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Sexta-feira, 18 de dezembro de 2020 I Série — Número 31
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
REUNIÃOPLENÁRIADE17DEDEZEMBRODE 2020
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Helga Alexandra Freire Correia
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 14 horas e 4
minutos. Foi apreciado o Relatório sobre a Aplicação da
Declaração do Estado de Emergência no período de 24 de novembro a 8 de dezembro de 2020. Usaram da palavra, além dos Ministros da Administração Interna (Eduardo Cabrita) e da Saúde (Marta Temido), os Deputados André
Ventura (CH), Mariana Silva (PEV), Bebiana Cunha (PAN), João Pinho de Almeida (CDS-PP), António Filipe (PCP), Moisés Ferreira (BE), Artur Soveral Andrade (PSD) e Pedro Delgado Alves (PS).
Procedeu-se ao debate sobre o pedido de autorização, solicitado pelo Presidente da República, de renovação do estado de emergência. Proferiram intervenções os Deputados
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Constança Urbano de Sousa (PS), Carlos Peixoto (PSD), Pedro Filipe Soares (BE), João Oliveira (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), Mariana Silva (PEV), André Ventura (CH), João Cotrim de Figueiredo (IL), Joacine Katar Moreira (N insc.) e Cristina Rodrigues (N insc.) e o Ministro da Administração Interna. No final, a Câmara concedeu autorização para a renovação solicitada.
Foi discutido o Projeto de Resolução n.º 770/XIV/2.ª (PS) — Recomenda a adoção de medidas para travar o aumento das desigualdades estruturais de género desencadeadas pelos impactos socioeconómicos da COVID-19. Usaram da palavra os Deputados Elza Pais (PS), João Cotrim de Figueiredo (IL), Sandra Cunha (BE), Lina Lopes (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Alma Rivera (PCP), Mariana Silva (PEV), André Ventura (CH) e Edite Estrela (PS).
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 92/2020, de 23 de outubro, que altera o regime geral da gestão de resíduos [Apreciações Parlamentares n.os 32/XIV/2.ª (PSD), 34/XIV/2.ª (PCP) e 35/XIV/2.ª (BE)]. Proferiram intervenções, além da Secretária de Estado do Ambiente (Inês dos Santos Costa), os Deputados Bruno Coimbra (PSD), Paula Santos (PCP), Nelson Peralta (BE), Hugo Pires (PS), Mariana Silva (PEV),
João Gonçalves Pereira (CDS-PP) e André Silva (PAN). No encerramento do debate, usaram da palavra o Deputado Luís Leite Ramos (PSD) e, de novo, a Secretária de Estado do Ambiente, tendo sido anunciada pela Mesa a apresentação dos Projetos de Resolução n.os 809/XIV/2.ª (PSD) [Apreciação Parlamentar n.º 32/XIV/2.ª (PSD)] e 810/XIV/2.ª (PCP) [Apreciação Parlamentar n.º 34/XIV/2.ª (PCP)], solicitando a cessação de vigência do Decreto-Lei, e a apresentação, pelo BE, de propostas de alteração ao Decreto-Lei.
Foi discutido, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 478/XIV/1.ª (BE) — Repõe o regime de remuneração das centrais de produção de energia eólica (Revoga o Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro), tendo-se pronunciado os Deputados Jorge Costa (BE), Duarte Alves (PCP), Nuno Fazenda (PS), Emídio Guerreiro (PSD), André Silva (PAN) e João Gonçalves Pereira (CDS-PP).
Foi anunciada a entrada na Mesa da Proposta de Lei n.º 65/XIV/2.ª (ALRAM).
Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.
O Presidente (António Filipe) encerrou a sessão eram 17 horas e 59 minutos.
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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Srs. Agentes da autoridade.
Vamos dar início aos nossos trabalhos.
Eram 14 horas e 4 minutos.
A sessão plenária de hoje tem como primeiro ponto a apresentação e discussão do Relatóriosobre a Aplicação da Declaração do Estado de Emergência no período de 24 de novembro a 8 de dezembro de 2020.
Para abrir o debate, tem a palavra, por parte do Governo, o Sr. Ministro da Administração Interna, Eduardo
Cabrita, que saúdo.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Cabrita): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Relatório, hoje em debate, cumpre as obrigações legais e as obrigações institucionais de escrutínio político da
atividade do Governo sobre a forma como é executado o decreto de determinação do estado de emergência,
aprovado pela Assembleia da República. Insere-se, aliás, num quadro de acompanhamento próximo pela
Assembleia da República de tudo aquilo que temos vindo a fazer desde março.
Este é o 12.º Relatório — entre relatórios de estado de emergência e relatórios, não exigidos por lei, sobre
as fases de situações de calamidade, de contingência ou de alerta — que o Governo aqui apresenta.
Sobre esta fase, diria que esta quinzena corresponde a um conjunto de situações particularmente relevantes
no acompanhamento deste quadro. Corresponde ao período de mais elevada ocorrência de situações de
incidência de contágio, ao período em que o maior número de municípios esteve sujeito a medidas restritivas
por se encontrar em situação de risco muito elevado ou extremo. Corresponde também, relativamente àquilo
que é o âmbito das obrigações de isolamento profilático, ao período em que o número de casos ativos excedeu
largamente os 80 000, chegando, num dia, a atingir 88 000 casos ativos.
Mas corresponde ainda ao período em que se prova, pela evolução verificada, a adequação das medidas
tomadas, a sua proporcionalidade, a forma como defendemos os portugueses, a sua saúde e o funcionamento
do Serviço Nacional de Saúde (SNS), porque foi durante esta quinzena que o número de casos ativos baixou
de mais de 80 000, como referi, para 70 000, no dia 8 de dezembro.
Nesses 14 dias, passámos de 1300 casos por 100 000 habitantes na região Norte para uma situação, ainda
preocupante neste momento, em que temos 767 casos (dados de ontem). Isto é quase metade daquela que era
a incidência no dia 24 de novembro.
O que é que isto prova? Que estas medidas, contando com a iniciativa do Sr. Presidente da República, a
aprovação da Assembleia da República e a determinação do Governo, foram decisivas para travar o
crescimento, infletir a evolução da pandemia, defender a manutenção da capacidade de resposta do Serviço
Nacional de Saúde e, sobretudo, das suas áreas de resposta em cuidados intensivos, preparando aqui a
esperança que, como discutiremos no debate seguinte, nos será dada pela chegada da vacina.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Não desejando intervir o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do IL, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do CH.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: O Relatóriosobre a Aplicação da Declaração do Estado de Emergência que é apresentado a esta Câmara tem, mais uma vez, uma
particularidade: consegue transmitir muito pouco sobre aquilo que verdadeiramente foi o estado de emergência.
Consegue não clarificar aquilo que tinha sido pedido para se clarificar, que era o que todos os partidos tinham
solicitado a este Governo, além de que tivesse medidas claras, estáveis e permanentes, no âmbito do estado
de emergência.
O que este Relatório não demonstra é a confusão que se verificou em todo o País e que está patente em
vários relatórios de forças, nomeadamente, policiais, a confusão que os portugueses tiveram em matéria de
regras que tinham de cumprir ou que não tinham de cumprir, regras estas que o Presidente da República dizia
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que eram recomendações, que o Governo dizia que eram proibições, que uns partidos diziam que eram
indicações e outros diziam que se tratava de meras advertências.
Este Relatório volta a não tocar num ponto essencial, que é o ponto da clareza e da sustentabilidade destas
medidas. Por isso, se é o mesmo programa que será apresentado aos portugueses, tal como nos foi indicado
pelo Governo, este Relatório dá-nos as melhores razões pelas quais não deveremos viabilizar o novo estado de
emergência.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», a Sr.ª Deputada Mariana Silva.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos, hoje, o Relatório sobre a Aplicação da Declaração do Estado de Emergência no período de 24 de
novembro a 8 de dezembro de 2020.
A declaração do estado de emergência não teve a concordância de Os Verdes, pois temos deixado bem
claro, desde o início, que não consideramos ser este o instrumento necessário para travar a propagação da
COVID-19.
Desde março que os portugueses estão confrontados com uma sucessão de acontecimentos não
imaginados, inesperados, revelando uma extraordinária capacidade para entenderem as medidas de segurança
sanitária que são necessárias para as rotinas diárias.
Assim, não nos cansamos de saudar os portugueses pelo generalizado cumprimento das medidas de
segurança, particularmente em momentos em que os números de infeções e de internamentos aumentaram,
sabendo reservar-se e contribuir para que os fatídicos números de infetados, internados e mortos se tenham
mantido sob controlo.
Assim sendo, enquanto os portugueses continuarem a olhar com todo o sentido de responsabilidade para as
recomendações das autoridades políticas, o Governo continua a dispor, dentro do quadro legal normal, de todas
as condições para que nada falte neste combate.
O presente Relatório, tal como os anteriores, refere uma normalidade que não se verifica na realidade,
realidade essa que é necessário identificar para que seja possível adaptar as medidas que permitam maior
segurança e proteção em todos os espaços.
Este é um Relatório que não descreve as reais dificuldades dos portugueses. Fala dos dias de interrupção
das aulas nas primeiras semanas de dezembro, mas não fala dos trabalhadores, maioritariamente mulheres,
que perderam dois dias de férias ou de salário porque o Governo decidiu que ia ser assim.
Não fala das dificuldades que se sentem nas escolas com a falta de assistentes operacionais e com as
dificuldades em se garantir um bom acompanhamento dos alunos e combater o medo e a ansiedade.
Quanto à cultura, este Relatório discorre sobre os espetáculos que se realizaram, e ainda bem, contudo, não
fala dos milhares de trabalhadores da cultura que, como ainda ontem aqui discutimos, vivem no desespero.
Quanto aos transportes públicos, continuam a ser poucos, em todo o território, para que garantam a
segurança e seja possível manter a distância exigida. O Relatório foca-se apenas na descrição do que se fez
nas grandes áreas metropolitanas — e mesmo nessas não espelhando a realidade — e pouco se avalia no
restante território.
Lê-se o Relatório e não compreendemos porque falta a descrição das dificuldades que os portugueses
sentem nas diversas áreas. Continua a ser usada a figura do estado de emergência e continuam esquecidas e
abandonadas as localidades que ainda não viram devolvida a mobilidade, nem a normalidade dos cuidados de
saúde primários.
Infelizmente, o presente Relatório continua a passar ao lado dos reais impactos destas medidas na vida dos
portugueses.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PAN, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Relatório que ora apreciamos evidencia um período em que não só o pico de infeções foi de facto mais elevado,
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mas em que também se iniciou a redução do número de infeções, pese embora o número de doentes internados
em unidades de cuidados intensivos seja ainda muito preocupante.
Com 88% de óbitos a registarem-se em idades iguais ou superiores a 70 anos, fica muito claro que o Governo
não pode facilitar. A Rede Nacional de Cuidados Continuados já expôs, por diversas vezes, nesta Casa, as suas
necessidades, mas nem por isso a proposta trazida pelo PAN, em sede de Orçamento do Estado, que visava
precisamente apoiar melhor as instituições que constituem essa Rede, foi aprovada.
Cuidar melhor não pode significar isolar ou não permitir visitas a quem por si só se encontra já em situação
de solidão, pelo que importa que o Governo garanta condições de segurança para que os idosos que se
encontram isolados ou em situação de elevada vulnerabilidade, assim como crianças ou jovens
institucionalizados, tenham o devido acompanhamento de proximidade e não se sintam sozinhos nesta fase
particularmente difícil.
O aumento de casos nos estabelecimentos prisionais é também um alerta para a importância de garantir
igualmente a proteção de quem lá se encontra.
A nível económico, apesar das medidas implementadas, um estudo realizado pela Universidade Católica
refere que um quarto das pessoas inquiridas tem hoje menos rendimentos do que tinha antes destas crises.
Continuamos, por isso, a dizer que é fundamental que, de forma estruturada e planeada, se garanta a adaptação
dos apoios, para assegurar as respostas aos diferentes setores e pessoas que estão a ser afetados por esta
crise.
Este é também um período muito marcado por um maior recurso aos produtos e materiais descartáveis, em
contraciclo com o percurso que deve ser feito em matéria de uso eficiente e de circularidade dos recursos. A
procura crescente de produtos descartáveis está a converter-se, aliás, numa questão de saúde pública e
ambiental, com elevada deposição incorreta de luvas e de máscaras, o que traz muitas dificuldades em matéria
de gestão dos resíduos, pelo que esperamos que a campanha de sensibilização que o PAN conseguiu inscrever
em sede de Orçamento do Estado seja desenvolvida de forma eficiente e o mais cedo possível.
O que se passa nesta matéria é sinal de que precisamos de uma economia capaz de produzir, restaurar e
renovar, sem esquecer a proteção da nossa casa comum.
Não sabemos ainda quanto tempo mais teremos de viver com este vírus e com a renovação do estado de
emergência, pelo que, para além de um requisito legal, a análise destes relatórios deve contribuir efetivamente
para que sejamos capazes de antecipar cenários e mitigar os efeitos desta crise.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Não vamos tratar a apresentação deste Relatório como se se tratasse de mais uma apresentação
de um relatório. Não vamos fazer de conta.
Quem aqui apresenta este Relatório, em nome do Governo, é um Ministro que, do nosso ponto de vista, não
devia estar em funções. Por isso, Sr. Ministro, tenho de dizer-lhe diretamente: achamos que a autoridade do
Estado para lidar com a situação de exceção que aqui estamos a debater tem muito a ver com quem o Governo
escolhe para desempenhar essa função. E trazer aqui um Ministro que, ainda esta semana, veio ao Parlamento
para ser ouvido e a avaliação que fizemos das suas respostas foi a de que não havia condições para que
continuasse em funções é um desrespeito por aquilo que é o desempenho que o Governo deve ter nesta matéria
e a autoridade que deve ter para executar as funções.
O balanço que fazemos desse Relatório é claro: os portugueses cumpriram e o Governo complicou. O
Governo complicou nas regras e complicou na sua execução e na autoridade que tinha de ter para as executar.
Complicou nas regras, porque insistiu em regras irracionais, que não conseguem passar nem no crivo da base
científica para as aplicar nem no da eficiência direta que produziram.
Tínhamos já o exemplo das horas a que determinados estabelecimentos abrem e fecham e do
congestionamento que continuou a existir em função desse critério, sendo óbvio que não se conseguiu o efeito
de não concentrar pessoas, pelo contrário concentrou-se, em poucas horas, a mesma quantidade de pessoas
que estariam distribuídas ao longo do dia.
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Mas, durante este estado de emergência, tivemos, por exemplo, outra situação que merece ser assinalada e
que é o facto de se continuar a ter fronteiras, concelho a concelho, em áreas metropolitanas. Ora, isto fez com
que, na mesma área metropolitana, pudesse haver um concelho com recolhimento às 13 horas e que o concelho
do lado não tivesse a mesma restrição, levando a uma concentração não só das pessoas do concelho que não
tinha essa restrição, mas de todos aqueles que, tendo a restrição, saíram para ir — e isso viu-se — a superfícies
comerciais limítrofes, por exemplo, no concelho de Lisboa, no concelho da Amadora ou no concelho de Odivelas.
Depois há a questão das escolas: continua a haver escolas que medem a temperatura aos alunos e escolas
que não medem; escolas em que são os auxiliares que fazem a desinfeção e escolas em que há desinfeção se
os professores a fizerem, porque se não a fizerem ela não existe; há escolas que, quando há casos, fecham e
escolas em que, quando há casos, vai uma turma inteira para casa e outras em que vai apenas o aluno que foi
identificado como positivo para COVID-19. Ou seja, não há um protocolo que funcione de forma idêntica para
todos os estabelecimentos de ensino no País.
E, depois, Sr. Ministro, sobre aquilo que lhe diz mais diretamente respeito, as forças e serviços de
segurança…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Este Relatório aponta — e bem — para a importância da função pedagógica dessas forças e serviços de
segurança, mas, para que isso aconteça, é preciso que essas forças e serviços de segurança estejam com a
sua autoridade no máximo.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Mas, tendo um Ministro que não tem essa autoridade, obviamente que estão fragilizados na sua função.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nesta matéria há uma divergência de fundo que nos separa, que já foi debatida, e que tem a ver com a necessidade do estado
de emergência. A posição do PCP é que não era necessária a declaração do estado de emergência para
poderem ser tomadas as medidas de distanciamento físico e de segurança sanitária necessárias para evitar a
propagação da COVID-19.
Essa questão foi discutida mais do que uma vez, mas há questões que se colocam, pelas medidas concretas
que têm sido adotadas nesta fase do estado de emergência e que suscitam, diria, a incompreensão generalizada
das pessoas. Essas questões já foram abordadas neste debate e, de facto, não se compreende qual é a
vantagem de concentrar as pessoas às compras na mesma hora do dia, designadamente aos sábados de
manhã. Não se entende!
Ou seja, quando as pessoas poderiam fazer as compras dos seus produtos de primeira necessidade
separadamente, em várias horas do dia, têm todas de se concentrar e, portanto, basta ver as zonas comerciais
ao sábado de manhã para verificar a enorme aglomeração de pessoas. Não se entende qual é a vantagem
disso, repito, não se entende qual é a vantagem disso. Não está demonstrado que isso seja vantajoso, do ponto
de vista de evitar a propagação do vírus, e há uma incompreensão geral das pessoas relativamente a essa
medida.
O mesmo relativamente à proibição de circulação entre concelhos. Qualquer pessoa compreende que dentro
da Área Metropolitana de Lisboa há pessoas que residem em zonas limítrofes de vários concelhos… Eu, por
exemplo, posso dizer que, para me deslocar da minha residência à Assembleia da República, posso passar por
quatro concelhos, se o trânsito a isso me obrigar. Bom, isto faz com que muitas populações dentro do seu
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concelho tenham de se deslocar para zonas mais distantes da sua residência para fazer compras do que se o
fizessem em zonas comerciais de concelhos limítrofes. Isto é uma evidência.
Portanto, também não se percebe porque é que se dá esta limitação e que vantagens é que ela tem. As
pessoas, obviamente, aceitarão restrições naquele que é o seu modo de vida quotidiano se entenderem, se ficar
demonstrado que isso é vantajoso do ponto de vista de evitar o contágio, de evitar a propagação do vírus.
Mas há medidas que têm sido tomadas nos últimos tempos — e que persistem — que as pessoas não
entendem e creio que não entendem legitimamente.
Assim como, e com isto termino, Sr. Presidente, não se entende a limitação de encerramento dos
restaurantes às 13 horas, o que faz com que as pessoas se concentrem todas entre as 12 horas e as 13 horas,
quando isso podia perfeitamente ser evitado mantendo as condições normais de funcionamento.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, dizendo que há aqui uma falta de proporcionalidade na adequação das medidas que, do nosso ponto de vista, devia ser retificada com ou sem estado de emergência.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O estado de emergência que estamos a debater coincidiu com dois fins de semana que poderiam ser alargados para
muitas pessoas e, ainda sim, registou-se uma quebra, uma redução ligeira da incidência de COVID-19, o que
achamos positivo.
No entanto, a incidência diária continua muito elevada, o que faz adivinhar uma possível terceira vaga de
dimensão considerável, mas a quebra de incidência, nas últimas semanas, demonstra que a população, por um
lado, tem cumprido as regras e demonstra, também, aquilo que já todos neste País sabem, que os profissionais
de saúde, em particular os profissionais do Serviço Nacional de Saúde, têm sido inexcedíveis. Mesmo com uma
pressão enorme sobre o internamento, sobre as unidades de cuidados intensivos, os profissionais de saúde do
SNS têm dado resposta e têm permitido, também, que as consequências da pandemia sejam minoradas para
toda a população.
Agora, o que tem faltado, efetivamente, são mais medidas do Governo, por um lado, para responder a
problemas que há muito estão identificados, por outro, para mitigar consequências que advêm de medidas de
restrição, nomeadamente das que são impostas pelo estado de emergência.
Muitos desses problemas estão já identificados. Aliás, no próprio Relatório sobre o estado de emergência a
autoridade de coordenação regional do Norte diz que continua a registar-se uma falta de sistemas robustos de
informação, havendo a necessidade de melhorar a articulação entre a segurança social e a saúde.
Mas não é preciso ir só àquilo que a autoridade de coordenação regional do Norte diz, basta ver, por exemplo,
o que aconteceu com a supressão de comboios nesses fins de semana alargados, que levou a uma sobrelotação
e a uma grande concentração de pessoas, muitas delas que tinham de se deslocar porque estavam a trabalhar.
Não faz sentido nenhum que haja supressão de comboios para obrigar a uma concentração maior das pessoas
nas estações de comboio.
Continuam a registar-se problemas, por exemplo, com a emissão de declarações de isolamento, com o não
pagamento imediato às pessoas que ficam em quarentena. Continua a haver uma total ausência de medidas
económicas e esse, aliás, é o principal registo deste Relatório. Na parte sobre economia, não há nenhuma
medida económica ali prevista, quando temos setores de atividade que estão a sofrer imenso com as medidas
restritivas.
Nas últimas semanas, temos visto o Governo a privilegiar os contratos de dezenas de milhões de euros com
hospitais privados quando, na verdade, tem um instrumento que é a requisição civil dessas instalações e desses
recursos. O Governo poderia, através dessa requisição, não só reforçar a capacidade de resposta do País, mas
também utilizar esse dinheiro no Serviço Nacional de Saúde, em vez de estar a ser colocado no setor privado.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
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O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Termino já, Sr. Presidente. O Governo tem instrumentos que estão a ser reforçados com o estado de emergência, mas não os tem
estado a utilizar.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, informo o Plenário de que já temos quórum para as votações que se seguirão ao ponto subsequente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Soveral Andrade, do Grupo Parlamentar do PSD, para uma intervenção.
O Sr. Artur Soveral Andrade (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A primeira nota vai para recordar que o PSD neste período, tal como sempre aconteceu, se norteou
por um princípio que foi o de pôr o País acima dos interesses egoísticos partidários.
Neste período, que foi especialmente problemático, o PSD teve o cuidado de ir sempre dando nota daquilo
que estava a correr menos bem ou mesmo que estava a correr mal.
A segunda nota vai para um elogio aos portugueses. De facto, os portugueses têm tido um comportamento
exemplar e basta vermos os noticiários para compararmos com o que se passa lá fora, pelo que este elogio é
inteiramente merecido. Claro que há aqui alguns destaques especiais na área da saúde, na área da segurança,
na área do ensino e de todas as pessoas que, de um modo ou de outro, conseguiram que o País não parasse
e que a economia continuasse a mexer.
Porém, há um grupo de pessoas a quem tem sido pouco reconhecido o mérito e estou a referir-me aos
autarcas que têm tido uma atuação, quer na prevenção, quer no combate à COVID, que se transformou num
dos pilares essenciais para que a situação não fosse mais catastrófica. Fica assim um agradecimento genuíno
aos autarcas.
Concretamente, e quanto ao estado de emergência no período de 24 de novembro a 8 de dezembro, em
que, recordo, faleceram 1136 pessoas, importa dizer o seguinte: acreditamos que o Governo fez o melhor que
soube, a questão é que, muitas vezes, isso não foi suficiente e algumas vezes, vezes de mais, faltou fazer muito
melhor ou, pelo menos, não fazer mal.
Vou dar exemplos: falhou na gestão dos tempos uma vez que andou quase sempre a correr atrás do prejuízo,
falhou também na forma pendular em que nos dias pares era a favor de uma dramatização e nos dias ímpares
de uma otimização. Falhou na ajuda aos doentes não COVID que sofreram para além do que era razoável. As
empresas não foram suficientemente apoiadas e isso traduziu-se num número de desemprego e de insolvências
que podia ter sido evitado.
Em relação à classe média, a pessoas com menores rendimentos, aos idosos e aos jovens, nesta edição
revista e diminuída, em termos de apoio parlamentar, o Governo, que já na sua primitiva formação era frágil,
tomou medidas cujo percurso cognoscitivo que foi seguido era incompreensível como aqui já foram dados alguns
exemplos.
Penso que até devia ter sido feito um manual de instruções com as regras, as exceções às regras e as
exceções às exceções, sendo que nesse manual de certeza que a parte da errata seria a que tinha maior
densidade significante.
