um prazer…
Risos.
Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, pede a palavra para que efeito?
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr. Presidente, pretendo fazer uma interpelação à Mesa, pedindo desculpa pelas «castanholas». Como vi que estava a olhar para o lado, foi uma maneira de tentar fazer-me ouvir, não
intervindo.
Sr. Presidente, queria apenas dizer, após a intervenção da Sr.ª Deputada Lina Lopes, que o Grupo
Parlamentar do PS terá todo o prazer em fazer chegar à Mesa, para que também conste da ata desta reunião,
um documento com a evolução das políticas de família nas diferentes áreas, em Portugal, desde 2006, de forma
que, num próximo debate, a Sr.ª Deputada Lina Lopes não possa repetir o que acabou de dizer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, já compreendemos. Será feita a distribuição desse documento.
Sr.as e Srs. Deputados, para encerrar este ponto, tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, o tema em debate é suficientemente relevante e de tal forma estrutural para justificar um tipo de debate diferente daquele que o Partido Socialista,
nomeadamente, quis aqui trazer.
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Há coisas que não conseguimos conciliar, sendo uma delas achar que a evolução da demografia em França
foi linear desde o século XVIII…
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Não foi isso que eu disse!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … e que, portanto, não houve discussões, reformas e momentos em que, obviamente, foi necessário repensar tudo o que estava a ser feito.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Não foi isso que eu disse!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — A Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos quis convencer-nos de que este Governo do Partido Socialista era uma espécie de século XVIII para a demografia em Portugal e de que, a
partir de agora, tudo ia correr bem.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Não foi nada disso que eu disse!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, nem o Partido Socialista fez tudo bem ou tudo mal, nem as soluções à sua esquerda esgotam o universo de soluções possíveis.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Também não disse isso!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Até vou dizer-lhe mais: de maneira nenhuma, os projetos do CDS e, acredito, também do PSD pretendem ter essa solução.
A questão que aqui colocámos é muito simples: perante a evolução demográfica existente em Portugal,
ninguém consegue convencer-nos de que, primeiro, ela é positiva e, segundo, já se nota alguma inversão
suficientemente sólida e com relevância estatística para podermos achar que algumas políticas que tenham sido
promovidas estejam a ter esse efeito de alteração substancial na evolução da nossa demografia.
Isso devia fazer-nos pensar que, por exemplo, no contexto que agora temos, com esta crise de que a Sr.ª
Deputada falou também — e bem —, temos estudos, ou seja, informação estatística, por exemplo, da DECO
(Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor), que dizem que a perda de rendimentos se generalizou
a 70% dos agregados familiares. O facto de 70% dos agregados familiares perderem rendimento tem um impacto
tal do ponto de vista social que não pode deixar de ter impacto também na demografia, designadamente na
natalidade. É óbvio que vai ter!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Acresce que, por exemplo, os dados do Banco de Portugal dizem que a pandemia cortou 8,2% do rendimento
das famílias, isto é, há, ao mesmo tempo, um corte de rendimentos em 70% das famílias e um corte de quase
10% nesse rendimento. Se não percebermos que temos aqui um problema acrescido àquilo que já vinha a ser
uma evolução muito negativa da demografia e que vamos ter um problema ainda mais grave na natalidade, não
estamos mesmo a perceber como é que vamos conseguir resolver todos os outros problemas estruturais do
País.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Passamos, agora, ao sexto ponto da ordem de trabalhos, que consiste na discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 476/XIV/1.ª (PAN) — Cria uma unidade especial
de salvação e resgate animal, procedendo à terceira alteração à Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, e à primeira
alteração ao Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril, 494/XIV/1.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) —
Altera a Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, e o Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril, procedendo à criação da equipa
especial de socorro animal e 501/XIV/1.ª (BE) — Prepara a Proteção Civil para o salvamento, resgate e socorro
animal (3.ª alteração à Lei n.º 27/2006, de 3 de julho; 3.ª alteração do Decreto-Lei n.º 134/2006, de 25 de julho;
3.ª alteração à Lei n.º 65/2007, de 12 de novembro; 2.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril e 2.ª
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alteração ao Decreto-Lei n.º 116/98, de 5 de maio), juntamente com o Projeto de Resolução n.º 580/XIV/1.ª
(PEV) — Formação, no âmbito da Proteção Civil, para salvar e resgatar animais em caso de catástrofe.
Começo por dar a palavra à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real para apresentar o Projeto de Lei n.º
476/XIV/1.ª
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Episódios recentes, como o que aconteceu em Santo Tirso, evidenciaram a clara ineficiência das políticas de proteção e bem-estar animal.
Este episódio não foi e não será, infelizmente, um caso isolado. Será assim tão difícil imaginar, nem que seja
por uns segundos, o que é estar no meio de uma serra, preso num recinto cujo fogo ameaça, e, apesar do
instinto, não ter qualquer hipótese de fuga? Ou imaginar que o temor era tanto que nem sequer conseguiam
mobilizar-se? E imaginar ainda que, apesar da vossa esperança de que alguém aparecesse, estavam
literalmente entregues à vossa sorte? Todos sabemos bem o lamentável desfecho de casos como este.
Na emergência do quotidiano, acontecimentos como as catástrofes, os fenómenos climáticos extremos ou
os incêndios são absolutamente devastadores, atingindo pessoas, mas também animais, e expõem ainda,
particularmente bem, a necessidade de termos não só uma resposta especialmente articulada e dotada de
meios, mas também uma resposta vocacionada para aqueles que tendem a ser esquecidos quando somos
confrontados com a tragédia: os animais.
Dois meses após o fatídico incêndio de Santo Tirso, que matou perto de uma centena de animais, o PAN
apresenta hoje uma iniciativa com a qual pretende dar resposta a uma falha manifesta da ação de socorro. Não
podemos deixar de nos interrogar sobre como teria sido se este Parlamento tivesse aprovado, na Legislatura
passada, as iniciativas do PAN que visavam, precisamente, a integração de médicos-veterinários municipais
como agentes de proteção civil e a criação de uma equipa de resgate e socorro animal.
Com esta iniciativa, que hoje discutimos, o PAN propõe, então, que seja criada uma unidade especial de
salvação e resgate animal, ou seja, uma força de resgate e assistência a animais em áreas afetadas por acidente
grave ou catástrofe. Esta unidade terá necessariamente de ter, na sua composição e organização interna,
médicos e enfermeiros veterinários ou outros especialistas que se considerem pertinentes para o efeito, aptos
a intervir em cenários de crise, à semelhança do que já acontece quando são vidas humanas que estão em jogo.
Esta iniciativa propõe igualmente que se proceda à reformulação da estrutura da Proteção Civil, com a
respetiva integração dos médicos-veterinários municipais ou ao serviço do município como agentes de proteção
civil, criando, para tal, equipas de resgate e salvação que permitam, assim, uma resposta em tempo útil, mas
também que os municípios possam, facultativamente, criar as unidades tão necessárias de salvação e resgate
animal, compostas pelos seus médicos veterinários ou dos serviços necessariamente municipais e
representantes de associações zoófilas, pois o sucesso destas missões será tanto maior, quanto maior for a
capacidade de organização e resposta.
Por último, pretendemos incluir nos planos de emergência de proteção civil, sejam eles de âmbito nacional,
regional, distrital ou municipal, orientações aplicáveis ao resgate, socorro e assistência de animais porque, como
a história recente nos demonstrou, só uma ação concertada permite responder eficazmente nestas ocasiões.
Sr.as e Srs. Deputados, no que diz respeito à proteção animal, não podemos continuar a viver do voluntarismo
e a demitir-nos, sobretudo, da responsabilidade política, mas também da responsabilidade moral, que temos
para com os animais, que, na verdade, colocámos sob a nossa inteira dependência e aos quais reconhecemos
até, aqui, nesta Casa, um estatuto jurídico próprio.
A sociedade portuguesa consternou-se perante os episódios que aconteceram em Santo Tirso e, enquanto
eleitas e eleitos, não podemos continuar a fechar os olhos a esta realidade. A capacidade de nos colocarmos
no lugar do outro é, porventura, das mais nobres e distintas capacidades humanas, mas de pouco serve se não
for acompanhada de ações concretas, idóneas, a corrigir o que está errado.
Hoje, Sr.as e Srs. Deputados, voltamos a ter essa oportunidade. Saibamos, então, estar à altura deste desafio.
Aplausos do PAN.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para apresentar o seu projeto de lei, a Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
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A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta minha primeira intervenção, e das poucas que me será permitido fazer nesta Sessão Legislativa, não posso deixar de lamentar
a alteração à grelha de tempos aprovada na última Conferência de Líderes, grelha essa que nem menciona as
Deputadas não inscritas. Com todo o respeito, parece querer-se silenciar a voz de duas Deputadas, mulheres,
legitimamente eleitas pelo povo.
