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Sexta-feira, 4 de dezembro de 2020 I Série — Número 26

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE3DEDEZEMBRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Nelson Ricardo Esteves Peralta

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 3

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei

n.os 582 a 587/XIV/2.ª e 589/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 767 a 773/XIV/2.ª.

Em declaração política, o Deputado João Oliveira (PCP) salientou a importância da realização do XXI Congresso do PCP no contexto atual da pandemia da COVID-19, respeitando todas as regras de segurança sanitária, para dar esperança e confiança aos trabalhadores. Respondeu,

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depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Carlos Peixoto (PSD), José Luís Ferreira (PEV), Pedro Filipe Soares (BE) e João Paulo Correia (PS). No final, o Presidente saudou o Deputado Jerónimo de Sousa (PCP) pela sua reeleição como Secretário-Geral do PCP.

Em declaração política, a Deputada Ana Rita Bessa (CDS-PP) teceu considerações sobre o plano de vacinação para a COVID-19, destacando um conjunto de 10 perguntas às quais o Governo deve responder para que seja um processo bem-sucedido. Respondeu, posteriormente, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Alberto Machado (PSD), João Cotrim de Figueiredo (IL), João Dias (PCP), Maria Antónia de Almeida Santos (PS), Moisés Ferreira (BE) e André Ventura (CH).

Em declaração política, a Deputada Inês de Sousa Real (PAN) referiu-se à crise resultante da pandemia da COVID-19 e à necessidade de ser dada uma resposta robusta em termos sociais e económicos, em especial aos problemas que se vivem no tecido empresarial, e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Helga Correia (PSD), Diana Ferreira (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), José Moura Soeiro (BE) e Hugo Oliveira (PS).

Em declaração política, o Deputado José Luís Ferreira (PEV), face ao fim do contrato dos CTT para o serviço postal, chamou a atenção para a necessidade de devolver aos portugueses um serviço público postal de qualidade, que considerou ter-se degradado desde que aquela empresa foi privatizada, e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Jorge Salgueiro Mendes (PSD), Isabel Pires (BE), Bruno Dias (PCP) e Hugo Costa (PS).

Em declaração política, o Deputado Porfírio Silva (PS) salientou diversas iniciativas aprovadas no âmbito do Orçamento do Estado tendo em vista proteger as pessoas e as famílias na saúde ou afetadas pela quebra da atividade económica, do emprego e dos rendimentos. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Cristóvão Norte (PSD), André Ventura (CH), António Filipe (PCP), João Gonçalves Pereira (CDS-PP) e Moisés Ferreira (BE).

Em declaração política, o Deputado Alexandre Poço (PSD) alertou para as dificuldades com que os jovens estão confrontados face à atual crise pandémica, económica e social, como o desemprego ou a precariedade laboral, e apelou para que se aproveitem os novos fundos europeus na construção de um Portugal de oportunidades não apenas para as novas gerações mas também para as gerações mais velhas. Deu, depois, resposta a pedidos de

esclarecimento dos Deputados Inês de Sousa Real (PAN), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Luís Monteiro (BE), Maria Begonha (PS) e Alma Rivera (PCP).

Em declaração política, a Deputada Isabel Pires (BE) criticou o Governo pela atual situação da TAP e deu conta da apresentação de um requerimento no sentido de, com urgência, o Ministro das Infraestruturas apresentar na Assembleia da República o plano de reestruturação da empresa, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados João Cotrim de Figueiredo (IL), Carlos Silva (PSD), Bruno Dias (PCP) e Carlos Pereira (PS).

Em declaração política, o Deputado João Cotrim de Figueiredo (IL) insurgiu-se contra uma visão coletivista da sociedade, que diz ter sido demonstrada no debate do Orçamento do Estado, e defendeu que cabe a cada pessoa decidir e escolher o rumo que quer dar à sua vida. Respondeu, no final, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Cecília Meireles (CDS-PP) e Fernando Anastácio (PS).

Foi apreciada a Petição n.º 5/XIV/1.ª (FENPROF – Federação Nacional de Professores) — Em defesa da sua dignidade profissional, os professores exigem respeito pelos seus direitos, justiça na carreira, melhores condições de trabalho, em conjunto com os Projetos de Resolução n.os 653/XIV/2.ª (BE) — Pela valorização da carreira docente, 660/XIV/2.ª (PCP) — Valorização dos professores e educadores e melhoria das suas condições de trabalho e 716/XIV/2.ª (PEV) — Atribuição de direitos devidos aos professores. Usaram da palavra as Deputadas Joana Mortágua (BE), Ana Mesquita (PCP), Mariana Silva (PEV), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Bebiana Cunha (PAN), Carla Sousa (PS) e Carla Madureira (PSD).

Foi apreciada a Petição n.º 81/XIV/1.ª (União de Resistentes Antifascistas Portugueses) — De repúdio e exigência de que se trave e abandone a anunciada criação do «Museu Salazar», com esse ou outro nome, em Santa Comba Dão. Proferiram intervenções os Deputados António Filipe (PCP), Alexandra Vieira (BE), Rosário Gambôa (PS), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Paulo Rios de Oliveira (PSD) e José Luís Ferreira (PEV).

Foi anunciada a entrada na Mesa do Projeto de Lei n.º 588/XIV/1.ª.

Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.

O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 19 horas e 17 minutos.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Sr.as e Srs. Agentes da Autoridade. Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 3 minutos.

Antes de entrarmos na ordem do dia, cujo primeiro ponto é de declarações políticas, o Sr. Secretário

Nelson Peralta tem a palavra para dar várias informações à Câmara.

O Sr. Secretário (Nelson Peralta): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, passo a anunciar que deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Lei n.os 582/XIV/2.ª (CH), 583/XIV/2.ª (PEV), 584/XIV/2.ª

(CDS-PP), 585/XIV/2.ª (CDS-PP), 586/XIV/2.ª (BE), 587/XIV/2.ª (BE) e 589/XIV/2.ª (IL), e os Projetos de

Resolução n.os 767/XIV/2.ª (PEV), 768/XIV/2.ª (BE), 769/XIV/2.ª (BE), 770/XIV/2.ª (PS), 771/XIV/2.ª (PEV),

772/XIV/2.ª (BE) e 773/XIV/2.ª (BE).

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos, então, entrar no primeiro ponto da ordem do dia: declarações políticas.

Começamos pelo Grupo Parlamentar do PCP e tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não há maior urgência nacional do que a de ouvir o que dizem os trabalhadores e o povo sobre as dificuldades que enfrentam e encontrar

resposta adequada às suas reivindicações.

Para quem os queira ouvir, os testemunhos vivos da dura realidade nacional que atravessamos traduzem a

brutalidade dos problemas económicos e sociais que se abateram sobre milhões de portugueses, atingindo de

forma particularmente impiedosa as classes e camadas populares e todos aqueles cujo sustento e

sobrevivência dependem do seu trabalho diário, da possibilidade de o realizarem e de, com ele, obterem uma

justa compensação pela riqueza que criam.

Para quem ouse ver para lá da realidade descrita, esses testemunhos vivos confirmam que não estamos

todos no mesmo barco. Confirmam que há quem esteja a ser esmagado pela epidemia e quem acumule

fortuna esmagando o seu semelhante com o pretexto da mesma; que há quem lute pelos seus direitos,

exercendo-os, e quem queira proibir a luta e liquidar os direitos; que há quem esteja a perder a esperança e a

ceder ao desespero e ao medo, enquanto outros se aproveitam do desespero para semear mais miséria,

pobreza, exploração e desespero, porque isso é da sua conveniência.

Para quem ouse ouvir para lá das palavras que são ditas, em cada testemunho de problemas e

dificuldades, há o apontar de um caminho de resposta e solução para os problemas, a identificação de um

percurso que precisa de ser percorrido para que os problemas nacionais sejam resolvidos e asseguradas as

condições para que tenhamos um Portugal mais desenvolvido, mais democrático, um País de progresso,

igualdade e justiça social.

Foi a esta urgência nacional a que correspondeu o Congresso do PCP realizado no passado fim de

semana. Dando voz aos trabalhadores e ao povo, aos reformados e aos jovens, aos micro, pequenos e

médios empresários, aos agricultores e pescadores, aos criadores e à cultura, às pessoas com deficiência, às

causas do ambiente, da igualdade, da solidariedade, persistindo na necessidade do exercício dos direitos

políticos para que o povo tenha voz, o XXI Congresso do PCP fez a caracterização da situação mundial e

nacional dos últimos quatro anos, avaliou os seus previsíveis desenvolvimentos e apontou os caminhos a

percorrer para a superação dos problemas nacionais e para a construção de uma sociedade nova em

Portugal.

Num tempo que, para alguns, deveria ser de confinamento dos direitos e até da sua liquidação em

definitivo, o Congresso do PCP fez a opção determinada de se afirmar como exemplo da resposta

democrática, progressista e socialmente avançada que deve ser dada aos problemas colocados pela epidemia

e seus impactos económicos e sociais.

Se, ao longo destes meses, temos combatido tentações e tendências antidemocráticas de cerceamento de

direitos políticos, laborais, sociais ou culturais, se temos combatido aqueles que querem transformar o medo

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de morrer em medo de viver e de lutar, se temos combatido a política do «proíba-se, suspenda-se e limite-se»,

se temos defendido que se deve combater a epidemia criando condições de segurança sanitária para que a

vida nacional prossiga, a realização do Congresso tinha de ser um exemplo daquilo que defendemos.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — E foi isso que fizemos. O Congresso do PCP foi mais um exemplo de como é possível definir, aplicar e pôr em prática regras de

segurança sanitária que defendam a saúde pública para que, assim, a vida possa prosseguir nas suas

múltiplas dimensões. E foi assim que o Congresso do PCP correspondeu à verdadeira urgência nacional de

dar voz aos trabalhadores e ao povo, para que os seus interesses, aspirações e anseios se façam ouvir e se

projetem na ação concreta e transformadora que é preciso empreender.

O Congresso do PCP foi a voz dos trabalhadores e do povo que se fez ouvir, fazendo eco da mensagem

de esperança que não abandona aqueles que todos os dias erguem este País com o seu trabalho e que,

incluindo no passado fim de semana, tiveram de se levantar cedo para trabalhar o dia inteiro. A mensagem de

esperança que saiu é a mensagem de confiança de quem constrói o presente e quer construir um futuro

melhor para o seu País.

Portugal tem futuro. Com uma política alternativa, patriótica e de esquerda,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Isso é que não!

O Sr. João Oliveira (PCP): — … que defenda a soberania nacional, que liberte o País do domínio dos grupos económicos e financeiros, que rompa com as opções da política de direita, é possível inverter o rumo

de declínio nacional, é possível dar resposta à epidemia, travando o seu avanço e os seus impactos

económicos e sociais, mas, também, aos problemas estruturais do País, a começar pelos défices produtivo,

demográfico, energético, tecnológico e alimentar.

A necessidade dessa política alternativa surge, todos os dias, com maior clareza nas reivindicações

daqueles que são mais duramente atingidos pelos impactos económicos e sociais da crise que atravessamos.

E ela esteve bem presente no conteúdo do Congresso nas reivindicações dos trabalhadores em defesa do

emprego, de melhores salários e de horários regulados, como nas reivindicações dos pequenos e médios

empresários que exigem apoios para que possam continuar a trabalhar, contrariando a ruína para que estão a

ser lançados, em especial nos setores da restauração, do comércio, da hotelaria e do turismo, nas

reivindicações dos reformados, dos utentes dos serviços públicos, dos jovens estudantes ou trabalhadores.

Em todas essas reivindicações se encontram os elementos concretos da política alternativa, patriótica e de

esquerda de que Portugal precisa para construir um futuro melhor.

É nas lutas por essas reivindicações que se encontra a chave do futuro nacional e a todas elas o

Congresso do PCP deu voz, com o sentido de urgência que a mudança de política e de opções exige.

Portugal tem futuro, com a ação de todos os dias para melhorar a vida, defender, repor e conquistar direitos

e com uma alternativa política aos Governos de PS, PSD e CDS, uma alternativa de um Governo patriótico e

de esquerda, pelo qual é preciso lutar, envolvendo todos os patriotas e democratas genuinamente

preocupados com o futuro nacional, fazendo convergir as forças políticas e sociais empenhadas na defesa e

aprofundamento do regime democrático nas suas dimensões política, económica, social e cultural, garantindo

a participação das classes e camadas populares nas opções políticas que é preciso fazer para corresponder

aos seus anseios.

É da construção desse futuro que continuaremos a tratar com a nossa intervenção determinada e corajosa,

preparados para vencer as adversidades que se nos coloquem.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado João Oliveira, há quatro inscrições para pedir esclarecimentos, designadamente do PSD, de Os Verdes, do Bloco de Esquerda e do PS.

Como pretende responder, Sr. Deputado?

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Respondo dois a dois, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado. Para pedir esclarecimentos, pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Peixoto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Oliveira, o PSD vai fazer o seguinte exercício de coerência: criticou a realização do Congresso antes de ele se fazer e critica-o

depois de ele se realizar.

O PSD considerou ontem e considera hoje ser inaceitável que a esmagadora maioria dos portugueses

estivesse dentro de casa, porque a isso era obrigada, e o PCP quisesse dar o exemplo de que poderia estar

fora de casa.

Aplausos do PSD.

É inadmissível que as famílias não pudessem atravessar concelhos e o PCP andasse livremente, em roda

viva. É até imoral que o País tivesse quase toda a sua atividade económica paralisada e o PCP estivesse ativo

nas suas celebrações de punho levantado.

Quanto ao Congresso propriamente dito, Sr. Deputado, mais do mesmo. O mesmo líder, o Sr. Deputado

Jerónimo de Sousa, que aqui felicito, mas também a mesma ideologia, os mesmos preconceitos, a mesma

ortodoxia. Nada de novo! Um partido com um discurso duro, em Loures, contra o Governo, mas rendido ao

Partido Socialista, na Assembleia da República e no País.

Vozes do PSD: — Isso!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É um partido contra a Europa, contra a NATO (North Atlantic Treaty Organization), a favor da renegociação da dívida,…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Grande crime!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … contra a moeda única. Apesar disso, Sr. Deputado, é um partido que o PS trata como a sua alma gémea, preferindo criticar apoios

parlamentares nos Açores em vez de olhar para dentro de casa e para o continente…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Oh!…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … e contar os inúmeros sapos que tem engolido para manter esta união de conveniência com o PCP.

Infelizmente, é esta a história recente, quer do seu partido, quer do Partido Socialista, ambos responsáveis

por um Orçamento e por uma conjuntura com o pior investimento público dos últimos anos, com o maior défice

dos últimos anos e com o pior sistema de Serviço Nacional de Saúde (SNS) dos últimos anos.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — É mentira!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Disto os senhores não se livram e são os únicos responsáveis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. José Luís Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Oliveira, começo por saudar o Partido Comunista Português pela realização do seu XXI Congresso, que teve lugar

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neste fim de semana. Foi, certamente, muito mais exigente do ponto de vista da sua organização, tendo em

conta o quadro em que vivemos e a necessidade de garantir o respeito rigoroso pelas regras sanitárias.

Saúdo o PCP pela forma como decorreram os trabalhos — que, aliás, fui acompanhando à distância,

através da comunicação social —, mas também porque, com a realização do Congresso, o PCP acabou por

lembrar que os direitos políticos não estão confinados…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Mas os portugueses estão!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — … e, sobretudo, que o seu exercício também não está limitado, que a democracia não está suspensa e que a atividade política dos partidos não está congelada.

Aliás, por aquilo que ouvimos hoje, podemos perceber como seria, se o PSD estivesse no Governo, em

relação aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Mas, Sr. Deputado, mostrou mais. Mostrou ainda que, garantindo o rigoroso respeito pelas medidas de

proteção sanitária, a atividade política, e, desde logo, a realização de um congresso ou de qualquer outra

atividade, é compatível com a prevenção da saúde. Este elemento assume hoje muita relevância porque

acaba por nos trazer a esperança de que, cumprindo as regras sanitárias, podemos fazer a vida o mais

próximo do normal, mas, sobretudo, quando vivemos num período em que, um pouco por todo o mundo, vai

ganhando força aquilo que já é designado por «retrocesso pandémico» e que se traduz em imposições com o

objetivo de calar o protesto e de limitar direitos e liberdades dos cidadãos. Portanto, também a esse nível a

realização do Congresso foi importante.

Sr. Deputado João Oliveira, tal como já referi, fui acompanhando os trabalhos através da comunicação

social, à distância, e, pelas intervenções que fui ouvindo, percebi que o Congresso fez uma abordagem a

todas as áreas com relevância para os portugueses. Porém, não tive oportunidade de ouvir intervenções

relativas às questões ambientais, ainda que hoje, da tribuna, o Sr. Deputado tenha feito essa referência.

Por isso, Sr. Deputado João Oliveira, pergunto: de que forma é que as questões ambientais foram

abordadas, nomeadamente as questões relativas aos desequilíbrios territoriais, à degradação ambiental e,

também, à tendência para a mercantilização dos recursos naturais?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, naturalmente, quero agradecer ao Sr. Deputado Carlos Peixoto e ao Sr. Deputado José Luís Ferreira pelas questões que me colocaram.

Começo por responder ao Sr. Deputado Carlos Peixoto, dizendo que o discurso do PSD não surpreende.

Não se pode dizer que seja uma surpresa aquilo que o Sr. Deputado acabou de afirmar e não nos surpreende

que o PSD continue a tentar limpar-se da lama que colocou sobre si próprio, ao aprovar sucessivamente

declarações do estado de emergência que estão a levar à ruína milhares e milhares de pequenas e médias

empresas, particularmente no setor da restauração, da hotelaria, do turismo, do comércio e dos serviços. Isto

porque os senhores sempre que aprovaram o estado de emergência, particularmente nesta segunda fase, o

que determinaram foi a obrigação de todas estas medidas que agora estão a ser impostas de forma errada e

de forma contrária àquilo que devia ser considerado para verdadeiramente dar uma resposta de combate à

epidemia, por via da aplicação e da imposição de medidas de segurança sanitária. Não nos surpreende o

discurso que continuam a fazer, para procurar desviar as atenções.

O PSD é responsável por estas medidas restritivas, pelas imposições das limitações dos horários ao

comércio e à restauração, porque viabilizou as declarações do estado de emergência, que as permitiram.

Risos do Deputado do PSD Carlos Peixoto.

Também não nos parece surpreendente o facto de os senhores continuarem a criticar, hoje, aquilo que têm

criticado nos últimos tempos e que, no essencial, são duas coisas: a segurança sanitária e o PCP.

O PCP realizou a Festa do Avante em condições de segurança sanitária. O PSD criticou, porque estava

garantida a segurança sanitária e porque era uma iniciativa do PCP.

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O PCP realizou o seu Congresso em condições de segurança sanitária. O PSD continua a criticar, porque

houve segurança sanitária e porque foi uma iniciativa do PCP.

Sr. Deputado Carlos Peixoto, só fico na expectativa de saber o que é que os senhores vão fazer ao vosso

Vice-Presidente,…

Protestos do Deputado do PSD Carlos Peixoto.

… que participou num ajuntamento que não cumpriu uma única regra de segurança sanitária,…

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Quantos apanharam COVID-19 no Congresso?

O Sr. João Oliveira (PCP): — … em Guimarães, no sábado passado!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Em Loures! Em Loures é que deve falar!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Gostava de saber com que coerência é que o PSD vai lidar com uma atitude irresponsável, violadora das regras que estão definidas para todos os portugueses e que o Vice-Presidente,

André Coelho Lima, não quis respeitar, quando participou naquele ajuntamento, daquela forma.

Sabe, Sr. Deputado Carlos Peixoto, se as opiniões, as posições e as propostas do PCP tivessem

acolhimento, aquilo que aconteceu em Guimarães ter-se-ia verificado com condições de segurança sanitárias.

Ter-se-ia permitido dar expressão àquilo que é a vivência cultural do concelho de Guimarães, mas com

condições de segurança sanitárias, sem que fossem postas em causa as regras de saúde pública.

Ao contrário, realizou-se sem essas regras de segurança sanitária estarem concretizadas e verificadas,

com a participação do Vice-Presidente do PSD — esperamos para ver qual vai ser a atitude do PSD.

Sr. Deputado Carlos Peixoto, queria ainda dizer-lhe o seguinte: o que é mais negativo nos acordos que

foram feitos nos Açores é o facto de, mais uma vez, com o regresso do PSD ao poder, com a convergência

instrumental do Iniciativa Liberal, do Chega e do CDS, …

Protestos do Deputado do PSD Adão Silva.

… o prejuízo ser para os açorianos. Isto porque a coligação de direita que se criou nos Açores e a

formação daquele governo regional já traçou a sua linha de ataque aos direitos sociais, de ataque às

condições de vida das populações dos Açores e, infelizmente, vão ser, novamente, os cidadãos, os

trabalhadores, o povo, os prejudicados com o regresso do PSD ao poder.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mais dois pedidos de esclarecimento.

O Sr. Adão Silva (PSD): — E não responde ao PEV?!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Oliveira, em primeiro lugar deixo-lhe um cumprimento democrático em relação à realização do Congresso do PCP.

Os congressos são momentos extraordinários da vida de um partido e creio que este foi ainda mais

extraordinário, pelo contexto económico, social e pandémico em que foi exercido. É sobre este contexto que

gostava de lhe colocar algumas questões.

O Bloco de Esquerda identificou como necessidades imperiosas para responder ao País, neste momento,

duas áreas fundamentais. Uma primeira área prende-se com a garantia de que os serviços públicos não

deixam ninguém sem o apoio necessário no período pandémico, em particular o Serviço Nacional de Saúde,

que tão mal tem sido tratado pela direita, quando esta está no poder, mas que o PS também não tem

reforçado como podia e como devia neste período pandémico.

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A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Nos últimos 6 anos, não é?!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Registe-se, por exemplo, que, ao longo do ano de 2020, foram quase 900 médicos que o SNS perdeu e que não tiveram uma garantia da sua manutenção, uma proposta de futuro,

uma visão de carreira para ficar no SNS. E, infelizmente, são médicos, mas são também outros profissionais e,

desse ponto de vista, o Governo tem feito muito pouco para garantir esta mais-valia fundamental do SNS, que

são os seus profissionais.

A segunda área onde é também fundamental darmos uma resposta, prende-se com as pessoas, com os

direitos das pessoas, de quem trabalha, sabendo que esta crise começou pandémica, mas agora é económica

e social e que está a aumentar brutalmente o desemprego e também a exploração no nosso País. Por isso,

temos de dar respostas às pessoas, dar rendimentos, dar garantia de futuro às pessoas.

Sobre estas duas temáticas, que sei que também foram alvo de discussão no vosso Congresso, gostava de

lhe perguntar se concorda com o Bloco de Esquerda, ou seja, se as conclusões a que o Congresso chegou

confirmam as do Bloco de Esquerda, de que ainda é preciso fazer tanto para garantir quer serviços públicos às

pessoas, quer direitos a quem trabalha no nosso País, em particular aos mais precários, aos mais jovens, que,

nesta crise, estão a ver lesados os seus direitos presentes e os seus direitos futuros.

Estas são as lutas fundamentais e quem quer um futuro para o País tem de construí-lo no presente que

hoje vivemos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, ainda para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Paulo Correia, do PS.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Oliveira, o Partido Socialista saúda o Partido Comunista Português pela realização do seu XXI Congresso Nacional,

Congresso esse que foi realizado no momento seguinte ao Orçamento do Estado para 2021.

O Sr. Adão Silva (PSD): — E o que é que o Orçamento do Estado tem a ver com o Congresso do PCP?

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Acompanhámos, de forma atenta e interessada, os trabalhos do Congresso Nacional do PCP e verificámos que se debruçou sobre uma profunda reflexão quanto ao presente

e ao futuro do nosso País e aos grandes desafios que se colocam às famílias, às empresas e à economia.

Queríamos, antes de passar exatamente aos avanços deste Orçamento do Estado, relembrar o caminho

que temos percorrido desde os finais de 2015 quando foi criada uma alternativa de esquerda no País que

conseguiu a recuperação de rendimentos e a recuperação de direitos sociais e de direitos laborais, que

combateu a pobreza, que diminuiu o desemprego; que promoveu o crescimento económico e que promoveu a

coesão social.

Depois de sermos atingidos por uma crise pandémica à escala mundial, não abandonámos o desafio maior,

o apelo maior, que é manter uma convergência.

O PCP teve um papel importante, quando viabilizou o Orçamento na generalidade, porque permitiu

avanços substantivos na discussão em sede de especialidade. E esses avanços são as respostas necessárias

às famílias e às empresas mais atingidas por esta crise económica e social.

Foi assim que conseguimos o layoff a 100%, a contratação de milhares de profissionais para o Serviço

Nacional de Saúde, a nova prestação social que irá abranger cerca de 250 000 cidadãos, o aumento

extraordinário de pensões desde janeiro, o subsídio de penosidade, o aumento do limite mínimo do subsídio

de desemprego, o prolongamento do subsídio de desemprego por seis meses, e um outro conjunto de

medidas que são autênticas respostas sociais, como disse há pouco, para aqueles que são os mais atingidos

por esta crise: famílias e empresas.

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Do nosso ponto de vista, o bem maior é manter esta ponte, esta ponte de diálogo, esta ponte de

convergência, para que, em 2021, saibamos estar à altura das exigências que o País, a economia e esta crise

vão colocar em cima da mesa.

Cumprimos dois Orçamentos do Estado desta Legislatura. Metade dos Orçamentos estão cumpridos.

Coloca-se, agora, o grande desafio que é o de continuarmos a construir esta ponte de diálogo que tem sabido

trazer os avanços necessários e as respostas necessárias para a crise que o País vive.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, há pouco consumi o tempo na resposta ao PSD, mas não queria deixar de dar resposta às questões colocadas pelo Sr. Deputado José Luís Ferreira,

agradecendo, naturalmente, desde já, também, as perguntas colocadas pelo Sr. Deputado Pedro Filipe Soares

e também pelo Sr. Deputado João Paulo Correia.

Sr. Deputado José Luís Ferreira, queria dizer-lhe que a realização do Congresso do PCP foi um ato livre,

determinado e corajoso de exercício dos direitos políticos, mas foi muito mais do que isso. Foi,

simultaneamente, uma demonstração, um exemplo, daquilo que defendemos para tudo aquilo que nos rodeia,

para as mais diversas atividades económicas, sociais e culturais, porque aquilo que temos defendido para os

outros é aquilo que queremos praticar para nós próprios.

E se temos defendido que, na restauração, no comércio, na indústria, no teatro, no cinema, nas atividades

das coletividades culturais e desportivas, o que se devia fazer era criar condições para que, em segurança

sanitária, toda a vida nacional prosseguisse, não podíamos, agora, deixar de dar o exemplo, realizando o

nosso Congresso nas mesmas condições de segurança sanitária que defendemos para tudo o resto.

Naturalmente que as questões relacionadas com a natureza e o ambiente estiveram presentes no nosso

Congresso. E tiveram, de resto, uma consideração adequada, naquilo que é um objetivo do qual não podemos

prescindir, que é a necessidade do equilíbrio ambiental e ecológico, porque a vivência humana tem de ser

assegurada em condições de equilíbrio com o ambiente e os ecossistemas. Na nossa conceção de

desenvolvimento e de progresso, a consideração das questões ambientais não deixa de assumir um papel

preponderante, para que esse progresso e esse desenvolvimento possam ser alcançados.

Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, colocou duas questões fundamentais. De facto, a necessidade de

reforço dos serviços públicos e da sua capacidade de resposta às necessidades dos utentes, tal como a

necessidade de assegurar a proteção e a defesa dos direitos de quem trabalha são questões absolutamente

essenciais não apenas na resposta aos problemas imediatos colocados pela epidemia e pelos seus impactos

económicos e sociais, mas na resposta aos problemas estruturais, aos problemas de fundo, que continuam a

marcar o presente do País e a condicionar o seu futuro.

É nesse sentido que o PCP tem intervindo, não deixando de fixar objetivos mais avançados, pelos quais

continuamos a bater-nos. Não prescindimos de nada daquilo que possa contribuir para avanço nessa matéria,

com uma posição muito clara, de resto, relativamente àquilo que aceitamos e àquilo que rejeitamos.

E, por isso, temos defendido o reforço dos serviços públicos, o reforço da contratação de profissionais, o

reforço do investimento, com medidas concretas, como, de resto, aquelas que acabaram inscritas no

Orçamento para 2021, e, particularmente em relação ao Serviço Nacional de Saúde, com medidas concretas

de recuperação de consultas em atraso, de reforço de investimento em equipamentos e na construção de

infraestruturas, que são absolutamente essenciais, a par da contratação de profissionais que tem de se

considerar.

Em matéria de direitos laborais, a mesma coisa. Tal como, aquando da discussão do Orçamento

Suplementar, tivemos uma posição de voto contra, porque este previa a consolidação dos cortes nos salários,

também agora nos batemos pelo pagamento dos salários a 100% e pela criação de um apoio às micro,

pequenas e médias empresas, para que esses salários possam ser pagos a 100% — conquistas que são

relevantes face às situações e às necessidades do País.

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Para terminar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Paulo Correia, não queria deixar

de lhe dizer que a avaliação que fizemos no nosso Congresso, relativamente à situação do País e às

perspetivas de futuro, é a de que é necessária, de facto, uma outra política.