Em conclusão, na vertente da saúde faltou capacidade para prever e planear, na vertente da economia não
se criaram condições para que, a seguir, se verifique um efeito mola para que a economia venha a recuperar.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
O Sr. Artur Soveral Andrade (PSD): — Vou já fazê-lo, Sr. Presidente. Termino com um pedido: não infantilizem a comunicação com os portugueses, tratem-nos como adultos, não
há vírus nenhum que o impeça.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado: Em primeiro lugar, no quadro de um balanço da execução do estado de emergência, a
primeira palavra deve ser, como várias bancadas já deram nota, de saudação aos profissionais de saúde, a
quem, na primeira linha, tem assegurado um impacto mais intenso e mais direto das consequências da
pandemia.
Mas quero saudar particularmente também todos aqueles que foram mobilizados para assegurar a execução
do estado de emergência: as forças e serviços de segurança, os docentes de todos os graus de ensino e os
autarcas que, como o Sr. Deputado há pouco referiu, devem ser louvados e homenageados, também, por aquilo
que tem sido o seu empenho e por aquilo que têm feito para minorar ao máximo os efeitos negativos da
pandemia.
Neste contexto é, também, importante termos esta oportunidade novamente de ver a informação detalhada
que, mais uma vez, o Governo nos fornece para podermos fazer o balanço do que sucedeu e também para
preparar o que vamos discutir de seguida e a análise e a avaliação de como o estado de emergência tem sido
encarado.
Neste Relatório, aponta-se, claramente, uma descida e, portanto, um resultado mais positivo, obviamente
num contexto de grande dificuldade, na medida em que conseguimos conter e reduzir o impacto dos contágios.
Esse é o objetivo principal e aquilo que justifica a necessidade do estado de emergência.
E, mais uma vez, evidencia-se, da parte dos cidadãos, o cumprimento e a adesão às regras que foram
colocadas em cima da mesa. Mais uma vez, o Relatório é extraordinariamente parco no que diz respeito à
necessidade de recurso a medidas sancionatórias e na deteção de casos em que não foi suficiente a
componente pedagógica desta intervenção.
Mas como já tivemos oportunidade de dizer em momentos anteriores, nos debates que antecederam este,
se olharmos para o perfil das medidas adotadas no resto da Europa, o que encontramos são graus diferentes
de intensidade de lock down e de fecho da atividade económica, fecho de escolas, fecho de estabelecimentos
de restauração e de estabelecimentos comerciais. Portanto, encontramos soluções que são mais fáceis porque
optam por cortar a eito e parar a atividade, mas são, naturalmente, mais duras.
Como já tivemos oportunidade de ver e de dizer da última vez que fizemos este debate, não podemos querer
ter simultaneamente proteção da saúde, salvaguarda, tanto quanto possível, da atividade económica,
proporcionalidade e adequação e, depois, não ter algum grau de complexidade e alguma necessidade de olhar
com detalhe para as medidas aprovadas.
Naturalmente, a evolução da escala da pandemia em cada território e as medidas adotadas e ajustadas a
cada circunstância tornam menos evidente a leitura das medidas e podem tornar mais complexa a sua
apreensão. Mas elas são absolutamente indispensáveis para se poderem alocar recursos de forma sustentada
aos sítios onde é necessário acorrer com mais intensidade e, obviamente, não restringir direitos fundamentais
para lá do que é razoável.
É complexo? É.
É mais difícil do que dizer simplesmente que está tudo proibido? Com certeza.
Mas essa é precisamente a razão pela qual fazemos esta avaliação regular, é a razão pela qual
circunscrevemos a restrição dos direitos fundamentais ao absolutamente indispensável e a razão pela qual,
obviamente, numa sociedade que se quer manter democrática e que quer manter, tanto quanto possível, a
economia a funcionar, temos de ter esta abordagem.
Para terminar, recordava uma vez mais — não é por repetirmos a ideia que ela se torna real — que todas as
medidas que podiam ser mobilizadas para apoio à economia o foram.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente. Mais de 7000 milhões de euros foram colocados para apoiar as empresas em dificuldade, 1,1 mil milhões de
euros foram direcionados especificamente para o setor da restauração. Sabemos que não é suficiente, porque
também sabemos que tudo o que enfrentamos é de uma escala totalmente imprevista e, obviamente, sem
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precedentes na nossa História recente. Portanto, tudo o que pudermos fazer é bem-vindo, gostaríamos todos
de fazer muito mais, mas a escassez de recursos para alguns destes desafios, de facto, não o permite.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para encerrar este debate, tem a palavra, pelo Governo, a Sr.ª Ministra da Saúde, Marta Temido, que quero também cumprimentar.
Faça favor, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Saúde (Marta Temido): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A análise dos resultados da aplicação deste estado de emergência estão à vista no Relatório e são compreensíveis pela citação de dois
números.
Na semana anterior à vigência deste estado de emergência, o País tinha tido cerca de 39 000 casos; na
primeira semana da vigência deste estado de emergência teve um total de cerca de 33 000 casos e na segunda
semana teve cerca de 27 000 casos.
Desde o final de agosto até à primeira semana deste estado de emergência, o País tinha um crescente risco
de transmissão efetivo, medido ao longo do tempo, e tinha-o acima de 1. Na semana de 30 de novembro a 4 de
dezembro, a média do risco efetivo de transmissão foi de 0,97.
Está tudo bem? Não, não está tudo bem. Estamos longe de estar numa situação confortável e isso continua
a exigir o melhor de nós e continua a exigir que não exploremos a irracionalidade, não infantilizemos as pessoas
e que, como tal, comecemos por não nos infantilizarmos nesta Casa.
As medidas não são irracionais, não são difíceis de entender, porque o que queremos é reduzir contactos e
isso, de uma forma simplista, só se consegue fazer fechando todos em casa. Tentamos utilizar medidas
proporcionais e que sejam o mínimo possível limitadoras do que é o normal funcionamento de uma sociedade.
Isso implica restrições aos horários de funcionamento e de circulação, que não são feitas para aborrecer ou
contrariar ninguém, mas para evitar um número mais crescente de contactos.
O que vale a pena sublinhar neste momento é a capacidade que os portugueses têm tido de não serem
egoístas. O que vale a pena sublinhar é que, sendo este um momento especial do nosso ano, o apelo que
deixamos é que não nos deixemos capturar pelo egoísmo e sim pela capacidade de sermos solidários e de nos
protegermos uns aos outros. Isto porque, não obstante o que se vislumbra no horizonte, em termos de
perspetivas, é muito o que há para fazer e o mês de dezembro vai ser um mês muito difícil em que precisamos
todos de estar unidos na luta contra o vírus e de explicar adequadamente aquilo ao que vimos: vimos para ajudar
a salvar o País de uma doença.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para terminar este debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna. Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate mostra o consenso alargado sobre a adequação e indispensabilidade das medidas que foram tomadas.
Associo-me a todos no reconhecimento da forma exemplar como os portugueses reagiram ativamente às
medidas que o Parlamento aprovou, por iniciativa do Presidente da República, e executadas, por dever, pelo
Governo, e à forma como salvaguardámos o funcionamento das escolas, essencial para salvar as novas
gerações, como tentámos mitigar o impacto na economia, reduzindo o nível de constrições à atividade
económica.
Às críticas que aqui vi, e que manifestam preocupações legítimas, a alternativa é aquilo que, um pouco por
toda a Europa, foi feito, ou seja, o total encerramento, a não distinção entre territórios. Estas medidas testam a
capacidade de diferenciar territorialmente, como tantas vezes foi pedido.
Finalmente, este é um exercício de transparência. São mais 110 páginas de Relatório e muitas mais de
anexos, em que o Governo, com transparência, mostra como cumpre o mandato que o Parlamento e o Sr.
Presidente da República lhe deram.
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Qual é o melhor resultado? No dia em que este estado de emergência iniciou tínhamos 750 casos por 100
000 habitantes nos últimos 14 dias; no último dia deste período de estado de emergência, 8 de dezembro,
tínhamos 576. É esse o estímulo que os portugueses e os profissionais de saúde merecem para continuarmos
a combater para vencer a pandemia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início ao segundo ponto da ordem do dia, o debate sobre o pedido de autorização de renovação do estado de emergência.
Queria apenas dizer que recebi, no dia 16 de dezembro, a mensagem do Sr. Presidente da República que
contém a fundamentação e o conteúdo do projeto de decreto do Presidente da República, que renova o estado
de emergência por um período de 15 dias, até 7 de janeiro de 2021.
Nos seus primeiros parágrafos o decreto chama a atenção para que «a suscetibilidade da renovação do
estado de emergência, de 24 de dezembro a 7 de janeiro, foi já pré-anunciada no preâmbulo do Decreto do
Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro, tendo o Governo estabelecido medidas a tomar
durante os períodos do Natal e fim de ano», e que, «com efeito, se mantém a situação de calamidade pública
provocada pela pandemia COVID-19 e, não obstante a ligeira diminuição da taxa de incidência de novos casos
de infetados, mantém-se um número de falecimentos ainda muito elevado, confirmando, os peritos, os claros
riscos de novo agravamento da pandemia em caso de redução das medidas tomadas para lhe fazer face.»
Para iniciar o debate deste ponto da agenda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa,
do Grupo Parlamentar do PS.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje voltamos a renovar o estado de emergência, com um sentido de responsabilidade.
Infelizmente, vamos continuar a necessitar de medidas de contenção que contribuam, de forma muito efetiva,
para evitar a propagação da COVID-19.
Apesar de se registarem resultados positivos e de hoje a vacina estar muito mais próxima do que ontem, a
verdade é que a situação pandémica continua a ser muito grave, não apenas em Portugal, mas em todos os
países europeus.
Um pouco por toda a Europa, assistimos, em véspera de Natal e Ano Novo, a um endurecimento generalizado
das medidas para conter o nível de transmissão deste terrível vírus. Até ao momento, em Portugal, o Governo
tem adotado medidas muito menos restritivas, se comparadas com as de outros países europeus que optaram,
esta semana, por confinamentos generalizados, totais ou quase totais. Em Portugal estas medidas de contenção
têm sido proporcionais e diferenciadas em função do risco, de forma a controlar a pandemia e, ao mesmo tempo,
dentro do possível, não matar a economia e, com isso, o sustento de muitas pessoas.
A antecipação, pela Agência Europeia do Medicamento, da autorização de uma vacina eficaz e segura,
permite-nos, hoje, olhar o futuro com uma renovada esperança. Com esta autorização poderemos antecipar a
campanha de vacinação e, com isso, mais cedo sair do pesadelo em que nos encontramos. Mas todos
precisamos de compreender que o processo de vacinação, que é vital para salvar vidas humanas, é muito
complexo, tem de ser faseado e nunca poderá ser realizado em poucas semanas ou mesmo em poucos meses.
Assim, vamos continuar a necessitar de medidas restritivas e este não é o momento de baixar a guarda e
deitar tudo a perder, até porque poderemos enfrentar uma terceira vaga.
Por isso, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai votar favoravelmente a renovação do estado de
emergência, para habilitar o Governo com os poderes necessários para manter ou adotar medidas graduais,
adequadas e proporcionais, que contribuam para evitar a propagação do vírus e, com isso, salvar vidas.
A aprovação desta renovação pelo Parlamento também é, ela mesma, uma manifestação do seu elevado
sentido de responsabilidade, pois o que está em causa é a proteção da vida, da saúde e do bem-estar de toda
a comunidade.
Com o aproximar do Natal e Ano Novo, épocas de convívio, por natureza, gostaria de salientar que a luta
contra a pandemia nos convoca a todos, na qualidade de cidadãos e cidadãs. Todos temos de ter consciência
de que é nossa própria responsabilidade adequar o nosso comportamento individual. Todos temos de recordar,
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a cada instante, que todo o cuidado é pouco e nenhum sacrifício é demais quando o que está em jogo é a vida
das pessoas.
Vencer a longa e difícil luta contra a pandemia não é apenas responsabilidade do Governo, do Parlamento
ou das instituições, é uma responsabilidade conjunta, de todos e de cada um de nós. Sei que estamos todos
cansados. Mas, individual e coletivamente, precisamos de empreender um esforço final, por mais doloroso que
ele possa ser, pois se há uma certeza, ao dia de hoje, é que o vírus se alimenta do nosso comportamento, e
dele, só dele, depende, em grande medida, a vida de muitas pessoas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Peixoto.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD viabilizou todos os anteriores pedidos de declaração e de renovação do estado de emergência. Também
vai viabilizar este.
Os dados são o que são e entendemos que o Governo continua a precisar que este regime excecional vigore
para poder implementar medidas de contenção da pandemia.
Sabemos, desde o primeiro dia, que essas medidas atingem severamente pessoas e empresas, mas, entre
a tormenta de uma crise económica no País e o risco sério para a saúde e vida de cada um de nós, não há por
onde escolher. Sem vida não há economia e, sem saúde, a vida não é a mesma coisa.
Não faremos qualquer aproveitamento político gratuito deste flagelo. Mas, da mesma forma que a COVID
não pode ser terreno fértil para expor as fragilidades do Governo, também o estado de emergência não pode
ser uma máscara para esconder os seus erros.
No verão, o Governo esteve, confiadamente, a banhos quando devia estar afincadamente a trabalhar na
estratégia de recuperação dos milhões de consultas, tratamentos e cirurgias que as suas opções políticas
comprometeram. Também por isso não foi capaz de travar o brutal aumento da mortalidade e não foi diligente
nos lares para conter os contágios e os óbitos da população mais idosa.
Não há quem não receie que, se não acertou no plano da vacinação contra a gripe, o Governo possa também
falhar no plano da vacinação contra a COVID. Até porque, restringindo este plano e a sua aplicação aos centros
de saúde, é muito difícil que estes centros de saúde, sem receberem orientações e sem terem dados
centralizados para organizarem os processos de chamada das pessoas, possam desempenhar bem o seu
trabalho.
Tudo isto causa legítima apreensão e desconfiança, agora maiores, com as regras mais abertas que se
anunciaram para as quadras do Natal e do Ano Novo.
É compreensível, como já aqui foi dito, que se pretenda suavizar o nível de cansaço e de exaustão com tanta,
mas tanta, contraditória, confusa e injusta proibição.
Estamos todos ansiosos por passar o Natal em família, mas, Srs. Deputados, o dilema persiste e a adesão
à realidade tem mesmo muita força. Os contactos próximos favorecem os contágios e a ciência explica o que a
seguir acontece: os números disparam.
Com a vacina a caminho, ainda que distante, ou o Governo é ponderado e inteligente ou é simpático e
popular. As duas coisas ao mesmo tempo podem não dar bom resultado, pode ser algo explosivo e pode fazer
detonar a «bomba relógio».
Na última semana, os contágios aumentaram 4% — e só não aumentaram mais porque o número de testes
diminuiu — e os óbitos subiram 7%.
O Governo português é o único na Europa que não implementou medidas de restrição de circulação entre
concelhos, nos próximos 15 dias, mesmo nos de elevado risco. E, que se saiba, é o único que não deu qualquer
indicação de referência para o número de pessoas que deverão agrupar-se nas reuniões familiares ou para
adotar comportamentos padrão.
Não devemos nem queremos cair na caricatura de outros países, que implementaram medidas consideradas
anedóticas, mas temos de ser mais racionais e mais frios na análise.
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Se, quanto aos festejos de fim de ano, nos parece de bom senso limitar a liberdade de cada um com regras
mais impositivas, já quanto ao Natal a equação, sendo de mais difícil ponderação pelo significado que tem, não
dispensa, ainda assim, a definição de indicações mais claras que auxiliem a decisão moral de cada um.
Sr.as e Srs. Deputados, este ano também haverá Natal,…
O Sr. António Filipe (PCP): — E pequeno-almoço?
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — … mas será, seguramente, um Natal diferente. Diferente, para que não seja o último e para que a família possa, em paz, celebrar e glorificar a vida.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do BE.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Na renovação de mais um estado de emergência e com a consciência de que já se consegue ver uma luz ao fundo
túnel desta segunda vaga, creio que a primeira palavra tem necessariamente de ser para todas e todos os
trabalhadores da área da saúde, em Portugal, que garantiram que o País passasse por esta prova tão difícil.
Se hoje falamos de cansaço, se hoje falamos de quem está extenuado do tanto que teve de passar nestes
longos nove meses, com duas vagas de COVID, creio que, em primeiro lugar, estão todas e todos estes
profissionais do nosso País a quem devemos tanto.
É na discussão da renovação do estado de emergência que avaliamos o que foi feito e o que deve ser feito.
O Governo, através do Sr. Presidente da República, ficará com um pedido à Assembleia da República para fazer
o que há de mais extraordinário numa democracia, que é a limitação de direitos e liberdades em nome de um
bem maior.
Da parte do Bloco de Esquerda, dissemos desde o início que a declaração do estado de emergência tinha
de ser sempre equacionada como uma forma de não colocar em causa o direito constitucional que rege o País.
E é curioso como, de estado de emergência em estado de emergência, tem havido afinamentos e correções,
até para responder à necessária segurança jurídica que alguns tribunais já colocaram em causa. Esperemos
que seja de vez, porque é essa uma das maiores exigências que se deve fazer no cumprimento do Estado de
direito.
Se este debate de hoje tem na sua génese uma segunda vaga, que já está ultrapassada, tem também,
porventura, no seu horizonte o início do combate a uma terceira vaga.
Sabemos que ela não está determinada, não é uma certeza absoluta. Mas governar, estar à altura de um
País é garantir que, se for necessário responder a uma terceira vaga, o País não falhará. E é diferente, se essa
terceira vaga chegar, a forma como ela nos vai encontrar. Não será com as mesmas poucas centenas de casos
diários, como aconteceu em setembro. Não será com o estado dos internamentos ou dos cuidados intensivos
como existiu em setembro.
Por isso, se hoje, mesmo vendo essa luz ao fundo do túnel da segunda vaga, sabemos que os serviços de
saúde estão ainda muitíssimo pressionados e muito mais pressionados do que estavam no início da segunda
vaga, a pergunta é se o Governo irá utilizar este estado de emergência para fazer aquilo que não fez em relação
aos direitos que a Assembleia da República deu anteriormente.
Ter um SNS que responda é ter um SNS que está ao comando da resposta na área da saúde no nosso País.
É dizer que o SNS pode requisitar aos privados, de forma planeada e atempada, e não apenas para responder
a alguns remendos pontuais, a alguns acordos parcelares, a alguns pedidos pequenos. É não vermos sempre,
sempre, a gestão do dia a dia mas, sim, a consciência de um horizonte de resposta que o Governo tem de dar.
Creio que este é um ponto fundamental a que este estado de emergência deve responder. Vai responder à
preparação de um País para uma putativa terceira vaga, à exigência dos serviços públicos para uma vacinação
que vai começar lentamente, mas ainda durante a sua vigência, e tem de garantir que, se for necessário, o
Governo não será temerário na exigência aos privados para responder a estas exigências.
Mas falta aquilo que ficou para trás e, ao longo destes nove longuíssimos meses de pandemia, há milhões
de consultas, milhões de tratamentos, milhões de contactos que ficaram por fazer.
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E, mais uma vez, o estado de emergência pode e deve ser usado para isso: para que os privados sejam
incorporados sob a batuta do SNS, requisitados não em função do seu lucro, mas em função das necessidades
do País e enquadrados numa visão estratégica para responder rapidamente ao que ficou para trás.
São, portanto, três as exigências na área da saúde: garantir a resposta do SNS, garantir a vacinação e
garantir a resposta ao que ficou para trás.
Se o Governo souber fazer uso deste estado de emergência, garantirá que os privados são chamados,
também na saúde, às exigências para as quais tantas pessoas e tantos setores de atividade têm sido chamados
neste contexto.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que é pelas reticências que o Bloco de Esquerda tem tido que iremos abster-nos nesta votação. Sabendo que este pedido de estado de emergência
será aprovado, a nossa exigência é a de que o Governo dele faça o uso que ainda não fez até agora.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira, do PCP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP mantém a sua oposição à declaração do estado de emergência e insiste que a verdadeira emergência que o
País enfrenta não é de aplicação de medidas restritivas.
A verdadeira emergência é, sim, de medidas que assegurem o prosseguimento da vida nacional em
condições de segurança sanitária, com o reforço do SNS, em primeiro lugar, mas também com medidas de
defesa dos direitos dos trabalhadores e dos postos de trabalho, de apoio aos setores económicos mais atingidos
pelos impactos económicos e sociais da epidemia, de medidas dirigidas às coletividades de cultura, recreio e
desporto e muitas outras medidas que verdadeiramente façam frente à situação económica e social com que
continuamos confrontados.
Mantendo-se o problema da epidemia, mantém-se a necessidade de reforço do SNS como primeira e
principal questão a que importa responder. Independentemente das medidas que vierem a ser definidas pelo
Governo para o período da quadra festiva que se avizinha, é indispensável que sejam tomadas as medidas de
reforço do SNS para que este possa enfrentar o problema sanitário que persiste, para que garanta a resposta
aos demais cuidados de saúde e também para que concretize, com sucesso, os objetivos que estão definidos
para a vacinação, logo que ela seja possível, em condições de segurança e eficácia.
Desde logo, é indispensável o reforço do SNS na capacidade de combater o surto epidémico, com o reforço
dos meios de saúde pública e da capacidade de internamento e resposta hospitalar nesse âmbito.
Simultaneamente, o SNS tem também de ser reforçado para que as demais patologias não fiquem sem
resposta e para que todos os cuidados de saúde sejam prestados aos utentes que deles necessitem. Nesta
fase, isso implica reforçar o número de profissionais nos cuidados de saúde primários, mas também nos
cuidados hospitalares. Implica converter os contratos a prazo de profissionais de saúde em contratos definitivos,
como o PCP tem defendido e proposto. Implica fazer o investimento em equipamentos e infraestruturas cada
vez mais urgente.
Relativamente à vacinação, é urgente preparar o SNS para o papel que tem de assumir como garante da
vacinação de todos os portugueses contra a COVID-19, logo que esteja garantida essa possibilidade em
condições de segurança e eficácia.
Estando definidas as prioridades a observar na vacinação, é essencial garantir que existem os meios
correspondentes para que elas sejam cumpridas e que o processo decorra com máxima eficiência.
E queremos aproveitar este debate para sinalizar um aspeto que nos parece absolutamente essencial
considerar neste âmbito que é o da necessidade de assegurar a articulação entre serviços de saúde e lares de
idosos para que todos os idosos que pertencem aos grupos prioritários tenham condições para serem vacinados
logo que isso seja possível, sem falhas nem demoras.
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O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — A par do reforço do SNS, também no plano económico e social se mantém a necessidade de medidas de emergência que garantam o respeito dos direitos dos trabalhadores e o combate
aos abusos que continuam a verificar-se com a imposição de despedimentos arbitrários, cortes de salários ou
desregulação de horários.
Mantém-se a emergência na resposta à difícil situação que vivem importantes setores de atividade
económica e social e aos problemas que atingem designadamente as micro, pequenas e médias empresas e
setores como a restauração, a hotelaria, o turismo ou a cultura.
Os apoios aos sócios-gerentes, que duraram apenas seis meses, têm de ser reforçados, os subsídios de
desemprego e outros apoios sociais que terminaram ou chegam agora ao fim têm de ser renovados e exigem a
revisão das condições de acesso e pagamento, tal como tem defendido e proposto o PCP.
No setor da cultura, o Governo tem de rever os resultados desastrosos do concurso dos apoios às artes, que
apenas permitem o apoio de 110 estruturas de criação artística em 506 que se candidataram, deixando de fora
278 consideradas elegíveis, mas para as quais não há verbas de apoio.
Na segurança social, é preciso que seja travado o despedimento de mais de uma centena de trabalhadores
que estiveram para ser despedidos em novembro e que voltam agora, em dezembro, a estar confrontados com
o mesmo problema.
No associativismo e no desporto, há uma emergência de apoio às coletividades de cultura, recreio e desporto,
que, ao longo de todo este tempo, viram reduzida ou impedida a sua atividade, estando muitas delas
confrontadas com a possibilidade de não reabrir portas. São já cerca de 173 000 os jovens atletas que deixaram
de praticar desporto, num problema cujas consequências são evidentes, quer ao nível da prática desportiva,
quer da saúde física e até mental.
A declaração do estado de emergência proposta pelo Presidente da República, com o acordo do Governo e
novamente viabilizada pelo PS, pelo PSD, pelo BE, pelo CDS e pelo PAN, não dá resposta a nenhuma destas
questões, que constituem as verdadeiras emergências nacionais que o País enfrenta na situação de epidemia
que se mantém.