Em relação às iniciativas agora em debate, por exemplo, tanto a tragédia de Pedrógão Grande como a de
Santo Tirso deixaram evidente que existe uma necessidade urgente de haver uma entidade responsável pelo
socorro aos animais afetados por catástrofes. E desde já agradeço aos particulares e associações que têm
desempenhado um papel fundamental neste âmbito.
Nas audições sobre o ocorrido em Santo Tirso, foi possível verificar que nenhum partido, da direita à
esquerda, ficou indiferente. Por isso, peço-vos que também não fiquem indiferentes agora, que trabalhemos
todos juntos para que, numa próxima situação de emergência, exista já uma entidade estruturada e um plano
de socorro que possa dar uma resposta célere e eficiente e para que se evite, tanto quanto possível, a perda de
vidas, sejam elas humanas ou não humanas.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As situações de acidente grave e de catástrofe afetam populações e bens, mas afetam também, de forma menos visível, os animais. Os incêndios
rurais, por exemplo, são das catástrofes mais frequentes e graves no nosso País, com consequências trágicas
a nível humano, de recursos naturais, bens, empresas, mas também, e mais uma vez, de animais.
Nos grandes incêndios de 2017, no Pinhal Interior, o Ministério da Agricultura estimou a morte de meio milhão
de aves, mais de 5000 ovinos e caprinos, cerca de 1000 suínos e mais de 800 bovinos. Estas são, também,
perdas brutais de biodiversidade.
Já o recente incêndio em Santo Tirso expôs vários problemas, entre eles, a fragilidade do nosso sistema de
proteção a animais em catástrofe. Não fossem os habitantes locais, que se expuseram, também eles, a um risco
elevado, o número de mortes teria assumido proporções maiores. Garantir a responsabilidade concreta de
proteção de animais garante também, e não só, a proteção de pessoas que correm sérios riscos para os
proteger.
Ora, o que se verifica é que o atual quadro legislativo da Proteção Civil é pouco claro sobre o resgate e a
assistência a animais, algo que este projeto vem corrigir. Passa a ser taxativamente do âmbito da Proteção Civil
atuar para proteger e socorrer estes animais em perigo, para além das pessoas e dos bens.
Propomos, para isso, que a área da saúde e do bem-estar animal passe a estar representada nas comissões
distritais e municipais de proteção civil e também que representantes da Direção-Geral de Alimentação e
Veterinária (DGAV) e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) passem a integrar o
Centro de Coordenação Operacional, quer nacional, quer distrital.
Ao nível dos municípios, propomos que as médicas e os médicos veterinários municipais participem na
elaboração e operacionalização do plano municipal de salvamento, resgate e socorro animal, a integrar no Plano
Municipal de Emergência de Proteção Civil. Na vertente operacional, entendemos que as mesmas médicas e
os mesmos médicos devem integrar as equipas de resgate animal previstas nos planos municipais de
emergência de Proteção Civil.
Por fim, à semelhança das comissões municipais para prevenção de incêndios rurais, institui-se também a
formação de uma comissão municipal de defesa de animais em situação de catástrofe, para que se instalem,
em cada concelho, planos preventivos de atuação para minimizar estas situações.
Ora, para que as novas atribuições da Proteção Civil possam também ser desempenhadas com eficácia, é
indispensável assegurar mais profissionais, mais recursos e mais formação. A proteção dos animais deve ser
garantida pela Proteção Civil nos diversos níveis em que se estrutura. O Estado, e cada Governo, deve, por sua
vez, garantir a proteção, os meios e a formação dos agentes intervenientes na Proteção Civil.
Para o Bloco de Esquerda, é importante que a resposta seja dada de forma estrutural e integrada na orgânica
da Proteção Civil, sem que seja um espaço à parte, mas uma preocupação generalizada. O salvamento de
animais deve, nesse sentido, ser uma preocupação de todos e de toda a estrutura da Proteção Civil.
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Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para a apresentação do projeto de resolução do PEV, a Sr.ª Deputada Mariana Silva.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As situações de maus-tratos a animais domésticos são cada vez mais visíveis. Para além da intervenção no quadro jurídico, é necessário sensibilizar
quer as autoridades quer os detentores de animais.
Há notícias de maus-tratos, de abandono, de acumulação de animais de companhia sem condições e da sua
utilização em violência contra pessoas, mas, por outro lado, abrem-se cada vez mais potencialidades de
participação de animais no desenvolvimento psicossocial do ser humano.
Os Verdes mantiveram sempre na sua agenda as preocupações em torno do bem-estar animal, que se
materializaram nas mais diversas iniciativas legislativas apresentadas nesta Assembleia.
Para Os Verdes, importa, sobretudo, que a sociedade conheça, com algum detalhe, os efeitos práticos da
aplicação das leis mais recentes para o bem-estar animal, de forma que se perceba se estão a ser aplicadas ou
em que medida estão a ser cumpridos os objetivos a que estas leis se propõem.
É urgente tomar medidas para o acompanhamento da síndrome de Noé, tal como repensar políticas ou
medidas para o acompanhamento de cães vadios e assilvestrados.
Infelizmente, é quando somos confrontados com acontecimentos extremos, como o do dia 18 de julho, com
o incêndio florestal em Santo Tirso, que levou à morte de dezenas de animais, provocada em parte pela
dificuldade de socorro, que se percebe a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre esta questão.
Apesar de esta tragédia ter sido provocada por um forte incêndio, não podemos ignorar as informações que
nos foram chegando sobre as condições em que estes animais se encontravam nos abrigos afetados, bem como
o número elevado de animais que estes abrigos albergavam.
Assim sendo, para além da fiscalização da legislação, porque só avaliando o resultado prático das leis que
são criadas é possível aferir se estas estão, de facto, a atingir os seus objetivos ou se constituem apenas uma
descrição de boas intenções que acabam por não ter aplicação, há uma outra componente que importa alcançar
e que as consequências do incêndio florestal anteriormente referido realçaram, que se prende com a atuação
pronta e eficaz das entidades responsáveis por intervir em situação de catástrofe.
Ficou visível a necessidade de estas entidades estarem dotadas de meios humanos aptos a lidar com estas
situações, de modo a salvar e a resgatar, o mais prontamente possível, os animais em perigo de vida.
Os Verdes consideram que é essencial garantir a formação de pessoas, no âmbito da Proteção Civil e,
consequentemente, no seio das entidades responsáveis pelo socorro em caso de catástrofe, para salvar e
resgatar animais em perigo de vida, envolvendo, sempre que possível, as associações de defesa dos animais,
aproveitando a sua experiência e o seu conhecimento.
Será mais um avanço no longo caminho para prevenir a crueldade dirigida aos animais, resposta que deverá
ser mais abrangente, envolvendo as mais diversas áreas, como as da saúde, da segurança, da educação, da
ação social e da justiça.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Lima Costa, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. António Lima Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projetos de lei do PAN, da Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues e do Bloco de Esquerda e o projeto de resolução do PEV têm
como objetivo comum integrar no sistema de Proteção Civil a componente do salvamento, resgate e socorro
animal.
São iniciativas que surgem na sequência do ambiente emocional gerado pela morte de dezenas de animais
em dois abrigos, provocada por um incêndio florestal. Esse dramático acontecimento de julho e toda a
descoordenação, que foi bem patente e bem visível, das entidades envolvidas fez-nos despertar, não há dúvida,
para a pertinência do assunto que hoje discutimos. A este respeito, o PSD, um partido com pergaminhos na
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causa da proteção animal — foi precursor no processo de criminalização dos maus-tratos a animais —, partilha
obviamente, das preocupações com o socorro animal aqui levantadas.
Posto isto, quanto à substância das iniciativas, consideramos que os projetos de lei do PAN e da Sr.ª
Deputada não inscrita Cristina Rodrigues, que, diga-se, são cópia um do outro, não podem merecer a nossa
concordância. Isto porque a principal proposta que integra estas iniciativas — a criação de uma unidade especial
ou uma equipa de salvação, resgate e socorro animal — é desproporcionada e de eficácia muito discutível, para
não dizer que tem efeitos perversos, contraproducentes e até prejudiciais ao nosso objetivo comum.
A proposta, demasiado voluntarista, de criação dessa unidade pode ter impacto mediático, não o discuto,
mas está alheada da nossa realidade.
O Sr. João Moura (PSD): — Muito bem!
O Sr. António Lima Costa (PSD): — Numa época normal de incêndios, por exemplo, e em face da nossa extensão territorial, seria impossível ela desdobrar-se por diversos teatros de operações, muito distantes entre
si. Discordamos, pois, deste modelo.