As opções que o PS tem mantido, particularmente em questões estruturais que têm a ver com o

enfrentamento dos problemas nacionais, significam um verdadeiro condicionamento às possibilidades de

desenvolvimento do futuro, as limitações à nossa soberania, a limitação da capacidade de o Estado dispor de

instrumentos em empresas e setores estratégicos para dar resposta às necessidades do País. E essas são

limitações que têm de ser vencidas, de facto, com uma política alternativa.

O PCP não deixará de contribuir e de contar para as soluções de avanço na resposta aos problemas

nacionais e, particularmente, para a solução dos problemas imediatos que estão colocados por via da situação

de crise que atravessamos, mas não deixará de bater-se por esses objetivos mais avançados, que constituem

a política alternativa, patriótica e de esquerda…

O Sr. Adão Silva (PSD): — Claro, claro!

O Sr. João Oliveira (PCP): — … que é verdadeiramente a política alternativa pela qual nos continuaremos a bater.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado João Oliveira, queria associar-me às manifestações de saudação pelo Congresso do PCP e, em especial, pela reeleição do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, mais uma vez, como

Secretário-Geral, visto que é Deputado desta Casa desde 1975, desde a Constituinte, e, portanto, é para nós

sempre um orgulho vê-lo em altos cargos no seu partido.

Aplausos do PS, do PCP e do PEV.

Tem agora a palavra, para uma declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do Grupo Parlamentar

do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nas vacinas contra a COVID-19 estão concentradas as esperanças do mundo — a esperança de recuperar a saúde como bem

fundamental, a esperança de recuperar a economia como atividade vital, a esperança de voltar ao normal.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — É por isso crítico que a operação de vacinação seja bem-sucedida; que no dia em que as vacinas chegarem a Portugal, tudo esteja meticulosamente preparado, cuidadosamente

antecipado, devidamente acompanhado.

Nos Estados Unidos da América, a operação foi entregue, em junho, a um general perito em logística e o

plano, apresentado em outubro, está agora a ser ensaiado e testado no terreno. A vacinação começará em

dezembro.

Na Alemanha, foi constituída uma equipa para programar a vacinação em 17 de abril e o plano foi tornado

público a 6 de novembro. Conhecem-se as diferentes fases e as responsabilidades estão atribuídas.

No Reino Unido, a equipa foi nomeada em maio e a primeira versão do plano apresentada em 25 de

setembro. A vacinação começará para a semana.

Em Portugal, só no dia 4 de novembro foi criada a comissão técnica de vacinação contra a COVID-19,

grupo consultivo da DGS (Direção-Geral da Saúde), para recomendar estratégias e grupos alvo, o que, desde

logo, correu mal.

Mas no dia 23 de novembro foi criada uma outra task force para, em 30 dias, elaborar um plano de

vacinação contra a COVID-19. Chefiada pelo Dr. Francisco Ramos, esta task force está, para toda e qualquer

decisão, subordinada às lideranças da DGS, do Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de

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Saúde), do INSA (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge), da ACSS (Administração Central de

Sistema de Saúde) e da SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde).

Ou seja, quando precisávamos de uma estrutura focada, de uma liderança clara, de um processo testado e

de uma confiança fundada na preparação demonstrada, temos um emaranhado de decisores, uma

complexidade entrópica, um atraso condicionante e muito, muito pouco tempo para provar que seremos

capazes.

Sr.as e Srs. Deputados: Este não é o momento das narrativas que querem esconder a impreparação. Dizer

que «o plano de vacinação está a ser preparado há meses em Portugal», como afirmou Graça Freitas, ou que

«há zero risco de Portugal não estar pronto para vacinar a população», como disse a Ministra, é não só

temerário como frontalmente incorreto.

Mas, no respeito pelos portugueses e pela gravidade da situação, este ainda não é o momento de apurar

responsabilidades, este é o momento de exigir responsabilidade.

E, enquanto o Primeiro Ministro insiste em que «não vale a pena antecipar ansiedades», no CDS,

lamentamos que não tenha estado a antecipar dificuldades, a preparar o País. É que, para que nada falhe, é

das dificuldades e dos desafios que nos devemos ocupar. Por isso, o CDS tem 10 perguntas.

Em primeiro lugar, quando se iniciará a vacinação? É que uma coisa é a chegada das vacinas e outra é a

sua aplicação. Nos Estados Unidos da América, a diferença entre as duas é de 24 horas.

Em segundo lugar, tendo em conta as exigências de frio, em que instalações (e pertencentes a quem)

serão armazenadas as vacinas?

Em terceiro lugar, como será feita a distribuição e o transporte? Que locais de administração estão já

mapeados e verificados?

Em quarto lugar, já foram compradas e já estão em Portugal as seringas, as agulhas, os solventes e os EPI

(equipamentos de proteção individual) para esta aplicação? Fala-se em 22 milhões de doses, mas tem de

estar pronta a contraparte em material.

Em quinto lugar, estão identificadas e em treino as pessoas que irão aplicar a vacina? Foi previsto o

funcionamento em espelho e salvaguardado o desguarnecimento das unidades de saúde?

Em sexto lugar, quais os grupos-alvo em cada fase, qual a sua dimensão e como será feito o agendamento

da vacinação de cada pessoa desses grupos?

Em sétimo lugar, haverá um modelo de monitorização intensiva e de acompanhamento clínico?

Em oitavo lugar, será feita (e quando) uma campanha de sensibilização sobre a segurança e eficácia da

vacinação?

Em nono lugar, sendo a vacina facultativa, quantas pessoas terão de ser vacinadas para atingir imunidade

de grupo? E como vai ser monitorizada essa imunidade?

Em décimo lugar, está prevista uma operação de segurança para transporte e aplicação da vacina? Qual

vai ser o papel das Forças Armadas?

Sr.as e Srs. Deputados: Conhecemos hoje — estaremos a conhecer agora — o plano de vacinação e

esperamos que dê respostas cabais a todas estas perguntas, até porque a expectativa é a de que uma vacina

seja entregue já em janeiro.

Ninguém acha que a pandemia é responsabilidade de um governo, compreendemos que há consequências

inevitáveis, mesmo que contestemos algumas decisões, e temos, todos os portugueses, suportado o peso do

que nos é pedido.

Neste momento, está entregue nas mãos do Governo português a melhor hipótese que temos de voltar à

normalidade: uma vacina. Repito, está nas mãos do nosso Governo.

E que fique claro: todos nós desejamos que corra bem, mas nenhum português perdoará o Governo se

correr mal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.

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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados. Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, cinco Srs. Deputados, aos quais a Sr.ª Deputada responderá,

segundo informou a Mesa, primeiro, a um grupo de três e, depois, a um grupo de dois Srs. Deputados.

Para o efeito, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Alberto Machado, do PSD.

O Sr. Alberto Machado (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, este tema é oportuno e de capital importância para os portugueses, suas famílias e suas empresas. É a chave para salvar vidas, a nossa

economia e as nossas empresas.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Alberto Machado (PSD): — É o histórico recente relativamente à vacina contra a gripe que não nos deve deixar tranquilos e o Governo tem de aprender com os erros que cometeu.

Há poucos meses, o Governo garantiu que haveria vacina contra a gripe para todos. Quando os

portugueses se dirigiram aos centros de saúde e às farmácias, ficaram a perceber que, afinal, não era bem

assim. Com efeito, depois das promessas falhadas do Governo em relação à vacinação contra a gripe

sazonal, em que milhões de portugueses ficaram por vacinar, muitos dos quais idosos e doentes crónicos

pertencentes aos grupos de risco, sabemos que o Governo não pode voltar a falhar na vacinação contra a

COVID-19.

Mas a verdade é que, enquanto numerosos governos europeus já têm preparados os respetivos planos de

vacinação contra a COVID-19, Portugal está ainda numa fase preliminar de preparação, desconhecendo-se

ainda quase tudo. Pelo menos parece que a Sr.ª Ministra da Saúde, ao garantir que a vacina será gratuita, já

arrepiou caminho sobre a eventualidade de a vacina poder ser paga pelos cidadãos, como admitia ainda no

verão.

Há poucos dias, ouvimos a Ministra da Saúde dizer, sorridente, que há risco zero — e o termo é da Ministra

— de Portugal não estar pronto para vacinar a população durante a COVID-19. Alarmante é, no entanto, que a

mesma Ministra admita, agora, que, só na segunda metade do próximo ano, a maior parte da população

portuguesa será vacinada.

São declarações preocupantes, mas todos queremos acreditar que, desta vez, nada vai falhar.

Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: ainda acredita na credibilidade das promessas da Ministra da Saúde? É que

falhar não pode ser opção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Entretanto, inscreveu-se mais um Sr. Deputado para pedir esclarecimentos, pelo que a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, responderá, primeiro, a um grupo de três e,

depois, a um outro grupo de três Srs. Deputados.

Tem, agora, a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do IL.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, queria saudá-la, assim como ao CDS, por ter trazido ao Hemiciclo o plano de vacinação contra a COVID-19. Não é certamente

uma panaceia, mas é, tomada individualmente, a ferramenta mais importante, não só para recuperar a

normalidade social e económica, mas também para dar esperança aos portugueses.

Isso será verdade, se duas coisas acontecerem: se o Governo for capaz de dar confiança não só quanto à

eficácia e segurança da vacina mas também quanto ao modelo da sua implementação — coisa que, pelas

várias situações já aqui trazidas por outros Srs. Deputados, não me parece muito fácil —, e se, apesar das 10

questões pertinentes que a Sr.ª Deputada aqui deixou, as coisas correrem efetivamente bem.

Convém assinalar que, até hoje, continua a ser de conhecimento mais ou menos generalizado que haverá

vacinas disponíveis a partir de janeiro. Ora, é um erro deixar perpetuar esta ideia porque vai demorar bastante

mais tempo do que isso o começo da vacinação dos portugueses.

Portanto, mesmo no primeiro passo, que é o da gestão de expectativas, o Governo já está a falhar. E está

a falhar também noutra dimensão importante, que é esta: cada mês que possa antecipar o atingir da tal

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imunidade de grupo é um mês que antecipa a recuperação social e económica de Portugal. Isso tem um preço

que não é compatível com o andar a excluir dos prestadores e inoculadores da vacina contra a COVID-19

quaisquer outros prestadores ou entidades que não pertençam ao SNS.

Assim, Sr.ª Deputada, gostava que respondesse muito concretamente ao seguinte, porque isto tem de ficar

esclarecido, e tem de ficar esclarecido nesta Casa, o mais depressa possível: irá acompanhar o Iniciativa

Liberal quando pedir, já hoje à tarde, depois de ouvirmos a explicação do plano de vacinação contra a COVID-

19, a audição urgente da Sr.ª Ministra, do responsável da task force pelo plano de vacinação e dos

responsáveis das empresas produtoras das vacinas, para que possamos aferir nesta Casa se está ou não

colocado no terreno um plano viável para a vacinação dos portugueses o mais rapidamente possível?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O terceiro orador inscrito para pedir esclarecimentos é o Sr. Deputado João Ramos, do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Não está cá!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Digo, João Dias, do PCP. Peço imensa desculpa, Sr. Deputado.

Tem a palavra.

O Sr. João Dias (PCP): — Não tem de quê, Sr. Presidente. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, antes de mais, quero felicitá-la pelo tema

que aqui nos trouxe: o plano de vacinação contra a COVID-19. A Sr.ª Deputada iniciou a sua intervenção pela

esperança no sucesso da vacinação contra a COVID-19.

Sr.ª Deputada, o primeiro pedido que devemos fazer-lhe — e é uma exigência para a qual todos estamos

convocados — é que não transforme esta esperança em desconfiança. Aqui, é fundamental que todos

assumamos a responsabilidade de não criar um clima de desconfiança para os portugueses. Aliás, é

fundamental que aqueles que alimentaram o clima de medo, de pânico, não venham agora também contribuir

para o clima de desconfiança relativamente ao processo de vacinação.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Muito bem!

O Sr. João Dias (PCP): — Fundamental é criar condições para que a população confie, desde logo, nos profissionais de saúde, nas autoridades de saúde. É com eles que a população portuguesa deve contar para

proteger a sua saúde.

Depois, há necessidade de uma informação clara, objetiva e esclarecedora e com base em dados

científicos. É só através dessa informação que a população também pode aderir — e aderir de uma forma livre

e esclarecida — a um processo de vacinação no qual sinta confiança. Por isso, é importante que se combata

por aqui também a desconfiança que se pode gerar num processo de vacinação e numa vacina que foi criada

em tempo recorde.

Depois, há também aquilo de que a Sr.ª Deputada talvez tenha alguma desconfiança, mas em que nós

temos absoluta confiança, que é o Serviço Nacional de Saúde, o serviço público, aquele com que devemos

contar.

E que não se crie nem haja aqui outra oportunidade para que o privado possa fazer negócio à custa da

vacinação. É com o Serviço Nacional de Saúde e com os cuidados de saúde primários que devemos contar,

por forma a garantir que a resposta à atividade regular e às doenças crónicas não sejam por esta via também

prejudicadas.

Nesse sentido, estamos bem a tempo de dotar o Serviço Nacional de Saúde quer de meios, quer de

profissionais, quer de um processo que garanta uma vacinação, sem pôr em causa aquilo que é a atividade

regular dos cuidados de saúde primários.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder a este primeiro grupo de oradores, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Machado, tem toda a razão. De facto, o processo de vacinação da gripe sazonal que decorreu este ano — um processo que, de resto, decorre

anualmente e que devia por isso estar rotinado — não foi um bom exemplo, nem é um bom preditor de uma

operação que será infinitamente mais complexa, desde logo, por temas relacionados com as próprias vacinas,

a saber, com o problema do frio, com todas as questões relacionadas com a possibilidade de abertura das

caixas onde vêm as vacinas e a necessidade de não haver desperdício.

Portanto, esse processo não é um bom preditor, mas isso não significa que não estejamos ainda a tempo

de construir um bom plano, razão pela qual o CDS traz agora — e não mais tarde, para apontar o dedo —, em

tempo útil, as perguntas que gostaria de ver respondidas e que, de resto, constam dos planos de outros

países.

De facto, outra razão para estarmos um pouco mais desconfortáveis é que, em muitos outros países, estes

planos são já conhecidos. Obviamente, estão sujeitos a ajustes, na medida em que se foi sabendo mais sobre

as vacinas, mas oferecem maior confiança.

Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, sim, nós acompanharemos o Iniciativa Liberal. E não só

acompanharemos como até já nos antecipámos, uma vez que, na sexta-feira passada, solicitámos na

Comissão de Saúde — e foi aprovada por unanimidade — a vinda do Dr. Francisco Ramos, responsável pela

task force. Portanto, só poderemos ver com bons olhos que a ele se juntem outros intervenientes que nos

ajudem a compor um quadro claro sobre como vai ser montada esta operação, que, sim, tem toda a razão,

não se esgotará nos primeiros meses, será longa, pelo que temos de nos preparar pacientemente para esse

processo.

Finalmente, Sr. Deputado João Dias — e nós também temos saudades do Deputado João Ramos! —,

concordo inteiramente consigo em que um dos grandes inimigos deste processo é a desconfiança, colocada

em vários pontos do processo, desde logo, na eficácia da vacina. É muito importante que as pessoas se

consciencializem e que seja desconstruído todo o tipo de informação falsa à volta da eficácia das vacinas,

porque da imunidade de grupo depende a capacidade de regressarmos à atividade.

Agora, o Sr. Deputado pôs na minha boca algo que eu não disse. Eu, pelo contrário, reforcei a importância

de serem acautelados os meios para que a vacinação não desguarneça as unidades de saúde, focando-me,

portanto, no SNS. Mas essa sua desconfiança devolvo-a a si, em espelho: é que tenho a ideia — e o Sr.

Deputado corrija-me, se estiver enganada — de que a Pfizer, a AstraZeneca, a Johnson & Johnson, a

Moderna não são do SNS, pois não? São, sim, empresas privadas que desenvolveram as vacinas de que

agora tanto estamos à espera.

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

Se o Sr. Deputado tem assim tantos problemas com a iniciativa privada, o melhor é deixar que elas sejam

desenvolvidas todas lá fora e esperar que o SNS desenvolva cá a sua, se é esse o seu problema.

Portanto, Sr. Deputado, quem tem os problemas e quem os revela na intervenção é o Sr. Deputado. Por

mim, está tudo muito bem.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia de Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, ultrapassando a necessidade de afirmação do CDS ao trazer para uma declaração política um

plano de vacinação que será apresentado hoje à tarde e cujos contornos nós não conhecemos, ultrapassada

essa necessidade de afirmação que é premente, pergunto à Sr.ª Deputada se não acha importante a reunião

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de todas as forças políticas em torno desse plano, por forma a transmitir a confiança aos portugueses e

atingirmos a imunidade de grupo que tanto desejamos.

A Sr.ª Deputada perdoe-me, a senhora não estava presente na reunião do Infarmed, …

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Mas ouvi!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — … porque não tinha de estar, mas, com certeza, o seu líder há de ter registado e há de ter-lhe transmitido as boas notícias que ouvimos sobre a eficácia das medidas que

o Governo em tempo tomou para vermos agora que a transmissão e a incidência da COVID-19 está a

decrescer.

De facto, precisamos, obviamente, de consolidar esta tendência, mas sabemos que há uma necessidade

imperiosa de confiarmos na comunidade científica que tudo tem feito para que possamos continuar a

ultrapassar, de forma menos penosa, esta pandemia.

Deixe-me dizer-lhe que todos os que estivemos presentes saímos pelo menos com uma esperança realista,

no que diz respeito à vacinação e até ao fim desta pandemia.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira terminar.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Por isso, Sr.ª Deputada, o único conselho que lhe posso dar, com toda a sinceridade e amizade que é muita, como sabe, é que confie. Não desconfie, Sr.ª Deputada,

vai correr bem, com certeza.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O segundo pedido de esclarecimento cabe ao Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, pelo que, para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, a vacinação e disponibilização da vacina para a COVID-19, é, obviamente, um momento muito importante, pois

desde o início desta pandemia que sabíamos que só com a descoberta e com a vacinação massiva da

população é que conseguiríamos ultrapassar esta pandemia. Isto porque é preciso chegar a uma imunização

de grupo e esta é a forma mais eficaz e segura.

Agora, parece-me também que, neste debate, seria avisado evitar duas coisas: a primeira era não fazer

grandes elogios e comparações à estratégia «trumpista»…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Admito que devíamos pôr os olhos.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — … de ataque à COVID-19 que não me parece propriamente aquela que devamos seguir.

A segunda é que, neste momento, está a ser apresentado o plano de vacinação e, portanto, a Sr.ª

Deputada deixou uma série de questões que são importantes e que, provavelmente, estão a ser respondidas.

Decerto este debate seria muito mais útil e daria muitos mais frutos, depois de conhecermos esse plano.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Ou não!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Creio que, primeiro, é preciso conhecer esse plano, o Bloco de Esquerda obviamente que o quer discutir também, mas estar a discutir sem conhecer aquilo que está previsto fazer é

difícil.

Porém, julgo que o plano deverá ter dois níveis: um nível mais técnico, de critérios técnicos, sobre quem

vacinar, como, quando, etc., temos de esperar para ver, e, depois, necessariamente tem de vir com um outro

plano de recursos humanos e de trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde. Isto porque, necessariamente,

terá de ser o Serviço Nacional de Saúde a garantir a resposta universal de vacinação e necessariamente terá

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de ter esse reforço, nomeadamente de profissionais de enfermagem para garantir que chega a todos o mais

rápido possível, com a máxima segurança e a máxima eficácia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O último pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Moisés Ferreira, de facto, o «trumpismo» não funcionou, o que funcionou mesmo foi a Venezuela e a sua vacina ou Cuba e a sua vacina ou Espanha e a

sua vacina…

O Sr. António Filipe (PCP): — Bem melhor!

O Sr. André Ventura (CH): — Isso é que funcionou totalmente. Aliás, todas as vacinas que temos visto ser anunciadas são de países oriundos do socialismo e de máquina

socialista no poder.

Protestos do PCP.

Quantas são? Zero! Não temos uma única vacina de um país socialista, uma única. Todas as vacinas

testadas e aceites pela Agência Europeia do Medicamento são de iniciativa privada e de países que os

senhores dizem que são países capitalistas.

Protestos do Deputado do PCP António Filipe.

Ó Sr. Deputado, em Cuba não há vacinas, escusa de estar com as mãos no ar, eu sei que gostaria que

houvesse, mas não há, Sr. Deputado, não há. Na Venezuela, que eu saiba também não, e na Coreia do Norte

há zero casos — talvez se identifiquem mais com esses!

O Sr. António Filipe (PCP): — Está enganado!

O Sr. André Ventura (CH): — Há um caso, de um primo do ditador, há um caso… Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, em Portugal, temos um caso paradigmático: o atraso no planeamento da

vacinação. Enquanto outros países, como a Bélgica e a França, avançavam no seu plano de vacinação…

Protestos de Deputados do PS.

Eu sei que há outros que trazem vacinas de França, esperamos que não venha a acontecer o mesmo em

Portugal…

Mas dizia eu que o plano de vacinação em Portugal está manifestamente atrasado, pelo que lhe queria

perguntar o seguinte: o Governo anunciou hoje que vai ter 22 milhões de doses e que vamos ter uma

vacinação facultativa e gratuita, qual é que acha que vai ser o papel das farmacêuticas e das farmácias nesta

distribuição?

O Sr. João Dias (PCP): — Ora aí é que está!

O Sr. André Ventura (CH): — Vamos ficar limitados ao Serviço Nacional de Saúde ou vamos permitir que as farmácias comunitárias, que as farmácias junto das populações, distribuam e participem neste processo de

vacinação? É que aqui só há dois caminhos: o da cegueira ideológica que leva a querer fechar tudo e todos

em matéria de vacinação e o daqueles que verdadeiramente estão preocupados com os portugueses e

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querem que a vacina chegue a cada rua, a cada avenida, a cada aldeia de Portugal, seja através do público ou

do privado, sem setor ideológico, sem cegueira ideológica, sem cegueira alguma, pelos portugueses.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Antónia Almeida Santos, a nossa amizade é recíproca, mas, Sr.ª Deputada, no meio de tanta amizade, não devo ter recebido o meme em que a

Sr.ª Deputada me dizia o que é que eu tinha de expor hoje na declaração política, qual era o tema que eu tinha

de escolher e veja lá que então eu exerci a liberdade que cabe ao grupo parlamentar, e decidi escolher um

tema que até me pareceu ser o tema do dia.

Lamento imenso não estar a obedecer à cartilha do Partido Socialista, mas, ainda, assim, Sr.ª Deputada,

como sou uma pessoa consciente, e até bem-comportada, estive a assistir, em regime aberto, no YouTube, à

sessão do Infarmed. Se calhar, a Sr.ª Deputada não sabe, mas não é preciso mesmo ir lá, há agora uma coisa

que se chama «à distância» e nós podemos assistir e, portanto, eu assisti à distância à reunião do Infarmed.

Eu sei que o PS lida mal com a questão da transparência, mas agora é assim, é tudo feito em broadcast, nós

podemos ver, e, portanto, eu assisti.

De facto, a Sr.ª Deputada pede muita confiança naquilo que lá foi dito, mas eu estou muito habituada a

confiar sabe em quê, Sr.ª Deputada? No trabalho, na preparação e na liderança correta dos processos.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Liderança?!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Mas aquilo que vi até agora, Sr.ª Deputada, foram frases e o único facto sólido que realmente me reforça a confiança é saber que Portugal entrou — e muito bem — na compra

conjunta da Comissão Europeia das seis vacinas. E é só por essa razão que, de facto, confio que vai haver

vacinas em Portugal. É só por essa razão!

De qualquer das maneiras e continuando esta discussão, Sr. Deputado Moisés Ferreira, digo-lhe o

seguinte: o plano está a ser apresentado agora e, das duas, uma, ou todas as perguntas que o CDS aqui fez,

que dão voz às perguntas de muitos especialistas, porque, como sabe, eu própria não sou e, portanto, não sou

eu que discorro estas ideias, mas ou, de facto, estão a ser respondidas… E olhe, também não se perdeu

grande coisa, foi num momento educativo para os Srs. Deputados e gerou aqui alguma matéria para pensar.

Ou não responde e mais vale fazer as perguntas antes do que as queixas depois, apontar o dedo e desertar

dos parceiros depois quando já não estamos tão satisfeitos.

Finalmente, Sr. Deputado André Ventura, quanto às farmácias, eu diria que não há hipótese de que as

farmácias comunitárias não venham a ser, em fases subsequentes, incluídas no processo de aplicação da

vacina, como, de resto, acontece em vários outros países, como o Reino Unido, a Irlanda, o Canadá, a

Austrália e, sim, também, os Estados Unidos que não têm nenhum pecado original nesta matéria.

Portanto, percebo que não possam ser incluídas logo numa primeira fase, até por uma questão logística,

como já aqui foi dito, da própria forma como as vacinas chegam a Portugal, mas é impossível que se atinja a

capilaridade desejada sem recorrer também às farmácias comunitárias que são, de resto, parceiras aceites

pelo Governo, no que diz respeito à vacina da gripe.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Bem sabemos que continuamos a viver uma crise sanitária sem precedentes, que nos obrigou a novas medidas restritivas,

medidas de limitação das liberdades dos cidadãos e com consequentes impactos socioeconómicos. Mas se,

quando surgiu esta crise sanitária, não sabíamos ainda bem quanto tempo teríamos de viver com esta

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realidade, a dimensão que a mesma assumiu permite-nos hoje ter presente que as respostas sanitárias têm de

estar alinhadas com aquela que é uma resposta robusta em matéria social e de retoma económica.

Em setembro, o desemprego já tinha aumentado 19,5% e o volume de negócios e de trabalho no setor dos

serviços tinha sofrido quebras assinaláveis.

Em outubro, 29,9% dos estabelecimentos de alojamento estavam já encerrados e aqueles que estavam

abertos registavam uma redução do número de dormidas na ordem de menos 63%.

Hoje este cenário é pior, nomeadamente no setor dos serviços, hotelaria e restauração que, em 2018,

representava 8,74% do tecido empresarial português. Mas, mais do que números, Sr.as e Srs. Deputados, o

que aqui está em causa é a vida e a estabilidade das muitas famílias que compõem o nosso País.

Desde há mais de uma semana que temos à porta da Assembleia da República um grupo de pessoas que

reivindica simplesmente que as deixem trabalhar ou, dada a impossibilidade de o fazerem, o que todos bem

compreendemos a este tempo, que os respetivos setores sejam mais bem apoiados.

Também à porta da Assembleia da República juntaram-se ontem os trabalhadores da TAP (Transportes

Aéreos Portugueses), que nos pediam que se trave a onda de despedimentos e de cortes de direitos

decorrentes do período difícil que a empresa atravessa, apesar da intervenção pública que ocorreu.

O número de apelos e de pedidos de ajuda multiplicam-se, infelizmente, a cada dia, mas a nossa resposta,

Sr.as e Srs. Deputados, não pode ser a indiferença. Por detrás de cada dado estatístico está um rosto, está

uma família, estão histórias, que se encontram hoje numa situação bastante frágil e incerta e que esperam por

respostas que tardam em chegar.

Aqui chegados, não foi, contudo, a segunda vaga que veio cedo demais, fomos nós, poder político, que

tardámos em prevenir e, sobretudo, em minimizar aquelas que têm sido as consequências e os impactos que

se faziam já antecipar, principalmente pela falta de planeamento que ocorreu.

A situação difícil por que está a passar o tecido empresarial português — e que bem sabemos que se

poderá agravar — deveria ter sido antecipada, tendo em conta a maior disponibilidade de meios e o maior

conhecimento da doença face ao início desta crise epidemiológica.

Podemos e devemos fazer mais, de modo a garantir respostas concertadas, em vez de continuarmos a

acrescentar remendos a uma manta de retalhos já de si curta e bastante insuficiente para cobrir as

necessidades do País.

Mais do que nunca é altura de avançar com apoios robustos, a fundo perdido, para evitar que a crise social

se transforme numa situação de catástrofe social e isso só é possível com decisões políticas rápidas, eficazes

e sensíveis às necessidades existentes no terreno. O caminho não pode continuar a ser o de promover

soluções que passam por aumentar a espiral de endividamento das empresas.

Veja-se, por exemplo, que, no Orçamento do Estado, foi positivo consagrar um substituto do layoff com

salário a 100% para os trabalhadores e a suspensão dos pagamentos especiais por contas das pequenas e

médias empresas. Mas é por demais evidente, a este tempo, que temos, e precisamos, de ir mais longe.

Foi precisamente em sede de Orçamento do Estado que o PAN fez propostas muito concretas, que

lamentavelmente foram rejeitadas. Propusemos um apoio direto, a fundo perdido e sob a forma de prestação

única para as micro, pequenas e médias empresas, com o valor de 50% das perdas de receita média de

faturação verificada comparativamente com o período homólogo de 2019. Tratava-se de uma medida que,

apesar de ser justa, equilibrada e de responder às necessidades de tesouraria das empresas, especialmente

do setor da restauração, foi chumbada com o voto contra do PS e a abstenção de PSD e do Iniciativa Liberal.

Propusemos a criação de apoios aos inquilinos não habitacionais de lojas de rua e de lojas em centros

comerciais, mas tal proposta foi chumbada com o voto contra do PS, do PSD, do CDS-PP e do Iniciativa

Liberal e com a abstenção do PCP e do CH.