O PCP continuará a bater-se para que elas não deixem de ser consideradas nas decisões que têm de ser
tomadas, com as opções políticas e as medidas que lhes correspondam.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Quinze dias depois, estamos novamente a discutir a renovação do estado de emergência.
Aquilo que era absolutamente excecional parece tornar-se normal, mas não é.
Não faz sentido abusar do estado de emergência nem torná-lo recorrente. O estado de emergência é um
instrumento de fim de linha, que tem de ser usado como tal, e, portanto, quando se renova quase
automaticamente é porque as instâncias públicas, desde logo o Governo, não tomaram as medidas necessárias
para combater algo como uma pandemia, que se alastra há quase um ano, e continuam a remendar essa
responsabilidade recorrendo ao instrumento do estado de emergência.
Isso quer dizer que o Governo tem falhado. Tem falhado porque tem apresentado medidas incompreensíveis,
tem falhado porque tem a sua autoridade fragilizada, tem falhado porque as medidas são insuficientes e tem
falhado porque o planeamento é atrasado.
Quanto às medidas incompreensíveis, já falámos aqui do encerramento de estabelecimentos e do
confinamento às 13 horas. Aquilo que se pretendia que fosse uma medida que evitasse congestionamentos,
que evitasse contactos pessoais, que evitasse aquilo que acabou por acontecer nas manhãs de todos os
sábados é, provavelmente, o maior exemplo do falhanço do Governo nas medidas que apresentou.
Isso verifica-se não só na questão das compras, mas também na questão das refeições. Com o encerramento
dos estabelecimentos de restauração às 13 horas, o Governo conseguiu, ao mesmo tempo, arrasar os convívios
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familiares e arrasar o setor da restauração. Por alguma razão cientificamente fundamentada? Não, por um
capricho de fechar às 13 horas em vez de, por exemplo, fechar às 15 horas, o que faria toda a diferença.
Já falámos também da sobrelotação dos transportes coletivos. Já falámos também dos movimentos
pendulares em áreas metropolitanas, como se esses movimentos pendulares se suspendessem porque o
Governo diz que não se pode circular de um concelho para o outro estando um concelho num nível de restrição
diferente de outro.
Depois, temos a autoridade fragilizada. Já aqui falei dessa questão, e disse-o na cara do Sr. Ministro — não
vou repetir agora, porque estou nas suas costas —, daquilo que tem sido a atuação do Ministro da Administração
Interna. Devido à importância que têm as forças e os serviços de segurança na persuasão e na função
pedagógica durante a aplicação destas medidas, a autoridade está fragilizada.
Mas também está fragilizada a autoridade do Estado por atuação da Direção-Geral da Saúde. Aquela que
devia ser a entidade de maior responsabilidade do ponto de vista científico e na transmissão das medidas
banalizou de tal forma a sua atuação que começa a ser ouvida não pelas indicações que dá, de um ponto de
vista fundamentado, essenciais para a vida das pessoas, mas pelas sugestões que faz de como devem fazer
as suas refeições e de como devem comemorar as épocas festivas. Nós não precisamos de uma Direção-Geral
da Saúde para nos dizer que o Natal se pode festejar ao pequeno-almoço, nós precisamos de uma Direção-
Geral da Saúde que nos dê confiança no sistema de saúde e no combate a esta pandemia.
Quanto às medidas insuficientes, já falámos aqui também sobre as escolas e sobre a ausência de um
protocolo que faça com que a atuação de todas as escolas seja igual, para que auxiliares de educação,
professores, alunos e famílias percebam efetivamente o que irá acontecer em cada um dos casos com que são
confrontados.
Mas podíamos também perguntar sobre a questão dos ventiladores. Desde o início desta pandemia, ninguém
sabe bem o que foi que aconteceu com os ventiladores encomendados: se chegaram, se não chegaram, se
estão ao serviço, se não estão ao serviço, e, estando ao serviço, onde é que param.
Depois, temos a questão do planeamento atrasado. Não podemos acreditar que, em relação à vacinação
contra a COVID, aconteça o mesmo que aconteceu com a vacinação contra a gripe. E não é por nos dizerem
que vai começar dia 27, como começa noutros países. A questão não é o dia do início, é o ritmo da vacinação.
E nós temos as maiores dúvidas de que o ritmo da vacinação seja suficiente para que atinjamos a imunidade
de grupo num tempo que é exigível e que será o tempo que atingirão outros países.
Não percebemos, por exemplo, porque é que as Forças Armadas, que quando foram chamadas a participar
neste combate à pandemia sempre cumpriram exemplarmente as missões que lhe foram confiadas, não têm
um papel na dimensão logística deste plano de vacinação, onde poderiam novamente servir, e bem, o País.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estamos num momento decisivo. Os portugueses estão a cumprir, o
Governo está a complicar, mas este momento é de fazer um apelo para que continuemos a cumprir, sabendo
que o Governo não está à altura, mas que o País vai estar, sabendo que todos nos empenharemos para que
este Natal, sendo tão diferente, seja único. É mau, mas que seja único e que todos possamos recuperar, durante
o próximo ano, a nossa liberdade, os nossos afetos, a nossa vida normal.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Somos, uma vez mais, chamados a votar uma situação absolutamente excecional, quer do ponto de vista
jurídico, quer do mundo como o conhecíamos. Mas é fundamental que não normalizemos o estado de
emergência e que as medidas impostas neste contexto sejam absolutamente proporcionais, assim como a
atuação do Estado seja devidamente planeada.
Para isso, continuam a ser necessárias propostas e soluções no ordenamento jurídico para dar estabilidade
à vida dos portugueses durante este período de crise sanitária, procurando não pôr em causa os nossos valores
fundamentais, o normal funcionamento das instituições ou até mesmo da própria democracia.
Vivemos uma época que continua a ser tudo menos normal e que exige de todos uma grande capacidade de
adaptação e resiliência. Tem havido um grande esforço coletivo, mas evidentemente também um grande
desgaste e cansaço. A perspetiva das vacinas traz-nos agora algum sinal de alívio e de esperança, mas não
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podemos esquecer que a situação sanitária continua a ser muito real e preocupante e que vivemos agora o
maior número de internamentos e de óbitos, apesar de o número de pessoas infetadas apresentar um
decréscimo.
O plano de vacinação e a abrangência de toda a população não se faz de um dia para o outro e serão
necessários ainda vários meses para garantir a segurança e a saúde de todas as pessoas. E se, por um lado,
aqui chegados, é necessário renovar o estado de emergência e manter algumas restrições para proteger a
saúde de todos nós, é igualmente necessário reajustar as medidas, por forma a que possa assumir também o
prejuízo económico que trouxe para o nosso tecido empresarial e os problemas sociais que daqui decorreram.
O Estado tem aqui um papel absolutamente fundamental e tem de ser o garante. E aqueles que não
acreditam num Estado social ou querem emagrecê-lo ao máximo têm agora aqui a sua resposta, nomeadamente
na crise que estamos a viver e que, sem a intervenção do Estado, muitas empresas teriam de fechar as suas
portas.
Esta é uma crise que nos obriga a ver o todo e não a compartimentar. É uma crise que nos obriga a ter uma
relação interministerial de responsabilidades. No entanto, temos assistido a um empurrar de responsabilidades
de ministério para ministério, e, por vezes, até, para as autarquias, enquanto se ganha tempo para que cheguem
os fundos comunitários.
Continuam a chegar testemunhos de situações que provam isso mesmo quando, por desarticulação entre
tutelas, se deixam de fora necessidades essenciais, como, por exemplo, dos alunos que frequentam o ensino
superior, que, ao abrigo do isolamento profilático e do cumprimento de medidas de saúde pública, se veem
confrontados com mudanças no pagamento das prestações de alojamento ou se encontram privados do acesso
à alimentação.
São muitos os setores, como os da cultura, da restauração e do turismo, entre outros, que continuam afetados
e que precisam de uma visão que garanta a sua reestruturação e não apenas uma retoma económica como no
antigo normal. Veja-se o caso da cultura, que precisa de uma resposta estrutural, não apenas para garantir
condições de vida aos artistas e a sustentabilidade das entidades, mas tem também um papel essencial no
desenvolvimento social, assumindo-se como um vetor identitário do nosso País e promotor do bem-estar
emocional da comunidade.
Ao nível laboral, verificou-se uma redução de pessoas em situação de teletrabalho, numa tendência
expressiva de regresso à atividade presencial. Contudo, continua a ser necessário garantir que a possibilidade
de exercer funções à distância seja cumprida pelas organizações, mas também que se acautele as diferentes
respostas que as assimetrias regionais e sociais o exigem. O mesmo se aplica à telescola.
Há, porém, um aspeto da renovação do estado de emergência que não podemos deixar de salientar. Esta
renovação ocorre numa altura do ano de épocas festivas, propícias ao convívio familiar e social, uma altura que,
para além de ser marcada pelos laços familiares e de amizade, assinala também um período em que alguns
precisam de alguma pausa e de repor as suas energias. Mas nem todas as pessoas se poderão dar ao luxo de
descansar. É o caso dos nossos profissionais de saúde e dos demais profissionais que diariamente estão a dar
apoio a quem mais precisa e a garantir os serviços essenciais para todas e para todos nós.
Temos de ser capazes de devolver agora o nosso agradecimento pelo esforço e sacrifício que têm feito,
garantindo que não nos vamos comportar de forma a engrossar as listas de internamento do Serviço Nacional
de Saúde e que somos capazes de um elevado sentido de responsabilidade ao nível dos nossos
comportamentos individuais e coletivos, para que não se coloque ninguém em risco.
Mas também aqui o Estado não se pode demitir. A responsabilidade não pode estar apenas no
comportamento individual. Da parte do Governo, exige-se que não esqueça o que estes profissionais têm feito
por todos nós e que seja verdadeiramente capaz de o reconhecer com medidas concretas e justas, como a
regulamentação de carreiras, a negociação da revisão das tabelas salariais e a melhoria das suas condições de
trabalho, assim como de preparar eficazmente o País para aquilo que ainda aí vem.
Se há algo que esta crise nos ensinou é que precisamos de equilíbrio e responsabilidade em todas as opções
que tomamos para que não tenhamos de sofrer medidas de maior severidade. Por isso, importa reiterar que
também no Natal e no Ano Novo podemos conviver com os nossos entes queridos sem com isso colocar a
nossa saúde em risco.
Neste equilíbrio que se pede, é também fundamental que nenhuma medida conduza ao isolamento de quem
quer que seja, dos mais vulneráveis aos mais idosos, e que possamos dar resposta para que nenhuma crise
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sanitária, económica ou qualquer outra nos afaste de termos uma sociedade verdadeiramente solidária e capaz
de dar resposta aos vários desafios que enfrenta.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, somos chamados a discutir mais uma renovação do estado de emergência. Fazemos este debate conscientes
de que não estamos livres da pandemia, da propagação da COVID-19 e que os números altos de infetados
ainda nos preocupam.
A promessa da vacina para o início de 2021 pode dar-nos a confiança de estarmos perante o princípio de
uma solução para este pesadelo, mas sabemos que as medidas que introduzimos nas nossas rotinas ainda
serão necessárias por muito mais tempo.
Assim, exigimos do Governo uma campanha de sensibilização e de esclarecimento, no sentido de ficar claro
que, apesar da vinda da vacina, continuaremos comprometidos com a aplicação das medidas de proteção,
porque a vinda da vacina, só por si, não resolverá da noite para o dia os problemas da pandemia.
Os Verdes consideram que não se pode acrescentar problemas ao problema central, que é a pandemia. O
caminho que se deve percorrer é o de reforçar os serviços públicos, de melhorar a comunicação, de explicar as
medidas de segurança sanitária que devemos seguir para a proteção de todos.
Não é o estado de emergência que irá travar a propagação do vírus, nem a imposição de horários encurtados
aos serviços e ao comércio, acabando por provocar grandes ajuntamentos, filas intermináveis em espaços
fechados para que as pessoas tenham direito a fazer as compras da semana ou até as compras de Natal.
Se pensarmos, por exemplo, que os meses de inverno poderão ser os mais difíceis, devido às gripes e às
constipações, terão de ser adotadas medidas mais reforçadas de segurança sanitária, pelo menos até março.
Temos ainda de fortalecer serviços, de perceber onde a propagação tem mais incidência, de procurar responder
às necessidades e de devolver a mínima normalidade aos dias dos portugueses, uma normalidade em
segurança, com medidas que todos teremos de assumir, independentemente de o estado de emergência estar,
ou não, em vigor.
Dizem-nos que a prioridade é a saúde e que, por isso, até se justifica suspender o debate democrático. Se a
prioridade é a saúde, então reforce-se o Serviço Nacional de Saúde; contratem-se médicos, enfermeiros,
técnicos de diagnóstico, assistentes técnicos e operacionais em falta; reabram-se, com condições, os cuidados
de saúde primários.
Se a prioridade é defender a nossa economia, salvaguardem-se os empregos, proibindo os despedimentos;
aumente-se mais o salário mínimo, com os impactos que isso terá na dinamização da procura interna, que é
fundamental para o relançamento da economia; apoie-se, com vigor, as pequenas e médias empresas e os
empresários em nome individual.
Se a prioridade é a educação das crianças e dos jovens do País, garantam-se as condições de segurança
sanitária nas escolas, contratem-se também os trabalhadores que faltam e, já agora, intervenha-se já para
assegurar a defesa da saúde mental.
Se a prioridade é devolver a esperança aos portugueses, ajude-se, por exemplo, o setor que pode dar uma
tão grande contribuição para isso, que é o da cultura, assegurando aos seus trabalhadores as condições para
trabalhar e viver.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Mas se a prioridade é o combate à epidemia, então fiscalizem-se as condições de trabalho, fiscalizem-se os transportes públicos e implementem-se todas as medidas exigíveis para a defesa
de trabalhadores e utentes; intervenha-se nas habitações que não têm condições e nas quais continuam a ter
de conviver grandes famílias; atue-se nos lares, para assegurar a defesa dos seus utentes e dos trabalhadores,
tão indispensáveis à prestação de cuidados; distribuam-se máscaras sociais gratuitas a quem delas precise.
Para nada disto — repito, para nada! — faz falta o estado de emergência. Por isso, Os Verdes votarão contra.
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Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Renovamos hoje o estado de emergência, embora estejamos a lidar, verdadeiramente, com uma pandemia económica e social.
O Governo abre as mãos e diz: «Vejam que estamos a fazer muito melhor do que lá fora, onde há medidas
tão restritivas e onde destroem toda a economia». É caso para dizer que com o mal dos outros podemos bem.
Mas diz também o Governo, pela voz do Partido Socialista, que todas as medidas foram mobilizadas para
ajudar a economia. Todas, menos o apoio à restauração. Todas, menos a isenção da TSU (taxa social única).
Todas, menos o apoio aos sócios-gerentes. Todas, menos o subsídio de risco aos que estão na linha da frente
da COVID, que este Parlamento teve de alargar. Todas, menos um plano de vacinação feito a tempo e horas
para salvar as vidas dos portugueses. Todas, menos aquelas que eram necessárias.
Claro que noutros países talvez não haja 37 000 consultas que deixaram de ser feitas por dia nem 22 milhões
de exames que deixaram de ser feitos ao longo das últimas semanas e dos últimos meses. Talvez nesses
mesmos países, que não fizeram nada de bem, não exista uma saúde tão caótica como a que temos hoje em
Portugal. Talvez eles não tenham uma falta de planeamento tão grave como a que levou a que tantos centros
de saúde estivessem fechados numa altura em que os portugueses procuram uma solução, uma única solução
local para a sua saúde.
Sim, 37 000 consultas não existiram e 22 milhões de exames não se realizaram! E diz o Governo diz que
mobilizou todos os meios e que gerou todos os apoios que poderia ter gerado!
Isto não é, verdadeiramente, um estado de emergência, é um estado de caos sobre um estado de caos, que
vai destruindo a vida dos portugueses, sem planeamento, e a única coisa que têm para dar ao País é uma
Diretora-Geral da Saúde que diz: «Tomem o pequeno-almoço no Natal e assim resolverão os vossos
problemas».
Este é um problema que vamos ter de resolver, mas que não se resolve com estados por cima de estados
nem com proibições por cima de proibições. E há algo que os portugueses deveriam saber, que é o seguinte:
porque é que um Governo capaz de fazer tantas proibições, de definir tantos estados de complexidade, de definir
tantos estados de limitação…
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Porque é que esse Governo não é capaz de fazer um planeamento para manter centros de saúde abertos?
Esse, sim, era o estado de emergência de que os portugueses precisavam nesta quadra natalícia.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Quando passam nove meses e meio desde o
início da pandemia, somos chamados a renovar pela terceira vez o estado de emergência, o qual, a ser
aprovado, vai estender a sua vigência nesta segunda vaga até, pelo menos, dois meses. Recordo que durante
a primeira vaga estivemos, até ao início de maio, mais um mês e meio sob esta mesma lei de exceção.
Perante todos estes prazos, era expectável que a inerente experiência acumulada nos tivesse ensinado com
exatidão que medidas são eficazes, que medidas podem vir a ser precisas e quais os poderes necessários para
as tomar. Devia ser possível, portanto, não estar a aqui a decidir, de 15 em 15 dias, autênticos cheques em
branco a um Governo que já demonstrou ser incompetente na gestão da pandemia.
Dissemos isso mesmo ao Sr. Presidente da República: que o decreto presidencial não pode ser esse cheque
em branco que tudo permite ao Governo, com violação dos direitos e das liberdades dos portugueses. O decreto
presidencial não pode ser um proforma que se repete, porque os direitos e as liberdades dos portugueses não
são um proforma.
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Portanto, o mínimo que se exigia era que, à luz do que se deveria ter aprendido, os poderes conferidos pelo
decreto presidencial, e que a Iniciativa Liberal sempre reputou de excessivos, não continuassem a incluir, pelo
menos, aqueles poderes que constam da redação base do decreto, mas que nunca foram, nem se espera que
venham a ser, efetivamente necessários. A título de exemplo, refiro os poderes que limitam os direitos dos
trabalhadores, aqueles a que o Partido Socialista diz ser muito sensível. Este decreto volta a conferir ao Governo
poderes para mobilizar qualquer pessoa, mas, em vez de limitar esse poder às tarefas relevantes, tais como o
combate à pandemia, os rastreios ou a vigilância ativa, o poder conferido permite ao Governo mobilizar qualquer
pessoa, em qualquer altura, para qualquer tarefa, sem prever duração, sem prever compensação. Isto é
inaceitável, é desnecessário, mas continua no decreto.
Este decreto confere também ao Governo poderes para limitar a cessação de contratos de trabalho para
quem esteja no SNS. Ou seja, o PS vai aprovar um decreto que prevê que o Estado possa obrigar uma pessoa
a continuar a trabalhar no SNS mesmo que ela não queira, mesmo que isso esteja a afetar a sua saúde ou a
sua vida pessoal, mesmo que tenha outro projeto de vida. Isto é inaceitável, é desnecessário, mas continua no
decreto.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou acabar, Sr. Presidente. Não contente com o facto de não retirar do decreto estes evidentes abusos, o Governo ainda solicitou ao
Presidente da República que se acrescentasse mais um: o de tornar explícito o que já resulta da lei, que é a
existência de desobediência em caso de violação das normas. Isto é inaceitável, é desnecessário, mas passou
a estar no decreto.
O Sr. Presidente: — Tem mesmo de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — A Iniciativa Liberal não aceita que direitos e liberdades sejam coartados sem justificação, não entende que não se aprenda com a experiência, não admite que se intimidem
os portugueses. A Iniciativa Liberal vai continuar a votar contra o estado de emergência.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
A Sr.ª Joacine Katar Moreira (N insc.): — A luta contra a COVID-19 não pode descurar o combate à violência em todas as suas formas, os abusos de poder, nem a procura da verdade e da justiça. Precisamos de um Estado
forte, mas precisamos que ele seja forte em medidas eficazes e que invista no Serviço Nacional de Saúde e nos
transportes. Simultaneamente, necessitamos de um Estado que seja forte no apoio social e no acesso à
habitação. Sem acesso à habitação e sem apoio social nenhuma medida de combate à COVID-19 funcionará.
É de referir ainda que foi exatamente durante o estado de emergência que soubemos do assassinato de Ihor
Homeniuk. Foi no momento em que estávamos todos muito ocupados e em que o Estado desejava salvar-nos
que soubemos que, afinal, o Estado não evitou que um homem sob a sua responsabilidade fosse assassinado.
Foi também no ambiente da luta em relação à COVID que um indivíduo assassinou um ator, em Moscavide,
numa hora movimentada, sem receio rigorosamente algum. Bruno Candé foi alvo de racismo.
Foi igualmente num estado de emergência que soubemos da condenação de oito polícias da esquadra de
Alfragide, acusados de sequestro e ofensa à integridade física. E é ainda neste ambiente que temos estado a
receber, e a ignorar constantemente, várias denúncias de policiamento violento nas áreas onde há mais minorias
étnico-raciais.
É isto o Estado securitário?! Um Estado que nos vai mostrando que reproduz a violência em vez de a evitar?!
É necessário recordar exatamente isto: não há combate à COVID-19 sem investimento num Estado social.
Num Estado social e não num Estado securitário, porque sabemos que o Estado social é o único que tem a
capacidade de nos salvaguardar, independentemente das nossas origens.
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O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O ano de 2020 foi atípico. Foi o ano em que nos vimos a braços com uma pandemia; em que as crianças deixaram
de poder brincar juntas, como sempre fizeram; em que tivemos de deixar de ver os nossos pais ou avós ou de
redobrar os cuidados com eles para os proteger.
Perdemos pessoas, passámos a ter medo, uns da doença, outros da fome, mas também mostrámos que
somos resilientes.
Estamos no caminho da recuperação e devemos manter-nos nele, mantendo a responsabilidade, mas sem
perder a humanidade.
Aproveito esta oportunidade para chamar a atenção do Governo para duas situações que exigem uma
intervenção célere.
O encerramento das escolas e dos centros de atividades ocupacionais em março e os atrasos na colocação
de professores do ensino especial e de terapeutas contribuíram para um maior isolamento das pessoas com
deficiência e têm levado a um aumento do cansaço dos cuidadores.
As respostas têm sido lentas e insuficientes. As escolas e universidades não estão a ser capazes de apoiar
as crianças e jovens com deficiência garantindo o ensino à distância, deixando-as mais expostas a situações de
discriminação.
Por isso, apelo ao Governo que tenha em atenção a situação específica das pessoas com deficiência e dos
seus cuidadores e que tome medidas que garantam o acesso destas crianças e jovens à educação, pois
tememos que, se nada for feito, tal possa levar ao aumento do abandono escolar.
Soubemos também que diversas crianças e jovens que se encontram em casas de acolhimento não estão a
ter autorização para ir a casa no Natal devido ao perigo potencial que o convívio familiar pode representar no
regresso à casa de acolhimento. Isto apesar de terem permissão para passar férias e mesmo fins de semana
com a família e de nada no decreto do estado de emergência ou nas normas ditadas pela DGS impedir tal
convívio.
Já é suficientemente difícil para uma criança estar numa casa de acolhimento. Impedi-la de passar o Natal
com a sua família é profundamente triste. Neste Natal, há um convite para viver os afetos de forma diferente do
habitual, mas isso não significa que o amor, a vontade de partilha e a solidariedade se tenham esgotado, antes
pelo contrário.
Todos estamos cansados destas medidas, mas é importante não baixarmos os braços. Devemos fazê-lo por
nós, pelos nossos amigos e familiares, mas também como reconhecimento por todo o esforço que tem sido feito
pelos profissionais de saúde.
O Sr. Presidente: — Para encerrar este período de debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, em nome do Governo.
O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir e aprovar a sétima declaração do estado de emergência em quase meio século de democracia. Estamos na
quarta renovação do período do estado de emergência, neste quadro encetado no início de novembro e que
marca a resposta àquela que, em toda a Europa, é considerada uma gravíssima segunda onda, aliás com uma
dimensão mais mortal e mais marcante no quanto afeta a vida das populações, a atividade económica, o futuro,
a esperança de todos em relação à vaga que a precedeu.
Por isso é tão importante que hoje renovemos aquele que é o nosso compromisso com o combate pela
saúde, o nosso compromisso com a afirmação das liberdades e dos direitos fundamentais, que são restringidos
na estrita medida adequada, proporcional e necessária à prossecução do objetivo maior que todos queremos
defender: retomar a normalidade da vida, eliminar a pandemia, defender a saúde, manter a democracia.