O projeto de resolução do PEV é inócuo e inconsequente e, portanto, não nos merece mais comentários.
Já quanto ao projeto de lei do Bloco de Esquerda, o PSD reconhece-lhe virtudes.
A proteção civil é um serviço público essencial para a segurança do cidadão, que, recorde-se, tem de estar
sempre no centro da sua ação, mas o PSD defende que se equacione, seja a nível nacional ou municipal, com
gradualismo, com bom senso, com realismo, o alargamento da missão da proteção civil ao resgate e socorro
animal, sejam eles de companhia ou de produção.
Por isso, entendemos que o projeto do Bloco de Esquerda constitui uma boa base de trabalho, que merece
aprofundamento numa eventual discussão na especialidade e o PSD está muito interessado em fazer esse
trabalho. E sobre as quatro iniciativas aqui presentes, neste momento, é o que temos a dizer.
Mas não posso terminar sem deixar uma pergunta muito concreta, diretamente relacionada com o assunto
que aqui nos traz e que se impõe neste contexto. Perante o que aconteceu nos abrigos de Santo Tirso, episódio
que, no fundo, espoletou este nosso debate e com o único objetivo de arranjar um bode expiatório e desviar as
atenções, assistimos nesta Casa, por parte do Sr. Primeiro-Ministro, à difamação da Direção-Geral de
Alimentação e Veterinária, do seu ex-Diretor-Geral e, na prática, de todo o Ministério da Agricultura, que
recentemente comemorou 100 anos de existência.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!
O Sr. António Lima Costa (PSD): — Foi mais um episódio na estratégia do desmantelamento em curso do Ministério da Agricultura, desta feita retirando à DGAV as competências da sanidade e do bem-estar dos animais
de companhia e atribuindo-as a outro ministério.
Com grande leviandade, o chefe do Governo ignora o papel crucial que a DGAV tem desempenhado na
proteção e sanidade animal e todo o conhecimento veterinário e zootécnico acumulado e reconhecido até
internacionalmente, e embarca em experimentalismos políticos inaceitáveis.
Esta leviandade coloca em risco a saúde pública e a sanidade e o bem-estar animal, ao pôr de lado toda a
experiência adquirida neste domínio, ao desprezar-se uma análise integrada e as evidentes sinergias do
conhecimento científico alcançado e ao introduzir-se descoordenação, burocracia e duplicação de tarefas.
Estamos perante um erro político que é indesculpável, porque contraria um total consenso técnico e científico
dos especialistas nesta matéria.
E, portanto, a pergunta que se impõe ao Bloco de Esquerda, mas que é extensível a todos os partidos da
esquerda parlamentar que suportam o Governo, é se aceitam passivamente, calados, este erro político, técnico
e científico de desmembramento da DGAV no que toca à sanidade e bem-estar dos animais de companhia.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, do CDS-PP.
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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a estes vários projetos que hoje são aqui apresentados e estão em discussão, quero referir, em primeiro lugar, o seguinte: foi logo na
primeira intervenção que a Sr.ª Deputada do PAN disse — e bem — que esta matéria esteve muito presente na
sociedade portuguesa aquando do incêndio com início em Valongo e com a carga de preocupação e de
dramatismo a que assistimos em Santo Tirso.
Portanto, de facto, esta é uma preocupação que existe na sociedade portuguesa e é uma preocupação que,
do nosso ponto de vista, faz sentido.
De resto, é de sublinhar que, como noutras matérias, este tipo de preocupações tem vindo a ganhar terreno
— e bem — na sociedade portuguesa, a qual, na sua generalidade, tem uma visão positiva em relação aos
animais, particularmente aos animais de companhia, pois uma percentagem muito significativa de portugueses
possui animais de companhia, quando comparados com outros países. Mas a preocupação não se limita,
obviamente, aos animais de companhia, para mais se se tratar de incêndios florestais com a dimensão a que,
às vezes, assistimos.
Tivemos incêndios de grandes dimensões, mais de 20 000 por ano, com 138 000 ha de área florestal ardida.
Não temos números para a quantidade de animais que deverão ter perdido a vida nestes 138 000 ha, mas,
seguramente, entre animais de companhia, animais selvagens e animais em geral, será um número muito
elevado de animais que todos os anos perdem a vida nos incêndios florestais.
Dito isto e feita esta reflexão, em relação aos projetos em concreto e, desde logo, ao projeto do PAN e ao da
Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues, que, de alguma forma, vão no mesmo sentido e com a mesma
preocupação sendo, de facto, como aqui foi dito, muito parecidos um com o outro, devo referir que é uma ideia,
é uma intenção.
No entanto, no nosso ponto de vista, essa intenção poderia e deveria ser regulamentada e legislada pelo
próprio Governo. Ou seja, não estamos contra a ideia nem contra a preocupação, só acho é que deveria ser o
Governo a fazê-lo.
Em relação ao projeto do Bloco de Esquerda, é um projeto mais detalhado, mais regulamentador, e aí já
temos mais dúvidas nalguns aspetos estritos e específicos dessa mesma regulamentação.
Em relação ao que aqui nos apresentou o PEV, estamos de acordo na forma, ou seja, achamos que esta
matéria, partindo de uma preocupação legítima e séria da sociedade portuguesa, devia ter a forma de uma
resolução, dando margem, depois, a que o poder executivo pudesse incorporar estas preocupações, integrá-las
numa lógica de proteção civil e dar-lhes resposta.
Há uma matéria que nos parece muito importante — mesmo a terminar, Sr. Presidente —, a que estes
projetos não vão em detalhe, mas que é fundamental, como se viu, no caso de Santo Tirso, que é a questão da
fiscalização. A fiscalização é a pedra de toque. Quer dizer, sem fiscalização não conseguiremos prevenir nem
tratar estas mesmas situações. Brigadas de urgência, brigadas rápidas, sim, senhor, mas sem fiscalização não
haverá solução.
Dito isto, e para terminar, quero sublinhar que o CDS-PP não inviabilizará nenhum destes projetos, não terá
oposição direta a nenhum destes projetos, esperando que, depois, em sede de comissão e em sede de
especialidade, se consiga encontrar uma solução que dê a melhor resposta a uma preocupação real da
sociedade portuguesa.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Dou agora a palavra à Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é óbvio, a situação do passado mês de julho, do incêndio que atingiu os animais dos dois abrigos conhecidos por «O Cantinho das Quatro
Patas» e «Abrigo de Paredes» tocou-nos muito e indignou mesmo a generalidade da população. Morreram
dezenas de animais e todos ficámos a questionarmo-nos o que falhou e para o PCP é preciso ver a questão
esclarecida.
Mas a questão aqui é mesmo a questão da proteção civil. Da mesma forma, em 2003 e em 2005, em 2017,
com as proporções dramáticas que os incêndios tomaram e que não podemos esquecer, é preciso perguntar o
que se pode fazer para melhorar a proteção civil, mas, sobretudo, é preciso encetar as mudanças necessárias
e foi por isso que, em 2018, o PCP apresentou recomendações para uma nova política de proteção civil.
As situações de catástrofe e as situações de incêndio, em particular, são de uma complexidade que é difícil
aqui descrever. Mas uma coisa é certa: a dificuldade de intervir e de salvar pessoas, animais e bens, é
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diretamente proporcional à falta de meios, às erradas orientações para a proteção civil e, no caso dos incêndios,
dos graves problemas de desordenamento florestal, que são acumulados de anos de más opções políticas.
É do entender do PCP que a salvação e resgate animal é uma preocupação que temos de ter presente, que
não depende de uma equipa própria da proteção civil, mas, sim, do reforço de meios da DGAV e das autoridades
sanitárias veterinárias, a todo o momento e não só em situações de tragédia, algo que temos vindo
sucessivamente a propor. E depende essencialmente do próprio sistema de proteção civil, num todo, que carece
de um reforço urgente. Os comandos operacionais podem já, a todo o momento, chamar e envolver os
profissionais e as equipas que entenderem adequadas à situação concreta.
Não nos parece, sinceramente, que num cenário de emergência facilite a criação de uma nova unidade
orgânica que concorra com o que já existe e acabe, até, por traduzir-se num fator de descoordenação. As
operações devem ser geridas por quem tem essa responsabilidade e, em vez de mais estruturas, são precisos
mais meios.
Mas é preciso, sim, melhorar a cartografia, o cadastro, os planos de emergência, os planos de defesa da
floresta, quando for o caso, com o mais apurado levantamento do edificado e do seu uso. E aí se enquadra a
indicação da existência de abrigos, por exemplo.
É preciso, sim, apostar na prevenção dos riscos coletivos, na robustez da resposta a eventos extremos, na
formação das populações e na qualificação e valorização dos agentes. E é neste sentido que iremos
acompanhar a proposta de Os Verdes.
