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I SÉRIE — NÚMERO 74

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Não sabemos como serão esses contratos. Essa é outra questão. Alguns serão permanentes, outros apenas

de um dia ou de uma noite, nuns será exigida exclusividade, noutros o trabalhador poderá ter vários contratos

simultâneos. Mas são contratos de trabalho, recibos verdes, empresas unipessoais, trabalho informal, e todas

essas formas existem na cultura, sim, e são flagrantes ilegalidades.

É esse abuso que deixa sem proteção os trabalhadores da cultura, em caso de acidente de trabalho ou

doença profissional, vulneráveis a todo o tipo de assédio no trabalho, condenados a reformas de miséria, sem

direitos de parentalidade. Isso deixa-os, como dizia o Sr. Primeiro-Ministro, «absolutamente sem proteção em

tempos de crise».

Existe, seguramente, algum trabalho autónomo na cultura, sobretudo autoral, o que é uma pequeníssima

parte deste setor. O resto é abuso e ilegalidade e tem de ser combatido.

Tentar legitimar o que vai contra a lei do trabalho no novo estatuto para o setor é absolutamente inaceitável

e, por isso, marcámos esta interpelação ao Governo.

Sr.ª Ministra, o estatuto que propõe não quer mudar o paradigma do setor, nem no que estabelece, nem na

capacidade de garantia do respeito pela lei. Propõe um novo subsídio por suspensão de atividade, mas obriga

os trabalhadores a estarem pelo menos um trimestre sem rendimentos para acederem ao apoio; apresenta um

regime de contratação de curta duração com mais proteção social, mas os empregadores só aderem se

quiserem, podendo sempre escolher a contratação a prazo, menos onerosa, ou persistir na ilegalidade.

Na verdade, a proposta de estatuto não obriga ninguém a cumprir nada. No seu artigo 5.º, intitulado «medidas

de ação positiva para a celebração de contrato de trabalho», o Governo reitera candidamente o seu erro:

contratos de trabalho não são exigência, mas uma mera preferência.

Uma leitura muito benigna desta proposta de estatuto diria que se trata de um apelo à ética do empregador,

mas nem nisso podemos acreditar.

O abuso na cultura é persistente e a aparente proximidade e cumplicidade das relações laborais serviu

sempre e só para o abuso.

No circo, há quem tenha começado a trabalhar criança e chegue à idade da reforma sem um único dia de

descontos.

Artistas que são referências da nossa cultura e que nos habituámos a admirar recebem pensões de miséria.

Não fosse a solidariedade entre trabalhadores no período pandémico e a fome e a perda de habitação seriam

um problema ainda maior.

E tudo isto num setor com estreitos laços com os poderes públicos, em que quase tudo depende de

autorizações e licenças, mas onde há salvo-conduto para o abuso laboral.

Pior: o Estado, incluindo as autarquias, que é o grande empregador direta e indiretamente, é o primeiro a dar

o exemplo do abuso.

Do «drink de fim de tarde» aos 30 milhões do Programa Cultura para Todos, prometidos para o verão passado

e que ninguém viu, passando pelos apoios mais centrados em excluir do que em apoiar, a atuação do Ministério

da Cultura espelha esse profundo desrespeito por quem na cultura trabalha.

Quando a atividade estava proibida, em vez de apoios a quem parou, abriram-se concursos para atividades

futuras que ninguém sabia quando e como poderia realizar. Um destempero absoluto!

Quando a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) mandou integrar os trabalhadores a falsos

recibos verdes em Serralves e na Casa da Música, o Governo defendeu a Administração contra os

trabalhadores. Um ataque revelador!

Sr.as e Srs. Deputados, as decisões da ACT sobre Serralves e a Casa da Música são um passo fundamental

para os trabalhadores do setor cultural. Trabalhadores que asseguram a frente de sala, técnicos e educadores

viram reconhecido o seu direito a um contrato de trabalho com aquelas instituições pela ACT. Esse

reconhecimento pode e deve ser estendido a todos os trabalhadores que, nestas e noutras funções, se

encontram na mesma condição. É esse o caminho que devemos seguir, é esse o caminho que o estatuto deve

impor e não travar.

A Casa da Música e Serralves não são casos isolados. Longe disso! As suas práticas ilegais são iguais às

da generalidade das instituições culturais. O Bloco fez um levantamento do recurso a este tipo de falso

outsourcing em instituições culturais nacionais e na Câmara de Lisboa, que, aliás, a Sr.ª Ministra conhece bem,

e encontrou um pequeno grupo de empresas, quase todas unipessoais, cuja atividade é assegurar toda a frente

de sala nas maiores instituições culturais do País.

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