Por isso é tão relevante que o Presidente da República, a Assembleia da República — novamente com a
viabilização desta declaração por mais de 90% das Sr.as e dos Srs. Deputados — e o Governo conjuguem
esforços para responder àquilo que é fundamental: dar esperança aos portugueses, dar confiança na
capacidade de luta para ultrapassar este momento tão difícil.
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Queria, aliás, alertá-los chamando a atenção para a dimensão do combate global que estamos a travar, algo
como nunca vivemos: até hoje, 75 milhões de homens e mulheres, em todo o mundo, foram vitimados por esta
terrível doença, dos quais mais de 20 milhões desde que aqui estive, há mês e meio, no primeiro debate de
determinação da nova fase do estado de emergência; só na Europa, 20 milhões e meio de cidadãos foram, até
hoje, infetados pelo vírus que causa a COVID-19; só na Europa, temos a registar, até hoje, cerca de meio milhão
de mortos, que todos lamentamos, afetados por esta terrível pandemia.
É neste quadro que, neste momento, é tão decisivo que se compreenda quanto vamos, pela nossa
capacidade, apoiar o Serviço Nacional de Saúde e aqueles que estão na primeira linha da defesa da vida, apoiar
as forças de segurança, que estão na primeira linha da garantia de que o estado de emergência é marcado pela
afirmação de uma dimensão pedopedagógica e pelo exemplar respeito do Estado de direito democrático.
É neste quadro que, neste período tão especial, um período de renovação do estado de emergência que
inclui as épocas de Natal e de Ano Novo, mobilizemos o melhor dos nossos esforços para que os resultados
animadores que tivemos ao longo do último mês não sejam postos em causa, mas, pelo contrário, se
consolidem.
Daí o sentido que tem uma dinâmica de afirmação deste período marcada pelo respeito, apelando à
responsabilidade de todos os portugueses para a importância daquilo que, num quadro familiar, num quadro de
vida comunitária, significa a celebração do período natalício e para uma absoluta restrição dos comportamentos
de risco no quadro do Ano Novo.
É por isso que podemos dizer que, em Portugal, o estado de emergência tem sido marcado pelo respeito dos
direitos fundamentais, da liberdade religiosa, da liberdade política — que permitiu ao Iniciativa Liberal ou ao
Partido Comunista realizarem as suas iniciativas políticas de maior responsabilidade e decisão —, pela
afirmação do respeito pelos mais frágeis e pela forma como, em estado de emergência, conforme ainda esta
semana destacou o Secretário-Geral das Nações Unidas, Portugal marcou a diferença ao regularizar
extraordinariamente os direitos de mais de 200 000 cidadãos estrangeiros que aqui trabalham ou estudam,
mostrando um sinal de solidariedade e de prioridade à inclusão de migrantes.
É por isso que, em estado de emergência, o Estado de direito funciona no respeito pelas liberdades
democráticas e na forma eficaz como, aplicando as regras desse Estado de direito, irá punir os criminosos que
mataram Ihor Homeniuk ou aqueles que foram responsáveis pela morte de um polícia no fim de semana
passado, quando defendia a liberdade das mulheres e combatia a violência doméstica.
Aplausos do PS.
É por isso que, neste momento, temos de enfrentar esta próxima quinzena mobilizados com os bons
resultados que este período claramente nos aponta. Durante estas três quinzenas de estado de emergência,
conseguimos reduzir para cerca de metade o nível de incidência por 100 000 habitantes, de perto de 1000 casos
a nível nacional para os 534 casos que hoje mesmo se registam. Isto não nos permite descansar, mas, por
respeito pelos que perderam a vida, por respeito pelo esforço dos profissionais de saúde, exige-nos que
mobilizemos ainda mais o nosso esforço.
É por isso que, neste tempo tão difícil, nesta quinzena, até 7 de janeiro, não podemos deitar nada a perder,
sobretudo quando um horizonte de esperança começa a marcar o nosso caminho: o valor do R, o indicador de
transmissibilidade, também durante este período do estado de emergência, passou a estar abaixo de 1,
significando que cada novo infetado tem uma possibilidade potencial de propagação equivalente a menos de
uma pessoa, e o número de casos ativos, isto é, de cidadãos que estão em isolamento profilático, baixou cerca
de 20 000 ao longo destas três quinzenas, de um pico de 88 000 casos ativos para os 69 000 que se registam
hoje.
Por isso, é também importante que não haja nenhuma dúvida sobre a legitimidade das atuações das
entidades públicas. E saudamos positivamente a qualificação como «crime de desobediência da violação das
regras de isolamento profilático» o desrespeito das regras imanentes ao estado de emergência, não porque
essa medida tenha sido necessária ou fundamental, uma vez que, em 45 dias, registaram-se 62 casos de
verificação de situações de desobediência, o que não é nada num povo de 10 milhões, mobilizado para defender
a saúde e a sua liberdade.
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É por isso que, neste momento, temos o horizonte da esperança à nossa frente, com a aprovação do novo
quadro de fundos europeus, a chamada «bazuca» europeia, que foi aprovada esta semana pelo Parlamento
Europeu e que permite mobilizar recursos significativos, como nunca tivemos, para a recuperação da economia,
e, talvez mais importante do que isso, porque mais imediato, temos o grande esforço europeu de mobilização
para a igualdade de direitos no acesso à vacina, começando, em Portugal, como hoje foi anunciado pela Sr.ª
Ministra da Saúde, já no próximo dia 27, a vacinação daqueles que estão nos grupos prioritários.
É com esta mobilização de toda a sociedade portuguesa, com esta admiração pelo esforço dos portugueses
que a Assembleia da República irá responder ao apelo da iniciativa do Sr. Presidente da República e o Governo
irá também, mais uma vez, fazer o que lhe compete, ou seja, cumprir a sua capacidade executiva, mobilizar
todos os meios ao serviço da defesa da liberdade, ao serviço da defesa da saúde dos portugueses, ao serviço
da reconquista de uma nova esperança no novo ano.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Administração Interna: — Por isso, neste tempo tão especial, desejo a todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados umas Boas Festas, em família e em segurança, com a esperança de
um 2021 sem pandemia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, uma vez que, como sabem, temos quórum muito mais do que suficiente, estando registados mais de 200 Deputados, vamos passar imediatamente à votação do pedido de
autorização, solicitado pelo Presidente da República, de renovação do estado de emergência.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e da Deputada não inscrita Cristina
Rodrigues, votos contra do PCP, do PEV, do CH, do IL e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e
abstenções do BE, do CDS-PP e do PAN.
Passamos ao terceiro ponto da nossa ordem do dia, que consta da discussão do Projeto de Resolução n.º
770/XIV/2.ª (PS) — Recomenda a adoção de medidas para travar o aumento das desigualdades estruturais de
género desencadeadas pelos impactos socioeconómicos da COVID-19.
Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta crise pandémica foi devastadora para todas as pessoas, mas foi ainda mais devastadora para as mulheres, pondo a nu, de forma acutilante, as
desigualdades estruturais existentes que estávamos a combater e tornando evidente que os avanços
alcançados nas últimas décadas correm o risco de ser brutalmente revertidos se o compromisso europeu para
com a igualdade não for cumprido.
Os números falam por si: na Europa, 30% perderam emprego em setores de serviços e 74 milhões de
mulheres estão em risco de ficar desempregadas na economia informal. Segundo a Organização Internacional
do Trabalho, registou-se uma perda de 400 milhões de empregos e a desigualdade de género aumentou.
A crise tornou ainda mais evidente que as mulheres são as mais penalizadas, com salários mais baixos, mais
subemprego e contratos com vínculos precários, segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística).
Foram as primeiras a perder emprego e rendimentos e viram brutalmente acentuado, por razões relacionadas
com o confinamento, o trabalho não pago a nível do cuidado de apoio à família, às crianças e às pessoas
dependentes. Têm menos proteção social, salários mais baixos, mais trabalho temporário e estão mais
facilmente expostas a riscos de infeção e de transmissão.
Sr.as e Srs. Deputados, num momento em que assinalamos os 25 anos da Plataforma de Ação de Pequim,
aquele grande primeiro plano de ação universal em prol da igualdade entre homens e mulheres para todo o
mundo, e com ele as conquistas alcançadas, que foram muitas, e num momento em que temos uma Agenda
2030 para o desenvolvimento sustentável, é o próprio Secretário-Geral das Nações Unidas que alerta para os
perigos de retrocesso, introduzidos pela crise, que podem prejudicar a sociedade como um todo. Pediu António
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Guterres um novo contrato social global para os jovens viverem com dignidade, para as mulheres terem as
mesmas oportunidades que os homens e para os mais vulneráveis, entre eles os idosos e as crianças, serem
protegidos.
É urgente, assim, travarmos os nacionalismos e os populismos que vergonhosamente utilizam esta crise para
impor agendas antidemocráticas, sexistas, homofóbicas e xenófobas contra os direitos humanos que acabámos
de assinalar.
Sr.as e Srs. Deputados, em Portugal, o Estado social foi a primeira linha de resposta à crise, com três
prioridades muito claras: combater a pandemia, proteger as pessoas, apoiar a economia e o emprego.
Num curto intervalo de tempo, foram postas em prática várias medidas e apoios extraordinários, num esforço
coletivo único de mobilização de recursos.
Provou-se que o Estado social e a aposta na igualdade, como os Governos socialistas sempre fizeram, são
sempre a resposta certa, ainda mais em tempos de crise. As políticas de igualdade não só não perderam
urgência, como ainda se tornaram mais urgentes, rumo a um Portugal mais justo e mais igual.
O reconhecimento veio também do Instituto Europeu para a Igualdade de Género, com o Índice Europeu de
Igualdade de Género a referir Portugal como um dos seis países europeus com maior igualdade de género no
Parlamento, o que muito nos orgulha.
O Governo esteve bem ao antecipar um conjunto de medidas para reforçar, em plena crise, as respostas de
proteção para as vítimas de violência doméstica, essa chaga que nos envergonha a nós e a todo o mundo.
Esteve igualmente bem ao definir medidas de apoio e de proteção extraordinárias de apoio às famílias, para
combater a pobreza, e esteve bem ao proteger a parentalidade, ao valorizar o trabalho de cuidado remunerado,
ao definir um Plano de Ação para a Transição Digital, entre tantas outras medidas que estão em curso, para
termos um Portugal mais igual e mais justo.
Com este projeto de resolução, queremos dar mais visibilidade — é isto que queremos, dar mais visibilidade
— às questões de género e reforçar a urgência do acesso das mulheres à educação e às infraestruturas digitais,
setor altamente masculinizado. Queremos reforçar a importância do equilibro de género no teletrabalho e a
urgência da aposta na economia do cuidado e na valorização do trabalho não pago como sendo parte integrante
do desenvolvimento sustentável de uma sociedade digna e decente.
Estas são ideias simples que somam e que podem mudar o mundo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal, para uma intervenção.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há temas em que é fácil estarmos de acordo e fazermos proclamações. É o caso da necessidade de eliminar a desigualdade de género,
porque todos os Deputados aqui sentados pensam — arrisco-me a dizer — a mesma coisa. Ou, enfim, quase
todos.
A igualdade de género é uma dessas matérias em que é fácil gerar consenso quanto ao problema, mas não
é uma matéria em que seja fácil gerar consensos à volta das soluções.
Este projeto de resolução, no que às soluções diz respeito, não diz absolutamente nada. Isto aplica-se a
todos os cinco pontos do projeto de resolução, mas, como o tempo é pouco, tomo o exemplo do seu segundo
ponto. Aí podemos ler que o Governo deve adotar «medidas de estímulo positivas para travar o desequilibro de
género já registado relativamente aos trabalhadores apoiados para ficarem em casa com os filhos». É bonito,
mas o que é que estão a sugerir?!
Existe, de facto, uma disparidade injustificada entre os géneros nesse aspeto. Também achamos que nem
as mulheres, nem os homens podem ser obrigados a ficar em casa com os filhos. Efetivamente, nem uns, nem
outros são legalmente obrigados a isso.
Mas, então, o que é que o projeto do PS pretende? Que o Governo obrigue os homens a ficar em casa?! Ou
que lhes sejam concedidos benefícios face às mulheres que fiquem em casa?!
Nenhuma destas hipóteses nos parece séria, mas ambas caberiam na redação deste projeto, que diz tudo,
mas acaba por não dizer nada.
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Em relação ao facto de a pandemia impactar mais as mulheres do que os homens em muitos aspetos,
estamos de acordo, mas não concordamos com este sinalizar de virtudes que em nada contribui para resolver
o que quer que seja.
Não nos oporemos a este projeto de resolução, porque é inócuo, mas, quando o PS quiser discutir o problema
a fundo, a Iniciativa Liberal aqui estará disponível para o fazer.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Sandra Cunha.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): —Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: As mulheres partem para qualquer crise já em situação de desvantagem. Sabemos bem que elas são a maioria das vítimas de violência
doméstica e sexual, são mais precárias, estão sobrerrepresentadas nas profissões mais mal pagas e, por isso,
são as mais vulneráveis à pobreza e à exclusão social. São as que acumulam o trabalho fora de casa com as
tarefas domésticas e os cuidados com os filhos. São minoritárias nos cargos de liderança, mesmo em setores
onde sejam a maioria dos trabalhadores. Estão sub-representadas nos cargos políticos. Em 46 anos de
democracia, tivemos perto de 500 ministros, mas menos de 40 ministras. Nas autarquias, somos 30% e neste
Parlamento somos apenas 40%. Esta é uma realidade bem conhecida e bem documentada.
Também sabemos que esta pandemia, pelas suas especificidades, traz consequências a nível económico e
social absolutamente devastadoras e que as desigualdades estruturais de género preexistentes se reconfiguram
e se agravam. Por isso, os impactos penalizam de forma desproporcional as mulheres.
Esta análise, que o projeto de resolução do PS também faz, é certeira.
São também as mulheres que estão na linha da frente do combate à pandemia e nos setores mais afetados
pela crise, tanto a nível sanitário, como a nível económico: na saúde, nas escolas, nos cuidados, no comércio e
nos serviços domésticos.
O relatório da Organização Internacional do Trabalho mostra que Portugal foi o País europeu que registou,
neste período, maiores perdas na massa salarial, sobretudo para as mulheres. Entre o primeiro e o segundo
trimestre de 2020, os salários das mulheres caíram 16%, muito mais do que para os homens. Foram elas as
mais afetadas pelo teletrabalho, pelo layoff e pela perda de emprego.
O projeto de resolução que o Partido Socialista traz, como já disse, faz esta análise muito bem feita e é uma
iniciativa bonita, mas tem alguns problemas.
Em primeiro lugar, entende as mulheres como uma categoria universal e ignora o facto de que as mulheres
não são todas iguais, sendo umas ainda mais penalizadas do que outras, como as que apanham autocarros
apinhados de gente, às 6 horas da manhã, para virem limpar este edifício e outros do País por um salário de
miséria, as que vivem em bairros sem condições de habitabilidade, as imigrantes e as racializadas que trabalham
tantas vezes sem direitos.
Depois, propõe uma série de intenções para diminuir as desigualdades de género, mas esquece-se do
fundamental. É que, para diminuir as desigualdades de género, importava não ter deixado as trabalhadoras do
comércio, dos restaurantes, dos bares, da cultura e as trabalhadoras informais nove meses entregues à sua
sorte, ou com apoios que, não passando de adiantamentos e de empréstimos, não foram capazes, como os
dados vêm agora mostrar, de travar a perda de emprego e de rendimentos.
Importava ter a coragem política de garantir um salário mínimo digno neste País, que não deixasse nenhuma
trabalhadora cair na pobreza. Como disse uma das autoras do relatório da Organização Internacional do
Trabalho, «salários mínimos adequados podem proteger os trabalhadores e as trabalhadoras de baixos salários
e reduzir as desigualdades». Parece-me óbvio.
O Bloco de Esquerda vai votar favoravelmente este projeto, porque a intenção é boa, mas importa que fique
claro que reduzir as desigualdades de género agravadas por uma crise deste tipo não se consegue com
intenções, mas sim com ação, passando por garantir o trabalho e o salário, por tirar as pessoas da pobreza e
por não deixar que mais nenhuma caia nela.
O PS do Parlamento pode até ter esta intenção. Era bom que o PS do Governo também a tivesse.
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Lina Lopes, do Grupo Parlamentar do PSD, para uma intervenção.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sr.ª Deputada Elza Pais, o projeto de resolução que nos apresentou pode ser dividido em duas partes, sendo elas um preâmbulo e uma secção final
com o pedido de medidas ao Governo. Estas duas partes contrastam entre si de uma forma que nem um gigante
e um anão conseguiam contrastar.
O preâmbulo é entusiástico e palavroso na enumeração de iniciativas do passado, todas anteriores à
pandemia da COVID-19. Trata-se de medidas que, aliás, na sua maioria, nem sequer chegaram a ser
inteiramente concretizadas ou mesmo avaliadas e que nada têm a ver com a atual situação de pandemia, ao
contrário do que o projeto de resolução dá a entender.
Concretizo com exemplos: o Programa 3 em Linha foi lançado em 2018 e aguardamos até hoje que nos
digam o que foi feito com este programa; o projeto «Engenheiras por um dia», que tem como objetivo trazer
mais jovens mulheres para a área das tecnologias, nomeadamente para a área da digitalização, Srs. Deputados,
data de 2017 e, de acordo com os dados que temos e que também são referidos no projeto de resolução, os
valores não são muito animadores, tendo até baixado, em 2018, o número de mulheres diplomadas nestas
áreas; o grupo de trabalho denominado «Pacto para a Conciliação» foi criado em 2019, em sede de concertação
social. Durante a pandemia da COVID-19, o grupo de trabalho simplesmente não reuniu. Logo, desconhecemos
os seus resultados.
O reforço na proteção da parentalidade não veio deste grupo de trabalho, mas sim da concertação social, e
data de 2017, aquando da discussão da agenda para a igualdade, ou seja, muito antes da pandemia.
Sr.as e Srs. Deputados, nada do que é referido tem a ver com a situação atual. Neste preâmbulo majestoso,
são tantos os autoelogios e a autocongratulação com iniciativas passadas que, ao lê-lo, não conseguimos deixar
de criar alguma expectativa em relação ao final, onde esperávamos encontrar propostas concretas. Mas, ao
chegarmos às propostas, levámos com um balde de água fria.
Que desilusão, Sr.ª Deputada! Nada de concreto é proposto, nada é especificado. Aliás, sinceramente, em
alguns casos, até parece que a Sr.ª Deputada está a apresentar propostas a um Governo que não é do seu
partido, tal é o desconhecimento que revela daquilo que o Governo anda a fazer.
Deixe-me concretizar e ouça: em relação às medidas n.os 1 e 4 do projeto de resolução, que dizem respeito
ao reconhecimento e à valorização do trabalho dos cuidadores e ao investimento na economia do cuidado, Sr.ª
Deputada, o Governo comprometeu-se a identificar as medidas de reforço a estes trabalhadores e nada fez. O
Governo comprometeu-se a implementar projetos-piloto em 30 concelhos, mas atrasou a implementação, com
prejuízos para todos os cuidadores. Com o confinamento, os cuidadores informais parciais passaram a
cuidadores informais a tempo inteiro e o Governo não os apoia.
O Governo tem todas as condições para o fazer. Pergunto por que motivo não o fez. Está à espera do projeto
de resolução do PS para o obrigar a fazer o que se comprometeu a fazer?! Desculpe, Sr.ª Deputada, mas isto
parece uma manobra de diversão. Aconselho-a mesmo a falar com a Sr.ª Ministra do Trabalho do seu Governo.
Talvez seja mais eficaz do que apresentar um projeto de resolução a pedir ao Governo para fazer o que ele
próprio diz que quer fazer, mas não faz.
Em relação à medida n.º 2, que diz respeito à adoção de estímulos para travar o desequilíbrio de género no
apoio aos filhos, uma vez que 80% dos trabalhadores que ficam em casa com os filhos são mulheres, se o PS
quer menos 30% de mulheres e mais 30% de homens a apoiar os filhos, é bom que concretize as medidas
nesse sentido. A mera proclamação de intenções não vai alterar em nada o resultado final.
Pergunto, Srs. Deputados, que medidas concretas sugere o PS nesta área, sobretudo, para minimizar o
impacto da COVID-19 no agravamento do desequilíbrio de género? Afinal de contas, não é este o propósito do
projeto de resolução?
Medida n.º 3: promover a igualdade de género no recurso ao teletrabalho. Definitivamente, Sr.ª Deputada,
não quer falar com a Ministra do Trabalho do seu Governo. Então a Sr.ª Deputada não sabe que o Governo
anda a preparar o projeto Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, que, neste momento, se encontra em
discussão em sede de concertação social? Em vez de apresentar um projeto de resolução, na Assembleia da
República, a Sr.ª Deputada devia instar junto da Sr.ª Ministra do Trabalho para que contemplasse o equilíbrio
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de género como um dos temas centrais do seu Livro Verde. Srs. Deputados do Partido Socialista, têm intenção
de convencer a Sr.ª Ministra do Trabalho a fazê-lo?
Medida n.º 5: alocar parte dos 500 mil milhões do instrumento de recuperação e resiliência à promoção de
um maior número de mulheres no processo de transição digital e verde. Apregoar milhões para aqui e para ali,
como o Governo gosta de fazer, já não é muito sério, pior ainda é exigir uma parte do bolo sem concretizar
minimamente as ações que se pretendem financiar. Enfim, como tinha dito, o documento começa de forma
entusiástica e termina de forma amorfa e envergonhada.
Permitam-me, ainda, salientar a ausência de referências ao setor social. O terceiro setor é fundamental,
substituindo-se mesmo ao Estado no apoio às famílias. E, hoje, muitas famílias encontram-se em estados
extremos de pobreza.
Srs. Deputados, chega de ambiguidades e de generalidades. É altura de criarmos projetos com medidas que
apoiem verdadeiramente as famílias, as crianças, os jovens, as mulheres e os homens, sob pena de nos
tornarmos num País insustentável.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Vou concluir, Sr. Presidente. Podem contar com o PSD para uma verdadeira política integrada, para a igualdade de oportunidades entre
mulheres e homens.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saudando, obviamente, esta iniciativa, não podemos deixar de seguir um caminho de preocupação, no sentido de transformar as palavras
em ação. Apesar de a própria Constituição da República Portuguesa salvaguardar que todos nascemos livres e
iguais em direitos, a verdade é que há muitas mulheres e meninas, neste País, que continuam a não ter o mesmo
ponto de partida e que sofrem, de facto, com o enorme desfasamento e fosso entre a igualdade de género que
continua a marcar Portugal.
Neste aspeto, não podemos deixar de sublinhar que a COVID-19 é, de facto, um problema que pode agravar
também este fosso da igualdade de género. O próprio relatório das Nações Unidas já alertou para o risco de
esta crise sanitária poder reverter as conquistas até aqui conseguidas sobre os direitos das mulheres em todo
o mundo — Portugal não está imune —, agravando-se este fosso. O Secretário-Geral da ONU (Organização
das Nações Unidas) já veio afirmar que 60% das mulheres que trabalham na economia informal foram atingidas
por esta crise, o que se traduz, em regra, já de si de forma estrutural, em salários menores, em maior incerteza,
em maior desproteção e em maior risco de pobreza.
Por outro lado, também têm sido as mulheres, maioritariamente, que asseguram, em primeira linha, os
cuidados a outros, sejam eles ascendentes, descendentes ou familiares em geral. Por esse motivo, têm estado
mais expostas à perda do trabalho, à não manutenção do seu posto laboral, com maiores custos pessoais de
tempo e de saúde.
De facto, esta crise mundial está, de forma desproporcional, a ajudar a um aumento da perda de postos de
trabalho de mulheres e muitos mais virão ainda a ser perdidos. Mas se, por um lado, são as mulheres que,
principalmente, asseguram o bem-estar e saúde dos seus, são também elas que, nesta crise sanitária,
continuam a ser vítimas de contextos de violência doméstica, de exploração e de outras de formas de violência
que põem em causa a sua liberdade e o seu bem-estar.
No nosso País, a violência, por exemplo, nas relações de intimidade, atinge uma em cada três mulheres. Não
podemos, enquanto sociedade, continuar a aceitar que as relações humanas, sejam elas quais forem, tenham
suporte em práticas de agressão e de violência.