É preciso — e esta discussão não pode, de alguma forma, passar à margem disso — financiar os bombeiros,
como temos insistentemente defendido, valorizá-los, dar-lhes condições concretas para a sua importante
missão.
É preciso reforçar o financiamento das câmaras municipais, para que tenham serviços municipais de proteção
civil com recursos adequados.
É preciso instalar uma cultura de medidas de autoproteção, construindo, com as associações zoófilas e
abrigos privados, planos de evacuação.
Ao mesmo tempo, a proteção civil tem de ser parte integrante dos instrumentos de planeamento e
ordenamento do território.
Em suma — e é esta a questão nuclear —, são precisos meios. As autoridades sanitárias veterinárias
municipais têm de ser reforçadas, como temos já proposto e tem sido discutido e chumbado, sucessivamente,
nesta Câmara. Elas são fundamentais em situação de catástrofe, e não só. Tal como são imprescindíveis as
equipas de proteção civil e todos os que são chamados a intervir.
No dia de hoje, hoje mesmo, todos os agentes da proteção civil dão o seu melhor em condições muito difíceis
e a proteção civil tem de passar a ser prioridade e é preciso investir nas suas diversas componentes, para que
não tenhamos de voltar a lamentar perdas de vidas humanas, animais e patrimoniais.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado Santinho Pacheco, do PS.
O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Somos um país cada vez mais atento e disponível para as questões do bem-estar animal.
A causa animal ganha todos os dias mais espaço na comunicação social e atrai uma cidadania com valores.
As pessoas são tocadas pelo sofrimento e responsabilizam politicamente órgãos e poderes da administração
central e local perante a indiferença. Maus tratos, abandono, abate de animais errantes para controlo de
populações vão do ato reprovável à proibição absoluta, à criminalização.
Boas respostas teóricas nem sempre são as soluções ideais a prazo. O aumento exponencial dos errantes
deu pretexto para mais abrigos ilegais e a dramas como o de Santo Tirso.
Mas eutanasiar animais é um recuo civilizacional e o abandono sem dolo não passa de um ato reprovável.
Como conciliar todos estes princípios, que se vão neutralizando entre si? As iniciativas legislativas que temos
em debate são tão generosas nos seus propósitos como algumas delas são ineficazes nos objetivos. Qual foi o
parecer da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) sobre estes diplomas?
Sobre a inclusão de médicos veterinários municipais como agentes de proteção civil: as entidades atualmente
consagradas como agentes de proteção civil correspondem a serviços de primeira linha na resposta a qualquer
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situação de emergência, de proteção e socorro, integrando obrigatoriamente os centros de coordenação
operacional nacional e distrital, no âmbito do Sistema de Gestão de Operações (SGO). Os veterinários
municipais respondem não como agentes de proteção civil, mas como entidade com dever de cooperação, à
semelhança do que já ocorre com os serviços de segurança social ou a prestação de perícias médico-legais,
para dar apenas um exemplo.
Em relação à obrigatoriedade de orientações aplicáveis ao resgate, socorro e assistência a animais nos
planos de emergência de proteção civil: os planos de emergência de proteção civil são fixados por resoluções
da Comissão Nacional de Proteção Civil, não existindo determinações especificas em matéria de socorro e
salvamento de vidas humanas, de emergência médica, de apoio psicossocial às populações.
Não é proporcional ou adequada a opção de incluir na Lei de Bases da Proteção Civil orientações aplicáveis
ao resgate, socorro e assistência a animais nos planos de emergência de proteção civil. As orientações agora
propostas podem e devem ser integradas numa futura revisão da diretiva de planos de emergência. Seria o mais
natural.
Em relação a criar unidades municipais de salvação e resgate animal por determinação das comissões
municipais de proteção civil: o regime da organização dos serviços das autarquias locais é competência das
assembleias municipais, cabendo ainda à câmara municipal criar unidades orgânicas flexíveis e definir as
respetivas atribuições e competências.
O Sr. João Azevedo Castro (PS): — Muito bem!
O Sr. Santinho Pacheco (PS): — A temática da existência de unidades municipais de salvação e resgate animal não deverá ser considerada no âmbito da Lei de Bases da Proteção Civil. É uma decisão municipal.
Sobre o dever especial de cooperação com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC):
nada obsta, a propósito dos veterinários municipais, a que possa existir um dever especial de cooperação destes
com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.
Presentemente, integra a ANEPC a Força Especial de Proteção Civil, uma força de prevenção e resposta a
situações de emergência e de recuperação da normalidade da vida das comunidades afetadas por acidentes
graves ou catástrofes. Intervir não exclui o socorro animal, não se justificando a criação de uma força especial,
de âmbito específico, integrada na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Acresce que as suas atribuições incluem a prestação de cuidados médico-veterinários a animais feridos, e que serão melhor exercidas no patamar municipal da proteção civil.
Importa ter em consideração as entidades existentes com responsabilidades nesta área. A resposta relativa
à proteção dos animais deverá ser considerada através da ação dos municípios, uma vez que, nos termos
previstos na lei, os municípios têm a obrigatoriedade de ter nos seus quadros, pelo menos, um médico
veterinário.
Finalmente, faço uma referência ainda ao Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente, da GNR,
nomeadamente, no âmbito do salvamento e socorro a animais e no cumprimento da legislação de salvaguarda
dos direitos dos animais, pelo que torna dispensável, para já, a necessidade de formação de pessoas no âmbito
da proteção civil para salvar animais em caso de catástrofe.
Aplausos do PS.
O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Muito bem!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Embora estas iniciativas possam ter sido impulsionadas pela tragédia de Santo Tirso, a verdade é que o assunto que lhes subjaz não é
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novo. E, de facto, uma coisa é certa: alguma coisa vai mal, porque se assim não fosse as tragédias que
aconteceram não teriam tido o impacto tão grave que tiveram.
Por exemplo, pegando agora nesta última intervenção, praticamente um terço do nosso País não tem
veterinário municipal, o que pode ser um fator relevante.
A ideia da iniciativa que propus é que se crie uma equipa no seio da proteção civil, dando liberdade ao
Governo para regulamentar como achar adequado.
De resto, estou absolutamente disponível para discutir qual a melhor forma de prevenir situações como esta,
sendo que, de facto, a proteção animal é aqui a prioridade.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É verdade que a proteção civil é o nosso garante de proteção em situações de catástrofe e é também o garante de bens e animais. E se é
necessário estruturar uma resposta integrada e, além da fiscalização, garantir a planificação e a prevenção,
também é verdade que a missão tem de estar atribuída à proteção civil e integrada em todos os âmbitos da sua
atuação, garantindo-se os trabalhadores, a integração da formação e a preparação para este âmbito.
Neste sentido, o processo de especialidade pode, de facto, garantir não só a participação da Associação
Nacional de Municípios como a da própria Autoridade Nacional para a Proteção Civil e a de um vasto conjunto
de entidades que melhorem estas iniciativas.
Mas se não tomarmos a iniciativa de as aprovarmos e garantirmos que existe um processo de especialidade,
nada se alterará. Continuaremos a ter o problema dos incêndios. Teremos, de facto, as comissões municipais
para o combate aos incêndios, mas não teremos comissões que garantam a proteção civil e que os municípios
tenham esse planeamento que é definido pela lei geral, como já é definido a nível dos incêndios rurais.
Neste sentido, e porque o Estado também tem falhado na componente relativa aos veterinários municipais
nomeados pela DGAV, o Governo, o Estado deve também garantir que faz todo o esforço em alocar meios,
profissionais e da proteção necessária à proteção civil.
Estamos dispostos a trabalhar neste diploma.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Precisamente quando se traz aqui uma proposta que visa integrar os médicos veterinários nas diferentes esferas ou dimensões da proteção
civil — e não nos podemos esquecer que ela tem uma dimensão não apenas municipal, mas também distrital e,
muitas vezes, ao nível do governo central, um âmbito nacional — que é fundamental reforçar com quem tem a
aptidão técnica para o efeito, que são os médicos veterinários, não deixa de ser manifestamente curioso, ouvir,
em particular o PSD, sair em defesa da DGAV e rejeitar e afastar a possibilidade de integrarmos os médicos
veterinários, que são quem tem este conhecimento, como propomos.
Isto é não só incoerente como põe em causa um princípio de saúde pública, que tão bem apregoa, e que
acompanhamos, obviamente, como também o conhecimento para salvaguardar o bem-estar animal.
Não há alargamento possível ou solução mais eficaz do que dotar a proteção civil de uma figura jurídica,
criada e prevista na legislação, para que depois possa ser materializada. E quanto a isso estamos inteiramente
disponíveis para trabalhar em sede de especialidade. Mas não podemos deixar de convocar, em particular o
PSD e o Partido Socialista, que têm aqui a opção de não ter a proteção animal apenas como uma mera bandeira
eleitoral que se agita em tempos de campanha, mas que, quando são chamados a alterar a lei e a torná-la
eficaz, voltam a deixar os animais para trás e a ignorar o seu sofrimento.
