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I SÉRIE — NÚMERO 55

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democrático, após o 25 de Abril, e da carreira académica de Adriano Moreira, a Assembleia da República não

pode homenagear esse percurso sem reconhecer também em Adriano Moreira o responsável que foi, num

momento crítico da história colonial portuguesa, quando a ditadura se lançava numa guerra que havia de durar

13 anos, pelas opções do regime salazarista.

No nosso entender, o voto de pesar proposto não cumpre esse dever de memória e não pode por isso ser

aprovado pelo Bloco de Esquerda.

Assembleia da República, 27 de outubro de 2022.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda.

——

No ano de 1968, Carlos Cardoso Lage, o meu pai, então oficial miliciano que não ocultava a sua

discordância face à ditadura salazarista e à política colonial, foi detido por decisão do comando das Forças

Armadas, sendo-lhe levantado um processo de averiguações em que era acusado de ser inimigo da política

ultramarina do Governo português e de, através da discussão política, pretender corroer a coesão moral no

seio das Forças Armadas, tendo assumido sem ambiguidades a primeira acusação e recusado a segunda. Um

mês depois seria enviado para a Casa de Reclusão Militar de Lourenço Marques, onde permaneceu cerca de

meio ano até ser entregue à PIDE/DGS (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), em finais de 1968, e

logo levado para os cárceres da polícia política na cadeia da Machava, considerada a pior das prisões

portuguesas de África durante a guerra colonial. Aqui ficou preso preventivamente até janeiro de 1972, data da

sua iníqua condenação, em Tribunal Militar Especial (instância onde eram julgados os casos políticos das

colónias), a três anos e meio de prisão por crimes contra a segurança do Estado e à perda de direitos políticos

por quinze anos, uma pena de prisão inferior àquela que já havia cumprido preventivamente e que, em vez de

resultar na sua imediata libertação, fez com que continuasse detido por mais um longo período, até finais de

1973. Dos vários anos de prisão preventiva na Machava, dois foram passados em cela solitária.

Ao fim de mais de cinco anos de cativeiro, foi restituído à liberdade em novembro de 1973, regressando a

Portugal a tempo de assistir à Revolução de Abril de 1974. No Porto, filia-se no Partido Socialista e, em agosto

do mesmo ano, é escolhido para integrar a lista do PS à Assembleia Constituinte, em 52.º lugar, pelo círculo

do Porto.

No falecimento de Adriano Moreira, comove-me a perda do pai de uma colega de bancada parlamentar e

demove-me a memória do sofrimento do meu próprio pai. Certamente, o sofrimento individual que aqui evoco

não pode atribuir-se a qualquer decisão direta ou indireta do Prof. Dr. Adriano Moreira, desde logo pelo

desfasamento temporal entre os acontecimentos por mim relatados e o período em que este deteve a pasta

ministerial do Ultramar.

Todavia, não posso deixar de evocar o sofrimento, ao longo de décadas, de milhares de outros presos

políticos às mãos de um regime cuja crueldade tinha no Ultramar — e nas opções ultramarinas do Estado

Novo, caucionadas, concebidas ou executadas por sucessivos governantes — a sua expressão máxima.

Muitos desses presos políticos, de origem portuguesa ou originários de diversas nações africanas, não

sobreviveram aos maus-tratos, às torturas físicas e à eliminação por diversas formas. A partir do cativeiro,

pôde o meu pai, com grave risco de vida, difundir para o exterior nomes de prisioneiros moçambicanos que a

PIDE planeava eliminar por inanição.

O meu sentido de voto não encerra nenhum juízo pessoalizado no Prof. Dr. Adriano Moreira, cuja partida

humanamente lamento e cujo valor académico e intelectual é patente antes e depois do advento do regime

democrático. Tal como é inequívoca a sua adesão às regras e ao éthos da democracia, tendo sido, aliás,

Deputado por esta mesma Assembleia da República e seu Vice-Presidente. O que a minha abstenção

transporta é uma incapacidade de distanciamento de um juízo geral sobre a dominação colonial obrada pelo

Estado Novo, regime do qual o Prof. Adriano Moreira foi destacada personalidade e, ainda que durante um

curto hiato temporal, Ministro do Ultramar.

Confrontado com o presente voto de pesar, o meu coração e a minha consciência antagonizam-se de

forma irremediável e só a abstenção alcança harmonizá-los na minha balança moral.

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