Contudo, durante a pandemia, houve muitos serviços que estiveram fechados e não puderam intervir junto
de mulheres e de meninas, como as CPCJ (comissões de proteção de crianças e jovens) e as assistentes
sociais, não podendo, de facto, dar uma resposta mais eficaz a estes contextos. Sendo esta uma questão
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estrutural, que não se resolve com medidas remediativas mas com mudanças sociais e culturais, em que a
violência tem de ser sempre acompanhada de uma clara linha vermelha, é importante que se invista nos meios
de que o nosso País precisa para combater este flagelo.
Neste sentido e no sentido dos compromissos assumidos, quer por Portugal, quer no âmbito da União
Europeia, como a estratégia para a igualdade entre homens e mulheres, que têm de ser firmes e de garantir
mudanças, gostaria de perguntar-lhe, Sr.ª Deputada, quando é que o Governo vai ser mais ambicioso nestas
matérias e passar das palavras à ação. Apesar da bondade desta iniciativa, há que, de facto, interromper os
ciclos de violência e o agravamento das desigualdades. Tal só se faz com medidas específicas e com
investimento.
Por isso, é incompreensível que, em momentos como o do Orçamento do Estado, se verifique que o Grupo
Parlamentar do PS não acompanha medidas que visam precisamente apoiar as organizações não-
governamentais que estão no terreno, o setor terciário, que tem um papel absolutamente fundamental, ou as
instituições que continuam a acolher meninas e jovens, para que não possamos pôr em causa um conceito já
muito frágil na nossa democracia, o conceito de igualdade e de liberdade.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há dois aspetos que nos aproximam do Grupo Parlamentar do Partido Socialista nesta matéria e dois que, indiscutivelmente, nos
afastam.
O primeiro aspeto que nos aproxima é o conhecimento real do que é a diferença brutal que ainda existe, em
Portugal, relativamente a mulheres e a homens no contexto profissional e no contexto familiar. O segundo aspeto
que nos aproxima é a motivação para alterar essa realidade e para conseguir promover políticas públicas que
alterem essa realidade.
Mas há dois aspetos que nos afastam profundamente. Um é a violência na linguagem, que é absolutamente
desnecessária, e não percebemos que vantagem possa trazer nem para a causa nem para a solução dos
problemas que existem. Depois, são as consequências das propostas, porque este projeto é tão bem-
intencionado quanto inconsequente. Se todos os objetivos do Partido Socialista fossem concretizados, haveria
uma evolução muito positiva nesta matéria, mas se todas as propostas do Partido Socialista fossem executadas,
não acontecia nada. Portanto, essa é a grande diferença! Este é um projeto em que a concretização em
propostas é absolutamente frustradora de todas as intenções que o basearam.
Por isso, quando dizemos que concordamos com a avaliação da realidade, obviamente que a pandemia veio
agravar essa realidade. Quando vemos os indicadores oficiais e os 80% dos beneficiários do apoio excecional
às famílias dirigido aos pais que precisaram de ficar em casa a acompanhar os filhos em idade escolar,
percebemos que há uma grande diferença entre o papel da mãe no acompanhamento dos filhos e o papel do
pai. Quando vemos, por exemplo, um outro indicador relevante que mostra que 90,3% dos trabalhadores nas
atividades de ação social são mulheres e que 78,7% dos trabalhadores em atividade de saúde são mulheres,
sabemos que, obviamente, o facto de haver uma pressão muito maior nos trabalhadores do setor social e nos
trabalhadores do setor da saúde se reflete de forma totalmente assimétrica em mulheres e em homens. Assim,
as medidas de conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e que possam promover este equilíbrio são
bem-vindas, tão bem-vindas como as intenções, só que mais eficazes.
Por isso, não compreendemos que o Partido Socialista, com outros partidos de esquerda, tenha chumbado,
no passado, propostas concretas que o CDS aqui trouxe, por exemplo no âmbito do teletrabalho, em forma de
projeto de lei e não de projeto de resolução, para que a concretização do teletrabalho não fosse ela própria
agravadora deste tipo de situações mas pudesse permitir até a inversão desta lógica. Lamentamos que o Partido
Socialista, que esteve contra essa proposta dessa vez, apresente agora um conjunto de intenções que não se
concretiza com uma alteração substancial da realidade.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera.
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A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Do conjunto dos problemas e das soluções que constam das recomendações que o PS aqui faz — na sua maioria acertadas —, muitas delas, se
não todas, não tiveram consequência prática porque, em vários momentos, e não é de agora, o PS, o PSD, o
CDS, agora acompanhados pelos seus sucedâneos, não quiserem e não querem.
Mesmo a nível da exposição de motivos nada mais acertado do que dizer que as desigualdades de género
se acentuam com a crise, nomeadamente porque há mais mulheres em apoio à família ou em layoff, ambas
com perdas significativas de rendimentos. Só que o PCP propôs o pagamento do apoio à família e do layoff a
100%, já lá vão muitos meses, e a proposta foi rejeitada. Só agora é que conseguimos.
Mas vejamos ponto por ponto, porque isto da igualdade não se compagina com generalidades, é preciso
olhar para o concreto. Propõe-se o reconhecimento e a valorização do cuidado — nada mais certo — e, em
duas dimensões. Por um lado, é preciso garantir aos cuidadores informais condições para a assistência a pessoa
em situação de dependência; só dessa forma, os próprios cuidadores, na sua maioria mulheres, podem
compatibilizar o cuidado com a sua vida pessoal e profissional. Por outro lado, nas áreas sociais de apoio, como
aqui foi dito, nos equipamentos de apoio à infância, aos idosos e às pessoas com deficiência, a esmagadora
maioria dos trabalhadores são mulheres. O reconhecimento passa, também, pela valorização dos seus salários,
desde logo o salário mínimo nacional, que é o mais praticado no setor e que o PCP também propôs aumentar,
mas que o PS, o PSD, o CDS e os seus sucedâneos não quiseram.
Depois, quando se fala em medidas positivas de estímulo para travar o facto de os trabalhadores apoiados
para assistência aos filhos serem na esmagadora maioria mulheres — 80% —, podendo assistir-se à mesma
tendência relativamente ao teletrabalho, é preciso perceber que são as mulheres que, maioritariamente, ficam
em casa, porque continua a ficar mais barato que sejam elas, fica mais barato para a família e convém-lhes
mais.
Gostaria de dizer ainda que o teletrabalho, que não é solução para todos os males, está simultaneamente a
ser utilizado para encerrar serviços públicos, os mesmos serviços que todos concordamos que é preciso
fortalecer para a prevenção e para o combate à violência doméstica, por exemplo.
Aliás, sempre a propósito do teletrabalho, na fase inicial da COVID, com as escolas e as instituições
encerradas, propusemos que se fizesse uma separação clara entre «teletrabalho» e «assistência a filho», para
que os filhos não percam o direito de assistência se um dos pais estiver em teletrabalho, porque é falsa a
compatibilidade do trabalho, mesmo prestado em casa, e a assistência à família. Não podemos confundir as
duas situações porque se está, em primeiro lugar, a prejudicar a criança e, em segundo lugar, a provocar uma
brutal sobrecarga em quem está com as duas tarefas. A proposta do PCP não teve acolhimento por parte dos
Srs. Deputados!
Num outro ponto, fala-se do investimento na economia do cuidado. Estamos aqui a falar de direitos sociais,
de acesso a espaços de crescimento e desenvolvimento das crianças, como as creches, cuja gratuitidade é
necessário alargar a todas as crianças, e de uma rede pública que responda às necessidades. O mesmo se
aplica aos idosos e ao seu direito a bons cuidados, sejam domiciliários ou em lares, devendo o Estado assumir
as suas responsabilidades. E se hoje há mais de 56 000 crianças que vão ter direito a creche gratuita é pela
proposta e pela insistência do PCP, não é por obra e graça do PS, do PSD, do CDS e seus companheiros!
Srs. Deputados, há uma lei fundamental, que é a Constituição da República Portuguesa, que proíbe qualquer
tipo de discriminação. Cumpra-se na proteção das mulheres e dos direitos de maternidade e de paternidade, no
combate à precariedade e aos baixos salários que colocam as mulheres numa situação de vulnerabilidade e
que as atinge especialmente. É essa falta de proteção e de fiscalização que permite que haja mais desemprego
nas mulheres do que nos homens, mas, quando foi para proibir os despedimentos à boleia da COVID ou dar
poderes executivos à ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), as mulheres não puderam contar nem
com o PS, nem com o PSD, nem com o CDS ou com qualquer partido à sua direita.
Não há possibilidade de articular a vida profissional, pessoal e familiar, como aqui se diz, se não existir
mudança, se não houver redução dos horários de trabalho e um combate à utilização abusiva do trabalho
noturno e do trabalho por turnos e a todos os abusos cometidos sobre as mulheres. Não se caia na ilusão de
achar que, mantendo tudo como está, irão alterar-se questões como a violência doméstica, que aumentou nos
últimos tempos, embora silenciada, ou como o preconceito e a discriminação. Assumam-se responsabilidades
e opções em favor das mulheres e não dos interesses económicos.
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Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Tem agora palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Partido Ecologista «Os Verdes».
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes consideram que é necessário promover a discussão sobre desigualdades estruturais de género, desencadeada, agora também,
pelos impactos socioeconómicos da COVID-19. Esta discussão ajuda na mudança de mentalidades, que deve
ter lugar na educação para a igualdade e para o respeito pelos direitos humanos.
O caminho para a igualdade tem de ser assumido de forma natural, com medidas de fundo, em que o
elemento central não será apenas o que hoje o PS nos propõe, sem querer desvalorizar o que é recomendado.
Porém, consideramos que estamos numa altura em que é necessário que se trabalhe em mudanças concretas
para o futuro.
Não podemos deixar de registar a ausência de medidas mais concretas que valorizem o papel da mulher na
sociedade, pelo que este projeto pode ser apenas uma espécie de deliberação para aliviar boas almas. Se o
que se pretendia era promover a igualdade no exercício de direitos civis e até políticos — o PS já aqui trouxe
essa discussão — e a não discriminação em função do sexo, deveríamos estar a discutir a aplicação de medidas
concretas que permitam a participação de todos e a conquista de direitos.
Para isso, é necessário garantir uma rede de creches públicas gratuitas, combater a precariedade de homens
e mulheres, aumentar salários de forma a assegurar a todos, e particularmente às mulheres, condições para
viverem plenamente a sua vida.
E quando lemos nesta iniciativa legislativa do PS que uma das recomendações passa pelo equilíbrio de
género no recurso ao teletrabalho, consideramos que é uma falácia que se olhe para o teletrabalho como a
solução ideal para travar a pandemia.
Sabemos que uma parte importante do trabalho na indústria, na agricultura, no comércio, na restauração não
pode ser feita em teletrabalho, e a agravar isto é que estamos a falar, quase sempre, de trabalho precário, onde
os salários são mais baixos e, por isso mesmo, onde há mais desigualdade, mais sobrecarga de horas de
trabalho e maiores dificuldade de dedicação de tempo à família.
O teletrabalho que o PS aqui defende é trabalhar e ter de, ao mesmo tempo, cuidar da casa, dos filhos e dos
idosos, quando as respostas sociais são frágeis e inexistentes?
Relembro que promover a igualdade das mulheres não é alterar a lei do trabalho, como o PS fez, para facilitar
aos grupos económicos a introdução de bancos de horas grupais, desregulando a vida das mulheres e dos
homens, criando inúmeras barreiras. E isto está a acontecer particularmente em setores com um número
elevado de mão de obra feminina.
Em pleno século XXI, a pandemia revela o que já sabíamos, que as desigualdades de género se agravam e
que as mulheres ainda são discriminadas por serem mulheres, e isso é visível no mais elementar direito, que é
o de ter um emprego.
E não é apenas no relatório lançado pela Organização das Nações Unidas que sabemos o impacto das
medidas socioeconómicas da COVID-19 nas mulheres. Olhemos para os números do desemprego em todos
distritos, que nos dizem claramente que o número de mulheres desempregadas, hoje, é bem maior do que o
dos homens.
Sem esquecer que a precariedade, os salários baixos…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. Não devemos esquecer que a precariedade e os salários baixos são fatores que fragilizam a dependência
das mulheres e lhes limitam a capacidade de tomar nas suas mãos os seus sonhos e os seus projetos, sem que
tenham de estar condenados à nascença ao que a sociedade lhes impõe.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
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O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Alma Rivera, antes de mais, o Chega e o Iniciativa Liberal têm nome, não são nem sucedâneos,…
O Sr. Jorge Costa (BE): — São produtos!
O Sr. André Ventura (CH): — … nem companheiros, nem substitutos. Como o PCP não gostaria que dissesse que está ali o sucedâneo do Comité Soviético ou o sucedâneo da Venezuela, certamente que não
gostaria, e, por isso, há nomes: chamam-se Chega e Iniciativa Liberal, se os respeitar. Até porque talvez em
breve tenham mais votos do que o seu grupo parlamentar.
Sr.ª Deputada Elza Pais, não se percebe como é que traz a esta Câmara um projeto baseado num tom tão
laudatório como nunca se viu em Portugal — «já fizemos isto, já fizemos aquilo» — e, agora, o que é que
apresentam? Nada! É isto que este projeto traz.
Ora, Sr.ª Deputada, há um relatório da Organização Internacional do Trabalho que esclarece — conforme,
aliás, foi dito — que há uma redução de 16% no salário das mulheres. Mas não ficamos por aqui! Isto num
contexto em que a média foi de 8%. Portanto, Portugal esteve muito pior do que os outros países da União
Europeia e membros da Organização Internacional do Trabalho. É verdade, Sr.ª Deputada!
E digo-lhe mais: a Sr.ª Deputada, que gosta tanto de citar o Comité Europeu dos Direitos Sociais — em todas
as comissões e todos os Plenários a oiço a falar desse Comité —, devia saber que esse mesmo Comité disse,
há um mês e meio, que Portugal é um dos países mais incumpridores do direito à igualdade de remuneração
entre homem e mulher.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir, Sr. Presidente. Por isso não se percebe, Sr.ª Deputada, como é que pode ter o desplante de trazer aqui uma matéria em
que o Governo falhou tanto em tão pouco tempo e a tantos, como é o caso dos direitos que aqui quer trazer. E
o seu projeto o que acrescenta é absolutamente nada!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PS, a Sr.ª Deputada Elza Pais.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Deixo uma nota final para agradecer as vossas intervenções, os vossos comentários e, sobretudo, o compromisso político, mesmo com alguma
divergência, para com esta área, que é central para os avanços que precisamos de fazer.
É um dossiê que não é fácil, é um dossiê difícil, e se não estivermos numa atitude de convergência os
avanços não se concretizam, e temos de continuar a fazê-los.
Sr.ª Deputada Lina Lopes, provavelmente não se recorda — julguei que soubesse — que as desigualdades
salariais vão diminuir com o aumento do salário mínimo nacional, com o aumento do subsídio de desemprego,
com uma nova prestação social, tudo em curso.
Protestos da Deputada do PSD Lina Lopes.
Mas também julguei que soubesse, como sindicalista, que a negociação na concertação social leva tempo.
Protestos da Deputada do PSD Lina Lopes.
Julguei que soubesse, como sindicalista… E pergunto ao seu grupo parlamentar porque é que não
apresentou nenhuma proposta — zero! —, tal como o CDS, agora, nas propostas de alteração ao Orçamento
do Estado. Zero!
Aplausos do PS.
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Protestos da Deputada do PSD Lina Lopes.
Se quer contribuir, venha a jogo, não fique na sua capela!
Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.
Agradeço as vossas palavras, os vossos contributos.
A interseccionalidade, Sr.ª Deputada Sandra Cunha, obviamente que está no Programa do Governo. Não
está aqui especificada de uma forma particular, mas está em todas as políticas do Governo.
Quero dizer, portanto, que é fundamental a nossa convergência para a construção de uma sociedade mais
digna e decente, que não se alcança sem igualdade de oportunidade entre homens e mulheres.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para encerrar o debate, a Sr.ª Deputada Edite Estrela, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As mulheres ganham menos do que os homens, realizando o mesmo trabalho. Baixos salários significam pensões mais baixas. O aumento do salário
mínimo é, pois, uma boa medida para ajudar a combater a pobreza no feminino.
As mulheres fazem três vezes mais trabalho doméstico não remunerado do que os homens. Por isso, muitas
mulheres são obrigadas a escolher entre serem mães ou progredirem na carreira. Apesar de haver mais
mulheres licenciadas e doutoradas do que homens, raramente elas participam na tomada de decisão política,
financeira ou económica.
As mulheres enfrentam maior risco de desemprego e mais obstáculos no acesso a empregos dignos. Com a
disseminação da inteligência artificial e da robótica, são as mulheres que correm o maior risco de perder o
emprego.
As mulheres são as principais vítimas de violência doméstica e as tecnologias digitais representam novos
espaços de violência. Segundo um estudo da ONU, 73% das mulheres em todo o mundo já sofreram violência
online.
Fez bem Cristina Ferreira ao chamar a atenção para o discurso do ódio contra as mulheres nas redes sociais.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Muito bem!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Só faltava agora!
A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Se antes a situação era muito desigual e injusta para a parte feminina da sociedade, com a pandemia tudo se agravou.
A crise pandémica afetou todas as pessoas mas, como diz o Secretário-Geral das Nações Unidas, António
Guterres, teve maior impacto nos mais fracos, incluindo nas mulheres.
Mulheres que estiveram na vanguarda da luta contra a pandemia; mulheres que tiveram de conciliar o
teletrabalho com o trabalho doméstico e com o apoio escolar aos filhos; mulheres que viram reduzido o seu
salário e perderam o emprego; mulheres vítimas de violência doméstica, que ficaram confinadas com o agressor.
Esta pandemia não afeta toda a gente da mesma forma. Qualquer pandemia, aliás, tende a acentuar as
assimetrias regionais e as desigualdades socioeconómicas.
O relatório da ONU revela que cerca de 60% das mulheres em todo o mundo estão agora «a ganhar menos,
a economizar menos e com maior risco de cair em situação de pobreza».
É preciso continuar a melhorar as leis e as políticas. A igualdade de género, para além de ser uma questão
de direitos humanos, é condição essencial para a realização dos objetivos de crescimento, emprego e coesão
social. Este é um problema de todos e não só das mulheres.
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Não é aceitável que as mulheres continuem a trabalhar o mesmo número de horas que os homens no
emprego e o triplo dentro de casa.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Termino já, Sr. Presidente. É injusto e inconstitucional que as mulheres ganhem menos do que os homens. São, pois, necessárias
medidas de estímulo positivas para travar o desequilibro de género agravado pela pandemia da COVID-19,
como aqui apresentámos. É uma questão de direitos, não de privilégios.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao fim deste ponto. Do quarto ponto da nossa ordem do dia consta a apreciação do Decreto-Lei n.º 92/2020, de 23 de outubro,
que altera o regime geral da gestão de resíduos [Apreciações Parlamentares n.os 32/XIV/2.ª (PSD), 34/XIV/2.ª
(PCP) e 35/XIV/2.ª (BE)].
Peço ao Sr. Vice-Presidente António Filipe para me substituir, com os meus agradecimentos e um abraço
para todos.
Neste momento, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.
O Sr. Presidente: — Boa tarde, Srs. Deputados. Vamos, então, passar à apreciação do Decreto-Lei n.º 92/2020, de 23 de outubro.
O PSD foi o partido que apresentou a primeira das apreciações parlamentares em discussão, a Apreciação
Parlamentar n.º 32/XIV/2.ª, pelo que tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Coimbra.
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Os resíduos, a sua gestão e o setor onde se inserem, são matéria de importância vital para a qualidade de vida das
populações.
O Relatório Anual Resíduos Urbanos, publicado este ano pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente)
mostra, de forma inequívoca, a realidade que enfrentamos: produzimos mais resíduos, privilegiamos a
deposição em aterro, invertemos a tendência existente até 2014 e encontramo-nos cada vez mais distantes das
metas definidas.
Falamos de um setor no qual o Governo muito anunciou mas quase nada fez, onde, nos últimos cinco anos,
aumentámos quase 18 vezes a importação de resíduos para deposição em aterro, onde, ainda recentemente,
resíduos perigosos foram enterrados com resíduos urbanos, tendo chegado a esta Casa queixas e denúncias
dos mais variados pontos do País — dezenas, só no último meio ano.
Há quase três meses à espera de que o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática venha ao Parlamento
debater estas problemáticas, em audição extraordinária urgente, fomos confrontados com a publicação do
Decreto-Lei n.º 92/2020, de 23 de outubro, que determina a duplicação do valor da taxa de gestão de resíduos
já a partir de janeiro do próximo ano.
O Governo, que ao longo dos últimos anos não criou condições para que os investimentos necessários
fossem concretizados, limita novamente a sua política ambiental a mais taxas, mais imposto, mais saque aos
cidadãos e aos municípios.
Sr.as e Srs. Deputados, não é assim que se promovem mudanças estruturais ou se motivam as pessoas e as
organizações a agir de forma diferente. Se o Governo não fez o que precisava ser feito, nem as famílias, nem
os municípios devem ser amparo dos seus desmandos.
O Governo vai por esta via não para que Portugal cumpra metas mas para engordar um Fundo Ambiental de
gestão duvidosa.
O aumento da TGR (taxa de gestão de resíduos) — que é necessário! — deve ser escalonado até 2025,
para que, até lá, o Governo cumpra o seu papel e garanta condições para que ocorram os investimentos que
permitam aos sistemas operar melhor, incrementar a separação e valorização, cumprir metas e garantir a
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redução do que vai para aterro. De outra forma, este aumento abrupto não só não produzirá os resultados
pretendidos como arriscará um retrocesso no caminho percorrido até aqui.
Sabemos que o Partido Socialista nega a realidade e prefere insultar o poder local, em nada responsável
pelo triste estado a que chegámos.
Recordamos que disseram, neste Plenário, que os autarcas — e passo a citar — «ao contrário de investir
em sistemas de recolha e tratamento, andaram a gastar e a fazer investimentos em coisas supérfluas.»
«Presidentes de câmara que investem em festas e festinhas, e que não fizeram o que tinham de fazer», dizia o
Sr. Deputado Hugo Pires, do Partido Socialista, a propósito deste tema, na recente discussão do Orçamento.
Não sabemos se o Partido Socialista se referia aos autarcas das áreas metropolitanas de Lisboa ou do Porto,
ou mesmo à Associação Nacional de Municípios Portugueses, todas lideradas por autarcas socialistas que
deram nota pública do repúdio e da oposição a este decreto do Governo e a esta apatia na ação governativa.
Mas sabemos que é o Ministro do Ambiente e da Ação Climática socialista que não está a cumprir o seu papel
e o Governo que age sem responsabilidade.
Sr.ª Secretária de Estado, pior do que apresentar uma subida vertiginosa da TGR de forma desgarrada é só
fazê-lo de forma mal-acompanhada.
Este Decreto, feito à pressa, foi imediatamente complementado pelo Decreto-Lei n.º 102-D, de 10 de
dezembro, que aprova o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em
aterro e altera o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos, transpondo as Diretivas (UE) 2018/849,
2018/850, 2018/851 e 2018/852, e que revoga o regime geral de gestão de resíduos sobre o qual incide o
Decreto que hoje avaliamos.
Porquê tanta pressa, Sr. Ministro? Porquê apenas 14 dias de consulta pública e meia dúzia de semanas para
publicar um decreto-lei fundamental, com 300 páginas, que transpõe quatro diretivas europeias?
Por que razão o decreto-lei é publicado sem o relatório da consulta pública? Porquê tanta pressa se a primeira
medida efetiva que decorre deste decreto-lei só produz efeitos a partir de julho do próximo ano?
Como é que o Ministro do Ambiente com mais longevidade no cargo só se lembra de produzir alterações
destas nas políticas de resíduos a poucas semanas do início da Presidência Portuguesa da União Europeia?
Será que quer esconder a inércia e a apatia dos últimos anos e dar a ideia a Bruxelas de que fez alguma coisa?
É preciso assim tanto enganar Bruxelas e remediar à pressa?!
Sr.as e Srs. Deputados, impõe-se, obviamente, a apreciação parlamentar deste Decreto-Lei n.º 102-D/2020,
de 10 de dezembro, que completa esta giga-joga legislativa do Governo. O Grupo Parlamentar do PSD
apresentará, hoje mesmo, o requerimento para este efeito!