Da mesma forma, também o PCP, na sua ótica, acha que está sempre tudo bem, portanto, não há nada a
alterar, quando, na verdade, temos milhares de animais a morrer em contexto de incêndio, seja no âmbito da
pecuária, dos animais de companhia ou da biodiversidade.
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A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não ouviu nada! Estava distraída!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Há, de facto, um problema relacionado com a fiscalização. Reconhecemos esse mesmo problema, mas essa é uma outra matéria, muito distante desta de que estamos
aqui hoje a falar, e não podemos confundir e misturar associações que seriamente fazem o seu trabalho com o
caso que aconteceu em Santo Tirso, em que, indevidamente, foi utilizada essa figura.
Protestos do Deputado do PS Luís Moreira Testa.
Apesar dos avanços que fizemos nesta matéria há, de facto, lacunas que persistem e que exigem de nós,
enquanto eleitas e eleitos, uma ação concreta nestas matérias. Até aqui tem sido a sociedade civil, em particular
as associações, que tem estado no terreno e a dar resposta a estes problemas relacionados com os animais,
mas tal não pode continuar a acontecer, tem de ser o Estado a assumir essa sua responsabilidade.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo-lhe a atenção para o tempo.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr. Presidente. E não posso deixar de invocar as palavras do Prof. Fernando Menezes Cordeiro que alerta para a ideia de
que existe uma anomalia de valores quando ignoramos o sofrimento animal, feito o seu paralelo com os nossos
direitos e a nossa consciência, já que somos capazes não só de fazer sofrer os animais como também de evitar
esse sofrimento.
Temos o momento derradeiro de olhar para esta derrogação da legislação, o estatuto próprio dos animais,
que os reconhece como seres sensíveis e lhes reconhece também um direito de auxílio. Não o neguemos hoje,
Sr.as e Srs. Deputados.
Estamos inteiramente disponíveis para trabalhar esta iniciativa na especialidade.
Aplausos do PAN.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, vamos agora dar início ao ponto 7 da ordem de trabalhos, a discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 450/XIV/1.ª (PEV) — Apresentação de Relatório
do ICNF à Assembleia da República, para acompanhar e reforçar o cumprimento do objetivo nacional de redução
da área de eucalipto no espaço florestal, 493/XIV/1.ª (PAN) — Cria a comissão de acompanhamento para a
vigilância, prevenção e controlo da regeneração natural dos eucaliptos e das exóticas lenhosas invasoras e
determina a elaboração de um plano de controlo da regeneração natural dos eucaliptos e de ação para a
vigilância e controlo das exóticas lenhosas invasoras e 500/XIV/1.ª (BE) — Cria rede pública de viveiros para
multiplicação de espécies autóctones, recuperação de áreas ardidas e transformação da paisagem, juntamente
com o Projeto de Resolução n.º 521/XIV/1.ª (PEV) — Recomenda ao Governo apoios para retirar as árvores
ardidas com incêndios de 2017, arranque de eucaliptos de crescimento espontâneo e para a (re)florestação com
espécies endógenas.
Para apresentar o Projeto de Lei n.º 450/XIV/1.ª, do PEV, dou a palavra à Sr.ª Deputada Mariana Silva.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje temos em discussão dois projetos que vão no sentido das já conhecidas preocupações que o Partido Ecologista «Os Verdes» tem vindo a
apresentar relativamente à gestão da floresta e aos impactos que as monoculturas e os incêndios florestais
provocam.
É possível termos uma floresta mais resiliente ao fogo e a verdade é que temos hoje uma lei que determina
que não pode haver ações de arborização com eucalipto, dando lugar a ações de rearborização.
Esta lei prevê um mecanismo de compensação que leva a que se houver autorização para plantar uma nova
área de eucalipto ela tenha de ser compensada com o arranque de uma área de eucalipto já existente, sendo
que a nova área terá de ser mais diminuta do que a existente para, progressivamente, se reduzir a área global.
Com os incêndios de 2017, absolutamente dramáticos e devastadores, parecia ter-se aprendido a lição de
que era preciso mudar de rumo, alterando as características dos nossos espaços florestais. Quando passam já
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três anos após a tragédia de Pedrógão Grande, Os Verdes continuam atentos e empenhados em não baixar os
braços, enquanto os problemas subsistirem.
O Projeto de Resolução n.º 521/XIV/1.ª recomenda ao Governo que se tomem as medidas necessárias para
controlar a expansão da área ocupada por eucalipto de crescimento espontâneo, o que passa por apoios à
limpeza dos terrenos, ao arranque de eucaliptos, à rearborização, bem como por acentuar a fiscalização sobre
as áreas ardidas. Isto quando o Projeto de Lei nº 450/XIV/1.ª reforça a ideia de que é necessário que o ICNF
relate anualmente à Assembleia da República as ações de fiscalização que empreendeu no terreno, com vista
ao cumprimento da lei da arborização e rearborização, bem como o resultado concreto dessas ações.
Não podemos permitir que se continuem a ignorar os impactos negativos da monocultura do eucalipto, há
muito denunciados por Os Verdes, nomeadamente ao nível ambiental, devido ao esgotamento dos recursos
hídricos, à perda acentuada da biodiversidade, ao empobrecimento dos solos e agravamento da desertificação,
à uniformização paisagística, bem como pelo facto de acentuar o risco de incêndio deixando as populações
rurais e periurbanas mais vulneráveis.
As preocupações transmitidas a Os Verdes por muitos autarcas revelam a forma descontrolada como, nos
últimos anos, o eucalipto tem crescido de forma espontânea.
O eucalipto espontâneo deve ser arrancado ao fim de um ano após o incêndio, para que não aconteça aquilo
a que todos podemos assistir nas áreas percorridas pelos incêndios de 2017: os eucaliptos formaram autênticos
«relvados», germinando em qualquer espaço, seja nos terrenos anteriormente ocupados por outras espécies
arbóreas, seja em terrenos agrícolas, matos incultos, seja em caminhos agrícolas e florestais, entre muitos
outros locais em que não houve qualquer intervenção, incluindo as bermas das faixas de rodagem.
Se é previsível a regeneração natural e a germinação das sementes do eucalipto com os fogos, que bloqueia
o crescimento de espécies endógenas, por exemplo, de folhosas, já é incompreensível que, face ao
conhecimento científico e técnico existente, não sejam tomadas medidas, após os incêndios, para evitar esta
densificação descontrolada do eucalipto, como se verificou em 2017.
Muitos investigadores que desenvolvem estudos nesta área têm alertado para a necessidade de tratar e
limpar os terrenos percorridos pelos incêndios, para evitar uma autêntica selva com árvores de diferentes
tamanhos ocupando povoamentos florestais, que, em pouco tempo, ficarão repletos de material combustível e
com riscos agravados de incêndio. Sem gestão, estas áreas tornam-se um autêntico barril de pólvora, com
consequências incontroláveis.
É, pois, indispensável apoiar os pequenos proprietários em resposta à desvalorização da madeira queimada
e apoiar a reflorestação com espécies nativas, nomeadamente o sobreiro, o carvalho ou o castanheiro,…
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo-lhe a atenção para o tempo.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. Dizia eu que essas espécies nativas, por terem um grande teor de humidade, são mais resilientes aos fogos.
Perante as evidências do passado e tendo em conta o acentuar das alterações climáticas e respetivos
fenómenos extremos associados à mudança do clima, é, desde logo, importante tomar todas as medidas para
salvaguardar futuramente as populações e para tornar a nossa floresta mais resiliente.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para a apresentação do Projeto de Lei n.º 493/XIV/1.ª, do PAN, dou a palavra ao Sr. Deputado André Silva.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos anos uma vasta área do território foi sujeita a incêndios de grande severidade com efeitos nefastos nos ecossistemas. Em resultado de
sucessivos incêndios, existem evidências de que o eucalipto se está a regenerar naturalmente através de
sementes depositadas no solo, nas zonas ardidas, ou seja, a espécie encontra-se a naturalizar, o que implicará
perda de biodiversidade pela substituição de espécies autóctones por eucaliptos.
Além da regeneração natural não controlada dos eucaliptos, têm-se verificado nas zonas ardidas diversos
focos de invasão de espécies exóticas lenhosas, ameaçando zonas protegidas ao formar matas cerradas de
milhares de plantas por hectare, que produzem milhões de sementes e que se mantêm viáveis por várias
décadas.