Propusemos, ainda, um regime excecional de majoração das despesas com pessoal, em 120%, em sede

de IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), para as micro, pequenas e médias empresas, de

forma a dar um incentivo fiscal à manutenção dos postos de trabalho, mas tal foi rejeitado, neste caso já com o

voto contra do PS, do PCP, do Bloco de Esquerda e do PSD.

Se estes avanços não se deram, Sr.as e Srs. Deputados, foi, de facto, porque esta Assembleia assim não o

quis, foi porque a direita, em particular o PSD, que tanto gosta de se dizer amiga das empresas, preferiu pôr-

se ao lado do PS e adiar a solução dos problemas que tanto afetam o nosso tecido empresarial e cujas

consequências poderão ser irreversíveis.

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Mas a crise não afeta só o tecido empresarial.

Por isso mesmo, o PAN, no Orçamento do Estado que acabámos de aprovar na semana passada, não

esqueceu as entidades da economia social ou do setor cultural e as organizações não governamentais, que, a

cada dia, e com parcos recursos, têm estado na linha da frente das respostas aos impactos sociais e

económicos da COVID-19, apoiando as franjas mais vulneráveis da população, entidades que, tenhamos isto

bem presente, representam igualmente 6,1% do emprego remunerado da economia nacional e que dão

respostas absolutamente imprescindíveis à população mais vulnerável.

É fundamental garantir que as missões de interesse público levadas a cabo pelas organizações não

governamentais, sejam das áreas dos direitos humanos, do ambiente ou das demais atuações, que são

cruciais para assegurar um País melhor, não fiquem prejudicadas ou paradas por causa desta crise sanitária.

Mas, mais uma vez, as propostas nesse sentido foram chumbadas por este Parlamento.

Sr.as e Srs. Deputados: A rejeição de propostas relativas à economia social, sem a aprovação de quaisquer

alternativas, é o caminho para a ausência de uma rede social imprescindível ao nosso País.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira concluir, por favor.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr. Presidente. Esta Assembleia tem um importante papel de resposta à crise que estamos a viver e não pode demitir-se e

deixar de mostrar sensibilidade aos diferentes setores. Mais: tem de estar à altura da responsabilidade de

aprovar medidas. Não podemos continuar a dizer algo para fora deste Hemiciclo e, na hora de votar, fechar os

olhos e rejeitar aquelas que são as respostas a dar e o caminho que tem de ser feito.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, a sua declaração política suscitou cinco inscrições para pedidos de esclarecimento. A Sr.ª Deputada dirá como pretende responder.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, responderei em dois conjuntos, um primeiro de dois e outro de três.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Então, o primeiro pedido de esclarecimentos cabe ao PSD. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helga Correia.

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, antes de mais, gostaria de saudar o PAN por ter trazido a debate um tema da maior pertinência. Os apoios

sociais sempre foram um tema relevante, ainda mais num período de pandemia, num período de crise

económica e social, num período como este que estamos a viver.

Sr.as e Srs. Deputados, ninguém pode ficar para trás. O Grupo Parlamentar do PSD congratula-se por ter

visto aprovada, na última semana, na discussão do Orçamento do Estado na especialidade, a proposta de

alteração para apoio aos sócios-gerentes de micro e pequenas empresas, uma proposta da mais elementar

justiça, que vem apoiar os pequenos empresários da restauração, os pequenos empresários das mercearias,

os pequenos empresários dos cafés, porque entendemos que ninguém pode mesmo ficar para trás, que

ninguém pode ficar fora do radar dos apoios sociais.

E, nesta matéria de apoios sociais, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria de alertar este

Parlamento para o facto de existirem apoios sociais, aprovados no último Orçamento Suplementar, que ainda

não chegaram às pessoas que deles necessitam para viver, para terem uma vida tranquila no seu dia a dia.

Importa dizer que, aqui, o Estado continua a falhar, porque o Estado continua a deixar algumas pessoas para

trás, e não podemos deixar essas pessoas para trás. E o PSD tem insistido e alertado para a importância de

não deixar ninguém para trás, nomeadamente as pessoas, as empresas e as instituições do setor social.

No que diz respeito às instituições do setor social, o PSD tem alertado insistentemente para o facto de o

respetivo subfinanciamento continuar a persistir. Nesse sentido, no último Orçamento do Estado,

apresentámos uma proposta que vinha colmatar as necessidades de ajustamento deste setor.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira concluir.

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A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Por isso, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, o Grupo Parlamentar do PSD gostaria de saber qual é a opinião do PAN relativamente a estas matérias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O próximo pedido de esclarecimento cabe ao Grupo Parlamentar do PCP.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, cumprimento-a também pelo tema que nos trouxe na declaração política que aqui fez, começando, desde já, por dizer que o PCP

apresentou, em sede de Orçamento do Estado, mas não só, porque o fizemos também ao longo desta

Legislatura, um alargado conjunto de propostas exatamente no sentido da defesa das micro, pequenas e

médias empresas, que são aquelas que têm sido fortemente atingidas pela realidade que hoje vivemos.

Temos defendido que se têm de criar as condições necessárias para a manutenção da atividade dessas

empresas, inclusive em vários setores que têm sido fortemente atingidos pelo surto epidémico, como a

restauração, o turismo e vários setores dos serviços, e temos apresentado alargadas propostas nesse sentido.

Mas, ao mesmo tempo, é também preciso garantir que os trabalhadores e as populações têm salário e

rendimento para poder haver uma dinamização do mercado interno que permita que a nossa economia

efetivamente sobreviva. E é também sobre isso que gostaríamos de lhe colocar algumas questões que têm a

ver, exatamente, com a garantia dos salários por inteiro aos trabalhadores que estão em layoff, aliás como o

PCP propôs no Orçamento do Estado, proposta essa onde estão também previstos mecanismos de apoio

público à manutenção do emprego, dirigidos, especificamente, às micro, pequenas e médias empresas, para

que elas possam, de facto, ter condições para continuar a assegurar o salário desses trabalhadores. Isso, para

nós, é absolutamente fundamental, por aquilo que se garante também nas condições de muitas famílias, no

nosso País, que, como a Sr.ª Deputada aqui referiu, são condições mínimas e dignas de vida.

Para terminar, há também outras matérias que importava aqui abordar do ponto de vista dos próprios

apoios sociais. Refiro-me a questões que têm a ver com a proteção social de muitos que não acedem a um

conjunto de instrumentos de proteção social, tendo também o PCP apresentado aqui várias propostas nesse

sentido, no sentido de garantir a proteção social de muitos trabalhadores.

Mas, ao mesmo tempo que se garantem estas medidas de emergência, é preciso tomar medidas de fundo

e transversais, nomeadamente em matéria de combate à precariedade e ao desemprego, mas também da

defesa dos postos de trabalho e da proibição dos despedimentos, como o PCP propôs.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Diana Ferreira, tem de concluir.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Mesmo para terminar, o que gostaríamos de perguntar também à Sr.ª Deputada é se não entende que, além das medidas de emergência para responder ao atual momento, têm de

ser tomadas, ao mesmo tempo, medidas de fundo para que a realidade que hoje vivemos não se volte a

repetir no futuro.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder a este conjunto de pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helga Correia, agradeço, desde já, as questões que nos colocou.

Evidentemente, para o PAN, é fundamental a existência de apoio à economia social, o que não

conseguimos compreender é como é que esta Assembleia, em sede de Orçamento do Estado — e o PSD,

aqui, também tem responsabilidades —, rejeitou uma proposta que visava garantir o alargamento dos apoios

sociais, na esfera da economia social, às organizações não governamentais de utilidade pública, que se viram,

assim, impedidas de recorrer a estes apoios.

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Conforme referimos, é fundamental garantir que exista esta rede de apoio no País e sabemos qual a

importância do setor terciário em matéria de apoio às pessoas em situação de sem abrigo, à comunidade

LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais), aos direitos das mulheres, nomeadamente em

contexto de violência, e às próprias organizações não governamentais. Portanto, saudamos a preocupação

que aqui nos manifestou, damos nota de que o PAN irá retomar as iniciativas que apresentou e voltar a

apresentá-las, precisamente para que esta Assembleia tenha uma nova oportunidade de debater estes apoios

de forma mais aprofundada. Esperamos que, nessa sede, o PSD não vire a cara nem àquelas que são as

propostas do PAN, nem àquelas que são as respostas fundamentais para o País.

Em relação ao Orçamento Suplementar e às medidas que não foram executadas, acompanhamos

totalmente essa preocupação. Aliás, o PAN já teve oportunidade de questionar o Governo a esse respeito.

Inclusivamente em audições que já aqui fizemos, nesta Assembleia, à própria Ministra do Trabalho,

Solidariedade e Segurança Social, tivemos também oportunidade de pedir esses esclarecimentos.

É evidente que se têm de verificar não só os apoios que estão a ser concedidos, mas também de revisitar

os critérios desses mesmos apoios, porque as pessoas não podem ficar reféns da burocracia e menos ainda

de critérios injustos que não estão a permitir atribuir os apoios às famílias. Exemplo muito claro disso, e

pegando até na pergunta da Sr.ª Deputada em relação a medidas mais aprofundadas para esta crise, é o de

que as pessoas não podem ficar reféns de uma crise que lhes retirou fundos estruturais até para pagarem

obrigações ao próprio Estado. Depois, uma coisa era a situação que tínhamos no início da pandemia, em que

podia ser compreensível que quem tivesse dívidas não beneficiasse dos apoios, mas, ao fim de todos estes

meses, é impossível que, com as lojas fechadas, com as empresas fechadas, exista fundo de maneio e

capacidade para dar resposta às obrigações contratuais e, inclusive, para com o Estado.

Nesse sentido, Sr.ª Deputada, evidentemente que há um caminho muito mais aprofundado para fazermos,

não só do ponto de vista das respostas de emergência, mas da reestruturação que temos de fazer e daquilo

que temos de pensar, em termos de retoma económica, para conseguirmos uma capacidade de maior

resiliência. Não vale a pena continuarmos com remendos a tapar esta manta cheia de buracos, porque senão

não vamos conseguir dar a resposta de que as pessoas e as famílias tanto precisam.

Portanto, acompanhamos as preocupações que aqui demonstrou e iremos continuar a trabalhar nesse

sentido, para dar respostas aos empregadores e aos trabalhadores, porque uma economia faz-se,

precisamente, de ambas as preocupações.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos ao segundo conjunto de pedidos de esclarecimento. Tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida, do CDS-PP.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, nós não podemos ignorar que a intervenção que a Sr.ª Deputada aqui fez hoje é proferida menos de uma semana

depois de o PAN ter viabilizado o Orçamento do Estado. E, sinceramente, acho extraordinário que, do ponto

de vista da análise dos apoios sociais aos quais neste momento os portugueses têm acesso, um partido como

o PAN, que há uma semana viabilizou, por um lado, as opções políticas do Governo que é responsável pela

carência de resposta social e, por outro, os instrumentos financeiros que, segundo as próprias palavras da Sr.ª

Deputada Inês Sousa Real, são insuficientes para dar essa resposta, tenha a coragem de se dirigir hoje ao

Parlamento para fazer essa intervenção. É que o CDS também teve propostas aprovadas e outras rejeitadas

na área social e, como achou que esse balanço não era equilibrado, chumbou o Orçamento do Estado, votou

contra.

Não podemos, à sexta-feira de uma semana, viabilizar o Orçamento do Estado e, à quinta-feira da semana

a seguir, dizer que, afinal, está tudo mal, que os empresários da restauração não têm apoios, que as famílias

não têm apoios, que as instituições não têm apoios. Então, não têm apoios porquê? Porque o Orçamento não

chega para isso! E quem é que viabilizou o Orçamento? O PAN!

Sr.ª Deputada, se me permite, tem de responder também por isto.

Portanto, a primeira coisa que lhe perguntava era o que é que aconteceu entre sexta-feira passada e hoje

que permitiu ao PAN ver hoje as insuficiências que na sexta-feira passada, quando viabilizou o Orçamento,

não viu.

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A minha segunda questão, muito concreta, é sobre um problema que afeta muitos portugueses. Quer na

segunda-feira passada, quer na próxima segunda-feira, o Governo, unilateralmente, decretou tolerância de

ponto. Muitos portugueses que trabalham no setor privado ou que trabalham em funções essenciais do próprio

Estado terão de ir trabalhar, mas os seus filhos vão ficar em casa. A sugestão que esses portugueses tiveram

foi a de que marcassem férias, o que é um abuso absoluto…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar, por favor.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Como dizia, a sugestão que esses portugueses tiveram foi a de que gozassem férias, o que constitui um

abuso absoluto em relação a um direito dos trabalhadores, ou seja, o de gozarem as suas férias em liberdade.

O que lhe pergunto é o que é que o PAN, que viabilizou o Orçamento, tem para dizer aos portugueses que

ainda não sabem o que vão fazer na segunda-feira, tendo os seus filhos em casa e tendo de ir trabalhar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Soeiro, do Bloco de Esquerda para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, com a situação de pandemia que temos, precisamos de apoios à economia que sejam, de facto, céleres, capazes e adaptados à

situação e que tenham, naturalmente, contrapartidas do ponto de vista da manutenção do emprego e também

dos compromissos relativos à manutenção da atividade e dos direitos dos trabalhadores. E há coisas que não

se percebem no que se refere às barreiras que são colocadas ao acesso a estes apoios. Por exemplo, um

plano prestacional para regularizar uma dívida, seja ao fisco, seja à segurança social, não deve impedir uma

empresa ou, no caso, por exemplo, um trabalhador independente de aceder a um apoio, porque ele já tem um

plano de regularização dessa dívida.

Por outro lado, nós precisamos também de apoios sociais que respondam aos trabalhadores que estão em

apuros. E, desse ponto de vista, nós confrontamo-nos hoje com o efeito de problemas estruturais que temos

na proteção social em Portugal.

Primeiro problema: o rácio de cobertura de prestações de subsídio de desemprego continua a ser muito

baixo. Mesmo que tenha subido, uma grande parte de trabalhadores desempregados continua a não ter

acesso ao subsídio de desemprego e outros perdem-no, porque continuamos com os períodos de concessão

que vêm de 2012.

Por outro lado, temos uma proteção no desemprego que ainda não permite a muitas famílias saírem de

uma situação de pobreza e os trabalhadores independentes continuam a ter uma proteção, um apoio que é

insignificante.

Desse ponto de vista, preocupa-nos que a solução que saiu deste Parlamento para 2021 não seja

suficientemente robusta e que até seja pior para muitos trabalhadores do que aquela que vigora em 2020.

Por outro lado, temos também muitos trabalhadores que estão fora dos mecanismos de proteção social,

seja porque são trabalhadores informais, seja porque, como trabalhadores em período experimental, não têm

acesso a proteção no desemprego, seja por serem chamados «empregados precários em plataformas», ou

seja, ficam numa situação de uma espécie de limbo entre uma condição de empresário e uma condição de

trabalhador precário, mas, para todos os casos, estão fora da proteção social.

Por isso, pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, se não considera prioritários esses apoios robustos à economia e

que se devam mudar as regras de atribuição de subsídio de desemprego e reforçar o apoio à situação dos

trabalhadores independentes.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — O balanço que nós fazemos do que saiu do Orçamento ficou muito aquém daquilo que seria necessário para 2021.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O último pedido de esclarecimento vai ser formulado pelo Sr. Deputado Hugo Oliveira, do Partido Socialista.

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, os apoios sociais são uma ferramenta muito importante no combate à pobreza e às desigualdades. Essa é e sempre foi a visão do PS.

Desde 2015, último ano em que o PSD e o CDS governaram, o Governo do PS, também com o apoio do PAN,

já aumentou as prestações sociais em 25%. Trata-se de 5 mil milhões de euros a mais em apoios sociais do

que aquilo que o Governo da direita investiu.

Se os apoios sociais, mesmo com a economia a crescer, são importantes, nas crises eles tornam-se

imprescindíveis. Por isso, o Orçamento do Estado para 2021 responde à urgência sanitária, social e

económica com que estamos confrontados nesta pandemia: é bom para os trabalhadores porque protege o

emprego, é bom para as empresas porque garante apoios e agora também para os sócios-gerentes, é bom

para o estado social porque reforça o SNS, a escola pública, a segurança social e o combate à pobreza e é

um bom apoio para as famílias, porque protege os seus rendimentos.

Sr.ª Deputada, mesmo não satisfazendo todas as pretensões do PAN, o Orçamento dá resposta a esta

crise, aumentando os apoios sociais, contrariamente ao que a direita fez de 2012 a 2015, e que agora está a

fazer nos Açores, onde um dos pontos do acordo celebrado entre o PSD, o CDS e o Chega é no sentido dos

cortes nos apoios sociais.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, o que lhe pergunto é qual o caminho que o PAN entende como correto: o caminho do Partido Socialista, do aumento dos apoios sociais para fazer face

à crise, ou o caminho do PSD, do CDS e do Chega, que é o de voltar a cortar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Deputado João Almeida, em relação às questões que me colocou, quero deixar bem claro que o PAN não se eximiu, em momento algum, das suas responsabilidades,

apresentando, continuadamente, soluções para situações que acredita serem injustas para o País, assim

como, em sede de especialidade do Orçamento do Estado, contribuiu para um Orçamento que não é apenas

para o ano de 2021, mas que é dirigido para a retoma de uma crise económica sem precedentes no nosso

País.

Nesse sentido, Sr. Deputado, recordo-lhe uma questão: o Orçamento que aqui entrou era um Orçamento

trazido pelo Governo, mas o Orçamento que daqui saiu era um Orçamento deste Parlamento.

E não me cabendo a mim defender, evidentemente, o Governo, há algo que não posso deixar de lhe dizer,

Sr. Deputado: o PAN não se demitiu de apresentar propostas de alteração a este Orçamento, que foram, de

facto, também acolhidas, quer pelo Partido Socialista, que sustenta o Governo, quer também, algumas delas,

pela direita.

Mas houve respostas da direita que os senhores também rejeitaram, como as respostas para as empresas,

de quem os senhores se dizem tão amigos, colocando-se, no entanto, na hora de votar, à margem daquilo que

eram os apoios.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Qual? Diga uma!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Deputado, se tivesse estado atento ao debate, teria constatado que tínhamos já anunciado propostas para as empresas para, por exemplo, fazerem face àquilo que são as

despesas com os seus profissionais, da mesma forma que este Orçamento vem dar resposta em matéria

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social, que não é a receita da direita, ou seja, a receita da austeridade, mas, sim, um maior robustecimento

daquilo que são os apoios sociais.

O Sr. Deputado não concorda, por exemplo, com o apoio às pessoas em situação de sem-abrigo, como os

projetos Housing First, em que conseguimos não só traduzir um apoio de continuidade para dar respostas ao

País, mas também garantir que exista um robustecimento dessas mesmas necessidades, o combate ao tráfico

de seres humanos ou até mesmo, em matéria de layoff, a continuidade destes programas?

É certo, Sr. Deputado — e nisto concordamos em absoluto —, que ainda há um caminho para fazer. Mas

abrir a porta a uma crise política por cima daquela que é uma crise socioeconómica sem precedentes, essa

irresponsabilidade nós não a assumimos, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ah, pois!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Se o CDS a quer chamar para si, é um problema vosso, mas o PAN assume as responsabilidades daquilo que os portugueses precisam. Não se trata de show-off político, mas de

respostas às necessidades reais e absolutas neste momento tão difícil para o País, e sem que passe pela

receita da austeridade, que já todos nós conhecemos e que fechou muitas empresas no nosso País.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vai ver no que dá!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Perante uma crise sanitária, não deve repetir-se uma receita absolutamente falhada, um caminho absolutamente desnecessário.

Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado José Soeiro, não posso, evidentemente, deixar de

concordar com a necessidade de revisitarmos os planos prestacionais em matéria de acesso aos apoios.

Conforme já tive oportunidade de aqui referir, é absolutamente fundamental que aquilo que é, hoje em dia, um

programa de pagamento prestacional, não se traduza numa assunção de dívida, ainda para mais com as

empresas a fecharem portas. Porque quando tivermos, de facto, um setor económico absolutamente

devastado, não vai haver economia para retomar e para salvar.

Portanto, como já tinha aqui referido, acompanhamos a necessidade de revisitarmos estes instrumentos…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Vou já terminar, Sr. Presidente. Como estava a dizer, acompanhamos a necessidade de revisitarmos estes instrumentos e de garantirmos

que os apoios chegam a quem precisa, para que ninguém fique para trás.

Em relação à receita para o combate a esta crise, evidentemente que, para o PAN, jamais será a da

austeridade.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos à declaração política do Partido Ecologista «Os Verdes».

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes trazem hoje como tema da sua declaração política o processo dos CTT.

E fazemo-lo por dois motivos.

Por um lado, porque, apesar da pandemia, a defesa do interesse público não está confinada, e, por outro

lado, porque terminando o contrato dos CTT no final deste mês, esta será, muito provavelmente, a última

oportunidade para se discutir o assunto antes de qualquer decisão sobre o futuro daquela empresa.

Como é público, os oito sindicatos dos trabalhadores dos CTT estiveram em greve durante estes dias. As

razões que levaram os trabalhadores a esta forma de luta prendem-se com a defesa de aumentos salariais,

porque os trabalhadores, com toda a justiça, exigem aumentos em vez de prémios atribuídos com critérios

obscuros.

Mas, na origem desta luta, estão também mais dois fatores importantes.

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Por um lado, os trabalhadores pretendem defender os Correios de Portugal de quem os quer utilizar para

outros fins, e, por outro lado, a admissão de trabalhadores em número suficiente para prestar o serviço de

qualidade a que todo o País estava habituado antes da privatização.

E é exatamente por aqui que Os Verdes querem começar esta declaração política, ou seja, pela

necessidade de devolver aos portugueses o serviço de qualidade a que o País estava habituado antes da

privatização.

E, numa altura em que o contrato dos CTT para o serviço postal universal está prestes a chegar ao fim, é

tempo de tomar decisões. Decisões que, em nome do interesse público, exigem, antes de mais, um balanço

do que representou a privatização de uma empresa como os CTT.

E, se fizermos esse balanço, o que podemos concluir é que a decisão do Governo PSD/CDS de entregar

os CTT aos privados, que, recorde-se, foram vendidos em bolsa, ainda por cima a um preço muito abaixo do

mercado, está a ter consequências muito negativas, tanto para o Estado, como para as populações, como

ainda para os próprios trabalhadores.

Por um lado, privou-se o Estado de receitas necessárias para dar resposta às políticas sociais. Recorde-se

que, enquanto empresa pública, os CTT contribuíam todos os anos com importantes receitas para os cofres do

Estado e, ao mesmo tempo, prestavam um serviço público de altíssima qualidade. Ao fim destes anos, o

Estado já perdeu centenas de milhões de euros em dividendos e o País deixou de ter um serviço de correios

público fiável e seguro.

Por outro lado, a decisão de privatizar os CTT acabou por sujeitar os cidadãos à constante degradação de

um dos mais importantes bens de interesse público: os correios, que são um serviço fundamental para as

populações, para o desenvolvimento do País e para a coesão territorial, desde logo porque contribuem para

atenuar desequilíbrios sociais e económicos.

A verdade é que, após estes seis anos de privatização, é hoje perfeitamente notória a crescente

fragilização e descaracterização dos serviços de correio.

Exemplos não faltam: desde a privatização dos CTT, foram encerradas centenas de estações e postos;

foram vendidos os edifícios; foram retirados da via pública centenas de recetáculos postais; foram despedidos

trabalhadores; os vínculos precários aumentaram; aumentaram os percursos de cada giro de distribuição,

assim como os tempos de espera para atendimento.

Mas não ficamos por aqui: há falta de dinheiro disponível nas estações para pagamento de pensões e de

outras prestações sociais e registam-se atrasos, que já chegaram a duas semanas, na entrega de vales

postais com as pensões.

As situações em que o correio deixou de ser distribuído diariamente generalizaram-se. Existem mesmo

localidades no País onde o carteiro apenas passa uma vez por semana e em outras pouco mais do que isso.

Há populações inteiras que se veem obrigadas a deslocações de vários quilómetros até à estação mais

próxima, muitas vezes sem terem transportes ou condições para o fazer, tal como o recurso sistemático a

empresas de trabalho temporário e a prestadores de serviços, entre tantos outros exemplos que aqui poderiam

ser referidos.

Em resumo, a privatização trouxe menos qualidade, menos postos de trabalho, menos estações de

correios, menos distribuição, menos receitas para o Estado, delapidação do património e mais encargos para

as pessoas.

De facto, a esta evidente degradação do serviço é ainda necessário somar o aumento das tarifas, que,

desde a privatização, subiram já mais de 55%.

Ou seja, em jeito de balanço, e como resultado da privatização, os cidadãos pagam mais e a oferta do

serviço é menor, ao mesmo tempo que os trabalhadores viram as suas condições de trabalho sofrer um

substancial retrocesso.

Em bom rigor, o que se está a passar nos CTT não é digno nem próprio de um Estado de direito. Os

acionistas continuam a apoderar-se, sob a forma de dividendos, de todos os lucros gerados pela empresa e

até a distribuírem dividendos superiores aos lucros, descapitalizando completamente os CTT. Só entre 2013 e

2016 foram distribuídos mais de 270 milhões de euros em dividendos, ou seja, cerca de 1/3 da receita total da

privatização.

A tudo isto acresce, ainda, o facto de o Banco CTT ter sido implementado sobre a estrutura de estações de

correio, funcionando nas instalações e com os trabalhadores dos correios, que são desviados dos balcões dos

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serviços postais para os balcões do serviço do banco, o que está a provocar um substancial aumento nas filas

de espera. Definitivamente, a administração remete o serviço postal para segundo ou terceiro plano, porque o

que agora interessa é o Banco CTT e só o Banco CTT.

Em síntese, seis anos após a privatização dos CTT, não restam dúvidas de que se impõe avançar com o

processo de reversão da privatização dos CTT, de forma a que a sua propriedade e gestão regresse à esfera

do Estado.

Só desta forma poderemos devolver aos portugueses o serviço de qualidade a que o País estava habituado

antes da privatização.

Aplausos do Deputado do PCP Bruno Dias.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A Mesa regista quatro inscrições para pedidos de esclarecimento, tendo o Sr. Deputado José Luís Ferreira informado que responderá a grupos de dois.

Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Salgueiro Mendes, do PSD.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, houve dez iniciativas legislativas trazidas a esta Casa para a nacionalização ou o controlo público do capital dos CTT.

Sr. Deputado José Luís Ferreira, Portugal enfrenta uma crise pandémica sem fim à vista. Portugal enfrenta

uma crise económica em crescendo, com desemprego e falências, com especial significado para o drama dos

setores dependentes do turismo — a hotelaria, a restauração, a animação —, bem visível à porta desta

Assembleia.

Em Portugal, emerge uma crise social de consequências imprevisíveis.

Portugal apresenta ainda contas públicas no vermelho e dívida pública a atingir valores inimagináveis e

com evidentes desvarios na governação do País.

Perante tudo isso, o PEV propõe: «Vamos fazer o que ainda não conseguimos, vamos nacionalizar ou

controlar os CTT!»

Caras e caros Deputados, ao longo dos vários debates, os portugueses já perceberam que o que está em

causa não é a qualidade do serviço postal, mas sim opções ideológicas de fundo dos partidos da esquerda,

algumas com a anuência do Partido Socialista.

Num contexto de profundas alterações na configuração do setor, com o incremento da encomenda postal,

os CTT têm realizado um enorme esforço financeiro e de recursos humanos para se ajustar às novas

realidades, em especial em resposta às solicitações do comércio, do comércio eletrónico, do comércio digital,

ao nosso comércio, às nossas empresas. E, perante isto, o que tem feito o Governo e o Partido Socialista?

Falharam no compromisso de lançar o concurso público da concessão até 31 de outubro, tal como anunciou

publicamente, pondo em causa a estabilidade do setor e os acordos existentes, nomeadamente com a

distribuição da imprensa escrita.

Está na hora, Sr.as e Srs. Deputados, de o Governo do Partido Socialista assumir as suas

responsabilidades na gestão dos problemas, ao invés de continuar a brincar com as empresas, como faz com

a TAP, e de revisitar sistematicamente um passado longínquo.

Perante tudo isto, Sr. Deputado José Luís Ferreira, quero colocar-lhe duas questões.

Primeira: será ainda a iniciativa do PEV uma contrapartida das negociações da sua abstenção na votação

do Orçamento do Estado?

Segunda questão: neste momento de grandes dificuldades para Portugal e os portugueses, esta iniciativa

do PEV é para levar a sério ou meramente para marcar a agenda política do seu partido?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, cumprimento, obviamente, o PEV por trazer a debate um tema tão importante para o nosso País, que tem a ver com os CTT e o seu papel.

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Em primeiro lugar, quero deixar também uma saudação aos trabalhadores dos CTT, que nesta semana

estiveram em greve por melhores condições de trabalho, pela atualização salarial, que não é feita há vários

anos, e também porque, na prática, estão a defender uma empresa que é absolutamente essencial ao nosso

País.

Em segundo lugar, quero deixar uma nota sobre o que, na verdade, nos trouxe aqui, um debate antigo que

já temos tido várias vezes no Parlamento, ou seja, o debate privatização versus nacionalização ou gestão

pública da empresa.