Pelo meio, no Orçamento e agora com este novo Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, o Sr.
Ministro cumpre o sonho de extorquir os poderes regulatórios à ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de
Águas e Resíduos), dando mais poder ao Governo para gerir discricionariamente um setor que necessita tanto
de transparência, a transparência que este decreto-lei não tem.
No PSD, defendemos um sistema regulado, em que o interesse publico é assegurado por um regulador
independente.
Somos pelo investimento nos sistemas, pela sensibilização da população e pelo envolvimento dos municípios
e dos cidadãos. Não aceitamos legitimar a destruição dos sistemas de gestão de resíduos em curso nem
acompanhamos um Governo que decide não ouvir ninguém e avançar sem regra e sem rumo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar a apreciação parlamentar n.º 34/XIV/2.ª, do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O PCP pediu a apreciação parlamentar do diploma que altera o regime geral de gestão de resíduos porque este diploma
assenta numa errada conceção no que diz respeito às opções das políticas de proteção do ambiente.
Centrar as políticas de proteção do ambiente numa lógica de taxas e tarifas não só não resolve nenhum
problema como é profundamente penalizador para as populações, sobretudo para as populações com mais
baixos rendimentos.
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Vejamos: este diploma, no concreto, o que propõe é a duplicação da taxa de gestão de resíduos de 11 €/t
para 22 €/t, a aplicar-se já a partir de janeiro de 2021.
Sobre esta taxa, importa dizer o seguinte: em primeiro lugar, a duplicação do valor desta taxa, como já
referimos, afeta negativamente os municípios e as populações, dado que a ERSAR obriga à repercussão destes
valores na faturação às populações.
Em segundo lugar, esta taxa já tinha duplicado o seu valor nos anos de 2015 e 2020, sendo que, agora, o
proposto é duplicar de 2020 para 2021.
Mais, em terceiro lugar, a perspetiva que o Governo tem e que, agora, foi publicada no novo decreto-lei sobre
o regime geral de gestão de resíduos é que esta taxa passe para 35 €/t em 2025. Teremos oportunidade para
apreciar este diploma, mas não podemos deixar de dizer o seguinte: o Governo coloca em discussão pública
um diploma sobre matéria de resíduos com mais de 400 páginas, discussão pública essa por um período de 15
dias, havendo um pedido da Associação Nacional de Municípios Portugueses para prorrogar esse processo de
discussão pública, sendo que não só esse pedido não é atendido como é publicado um decreto-lei no passado
dia 10 de dezembro, decreto-lei esse que, ainda por cima, aquilo que defende, para além de outras questões
que poderemos aprofundar, é a continuação deste caminho, do aumento das taxas, para penalizar municípios
e a população.
Em quarto lugar, o produto da cobrança desta taxa de resíduos nunca serviu para investir na qualidade e na
racionalidade da gestão de resíduos. Muito pelo contrário, esta é uma taxa que é tão-somente uma fonte de
financiamento de serviços da administração central, é tão-somente uma fonte de receita por parte da
administração central.
Importa ainda ter presente o seguinte: o modelo existente, no nosso País, em matéria de resíduos, não
permite, nem às populações, nem aos municípios, optar por onde vão depositar os resíduos e como vão fazer o
tratamento dos mesmos. Os municípios são obrigados a depositar nos sistemas que integram. Mais, esses
sistemas multimunicipais foram uma imposição às próprias autarquias. E, mais, a empresa que detinha a maioria
do capital destes sistemas multimunicipais, a EGF (Empresa Geral de Fomento), que era gerida pelo Estado,
está, hoje, privatizada, e foi privatizada contra a vontade dos municípios, privatização essa que ainda não foi
revertida.
Por isso, relativamente a estas matérias, creio que fica muito claro que esta é notoriamente uma opção que,
do ponto de vista ambiental, não acrescenta nada — aliás, como a realidade demonstra, nos últimos anos, o
aumento da taxa de gestão de resíduos não contribuiu para a redução da deposição em aterro — e que, na
prática, tem o único objetivo de onerar as populações, coisa que o PCP não pode acompanhar.
O PS, o PSD, o BE, o CDS-PP, o PAN, o CH e o IL impediram a revogação deste diploma. Temos, agora, a
oportunidade para o fazer. Temos, agora, oportunidade e tempo para impedir que, a 1 de janeiro de 2021, sejam
as populações penalizadas por não haver o necessário investimento por parte do Governo relativamente às
matérias de resíduos.
O que o PCP traz a debate é, de facto, a revogação deste diploma. É que os problemas ambientais não se
resolvem contra as pessoas, as políticas do ambiente não se resolvem taxando as populações, nem aumentando
a sua faturação. As políticas do ambiente resolvem-se com investimento, investimento em soluções que
resolvam e permitam dar um salto qualitativo nesta matéria.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar a Apreciação Parlamentar n.º 35/XIV/2.ª, do BE, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Peralta.
O Sr. Nelson Peralta (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, a taxa de gestão de resíduos, ou seja, o valor que as entidades pagam pelos resíduos encaminhados para soluções ambientalmente
negativas, nomeadamente a deposição em aterro ou a incineração.
O Bloco de Esquerda apresentou esta apreciação parlamentar porque, considerando que a TGR deve ter um
valor mais elevado, reconhece que, ao proceder a esse aumento durante a situação de pandemia, não há
possibilidade de fazer as mudanças que são necessárias no setor. As melhorias, nomeadamente a
implementação de novos modelos de recolha e de separação de resíduos, dificilmente podem ser iniciadas com
qualidade e em segurança em situação de pandemia. Para agravar, vários investimentos já deveriam ter sido
feitos e não o foram.
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Por isso, apresentamos três propostas. Desde logo, uma moratória ao aumento da TGR, para que o mesmo
ocorra apenas depois dos efeitos da pandemia no setor dos resíduos.
Propomos ainda que 30% da verba da TGR seja atribuída diretamente às autarquias — aliás, esta medida é
bastante importante, porque as autarquias estão obrigadas a implementar, até 2023, um sistema e um fluxo de
biorresíduos. Diga-se, ainda, que este fluxo de biorresíduos irá reduzir, em muito, a deposição em aterro e, por
essa via, reduzir o valor global da TGR a pagar.
Finalmente, propomos que seja implementada uma medida de transparência, a de que todas as despesas e
investimentos feitos com base na TGR sejam apresentados num relatório público.
O nosso objetivo é o de introduzir melhorias sistémicas, garantindo a redução e valorização dos resíduos.
São estas as nossas propostas, que esperamos possam ter caminho, em sede de especialidade.
Mas devemos olhar para o setor dos resíduos que incumpre todas — repito, todas! — as metas ambientais
a que está obrigado. O valor baixo da TGR é um dos problemas. Em Portugal, esse valor é de 11 €, quando, na
generalidade dos países da União Europeia, é de 80 €. Esta situação e a ausência de regras contribuiu para
uma transformação da estrutura económica do setor. Portugal transformou-se no caixote do lixo da Europa, mas
não só, pois também a Nigéria e Omã exportaram resíduos para Portugal, porque era barato.
Mas vejamos outros exemplos. A maior parte das empresas de resíduos sólidos urbanos deposita resíduos
a mais em aterro. Ora, isto tem um custo escondido: vamos ter de construir aterros antes do esperado.
A Cimenteira de Alhandra, por exemplo, está a mudar os seus fornos para queimar mais e para que o seu
grande negócio seja a coincineração, e já declarou que se não houver resíduos suficientes para queimar na
cimenteira não haverá problema, porque importará 60% dos resíduos.
Olhemos para a Valorsul. A Valorsul tem os seus principais proveitos na produção de energia elétrica a partir
da queima de resíduos: 31 milhões de euros, 55% do total das suas receitas. No entanto, esta queima de
resíduos é financeiramente insustentável. Assim, se antes era subsidiada diretamente através de um extra que
toda a população pagava na tarifa da eletricidade, agora, perante a oposição do setor a este sistema, o Governo
mudou a regra e passou a ser o Fundo Ambiental a financiar diretamente esta queima de resíduos. Pois bem,
temos o Fundo Ambiental a financiar algo que, ambientalmente, é negativo.
Parece irónico mas não é, é a essência do setor. Aconteça o que acontecer, sai sempre o jackpot à Mota-
Engil. E quanto pior é a sua performance, maiores são os seus rendimentos.
A política vigente para o setor tem sido um desastre ambiental e o Governo insiste no caminho de entregar
ao mercado as políticas públicas. No passado dia 10, o Governo entregou a definição das metas de reutilização
de embalagens às empresas produtoras, nomeadamente à Coca-Cola. Está bom de ver qual vai ser o resultado.
Por isso, anuncio, desde já, que o Bloco de Esquerda irá apresentar uma apreciação parlamentar à lei geral
de gestão de resíduos.
Concluo dizendo o seguinte: a privatização da EGF, durante o Governo de Passos Coelho, foi um erro
colossal e é urgente corrigi-lo. A privatização teve um forte impacto negativo nas finanças das autarquias, mas
também na gestão do ambiente, em Portugal.
Não há qualquer dúvida, o mercado está a falhar às pessoas. Sim, precisamos de uma empresa pública, e é
esse o caminho que vamos fazer também.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Hugo Pires, do PS.
O Sr. Hugo Pires (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O aquecimento global está fora de controle. A subida do nível do mar está à vista de toda a gente; os oceanos são cada vez
mais um depósito de lixo; o desaparecimento de espécies em todo o globo é uma realidade; os eventos extremos
sucedem-se, como, por exemplo, os incêndios que já sofremos em Portugal; a seca extrema, o degelo ou as
inundações são uma evidência um pouco por toda a parte; a qualidade do ar que respiramos, da água que
bebemos e dos alimentos que comemos são cada vez mais uma preocupação.
É pelo que acabei de enunciar que o combate às alterações climáticas deveria reclamar de todos os
Deputados e de todos os partidos desta Câmara mais ambição e mais coragem: a ambição de deixarmos um
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planeta melhor às futuras gerações; a ambição de implementar políticas públicas que travem este flagelo; a
ambição de ter metas e objetivos sérios, que sejam mesmo para cumprir.
Mas, para realizar esta ambição, é preciso ter coragem. Coragem para enfrentar aqueles que, fazendo dos
resíduos o seu negócio, resistem à mudança; coragem para enfrentar muitos «Velhos do Restelo», para quem
o desenvolvimento sustentável é uma matéria de menor importância; coragem para dizer não aos políticos que
jogam sempre no curto prazo e nas contrapartidas eleitorais nas eleições que se seguem.
Este debate trata disso mesmo: da ambição e da coragem para fazer aquilo que é preciso ser feito.
Com a exceção do PCP, que, por norma, não se esconde e diz o que pensa, mais nenhum partido disse,
taxativamente, que está contra o aumento da taxa de gestão de resíduos proposto pelo Partido Socialista.
Se a plateia for pró-ambiente, o PSD dirá uma coisa, se a plateia for pró-outros interesses que não os do
ambiente, dirá sempre o seu contrário, para ficar sempre bem na fotografia.
Aliás, no debate do Orçamento do Estado tive a oportunidade de dizer que o problema do PSD era a ambição
pequenina e a lentidão com que quer combater as alterações climáticas, não percebendo que se trata de uma
corrida contra o tempo.
Já o Bloco de Esquerda está numa situação diferente. Aliás, há um ano, foi o próprio Bloco que propôs o
aumento da taxa de resíduos para 20 €/t.
Apesar de serem a favor, dizem que deve haver mais transparência relativamente à receita arrecadada e ao
investimento feito através dessa mesma receita. Estamos totalmente de acordo.
Em relação à percentagem das receitas da TGR que devem ser investidas na melhoria do sistema também
estamos de acordo e vejo que o Bloco evoluiu para 30% da percentagem das receitas que devem ser investidas
em sistemas de gestão e que devem ser dados às autarquias, desde que esse investimento seja na área dos
resíduos.
A fiscalidade verde é um dos principais instrumentos para conseguirmos uma gestão eficiente dos recursos,
para combater a poluição, aumentando a tributação sobre produtos e serviços com pior desempenho ambiental
e identificar mecanismos que minimizem o recurso a materiais descartáveis e não reutilizáveis.
A fiscalidade verde pretende transferir progressivamente a carga fiscal sobre o trabalho para a poluição e o
uso intensivo de recursos. É esse o espírito desta proposta.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, se olharmos para Espanha, o Governo
aumentou a TGR para 40 €/t; se olharmos para a média europeia, o valor é de cerca de 80 €/t; se olharmos para
Portugal, o valor passará de 11 para 22 €/t. O que é que isto quer dizer? Primeiro, mesmo com os 22 €/t, Portugal
continua a ser um mercado muito apetecível para os operadores de outros países depositarem aqui o lixo que
lá produzem.
Segundo, os resíduos importados de outros países são, para muitos operadores portugueses, a sua galinha
dos ovos de ouro.
Terceiro, se tudo continuar como está, não cumpriremos as metas a que nos propusemos para alcançar a
neutralidade carbónica. Quanto mais rápido esta reforma se fizer, menos resíduos irão para aterro, menos taxa
os municípios pagarão, mais baixa será a fatura da água na conta das famílias e mais limpo e sustentável será
o nosso País.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não há tempo a perder. É tão possível parar o vento com as mãos
como parar o aquecimento global e as alterações climáticas com falta de ambição e de coragem.
Hoje, aqui, ficou mais uma vez provado que o PS não recebe lições de ninguém em matéria de combate às
alterações climáticas e de política ambiental.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV, para uma intervenção.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As apreciações parlamentares que hoje discutimos, relativas ao Decreto-Lei n.º 92/2020, que altera o regime geral da gestão de resíduos, trazem
para a discussão a questão da diminuição de resíduos e a possibilidade de se cumprirem as metas assumidas.
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Os Verdes consideram que a diminuição de resíduos em aterro é um objetivo necessário, porque os aterros
não comportam a enorme quantidade de resíduos que produzimos. E não podemos deixar de sublinhar que
neste diploma se pode ler, e passo a citar, que «Nos últimos anos, tem-se registado uma tendência de aumento
acentuado na entrada de resíduos para eliminação em aterro que urge inverter, constituindo o aumento do valor
a pagar a título de taxa de gestão de resíduos um instrumento adequado para desincentivar tais entradas».
Ora, o problema a montante é o que os sucessivos governos se recusam sempre a resolver, a questão da
enorme quantidade de produção de resíduos, e quando o PEV trouxe soluções concretas à Assembleia da
República, como o projeto de lei de redução de resíduos de embalagens supérfluas e outros, quando é
necessário que se faça a mudança na origem, o PS e o PSD votaram sempre contra.
Ou seja, quando surgem soluções para dar um contributo muito significativo para resolver o problema a
montante, negaram essa solução e «assobiaram para o lado». E depois de impedirem que se trabalhe numa
solução de facto, o que se propõe como se fosse a solução mágica é sempre a do aumento das taxas, neste
caso com grande prejuízo para as autarquias e para as populações.
Recusamos esse caminho que leva a que os mesmos que vão acabar por pagar mais uma taxa continuam,
ao mesmo tempo, a ser obrigados a trazer dos estabelecimentos comerciais um amontoado de embalagens
absolutamente desnecessárias que têm como destino direto o lixo.
Outro problema que Os Verdes identificam é a imperfeição dos sistemas de recolha diferenciada de resíduos,
no qual se deveria ir fazendo uma melhoria significativa.
É reconhecido que muitas habitações não têm depósito de resíduos diferenciados perto das mesmas, a
recolha não é feita de forma regular e também não existem de forma continuada campanhas de sensibilização.
Compreendemos que é legítimo suspeitar que legislação como o Decreto-Lei n.º 92/2020 não serve
efetivamente para resolver o problema da deposição de resíduos em aterro, serve apenas para sobrecarregar
os cidadãos, para que paguem mais um montante substancial para financiar a Agência Portuguesa do Ambiente,
sem que se saiba concretamente onde é utilizada essa mesma verba.
A questão é que não tem havido vontade política para dar sérios e efetivos passos com vista a implementar
uma lógica sustentável ao nível dos resíduos, o que forçosamente terá de passar por atingir a relevância dos
compromissos assumidos, até internacionalmente, na política dos 3 R: reduzir, reutilizar, reciclar e encarar o
aterro como solução de fim de linha, isto é, só depois do crivo dessas campanhas fundamentais numa politica
de resíduos é que o destino será o aterro.
A continuarmos assim corremos o risco de, no futuro, transformarmos o nosso País e o nosso subsolo num
aterro monumental e este Decreto-Lei é apenas mais uma prova evidente disso mesmo: pagando podemos
ignorar a redução, a reutilização e a reciclagem dos resíduos porque a solução é o aterro.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente. Os Verdes não dão para este peditório, porque seria o mesmo que dizer: «produzam resíduos à vontade
porque temos locais onde os esconder».
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do CDS-PP, para uma intervenção.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar os Srs. Secretários de Estado aqui presentes e as Sr.as e Srs. Deputados: Temos em discussão o Decreto-Lei n.º 92/2020, de 23
de outubro, que altera o regime geral da gestão de resíduos.
O que temos aqui é um diploma que tem gerado uma enorme discórdia e não tem, como se percebe neste
mesmo debate, conseguido reunir qualquer consenso parlamentar. Tem também a voz crítica, e muito crítica,
de vários municípios. E porquê? Porque temos aqui um aumento absolutamente desmesurado daquilo que é a
taxa de resíduos.
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Vejamos: hoje, paga-se 11 €/t; a partir de janeiro passaremos de 11 €/t para 22 €/t; a seguir, a boa notícia
que fica é que a partir de 2025 se passa a pagar 35 €/t. Ou seja, em apenas cinco anos triplica-se o valor dessa
mesma taxa. E quem é que, ao final do dia, vai sair e vai ser penalizado? Como é evidente, são as famílias, são
as empresas, são os consumidores, pois são eles que, efetivamente, ao final do dia, vão pagar e vão ter de
suportar esta mesma fatura.
Não é por acaso que a Associação Nacional de Municípios e a Área Metropolitana de Lisboa vieram exigir
ou, melhor, vieram pedir ao Governo — estamos a falar, em muitos casos, de autarcas socialistas — para pôr
travão, para revogar esta medida.
Face a isto, o que é que o Governo fez? O Governo não ouviu nada nem ninguém, não quis ouvir coisa
nenhuma, mantém a sua e continua em frente.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, para o CDS é absolutamente claro que não é através do aumento de taxas
que se encontra uma solução para conduzir a novos comportamentos — não é, seguramente, por aí!
Assim, isto vem revelar algo que é crítico neste mesmo Governo, e nesta área específica, que é a falta de
orientação política. Há uma falta de orientação política em matéria ambiental. E o que é que temos deste
Governo? Planos e mais planos, e agora vamos ter aqui mais umas quantas taxas, taxas estas que qualquer
cidadão que olhe para elas percebe o exagero que existe aqui, passando de 11 € para 22 € e depois para 35 €.
Portanto, no entender do CDS é preciso reduzir esta mesma taxa e exigir ao Governo que haja, sim, políticas
com impacto ambiental.
Como já aqui foi dito — e bem — neste mesmo debate, pergunto: qual é a pressa que existe neste dossier?
Ele só terá aplicação mais tarde. Por que é que há toda esta urgência? Não se percebe, seguramente será até
para agradar a Bruxelas, mas o que é certo é que nem os municípios, nem as famílias, nem as empresas, como
é evidente, ficam satisfeitas, ficam tranquilas com o aumento desta taxa.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN, para uma intervenção.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD, o PCP e o Bloco de Esquerda vêm hoje dar um pontapé na já frágil política ambiental do País, ao pretenderem
provocar um retrocesso na política de gestão de resíduos em Portugal com argumentos enganadores, em nome
da demagogia e do facilitismo do poder autárquico.
O País tem falhado todas as metas nacionais e europeias de redução da produção de resíduos e de taxas
de reciclagem. Para Portugal, as metas de reciclagem para 2020 seriam de 50%, mas estamos muito longe.
A taxa de gestão de resíduos é um instrumento importantíssimo para desincentivar a deposição de resíduos
em aterro e a sua incineração. Uma taxa de gestão de resíduos equilibrada e justa, como aquela que neste
momento está decretada, estimula as autarquias a investir em políticas sérias de reciclagem. O que o PSD, o
PCP e o Bloco conseguirão com estas iniciativas é, precisamente, a continuação do aterro de resíduos e a sua
queima, sem qualquer base em termos de comparação europeia, em que esta taxa tem um valor médio de 80
€, cinco vezes superior à taxa portuguesa que estes partidos agora diabolizam.
Mas mais: todos os argumentos apresentados para que a taxa não suba são falsos. O que PSD e PCP dizem
é que se trata de um custo acrescido para os municípios; nós dizemos que não é, e não é porque se os
municípios cumprirem as suas responsabilidades na gestão hierárquica dos resíduos, vão investir em
mecanismos que incentivem a redução da produção de resíduos indiferenciados, a sua correta triagem e o
devido encaminhamento para reciclagem. Ao fazê-lo, vão menos resíduos para aterros e incineração e a fatura
da taxa de gestão de resíduos desce. O aumento da taxa só representa um aumento da fatura para os municípios
quando os resíduos são depositados sem separação, independentemente do seu destino. Não pode ser este o
caminho, no século XXI, para a gestão de resíduos.
Mas mais, ainda: foi aprovada no Orçamento do Estado para 2021 a proposta que o Bloco nos traz hoje, ou
seja, que 30% do aumento do valor da taxa de gestão de resíduos seja devolvido aos municípios mediante a
realização de investimentos na área dos resíduos, premiando uma vez mais os bons desempenhos. Mais uma
razão, por isso, para que o aumento da TGR não seja revogado.
O problema no nosso País é que o conceito de gestão de resíduos para os presidentes de câmara se resume
a retirar lixo das ruas, que causa, evidentemente, incómodo visual, odores indesejados e problemas de saúde
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pública. Para muitos presidentes de câmara, o destino e o eventual tratamento do lixo é absolutamente
irrelevante. Para muitos presidentes de câmara, a responsabilidade ambiental na gestão do lixo não é uma
prioridade. PSD e PCP são hoje a voz desta falta de consciência e de compromisso ambiental.
O que PSD e PCP pretendem fazer aqui, hoje, é manter Portugal como o caixote de lixo da Europa e premiar
os presidentes de câmara que não cumprem as suas responsabilidades na gestão de resíduos. PSD e PCP vêm
aqui propor hoje a perpetuação de atentados ambientais no setor dos resíduos e a manutenção de interesses
instalados. PSD e PCP vêm aqui, hoje, propor ao Parlamento que o País varra o lixo para debaixo do tapete.
E no final do dia, Srs. Deputados do PSD e do PCP, vão pedir aos cidadãos que sejam responsáveis e
adotem boas práticas ambientais.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr. Secretária de Estado do Ambiente, Inês Costa, para uma intervenção.
A Sr.ª Secretária de Estado do Ambiente (Inês dos Santos Costa): — Sr.as e Srs. Deputados, pode não parecer…
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Secretária de Estado, permita-me que a interrompa, mas tem de dirigir-se à presidência. É regimental.
A Sr.ª Secretária de Estado do Ambiente: — Peço desculpa. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pode não parecer, mas esta discussão incide sobre um aspeto
fundamental para garantir a neutralidade carbónica do País, que é a gestão de recursos materiais.
Mais de metade dos gases de efeito de estufa emitidos a nível global são devidos à extração e processamento
de matérias-primas. Logo, quando falamos de resíduos, não falamos só de um serviço, falamos de desperdício
de energia e de emissões, de perdas de materiais equivalentes a 1000 milhões de euros anuais e de desperdício
em postos de trabalho, já que 10 000 t de resíduos geram um posto de trabalho se esse destino for o aterro, 36
se for a reciclagem e mais de 200 se for a reutilização.
Fez-se muito em 20 anos: encerraram-se lixeiras; investiu-se na recolha, no tratamento e na valorização,
num serviço de qualidade para o cidadão, cumprindo com obrigações nacionais e comunitárias cada vez mais
exigentes — só nos últimos quatro anos, foram mais de 260 milhões de euros de investimento neste setor.