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Existem várias plantas invasoras em Portugal. Contudo, as espécies acácias e háqueas são as que se
encontram mais dispersas e que causam maiores problemas, por estarem adaptadas ao fogo e beneficiarem da
sua ocorrência. A propagação destas espécies é fomentada pelo fogo, visto que as sementes têm características
pirófitas, ou seja, são estimuladas pelo incêndio para germinarem.
É impossível o País dispor de um dispositivo de combate aos incêndios que dê resposta cabal ao acréscimo
da quantidade e intensidade dos incêndios, como a realidade já nos veio demonstrar.
A primeira linha de atuação tem de ser, sem dúvida, a prevenção. E, nessa matéria, Portugal tem grandes
desafios a enfrentar, visto que, ao contrário do que é habitual noutros países, a larga maioria da propriedade
florestal é privada, com extensas áreas abandonadas e inúmeros proprietários.
Temos de adaptar a nossa floresta à nova realidade climática que vivemos. Tal só será possível através do
reordenamento florestal, apostando em espécies autóctones e mais resistentes aos incêndios, da criação de
mecanismos de remoção de obstáculos ao redimensionamento de parcelas para a gestão florestal e da criação
de incentivos aos serviços de ecossistemas, pela aposta em espécies com impactos ambientais positivos e
resistentes aos incêndios. Este caminho é crucial, seja na prevenção dos incêndios, seja na retenção de recursos
hídricos no solo, seja no combate à desertificação que ameaça cerca de 60% do nosso território.
Apresentamos, assim, um projeto de lei que pretende evitar que se continuem a propagar espécies, como os
eucaliptos, e invasoras, como as acácias, que têm um comportamento de combustível rápido e fácil num
incêndio. Quando olhamos para as áreas ardidas há três anos, o que vemos? Eucaliptos e espécies invasoras
a crescer. O Governo, ao invés de ter implementado uma política de reordenamento florestal nas áreas ardidas,
deixa crescer eucaliptos e espécies invasoras. Até ao próximo grande incêndio!
É precisamente isso que queremos evitar com o projeto de lei que aqui trazemos, que cria uma comissão de
acompanhamento para a definição, implementação e monitorização de planos e medidas para a prevenção e
controlo da regeneração natural dos eucaliptos e das exóticas lenhosas invasoras.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo utilizado.
O Sr. André Silva (PAN): — Não podemos deixar que a inação do Governo nos traga mais tragédias como a de há três anos.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Bloco de Esquerda, para apresentar o Projeto de Lei n.º 500/XIV/1.ª (BE) — Cria uma rede pública de viveiros para
multiplicação de espécies autóctones, recuperação de áreas ardidas e transformação da paisagem, mas, antes,
cumpre-me informar o Sr. Deputado André Silva de que dispõe ainda de 36 segundos.
Tem a palavra, Sr. Deputado Ricardo Vicente.
O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: O Bloco de Esquerda traz hoje à Assembleia da República um projeto de lei que propõe a criação de uma rede pública de viveiros florestais
para a multiplicação de sementes e plantas autóctones de qualidade, com o objetivo de apoiar a recuperação
de áreas ardidas, mas também de apoiar a substituição da monocultura de eucalipto por florestas autóctones,
resilientes ao fogo e às alterações climáticas.
O desafio é grande. A floresta representa o principal uso do solo em Portugal, representando os espaços
silvestres cerca de dois terços do território nacional. As espécies de crescimento rápido representam quase
metade dos povoamentos florestais, com especial destaque para o eucalipto.
A atual composição da floresta e a sua má gestão resultaram de muitos anos de políticas públicas erradas
que levaram ao êxodo rural e ao abandono das áreas florestais e agrícolas. Mas esta situação é também o
resultado do imenso lobby da indústria da celulose, que influenciou consecutivos Governos de forma a
impulsionar o seu negócio de casino, com política de terra queimada. Os resultados estão à vista. Os grandes
incêndios ocorridos nos últimos anos e o avançar das plantas invasoras no território são apenas uma amostra
do que nos pode reservar o futuro, se o processo de alterações climáticas não for travado.
O Bloco de Esquerda considera que a redução dos riscos de incêndio depende crescentemente da política
pública para a floresta, que deve ser fortemente articulada com o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais
(SGIFR).
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É por isso necessário intervir a nível da paisagem, garantindo a diversificação das áreas florestais, com
redução e fragmentação das áreas de eucalipto. Para garantir maior resiliência do território aos incêndios é
necessário construir florestas com espécies autóctones, com especial destaque para as caducifólias, florestas
capazes de influenciar o ciclo da água e de garantir uma maior resiliência do sistema climático como um todo.
Acresce a necessidade de implementação e expansão de sistemas agro-silvo-pastoris, sendo essencial
garantir apoios às pequenas explorações agrícolas.
Para percorrer este caminho, o País tem de ter capacidade de produção de plantas e sementes autóctones
de qualidade e de fácil acesso, serviço para o qual o ICNF assume especiais responsabilidades de produção e
certificação. Contudo, fruto do desmantelamento dos serviços florestais públicos, o ICNF não tem atualmente
capacidade para responder eficientemente às suas funções de certificação e acompanhamento de viveiros
privados. O ICNF possui apenas quatro viveiros públicos, que, além de insuficientes, sofrem de imensas
carências, como é o caso do viveiro de Monte Gordo, que está quase desativado. Os atuais viveiros públicos
não conseguem sequer responder às necessidades das atuais florestas públicas, como é o caso da Mata
Nacional de Leiria e restantes matas litorais.
Para responder a estes desafios, o Bloco de Esquerda propõe, através deste projeto de lei, a realização de
um estudo que identifique as necessidades previsionais de plantas autóctones do País para a próxima década;
a requalificação e ampliação dos viveiros do ICNF, garantindo uma rede pública para produção de sementes e
plantas certificadas a preços controlados, destinadas a apoiar medidas de transformação da paisagem; e que
os investimentos e apoios públicos de transformação da paisagem recorram preferencialmente aos viveiros
públicos, sempre que estes tenham capacidade de fornecimento.
O Bloco de Esquerda está comprometido com a resiliência do território e esperamos que os restantes grupos
parlamentares estejam disponíveis para aprovar este projeto.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Joaquim Barreto, do PS.
O Sr. Joaquim Barreto (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, saudar o PEV, o Bloco de Esquerda e o PAN por trazerem a debate, aqui, ao Plenário da Assembleia da República, os
projetos de lei e o projeto de resolução sobre assuntos ligados com a floresta.
Os referidos projetos de lei e o projeto de resolução, embora tenham objetivos e finalidades diferentes,
abordam, todos eles, essencialmente, a preocupação com a expansão do eucalipto e a redução de áreas desta
espécie, bem como o combate a espécies invasoras de crescimento rápido, como, por exemplo, as acácias e
outras exóticas lenhosas.
Todas essas propostas legislativas nos merecem a melhor atenção, apesar de nem todas terem a nossa
concordância.
O Partido Socialista e o Governo, quer na anterior Legislatura, quer na atual, demonstraram, de forma clara
e inequívoca, que estão inteiramente de acordo com esses objetivos essenciais para termos melhor floresta,
que melhor sirva os reais interesses do País e das comunidades onde os espaços florestais se inserem.
Para o efeito, o Governo anterior lançou uma linha de apoio para investimento florestal, através do PDR 2020
(Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020) e do Fundo Ambiental, para reflorestação de terras não
agrícolas, reflorestação de áreas ardidas entre 2003 e 2019, melhoria do valor económico com apoio a áreas de
eucaliptais reconvertíveis, através da reflorestação com espécies folhosas autóctones.
Também o Governo anterior aprovou o Decreto-Lei n.º 11/2019, de 21 de janeiro, que altera o regime jurídico
dos planos de ordenamento, de gestão e de intervenção de âmbito florestal, e o Decreto-Lei n.º 12/2019, da
mesma data, que altera o regime a que estão sujeitas, no território continental, as ações de arborização e
rearborização com recurso a espécies florestais.
Já nesta Legislatura, a Assembleia da República aprovou uma resolução que recomenda ao Governo que
aprove planos de requalificação e reflorestação das matas e perímetros florestais litorais ardidos em 2017, em
particular da Mata Nacional de Leiria, bem como os respetivos planos de gestão florestal.
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Não menos importante foi a Lei n.º 77/2017, de 17 de agosto, que esta Assembleia também aprovou, com o
objetivo de estancar a expansão das imensas monoculturas de eucalipto e estabelecer um mecanismo para a
diminuição gradual da área de eucalipto no território nacional, através do regime de compensação.