Já o dissemos anteriormente e, ouvindo a direita, não é demais repeti-lo: não há, neste País, ninguém que,

com uma cara séria, possa defender a privatização que foi feita nos CTT. Como o Sr. Deputado José Luís

Ferreira bem disse na sua declaração política — e já tivemos várias oportunidades de o dizer neste

Parlamento —, se há exemplo de uma privatização que claramente trouxe dano ao que era um serviço público

e ao próprio Estado foi a privatização dos CTT. A forma como foi vendida, a preço de saldo, foi um dos

maiores erros que foi feito, com a delapidação de património da diminuição da rede capilar de postos e

estações, que tem um papel fundamental de resposta social aos portugueses, nomeadamente nas regiões do

interior. Os portugueses viram, ao longo de vários anos, vários serviços a serem-lhes retirados, e também os

dos CTT, e, claro, obviamente, a distribuição dos dividendos do que se tem e do que não se tem.

A privatização dos CTT não pode ser defendida absolutamente por ninguém que queira ser sério neste

debate. E a pergunta que lhe deixo, Sr. Deputado, é se concorda que, se estamos na hora de tomarmos

algumas decisões sobre os CTT, essa decisão já vem tarde.

Sempre temos defendido a necessidade da gestão pública, do retorno ao Estado e da própria gestão dos

CTT para o erário público.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente. Portanto, Sr. Deputado, neste cenário, e exatamente pela crise que estamos a atravessar e pelo papel

social que os CTT têm, pergunto-lhe se não considera que é esta a melhor opção que podemos tomar neste

momento.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados Jorge Salgueiro Mendes e Isabel Pires as perguntas que me foram colocadas.

Começo por responder ao Sr. Deputado Jorge Salgueiro Mendes, que diz que já houve dez iniciativas

sobre os CTT, nem sei em quanto tempo. Mas sabe, Sr. Deputado, apesar de terem sido muitas as discussões

e as iniciativas que provavelmente terá havido, certamente nós vamos insistir, nem que seja para, pelo menos,

tentar perceber como é que o PSD se situa em relação aos CTT. E vou explicar porquê.

Já ouvimos, várias vezes, vários Deputados do PSD — inclusivamente o Sr. Deputado Jorge Mendes, na

última discussão que aqui houve sobre o assunto — dizer que o PSD foi obrigado a privatizar os CTT e que

estavam contrariados por privatizarem os CTT. Ora, se estavam contrariados com a privatização dos CTT, por

causa da troica que os obrigou a tal, o que é que os obriga agora a votar a favor da reversão da privatização,

já que estavam tão contrariados?

Além disso, o Sr. Deputado Jorge Salgueiro Mendes diz que são opções ideológicas. Claro que são opções

ideológicas, nós não vimos para aqui discutir dominó, vimos para aqui discutir política!

Aplausos do Deputado do PCP Bruno Dias.

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Por isso, o que digo é que a opção ideológica que levou à privatização dos CTT, se calhar, como diz o

vosso Vice-Presidente David Justino, foi aquela arruada liberal, porque só isso justifica que se privatize uma

empresa como os CTT.

Sr. Deputado, também tenho a dizer-lhe, agora em jeito de informação, o seguinte: nós não apresentámos

nenhuma iniciativa hoje, tratou-se de uma declaração política. O Sr. Deputado diz «esta iniciativa do PEV é

uma contrapartida por causa do Orçamento do Estado». Sr. Deputado, não sei de que iniciativa está a falar,

Os Verdes não trouxeram aqui nenhuma iniciativa legislativa para discutir, portanto, a resposta é dada com

uma pergunta: qual iniciativa, Sr. Deputado?

Sr.ª Deputada Isabel Pires, de facto, os CTT foram um mau exemplo em termos de privatização. Ninguém

entende como é que uma empresa que dava lucros ao Estado, que tratava bem os trabalhadores e que

prestava um serviço de altíssima qualidade, reconhecido até no plano internacional, tenha sido privatizada.

Não há qualquer justificação razoável para argumentar em defesa da privatização dos CTT e, de facto —

termino já, Sr. Presidente —, consideramos que a sua gestão deve ser pública. E como estamos em crise,

esse é mais um motivo para que se proceda à reversão da privatização dos CTT.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado José Luís Ferreira, eu não fiz qualquer sinal para que terminasse, o Sr. Deputado é que entendeu terminar!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — O Sr. Presidente estava a olhar na minha direção!

Risos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, vou deixar de olhar para quem quer que seja!… Enfim, o Sr. Deputado gerirá o seu tempo conforme entender.

Tem agora a palavra, também para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Bruno Dias, do

PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, da parte do PCP, queremos saudar e valorizar muito a declaração política que o Partido Ecologista «Os Verdes» trouxe a esta sessão

plenária de hoje…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Dessa não estava à espera!…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … e o retrato rigoroso, verdadeiro e contundente da situação inaceitável que está a ser vivida na empresa, no Grupo CTT e no serviço público postal no nosso País.

Continuamos a ver o desprezo com que o PSD olha para a situação das populações e dos trabalhadores

dos CTT. Vemos não só a cumplicidade e a obsessão privatizadora de toda a direita, mas também a

conivência e irresponsabilidade do Governo e do PS, que teimam em deixar correr o tempo,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Ah!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … que teimam em deixar agravar os problemas, sem que haja, de facto, uma resposta a um problema político que tem de ser tratado, que é a questão da gestão pública dos Correios, que

tem de ser, de uma vez por todas, tratada e decidida ao nível do poder político em Portugal.

Queremos, daqui, da Assembleia, dirigir uma saudação calorosa, de grande respeito e valorização, aos

trabalhadores dos Correios, que nesta semana realizam uma importante jornada de luta, mais uma importante

jornada de luta em defesa dos seus direitos, pelo aumento geral dos salários, que a empresa rejeita aos

trabalhadores, enquanto ao longo dos anos acumulou centenas de milhões de euros em dividendos aos

acionistas, num autêntico bodo aos ricos para beneficiar aqueles que se apropriaram desta empresa

fundamental para o nosso País, enquanto que as populações e as pequenas empresas sofrem com as

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deficiências do serviço, enquanto que as pequenas publicações, em geral, da imprensa regional são

confrontadas com problemas graves e com uma preocupação profunda na incerteza quanto ao que virá a

acontecer a partir de 1 de janeiro de 2021.

Nesse contexto, coloca-se com ainda mais premência, com ainda mais urgência, a necessidade de se

proceder, de facto, à reversão da privatização dos Correios.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, estou a olhar para si…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino, Sr. Presidente. Portanto, a pergunta que queria mesmo dirigir ao Sr. Deputado é se não considera que o tempo urge e que

cada dia, cada semana que se está a gastar neste processo é tempo perdido e prejuízo para o Estado, para o

País e para o interesse nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para um último pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Costa, do Partido Socialista.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero saudar o Partido Ecologista «Os Verdes» pela escolha do tema da sua declaração política.

Os CTT são uma empresa histórica no nosso País. São 500 anos de história, 500 anos de extrema

importância para a coesão territorial, para a economia e o desenvolvimento do nosso País.

Em 2013 e 2014, o Governo da altura, liderado pelo PSD e pelo CDS, privatizou a empresa. Foi além da

troica. Defendeu a privatização total da empresa, ao contrário do apontado pela troica.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — O senhor tem noção do que está a dizer? Isso é absurdo!

O Sr. Hugo Costa (PS): — Em 2014, nada obrigava à privatização dos restantes 30%, como foi feito. Além disso, o encaixe ficou bem abaixo do preço de mercado. Vendeu por 900 milhões de euros uma

empresa de enorme importância e de capital estratégico para o País. Um erro histórico! Já aqui falámos em

jogos de dominó, mas não, este não foi um jogo de dominó, foi um jogo de monopólio, em que o País foi o

grande prejudicado. Tratou-se de um erro histórico!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vai daí…

O Sr. Hugo Costa (PS): — O PSD e o CDS gostam muito de falar do interior, mas foi a privatização dos CTT que levou ao encerramento de muitas das suas estações no nosso País.

Portugal é hoje um dos poucos países com um serviço postal totalmente privatizado. Experimentalismo

ideológico foi o que o PSD e o CDS fizeram, quando estavam no Governo, em relação às decisões sobre os

CTT.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Que descaramento!

O Sr. Hugo Costa (PS): — Uma defesa intransigente da qualidade do serviço tem sido o que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem defendido nesta matéria. Defendemos que todos os concelhos do País

tenham uma estação dos CTT, e esse projeto de resolução que apresentámos teve o voto contra do PSD.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Só uma?!

O Sr. Hugo Costa (PS): — Também defendemos que os níveis de qualidade de serviço — o prazo de entrega, os postos de acesso e a regularidade e fiabilidade do serviço — sejam cumpridos. Bem sabemos que

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estamos num ponto decisivo quanto aos CTT, um ponto crucial em relação ao contrato de concessão do

serviço público universal.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente. Por isso, como sempre, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e o Governo defendem que todos os

cenários devem estar em cima da mesa, inclusive o de o Estado voltar a ter uma participação pública nos CTT.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, a quem prometo não voltar a olhar com um olhar inquisidor!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, queria agradecer as perguntas formuladas pelos Srs. Deputados Bruno Dias e Hugo Costa.

De facto, se o contrato está a acabar é tempo de tomar decisões e o que consideramos que seria

importante era fazer um balanço de deve e haver das vantagens e desvantagens deste período da

privatização, porque se não aprendemos com os erros, pouco andamos cá a fazer.

Quando fazemos esse balanço vemos que a privatização foi, de facto, má para o Estado, má para os

cidadãos e má para os trabalhadores, porque a privatização trouxe menos qualidade, menos estações de

correio, menos distribuição, menos receitas para o Estado, mais delapidação do património, mais encargos

para as pessoas, e os trabalhadores viram as suas condições de trabalho sofrer um substancial retrocesso.

Portanto, é este o resultado da privatização que foi feita pelo Governo do PSD e do CDS, que se diziam

contrariados, mas que a fizeram, e que agora se recusam a reverter aquela decisão.

De facto, o Sr. Deputado Bruno Dias tem razão, o tempo urge, e quanto mais depressa tanto melhor para o

desenvolvimento do País, tanto melhor para a qualidade do serviço público, tanto melhor para as populações,

tanto melhor para os trabalhadores dos CTT.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já ontem era tarde!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Deputado Hugo Costa, de facto, é caso para dizer que 900 milhões de euros por uma empresa como os CTT foi um negócio da China feito numa loja dos 300! Mas foi esse o

negócio que o PSD e o CDS fizeram, um negócio de 900 milhões! Ó Srs. Deputados, só em três anos os

acionistas recuperaram um terço do capital que investiram! Estamos a falar de números e, portanto, se contra

factos não há argumentos, contra números certamente também não haverá.

Queria registar, Sr. Deputado Hugo Costa, o facto de o Partido Socialista manter em cima da mesa todos

os cenários. Vamos esperar que a opção escolhida, em função desses cenários, seja aquela que melhor

represente o interesse público, porque é preciso trazer o interesse público para as decisões, sobretudo quando

falamos de uma empresa com a importância que os CTT têm.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos agora à declaração política do Partido Socialista. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Porfírio Silva.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Talvez alguns pensem que aqui, na Casa da democracia, vivemos apenas para aprovar Orçamentos e leis, mas esse é somente o aspeto

formal da nossa missão. Verdadeiramente, estamos aqui, cada um com as suas convicções, para responder à

vida concreta das pessoas.

Agora, estamos aqui para proteger a saúde. Para proteger as pessoas e as famílias afetadas pela quebra

da atividade económica, do emprego, dos rendimentos. Para preservar as empresas afetadas pela crise e das

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quais precisamos para reerguer a economia. Para responder aos nossos pais e avós e aos nossos filhos e

netos, para vencermos a enorme pressão a que todos estamos sujeitos, dentro das desigualdades agravadas.

Foi para isto que aprovámos um Orçamento de combate, um Orçamento não de combate à oposição, mas

de combate à crise, de que destaco: prolongamento até 2021 do apoio à retoma progressiva, sem qualquer

corte salarial até três salários mínimos; garantias de Estado às linhas de crédito de apoio à tesouraria das

empresas; reforço e prolongamento dos subsídios de desemprego; nova prestação social, que irá proteger 250

000 pessoas com quebra de rendimentos, incluindo sócios-gerentes, trabalhadores independentes e

trabalhadores informais, e os estágios profissionais; proibição de corte nos serviços essenciais aos afetados

pela quebra de rendimentos; aumento extraordinário das pensões mais baixas; subsídio de risco de combate à

pandemia; reforço do principal instrumento de apoio à habitação jovem; mais 15 milhões de euros para as

instituições de ensino superior investirem em alojamento estudantil; reforço da ação social escolar;

recrutamento calendarizado de mais 4200 profissionais de saúde para o SNS; criação de cinco equipas

comunitárias de saúde mental para a infância e adolescência; mais 350 trabalhadores para a segurança social;

mais 5000 trabalhadores para a escola pública.

Às pessoas abrangidas por estas medidas, porque não as podemos abandonar num mar encapelado, o

PSD chama «clientelas». Aos serviços públicos assim reforçados, o PSD há de estar próximo de voltar a

chamar «gorduras do Estado». O PSD escolhe o pico do tsunami para voltar à teoria do Estado mínimo.

Já nós orgulhamo-nos destas medidas necessárias. Muitas aconteceram por proposta dos socialistas,

outras por proposta de outros partidos, designadamente do PCP, porque quisemos e soubemos dialogar e

estabelecer compromissos com quem quis e soube vir ao desafio de melhorar um Orçamento que já era muito

bom na proposta inicial. O que não podíamos fazer era dar o espetáculo do PSD, que, ainda o Orçamento não

entrou em vigor, já está embrulhado no exercício de inventar rebuscadas formas futuras de corrigir os

disparates em que aqui embarcou à 25.ª hora.

Contudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não venceremos nem a pandemia nem a crise só com medidas

orçamentais. A crise só pode ser vencida com coesão social, com mobilização solidária, com as atitudes

individuais e coletivas corretas, sem ceder à demagogia. Muitas pessoas estão a sofrer e com medo, muitos

profissionais estão cansados, mesmo esgotados, e, portanto, é compreensível que às vezes se perca a

serenidade.

O que já não podemos aceitar é a exploração do sofrimento dos outros, que é o que fazem alguns que

gritam «fecha!» quando está aberto e «abre!» quando está fechado, que pedem restrições e depois as

criticam, que não olham para as comparações internacionais para entender que Portugal tem feito um enorme

esforço de equilíbrio e ponderação nas medidas que toma, tentando equilibrar saúde, liberdade e economia.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Há demasiadas pessoas a exibir demasiadas certezas, num quadro em que é fundamental entender a incerteza intrínseca da situação. Há uma frase de Frank M. Snowden, no seu livro

Epidemias e Sociedade — Da Peste Negra ao Presente, que merece reflexão. Cito: «Diz-se que os generais

tendem a combater novamente a guerra anterior, confrontando assim novos inimigos com estratégias

desadequadas do passado. O mesmo pode ser dito das autoridades de saúde pública ao longo dos séculos.»

Porque é que isto interessa? Porque há muita coisa sobre esta pandemia que ainda não sabemos, nem os

cientistas nem nós. Só para dar um exemplo, a OMS (Organização Mundial da Saúde) acaba de fazer a quarta

atualização da orientação sobre o uso da máscara, porque continuamos a aprender e a corrigir, mas há

Deputados que, lestos a disparar, criticam a OMS, as autoridades de saúde, tudo e todos, porque só eles

sabem.

Também há quem queira medidas definitivas para tudo e critique as medidas extraordinárias, mas as

medidas temporárias, revisíveis, adaptáveis, moduláveis à evolução da vida são as medidas de que

precisamos, porque não sabemos o que será o mundo daqui a seis meses. Em vez de um glorioso plano

rígido, cheio de certezas, precisamos da capacidade de ir adaptando a resposta às mudanças de

circunstância. A política precisa de aprender a responder à incerteza e largar os enganadores dogmas de

cátedra.

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Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vencer a crise e recuperar o futuro comum não é uma mera questão

técnica, é uma tarefa cívica, que exige de todos um empenhamento de cidadania. Há comportamentos que

todos entendemos que são úteis — lavar as mãos, usar máscara, manter a distância, reduzir a mobilidade —;

pelo contrário, há comportamentos puramente destrutivos.

As polémicas de pura chicana partidária, a demagogia, o acirrar da confrontação, parasitando o sofrimento

das pessoas, deviam ser substituídos por um sentido profundo de reciprocidade. Tal como já se diz «a minha

máscara protege-te a ti, a tua máscara protege-me a mim», agora que vem aí a vacina COVID, saibamos

compreender que «a tua vacina protege-me a mim, a minha vacina protege-te a ti». Aí, daremos uma

aplicação concreta e relevante àquela palavra tão justa do Papa Francisco: «Ninguém se salva sozinho» —

porque, realmente, ninguém se salva sozinho!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Porfírio Silva, a sua declaração política suscitou a inscrição de cinco Srs. Deputados para pedirem esclarecimentos. Como deseja responder?

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Cristóvão Norte, do PSD.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Porfírio Silva, Portugal é um dos três países europeus que vão sofrer maior destruição económica e social e, não obstante,

segundo dados da Comissão Europeia, é um dos países que menos estímulos orçamentais concedeu, em

2020, e concederá, em 2021, para responder às empresas e às famílias.

Ouvindo a declaração política do Sr. Deputado e ouvindo o Governo a propósito do Orçamento do Estado,

ninguém diria, porque as medidas são repetidas à exaustão. Mas, no fim de contas, trata-se de medidas que

ou não são novas ou que exigem regulamentação, tendo o Governo já mostrado ser completamente

incompetente a garantir a celeridade e a aplicação dessas medidas.

Dou dois exemplos que, creio, ilustram bem o desnorte e a incapacidade do Governo a este respeito.

Primeiro exemplo: o programa APOIAR.PT, que foi anunciado há cerca de um mês, com 750 milhões de

euros a fundo perdido, para apoiar empresas da restauração, do comércio, dos serviços e da cultura. Ora,

viemos a saber que este programa exclui as empresas que têm contabilidade simplificada até 200 000 € de

empresários em nome individual, embora esses empresários tenham em dia as suas obrigações contributivas

e fiscais. Isto é de uma injustiça infame. Não tem nome!

O Governo não arranjou qualquer compensação e fez como aconteceu em relação a outras medidas que já

conhecemos, ou seja, anunciou uma medida, mas, depois, percebemos que o universo das pessoas a que ela

foi aplicada é muito inferior ao que foi anunciado. E, a seguir, quando vamos saber se essas medidas

estiveram abertas durante tempo suficiente, verificamos que, por exemplo, a medida para apoiar os sócios-

gerentes esteve aberta durante uma semana e os anúncios quase não foram tornados públicos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir, se fizer favor.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Portanto, muitas vezes, as medidas são de soma zero: o Governo anuncia uma coisa, mas, depois, aplica outra coisa completamente diferente, como tem ficado demonstrado

nos relatórios da Comissão Europeia e de outras entidades internacionais a esse respeito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado André Ventura.

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O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Porfírio Silva disse que este era um Orçamento de combate, e é. É um Orçamento de combate à restauração, ao comércio e ao turismo, de tal

forma que ainda não conseguiram resolver um simples protesto que está à frente da Assembleia da República

há não sei quantos dias. É esse o Orçamento de combate que têm!

É igualmente um Orçamento de combate aos enfermeiros, quando não são capazes de, num dos

momentos mais sensíveis do seu trabalho, dar um sinal de discriminação positiva aos que estão na linha da

frente.

É também um Orçamento de combate aos contribuintes, porque o PS não deixou, com o apoio de outros,

de aprovar novas taxas e de não reduzir a carga fiscal, quando os portugueses mais precisavam do apoio do

Partido Socialista e do Governo.

O Sr. Deputado Porfírio Silva disse também que este era um Orçamento solidário. Não sei como é que um

Orçamento solidário deixa 2,1 milhões de pensionistas sem atualização. Como é que um Orçamento que se

diz solidário deixa mais de 2 milhões de pensionistas, que contribuíram toda a sua vida para o sistema

contributivo, fora da atualização justíssima que deveriam ter este ano?

O Sr. Deputado Porfírio Silva disse que o País está em crise e que este é um Orçamento de combate. Citou

o Papa Francisco e disse que ninguém se salva sozinho. Tem razão, Sr. Deputado!

O Sr. Jorge Costa (BE): — Cuidado, que não gosta do Papa Francisco!

O Sr. André Ventura (CH): — Mas uma coisa que este Orçamento já demonstrou foi que o PS também não vai salvar o País. É que se o Papa Francisco tem razão quando diz que ninguém se salva sozinho, com

este Orçamento já sabemos que o País não se salvará com o Partido Socialista.

Por isso, deixo-lhe esta pergunta: como é que pode dizer que este é um Orçamento solidário, quando deixa

mais de 2 milhões de pensionistas fora da atualização para o próximo ano, em Portugal? Qual é a

solidariedade que existe, quando a grande maioria dos pensionistas fica de fora da sua justa atualização, em

Portugal, neste ano? E como é que é possível este ser um Orçamento de combate, quando não consegue

isentar da TSU (taxa social única) os profissionais da restauração e os empresários, no momento em que as

quebras foram as maiores da sua história?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado, se fizer favor.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Pediram-lhes ajuda há cinco anos e agora não lhes conseguem dar 1 cêntimo de volta!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Porfírio Silva, na sua declaração política, referiu-se — e cito de memória — a uma trilogia: saúde, liberdade e economia. Foi isto, não foi? Sr. Deputado,

creio que, de facto, são três aspetos que convém reter, neste momento que o País atravessa.

Obviamente, impõe-se que aquilo que foi aprovado no Orçamento do Estado para 2021 de reforço do

Serviço Nacional de Saúde seja efetivamente concretizado. Terminamos este ano de 2020, cujo Orçamento foi

aprovado antes da pandemia, sem que o Orçamento retificativo, do nosso ponto de vista, corresponda àquilo

que era necessário.

O Orçamento para 2021 é um progresso nessa matéria, mas importa que ele seja pontualmente cumprido e

executado. Ou seja, importa que o reforço anunciado e aprovado do Serviço Nacional de Saúde — para o

qual, como o Sr. Deputado referiu, e bem, o PCP deu a sua contribuição empenhada para que isso fosse

possível — seja, de facto, cumprido para que possa ser sentido neste momento difícil e para que, no ano de

2021, o Serviço Nacional de Saúde tenha a sua capacidade de resposta acrescida, perante as enormes

dificuldades com que, certamente, vai ser confrontado.

O segundo aspeto que o Sr. Deputado referiu é o da liberdade e isso é, para nós, queremos dizê-lo, de

extrema importância. A liberdade com responsabilidade é uma questão fundamental. Ou seja, é preciso que a

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vida retome a normalidade possível e que não haja, a pretexto de estados de emergência ou a pretexto da

pandemia, a intenção de reduzir as liberdades e os direitos fundamentais. É preciso que eles sejam exercidos

com sentido de responsabilidade e que cada um assuma as suas responsabilidades nessa matéria. Ou seja,

não é apregoar responsabilidade aos outros e, depois, não sermos nós a assumi-la em causa própria.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir, se fizer favor.

O Sr. António Filipe (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, salientando a necessidade do apoio à economia. Isso é fundamental. Uma das lições do primeiro estado de emergência e do confinamento foi a de que tiveram

consequências terríveis para a economia. É preciso, do nosso ponto de vista, não cometer de novo esse erro.

Ou seja, é preciso que as atividades económicas sejam apoiadas e que, acima de tudo, possam ser

retomadas em condições de segurança. Essa, para nós, é uma questão fundamental.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O próximo pedido de esclarecimento, o penúltimo, cabe ao Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do CDS.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Porfírio Silva, o Partido Socialista, nesta declaração política, traz o tema «a resposta à crise».

A primeira pergunta que gostaria de fazer é a de saber se o Partido Socialista está de consciência

tranquila. Está de consciência tranquila?! É que parece que têm um peso na consciência que vos obriga a

trazer, a este debate, a questão da resposta à crise. Já nem vou comentar a última intervenção que foi feita e

o diálogo de namoro entre o Partido Socialista e o Partido Comunista. Parece que há um tempo novo, a que

vamos assistir nos próximos tempos.

Em relação à resposta à crise, quero perguntar ao Sr. Deputado se a sua consciência está mesmo

tranquila. A resposta a essa questão passa, por exemplo, por olhar lá para fora, à porta da Assembleia da

República, e verificar que está um movimento, o movimento «A Pão e Água», que tem uma petição com mais

de 75 000 assinaturas.

A pergunta é esta: por que razão o Partido Socialista e o Governo insistem em não ouvir aqueles que

representam o estado de desespero de um setor como o da restauração e o da atividade noturna? São setores

que estão paralisados e que empurraram para o desemprego milhares e milhares de portugueses.

Portanto, pergunto-lhe se a sua consciência está tranquila.

Agora, falemos dos apoios. Ouvimos várias coisas, desde os layoff simplificados até à questão do fundo

perdido. Sr. Deputado, deviam ter vergonha de falar em fundo perdido. O fundo perdido para as empresas

teria sido útil em março ou em abril, no início da pandemia. Teria salvo postos de trabalho, teria salvo

empresas, teria salvo rendimentos às famílias. Quando é que aparece o fundo perdido?! Aparece agora, em

novembro.

Queria ainda fazer-lhe uma pergunta rápida, porque o tempo voa — e vou já terminar, Sr. Presidente —,

sobre o Banco de Fomento, o que quer ser o tal instrumento de apoio à economia e às empresas. Segundo

uma notícia de ontem, o Banco de Fomento saiu do papel, mas um mês depois não passa de um site.

Pergunto, Sr. Deputado, quando é que o Banco de Fomento vai passar, efetivamente, a apoiar as nossas

empresas.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O último pedido de esclarecimento vai caber ao Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Porfírio Silva, veio fazer um diagnóstico, uma caracterização da atual situação que o País vive, que é complicada, como é óbvio,

e muito difícil, para depois chegar à conclusão de que o Orçamento do Governo do Partido Socialista serve

para enfrentar esta situação. Não serve, Sr. Deputado, não serve! Aliás, dou-lhe um exemplo: a nota

explicativa entregue pelo Ministério da Saúde, portanto, o seu próprio Governo, à Assembleia da República

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sobre o Orçamento do Estado mostra que não serve, porque prevê que, em 2021, o Serviço Nacional de

Saúde faça menos consultas e menos cirurgias do que fazia em 2019.

Ora, quando toda a gente sabe que as necessidades de saúde são muito maiores, que há atividade

programada que foi desprogramada e que vai ter de ser recuperada em 2021 e que a exigência sobre o

Serviço Nacional de Saúde vai ser muito maior, aquilo que o Governo prevê é que ele vá fazer menos.

Porquê? Porque o Orçamento do Governo do Partido Socialista não dá ao Serviço Nacional de Saúde os

recursos de que ele necessita.

O Sr. Deputado disse, ainda, que os generais tendem a responder às guerras tendo em conta as guerras

anteriores. Tentando tirar a metáfora bélica do debate, gostava apenas que o Governo não respondesse ao

futuro imediato como respondeu ao passado mais imediato. Como? Por exemplo, prometendo apoios, que não

chegaram; anunciando apoios para trabalhadores informais, quando nenhum deles recebeu qualquer tipo de

apoio; respondendo com contratos precários para o Serviço Nacional de Saúde, quando este Serviço

precisava era de trabalhadores efetivos e permanentes para reforçar a resposta.

Ora, aquilo que se espera é que o Governo não teime em continuar a responder mal, como respondeu no

passado mais recente. Aliás, o que era de esperar, neste momento, era que se estivesse a anunciar uma forte

vaga de contratações para garantir, por exemplo, a vacinação a todas as pessoas feita no Serviço Nacional de

Saúde. E isso não foi anunciado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Nos próximos 3 minutos, o Sr. Deputado Porfírio Silva responderá a todos estes pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, agradeço a todos os Srs. Deputados que colocaram questões e peço desculpa por não citar os nomes de todos para não gastar o meu tempo de resposta.

Vou começar por responder ao Sr. Deputado André Ventura. Sr. Deputado, nós não queremos resolver os

protestos, queremos resolver os problemas que estão na base dos protestos, e nisso estamos empenhados.

Mas uma coisa é certa: se estivéssemos a fazer aquilo que o Sr. Deputado colocou no programa eleitoral do

Chega, ou seja, acabar com o Serviço Nacional de Saúde, acabar com a escola pública, acabar com mais não

sei quantas coisas — programa que depois escondeu, tirou-o do site para ninguém ver —, se tivéssemos feito

isso, nada se poderia resolver.

Vozes doPS: — Muito bem!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Deixe de ser hipócrita, não mude de posição todos os dias, e depois falamos!

Aplausos do PS.

Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, não, nós não temos vergonha e estamos de consciência tranquila.

Sabemos que nem tudo foi feito com perfeição, porque não é possível fazer tudo com perfeição nestas

circunstâncias, mas o Sr. Deputado tem de ir rever as suas notas para ver que algumas das coisas que disse

que não foram feitas foram efetivamente feitas a seu tempo e no princípio da pandemia. Vá ver! E não explore

o desespero dos outros. Não se junte ao colega que está sentado atrás de si para explorar o desespero dos

outros, porque o desespero não é para explorar audiências, nem para explorar as pessoas; é para ser

resolvido.

Protestos do Deputado do CDS-PP João Gonçalves Pereira.

Sr. Deputado Cristóvão Norte, o PSD já nos habituou… É mais ou menos como aqueles que tiram o

programa do site: num dia, diz uma coisa e, no outro dia, diz outra.