Mas produzimos cada vez mais resíduos. No total, são 16 milhões de toneladas por ano, quando há 10 anos
eram 13 milhões. Nos urbanos, são já mais de 5 milhões de toneladas anuais, acima da média da União Europeia
em produção per capita. E, embora haja o imperativo de garantir a autossuficiência nacional em matéria de
deposição final, não podemos dizer que o problema está só no que vem de fora: em 2018, foram menos de 100
000 as toneladas de resíduos do exterior depositados em aterro, menos de 1% do que Portugal produzia à data.
O problema está em não descolarmos no que toca à separação de materiais recicláveis: 80% dos resíduos
das nossas casas vão para o caixote do lixo comum, o que diminui a qualidade e o potencial de valorização dos
materiais; após anos de campanhas e educação ambiental nas escolas, continuamos a colocar nos ecopontos
materiais que não são embalagens — veja-se as luvas e as máscaras descartáveis —, reduzindo o potencial de
reciclagem; a baixa qualidade dos materiais recuperados dificulta a sua reciclagem. São estes efeitos que levam
a que 70% dos materiais continuem a ir para aterro ou incineração. Isto coloca-nos em risco de não cumprir com
a recolha de biorresíduos em 2024, de não cumprir metas de reciclagem em 2025, e só temos 10 anos para ir
de 58% de deposição final em aterro para 10%.
Sr.as e Srs. Deputados, a taxa de gestão de resíduos não está associada ao serviço, mas, sim, ao desperdício
material: incide no que é destruído por via de deposição em aterro ou incinerado e não incide no que é reutilizado
ou reciclado.
É um instrumento adotado em toda a Europa para tornar a redução de resíduos, a separação e a reciclagem
de materiais mais qualificada e mais vantajosa do ponto de vista económico. Em Portugal, essa vantagem não
é ainda clara: o encargo médio de uma família com a gestão de resíduos é de 4 € por mês, abaixo do 1% de
teto máximo do rendimento médio familiar disponível, assim determinado pelo regulador. Mas com estes valores
muitos municípios não recuperam sequer dois terços do custo com este serviço.
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Para se perceber as vantagens, todo o custo deve ser explícito e ligado ao desperdício material gerado pelo
cidadão, ao invés de ser associado à água consumida, e o material efetivamente recuperado se apresente como
um desconto no custo do serviço.
Este é o caminho que todos temos de percorrer e que o novo Regime Geral de Gestão de Resíduos já
percorre. E quando digo «todos», é mesmo todos, porque é importante não esquecer que nenhuma meta de
reutilização e reciclagem será cumprida se a indústria não estiver disponível para absorver os materiais
nacionais, e isso não depende só dos municípios, nem depende só da tutela do ambiente.
Sr.as e Srs. Deputados, este ano fomos acusados de ser o «caixote do lixo» da Europa. Foram vários os
protestos contra a ampliação ou a abertura de aterros. Era uma vergonha a TGR ser tão baixa, quando a média
na União Europeia era de 80 €/t, e vários partidos propuseram o aumento para 20 €/t.
O repto foi aceite: desde fevereiro que estamos a objetar novos processos do exterior para deposição em
aterro de resíduos não perigosos; avançámos com o Plano de Inspeção e Fiscalização de Aterros; cumprimos
com o acordado em sede de Orçamento do Estado para 2020 e alterou-se a TGR; revimos as regras técnicas
de deposição de resíduos contendo amianto; abrimos o aviso de 18 milhões de euros do POSEUR (Programa
Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos) para a recolha e valorização de biorresíduos;
foram mais de 2 milhões de euros do Fundo Ambiental para apoiar a formação e o planeamento dos municípios
e estão mais 2 milhões de euros previstos para 2021 para biorresíduos; prevemos um investimento de 700
milhões de euros no âmbito do PNI 2030 (Programa Nacional de Investimentos 2030); e o novo RGGR (Regime
Geral de Gestão de Resíduos) prevê bonificações associadas ao desvio de biorresíduos para valorização, além
da reciclagem de parte dessa receita tal como foi acordado já neste Orçamento do Estado, reciclagem, essa,
que será cada vez mais substancial, apoiando projetos dos municípios na redução de resíduos, na recolha e na
valorização material.
Quer o Bloco de Esquerda mais transparência nestes apoios? Dizemos «sim».
Para concluir, Sr.as e Srs. Deputados, face ao cenário atual e de curto prazo, face às metas com que Portugal
está comprometido, a TGR é apenas um de vários instrumentos de política pública que já estamos a colocar em
campo para reverter a tendência verificada. Não podemos é continuar nesta bipolaridade de querer, num dia,
que se fechem, que não se ampliem, que não se construam novos aterros e, no outro, exigir que essas soluções
continuem a ser as mais competitivas face a reduzir, a reutilizar e a reciclar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Antes de passarmos à fase de encerramento, tendo em conta que ainda há tempos disponíveis, pergunto aos grupos parlamentares ou aos Srs. Deputados que disponham ainda de
tempo se querem intervir.
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, o PSD ainda dispõe de tempo no período de encerramento do debate. Tem isso presente, não é verdade?
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, então, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Coimbra.
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não deixa de ser interessante ouvir o Partido Socialista falar aqui hoje de fiscalidade verde quando matou esse mecanismo! E também não deixa de ser
interessante ver como tentam constantemente «atirar areia para os olhos» das pessoas!
Na verdade, o PSD, como sempre disse e como há pouco tive oportunidade de transmitir, é a favor da subida
da TGR, é um instrumento importante. Tem é de ser uma subida gradual, como o PSD, aliás, fez quando foi
Governo. Tem de ser uma subida gradual e, principalmente, acompanhada de investimentos que permitam, de
facto, que os sistemas depositem menos quantidade de resíduos em aterro. É esse o objetivo, o resto é
conversa, Sr. Deputado Hugo Pires.
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Concluo já, Sr. Presidente. Na verdade, o que é que o Partido Socialista fez quando chegou ao Governo? Qual foi o destino que deu às
receitas da TGR? Que investimentos promoveu? Quantos avisos abriu do Fundo Ambiental?
Sr. Deputado, não há política, há narrativa, e por isso é que não há resultados.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Inscreveu-se, também para uma intervenção, o Sr. Deputado Nelson Peralta, do Bloco de Esquerda.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nelson Peralta (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dar conta de que a proposta do Bloco de Esquerda irá baixar à especialidade e espero que aí possa ser feito um caminho para uma maior
transparência, para que as câmaras municipais possam dispor de mais verbas e também para garantir que,
durante a pandemia, não será feito este aumento.
Queria também destacar que na Comissão de Ambiente se encontra uma proposta do Bloco de Esquerda
para uma maior generalização da tarifa social — uma criação do Bloco de Esquerda — na água, mas também
nos resíduos sólidos urbanos, e que a proteção dos direitos das populações contará sempre com o Bloco de
Esquerda.
Nós não estamos a falar do aumento da taxa para as populações, estamos a falar do aumento da taxa às
entidades gestoras, pela sua ineficiência, para garantir que cumprem, e também de uma forma mais geral a
várias atividades económicas, seja em cimenteiras, seja em coincineração, seja subsídios perversos para a
queima de resíduos para produção de eletricidade, que é uma ineficiência energética, financeira e ambiental.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem, ainda, a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nestes poucos segundos que restam, quero dizer que, de facto, não é o PCP que faz a instrumentalização das questões do ambiente, iludindo a necessidade
de investimento numa política de proteção do ambiente sem onerar as populações. E quem aqui defende, como
o PS, o PSD, o PAN, o Bloco, o aumento da taxa de gestão de resíduos tem de ter presente que vai onerar,
principalmente, as populações e é responsável pelo agravamento das condições de vida das populações, porque
este aumento vai ter obrigatoriamente repercussão na sua faturação. É importante ter isto presente.
Queremos também dizer à Sr.ª Secretária de Estado que trouxemos aqui uma iniciativa muito clara. Se o
objetivo é o de reduzir resíduos supérfluos — é verdade que queremos reduzir —, então, vamos tocar onde eles
são produzidos sem necessidade. Nós trouxemos uma proposta nesse sentido, mas, mais uma vez, teve o
impedimento do PS, do PSD e do CDS, que não querem tocar nos interesses dos grupos económicos.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — É aqui, sim, que está a chave desta questão, a questão central no que diz respeito às políticas de ambiente. É que para uma verdadeira política de ambiente, para proteger a natureza,
não se vai lá com o sistema capitalista, não se vai lá com a proteção dos interesses dos grupos económicos,
mas, sim, com políticas concretas de investimento. Nem se vai lá com taxas e taxinhas, que oneram e penalizam
as populações.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, vamos passar à fase de encerramento do debate.
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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Leite Ramos.
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado do Ambiente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Chegados ao fim desta apreciação
parlamentar, a convicção que temos é a de que as razões que a motivaram são do mais urgente possível.
Nós, no PSD, recebemos um conjunto de queixas, de solicitações, por parte não só dos municípios e das
suas entidades representativas, mas também de vários operadores do sistema, desde associações ligadas aos
resíduos, passando pela Deco (Defesa do Consumidor), pela TRATOLIXO ou pelas organizações de municípios.
E a razão foi a mesma: o Governo recusou-se a dialogar com os vários intervenientes do setor sobre a reforma
necessária, indispensável, que é preciso fazer.
Sr.ª Secretária de Estado, se alguém tem bipolaridade nesta política é o Governo, que, durante cinco anos,
não fez absolutamente nada, nada. Ignorou completamente os problemas, não contribuiu para a sua resolução,
não investiu, não apoiou, nem dialogou com os vários atores envolvidos no setor, e chega a este momento, em
vésperas da presidência da União Europeia, e apresenta a única solução miraculosa para resolver os problemas
da redução da deposição dos lixos em aterro, que foi aumentar a taxa, duplicá-la, e prevê já que, daqui a cinco
anos, sofra um aumento ainda substancial.
É a esta falta de diálogo, é a esta indiferença que, durante estes anos, o Governo mostrou relativamente a
estes problemas que tem de responder. E o PSD pede ao Governo e a esta Câmara que tomem a decisão
inevitável: impedir que seja feito um aumento desta maneira e que se criem condições para que seja reposto
esse diálogo a fim de que a negociação seja feita. Não há política de ambiente que atinja os seus objetivos sem
esta negociação, sem este diálogo, sem esta mobilização dos vários atores. Portanto, o que pedimos é
exatamente isto.
Sr. Deputado Hugo Pires, o que acabou de dizer relativamente ao comportamento dos autarcas é, do meu
ponto de vista, lamentável. Se há alguém que, neste País, tenha feito alguma coisa em matéria de política
ambiental são os autarcas, exatamente porque o seu Governo, o Governo do Partido Socialista, tem faltado em
muitas frentes. Como dizia o meu colega, à falta de políticas, tem alimentado o debate com narrativas.
Protestos do PS.
Basta de narrativas! Nós queremos mesmo resolver este problema, mas, para isso, precisamos de ação,
para isso precisamos de políticas que resolvam os problemas com que o País se debate.
Muito mais do que de narrativas, nós precisamos, o País precisa, o ambiente precisa de políticas sérias e
eficazes de combate às alterações climáticas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado do Ambiente.
A Sr.ª Secretária de Estado do Ambiente: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duzentos e sessenta milhões de euros nos últimos quatros anos — este foi o investimento feito a nível nacional nesta área.
Não é verdade que não dialogamos com os municípios. Eu própria, no início do ano, em janeiro, fui falar com
os municípios sobre os desafios que aí vinham decorrentes das diretivas comunitárias, inclusivamente sobre as
novas exigências, as novas metas, os novos desafios que existiam.
Protestos do Deputado do PSD Bruno Coimbra.
Esse diálogo continuou ao longo do ano e culminou com a consulta pública, onde acolhemos várias das
preocupações que foram demonstradas pela Associação Nacional de Municípios.
Sr.as e Srs. Deputados, a produtividade material nacional é de 1 € gerado por cada quilo de material
consumido; a média europeia é de 2 €.
Em Portugal, a substituição de matérias-primas por materiais recuperados está nos 1,8%, uma das mais
baixas da União Europeia; a média da União Europeia é de 11,2%.
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Desperdiçamos muito, aproveitamos pouco, e isto porque nunca é bom momento para investir. Reduzir e
reciclar é caro, é difícil, dá trabalho, não convence, é mais fácil deitar fora.
E, depois, temos a animosidade social sobre aterros ou sobre incineração, quando estes terão sempre de
existir se quisermos ser autossuficientes, mas que sejam redundantes no sistema e não gerem efeitos perversos
que dificultem a redução, a reutilização e a reciclagem.
As metas com as quais Portugal está comprometido não desaparecem com a pandemia e elas incluem a
redução da deposição em aterro, a recolha seletiva e a valorização material e orgânica, e essas são metas para
os próximos cinco anos, não é para 2050!
Por isso, obviamente, este desafio extravasa a tutela do ambiente e mesmo o que os municípios e os
cidadãos podem e devem fazer. Também diz muito não só a outras tutelas, mas também ao que a indústria, o
comércio, o retalho estarão, ou não, disponíveis para fazer, se não for voluntariamente, através de obrigações
comunitárias ou outras.
Por isso, estejamos ou não em concordância, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço a oportunidade para vir
discutir este tema. Espero continuar a contar com a vossa vontade e o vosso empenho em querer discutir os
desafios ditos «do ambiente» de forma verdadeiramente transversal. Tendo a razão, ou não, temos de agir,
trabalhar e evoluir.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, o Sr. Secretário Diogo Leão vai anunciar as iniciativas legislativas que deram entrada na Mesa durante a discussão deste ponto.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Secretário (Diogo Leão): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 809/XIV/2.ª (PSD) [Apreciação Parlamentar n.º 32/XIV/2.ª (PSD)] e
810/XIV/2.ª (PCP) [Apreciação Parlamentar n.º 34/XIV/2.ª (PCP)] e propostas de alteração, apresentadas pelo
BE, relativas ao Decreto-Lei que esteve em apreciação, as quais baixam à 11.ª Comissão.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, isto significa que deram entrada na Mesa, durante o debate, dois projetos de resolução, apresentados, respetivamente, pelo PSD e pelo PCP, solicitando a cessação
de vigência do Decreto-Lei n.º 92/2020, de 23 de outubro, que serão votados oportunamente. Foram, ainda,
apresentadas, pelo BE, propostas de alteração ao mesmo Decreto-Lei.
Quer isto dizer que, se algum dos projetos de resolução for aprovado, a Assembleia da República determina
a cessação de vigência do Decreto-Lei; se forem rejeitados, as propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda
estarão em apreciação e votação na 11.ª Comissão.
Posto isto, vamos passar ao quinto ponto da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação, na
generalidade, do Projeto de Lei n.º 478/XIV/1.ª (BE) — Repõe o regime de remuneração das centrais de
produção de energia eólica (Revoga o Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de fevereiro).
Para apresentar o projeto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa, do BE.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de lei que vamos discutir padece do problema de muitos outros da área da energia, pois incide sobre temas áridos, temas difíceis para a maior
parte das pessoas. No entanto, a complexidade destes assuntos não pode levar a Assembleia da República a
alienar-se e a passar ao lado dos problemas que se levantam para os consumidores portugueses e que resultam
da gestão feita pelos diversos Governos ao longo dos anos relativamente à questão da energia.
O que vamos discutir hoje é uma das maiores borlas dadas aos produtores de eletricidade em Portugal, com
a cobrança ilegítima, a partir do ano de 2021, de valores entre 700 e 1000 milhões de euros a mais, por efeito
de um decreto-lei que veio alterar as condições em que são remunerados os produtores de energia eólica, em
Portugal.
Do que se trata, Sr.as e Srs. Deputados, é de cumprir uma recomendação feita há mais de um ano nas
conclusões e aprovada por maioria na Comissão de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos
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Produtores de Eletricidade, no Parlamento, e que até hoje não teve provimento nem iniciativa pelo lado do
Governo.
Peço, portanto, a atenção de todos.
Começo por recordar o nascimento deste problema, por alturas do Memorando de Entendimento com a
troica, em 2011. Nessa altura, o Governo PSD/CDS decidiu aplicar o Memorando pela bitola máxima — não foi
o único tema em que assim decidiu — e aumentar para a taxa máxima o IVA (imposto sobre o valor
acrescentado) da eletricidade.
O choque que isso provocou nas faturas de energia elétrica deu origem à procura de formas de compensação
e houve quem encarasse essa oportunidade como uma ocasião para fazer aumentar os seus rendimentos no
setor elétrico.
Portanto, após ter sido recusada a proposta que a EDP (Energias de Portugal) dirigiu ao Governo pelo então
Secretário de Estado Henrique Gomes, pouco depois, com o afastamento de má memória, que todos temos
presente, desse Secretário de Estado que iniciou as medidas de combate às rendas excessivas, o Secretário
de Estado Artur Trindade, que lhe sucedeu, veio aceitar a proposta que a EDP dirigiu ao Governo naquela altura.
No fundo, tratava-se de vender às elétricas um prolongamento dos preços administrativos das rendas
garantidas à produção de energia eólica, para além dos 15 anos que a lei já previa. Foi exatamente essa a base
que o Secretário de Estado Artur Trindade veio depois a adotar e a desenvolver, em diálogo com as empresas
de energia eólica.
Simplificando, o que tivemos em cima da mesa foi que a maior parte da produção de energia eólica em
Portugal resultou de investimentos privados feitos sob a lei de 2005, que estabelecia o prazo que referi de 15
anos para o pagamento de uma tarifa fixa por toda a eletricidade produzida.
Findo esse prazo de 15 anos, haveria ainda tarifa fixa por mais cinco anos, mas reduzida ao valor que se
verificasse nos novos concursos para a produção de energia eólica e que teriam já custos muito reduzidos. Na
altura, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o Eng.º Carlos Pimenta dizia, em relação aos últimos leilões
realizados, que «se se fizessem leilões agora, a descida seria de uns 70 €/MWh para 50 €/MWh». Portanto,
essa baixa do valor já se refletiria nas faturas dos consumidores.
Ora, foi precisamente para evitar esse risco que os produtores de eletricidade vieram a obter, em 2013, do
Governo PSD/CDS, uma garantia de tarifa mais elevada no final dos 15 anos e uma extensão por cinco a sete
anos e para um número mais alargado de empresas.
Em troca, fizeram uma «contribuição voluntária» — assim lhe chamaram — para a sustentabilidade do
sistema elétrico nacional. Foi aqui que passámos do atrevimento da proposta da EDP para o desplante na forma
como esta medida veio a ser apresentada aos consumidores.
Os produtores de energia eólica, que já tinham ficado isentos do pagamento da contribuição extraordinária
sobre o setor energético, ainda conseguiram que a sua «contribuição voluntária» lhes desse novas e altíssimas
taxas de rentabilidade no futuro, que não tinham no contrato inicial.
A Comissão Parlamentar de Inquérito estudou a fundo tanto o regime de 2005, que veio a ser alterado, como
o regime que passou a vigorar em 2013 e comparou-os, na ótica dos consumidores.
As conclusões são alarmantes: a partir de 2021, logo no primeiro ano de extensão da garantia, as elétricas
vão recuperar quase tudo o que pagaram, entre 2013 e 2020, a título de contribuição e por mais seis anos ainda
acumularão as vantagens desta espécie de negócio. Os consumidores, esses, vão perder ao todo entre 700 e
1000 milhões de euros.
Do que se trata, e o que concluiu a CPI, é que importa reverter este processo, interrompê-lo e restaurar o
quadro em que foram feitos os últimos concursos de potência eólica.
Claro que os produtores recusaram de imediato qualquer negociação e começaram as ameaças habituais
de litigância contra o Estado. No entanto, a recomendação feita pela Comissão Parlamentar de Inquérito — e
os Deputados do Partido Socialista votaram a favor dela (curiosamente, não estou a ver aqui nenhum dos que
participaram nos trabalhos da Comissão de Inquérito, o que não deixa de ser estranho) — foi aprovada pelos
Deputados do Partido Socialista, mas o Governo tem fechado as portas a essa possibilidade. Assim, do que
hoje se trata é de cumprir essa recomendação.
O Secretário de Estado da Energia, que também não está connosco hoje, prometeu avaliar a viabilidade
financeira da revogação. Bom, Srs. Deputados, essa avaliação está feita. Foi feita aqui, nesta Casa, no âmbito
dessa Comissão de Inquérito.
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Este negócio é ruinoso, é uma reversão das expectativas dos consumidores devido a ter os sempre
prometidos ganhos resultantes da introdução das renováveis e agora, mais uma vez, adiados com novos
sobrecustos. Portanto, trata-se apenas de ter a coragem de cumprir a recomendação que os próprios Deputados
fizeram no final da Comissão de Inquérito.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projeto de lei em apreço visa concretizar uma das recomendações da Comissão de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de
Eletricidade. E a verdade é que estamos a discutir este assunto porque, até agora, o Governo nada tem feito
para concretizar essas recomendações, apesar de o relatório final dessa Comissão de Inquérito ter sido
aprovado, inclusivamente com os votos a favor do Partido Socialista.
Pretende-se, com esta iniciativa do Bloco de Esquerda, revogar o Decreto-Lei n.º 35/2013 e estabelecer um
regime para a recuperação, a favor dos consumidores, dos montantes recebidos em resultado desse regime
criado em 2013 pelo Governo PSD/CDS.
E é curioso que aqueles que sempre defenderam um caminho de privatização, segmentação e liberalização
da energia, elogiando os méritos da concorrência do mercado livre, tenham criado depois estes mecanismos
que fazem com que as tarifas subvencionadas para a energia eólica se tenham prolongado por mais uma data
de anos. Ou seja, apesar da inovação tecnológica, do embaratecimento das tecnologias, os produtores
energéticos continuaram a beneficiar de tarifas sobreavaliadas, aumentando assim os seus lucros à custa da
tarifa que é paga por todos os consumidores.
Não é à toa que se fala de rendas — e de rendas excessivas — neste setor da energia. É que a ideia de um
mercado livre, de uma concorrência, são ilusões num setor como o da energia. Só pelo rentismo, à custa do
Estado e à custa dos consumidores, é que esta ilusão de mercado concorrencial subsiste num setor como este.
Foi através dessas rendas e prémios muito elevados que se garantiu às multinacionais das renováveis altas
tarifas por tempo prolongado, pagas pelos consumidores. Sim, o investimento em fontes de energia renováveis
é importante, se conduzido com genuínas preocupações ambientais e para o cumprimento do interesse público
e da soberania energética do País. Não é isso que se tem passado.
É inaceitável que o Governo continue a arrastar a aplicação desta e de outras recomendações da Comissão
de Inquérito!
O PCP interveio, em sede de especialidade do Orçamento do Estado para 2020, com uma proposta —
rejeitada pelos mesmos do costume — para que o Governo tenha de calendarizar a aplicação destas conclusões
da Comissão de Inquérito. Entregámos recentemente um projeto de resolução com o mesmo objetivo, que em
breve será discutido.
A verdade é que o Governo não pode continuar a ignorar, como tem feito, as conclusões da Comissão de
Inquérito, porque se vergou aos interesses das grandes empresas deste setor, como a EDP.
As rendas excessivas são um escândalo nacional, porque são parte do problema, que é o de termos uma
das faturas energéticas mais caras da Europa, sobretudo tendo em conta os níveis de rendimento da população
portuguesa.
Além do IVA da eletricidade e do gás, que o PCP tem defendido que passe a ser taxado à taxa mínima,
importa não esquecer que estas rendas, estes chamados «custos de interesse económico geral», que pesam
de forma brutal na fatura energética paga pelos consumidores, impedem tantos portugueses de terem acesso a
condições de vida dignas.
Esta iniciativa é importante para cumprir com uma das recomendações da Comissão de Inquérito, mas é
preciso continuar a exigir que o Governo cumpra todas as recomendações e que, acima de tudo, coloque o
interesse nacional, o interesse dos consumidores, acima dos interesses das grandes empresas energéticas.
É neste sentido que o PCP continuará a intervir.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, a Mesa não regista inscrições.
Pausa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Fazenda.
O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda propõe, hoje, a esta Assembleia a revogação de um decreto-lei que foi concebido e aprovado em 2013 pelo Governo PSD/CDS
e a partir do qual esse mesmo Governo estabeleceu contratos com produtores de energia eólica.
Há medidas tomadas por diferentes Governos no passado com as quais podemos concordar ou discordar ou
achá-las prejudiciais para os portugueses. Foi o que considerámos em relação aos contratos estabelecidos pelo
Governo de então em relação às eólicas.
Consideramos que foi uma má decisão, que prejudicou os consumidores na tarifa de eletricidade. Aliás, as
conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito que aqui já foram referidas apontaram exatamente nesse
sentido.