Ainda a propósito destas iniciativas legislativas do PEV, do Bloco de Esquerda e do PAN, que têm em vista
a recuperação de áreas ardidas, a redução da área de eucalipto nos espaços florestais, bem como a
transformação e a qualificação da paisagem, o Governo, ciente da sua importância, lançou já na presente
Legislatura um conjunto de quatro avisos no PDR 2020, com uma dotação orçamental de 85 milhões de euros,
com o objetivo de promover a diversificação de espécies florestais e o aumento da resiliência destas áreas com
manchas arbóreas.
Face ao que antes referi, quer o Governo, quer nós, Deputados, e a Assembleia da República temos estado
atentos a estas matérias e a cumprir a missão que nos cabe de legislar, implementar e apoiar políticas
adequadas para resolver os problemas que hoje estão aqui em discussão e apreciação.
Comprova-se, assim, que não é pela falta de leis que não se cumprem os desígnios de termos melhor
floresta,…
O Sr. João Moura (PSD): — Isso é verdade!
O Sr. Joaquim Barreto (PS): — … com a redução de áreas de eucaliptos e o combate a espécies invasoras. Admitimos, contudo, que a legislação aprovada poderá nem sempre estar a ser aplicada com a devida eficácia.
No entanto, consideramos que, dada a grande importância do setor florestal para o País, todos, mas todos —
produtores florestais, a título individual, empresas desta área, movimento associativo e outras entidades — nos
devemos empenhar e pugnar por obter os melhores resultados das leis que os Deputados e os governantes
fazem para termos uma floresta com dimensão ambiental sustentável e que ajude a dar respostas adequadas,
em termos económicos e sociais, principalmente às populações que dela vivem, criando riqueza e valor para
combater a desertificação e o despovoamento do interior de Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do PCP.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, antes de mais, felicitar o Partido Ecologista «Os Verdes» pela muito relevante preocupação que nos traz hoje, aqui, a esta Casa, com a recuperação das
áreas ardidas e a sua rearborização.
Os pingos de chuva destas últimas horas e destes últimos dias não nos podem fazer esquecer de que
estamos em plena época de incêndios e também não nos podem fazer esquecer de que estamos a caminhar a
passos largos para aquela que é a verdadeira época da prevenção dos incêndios, que é o inverno. Todos nós
sabemos disto, aliás, o Governo sabe disto, mas na fase da prevenção dos incêndios não faz nada,
provavelmente, porque a mediatização e a visibilidade do tema, nessa altura, não é tanta quanto a que tem no
verão.
A verdade é que assistimos ao drama dos incêndios ano após ano e, infelizmente, Portugal viu arder, nestes
últimos 40 anos, mais de 4 milhões de hectares de floresta. A área de floresta ardida equivale a 138% da nossa
floresta, ou seja, ardeu toda a nossa floresta e mais quase metade. Por isso é tão importante que seja feito um
programa de rearborização, porque, anualmente, a área ardida é muito superior àquela que é rearborizada.
Os dramas humanos, económicos e ambientais que anualmente são vividos em Portugal, Srs. Deputados,
exigem há muito respostas sérias e sustentadas e não meras lamentações e proclamações.
Srs. Deputados, é preciso recuar mais de 17 anos para recuperar uma iniciativa que o PCP apresentou nesta
Casa, em que propusemos um programa de rearborização das áreas percorridas pelos incêndios, a qual foi
rejeitada pelo PSD e pelo CDS, com a abstenção do PS.
Cerca de 20 anos depois da apresentação dessa proposta, o que é que aconteceu em termos de prevenção
dos incêndios? Pouco ou nada e continuamos a ter o drama dos incêndios, de que é bem exemplo o ano de
2017.
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A catástrofe dos incêndios é tanto mais incompreensível, Srs. Deputados, quanto são bem conhecidas as
suas causas: uma política agrícola com a ausência de políticas de ordenamento do território, porque foram
expulsando das terras agrícolas e florestais milhares de famílias, agricultores e pastores, que eram, eles
próprios, o melhor capital para a deteção, prevenção e o combate aos fogos; uma floresta em grande parte
dedicada à monocultura de resinosas, terreno fácil para a deflagração dos incêndios; áreas florestais alvo de
interesse dos promotores da floresta industrial de crescimento rápido; baixos preços da madeira e do rendimento
da silvicultura; e, sim, Srs. Deputados, falta de uma política de rearborização das áreas ardidas, mas,
principalmente, uma floresta semeada pelo despovoamento, pela desertificação económica de muitas áreas e
regiões do País, pelo desmantelamento das estruturas do Estado para a floresta, de que são responsáveis tanto
o PSD quanto o CDS e o PS, que não corrigem decisivamente este problema, fazendo sofrer a agricultura e o
mundo rural.
E qual tem sido a postura do atual Governo do PS, tal como do PSD e do CDS? «Sacudir a água do
capote»,…
Risos do Deputado do PSD João Moura.
… desresponsabilizar-se, lançando um ataque terrível aos pequenos proprietários florestais, acusando-os de
serem culpados dos incêndios.
Por isso, é necessário que o poder político assuma as suas responsabilidades, nomeadamente defendendo
a pequena propriedade, não fazendo da pequena propriedade e das autarquias bodes expiatórios.
Sr. Deputado Joaquim Barreto, deixe-me que lhe diga que não é com propaganda que se resolve o problema
e muito menos com ficção. O problema da ficção nem sequer está na criação dessa mentira, está em ser o
principal obstáculo à tomada das medidas necessárias.
Protestos do Deputado do PS Joaquim Barreto.
O PCP irá defender a criação de um sistema de apoio à limpeza de espaços florestais a que os pequenos e
médios proprietários possam recorrer, assim como a de uma bolsa de prestadores de serviços, com preços-
padrão, que ajudem estes proprietários a cumprir o que é necessário, sem penalizar as autarquias e — muito
importante, Srs. Deputados — sem retirar aos proprietários a possibilidade de manterem os seus terrenos.
Também defendemos a criação de um sistema de valorização da biomassa florestal residual através da criação
de centrais de biomassa.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, termino dizendo que a floresta portuguesa e o povo não precisam de propaganda. Não haverá defesa da floresta portuguesa sem o respeito pelos pequenos e médios produtores
e sem a justa remuneração pela madeira que produzem.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado João Moura, do PSD, tem a palavra para uma intervenção.
O Sr. João Moura (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante o problema da falta de atratividade dos territórios rurais, que representam dois terços do território nacional, e do seu crescente abandono, o
fundamentalismo antieucalipto das soluções apresentadas pouco ou nada contribui para a revitalização
económica, social e até ambiental do nosso território, antes pelo contrário. São contributos que potenciam o
abandono do território, na medida em que visam retirar e aniquilar as suas principais fontes de rendimento
florestal.
Nesta Casa, há pouco mais de um ano, em maio de 2019, o Sr. Primeiro-Ministro dedicou um debate
quinzenal à floresta, em particular à estratégia integrada para os incêndios florestais. Disse o Sr. Primeiro-
Ministro que nunca se tinha feito tanto pela floresta em Portugal como ele já fez e que a reforma da floresta era
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a maior desde o tempo de D. Dinis. A estas afirmações, dois anos após os maiores incêndios de que há memória
em Portugal, juntaram-se outras como a de que «nada ficaria como dantes» na floresta portuguesa.
Basta ver o que já ardeu este ano para percebermos a validade deste discurso e o fracasso das políticas
deste Governo no que à área florestal diz respeito.
Falemos de números que ajudam a perceber a realidade do eucalipto em Portugal. O eucalipto é a árvore
dominante na floresta portuguesa? Sim, é. Representa cerca de 26%, seguido do sobreiro, com 23%, e do
pinheiro-bravo, com 22%.
O eucalipto é o responsável pelos incêndios florestais que acontecem em Portugal? Claro que não. O nosso
clima mediterrâneo, o nosso desordenamento florestal e o nosso abandono da floresta são, esses sim, os
grandes responsáveis pelos incêndios florestais.
O eucalipto arde mais do que as outras espécies? Provavelmente, sim. Das espécies que ardem, cerca de
30% são eucaliptos, pois, como já foi dito, é uma espécie resinosa de alto teor combustível.
Sabemos ainda das características desta planta no que à necessidade de água diz respeito e quanto à sua
fortíssima capacidade reprodutiva e rápido crescimento.
No entanto, em abono da verdade, importa lembrar que há solos em Portugal em que o eucalipto é das
poucas espécies vegetais que lá sobrevive e se adapta — ou eucalipto ou mato, ou eucalipto ou erosão dos
solos.
Os eucaliptais em Portugal também contribuem para mitigar os milhões de toneladas de gases com efeito de
estufa. Logo, goste-se ou não, o eucalipto contribui para resgatar gases que todos nós, os senhores e eu,
também ajudamos a produzir. Vejamos: 95% do eucalipto que produzimos destina-se à produção da pasta de
papel; a indústria da pasta de papel contribui com 4,3% do produto interno bruto; 4,9% do total das exportações
portuguesas deve-se à indústria da celulose; 95% da celulose destina-se à produção de papel, seja papel de
escritório, para livros ou mesmo papel sanitário.
