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I SÉRIE — NÚMERO 11

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A Sr.ª Deputada Cláudia Santos pergunta-me: «Mas quer impor um caminho único?!» Não! Não quero

impor um caminho único, como não se impôs um caminho único às vítimas de violência doméstica e como não

se impõe um caminho único às crianças vítimas de violação, crime que já é consagrado como crime público.

Não consta que nem a autonomia nem a dignidade dessas crianças tenham sido postas em causa pelo facto

de elas estarem especialmente protegidas pela lei.

Mas há uma questão que penso ser preciso entender. O Estado tem uma responsabilidade especial para

com as vítimas de agressões e de violação: tem a responsabilidade de as proteger, tem a responsabilidade de

formar polícia, procuradores, juízes e advogados, tem a responsabilidade de afastar o agressor da vítima e

tem a responsabilidade de prestar apoio psicológico à vítima.

Escamotear estas responsabilidades do Estado, fugir a estas responsabilidades, escusando um suporte da

proteção à vítima e afunilando a questão do debate da violação como crime público, dizendo que isso escusa

as outras responsabilidades do Estado, é uma forma — perdoem-me a expressão — muito hipócrita de entrar

neste debate, porque nenhuma responsabilidade do Estado pode ser escamoteada pelo facto de o crime ser

considerado crime público.

Aquilo que acontece quando o crime é considerado crime público é que o Ministério Público tem a

obrigação de agir caso haja denúncia, caso não haja denúncia.

Queria referir um episódio ocorrido em 2021, quando um jovem admitiu, num direto do Instagram, ter

violado uma rapariga e tê-la abandonado até que chegasse o INEM (Instituto Nacional de Emergência

Médica). Pela lei portuguesa, mesmo com um direto em que centenas de pessoas viram um jovem a admitir

ter violado uma rapariga e tê-la deixado abandonada até o INEM chegar, é preciso que o Ministério Público

considere que a vítima tem dever especial de proteção para poder avançar sem a queixa da vítima.

Pergunto-lhe: nenhuma das pessoas que tenham visto aquele rapaz admitir ter violado uma mulher terá

algo a dizer? A sociedade não tem nada a dizer sobre isso? A sociedade não tem nenhuma responsabilidade

coletiva? Lavamos as mãos em relação a estas vítimas? Abandonamo-las à solidão do seu trauma?

Abandonamo-las à solidão da sua vergonha e da sua estigmatização? A sociedade não tem nenhum dever

especial de dizer aos agressores que o crime não ficará impune e que não o vão repetir?

É preciso lembrar que o crime de violência sexual tende, muitas vezes, a ser um crime com altas taxas de

reincidência. O que é que a sociedade diz, em conjunto, não só às vítimas, mas também aos agressores?!

Sei o que o Bloco de Esquerda deseja que seja dito. O que desejamos que seja dito é que nenhuma mulher

está sozinha perante um crime de agressão sexual. Por muito profundo que seja o trauma, por muito delicado

que seja lidar com ele, é precisamente ao reconhecer este crime como crime público que dizemos que há um

País inteiro e um sistema judicial que estão dispostos a protegê-las. Enquanto essa ideia não estiver bem

solidificada, não há nem agressor que deixe de se sentir impune, nem vítima que se sinta protegida pela

sociedade e pela justiça.

Acho que não vale a pena mencionar — não o foram nesta discussão, e ainda bem! — outro tipo de

argumentos absurdos, como o de que as mulheres vão ser arrastadas contra a sua vontade para perícias

legais e para a barra dos tribunais sem assim o entenderem. Como é óbvio, vivemos numa democracia e

nenhuma mulher será arrastada para processos que vão contra a sua dignidade, a sua autodeterminação e os

seus direitos humanos. Pelo contrário, é essa dignidade que queremos preservar.

Termino, Sr. Presidente, dizendo que não há um único argumento que seja agora utilizado sob a pretensa

capa da proteção da vítima que não tenha sido utilizado há 20 anos para a violência doméstica. Nenhum! E

não houve um único que, em 20 anos, se tivesse provado verdadeiro.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o

Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches.

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que, na minha

primeira intervenção nesta Legislatura, dirija ao Sr. Presidente da Assembleia da República e, através de V.

Ex.ª, a todos os Srs. Deputados uma palavra de votos de sucesso na representação de todos os portugueses

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