Mas o que achamos não nos confere legitimidade para rasgar contratos e aplicar retroativamente leis. Um
Estado de direito, como é o caso do Estado português, não pode deixar de honrar compromissos, não pode
rasgar contratos, até porque romper esses contratos implicaria litigâncias judiciais, custos acrescidos para os
portugueses, penalizando, ainda, a credibilidade do Estado português.
Por isso, o que há a fazer é honrar os compromissos, não cometer os mesmos erros do passado e prosseguir
uma política ambiental que responda aos desafios das alterações climáticas.
Portugal foi o primeiro país a comprometer-se com a neutralidade carbónica em 2050, estabelecendo um
roteiro para essa mesma finalidade, e aprovou o Plano Nacional de Energia e Clima 2030, que tem estado em
implementação, colocando Portugal na linha da frente na ação climática.
Entre 2015 e 2019, Portugal reduziu em 26% as emissões de dióxido de carbono e tem sido dos que mais
têm reduzido na Europa. E fê-lo com um crescimento económico acima da média da União Europeia. Sim, é
possível preservar o ambiente com crescimento económico.
Mas se estes factos demonstram o bom desempenho de Portugal, o custo da eletricidade para os
portugueses persiste ainda elevado, sendo mesmo acima da média da União Europeia. Tem sido precisamente
por isso que, nos últimos anos, tem havido uma redução nos custos de energia, sendo exemplo a atribuição
automática da tarifa social na eletricidade e no gás natural. Tratou-se de uma medida que permitiu beneficiar
mais de 800 000 famílias, com um desconto de quase 34% na fatura da eletricidade e do gás.
Entretanto, no mês passado, o Governo decidiu alargar esta tarifa social e no primeiro dia deste mês de
dezembro deu-se início à redução do IVA da eletricidade, tendo passado de 23% para 13%, abrangendo cerca
de 5,2 milhões de contratos. São exemplos concretos de redução dos custos de eletricidade. E o facto é que,
nos últimos quatro anos, o custo da eletricidade desceu 8% em Portugal. Na União Europeia, cresceu 4%.
Portugal é já o quinto país na União Europeia que mais produz eletricidade a partir de renováveis, sendo que
54% da eletricidade produzida em Portugal tem origem nas energias renováveis. A nossa ambição é a de que,
em 2030, seja de 80%.
A aposta nas renováveis significa menor dependência de Portugal do exterior, menor importação de energia
e, consequentemente, menores custos de eletricidade para os consumidores e um ambiente melhor, significando
também mais emprego. As energias renováveis foram já responsáveis pela criação de 10 000 postos de trabalho
em Portugal.
No futuro, o preço da eletricidade irá baixar pela incorporação de renováveis, acrescendo o facto de a
legislação dar oportunidade a todos serem produtores de energia. Temos de continuar o esforço de redução do
preço da eletricidade para os portugueses.
Mas os ganhos energéticos para o País não se alcançam apenas pela produção, mas também pela eficiência
no consumo. É por isso mesmo que importa destacar o programa Edifícios Mais Sustentáveis, um programa de
sucesso que tem permitido apoiar, a fundo perdido, intervenções nas habitações dos portugueses para que
possam ter mais conforto com menos custos de energia ao fim do mês. Atendendo ao sucesso deste programa
e à importância que ele representa, o Governo informou que, no início de março de 2021, haverá oportunidade
de serem apresentadas novas candidaturas.
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Ora, são estes exemplos de medidas — a que muitas outras se poderiam juntar, como sendo nos transportes
e na mobilidade — que justificam o reconhecimento de Portugal no plano internacional em matéria de ambiente.
Aliás, muito recentemente, numa avaliação internacional, Portugal subiu oito lugares em relação a 2019 no
Índice de Desempenho das Alterações Climáticas. Foi o terceiro país com maior subida em políticas climáticas.
Portanto, não são narrativas, são ações e factos que têm acontecido em prol do ambiente.
Por isso, a transição ambiental é uma prioridade estratégica e é por isso também que está como uma
prioridade no Plano de Recuperação e Resiliência.
Em suma, a nossa energia não vai ser consumida a rasgar contratos, a romper acordos escritos do Estado
português, que trariam prejuízos acrescidos para os portugueses. A nossa energia está focada em dar resposta
às empresas, aos portugueses e aos desafios das alterações climáticas.
É o que tem vindo a ser feito com sucesso e é o que deve ser prosseguido para o futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra, agora, o Sr. Deputado Emídio Guerreiro, do PSD.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pretende o Bloco de Esquerda revogar o Decreto-Lei n.º 35/2013, recuperando o Decreto-Lei n.º 33-A/2005, e devolver os cerca de 220 milhões
de euros que as operadoras pagaram ao Estado sem explicar nem justificar como se calculam as
compensações, delegando em portarias de que podem resultar mais rendas…
O Bloco de Esquerda parte de convicções dogmáticas que, na sua maioria, foram sendo postas em causa e
rejeitadas ao longo dos trabalhos da Comissão de Inquérito sobre as rendas excessivas. Não que estas rendas
não existissem, mas não da forma como o Bloco de Esquerda as entende.
Sejamos claros: se as rendas excessivas não existissem, não teria sido necessário cortar as mesmas. E foi
isso que o Governo de Passos Coelho fez. Aliás, foi o primeiro Governo a fazê-lo, e ainda bem. É por isso que,
decorridos anos após estas intervenções, o défice tarifário tem vindo a descer. Recordo que, em 2011, o cenário
era que atingisse, neste ano de 2020, 6000 milhões de défice tarifário e, afinal, anda pelos 2750 milhões de
euros. Foi necessário agir, e assim se fez. Cortes que permitem este atual panorama, bem melhor do que o
previsto antes dos mesmos.
Renegociar com os produtores eólicos, como o Bloco de Esquerda propõe, foi alvo de grande debate na
Comissão de Inquérito, onde os números apresentados pelo Bloco de Esquerda nunca foram confirmados pelas
entidades externas e apenas foi aprovado por oportunismo político tático do Partido Socialista, com a clara
intenção de fugir às responsabilidades…
O Sr. Hugo Pires (PS): — Os senhores é que fugiram às responsabilidades!
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — … das opções políticas em matéria de energia dos Governos de José Sócrates.
Veja-se, aliás, como reagiu o Governo quanto a esta proposta. Ainda durante os trabalhos da Comissão, os
atuais titulares da pasta da energia rejeitaram completamente o cenário de rasgar contratos feitos. E nem sequer
equacionaram a possibilidade de renegociar com as operadoras.
O atual Governo rejeita, e bem, esta possibilidade, porque o Bloco de Esquerda não diz tudo nesta sua
proposta: omite que o decreto de 2005 não propunha apenas o prolongamento por cinco anos dos contratos,
incluía a possibilidade do pagamento de certificados verdes. E uma das grandes virtudes do decreto-lei de 2013
foi exatamente a de acabar com os certificados verdes que, nos países onde foram implementados, deram
origem a subsídios obscenos e perversos.
E que dizer da interpretação que o Bloco de Esquerda faz da legislação anterior? Diz que o valor a pagar ao
fim de 15 anos seria fixado por um leilão que não existiu, nem existe, e, como tal, o prolongamento do prazo em
cinco anos seria feito com base na última tarifa atribuída e que, segundo a informação que a ERSE (Entidade
Reguladora dos Serviços Energéticos) veiculou à Comissão de Inquérito, rondaria os 80 €, bem acima dos
valores médios fixados pelo decreto-lei de 2013.
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Mas a questão de fundo é outra: perante a absoluta necessidade de descarbonização, o Bloco nunca diz
como a pretende fazer. Lança anátemas sobre empresas, investidores e governantes, criando a narrativa de
que todos são bandidos. Ora, isto não é verdade. Na política energética, estamos sempre a falar de enormes
investimentos e de contratos longos e não é fácil estabelecer a previsibilidade deste tipo de contratos.
Claro que esta premissa não invalida que se investiguem contratos que suscitem dúvidas de favorecimento.
Mas não é isso que o Bloco de Esquerda pretende. Pretende, sim, lançar uma cortina de suspeitas sobre todos,
alicerçada em convicções e contas que ninguém comprovou nos trabalhos da Comissão de Inquérito. Aliás, se
recuperássemos a legislação de 2005, como o Bloco de Esquerda pretende, estaríamos a favorecer um conjunto
significativo de explorações de mini-hídricas, que viram as suas tarifas reduzidas em 2013. Fôssemos nós como
o Bloco e eu hoje estaria aqui a dizer que o Bloco, com esta proposta, pretende ajudar as mini-hídricas da EDP,
com a recuperação das rendas anteriores aos cortes feitos em 2013!
A sede é tanta que nem isto viram…
O Sr. Jorge Costa (BE): — Está errado!
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — E ficamos sempre sem saber como pretende o Bloco cumprir as metas ambientais. Sem investimento privado? Sem criar condições de confiança para que o investimento se faça? Sem
estabilidade nos contratos?
E que dizer do Partido Socialista, partido que não teve a decência de pedir desculpa aos portugueses pela
pré-bancarrota de 2010/2011 e que, uma década decorrida, continua a fazer de conta que nada teve a ver com
o Memorando da troica? Sim, porque este tema que originou o decreto-lei de 2013 estava lá e foi alvo de
escrutínio da troica e da Comissão Europeia. Um esquecimento recorrente que apenas revela a má consciência
que têm nestes temas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os contratos são para cumprir. Sem esta confiança dada aos investidores,
nunca atingiremos o propósito maior de reduzir as emissões de carbono e atingir as metas de produção de
energia limpa, que pretendemos atingir num futuro mais breve possível.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN, para uma intervenção.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Concordamos com a questão de fundo que o Bloco de Esquerda coloca hoje a debate. Muitas vezes, o Estado, alegadamente em nome do ambiente e
de outras bandeiras, realiza negócios que, ao invés de salvaguardar o interesse público, acabam por servir, em
última instância, certos interesses instalados.
No que respeita à energia eólica, a remuneração assegurada às empresas que exploram esta fonte
energética foi claramente excessiva e acima da remuneração normal do mercado.
É por isso que mais do que discutir-se o passado é, para nós, necessário evitar que este tipo de negociatas,
lesivas do interesse público, se repitam no futuro. Por isso mesmo, para evitarmos ver um spin off, no caso das
rendas excessivas, das eólicas, em que o ambiente foi o álibi para servir certos interesses instalados, o PAN
propôs e conseguiu aprovar, em sede de Orçamento do Estado, um conjunto de medidas que dão passos para
o evitar.
São exemplos disso a criação de um portal de transparência para a gestão dos fundos europeus e,
principalmente, a previsão da obrigatoriedade de o Governo divulgar publicamente um relatório que garanta a
transparência nos negócios do hidrogénio, apesar de o Partido Socialista ter votado contra.
Com mecanismos como estes que o PAN conseguiu aprovar, conseguiremos dar à sociedade civil formas
de garantir um escrutínio em tempo útil e que vão ser, também, um importantíssimo complemento ao papel
fiscalizador da Assembleia da República.
Mas uma coisa é a questão de fundo de garantir o interesse dos cidadãos nos negócios realizados pelo
Estado e de proteger o interesse público face a interesses instalados, coisa diferente é a proposta em concreto
que o Bloco de Esquerda nos traz, com a qual nós não concordamos.
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E não concordamos porque não queremos substituir um regime que é péssimo por um regime que, do nosso
ponto de vista, também é mau. O regime que é aqui proposto pelo Bloco prevê exceções a uma remuneração
normal de mercado, que é o que o PAN defende, designadamente, ao permitir que os exploradores das eólicas
recebam ainda, durante um período adicional de mais cinco anos, tarifas superiores às que receberiam, por
exemplo, com um sistema de leilões.
Também não concordamos, porque prevê a reversão de um regime que foi legalmente aplicado, com a
devolução de verbas recebidas pelas empresas que exploram as eólicas e, caso esta proposta seja aprovada,
poderá conduzir a batalhas judiciais em que o Estado português e o erário público poderão sair ainda mais
prejudicados do que já foram.
É verdade que foi um péssimo negócio para o Estado, mas, neste caso, a única coisa a fazer, do nosso ponto
de vista, é procurar responsabilidades políticas e, eventualmente, criminais dos responsáveis por estes negócios
ruinosos.
O que não podemos fazer aqui, no Parlamento, é ultrapassar a lei, algo que põe em causa o Estado de direito
democrático.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, do CDS.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvi, neste debate, várias intervenções e o que pude reter foi a enorme trapalhada que é esta proposta do Bloco de Esquerda.
O Sr. Deputado Jorge Costa tenta construir a sua verdade. Trouxe-nos uns números, umas apresentações,
mas não teve a honestidade política de dizer neste debate qual foi o primeiro Governo a baixar as rendas de
energia. O primeiro a fazê-lo foi um Governo do PSD/CDS, foi o primeiro. Depois, o Partido Socialista, de alguma
forma — e também é justo reconhecer, e nós reconhecemos —, foi fazendo uns certos acertos.
Agora, a trapalhada, aquilo que vamos ouvindo, como ainda agora o Sr. Deputado do PAN, que referia os
problemas judiciais e o problema que podem gerar, inclusive, até junto dos próprios investidores, o Bloco de
Esquerda parece que não percebe o impacto que uma matéria desta natureza pode ter para o País.
Importa lembrar que, seja em relação às eólicas, seja em relação às renováveis, houve, e há, um caminho a
fazer. Nós ainda estamos num período de expansão, estamos num período em que é preciso criar incentivos,
criar condições para que possa existir investimento nas energias renováveis. Ou o Bloco de Esquerda não quer
mais investimento nas energias renováveis? Parece que não! É que a intenção do Bloco de Esquerda vai muito
mais numa lógica de tentar acabar, rebentar com este mercado, com este setor.
Protestos do Deputado do BE Jorge Costa.
Já explicarei, Sr. Deputado.
Deve ser essa a perspetiva e a intenção do Bloco de Esquerda porque, efetivamente, o que foi criado foi um
regime que permitiu determinadas condições, rendas garantidas durante um determinado período, como forma
de incentivo, os tais 15 anos, extensíveis por mais cinco anos que estavam associados aos tais certificados
verdes. É isto que está em causa.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Ou não, leia a lei!
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Deputado, há uma coisa que, para o CDS, é absolutamente clara neste debate, que é a de que os senhores têm um complexo com a economia de mercado. Os senhores
querem uma economia planificada e, portanto, nada melhor do que rebentar com todo um setor, criar um
problema e um sarilho de todo o tamanho e ir tudo para tribunal. Como é evidente, os investidores assustam-se
quando olham para este tipo de medidas, caso fossem aprovadas, e, portanto, é esta a intenção e é esta a
perspetiva do Bloco de Esquerda.
Na perspetiva do CDS, não. Na perspetiva do CDS, há uma economia de mercado que deve funcionar, há
incentivos que devem continuar a existir e o País deve mobilizar-se precisamente para ter energias mais limpas.
E, para isso, é preciso que haja incentivos.
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, no tempo de que ainda dispõe, o Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquilo que ficámos a perceber neste debate por parte do PSD e do CDS foi que, quando se diz que é preciso criar condições de investimento e de confiança
para os investidores, se está a falar da criação de rendas. De facto, só com rendas é que esta ilusão de
mercado… Na verdade, na energia não há mercado nenhum, há é rendas,…
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Que nós baixámos!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — … rendas garantidas a estas empresas, e é precisamente assim que entendem o mercado da energia.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado Nuno Fazenda, do Partido Socialista, eu estava à espera de ouvir o
PS exigir ao Governo que cumprisse com as recomendações da Comissão de Inquérito, que tiveram o voto
favorável do PS, mas o que vimos não foi isso.
Protestos do Deputado do PS Nuno Fazenda.
O que vimos foi o Deputado do PS a falar de um conjunto de questões gerais sobre a energia e, na parte em
que falou sobre a iniciativa em concreto, referiu que é contra e que este decreto-lei criou grandes prejuízos para
os consumidores, mas que não podemos rasgar contratos.
A verdade é que há contratos e contratos.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sabemos que com o layoff, apesar dos seus contratos de trabalho, muitos trabalhadores viram os seus rendimentos cortados. Portanto, aí os contratos não são para respeitar.
Esperemos que, quando for para discutir o projeto de resolução do PCP relativo à calendarização das
conclusões da Comissão de Inquérito, o PS possa acompanhá-la e ser coerente com a sua votação na Comissão
de Inquérito.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos passar ao encerramento do debate com a intervenção do Sr. Deputado Jorge Costa.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As intervenções do PSD e do CDS vêm na linha da intervenção sistemática destes partidos na Comissão de Inquérito, com o PSD a defender a herança de Artur
Trindade e tudo aquilo que ele deixou enquanto novas rendas excessivas. Não escondemos que houve
correções que foram feitas e novas rendas que foram criadas.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Defendemos os cortes!
O Sr. Jorge Costa (BE): — No caso do CDS, não tenho agora tempo para esclarecer, mas sugiro a leitura da lei e o relatório da Comissão de Inquérito para o Sr. Deputado corrigir algumas das coisas que aqui disse. O
Sr. Deputado não participou e esta é, de facto, uma matéria complexa, pelo que lhe dou um desconto.
Em relação ao Partido Socialista, gostava de dizer duas palavras. Srs. Deputados, a recomendação feita pela
Comissão de Inquérito, e vou ler, foi a de que fossem «tomadas medidas legislativas para a reposição do
equilíbrio económico anterior ao regime de 2013, assegurando a devolução aos produtores das contribuições
voluntárias pagas até hoje, acrescidas dos respetivos juros».
Isto foi votado, ponto a ponto, pelos Deputados do Partido Socialista que estiveram na Comissão de Inquérito
e agora percebo porque é que não vieram cá hoje. Não vieram, porque iam passar pela vergonha de ver o
Partido Socialista a intervir contra o voto que indicaram na Comissão de Inquérito. É verdade que o Secretário
de Estado João Galamba já tinha ido lá dizer o que pensava, mas tinha-o dito em nome do Governo.
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O Grupo Parlamentar do Partido Socialista fala com voz própria e votou com consciência daquilo que estava
a votar. Hoje, vem dizer-nos que se enganou, mas que se enganou nos princípios, porque, afinal, não se pode
tocar em nada porque isto seria rasgar contratos.
Sr. Deputado Nuno Fazenda, a única coisa rasgada foi o relatório da Comissão de Inquérito que os senhores
votaram, e foi rasgado por vocês. A única coisa deitada para o caixote do lixo foi a palavra dos Srs. Deputados
do Partido Socialista e, portanto, não nos venham falar de contratos rasgados.
Estamos a falar de uma contribuição voluntária, paga a título de contributo patriótico dos produtores, mas
que, afinal, é um jackpot a seu favor. A única coisa que caberia ao Estado, enquanto pessoa de bem, fazer neste
contexto era repor o quadro legal em que foram feitos os concursos.
Protestos do Deputado do PSD Emídio Guerreiro.
Os concursos são feitos em quadros legais que não devem ser alterados, sob pena de, inclusivamente,
contaminar a transparência desses mesmos concursos. Mas não foi isso que aconteceu. Ninguém levantou
objeção nessa altura, foram feitas as alterações, o jackpot saiu aos produtores, mas estamos a tempo de corrigir.
Continuação dos protestos do Deputado do PSD Emídio Guerreiro.
E o Partido Socialista, ao rasgar o relatório da Comissão de Inquérito, está a faltar ao Parlamento.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Quando, lá fora, os cidadãos veem uma comissão de inquérito, que é um instituto com poderes especiais dentro do Parlamento, a desenvolver e a chegar a conclusões que são votadas pelos
Deputados e, depois, passado um ano — não foi há uma vida, foi no ano passado! —, veem os mesmos
Deputados que votaram as conclusões e as recomendações dizer que era tudo a fingir,…
O Sr. Nuno Fazenda (PS): — Não, não!
O Sr. Jorge Costa (BE): — … isso é que descredibiliza o Parlamento e a nossa atuação como Deputados.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Srs. Deputados, não rasguem o relatório da Comissão de Inquérito, não rasguem o voto do Partido Socialista e apoiem as alterações que fazem falta, por respeito às expectativas dos
consumidores portugueses, a quem foi prometido que as renováveis trariam redução de custos na fatura, porque
o que os senhores estão a deixar que aconteça é exatamente o contrário.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Concluímos, assim, a discussão, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 478/XIV/1.ª (BE), que será votado oportunamente.
No sexto ponto da ordem de trabalhos, está agendado, sem tempos de discussão, o Projeto de Lei n.º
594/XIV/2.ª (PS) — Alarga até 30 de junho de 2021 o prazo para a realização por meios de comunicação à
distância das reuniões dos órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais, procedendo à sétima
alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à
situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
O Sr. Secretário Diogo Leão vai, agora, dar-nos conta de uma iniciativa legislativa que, entretanto, deu
entrada na Mesa e do nome dos Deputados que nos seguiram por videoconferência.
Tem a palavra, Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (Diogo Leão): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a Proposta de Lei n.º 65/XIV/2.ª (ALRAM) — Procede à alteração do artigo 120.º do Código do Imposto Municipal
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sobre Imóveis, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, na redação conferida pela
Lei n.º 2/2020, de 31 de março, que baixa à 5.ª Comissão.
A relação dos Srs. Deputados e das Sr.as Deputadas presentes na sessão de hoje, por videoconferência, é
a seguinte: Isabel Rodrigues, Marta Freitas, Paulo Porto, Jorge Gomes, Sónia Fertuzinhos e Manuel dos Santos
Afonso, do PS, e Sara Madruga da Costa, Sérgio Marques, Hugo Martins de Carvalho e Hugo Carneiro, do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Acrescem, portanto, estes Srs. Deputados aos 209 que se registaram na sessão de hoje.
A sessão plenária de amanhã terá lugar às 10 horas.
Do primeiro ponto, consta a apreciação conjunta, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 64/XIV/2.ª (GOV)
— Altera o regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos
de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19, e dos Projetos de
Lei n.os 575/XIV/2.ª (BE) — Regime excecional de renda não habitacional para lojistas e retalhistas sob o Novo
Regime do Arrendamento Urbano afetados na sua atividade por força da COVID-19, 576/XIV/2.ª (BE) — Normas
interpretativas que clarificam a aplicação e retroatividade ao período de confinamento da suspensão da
aplicação de rendas fixas, 596/XIV/2.ª (BE) — Alarga o regime extraordinário de proteção dos arrendatários
(sétima alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março), 599/XIV/2.ª (PCP) — Estabelece para 2021 o regime
excecional aplicável a formas específicas de contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em
centros comerciais, 600/XIV/2.ª (PCP) — Regime excecional de pagamento das rendas, 601/XIV/2.ª (PCP) —
Regime extraordinário de proteção dos arrendatários, 602/XIV/2.ª (PAN) — Clarifica o regime excecional
aplicável aos contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, procedendo
para o efeito à aprovação de uma norma interpretativa relativamente à Lei n.º 2/2020, de 31 de março, e
603/XIV/2.ª (BE) — Extensão dos contratos de arrendamento para fins comerciais no período de retoma da
economia, no caso de perdas de faturação consideráveis (terceira alteração à Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril).
No segundo ponto da ordem de trabalhos, será apreciado o Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de outubro, que
adequa os instrumentos criados no âmbito da Nova Geração de Políticas de Habitação e a Lei Orgânica do
IHRU, IP, à Lei de Bases da Habitação, no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social [Apreciação
Parlamentar n.º 33/XIV/2.ª (PCP)].
Segue-se, no terceiro ponto, a apreciação conjunta dos Projetos de Resolução n.os 784/XIV/2.ª (CDS-PP) —
Colocar a crise humanitária e o problema de terrorismo vivido em Moçambique nas prioridades da Presidência
portuguesa do Conselho da União Europeia e 779/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a mobilização da
comunidade internacional no sentido de travar os crimes perpetrados contra a humanidade em Moçambique.
O quarto ponto da ordem de trabalhos consta da discussão, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 169/XIV/1.ª
(PAN) — Determina a declaração da filiação ou ligação a organizações ou associações «discretas» em sede de
obrigações declarativas (Primeira alteração à Lei n.º 52/2019, de 31 de julho).
No final da sessão, terão lugar votações regimentais.
Srs. Deputados, concluímos por hoje os nossos trabalhos e desejo uma muito boa tarde a todos. Até amanhã,
às 10 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 59 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.