O Sr. João Dias (PCP): — Esse é que é o vosso grande amor!
O Sr. João Moura (PSD): — Todos nós — todos! — consumimos este papel nas mais variadas formas. Ainda sobre o papel, estou ciente de que também os senhores se têm envolvido em campanhas para acabar
com o plástico, campanhas de incentivo à substituição de plástico por… papel! Ironia. Os senhores não só são
consumidores de papel como lhe dão primazia em detrimento de outros produtos. Será que o papel que os
senhores consomem é de outra origem?
Esta manhã, cruzei-me com alguns dos vossos outdoors publicitários espalhados pela cidade de Lisboa. São
impressos em papel e lembrei-me da origem desse mesmo papel.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Os de Os Verdes não são em papel!
O Sr. João Moura (PSD): — Srs. Deputados, basta de hipocrisia, basta de demagogia. Hoje, como já foi dito pelo Sr. Deputado Joaquim Barreto, a lei já determina que não pode haver plantações
de eucaliptos sem autorização das entidades públicas competentes, visando controlar a sua expansão.
Recordo que, em audição parlamentar, o Sr. Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das
Florestas assumiu que os seus serviços não tinham capacidade de resposta por falta de recursos humanos e
materiais. Ora, os senhores querem aumentar as competências e o trabalho deste Instituto quando ele assume
já não ter competência, nem meios nem recursos para dar resposta ao que tem em mãos.
Da parte do PSD, sabendo das características do eucalipto e da sua importância económica, social e até
ambiental, continuamos, com racionalidade e responsabilidade, a defender uma floresta multifuncional, que seja
produtiva e que tenha a capacidade de financiar novos projetos de floresta, conservação e paisagem.
Sr.as e Srs. Deputados, para os autores destas iniciativas, é mais fácil produzir legislação radical para culpar
o eucalipto de todos os males da floresta portuguesa do que responsabilizar o Governo pelo total fracasso no
ordenamento e na gestão florestal.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do CDS-PP, para uma intervenção.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente: Os projetos que aqui discutimos partem de algumas preocupações que, creio, são as de todos nós. Primeiro, a preocupação com a existência de apoios para a
rearborização, com a respetiva monitorização e, sobretudo, com o problema do ordenamento florestal, do
ordenamento mais lato do território. E mais: todos nós, que andamos pelo País, podemos verificar que, em
várias das zonas ardidas, mais ou menos ao abandono, crescem de forma espontânea, sobretudo, eucaliptos,
mas também acácias. Todos nós percebemos que, a prazo, isso significa que aqueles territórios estarão muito
suscetíveis ao fogo.
Nestas preocupações, creio eu, poucas divergências haverá, mas a questão é que estes projetos vão
bastante mais além. Estes projetos partem do pressuposto de que o problema dos incêndios começa e acaba
com o eucalipto. É a teoria da diabolização do eucalipto, como se, caso conseguíssemos extinguir o eucalipto
em Portugal, os problemas dos fogos fossem desaparecer, e isso não é verdadeiro, Srs. Deputados.
O problema dos fogos é, sobretudo, o problema do abandono da floresta, do abandono do território e do seu
desordenamento. E o abandono da floresta e do território têm a ver com o seu aproveitamento económico, com
o garante do modo de vida da população que lá está.
Srs. Deputados, gostava de vos dizer isto de uma maneira absolutamente frontal: Portugal ocupa o primeiro
lugar a nível mundial na produção e exportação de cortiça e está entre os primeiros na produção de papel e
pasta.
O Sr. João Dias (PCP): — É o vosso amor!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Achar que isto é um problema que provoca os incêndios é não perceber que o território e a floresta, quando estão limpos e tratados, combatem os fogos e não têm esse problema.
Srs. Deputados, por divergirmos na identificação do problema, não podemos acompanhar estas propostas e
também será difícil…
O Sr. João Dias (PCP): — É a vossa paixão!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, se os Srs. Deputados retiram as máscaras para conseguirem fazer sobrepor a sua voz à minha, mesmo sem microfone, tenho muita dificuldade em terminar a
minha intervenção, a qual, aliás, penso que está a ser bastante serena.
Quanto à produção de relatórios, nada temos contra, mas a criação de novos organismos públicos com o
objetivo de criarem relatórios — crescendo quase como cogumelos ou eucaliptos! — não me parece que vá
resolver o problema da floresta nem dos fogos, criando novos problemas para os contribuintes.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada. Tenho a certeza de que todos os Srs. Deputados sabem qual é o objetivo único da máscara.
Para uma intervenção de encerramento do debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Moura, que bela declaração de amor fez ao eucalipto. Acho que alguém irá querer ver a declaração que acabou de fazer, bem como a declaração de
amor ao plástico, o que já sabíamos, visto que votou contra o projeto de Os Verdes para a diminuição do plástico
no nosso dia a dia. Fica o registo para mais tarde.
O que acabámos de propor assim de tão radical, como o Sr. Deputado disse, foi apenas a fiscalização e uma
ação sobre o crescimento descontrolado e espontâneo do eucalipto. Descontrolado e espontâneo! Não falei
contra nenhum produtor nem contra a plantação de eucaliptos, falei sobre o descontrolo espontâneo, o que,
infelizmente, continua a acontecer, pois há incêndios que se repetem todos os anos.
Após o drama dos fogos, vem a desvalorização da madeira, a perda de rendimento, os custos elevados que
implica a reflorestação e o consequente abandono das áreas queimadas. Sem qualquer surpresa, o eucalipto
regenera-se de forma natural. Certo?!
Urge «cortar o mal pela raiz».
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O Sr. João Moura (PSD): — Aí é que está a diferença!
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Urge proceder ao arranque dos eucaliptos e reivindicar medidas para travar a regeneração natural do eucalipto, que ocorreu e ocorre de forma descontrolada e selvagem, aumentando o
risco e a vulnerabilidade dos territórios, em ciclos cada vez mais curtos de incêndios.
Com os fogos de 2017, ficou evidente a necessidade de se inverter o paradigma de décadas de políticas
desajustadas das reais necessidades do interior, das zonas rurais, das áreas de interface e dos espaços
florestais, promovendo uma adequada gestão do território, nomeadamente com um ordenamento florestal que
não pode incidir sobre um zonamento de monoculturas, literalmente em cima de aglomerados, mas, sim, sobre
uma gestão que tenha por base a diversificação de espécies mais resilientes aos fogos nos povoamentos
florestais.
Por isso, aguardamos que todos os partidos votem favoravelmente os nossos dois projetos.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Encerrado este último ponto, tem a palavra o Sr. Secretário Nelson Peralta para dar conta dos nomes dos Srs. Deputados das Regiões Autónomas que acompanharam os trabalhos
por meios tecnológicos.
O Sr. Secretário (Nelson Peralta): — Sr. Presidente, passo a anunciar que estiveram presentes, por videoconferência, os seguintes Srs. Deputados da Região Autónoma da Madeira: Olavo Câmara, eleito pelo PS,
e Sérgio Marques, eleito pelo PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, passo a ler a agenda da reunião plenária de amanhã, que ocorrerá às 10 horas.
No primeiro ponto teremos a discussão da Proposta de Lei n.º 55/XIV/1.ª (GOV) — Autoriza o Governo a
legislar em matéria de prevenção e investigação de acidentes ferroviários, transpondo parcialmente a Diretiva
(UE) 2016/798.
Seguir-se-á, no segundo ponto, a discussão da Proposta de Lei n.º 51/XIV/1.ª (GOV) — Autoriza o Governo
a legislar em matéria relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços,
transpondo a Diretiva (UE) 2018/957.
No terceiro ponto, iremos debater a Proposta de Lei n.º 47/XIV/1.ª (GOV) — Autoriza o Governo a aprovar o
regime jurídico de arrendamento forçado.
No quarto ponto, teremos em discussão a Proposta de Lei n.º 52/XIV/1.ª (GOV) — Autoriza o Governo a
aprovar um regime especial aplicável à expropriação e à constituição de servidões administrativas.
O quinto ponto consta da Proposta de Lei n.º 53/XIV/1.ª (GOV) — Cria o processo extraordinário de
viabilização de empresas.
No sexto ponto, sem tempos atribuídos para debate, consta o Relatório Anual do Conselho de Fiscalização
da Base de Dados de Perfis de ADN, relativo ao ano de 2019.
No sétimo e último ponto, terão lugar as votações regimentais.
Srs. Deputados, a todos agradeço e desejo uma boa noite.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 3 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.