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O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — É como o Banco de Fomento!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — O PSD, num dia, diz que o PS quer dar tudo a toda a gente, que promete dar tudo a toda a gente e, depois, diz que afinal já não dá, que afinal já não faz. O que o PSD devia era procurar

ser responsável!

Vou dizer-lhe o seguinte: um Deputado do PSD, à saída do briefing no Infarmed, em junho — repito, em

junho e não agora, que estamos na segunda onda —, disse a quem queria ouvir: «Nós já estamos na segunda

onda!», com o Presidente da República a dizer: «As coisas estão controladas, temos de ter calma!»

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Nota-se! Vê-se bem como o País está!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — O PSD, em junho, dizia que já estávamos na segunda onda. Deixem de ser profetas da desgraça!

Protestos do PSD.

Deixem de explorar o sofrimento dos outros! Isso ficava-vos melhor.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Ao Sr. Deputado António Filipe, do PCP, direi o seguinte: tomámos nota de tudo aquilo que o Sr. Deputado disse. Aprendemos — às nossas custas, se calhar — que temos de dar

atenção àquilo que o PCP diz, porque, mesmo quando não concordamos, é bom ouvir e discutir aquilo que diz.

Risos do PSD.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — É o namoro!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Mas, Sr. Deputado, também queria dizer que nós preferíamos que não houvesse estado de emergência, no entanto, nem sempre é possível resolver tudo com as soluções que

desejamos. O facto de a economia ser prejudicada, como o é, efetivamente, por algumas medidas, não

significa que elas possam sempre ser evitadas. Há medidas que não queremos tomar, porque são duras e

prejudiciais, mas são as únicas possíveis no momento.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Concluo, Sr. Presidente, sem antes responder, se me permitir, ao Sr. Deputado Moisés Ferreira.

O Sr. Deputado até pode ter razão nalgumas coisas, mas noutras, claramente, não tem. Por exemplo, a

vossa insistência permanente em dar autorizações livres aos hospitais para contratações é um problema,

porque, se déssemos essa autorização a todos os hospitais,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir, se fizer favor.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — … só continuariam a ter profissionais aqueles hospitais que estão nas zonas preferidas, onde os profissionais querem estar, e o resto do País ficava sem profissionais. Isso está errado!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Mas ainda lhe digo, Sr. Deputado — e vou terminar —, que, se o Bloco de Esquerda não tivesse dito, no dia 11 de novembro, quando ainda faltava muito trabalho para fazer no

Orçamento, «estas propostas que temos aqui não são as propostas de partida, são as propostas de chegada»,

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ou seja, se não tivesse apresentado, há tanto tempo, um ultimato e dito «ou é assim ou não é nada», talvez

tivéssemos podido continuar a discutir, porque era isso que o País esperava de nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra para a próxima declaração política, em nome do PSD, o Sr. Deputado Alexandre Poço.

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é fácil ser jovem em Portugal. Qualquer jovem português com menos de 35 anos sentiu a vida marcada pela crise. Não há realidade mais

constante na vida das novas gerações do que a situação de permanente crise.

Geração atrás de geração, os jovens não conseguem singrar ou realizar o seu projeto de vida no nosso

País, num desperdício de valor e de talento. Geração atrás de geração, os jovens veem os seus sonhos

adiados, suspensos na promessa de um futuro melhor, que acaba sempre comprometido pelas escolhas e

circunstâncias do presente.

O País não tem sido capaz de estar à altura das suas gerações mais novas, pelo que devemos perguntar-

nos: o que temos feito para garantir mais oportunidades, para oferecer mais futuro aos jovens do nosso País?

Neste final de 2020, as novas gerações voltam a ser das mais prejudicadas com a atual crise pandémica,

económica e social. Um autêntico rolo compressor destrói o presente para milhares e milhares de jovens do

nosso País e compromete os seus projetos de vida. Não teremos um País decente, desenvolvido e justo

enquanto não tivermos uma juventude emancipada, independente, capaz de se autonomizar, capaz de olhar o

futuro com esperança.

Ao fim de quase 50 anos de democracia e mais três décadas de integração europeia, com os avanços

significativos e inquestionáveis que estas realidades permitiram e consolidaram, é também hoje inegável que

Portugal continua a ser um dos países mais pobres da União Europeia, ultrapassado por países que são

independentes há apenas três décadas, como os países bálticos ou os países do leste europeu. A pobreza e o

atraso crónico face à Europa empatam de forma brutal as oportunidades e o projeto de vida de cada jovem.

Aplausos do PSD.

Os jovens portugueses são, entre os jovens europeus, os que mais tarde saem de casa dos seus pais. Este

é um País no qual os jovens são o grupo etário com uma taxa de risco de pobreza mais elevada. Já contando

com prestações sociais, quase 20% dos jovens com menos de 18 anos estão no limiar da pobreza.

Que País é este?! Que País estamos a construir, quando, mesmo com transferências sociais, um em cada

cinco jovens vive no limiar da pobreza?!

Este é um País que regista uma das taxas de desemprego jovem mais elevadas da União Europeia, a que

se juntam milhares e milhares de jovens que não estudam, nem trabalham. Um em cada quatro jovens

portugueses está hoje sem emprego. É urgente resolver este problema, com mais respostas, mais ação e

muito menos propaganda, porque essa não gera um único emprego.

Aplausos do PSD.

Este é um País que conta com uma geração qualificada, cosmopolita, europeísta, aberta ao mundo e ativa

no mundo cultural, uma geração que se mobiliza pelo planeta, pela cidadania e pela responsabilidade social,

mas que não recebe em troca mais de 700 € de salário mensal, mesmo quando tem uma licenciatura, um

mestrado ou um doutoramento.

Os jovens não precisam de continuar a ouvir elogios ocos, como o de serem a geração mais qualificada de

sempre se essa qualificação não for acompanhada por uma remuneração própria de um país desenvolvido, de

um país europeu.

As novas gerações exigem mais igualdade de oportunidades — económica, social, territorial, cultural —,

exigem um País em que o que alcançamos na vida está mais relacionado com o esforço de cada um e não é

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enviesado por um sistema distorcido onde a cunha, o favor ou a rede de contactos substituem a educação

como elevador social.

Aplausos do PSD.

As novas gerações exigem um País onde quem nasce pobre não tem de esperar cinco gerações até sair

da pobreza. As novas gerações precisam, portanto, de um País que seja capaz de ter uma economia forte,

robusta e competitiva, com um modelo de desenvolvimento sustentável que permita conjugar melhores

salários com melhores empregos, que vença o atraso crónico da Europa, capaz de descolar da cauda do

projeto europeu. Sejamos capazes, Sr.as e Srs. Deputados, de aproveitar os novos fundos europeus para,

finalmente, construir um Portugal de oportunidades!

As novas gerações exigem uma economia que não estigmatiza quem investe, quem arranca com o seu

próprio negócio, uma economia que não é soterrada pela asfixia fiscal, que valoriza quem cria riqueza,

condição sem a qual não conseguiremos pagar e fortalecer o Estado social. Exigem uma economia e uma

sociedade que vençam no mundo digital e em que este mundo digital, os novos modelos de negócio e o

avanço da robotização e da inteligência artificial signifiquem para todos — para as novas gerações, mas,

também, para as mais velhas — um País com melhores oportunidades para todos. Srs. Deputados, as novas

gerações não desistem do País que amam e é nele que querem construir o seu País e o seu projeto de vida.

Tenhamos a capacidade de não desistir da juventude portuguesa.

Sr.as e Srs. Deputados, recordo que amanhã se assinalam 40 anos sobre o trágico desaparecimento de

Francisco Sá Carneiro. Se estivesse entre nós, estou certo de que partilharia esta revolta com o estado

presente das novas gerações e do nosso País, pelo qual tanto batalhou. Para terminar, cito-o: «Portugal não é

isto, nem tem de ser isto».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Alexandre Poço, a sua intervenção suscitou quatro pedidos de esclarecimento. Como é que deseja responder?

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Sr. Presidente, vou responder conjuntamente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem, Sr. Deputado. Tem a palavra, para o primeiro pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, ouvir o PSD, no papel de oposição, falar de juventude não deixa de nos lembrar Pôncio Pilatos, que lava as mãos das suas responsabilidades.

Protestos do PSD.

Sr. Deputado, a memória não nos falha e não nos esquecemos de que o PSD, quando foi Governo,

mandou os jovens emigrarem, apostou num all in, num modelo de turismo low-cost, que correu com os jovens

das nossas cidades.

Protestos do PSD.

Quando ouvimos aqui o PSD verter lágrimas de crocodilo pelo facto de o direito à habitação ser, hoje, uma

utopia, não nos esquecemos de que foi precisamente o Governo do PSD/CDS que criou o programa dos vistos

gold, que contribuiu inequivocamente para uma bolha imobiliária em cidades como a de Lisboa e a do Porto e,

também, na região do Algarve, afastando os jovens daquelas que sempre foram as suas cidades.

A Sr.ª Ana Miguel dos Santos (PSD): — Eles agora estão lá, nas suas cidades, não é verdade?!

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mais: não precisamos de um espelho retrovisor, Sr.as e Srs. Deputados, vamos ao presente…

A Sr.ª Ana Miguel dos Santos (PSD): — Vamos, então, ao presente!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … e às propostas concretas que o PAN aqui apresentou e que os senhores fizeram questão de rejeitar.

Propusemos, por exemplo, que se acabasse com a má prática de obrigar os jovens desempregados e os

jovens NEET (not in employment education or training) a terem de aceitar cursos de formação profissional

desajustados ao seu currículo. Qual foi o sentido de voto do PSD? Votou contra, porque vive bem com o

modelo que coloca um recém-licenciado em Economia ou em Direito a ter, por exemplo, cursos de geriatria.

Propusemos que se assegurassem valores mais dignos para as bolsas de estágio do IEFP (Instituto do

Emprego e Formação Profissional) e que reforçassem os incentivos para a conversão de estágios em

contratos sem termo no final dos estágios. Qual foi o sentido de voto do PSD? Mais uma vez, votou contra,

porque não se importa de ver o dinheiro público a ser gasto a alimentar a precariedade do emprego jovem.

Propusemos um programa de estágios na Administração Pública que desse origem a um vínculo estável,

mas o PSD, mais uma vez, votou contra, porque, claramente, não se importa com a necessidade de

rejuvenescer a Administração Pública e de evitar um PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária

dos Vínculos Precários na Administração Pública) 2.0.

Protestos do PSD.

Propusemos, também, que o jovem à procura do primeiro emprego tivesse um período experimental igual

àquele que qualquer outro trabalhador tem. E — pasme-se, Sr. Deputado! — qual foi, mais uma vez, o sentido

de voto da sua bancada? Foi contra!

Sr. Deputado, é por isso que falar sobre os direitos dos jovens, sobre as medidas que estão, nesta altura,

em cima da mesa e que têm de responder aos desafios do nosso tempo não pode ser apenas uma mera

bandeira proclamatória.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, tem de concluir.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, vou concluir já. O que esperamos do PSD, como partido da oposição, é que acompanhe e passe das palavras à ação.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O próximo pedido de esclarecimento cabe ao CDS-PP. Tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Alexandre Poço, permita-me que o cumprimente pelo tema que trouxe e pela forma como o trouxe.

Efetivamente, falar, em Portugal, das novas gerações e dessa renovação é confrontar todo um modelo que

está estabelecido e que inibe, em absoluto, o que possa ser a autodeterminação e a iniciativa de alguém que

seja mais novo, que queira criar o seu projeto de vida, que queira criar riqueza.

Perguntamos o seguinte: para que as novas gerações, em Portugal, tenham condições para se afirmarem,

do que é que precisávamos e não temos? Precisávamos de ter investimento, precisávamos que houvesse

capacidade de ter recursos para investir e para permitir que o projeto de vida de quem é mais novo tivesse

pernas para andar, naturalmente, dependendo da capacidade que cada um, depois, tivesse de se afirmar. De

que é que precisávamos? De uma legislação laboral que facilitasse a contratação, que fosse mais fácil para as

empresas manter não todo um conjunto de direitos adquiridos, mas a possibilidade de dar liberdade a quem é

mais novo de ter espaço, também, para desenvolver os seus projetos.

Podemos confrontar, como o Sr. Deputado fez, o modelo que temos em Portugal com o que existe, por

exemplo, nos países de leste que, como disse ainda há pouco tempo, transpuseram a página da ditadura para

a página da democracia. Sabe qual é a grande diferença? Sr. Deputado, saberá, com certeza, que esses

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países, como tiveram tantos anos de ditadura de esquerda, rejeitam os modelos socialistas, privilegiando a

liberdade. Isto é algo que é fundamental para as novas gerações. Um país com um contexto de liberdade, em

que o Estado não se mete em tudo, em que o Estado não cobra a pequena riqueza que qualquer um, na sua

vida, tem o direito de criar é um país onde, obviamente, os jovens têm mais espaço.

Mas, em Portugal, privilegia-se sempre o modelo socialista, do «Estado-paizinho» e não é disto que os

jovens precisam. Os jovens precisam da sua liberdade para ter o seu próprio projeto e não dessa dependência

do Estado que os socialistas e toda a esquerda querem impor-nos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Deputado, pergunto se temos ou não necessidade de virar, também, essa página do socialismo para a liberdade, que fará com que as novas gerações tenham muito

mais oportunidades de desenvolver os seus projetos de vida.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Alexandre Poço, informo que os pedidos de esclarecimentos, em vez de quatro, passaram a ser cinco. Pergunto se mantém a intenção de responder

conjuntamente aos mesmos.

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem, Sr. Deputado. O próximo pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado Luís Monteiro, do Bloco de Esquerda.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero, antes de mais, cumprimentar o PSD por trazer um tema importante a debate, o tema dos jovens.

Já percebemos que a intervenção foi quase respondida pelo Sr. Deputado João Almeida, que partilha

grande parte das opiniões do PSD. Não sei se temos exatamente um «Estado-paizinho», mas já se percebeu

que o CDS tem um «partido-paizinho», cujo líder, por acaso, até está ausente deste debate.

É importante que pensemos exatamente sobre o que estamos a discutir: políticas de emprego, educação,

acesso à educação e ao ensino superior, combate à precariedade. Muitas vezes, a «bota não bate com a

perdigota» e não vale a pena, sempre que o debate é demasiado difícil de se tornar real por parte do PSD,

falar de uma das suas figuras mais importantes. Não sei se essa mesma figura, hoje, daria a cara, por

exemplo, pelo acordo com o Chega. É uma pergunta importante! Não sei se daria a cara pela precarização

das relações de trabalho que os jovens, neste momento, pagam, e pagam caro. Seria importante perceber

isso! Não sei se daria a cara pela privatização que o PSD tentou fazer sobre parte da educação em Portugal.

Seria importante conhecer a sua posição sobre isto. Mas ele não está cá e, portanto, as pessoas respondem

pelo presente, pelas suas ações, pelas suas posições políticas.

Relembro que, há cinco anos, tivemos um Governo de direita que nos dizia que era impossível baixar

propinas e aumentar bolsas de estudo, mas nós provámos que era possível baixar propinas e aumentar bolsas

de estudo. Quando o Governo de direita dizia que a grande propaganda para o problema do desemprego em

Portugal era, em grande parte, o empreendedorismo, nós dissemos que não, que era mais segurança no

emprego.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Onde é que ele já vai!...

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Portanto, não vale a pena falar…

Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.

Eu sei que o Sr. Deputado João Almeida ou fala pelo Chega ou pelo PSD, mas, neste momento, estou a

fazer uma pergunta ao Sr. Deputado do PSD.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Luís Monteiro, tem de terminar.

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente. Quando falamos de segurança no emprego, não falamos das propostas do PSD, porque as propostas do

PSD para a segurança do emprego são para facilitar, por via fiscal, as empresas. Essas são as mesmas

empresas que continuam a preferir não contratar doutorados em Portugal, por exemplo, que preferem

continuar a utilizar trabalho precário, justamente dos mais jovens.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Monteiro (BE): — Portanto, não se compreende esse rasgar de vestes por parte do PSD quando, na verdade, o que mais fez foi liberalizar o mercado de trabalho em Portugal e dificultar a vida de

muitos e muitos jovens neste País.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O próximo pedido de esclarecimentos cabe à Sr.ª Deputada Maria Begonha, do Partido Socialista.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Begonha (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alexandre Poço, naturalmente não deixamos de saudar o PSD pelo tema que aqui traz, hoje.

Há muito pouco tempo, no debate orçamental, tivemos oportunidade de dizer que, para o Partido Socialista,

este é naturalmente um dos desafios centrais do País, do desenvolvimento do País, do progresso que

queremos e que, dentro do centro do combate à crise económico e social que vivemos, estão os desafios dos

jovens. Falámos e debatemos, justamente, o problema da nossa geração, das gerações mais novas do País e

o facto de, numa curta década, enfrentarem uma segunda crise, que faz com que não seja novidade sermos

um País onde é difícil a emancipação dos jovens. Queremos, justamente, combater percursos adiados, a

dificuldade no acesso à habitação ou o confronto com a subida do desemprego jovem.

Mas, Sr. Deputado, a quem oiça a intervenção do PSD parecerá que o País começou hoje, que os nossos

problemas começaram hoje e que o Partido Social Democrata deu, nos últimos anos, um grande contributo

para resolver os problemas de emancipação dos jovens em Portugal. Sr. Deputado, não preciso de o recordar,

mas a realidade é que, nos últimos cinco anos, ano após ano, foram apresentados, nesta Casa, Orçamentos

que visavam a proteção do emprego. Este último Orçamento visou o maior investimento público para a

acessibilidade à habitação, para a educação e o ensino superior, ou seja, para um conjunto de políticas que o

Sr. Deputado identifica — e muito bem! — como sendo precisas para os jovens deste País.

Quero ouvir o Sr. Deputado, depois de termos ouvido o CDS, mas para nós, como sabe, quando o Estado

faz intervenção, isso é liberdade. A liberdade só se atinge quando o Estado, de facto, tem uma intervenção

pública e um papel para que todos, justamente, possamos tirar os jovens do limiar da pobreza.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Deve estar a brincar! Em que planeta é que vive?!

A Sr.ª Maria Begonha (PS): — Por isso, a pergunta que, naturalmente, tenho de colocar ao Sr. Deputado é a de saber se também entende que precisamos do tal Estado mínimo, que precisamos de recorrer à receita do

PSD ou à austeridade, que precisamos que o Estado social não cumpra o seu papel na intervenção da vida

dos jovens.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Begonha (PS): — Nós consideramos a questão de outra forma e entendemos que aprovámos um Orçamento que responde a muitos destes problemas.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O último pedido de esclarecimento será feito pela Sr.ª Deputada Alma Rivera, do Partido Comunista Português.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Alexandre Poço, o PSD canta bem, mas não alegra e, sobretudo, não convence ninguém.

O Sr. Deputado diz que as novas gerações veem sucessivamente os seus sonhos adiados — e nós

concordamos, é verdade —, veem negados o acesso ao trabalho, à habitação, à educação, à participação

cívica, ao associativismo, à cultura, mas, quando chega a hora da verdade, nenhum jovem pode contar com o

PSD seja para o que for.

Protestos do PSD.

Quando fala nas condições de trabalho dos jovens, esquece-se de dizer que foi o PSD que deu a mão ao

Partido Socialista, que tanto critica, para fazer uma alteração ao Código do Trabalho que duplica o período

experimental para os jovens, tendo contribuído muito para que, hoje, os jovens tenham sido logo os primeiros

a ir para a rua, com uma mão à frente e outra atrás, por estarem no período experimental e por não terem

direitos nenhuns.

Protestos do PSD.

Fala-nos, também, nos jovens que não ganham mais de 700 €, mas vou dar-lhe uma ideia: para aumentar

salários, é preciso que os senhores votem favoravelmente esse aumento, nomeadamente o salário mínimo

nacional. Mas para isso nunca se pôde contar com o PSD!

Quando o Sr. Deputado diz que os jovens portugueses são os últimos, entre os da União Europa, a sair de

casa dos pais, nós concordamos e acompanhamo-lo. Mas, no Orçamento do Estado para 2021, quando

propusemos que o património público fosse canalizado para habitação social e para oferta de rendas

condicionadas e apoiadas, o PSD votou contra e, quando apresentámos a proposta de reforço da verba para o

programa Porta 65, absteve-se.

Protestos do PSD.

É esta a postura do PSD! É com este PSD que as novas gerações podem contar!

Sr. Deputado, chegámos ao fim da sua intervenção sem perceber se a fez por má-fé ou por engano.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder aos cinco pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Poço, do PSD.

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Sr. Presidente, agradeço as questões colocadas pelos Srs. Deputados do PAN, do CDS, do Bloco, do PS e do PCP. Farei um sortido de respostas com aquilo que consegui retirar de

melhor dos pedidos de esclarecimento e que se traduzirá num esforço honesto e humilde para este debate.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN, parecia, por momentos, uma porta-voz do Governo do Partido

Socialista. No entanto, em relação a tudo aquilo que o PAN teve oportunidade de viabilizar neste Orçamento

do Estado, o Partido Socialista não vos atendeu aos temas principais da vida dos portugueses. Tudo aquilo

que era acessório, folclórico ou até, no mínimo, risível, o Partido Socialista disse assim ao PAN: «Toma lá!», e

o PAN viabilizou o Orçamento. Mas o PAN, quando precisa de respostas concretas para a vida dos

portugueses, vira-se para o PSD e pergunta: «Onde está o PSD?»

Por isso, Sr.ª Deputada, devolvo-lhe a pergunta. No próximo Orçamento do Estado, já que consegue

negociar tanto com o Partido Socialista, o PAN poderá substituir o risível pelo concreto e pelo que faz falta?!

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Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Relativamente aos Srs. Deputados que fazem parte das bancadas que governam o País há cinco anos, ou que viabilizam Orçamentos do Estado há cinco anos, gostaria de dizer que

os «amanhãs que cantam» não vêm, de certeza, do comunismo — respondendo à questão da Sr.ª Deputada

sobre se eu canto bem ou mal — e também não vêm, de certeza, das forças à esquerda do Partido Socialista.

O que eu poderia ter feito antes desta minha intervenção era distribuir-vos aquela que seria a vossa resposta.

É que a vossa resposta, sempre que houve um problema nos últimos cinco anos, foi dizer: «Cuidado!». O

Governo PSD/CDS há de ter sido um Governo medieval, porque os senhores, os que estão a governar ou os

que viabilizam Orçamentos do Estado, quando há um problema, seja em que área for da vida dos

portugueses, dizem sempre que a culpa é do passado.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Portanto, os senhores, os que governam e os que viabilizam Orçamentos há cinco anos — desta vez, o Bloco de Esquerda afastou-se, mas, quem sabe, para ensaiar um regresso

futuro!? —,…

A Sr.ª Ana Miguel dos Santos (PSD): — Acabam por voltar!

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — … poderiam ter a capacidade de assumir as vossas responsabilidades e não estarem sempre nos debates, os que ocorreram em 2019 e em 2020, a recordar um período excecional da

vida dos portugueses.

Sabem, Srs. Deputados, ao contrário das vossas bancadas, a bancada do PSD, mesmo quando governou

em tempo de crise, reconheceu sempre as dificuldades e os senhores nunca reconhecem. Quando é para falar

das responsabilidades do presente, naquilo que hoje é difícil, atiram para nós, mas, repito, nós sempre

reconhecemos as dificuldades nos nossos tempos de governação,…

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — … já para não falar daqueles que, quando a crise aperta, são os primeiros a saltar do barco. Mas essas são as companhias que o Partido Socialista escolhe!

Gostaria também de recordar que foi com o acordo do Bloco de Esquerda e do PCP que a proposta do

PSD, no âmbito do Orçamento do Estado, para aumentar os rendimentos dos mais jovens através de uma

alteração ao IRS Jovem foi chumbada nesta Assembleia.

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Uma proposta que permitia que mais jovens se candidatassem ao programa Porta 65 foi também chumbada, com os vossos votos.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Ana Miguel dos Santos (PSD): — Ora bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, quando puder, agradeço que conclua.

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Para não deixar o Sr. Deputado João Almeida sem resposta, direi — e com isto termino — que o PSD acompanha um caminho de desenvolvimento para o nosso País que conjugue

sempre liberdade com igualdade de oportunidades e onde o Estado não esqueça que há pessoas frágeis na

nossa sociedade e há pessoas que têm um contexto socioeconómico que precisa de políticas públicas.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

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O Sr. Alexandre Poço (PSD): — O que o PSD não quer é um Estado omnipresente e que restrinja a liberdade de as pessoas fazerem o seu projeto de vida.

É nesta simbiose de liberdade e igualdade de oportunidades que o PSD vive e governará nos próximos

anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma declaração política, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate sobre a TAP é fundamental para o País. E este não é apenas um debate sobre uma companhia aérea, porque falar da TAP é falar de

estratégia para a economia portuguesa, de milhares de postos de trabalho, de centenas de empresas

nacionais, é falar de conhecimento e tecnologia, é falar de escolhas públicas estruturantes e de uma estratégia

integrada para os transportes.

A TAP é um dos maiores exportadores nacionais, representando cerca de 2% do PIB (produto interno

bruto) português. E, se hoje está em dificuldades porque a aviação civil foi um dos setores mais afetados pela

crise pandémica, há erros que vêm de trás.

Um dos maiores erros foi a privatização feita por PSD e CDS, uma escolha ideológica que se paga hoje

nos buracos das contas da empresa. Mas o Estado também errou quando, pela mão do Governo PS, assumiu

uma posição maioritária no capital da empresa, mas manteve os privados a mandar. Quando a pandemia

chegou, a TAP ainda lutava contra esses erros do passado.

Em junho deste ano, o Governo recusou a proposta de nacionalização da TAP e de auditoria à gestão

privada para, em julho, anunciar a decisão de ficar com 72,5% desta empresa, com um papel na gestão

executiva.

Esta decisão chegou depois de várias semanas de tentativa de negociação com um acionista privado que

nunca teve o interesse público em conta, sabendo já o Governo que um plano de reestruturação estaria em

cima da mesa. Aliás, foi nesse âmbito que o Sr. Ministro das Infraestruturas afirmou, a 16 de junho, que, e cito,

«Os despedimentos não têm de ser inevitáveis. Há várias formas de fazermos uma reestruturação da

empresa. O que ela tem é de ser feita com os sindicatos e há várias formas de fazermos isso.»

Chegados a outubro, o mesmo Ministro anuncia, em audição requerida pelo Bloco de Esquerda, que, afinal,

se previa que saíssem 1600 trabalhadores, contratados a prazo, até ao final deste ano.

Chegados a dezembro, é pela comunicação social que se vai sabendo que a redução do número de

trabalhadores será ainda maior.

Quando se dizia que os sindicatos tinham de ser envolvidos na solução, percebe-se, hoje, que o que foi

apresentado aos sindicatos na passada sexta-feira foi um plano de despedimentos, reduções salariais e

suspensão do acordo de empresa como sendo factos e não como proposta passível de negociação.

Srs. Deputados, imposição não é negociação! Não se chamam sindicatos, que pedem reuniões há cinco

meses, para, na reta final, lhes apresentar despedimentos sem alternativa. Esta imposição é um desrespeito

total pelos princípios básicos de qualquer negociação.

Por isso, estivemos ontem aqui mesmo, à porta da Assembleia da República, com centenas de

trabalhadores da TAP, que exigiam coisas tão simples como transparência, diálogo e proteção dos postos de

trabalho.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Soubemos pelos jornais que o plano de reestruturação prevê o

despedimento de até 3000 trabalhadores, cortes salariais transversais de 25%, redução da frota em 23% e

redução da operação até 50%.

Conhecemos estas intenções ao mesmo tempo que foi anunciada a distribuição da vacina contra a COVID-

19 nas próximas semanas e a IATA, a Associação Internacional de Transporte Aéreo, revê as suas previsões

para a retoma, assumindo um maior otimismo. Também a Eurocontrol fala já de uma recuperação das

operações em 73%, em 2021.

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Perguntamos: não estaremos, então, perante um plano de reestruturação desatualizado, tendo em conta a

evolução da realidade? Não estará o Governo a reestruturar para lá do necessário?

Há meses que exigimos ao Governo uma estratégia para que a TAP possa servir o País, assegurar a

coesão territorial, marcar uma presença efetiva junto da diáspora, assegurar postos de trabalho e não deixar

afundar a riqueza que traz ao País. Percebe-se agora que esse apelo continua atual.

O que quer o Governo para a TAP? Que papel terá na estratégia para os transportes no País?

Há, neste momento, um enorme vazio na resposta a estas perguntas fundamentais. E, pelo contrário, o que

parece nortear as escolhas do Governo é a cedência à pressão de Bruxelas para fazer da TAP uma miniatura

daquilo que é. É assim que se defende o interesse nacional, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas? Isso até pode

interessar às restantes companhias aéreas europeias, mas não interessa, seguramente, ao País!

É incompreensível que o plano de reestruturação não seja, neste momento, conhecido. Sendo uma

empresa tão importante e tendo o apoio público a dimensão que tem, não podemos aceitar que estas decisões

sejam tomadas sem o devido escrutínio público, sem a garantia de que se está a proteger ao máximo o

emprego desta empresa e o seu futuro.

O Governo prometeu incluir os sindicatos na negociação e não cumpriu, assim como prometeu que o plano

de reestruturação seria debatido, mas a data para a sua entrega em Bruxelas aproxima-se rapidamente e não

se conhece o documento.

