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16 DE SETEMBRO DE 2021

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Homenageamos um antigo Presidente da República, uma figura que representou todos os portugueses, que

foi garante de unidade nacional e cuja memória merece o reconhecimento de todos.

Mas, no que nos diz respeito, homenageamos, também, uma figura que encarámos sempre, em democracia,

como um adversário político.

Sobre isso, duas notas breves, a primeira das quais para referir que a ideia muito difundida nestes dias do

carácter consensual, quase unânime, de toda a ação política de Jorge Sampaio poderá até ser muito portuguesa,

mas não é muito rigorosa e, em boa verdade, não faz justiça nem a Jorge Sampaio, e ao seu percurso, nem a

nós próprios, enquanto seus adversários.

De facto, aqueles que têm sido apontados, pelos seus aliados, como dois dos seus momentos mais

marcantes contaram, na altura, com a nossa firme oposição. Foi assim quando criou a percursora aliança com

o PCP que o levou à conquista da Câmara de Lisboa e, sobretudo, foi assim quando, em 2004, dissolveu o

Parlamento, interrompendo o percurso de um Governo legítimo, com apoio parlamentar, uma decisão

controversa, para mais, sabendo-se, como sabemos hoje, o que se lhe seguiu.

Nesses e noutros momentos, estivemos, naturalmente, em campos opostos, mas, se a democracia é feita

de confrontação, de decisões difíceis, de debates, por vezes, duros, isso não impede em nada o respeito, o

apreço e mesmo a admiração que podemos ter pelos nossos adversários e pelas suas qualidades. É este,

seguramente, o caso com Jorge Sampaio.

A ação política de Jorge Sampaio foi sempre coerente, enquanto homem de esquerda, socialista de cartão

e de convicção, e foi mesmo, na minha opinião, a figura mais importante da esquerda democrática, depois de

Mário Soares.

E, porque as ideias têm autores, lembro que foi precisamente a Mário Soares e, também, a Diogo Freitas do

Amaral que ouvi a frase: «em democracia, não há inimigos, mas tão-só adversários».

De facto, respeito! Respeito, desde logo, pelo jovem e corajoso opositor que, durante o Estado Novo, foi

advogado e defensor de muitos presos políticos, pelo líder estudantil na, também minha, Associação Académica

da Faculdade de Direito de Lisboa.

Apreço sincero pela sua forma de estar, sempre cordial, correta e afável. Jorge Sampaio era capaz de dar

uma palavra de estímulo a um adversário político, num momento mais difícil para este, perante um insucesso.

Fui testemunha disso, marcou-me e não o esquecerei.

Admiração pela sua elevação no discurso político, pela forma séria e digna como representou Portugal,

sendo, ao mesmo tempo, institucional e emocional, comovendo-se e comovendo os que o acompanhavam, por

exemplo, no Canadá, quando contactava com portugueses que viviam longe da pátria.

Admiração pelo seu amor a Portugal e dedicação aos portugueses, pelo seu empenho na causa de Timor,

pelo sentido de Estado na transição de Macau — e se, por vezes, parecia dramatizar, esse seria, seguramente,

o resultado da sua genuína preocupação —, pelo seu empenho, ainda que, por vezes, utópico, na defesa dos

direitos humanos e na forma como se empenhou na causa dos refugiados.

Termino com uma palavra que quero, naturalmente, dirigir, em particular, à sua família, desde logo à sua

viúva, Dr.ª Maria José Ritta, cujo papel tão importante e tão relevante, ao lado do Presidente Jorge Sampaio,

também tive ocasião de testemunhar, e aos seus familiares e amigos. Deixo-vos uma palavra sincera da enorme

estima que o Presidente Jorge Sampaio e o seu legado nos merecem.

Quero dirigir, também, uma palavra de sinceras condolências ao seu partido de sempre, o Partido Socialista.

Sr.as e Srs. Deputados, do legado de Jorge Sampaio, para todos, em especial para as novas gerações,

sublinharia como particularmente importante, para além da sua integridade, a forma elevada e educada como

fez política. Num momento em que a radicalização entre campos opostos está a crescer e o insulto em política

se vai banalizando, é muito importante sabermos proteger e acarinhar esse legado de elevação na discordância

e de educação no discurso.

Tenhamos a consciência de que esta evocação e esta homenagem a Jorge Sampaio são, também, uma

homenagem à própria democracia. É a democracia que aqui celebramos hoje, ao recordar Jorge Sampaio.

Bem-haja, Presidente Jorge Sampaio!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira, do Grupo Parlamentar do PCP.

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