Não podemos aceitar que assim seja pelos milhares de trabalhadores e respetivas famílias, nem podemos

aceitar que assim seja pelo peso que a TAP tem na economia portuguesa e nas exportações, o que será

fundamental para a retoma da economia portuguesa.

Por isso mesmo, exigimos que o Governo venha ao Parlamento apresentar o plano de reestruturação, em

tempo útil, para que seja escrutinado. Entregámos, hoje mesmo, um requerimento potestativo, e com caráter

de urgência, para que o Sr. Ministro das Infraestruturas seja ouvido na Comissão.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há demasiadas dúvidas no ar sobre os critérios subjacentes às escolhas

no plano de reestruturação e à forma como está a ser conduzido. O País, os trabalhadores e a democracia

merecem explicações e toda a informação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Salvo inscrições de última hora, que não deveriam ocorrer, mas que, pelo tocar do telefone, estão a ocorrer, a Mesa regista a inscrição, para pedir esclarecimentos, de

três Srs. Deputados.

Como pretende responder, Sr.ª Deputada Isabel Pires?

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sendo assim, o primeiro pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL) — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Pires, trouxe a debate um tema importante. Infelizmente, temos dito, desde o princípio, que a TAP vai ser o Novo

Banco dos anos que aí vêm. E, ainda por cima, ao contrário do Novo Banco, a TAP não tem limite do que

pode custar aos contribuintes.

Sr.ª Deputada, da sua intervenção, fiquei sem perceber qual é a surpresa. Temos dito desde o princípio

que a TAP vai custar aos contribuintes «mundos e fundos» e vai custar, sem que isso se represente, a

manutenção dos postos de trabalho, a manutenção da capacidade exportadora ou qualquer outra coisa.

Portanto, Sr.ª Deputada, tenho duas questões para si.

Primeira, qual foi o argumento utilizado pelo Governo, quando nacionalizou ou renacionalizou a TAP, que a

convenceu? Foi a importância incontornável da TAP para o turismo, ignorando que a maior parte do

crescimento do turismo na última década foi assegurado por outras transportadoras? Foi a importância da TAP

para as exportações, ignorando o seu papel ainda mais importante para as importações? Foi o papel da TAP

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como garante de postos de trabalho, ignorando que 2600 já desapareceram e o plano de reestruturação prevê

mais uns milhares de cortes de postos de trabalho? Foi a importância da TAP para a coesão nacional,

ignorando que a primeira revisão de rotas reservou para Porto e Faro, como origem ou destino, três rotas, num

total de algumas dezenas? Qual foi o argumento que a convenceu? Se não foi nenhum destes, só sobra um: o

vosso proverbial ódio a qualquer coisa que seja privada.

Segunda curiosidade, não sei que valor é que o Bloco achava que a TAP ia custar aos contribuintes, mas

vamos admitir que são os 1700 milhões de euros que já estão comprometidos e que não são os 4000 milhões

de euros que os sindicatos dizem que vão ser necessários. A pergunta muito simples que tenho para colocar é

a seguinte: se forem esses 2000 ou 3000 milhões, quais são, concretamente, as despesas e os serviços

públicos que o Bloco de Esquerda advoga que se vão cortar para suportar a TAP ou, se não quiser cortar

nada, quais são os impostos que vai advogar que subam para pagar a TAP?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado, se fizer favor.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL) — Perante esta realidade, os portugueses têm o direito de saber o que defende o Bloco de Esquerda, isto é, que impostos quer aumentar ou que serviços públicos querem

cortar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Afinal, são quatro e não três os Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos, os quais terão resposta conjunta da Sr.ª Deputada Isabel Pires.

O próximo pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado Carlos Silva, do PSD.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda, com peso na consciência e numa espécie de «desculpa de mau pagador», traz-nos aqui hoje um debate relevante e

preocupante, que é o processo tortuoso de reestruturação da TAP.

Refiro «desculpas de mau pagador» porque também tem responsabilidades neste negócio ruinoso para os

portugueses, negócio esse que teve lugar em 2016, na renacionalização da TAP. Foi com o vosso apoio!

O Governo fundamentou este negócio desastroso com base no interesse nacional, mas, verdadeiramente,

o que aconteceu foi a imposição da cartilha ideológica da geringonça. E, por isso, insisto: os senhores à

esquerda do Parlamento são responsáveis por esta situação na TAP!

Sr.as e Srs. Deputados, os sindicatos acusam o Governo de não terem sido ouvidos e de falta de

informação. Os sindicatos acusam, ainda, o Governo de manipulação de dados e uso de números

contraditórios, e, por isso, interpuseram uma providência cautelar a pedir o acesso a toda a informação de

gestão.

O Governo está a conduzir este processo de forma pouco clara, sem que os portugueses percebam o que

se vai passar no futuro da TAP. Os sindicatos têm toda a razão nas queixas da falta de transparência. A

própria Assembleia da República não conhece o teor deste plano. O Ministro, já várias vezes chamado ao

Parlamento, não prestou qualquer esclarecimento. O que obtivemos foi um folclore de propaganda por parte

do Ministro a tecer loas ao negócio, dizendo que agora são os portugueses a pagar e, por isso, mandam.

Mandam, mas não sabem que mandam, nem por que mandam.

Sr.as e Srs. Deputados, o que se está a passar nas costas dos portugueses e dos trabalhadores da TAP é a

preparação de um programa em que apenas se conhecem as consequências desastrosas para os

trabalhadores. Lamentavelmente, o plano tem sido apresentado a conta-gotas, utilizando os sindicatos para

dar as más notícias ao País. Isto é, claramente, um péssimo exercício para que se consiga um plano

sustentável, mas também um mau sinal para a democracia.

Nessas circunstâncias, deixo uma pergunta ao Bloco de Esquerda: não acham que, de uma vez por todas,

os portugueses, porque mandam, devem saber com clareza o que se passa com o dinheiro dos contribuintes

que vai ser utilizado na TAP?

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Cabe, agora, a palavra ao Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP, também para pedir esclarecimentos.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Pires, a TAP é uma das mais importantes empresas de Portugal. E se os custos inerentes à viabilização e desenvolvimento da

empresa são consideráveis, os prejuízos para o País de uma eventual destruição da TAP seriam

incomparavelmente maiores.

O Sr. Carlos Silva (PSD): — Não está demonstrado!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ora, num contexto particularmente difícil para a TAP, é inaceitável que a solução seja a de condicionar a defesa da companhia aos ditames de Bruxelas com um plano de

reestruturação que já deixa à vista consequências intoleráveis para o Grupo TAP e os seus trabalhadores.

Depois das promessas do Governo de manter a TAP como empresa estratégica e com a sua dimensão,

vem agora a público que este plano de reestruturação aponta para mais redução do número de trabalhadores,

na ordem dos milhares — para além de todos os que nos últimos meses saíram por não renovação de

contratos —, reduções salariais, ataque à contratação coletiva. Os trabalhadores são olhados como as peças

descartáveis nesta crise quando, na verdade, são indispensáveis para a retoma da TAP.

Este caminho é inaceitável e o Governo tem de ser responsabilizado se este plano de destruição avançar.

Não admira que alguns venham clamar «deixem a TAP afundar-se!». É que enquanto a TAP e os seus

trabalhadores enfrentam estas supostas inevitabilidades de cortes operacionais, destruição de emprego e de

direitos, enquanto isso, os interesses das multinacionais vão aproveitando para ocupar o terreno.

Hoje mesmo, dia 3 de dezembro, uma dessas transnacionais, pseudo-low-cost — aliás, com presença em

Portugal — e com um cadastro vergonhoso de violação de direitos, anunciou a encomenda de mais aeronaves

para um total de 210 novos aviões. É isto que está a acontecer!

Por isso, Sr.ª Deputada, pergunto-lhe: não concorda que o País não pode ter apenas uma visão de

conjuntura para a companhia aérea de bandeira? Não considera que é indispensável planear e assegurar

capacidades, para além das restrições do momento?

É indispensável que os trabalhadores sejam envolvidos no plano de reestruturação; que não existam cortes

de pessoal ou a redução dos seus direitos; que não sejam alienados serviços; que o Governo, representando

o Estado como acionista maioritário, se responsabilize por este processo e não permita que se tome um

caminho de redução da TAP, de destruição ou de ataque aos trabalhadores e aos seus direitos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O último pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado Carlos Pereira, do Partido Socialista.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, queria, antes de mais, agradecer à Sr.ª Deputada Isabel Pires pela intervenção e pelo facto de ter trazido um tema tão relevante como é o caso da TAP.

Gostaria de dizer que, no quadro da sua intervenção, o Partido Socialista está de acordo com grande parte

das questões que colocou.

Não vale a pena estarmos a aprofundar muito a questão da privatização feita pelo PSD/CDS — aliás, feita

a mata-cavalos, à 25.ª hora, por razões que ainda estão, hoje, por explicar —, vamos deixar isso de lado. Já

todos sabemos o que se passou e digamos que a solidez financeira da TAP só foi recomposta depois da

recompra, na sequência dessa privatização.

Mas estamos de acordo relativamente à questão que referiu, a da importância para a estratégia da

economia portuguesa, estamos de acordo que não podemos prescindir do impacto e do contributo que a TAP

tem para o PIB no quadro das exportações portuguesas; estamos de acordo que não podemos prescindir da

criação de trabalho, da questão das compras feitas às empresas nacionais. É um conjunto de variáveis

significativas que, do nosso ponto de vista, são muito importantes, pelo que o Grupo Parlamentar do Partido

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Socialista, o Partido Socialista e o Governo não têm nenhuma dúvida sobre a razão pela qual tivemos de fazer

esta intervenção na companhia.

Devo dizer, igualmente — e também estamos de acordo —, que a aviação civil passa, porventura, por um

dos piores momentos da sua história. Sabemos todos isso. E sabemos todos que, no quadro europeu, todos

os países estão a fazer intervenções volumosas, porventura muito mais volumosas do que a da TAP — o Sr.

Deputado do Iniciativa Liberal com certeza que sabe isso. Por exemplo, no caso da Lufthansa, o Estado

alemão investe 550 milhões de euros por mês; no caso da França, são 400 milhões de euros; 550 milhões de

euros é o investimento para a British Airways e Iberia; 260 milhões de euros para a Ryanair, etc. Ou seja,

estamos a falar de intervenções poderosíssimas que estão a ser feitas e não sabemos se haverá uma

segunda ronda de intervenções, tendo em conta a perspetiva para a aviação civil.

Tudo isto é muito complexo e não pode ser aligeirado, conforme tenho ouvido aqui ao lado.

Aliás, devo dizer, entre parêntesis, que achei muita graça que, neste debate, o PSD, por um determinado

Deputado, tenha dito «ai, ai, ai, não se fale do passado», mas, em relação a um outro tema, outro Deputado

do PSD venha lembrar o passado que foi feito pelo PS, como se isso fosse uma justificação para tudo.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir, se fizer favor.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — É o paradoxo habitual do PSD.

Protestos do PSD.

Sr. Presidente, a terminar, queria fazer uma pergunta.

Digamos que o nos divide é a intervenção que o PS fez na TAP e aquilo que o Bloco de Esquerda gostaria

que fizesse, que era uma nacionalização, e a Sr.ª Deputada sabe que uma nacionalização sairia mais cara ao

País.

A pergunta é a seguinte: numa companhia aérea que estava preparada e dimensionada para transportar 17

milhões de passageiros, com as quedas significativas que estão previstas, de mais de 60% para o ano, e com

a recuperação prevista só para 2025, como é que acha que a nacionalização, per si, resolveria este problema

enorme?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Nacionalizar significa que, de repente, a companhia passa a adaptar-se a um mercado que não existe, como estes que acabei de referir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, queria agradecer aos quatro Srs. Deputados que colocaram questões, porque, de facto, estamos perante um tema absolutamente essencial para a economia portuguesa,

tanto mais quando se fala, cada vez mais, na retoma da economia portuguesa. E, se há coisa que é bastante

clara para todos — bem, não é para todos, para o Iniciativa Liberal isto não é claro! —, é o de que a TAP é um

fator essencial para a retoma da economia portuguesa, é a maior exportadora, representa 2% do PIB

português.

Protestos do Deputado do IL João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo falou-nos do Novo Banco, depois de ter sido o único Deputado

que pertence ao partido que se opôs a esperar pela auditoria ao Novo Banco.

Protestos do Deputado do IL João Cotrim de Figueiredo.

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Fica aqui a hipocrisia do Iniciativa Liberal sobre qual é o papel que o Estado deve ter na economia!

O Sr. Jorge Costa (BE): — O Estado é bom para salvar bancos!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Para salvar bancos, sim, senhor — aparentemente, o Sr. Deputado até deve ser o único que conhece o limite daquilo que vai lá parar —,…

Protestos do Deputado do IL João Cotrim de Figueiredo.

… para ajudar, efetivamente, uma empresa que tem um papel essencial na economia portuguesa já acha

que não.

Portanto, desse ponto de vista, o Iniciativa Liberal continua como sempre esteve neste debate, que é fora

dele e fora das soluções para Portugal.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Relativamente ao PSD, Sr. Deputado Carlos Silva, em 2016, a posição que o Bloco de Esquerda tomou é a mesma que toma hoje e que sempre tomou no que se refere à privatização —

não só esta, mas também em relação a outras privatizações.

Aquilo que deveria ter sido feito na altura era, de facto, uma nacionalização. E não pode ser escamoteado

que a privatização feita pelo Governo PSD/CDS, em 2016, ainda hoje levanta muitas dúvidas. O contrato que

foi feito ainda hoje está a levantar questões, nomeadamente quando o Governo agora decidiu obter 72,5% da

empresa.

Portanto, os alertas relativamente à privatização da TAP, da nossa parte, sempre foram dados e sempre

questionámos a forma como a empresa estava a ser gerida.

Mas, Sr. Deputado Carlos Pereira, ligando a esta questão da gestão privada, é importante reconhecermos

que, já depois da tomada de decisão, em julho, de uma tentativa de renacionalização — não na totalidade —

da TAP, o Governo manteve um tipo de gestão exatamente igual ao que estava a acontecer durante a gestão

privada. Isso foi um erro e, como bem saberá, apontámo-lo por várias vezes, nesta Casa.

Durante todos estes meses, nomeadamente desde março/abril, assistimos ao despedimento — porque, na

verdade, é isso que está em causa — de milhares de trabalhadores na TAP.

Não houve qualquer intervenção por parte do Governo relativamente à linha que vinha da gestão privada

para aquilo que aconteceu durante os últimos meses, desde julho. Não houve alteração. E nós sempre

questionámos e várias vezes requeremos que o Ministro viesse à Comissão para responder por isso, e

ficámos sem resposta.

Para terminar, Sr. Presidente, direi o seguinte ao Sr. Deputado Bruno Dias: é verdade que precisamos de

pensar a TAP para a retoma, para o futuro, não do ponto de vista conjuntural, mas para a estratégia de fundo

e de longo prazo que queremos para a economia portuguesa, que queremos para os milhares de postos de

trabalho, diretos e indiretos, que estão associados à TAP e que, neste momento, estão claramente em causa.

Uma última palavra: aquilo que dissemos, e cujo requerimento apresentámos na Comissão de Economia,

foi que o Governo não podia dizer que ia incluir — porque tem, obrigatoriamente, de incluir! — as organizações

representativas dos trabalhadores neste processo e não o fazer.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Neste momento, há milhares de trabalhadores que estão perante uma proposta de despedimento sem qualquer alternativa, e isso não pode ser aceitável.

Por isso, esperamos que o Ministro, finalmente, venha ao Parlamento e dê as explicações necessárias ao

País.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos à última declaração política desta tarde, a qual cabe ao Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal, que já se apresta a vir à tribuna para a

proferir.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate orçamental que terminámos na semana passada foi mais um exemplo de como esta Casa está cada vez mais tomada por uma

visão coletivista da sociedade, uma visão em que as pessoas contam menos do que o Estado.

O Governo socialista negociou com os outros partidos coletivistas a aprovação de um Orçamento para um

país mais coletivista: a política económica põe o Estado à frente das pessoas; a política social sujeita as

pessoas à dependência do coletivo e impede-as de escolher; e a política externa branqueia o coletivismo

opressor chinês, enquanto abraça o coletivismo autoritário húngaro.

O desprezo pela natureza humana, com a crescente submissão do indivíduo a um grupo, seja ele uma

classe, uma maioria étnica ou o Estado, tem, nesta Casa, cada vez mais defensores, de ideologias diferentes

e, muitas vezes, até opostas.

Por outro lado, a crença no indivíduo e na liberdade tem sofrido ataques que vêm um pouco de todo o lado:

o Bloco de Esquerda e o PCP dão vazão ao seu ódio pelos privados e querem nacionalizar tudo e, na prática,

expropriar quem é privado; o Chega quer proibir as pessoas de filmarem certas coisas, ao mesmo tempo que

assume, com o seu discurso e nas suas propostas, a discriminação étnica; o PAN quer intrometer-se no que

as pessoas comem; o CDS quer drones a vigiar as pessoas nas praias; o PSD apoia restrições de horários

sem sentido, que estão a levar dezenas de milhares de pessoas da restauração, alojamento e eventos ao

desemprego; e o Governo do PS queria que cada pessoa fosse obrigada a ter uma certa app no telemóvel.

Não conseguiram; mas conseguiram outras aberrações limitativas, como proibir aulas online ou comer pipocas

nos cinemas.

Ao abrigo do estado de emergência, aquilo a que estamos a assistir é à emergência do Estado, utilizando o

medo, que o próprio Estado fomenta, para atropelar direitos e para exercer um poder desproporcionado sobre

a vida das pessoas.

O Iniciativa Liberal está contra esta visão coletivista. Para nós, é a cada pessoa que cabe decidir e escolher

o rumo que quer dar à sua vida.

Quando o Iniciativa Liberal defende uma maior mobilidade social, a possibilidade de uma pessoa ter reais

oportunidades para sair da pobreza e subir na vida, como acontece noutros países europeus, estes coletivistas

dizem: «Isso é demasiado ambicioso.» Mas não os preocupa que Portugal possa terminar o ano de 2020 mais

perto do nível de vida da Bulgária do que da média europeia.

Quando o Iniciativa Liberal defende a possibilidade de um jovem começar a sua vida profissional sem

sufocar sob uma carga fiscal e uma burocracia asfixiantes, estes coletivistas dizem: «Isso é muito

individualista.» Mas não os preocupa que Portugal ocupe os últimos lugares do ranking da competitividade

fiscal.

Quando o Iniciativa Liberal defende a possibilidade de um indivíduo escolher para onde quer descontar

para a sua reforma, qual o hospital em que quer ser tratado e qual a escola para os seus filhos, estes

coletivistas dizem: «Isso é muito egoísta.» Mas não os preocupa que Portugal seja um país onde quase não

há liberdade de escolha nos serviços públicos, parecendo que o Estado tem de financiar, prestar e decidir

tudo.

Mas o Estado não tem de decidir tudo sobre a vida das pessoas. Basta olhar para os outros países

europeus para perceber que não tem mesmo.

Noutros países, os pais podem escolher a escola dos seus filhos, sem terem de ficar presos à escola do

seu código postal. Por cá, o Iniciativa Liberal propôs que mais famílias pudessem fazer o mesmo com os

contratos simples e de desenvolvimento. A medida foi rejeitada, com votos contra do PS, do BE e do PCP e

abstenções do PAN e até do PSD.

Noutros países, a resposta à crise foi baixar impostos a empresas e famílias. Por cá, o Iniciativa Liberal

propôs baixar o IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares), baixar o IVA (imposto sobre o valor

acrescentado) da restauração, baixar o IRC, suspender os pagamentos por conta, diminuir as burocracias para

as empresas, acabar com o IMT (imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis) para a

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primeira habitação e a eliminação do adicional ao IMI (imposto municipal sobre imóveis) e de variadas taxas.

Todas estas medidas foram rejeitadas pelos coletivistas de serviço.

Noutros países, as pessoas podem escolher se querem ser atendidas num serviço de saúde público ou

privado. Por cá, o Iniciativa Liberal propôs o alargamento do SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos

para Cirurgia) e do SIGA SNS (Sistema Integrado de Gestão do Acesso), para que os portugueses pudessem

recorrer aos setores privado e social para recuperar as suas cirurgias e consultas em atraso. A medida foi

chumbada pela esquerda.

Noutros países, existe uma provedoria da criança e, por cá, o Iniciativa Liberal propôs um provedor-adjunto

exclusivo para a defesa dos direitos das crianças. A medida foi chumbada pelo PS, com abstenções do PSD,

do PCP, do BE e do PAN. Repare-se bem: no mesmo Orçamento em que as negociatas do PS levaram à

aprovação do Provedor do Animal, foi chumbado o Provedor da Criança.

O Iniciativa Liberal sempre será o partido da liberdade, o partido das pessoas e não do coletivo. Há

demasiados partidos a quererem ser o partido do Estado, esse grande coletivo que, em vez de servir as

pessoas, se serve a si próprio, com o único objetivo de aumentar, sempre aumentar, o seu poder sobre as

pessoas. Por isso, engana e mente, tentando fazer alguns acreditar na mentira de que há bens e serviços

gratuitos, como se alguém não tivesse pago ou não viesse a pagar quando o Estado nos dá aquilo que não é

seu.

O Iniciativa Liberal acredita na individualidade de cada pessoa, que contempla a livre associação e ajuda a

outros, coisa bem distinta do isolacionismo ou do egoísmo. Acreditamos na ordem espontânea que as

escolhas livres das pessoas criam.

Nessa ordem espontânea e livre, eis, então, o papel que um Estado liberal deve ter: proteger, em primeiro

lugar, as liberdades e os direitos das pessoas, mas garantir que os mais necessitados e os mais vulneráveis

tenham uma rede de segurança que os apoie. Não é por acaso que são os países mais liberais que têm esta

rede de segurança mais forte. É porque nesses países se cria a riqueza suficiente para que essa ajuda seja

efetiva.

No Iniciativa Liberal, não acreditamos em coletivismos, em paternalismos ou em messianismos.

Acreditamos nos portugueses: em cada português que trabalha, que empreende, que estuda, que se esforça,

que cuida, que faz as suas escolhas; nos jovens irreverentes, nos criativos, nos que arriscam; nos mais

vulneráveis que temos de proteger, nos doentes que sofrem com a teimosia ideológica do Governo.

Acreditamos nas pessoas que se envolvem na vida cívica e respeitam e defendem os valores da liberdade e

da democracia.

Acreditamos em todos os portugueses, mas nunca esquecemos que cada um é diferente. Cada um é

diferente em tudo, menos nisto: todos merecem um Portugal que lhes proporcione iguais oportunidades. Todos

merecem poder aproveitar essas oportunidades em liberdade.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos, aos quais o Sr. Deputado, segundo informou a Mesa, responderá em conjunto.

Para o efeito, tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria cumprimentar o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, que fez da tribuna um discurso que quase parecia um comício do Iniciativa Liberal

em tempos de confinamento. E permita-me que lhe diga, Sr. Deputado, que terá «misturado alhos com

bugalhos», porque ouvi-o fazer algumas caricaturas sobre o que, do seu ponto de vista, seriam outros partidos

e posso dizer-lhe apenas o seguinte: é com muita alegria que eu, como alguém do CDS, vejo aparecerem

outros partidos no espectro político a defenderem o mesmo que nós defendemos, não há anos mas há

décadas.

Porém, também gostava de lhe dizer que não dei, nem darei, lições de moral a ninguém. Mas, num partido

como o meu, que apareceu e se afirmou debaixo de bala e sob cerco, também não receberei de certeza lições

de liberdade e de liberdade individual de rigorosamente ninguém.

Sobre essa matéria, o Iniciativa Liberal faria melhor em aprender com o CDS do que imaginar que nos vem

agora dar lições, depois dos nossos 40 anos construídos debaixo de cerco e debaixo de bala.

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E gostava de lhe dizer, porque acredito numa alternativa para Portugal e numa alternativa do espaço não

socialista, que os partidos desse espaço não socialista e os partidos à direita devem procurar aquilo que os

une e aquilo que podem pôr em prática.

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Está enganada!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Portanto, o desafio que aqui lhe deixo tem a ver com duas matérias fundamentais. Em primeiro lugar, acreditamos ou não acreditamos que Portugal não está condenado a estar

sistematicamente nos últimos lugares de crescimento da Europa? E acreditamos ou não acreditamos que isso

se faz com iniciativa privada, com respeito pelo trabalho, com legislação laboral mais flexível e com um

sistema fiscal mais competitivo? Se sim, vamos a isso e construiremos de certeza propostas nesse sentido.

Em segundo lugar, outra matéria em que estamos certamente de acordo é na «via verde para as cirurgias»,

como propôs o CDS. Ou seja, têm os doentes de ficar à espera da ideologia ou podem ser tratados por quem

querem ao mesmo preço?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Creio que nestas matérias podemos encontrar concordância, em vez de estarmos a caricaturar divergências.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Fernando Anastácio, do Partido Socialista.

O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cotrim de Figueiredo, ali na tribuna, o Sr. Deputado fez-me lembrar a rábula daquele casal que circula na autoestrada e em que a mulher diz para o

marido: «Querido, eles vão todos em sentido contrário, estão todos fora de mão». Ora, parecia precisamente

isso o que o Sr. Deputado ali estava a fazer. Ou seja, todos nós na sociedade, nos diferentes espectros

políticos, estamos errados; o Sr. Deputado Cotrim de Figueiredo e o Iniciativa Liberal é que estão certos.

Risos da Deputada do PS Maria Antónia de Almeida Santos.

Sr. Deputado, a vida não é assim, o sol não gira em torno da terra, é precisamente o contrário. E, já agora,

a respeito de Orçamento, porque é o tema, a única coisa que registei de relevante por parte do Iniciativa

Liberal foi aquela famigerada proposta — recorda-se, Sr. Deputado? — da taxa de 15% em IRS para todos e

que, depois, já era de 15% e de 27,5%. E tinha como objetivo o quê? Todos nos recordamos: era que aqueles

que têm elevados rendimentos tivessem uma grande borla fiscal e que aqueles que pagam pouco pagassem

mais.

Recordo-me perfeitamente dessa perspetiva das propostas de alteração ao Orçamento do Iniciativa Liberal.

Disso recordo-me perfeitamente, porque essa ficou, como fica aquele ódio permanente ao setor do Estado,

quando diz «retire-se dinheiro, não se ponha mais dinheiro no Estado, não se utilize o dinheiro dos impostos

no Serviço Nacional de Saúde, nem na escola pública».

E porquê? Porque a cartilha é a cartilha do privado, ou seja, a de um Estado fraco, para que não seja

necessário, e para que a resposta seja sempre aquela dos sistemas que defende, em que, quando se chega a

um hospital, a primeira pergunta que se faz ao doente é «onde está o seu seguro de saúde?» ou «onde está o

seu cartão de crédito?».

Em Portugal não é assim, Sr. Deputado Cotrim de Figueiredo. E essa é a nossa diferença! É a diferença de

um sistema que valoriza a componente social, que valoriza a escola pública, que valoriza o Serviço Nacional

de Saúde, que valoriza, inclusive, o apoio às empresas, àquelas empresas que reclamam, e bem, os apoios

do Estado numa situação como esta. Esta é a nossa diferença, Sr. Deputado!

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Por isso, o PS e esta maioria governam e o Sr. Deputado, neste caso concreto, o Iniciativa Liberal, tem só

um mandato na Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do IL.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, agradeço as perguntas da Sr.ª Deputada Cecília Meireles e do Sr. Deputado Fernando Anastácio.

Sr.ª Deputada Cecília Meireles, vamos começar por aquilo que é mais fácil. Com certeza que Portugal não

está condenado a ser o último em todos os rankings de desenvolvimento e com certeza que a «via verde para

cirurgia» é uma medida que nos une.

Mas deixe-me também dizer-lhe, Sr.ª Deputada, o seguinte: eu não vim dar lições a ninguém, vim chamar a

atenção para o facto de que, em Portugal, e gradualmente, há cada vez menos pessoas a defender as

liberdades individuais. Encara-se com cada vez mais naturalidade a instauração de estados de emergência, as

limitações de liberdades individuais, as limitações de direitos, como se fosse tudo justificável pelo medo, pela

doença ou por qualquer outra coisa.

É altura de alguém o dizer — e não é por ter superioridade moral, é talvez por ser mais novo e vir de fora e

poder ver isto com naturalidade.

Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles e da Deputada do PS Maria Antónia de Almeida

Santos.

Muito obrigado por quererem recordar-me da minha idade, mas referia-me, como sabem, à idade política e

à idade do mandato.

Sr. Deputado Fernando Anastácio, relativamente àquilo que disse, fico sempre impressionado quando o PS

— e outras forças, mas o PS com muita frequência — sente necessidade de deturpar as posições do Iniciativa

Liberal para nos atacar. E é um pouco contraditório dizer que somos pequeninos, somos só um — com três

anos de idade, também não sei quantos Deputados teria o Partido Socialista… —, e ter necessidade de

deturpar as nossas posições. Se somos tão pequeninos, por que razão tem necessidade de deturpar as

nossas posições?

Em primeiro lugar, a taxa única de IRS não é invenção do Iniciativa Liberal, existe em muitos países da

Europa, que, quando não têm uma, têm duas taxas, coisa que também propusemos este ano, na tal lógica

gradualista, onde esse «bolo» aos ricos, de que o Sr. Deputado fala, não existe. E, mais, o grande objetivo de

uma taxa única de IRS não é só reduzir para todos, sem exceção, a sua carga fiscal, é simplificá-la, porque a

simplificação fiscal tem, em si própria, um valor.

Em segundo lugar, a taxa única de IRS tem uma utilidade absolutamente inestimável na retenção de

talento jovem, em Portugal. Essas contas estão feitas, mas nesta resposta não tenho tempo para o

demonstrar. Mas aquilo que um empregador tem de pagar a um jovem qualificado que esteja no segundo ou

no terceiro ano da sua carreira em Portugal é incomensuravelmente mais do que o que um empregador terá

de pagar nos países para onde ele opte por emigrar.

Portugal não se pode dar ao luxo de perder essas pessoas. E tanto é assim que o Partido Socialista tomou

a iniciativa, no Orçamento do Estado do ano passado, de inscrever o Programa Regressar, onde há

exatamente descontos de IRS para jovens. Há ou não há? E porquê? Porque reconhece que o IRS para

jovens é um problema.

Mas a deturpação maior que faz é no Serviço Nacional de Saúde. Sempre que falo em saúde, vem alguém

dizer-me que nos Estados Unidos da América as pessoas morrem à porta dos hospitais. Mas em que é que o

sistema e o modelo de saúde do Iniciativa Liberal são parecidos com o sistema americano?! Em quê?!

Protestos do Deputado do PS Fernando Anastácio.

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Em nada! Nada! A resposta é: nada! Os senhores são peritos na deturpação.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Isso não é ordem espontânea!?

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — E já vos disse uma vez: se não têm internet, empresto-vos um modem. Vão ver, está no site!

Agora, quero dizer ao Partido Socialista para fazer essa deturpação com menos frequência. Não vale a

pena. A nossa ideia para o sistema de saúde, e não só para o Serviço Nacional de Saúde, é completamente

diferente,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — … é baseada em escolhas livres de pessoas, para que possam recorrer aos vários prestadores de saúde, com benefício para os prestadores de saúde que podem planificar a

sua atividade e, sobretudo, com benefício para os doentes e para as pessoas que, preventivamente, possam

precisar de recorrer ao serviço de saúde.

Mas havemos de ter tempo para falar nessa proposta em concreto, sem necessidade de deturpar as

posições do Iniciativa Liberal.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminado o primeiro ponto da ordem do dia, que constava de declarações políticas, passamos ao segundo ponto, em que iremos apreciar a Petição n.º 5/XIV/1.ª (FENPROF

— Federação Nacional de Professores) — Em defesa da sua dignidade profissional, os professores exigem

respeito pelos seus direitos, justiça na carreira, melhores condições de trabalho, conjuntamente com os

Projetos de Resolução n.os 653/XIV/2.ª (BE) — Pela valorização da carreira docente, 660/XIV/2.ª (PCP) —

Valorização dos professores e educadores e melhoria das suas condições de trabalho e 716/XIV/2.ª (PEV) —

Atribuição de direitos devidos aos professores.

Para apresentar a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana

Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, saudar os 13 903 peticionários e também a FENPROF, aqui presente, por esta petição, com reivindicações que pretendem

resolver os problemas dos professores, mas, sobretudo, responder aos problemas da escola pública,

reclamando respeito pela carreira, tendo em conta não só o tempo de serviço mas também o direito dos

professores a subir na carreira e a aceder a todos os escalões, reclamando um regime de aposentação, o

respeito pelos horários, um regime de concursos que seja justo e o direito à negociação.

Estas propostas resolvem todos os problemas da escola pública? Certamente que não. Mas ajudam a

resolver um problema essencial, estrutural e estratégico para o futuro da escola pública, que é a falta de

professores, a falta de centenas de professores, o que, neste momento, afeta mais de 30 000 alunos em todo

o País e que não é um problema pontual, como o Governo insiste em dizer.

É um problema que se vai repetindo no território, e que se vai repetir cada vez mais, e que só o Governo

entende que não é estrutural, porque está à vista de todos. E é um problema que vai afetar cada vez mais as

escolas, porque a falta de professores decorre de três questões fundamentais: do envelhecimento da classe

docente, da precariedade e da degradação da carreira docente. Estes três problemas não são circunstanciais,

nem pontuais, são problemas que existem, que estão a aprofundar-se e que têm de ser resolvidos.

É verdade que a maioria dos horários que ficam vazios são horários incompletos. Mas isso acontece

porque o Governo põe nas costas dos professores a resolução dos problemas da escola pública. O que o

Governo diz aos professores é para pagarem para trabalhar, porque qualquer professor que aceite algum

destes horários aquilo que terá de fazer é pagar para trabalhar.

Há várias maneiras de resolver estes problemas, nomeadamente o dos horários incompletos. É transformar

os horários incompletos em horários completos, é alterar os intervalos dos horários, para que os concursos

deixem de ser uma lotaria e a vida dos professores uma roleta russa; garantir o acesso a descontos e à

segurança social por inteiro.

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Mas o Governo não tomou nenhuma destas medidas. A verdade é que chegámos a um ponto em que o

futuro da escola pública depende de atrair docentes e professores para o sistema e isso implica três coisas:

vincular os que estão precários, controlar as saídas daqueles que estão mais velhos e valorizar a carreira para

atrair os mais jovens.

É isto que o Bloco de Esquerda procura fazer, em primeiro lugar, reconhecendo o direito à carreira e

reconhecendo o tempo de serviço por inteiro; em segundo lugar, reclamando um regime de concursos justo

que dê acesso aos 4.º e 6.º escalões, como os professores têm direito, e que acabe com as ultrapassagens;

em terceiro lugar, incluindo um programa de rejuvenescimento que tenha também um regime de aposentação

justo que permita a pré-reforma e a substituição de gerações nas escolas; em quarto lugar, defendendo o

respeito pelos horários e pela diferenciação entre componente letiva e não letiva; e, em quinto lugar, travando

um combate efetivo à precariedade docente.

Estas são matérias que o Governo tinha obrigação de negociar com os sindicatos, mas, pela recusa do

Governo em se sentar à mesa com os sindicatos, o Parlamento tem o dever e o direito — mas sobretudo o

dever — de dar respostas aos problemas da escola pública.

O Bloco de Esquerda apresenta este projeto, temos abertura para o discutir, temos abertura para discutir

aqui no Parlamento a resposta para os problemas da escola pública.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Em nome do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP começa por saudar a FENPROF, aqui presente nas galerias, e os mais de 13 000 subscritores da petição intitulada «Em defesa da

sua dignidade profissional, os professores exigem respeito pelos seus direitos, justiça na carreira, melhores

condições de trabalho».

Saudamos, também, e desde já, a jornada de luta que está agendada pela FENPROF, contra o bloqueio

negocial na educação, que vai realizar-se já no dia 11 de dezembro. Aliás, um ano depois da entrega desta

petição e das reivindicações de anos que foram apresentadas por professores e educadores, o mínimo que o

Governo poderia, e já deveria, ter feito era precisamente abrir as portas do diálogo e da negociação para a

resolução dos problemas identificados nesta petição, problemas que não são de hoje e que há muito se fazem

sentir.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, a verdade é que nem sequer para aquilo que é a realização desta petição o

Ministério da Educação se dignou a responder aos pedidos de informação feitos pela comissão. Ora, isto

demonstra já alguma coisa.

Portanto, em relação ao que está identificado nesta petição sobre o envelhecimento, o desgaste, a

necessidade de rejuvenescimento, nada, o Governo não respondeu a nada.

Sobre os horários de trabalho estamos na mesma, a recomposição da carreira docente continua com

créditos por saldar aos professores sendo, aliás, aos trabalhadores das carreiras especiais de seis anos, seis

meses e 23 dias.

Têm direito estes trabalhadores à integralidade do tempo trabalhado — nove anos, quatro meses e dois

dias — e não apenas àquilo que foi consagrado até agora: dois anos, nove meses e dezoito dias.

É preciso, também, dar resposta à necessidade de alterar os concursos, mas não é para pior, Sr.as e Srs.

Deputados. Isto porque aquilo que o Governo se está a preparar para fazer no próximo ano, por exemplo, é

alterar outra vez aquela história da mobilidade interna para pior, mas não é disto que estamos a falar.

Portanto, o que é preciso fazer é um regime justo de concursos.

Ainda uma outra situação que a petição nos traz é o efetivo combate à precariedade, que se faz sentir, de

uma forma tremenda, nos professores contratados que têm custos imensos para dar resposta à necessidade

de serviço público e de terem de ir para várias zonas do País com a casa às costas, anos a fio. Este não pode

ser o caminho, eles têm de entrar para a carreira e de ver os seus direitos respeitados.

Ora, tudo isto, tem de avançar acabando com o tal bloqueio negocial do Ministério da Educação com os

sindicatos, designadamente com a FENPROF. E é precisamente para que exista a justa e devida valorização

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dos professores e educadores e a melhoria das suas condições de trabalho que apresentamos a iniciativa

legislativa do PCP, que acompanha esta petição da FENPROF.

Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, é muito simples, aquilo que propomos, e que apresentamos nesta

iniciativa legislativa, é a contabilização do tempo de serviço integralmente prestado pelos professores e

educadores para efeitos da progressão na carreira e para a valorização remuneratória, não esquecendo a

forçosa negociação sindical que tem de ocorrer.

Em relação ao regime de aposentação, propomos que seja definido um regime geral de aposentação

adequado e justo para todos os trabalhadores da Administração Pública, considerando regimes específicos,

incluindo para professores e educadores que têm características e exigências específicas.

Em relação à precariedade laboral, é preciso haver a aprovação de um regime de concursos que seja justo,

eliminando as limitações à vinculação da chamada «norma-travão», permitindo a vinculação de todos os

docentes com três ou mais anos de tempo de serviço, que desempenhem funções permanentes nas escolas.

É preciso que exista a abertura de vagas a concurso nacional por lista graduada em função das

necessidades manifestadas pelas escolas para horários completos durante três anos consecutivos, que se

garanta que o critério de ordenação por graduação profissional não é violado.

É preciso que exista a anualidade dos concursos do pessoal docente, que exista a abertura de

procedimentos concursais de vinculação na carreira, a redução do âmbito geográfico dos quadros de zona

pedagógica e a abertura de concursos para a vinculação dos técnicos especializados das escolas que

desempenham funções docentes.

É fundamental que sejam, sim, respeitados os direitos laborais dos professores e educadores em relação

aos horários de trabalho.

São estas as propostas que o PCP aqui apresenta e que consideramos que há condições para serem

aprovadas para que, de facto, exista a valorização daquele que é o trabalho dos professores e dos educadores

no nosso País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Em nome do Partido Ecologista «Os Verdes», tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais gostaria de saudar, em nome de Os Verdes, a FENPROF, promotora da petição «Em defesa da sua dignidade profissional, os

professores exigem respeito pelos seus direitos, justiça na carreira, melhores condições de trabalho», e,

também, os 13 903 subscritores.

Os docentes têm sido alvo de muito desrespeito por parte de sucessivos Governos, mesmo por parte

daqueles que, no discurso, afirmam que a educação é um pilar estruturante do processo de desenvolvimento.

Não obstante esse reconhecimento teórico, na prática não atribuem aos professores os seus mais

elementares direitos, determinantes para a dignificação do seu trabalho e da sua carreira.

É caso para dizer: a muita conversa não combina com a pouca ação!

Os Verdes reafirmam que a valorização da carreira docente é um fator determinante para uma boa política

de educação. Desvalorizar os professores, como tantos Governos têm feito, corresponde a um ataque objetivo

e certeiro à educação no nosso País e à escola pública.

Todos nos lembramos bem daquela que foi a política do Governo PSD/CDS: despedimentos de docentes,

precariedade como fator caracterizador da profissão, aumento do número de alunos por turma, dificultando as

condições de trabalho, cortes salariais, desregulação dos horários de trabalho, entre tantas outras questões.

Na Legislatura anterior foi possível, também com o contributo, insistência e propostas concretas do PEV,

aprovar a diminuição do número de alunos por turma, a contratação de mais professores que estavam em

condição de precariedade ou o descongelamento das carreiras.

Contudo, o resultado atingido ficou aquém do que era possível e necessário. O Governo do PS colocou as

opções economicistas à frente dos direitos dos professores. Enquanto isso, muitos professores desesperam,

inundados em injustiças, com níveis de desgaste e de stress como não se encontram noutras profissões.

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Só mesmo com grande sacrifício e grande dedicação dos professores é que o nosso sistema de ensino se

vai aguentando. A dedicação e empenho dos professores ficou clara no final do ano letivo anterior em que os

professores não abandonaram os seus alunos e, mesmo sem grande prática nas plataformas e no ensino à

distância, procuraram acompanhar os alunos e permitir que acabassem o ano escolar.

Aquilo que se passou, com o Governo PS, no que respeita à contagem de tempo de serviço para efeitos de

progressão na carreira, é bem exemplo do desrespeito para com os professores. Seis anos, seis meses e 23

dias caíram em saco roto, foram apagados da vida profissional dos professores como se não tivessem

existido, deixando milhares de docentes prejudicados na sua carreira. Não é admissível!

O corpo docente vive confrontado com muitas dificuldades, tais como o envelhecimento e a não renovação

de quadros, níveis de precariedade elevados, injustiças nos concursos de colocação, abusos de horários de

trabalho, em muitos casos pagam para trabalhar, para conquistarem tempo de serviço.

Neste sentido, propomos soluções que se traduzam numa elementar justiça para com os professores, na

dignificação da carreira docente e no reconhecimento da imprescindibilidade da valorização da escola pública.

Os Verdes trazem à Assembleia uma iniciativa que prevê a possibilidade da recuperação dos seis anos,

seis meses e 23 dias cumpridos como tempo de serviço, mas não contabilizados para efeitos de progressão

na carreira dos professores; a negociação com vista à criação de um regime de aposentação de professores

com o único requisito dos 36 anos de serviço e de descontos, com eventual regime transitório; a vinculação de

todos os docentes com três ou mais anos de serviço; a garantia das 35 horas de trabalho para os professores

e um regime de concursos nacional que ordene os candidatos pela sua graduação profissional.

Só uma incompreensível teimosia levará à não aprovação destas propostas.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe à Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje a petição da FENPROF que reuniu quase 14 000 assinaturas e que defende um conjunto de direitos e condições de

trabalho já aqui bem elencados.

Através dos peticionários, aqui presentes, saudamos todos os professores que, neste ano de pandemia,

têm procurado assegurar que a escola não fecha e que os alunos continuam a aprender nas circunstâncias

complexas em que nos encontramos.

Sobre a matéria em causa, há muito que o CDS vem dizendo duas coisas: a primeira é que a matéria de

carreiras é da competência…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, peço-lhe desculpa, mas há uma avaria na contagem do tempo e portanto…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Para mais ou para menos?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, até agora já falou seguramente mais de que dois segundos, dá-me ideia não sei porquê…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não senti, senti que foi…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Um instante, eu sei, mas peço aos serviços que contem o tempo e agora, sim, poderá começar.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Eu não vou abusar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Eu sei que não, Sr.ª Deputada, muito obrigado, mas eu também não deixarei.

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A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Dizia eu então que a matéria das carreiras é da competência do Governo e que, em particular, a tutela do Ministério da Educação tem sido esquiva, ignorando os problemas

que se vão, de facto, adensando de ano para ano.

Em segundo lugar, temos dito, também, que esses problemas que se vão adensando aos quais se juntam

o problema do envelhecimento da classe docente, a fraca atratividade e renovação e as dificuldades nas

substituições, em particular em alguns grupos de recrutamento e em algumas geografias, têm de ser

encarados através de uma difícil — reconhecemos —, mas imperiosa, revisão do recrutamento, colocação e

progressão dos professores, que, se não for feita, terá, como tem já, consequências no bom funcionamento da

escola, em prejuízo dos alunos, no aumento do burnout dos professores e na inevitável insustentabilidade da

sua própria carreira.

Dito isto, convém lembrar que, em 2020, o Governo comprometeu-se, e cito, «com um diagnóstico sobre o

modelo de recrutamento e colocação de professores, bem como das necessidades de professores a médio

prazo, promovendo o rejuvenescimento». Nunca mais se ouviu nada sobre esta intenção.

Convém, também, lembrar que, em dezembro de 2019, a Sr.ª Ministra Alexandra Leitão defendeu que a

pré-reforma faz muito sentido na carreira docente. Em entrevista ao ECO explicou que, dos vários grupos da

Administração Pública que tutela, este era, porventura, o grupo em que uma aposentação antecipada faria

mais sentido.

A verdade é que nunca vimos nenhuma proposta concreta e exequível para este fim, sendo que o CDS

também defendeu um programa desta natureza no seu programa eleitoral.

Cabe, portanto, ao Governo avançar com este dossier sabendo que, se não avançar já, no presente, o que

acontecerá é que, no futuro, vai ter menos graus de liberdade para fazer as escolhas certeiras e, nessa altura,

todos os lamentos, sejam de que parte for, desde os próprios alunos aos professores, de nada servirão.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, peço novamente desculpa pelo percalço.

Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, saudamos esta iniciativa, todos os peticionários e a FENPROF, como primeira peticionária.

De facto, a esta Casa têm sido trazidos vários debates, por via de petição, e várias situações de

desigualdade às quais urge dar resposta, cumprindo as responsabilidades políticas que assumimos aquando

da nossa eleição.

O PAN tem trazido reiteradamente propostas sobre situações de injustiça em várias áreas profissionais. No

que diz respeito à flagrante situação dos docentes em Portugal, entendemos que é algo que nos deve

preocupar a todos e que, desde logo, começa pela ausência de diálogo, por parte do Ministério da Educação,

com as entidades representativas dos professores.

Esta tem sido uma postura manifestamente distante e, até, furtiva relativamente às preocupações desta

classe e demonstra desrespeito por estes profissionais, que, juntamente com as famílias, são quem garante o

desenvolvimento das nossas crianças e dos nossos jovens.

Portanto, para o PAN, a primeira nota que gostaríamos de deixar neste debate é que, em matéria de

educação, sejam ouvidos pela tutela os docentes, os elementos representativos do setor, construindo-se

aquilo que parece não existir até hoje, ou seja, uma relação de diálogo e disponibilidade para negociação, por

parte do Ministério da Educação.

Se é verdade que não se podem resolver todos os problemas de uma só vez, também não pode o

Ministério continuar a protelar a sua resolução, empurrando os problemas com a barriga ou, pior ainda, agindo

como se fosse uma criança de 2 anos considerando que o que não vê não existe.

Um sinal claro de vontade política seria o desenvolver de um plano estratégico e concertado de ação,

balizado no tempo, para que, de forma faseada, pudesse dar resposta aos problemas que se têm arrastado e

que se têm agravado ao longo do tempo.

Portanto, desde logo, é preciso que o Governo assuma que vai resolver os problemas associados à

contratação e vinculação dos docentes que preenchem necessidades permanentes das escolas e que detêm

três ou mais anos de serviço.

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Sr.as e Srs. Deputados, muitos dos nossos docentes têm uma vida a que chamaria «ambulante», uma vida

instável que também tem um impacto negativo nos projetos educativos.

Urge, de facto, um regime de concursos mais justo, que respeite a progressão na carreira e corrija as

injustiças decorrentes de ultrapassagens entre os pares.

Numa carreira de 8 escalões que passou para 10, a perspetiva de topo de carreira passou a ser quase

impossível. Os reposicionamentos, os congelamentos e os entraves artificialmente criados dividiram e

colocaram em espera os professores que pretendiam o ingresso nos 5.º e 7.º escalões. Neste cenário, vamos

perdendo professores, experiência e saberes adquiridos, vamos perdendo qualidade educativa, vamos

hipotecando o futuro.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, a próxima intervenção cabe ao Partido Socialista, pelo que tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Sousa.

A Sr.ª Carla Sousa (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por cumprimentar os peticionários e a FENPROF, aqui presente.

Tem sido um ano, de facto, difícil para os portugueses. Estão obrigados a reinventar os dias, com perda de

relações sociais, infelizmente, para muitos, com perdas laborais, perdas de vidas e perdas de afetos, com

cada um de nós a desejar ardentemente que não se volte a viver uma crise como esta na sua geração ou nas

seguintes.

Em momentos destes, é preciso saber com quem contamos, saber quais as portas que não se fecham,

quando mais precisamos delas abertas. E hoje, tal como no início da pandemia, os professores empenham-se

em dizer «Presente!», em manter a porta aberta, querendo fazer parte da solução e não do problema.

Reinventaram-se nas abordagens, muitos deles ganharam competências novas que colocaram ao dispor dos

alunos para fazer o que melhor sabem fazer: ensinar!

Por isso, mais uma vez, saudamos os professores que estiveram não do lado do Governo, mas do lado do

País e em defesa das futuras gerações.

Esta tarde voltamos a falar deles. Três projetos de resolução e uma petição estão em debate, num tema

que destaca uma ideia-chave: a valorização dos professores e da carreira docente.

Uma parcela deste debate, que não é novo, já foi objeto de reuniões aguerridas na anterior Legislatura. Os

Deputados, nesta Sala, lembrar-se-ão da oportunidade fotográfica e do oportunismo político a que o PSD

sucumbiu, defendendo o que até então lhe tinha parecido exótico. O mesmo partido que tinha negligenciado a

escola pública e os professores em tempos de Governo PàF (Portugal à Frente), defendeu, naquele momento,

recuperar todo o tempo profissional perdido na Legislatura anterior, sem nunca mostrar as contas dos custos,

sem dizer quais os impostos que aumentava ou a despesa que cortava. A leviandade daquela noite teve recuo

no dia seguinte.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Carla Sousa (PS): — Muito recentemente, noutras matérias, voltámos a verificar que o PSD voltou a não fazer contas nem a medir consequências políticas das suas ações.

Mas voltemos às propostas em debate, trazidas pela mão da FENPROF e da esquerda parlamentar. E a

pergunta impõe-se: o que é que iniciámos no anterior mandato, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados?

A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Boa pergunta!…

A Sr.ª Carla Sousa (PS): — Não foi um processo de valorização da carreira do professor, da sua dignidade profissional?! A esquerda esteve connosco nesse trajeto, a esquerda não pode enjeitar esse percurso de

valorização da escola pública.

Foi um caderno de encargos substancial que volto a lembrar: a revogação de um conjunto de diplomas que

condicionavam o exercício da função, como o fim da bolsa de contratação de escola; a extinção da prova de

avaliação de conhecimentos e capacidades; a revogação das normas sobre requalificação e mobilidade do

pessoal docente de educação pré-escolar e do ensino básico e secundário; a abertura de vagas no mapa do

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pessoal docente, reduzindo a norma-travão de cinco contratos sucessivos e quatro renovações para quatro

contratos sucessivos e três renovações e, em 2018, para três anos de contrato e duas renovações, em todos

os grupos de recrutamento. Esta última foi uma medida essencial para «desprecarizar» a função docente e

possibilitou, neste ano letivo, a entrada no concurso de 872 docentes para a carreira em quadro de zona

pedagógica.

Voltámos a insistir na formação contínua, um direito e um dever dos docentes, que permite a atualização

de competências profissionais, a mobilidade e progressão na carreira.

Mitigámos os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017, o que possibilitou a progressão na

carreira de milhares de docentes e o reposicionamento de outros tantos.

Regulamentámos o acesso às vagas dos 5.º e 7.º escalões, o que permitiu que, nos anos de 2018 e 2019,

progredissem mais de 4000 docentes.

Criámos o grupo de recrutamento de Língua Gestual Portuguesa, considerado constitucionalmente há 20

anos.

Dignificámos a profissão, quando assegurámos a lista de colocação de 28 500 professores um mês antes

do arranque do início do ano letivo, garantindo estabilidade e previsão, ou quando reforçámos a escola pública

com mais 3300 professores com um horário completo, para reforço do crédito horário…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira concluir, por favor.

A Sr.ª Carla Sousa (PS): — Sr. Presidente, não disponho de 5 minutos?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Peço imensa desculpa, Sr.ª Deputada, foi lapso meu. Faça favor de prosseguir.

A Sr.ª Carla Sousa (PS): — Em suma, nos últimos cinco anos, fizemos entrar nos quadros do Ministério da Educação cerca de 9000 professores.

Srs. Deputados, isto não é defender a escola pública?! Isto não é fortalecê-la?!

Relativamente ao cumprimento das 35 horas semanais, é preciso dizer que as regras aplicáveis à

organização do ano letivo foram negociadas com as organizações sindicais, sempre no respeito do Estatuto da

Carreira Docente.

Quanto à recuperação do tempo de serviço, Srs. Deputados, não sendo este um compromisso do Governo

nem do PS, foi objeto de negociação e solução, em respeito pela equidade e pela sustentabilidade com as

outras carreiras da Administração Pública e pela compatibilidade com os recursos disponíveis.

Srs. Deputados, nós sabemos que há novos e velhos desafios pela frente. O Governo tem, neste momento,

em análise a identificação das necessidades de substituição de professores por via da aposentação, para que

sejam identificadas as dificuldades, por grupos de recrutamento e por região, a médio e longo prazos.

O Governo está ciente da necessidade de mapear as dificuldades…

A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Tem é de fazer!

A Sr.ª Carla Sousa (PS): — … relativas à formação inicial de professores, para que seja possível encontrar formas de aumentar a atratividade da profissão docente.

Esses são desafios que requerem soluções estruturais e nós não temos soluções milagrosas nem

instantâneas, temos, sim, trabalho.

Orgulhamo-nos do que fizemos e do que estamos a fazer. Continuaremos intransigentes na dignificação da

carreira dos professores, continuando a criar condições para a estabilidade da função docente e dos projetos

pedagógicos, consolidando as conquistas alcançadas, sempre com respeito pela equidade entre trabalhadores

e entre carreiras e pela sustentabilidade no tempo das medidas que tomamos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, agora, sim, quero pedir-lhe que conclua.

A Sr.ª Carla Sousa (PS): — Os portugueses não entenderiam se assim não fosse.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, mais uma vez, peço-lhe desculpa pelo meu lapso. Certamente, poderá vingar-se numa outra ocasião, mas peço-lhe desculpa por isso.

Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do PSD, a Sr.ª Deputada Carla Madureira.

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A posição do PSD é a de sempre, não mudamos de opinião nem de posição.

Conjugar a reposição de um direito que nos parece absolutamente básico e justo com a importância de

manter o equilíbrio orçamental foi objetivo inalcançável em 2019, porque, à data, o Partido Socialista assim o

quis.

No território do continente não foi possível encontrar uma solução, ao contrário do que sucedeu nas

Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.

Recordamos as condições que achamos fundamentais para a consideração da contabilização do tempo

remanescente na recuperação integral do tempo não contabilizado para efeitos de progressão na carreira, ou

outras, que devem ser estabelecidas pelo Governo em processo negocial, desde logo, a disponibilidade de

recursos e a sustentabilidade futura do sistema público de educação.

Esta questão foi discutida em 2017, em 2018, em 2019 e volta, agora, em 2020, quase às portas de 2021,

quando estamos a caminho de uma recessão histórica.

Ora, nenhum destes projetos de resolução considera o atual contexto orçamental nem a evolução negativa

do PIB ou da dívida pública, que se degradaram muitíssimo e cavam desigualdades profundas na proteção

que o Estado pode assegurar aos seus concidadãos.

Diz o ditado popular que «se queres tornar um problema fácil em difícil, então, adia-o». E foi precisamente

isto que o Governo fez, ao longo destes cinco anos. Estas iniciativas apenas vêm tentar repristinar uma

oportunidade perdida.

Sr.as e Srs. Deputados: A oportunidade que existiu em 2018 e 2019 para resolver este assunto não é a

mesma que se verifica agora. Falar verdade aos cidadãos impõe que sejamos claros: a oportunidade de

reposição do tempo de serviço remanescente não é compatível, nos termos enunciados pelas iniciativas que

temos hoje em discussão, com a situação económica e financeira que se perspetiva para 2021 e para 2022.

Risos da Deputada do PCP Ana Mesquita.

E a responsabilidade é vossa!

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Vocês é que deram uma cambalhota! Há de ser no dia de «São Nunca»!…

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — A responsabilidade é do Governo e é do PCP, que não logrou, nas negociações para aprovação do Orçamento do Estado para 2021,…

Protestos do PCP.

… fazer com que o PS aceitasse a resolução do impasse relativo à contabilização do tempo de serviço

remanescente.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Bem lembrado!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — O PSD não podia ficar, nem ficou, indiferente ao apelo dos professores. Aliás, deixamos aqui hoje expresso o nosso reconhecimento pelo papel que os professores têm

desempenhado nesta altura difícil que o País atravessa. Têm sido grandes profissionais, com um grande

sentido de responsabilidade.

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Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Recordamos que, em 2019, o PSD equacionava um período não inferior a seis anos e foi esse, e continua a ser, o nosso compromisso, sufragado pelos portugueses nas últimas

eleições legislativas.

Reafirmamos a nossa posição sobre esta matéria: disponibilidade financeira, de forma a não afetar a

sustentabilidade das contas públicas; o princípio da igualdade de tratamento das diferentes carreiras especiais

da Administração Pública.

Protestos da Deputada do PCP Ana Mesquita.

A educação, quer pela formação dos cidadãos, quer pelo potencial de competitividade, é central como

alavanca do desenvolvimento, do futuro de Portugal.

A educação não pode estar refém de calculismos ou encenações político-partidários.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do PCP, dispõe ainda de algum tempo para fazer uma última intervenção, pelo que tem a palavra.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, em relação a esta questão, gostaríamos de dizer ao Partido Socialista que a negociação do tempo de serviço, se os Srs. Deputados bem se lembram, foi

marcada precisamente pela intransigência do Governo, porque o Governo, sempre que chegou às reuniões

negociais, disse: «é isto, é isto, é isto e nem um dia a mais». Isto foi o que marcou, na altura, as negociações e

revelou uma extrema intransigência do Governo.

Dizer, nesta circunstância, que o PS continuará intransigente não é uma expressão muito feliz, Sr.ª

Deputada, quando as portas da negociação têm estado precisamente fechadas.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira fazer o favor de concluir.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Concluo mesmo, Sr. Presidente, dizendo apenas ao PSD o seguinte: sabe, Sr.ª Deputada, nós lembramo-nos bem de qual foi a oportunidade perdida. Foi aquela que o PSD não

aproveitou, na apreciação parlamentar, para resolver com a proposta do PCP este problema do tempo de

serviço,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — … e perdeu-a novamente quando, neste Orçamento do Estado, o PCP apresentou uma proposta para a recuperação integral do tempo de serviço, que o PSD não acompanhou.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Poderíamos estar aqui a falar de outra situação, se o PSD nos tivesse acompanhado devidamente nestas e noutras circunstâncias.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada…

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — A questão, Sr.ª Deputada Carla Madureira, quando fala de sustentabilidade, e termino mesmo, Sr. Presidente, é dar prioridade às pessoas e não ao défice. É esse que

nós consideramos ser o caminho a seguir.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Também a Sr.ª Deputada Joana Mortágua dispõe ainda de algum tempo para uma última intervenção, pelo que tem a palavra.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, quem ouvir o Partido Socialista dirá que não há nada por fazer na resposta aos problemas da escola pública, com tanto que já foi feito.

A verdade é que dos problemas mais importantes que enfrentamos neste momento, daqueles que

desafiam a escola pública, daqueles que põem em causa o futuro da escola pública, não há nada que não

fosse previsível e que não tenha de ser resolvido.

A questão da aposentação dos professores era um problema previsível. Há quanto tempo é que o Governo

sabe que 58% dos docentes se vão reformar, numa década, e que não há plano para os substituir? Há quanto

tempo?

Há quanto tempo é que se sabe que não há professores novos a entrar no sistema?

Há quanto tempo é que se sabe que os professores mais jovens — e, por mais jovens, digo até 45 anos —

são precários e mal pagos e que a ideia de que a carreira de professor é atrativa para os alunos que entram

na faculdade já não existe? Há quanto tempo é que se sabe?

Há quanto tempo é que o Partido Socialista e o Governo prometem resolver estes problemas? Há quantos

anos é que estudam os problemas e que soluções estruturais apresentaram até hoje? Nenhuma! Pelo

contrário, de um impulso inicial da alteração da norma-travão, proposta pelo Bloco de Esquerda,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Concluo já, Sr. Presidente. Desse impulso inicial, a vinculação extraordinária de professores, por proposta do Bloco de Esquerda, já

nada resta. A única coisa que se faz é arrastar os problemas, empurrá-los com a barriga, enquanto as escolas

vão ficando, cada vez mais, sem professores.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Obrigado, Sr.ª Deputada. Tem mesmo de terminar.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E há uma coisa que é certa: sem se dignificar a carreira dos professores não se vai resolver o problema da falta de professores na escola pública.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Concluímos, assim, o debate deste ponto da nossa ordem de trabalhos.

Passamos, agora, ao terceiro ponto, que consiste na apreciação da Petição n.º 81/XIV/1.ª (União de

Resistentes Antifascistas Portugueses) — De repúdio e exigência de que se trave e abandone a anunciada

criação do «Museu Salazar», com esse ou outro nome, em Santa Comba Dão.

Está inscrito, para uma primeira intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado António

Filipe.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A União de Resistentes Antifascistas Portugueses apresentou a presente petição, subscrita por mais de 11 000 cidadãos, para que se abandone a

anunciada criação do «museu Salazar», com esse ou outro nome, no respeito dos valores inscritos na

Constituição da República e dos milhares de cidadãos que foram vítimas do regime fascista do Estado Novo.

A memória museológica da ditadura, que oprimiu o povo português durante quase meio século, que

explique às jovens gerações o que foi o fascismo e que faça a pedagogia dos valores da liberdade e da

democracia não se faz com a criação de lugares de congregação de saudosistas do passado. A casa onde

viveu o ditador nunca seria um local de estudo e um centro interpretativo do Estado Novo, mais não seria do

que um local de romagem de saudosistas, invocador de alegadas virtudes de Salazar e do seu regime,

branqueador de todo um lastro de repressão, de atraso e de miséria que o salazarismo representou para

Portugal.

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A memória museológica que a democracia deve à ditadura é a memória de quem lhe resistiu, é o Museu

Nacional Resistência e Liberdade, no Forte de Peniche, é o Museu do Aljube Resistência e Liberdade, em

Lisboa, é a musealização da antiga cadeia da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) no Porto, na

rua do Heroísmo.

O espólio de Salazar, digno de estudo, está no Arquivo Nacional da Torre do Tombo à disposição dos

investigadores.

Entre os primeiros subscritores desta petição estão cidadãs e cidadãos democratas de diferentes

sensibilidades, profissões e regiões: médicos, advogados, juristas, operários, escritores, empregados,

académicos, autarcas, membros de entidades de turismo, ex-presos políticos, jornalistas, músicos,

sindicalistas, professores, estudantes, artistas e militares de Abril.

Esta petição não é contra Santa Comba Dão e o seu povo, pelo contrário. Santa Comba Dão é muito mais

do que a terra onde, acidentalmente, nasceu um ditador. Vale muito mais do que isso e tem condições de

valorização e desenvolvimento que dispensam visitantes indesejáveis. Santa Comba é uma cidade estimada e

estimável, a apologia de Salazar não o é.

A Lei n.º 64/78, de 6 de outubro, proíbe as organizações que perfilhem a ideologia fascista, define-as como

as organizações que mostrem pretender difundir ou que difundam, efetivamente, os valores, os princípios, os

expoentes, as instituições e os métodos característicos dos regimes fascistas, nomeadamente o

corporativismo ou a exaltação das personalidades mais representativas daqueles regimes.

Num momento em que forças políticas de extrema-direita, apologistas do ódio, do racismo e da xenofobia e

branqueadoras do fascismo emergem, em vários países do mundo, como uma ameaça real à liberdade e à

democracia, mais importante se torna que em Portugal, país que foi oprimido por meio século de ditadura

fascista, as forças democráticas não faltem à chamada e digam «não» a iniciativas como a da criação de um

museu alusivo a Salazar. Seria uma afronta a todos os que, lutando pela liberdade, sofreram a prisão, a tortura

ou o assassinato às mãos de uma ditadura que conduziu o País à miséria, que só a Revolução de Abril

libertou.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Vieira.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar a União de Resistentes Antifascistas Portugueses e os 10 000 peticionários.

A petição explica as razões que estiveram na sua origem: a pretexto de aumentar a atratividade do interior,

a Câmara Municipal de Santa Comba Dão retoma a ideia da construção de um centro interpretativo, designado

por «Estado Novo».

Esta intenção dará origem a um museu ao ditador, tornando-se num local de evocação da sua memória e

do que é considerado o seu legado.

Ora, há um legado de 48 anos de ditadura, que teve por base o Estado Novo, expressão usada pela

primeira vez na Constituição de 1933 e que define o regime político em vigor, em Portugal, até 25 de Abril de

1974 — um único partido, poucos Deputados, eleições ocasionais, simuladas, fraudulentas, e que

beneficiavam sempre o candidato do regime.

Durante a mais longa ditadura, Portugal teve o maior índice de mortalidade infantil da Europa e dos mais

elevados do mundo. Não havia médicos, rede elétrica, água canalizada nem saneamento na generalidade do

País.

A política de construção das grandes obras públicas destinou-se, sobretudo, a favorecer a oligarquia

económica, dona de toda a indústria. O condicionamento industrial limitava a iniciativa e só com autorização se

criava uma pequena indústria ou um negócio.

A maior parte das pessoas trabalhavam na agricultura, com salários baixos, que as mantinha na pobreza.

Por isso, emigravam clandestinamente, a salto. Outros davam o salto para fugir à guerra em África, que

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sacrificou uma geração inteira de jovens para manter as colónias e recusar a independência aos povos há

demasiado tempo debaixo do jugo colonial.

Quase todas as pessoas eram analfabetas e submissas a estruturas de poder patriarcais e não seculares.

Na escola primária, os manuais, imutáveis, tinham mensagens de endoutrinamento e de enaltecimento do

ditador. Para prosseguir estudos, era necessário viver perto de uma cidade. Havia liceus para quem ia para a

universidade e escolas técnicas para os filhos dos trabalhadores. A escola era assumidamente reprodutora

das desigualdades sociais, e, utilizando uma expressão tão cara à direita, o elevador social nem sequer

existia.

No entanto, muitos foram aqueles e aquelas que resistiram, que lutaram na clandestinidade, que se

exilaram, que foram censurados, deportados, torturados, assassinados ou mortos, vidas de resistência e de

luta, que importa homenagear e perpetuar na memória e a pensar nas gerações futuras. Direta ou

indiretamente, com exclusão das elites apoiantes do regime, todos os portugueses e portuguesas têm

memórias vivas das dificuldades, da falta de liberdade e da opressão. Alguns estão aqui sentados.

São estes portugueses e portuguesas que temos de homenagear, perpetuando na memória coletiva a sua

luta pela liberdade.

Para isso, como dizem os peticionários, a prisão do Aljube, a Fortaleza de Peniche ou a sede da PIDE no

Porto, locais de tortura e de morte dos resistentes antifascistas, devem ser os centros interpretativos do que foi

a ditadura salazarista. O campo de concentração do Tarrafal deveria fazer parte deste conjunto. Nele sofreram

e morreram portugueses e muitos dos que lutavam pela independência.

A Assembleia e a Comissão Permanente já condenaram a criação deste centro interpretativo. Defendê-lo é

trair a memória de milhares de vítimas e dos milhões de portugueses e portuguesas que viveram sob o jugo de

umas das mais violentas, trágicas e longas ditaduras da contemporaneidade, bem como um agravo aos

portugueses e às portuguesas de hoje e, sobretudo, às gerações que hão de vir.

Por isso, o Bloco de Esquerda condena e condenará sempre qualquer tentativa de recontar a História

nesses termos e que traem as vítimas da ditadura salazarista e os portugueses em geral. Esperamos não

estar sozinhos nesta decisão.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosário Gambôa.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Cumprimento as Sr.as e os Srs. Deputados e faço uma saudação muito especial a todos os peticionários

que aqui se encontram, saudando neles o testemunho da memória dos milhares de vítimas do regime do

Estado Novo, uma memória que não pode ser obliterada ou esquecida.

A preservação do estudo da História é um dever cultural e político, pois é em torno da memória, do seu

lastro de valores, que se reconstrói e atualiza a identidade coletiva de um povo, de uma comunidade.

Neste contexto, é relevante que estendamos a nossa saudação aos diversos centros de investigação que

têm vindo, de forma sistemática e rigorosa, a estudar o Estado Novo, saudando os seus historiadores e

cientistas sociais, que preservam e trazem à luz a verdade escondida em arquivos feitos secretos,

contribuindo, com o seu trabalho, para pôr fim à dormência da ignorância, que alimenta a ideia de uma

ditadura como um autoritarismo bem intencionando, o «português suave» dos «brandos costumes», fazendo-

se, assim, cúmplice de atrocidades e crimes.

Quero saudar também os equipamentos museológicos, como o Museu do Aljube, a Cadeia da PIDE no

Porto ou o Tarrafal em Cabo Verde, edificados no lugar de sofrimento das vítimas e saudar os professores e

todos os que ensinam a aprender a democracia pelo estudo e compreensão dos erros, refletindo sobre a

responsabilidade que todos temos para que amnésia não se instale e os valores da ética democrática se

consolidem.

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A história, Srs. Deputados, constrói-se pelo estudo de factos e da sua desocultação e análise crítica. E os

factos não são neutros. E menos neutros são os valores que inspiram uma conceção de vida e comunidade: a

liberdade e a democracia.

A petição que hoje se discute neste Plenário funda-se aqui, e concretiza-se nas críticas e suspeitas sobre a

pretensão de se criar em Vimieiro, Santa Comba Dão, um «centro de interpretação do Estado Novo», sediado

na antiga escola-cantina Salazar.

Segundo a Câmara Municipal de Santa Comba Dão e a ADICES- Associação de Desenvolvimento Local,

promotora do projeto em parceria com a CIM (comunidade intermunicipal), o mesmo tem por objetivo a

implementação no território de uma rede de centros interpretativos ligados à História e à memória política da I

República e do Estado Novo, que visa — passo a citar — «criar um conjunto de espaços de divulgação

histórica», convocando «um conjunto de recursos de enorme valor na memória de Portugal e da Europa», os

quais «constituem fatores determinantes de competitividade» e desenvolvimento local, agregando «o potencial

turístico do território».

Os proponentes declaram convictamente a importância deste projeto e que o mesmo não visa exaltar a

figura do ditador, mas, tão-só, divulgar a História numa perspetiva formativa e pedagógica. Por tudo isto,

chegados aqui, só podemos admitir que a pretensão, em si, é compreensível e os objetivos também, mas

talvez o caminho escolhido não seja o mais adequado.

Pouco ainda sabemos, à data, sobre a concretização real da referida rede no terreno e do seu programa e

conteúdos. Contudo, por enquanto, o núcleo irradiador ou fundador desta rede é o centro de interpretação do

Estado Novo, a concretizar em edifícios ligados à memória de António de Oliveira Salazar.

Independentemente dos méritos deste projeto específico, não nos parece prudente avançar com um centro

interpretativo sediado neste local e neste equipamento. E mais imprudente nos parece a iniciativa quando, na

atualidade, quer a nível europeu, quer a nível nacional, assistimos ao florescer de movimentos e ideologias

nacionalistas de cariz totalitário, cuja tendência para fazer do local um centro de peregrinação saudosista já se

manifestou no passado recente.

Afirmava, em setembro de 2019, um dos especialistas consultores do projeto, João Paulo Avelã Nunes:

«Sabemos que, perante ditadores de ditaduras que ocorreram há poucas décadas, não se fazem casas-

museus, a menos que se queira branquear».

Ora, será que o projeto acautela este facto evidenciado por um dos seus protagonistas?

Sem o desejarmos, podemos estar a incubar um ovo de serpente, numa rede que até pode e deve ser

virtuosa, se gerada fora desta conotação estreita e perigosa.

Valerá repensar estas interrogações à luz das lições que a própria História nos tem mostrado, evitando

revisionismos duvidosos que degeneram em higienizações, em naturalizações do mal, em berços de

«verdades alternativas», legitimados em emoções irracionais exaltadas.

Pode, e será até desejável, sim, a construção de uma rede de centros interpretativos da I República e do

Estado Novo, uma rede de conhecimento e testemunhos da nossa História, que resgate a memória do

combate permanente pelos valores da democracia e da liberdade, demonstrando a razão de ser e o valor

dessa luta, para que nos responsabilizemos pela continuidade e sentido que lhe damos no presente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Grupo Parlamentar do CDS-PP.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saúdo, democraticamente, os perto de 10 400 peticionários que, em total liberdade, tomaram a iniciativa cívica de apresentar esta petição. E

liberdade é uma palavra-chave nesta discussão.

Como se recordarão e já foi aqui mencionado, esta matéria em discussão não é nova no Parlamento, já

veio aqui várias vezes. E creio ser relevante sublinhar, mais uma vez, que não há neste projeto a pretensão de

criar um museu evocativo ou laudatório do fascismo nem de exaltar a figura de Salazar. O que se pretende é

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criar, em Santa Comba Dão, um centro de interpretação do Estado Novo, um centro de estudos e investigação

que abordará esta parte significativa da História de Portugal do século XX.

Em tempos como o presente, em que há inúmeras tentações e tentativas de reescrever a História, há um

dever de a estudar e investigar para compreender o passado no seu contexto e permitir que o futuro seja livre

de todos os ciclos que nos minimizam, sejam eles quais forem e de que ideologia extremista vierem.

No entendimento do CDS, querer apagar a História é um ato profundamente antidemocrático, do qual só

podemos discordar.

No respeito pela Constituição, tem de haver liberdade, essa expressão tão importante em democracia, para

todos estes projetos. E, por definição, a liberdade não pode ser controlada ou seletiva.

Por isso, discordamos da posição aqui assumida pelo PCP, ou, em Comissão, pelo Bloco de Esquerda,

que disse que a história da ditadura do século XX só se faz noutras instalações, como no Forte de Peniche, na

cadeia da PIDE, no Porto ou no Aljube.

Por último, esta não é matéria da competência da Assembleia da República e até mesmo a Sr.ª Ministra da

Cultura, quando consultada pelo Parlamento sobre esta petição, remeteu o assunto para as autarquias

envolvidas.

A associação promotora local, a ADICES, ouvida em comissão, explicou que o seu objetivo é — e cito —

ter «um conjunto de espaços de divulgação histórica sem vocação ideológica» tendo, para tal, estabelecido um

protocolo com o Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra.

Além deste centro interpretativo do Estado Novo, a rede que se quer desenvolver também integra o Centro

de Interpretação da Estância Sanatorial do Caramulo, em Tondela, a Casa-Museu António José de Almeida,

em Penacova, e a Casa-Museu Afonso Costa, em Seia.

Segundo a ADICES — e cito —, «esta rede visa a promoção e o aprofundamento da democracia e do

desenvolvimento integrado de um vasto território da região Centro, bem como dar a conhecer a participação

destes territórios na história política do século XX português».

Com todo o respeito, termino, reiterando o que foi afirmado pelo CDS, em 2008, sobre este assunto:

preocupam-nos talvez mais ainda hoje as demonstrações vivas de todas as tiranias do que a investigação

histórica e a preservação de um edifício que encerrará poucos objetos iguais a tantos outros a propósito de um

tempo que todos achamos bem já ter passado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Cabe agora a vez de intervir ao Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, do PSD.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Começo por cumprimentar o Sr. Presidente e as Sr.as e os Srs. Deputados, cumprimentando também os mais de 10 000 peticionantes desta petição, que nos trouxeram este

tema.

Vamos tentar não reduzir isto a «quem apoia é antifascista, quem não apoia é fascista», porque o assunto

não pode ser reduzido a coisas tão simples.

Srs. Deputados, para avaliar da pertinência ou fundamento das preocupações contidas na presente

petição, temos de colocar várias questões, e a primeira seria, talvez, se o período chamado «Estado Novo»,

bem como todas as ditaduras ou Estados totalitários, devem ser esquecidos ou devem ser lembrados. Devem

ser ocultados ou devem ser expostos na sua imensa desumanidade e ofensa à dignidade das pessoas e dos

povos? Mostrar é branquear ou mostrar é lembrar para que não se esqueça ou repita?

Creio que os nossos pais merecem que se saiba e os nossos filhos precisam conhecer. Não se esconda o

que foi o holocausto nazi, o inferno de Auschwitz, a ditadura franquista, o fascismo de Mussolini ou o

totalitarismo soviético de Estaline.

Outra questão: a quem se pode ou deve acometer a construção, o modelo e os conteúdos de um centro

destes? Quem nos oferece os valores, a credibilidade, o rigor histórico e técnico para mostrar a verdade do

que foi o Estado Novo — e a verdade é feia?

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Segundo a informação que é pública, este projeto reúne um conjunto de entidades acima de qualquer

suspeita ou preconceito, como sejam cinco autarquias — ou seja, o poder local democrático — e a consultora

do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra. Algumas destas entidades

ofende, provoca, assusta ou transporta em si os piores propósitos? Creio que não. E o nome? Ao arrepio do

que invocam os subscritores da petição hoje em discussão, em local algum é invocado o nome «museu

Salazar», e os nomes são, de facto, importantes. Há nomes, designações ou títulos que matam as mais

nobres intenções e transmitem a mensagem errada. O que pensar de «museu Salazar», ou, pior, de «casa-

museu Salazar», se fosse em casa dele?

A vulgarização do conceito à volta da pessoa física que mais o popularizou correria o risco de provocar o

efeito romagem-homenagem que, estou crente, mais se quer evitar. Mas tudo indica que estamos perante um

conjunto de centros interpretativos que, a par da interpretação e exibição do que foi a I República e o Estado

Novo, enquadram projetos, por exemplo, e aqui com total propriedade, relativos à figura de Aristides de Sousa

Mendes.

Sr.as e Srs. Deputados, ser antifascista e opositor ao Estado Novo antes do 25 de Abril era resistir,

denunciar, suportar a prisão, o exílio, a tortura e até a morte. Ser antifascista depois do 25 de Abril, ser

antifascista em 2020 é não permitir que o Estado Novo se esqueça, se branqueie ou, para usar uma

expressão da moda, se faça de um ditador um ditador fofinho!

Acreditamos na nobreza dos propósitos dos seus promotores, acreditamos na credibilidade das entidades

múltiplas que suportam e enquadram o projeto.

Ficamos com uma preocupação, preocupação essa que não tem ainda resposta, pois o projeto carece de

integral concretização: que públicos pode e deve este centro atrair? Os académicos, as escolas, as novas

gerações e todos os que viveram submetidos ao Estado Novo, ou os que pretendem celebrar, fazendo do local

destino de romagem e homenagem?

Cremos que o maior desafio será certamente o de definir o modelo que faça as escolhas certas para os

propósitos certos que norteiam este projeto.

Termino, com uma palavra justa de homenagem a todos os que combateram o Estado Novo e que

permitiram que eu esteja aqui hoje a dizer o que disse, em liberdade e sem censura ou punição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A última intervenção cuja inscrição a Mesa regista cabe ao Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», saudar os milhares de cidadãos

que subscreveram esta petição, que fizeram uso deste importante instrumento da nossa democracia, que se

quer participada, que é a petição, e que, através dela, nos fazem chegar a sua indignação e repúdio a

propósito da anunciada criação do museu Salazar, com esse ou outro nome, em Santa Comba Dão. E quero

saudar, muito particularmente, os peticionários que estão connosco a acompanhar os trabalhos, e que, apesar

da hora, dão mostras, de facto, de muita resistência, uma saudação que, naturalmente, também queremos

estender à URAP, a União dos Resistentes Antifascistas Portugueses, não só por ter dinamizado e promovido

esta petição, mas também por todo o trabalho que, ao longo do tempo, tem vindo a desenvolver em defesa

dos valores da nossa democracia. E, como primeira nota, Os Verdes querem deixar claro que, tal como os

peticionantes, também consideramos que a intenção de criar o dito centro de interpretação do Estado Novo

mais não pretende do que procurar reabilitar a sinistra figura do ditador Salazar e do fascismo, o regime que

oprimiu os portugueses durante quase meio século.

Esta é uma intenção que, a nosso ver, deve preocupar todos os democratas e, mais ainda, uma ofensa aos

portugueses que, corajosamente, contra esse regime lutaram, em defesa da liberdade, da democracia, da paz

e da justiça social e uma ofensa, mais sentida ainda, à memória dos milhares de vítimas do regime fascista.

Mas trata-se ainda de uma intenção que não só nada tem a ver com os valores que norteiam o nosso quadro

constitucional, bem pelo contrário, como ainda, em concreto, entra, grosseira e frontalmente, em conflito com o

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n.º 4 do artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa que, recorde-se, proíbe todas as organizações

que partilhem a ideologia fascista, mas também com a Lei n.º 64/78, que, no n.º 1 do seu artigo 3.º, afirma

expressamente que se considera partilharem a ideologia fascista as organizações que mostrem adotar,

defender, pretender difundir ou difundir os valores, os princípios, as instituições e os métodos característicos

dos regimes fascistas que a História regista, nomeadamente o corporativismo ou a exaltação das

personalidades mais representativas daqueles regimes.

Portanto, Os Verdes partilham integralmente das preocupações e do sentimento de repúdio e indignação

mais do que justificada que nos é trazida pelos milhares de cidadãos que subscreveram a petição que agora

estamos a discutir.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminamos, assim, este ponto da nossa ordem de trabalhos e a ordem do dia desta sessão.

Peço ao Sr. Secretário da Mesa, Deputado Diogo Leão, que dê conta à Câmara de algumas informações.

O Sr. Secretário (Diogo Leão): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o Projeto de Lei n.º 588/XIV/2.ª (PCP).

Sr. Presidente, informo agora das presenças das Sr.as e Srs. Deputados que assistiram à reunião plenária

de hoje por videoconferência: os Deputados do PS Luís Moreira Testa, Marcos Perestrello, Marta Freitas,

Miguel Matos e Sofia Araújo e o Deputado do PSD Sérgio Marques.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.as e Srs. Deputados, passo a informar-vos da ordem do dia da sessão de amanhã.

O Plenário reúne às 10 horas, tendo como primeiro ponto da ordem do dia o debate de urgência, requerido

pelo Grupo Parlamentar do PSD, subordinado ao tema «A pandemia e as suas implicações nas políticas de

habitação», ao abrigo do artigo 72.º do Regimento.

O segundo ponto consta da discussão conjunta da Proposta de Lei n.º 63/XIV/2.ª (GOV) — Procede à

suspensão excecional de prazos associados à sobrevigência e caducidade de convenção coletiva de trabalho

e dos Projetos de Lei n.os 10/XIV/1.ª (PCP) — Repõe o princípio do tratamento mais favorável, elimina a

caducidade da contratação coletiva e regula a sucessão de convenções coletivas de trabalho (décima sexta

alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro), 74/XIV/1.ª (BE) —

Promove a contratação coletiva, procedendo à décima sexta alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela

Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e 130/XIV/1.ª (PEV) — Consagra a reposição do princípio do tratamento

mais favorável ao trabalhador e a eliminação da caducidade da contratação coletiva (décima sexta alteração

ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro).

O terceiro ponto da ordem de trabalhos consta da apreciação conjunta do Projeto de Resolução n.º

729/XIV/2.ª (PS) — Recomenda ao Governo um conjunto de medidas para utilização mais eficaz e eficiente

dos fundos da União Europeia, nomeadamente no âmbito da Política de Coesão, do Plano Estratégico da

Política Agrícola Comum e do Plano de Recuperação da União Europeia, da discussão, na generalidade, do

Projeto de Lei n.º 589/XIV/2.ª (IL) — Criação e manutenção do Portal da Transparência por uma entidade

independente e dos Projetos de Resolução n.os 714/XIV/2.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que apresente à

Assembleia da República relatórios trimestrais sobre a negociação e a execução dos fundos europeus

atribuídos a Portugal ao abrigo do Programa Next Generation e do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e

a respetiva implementação do plano de recuperação económica Portugal 2020-2030 e 748/XIV/2.ª (BE) —

Recomenda ao Governo que proceda à criação de uma plataforma pública demonstrando, de forma

transparente, acessível e territorializada, a alocação dos fundos europeus atribuídos a Portugal através do

Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e do fundo de recuperação Próxima Geração EU.

Haverá, depois, uma interrupção e, às 15 horas o Plenário será retomado, com a apreciação do Relatório

sobre a Aplicação da Declaração do Estado de Emergência, no período de 9 a 23 de novembro de 2020.

Em quinto lugar, será debatido o pedido de renovação do estado de emergência.

A seguir à apreciação destes pontos haverá um debate preparatório do próximo Conselho Europeu, com a

participação do Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento,

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Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República, no âmbito do processo de Construção da União

Europeia.

O ponto seguinte consta da apreciação, sem tempos, do Relatório e Conta de Gerência da Assembleia da

República relativos ao ano de 2019.

Fazem também parte da ordem do dia, sem tempos, as Propostas de Resolução n.os 5/XIV/1.ª (GOV) —

Aprova o Acordo sobre a Participação da Croácia no Espaço Económico Europeu, assinado em Bruxelas, em

11 de abril de 2014, 8/XIV/1.ª (GOV) — Aprova o Protocolo sobre os Privilégios e Imunidades do Tribunal

Unificado de Patentes, feito em Bruxelas, a 29 de junho de 2016, 9/XIV/1.ª (GOV) — Aprova o Acordo sobre

Transporte Aéreo entre a República Portuguesa e a República do Peru, assinado em Lisboa, a 26 de fevereiro

de 2019, 12/XIV/2.ª (GOV) — Aprova o Acordo-Quadro entre a República Portuguesa e as Nações Unidas

sobre Reuniões das Nações Unidas a ter lugar na República Portuguesa, assinado em Nova Iorque, em 11 de

maio de 2020, 14/XIV/2.ª (GOV) — Aprova a Convenção Sobre a Repressão de Atos Ilícitos relacionados com

a Aviação Civil Internacional, adotada em Pequim, em 10 de setembro de 2010, e 15/XIV/2.ª (GOV) — Aprova

o Acordo entre a República Portuguesa e a República do Paraguai sobre a Transferência de Pessoas

Condenadas, assinado em Lisboa, em 11 de maio de 2017.

Finalmente, do último ponto constam as votações regimentais.

Será, portanto, um dia de trabalho com sessão de manhã e à tarde.

Peço a todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados que levem isso em devida atenção.

A todas e a todos agradeço a colaboração nesta sessão e desejo a continuação de uma boa tarde.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 17 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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