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Sexta-feira, 20 de janeiro de 2023 I Série — Número 79

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

REUNIÃOPLENÁRIADE19DEJANEIRODE 2023

Presidente: Ex.mo Sr. Adão José Fonseca Silva

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Palmira Maciel Fernandes da Costa Helga Alexandra Freire Correia

S U M Á R I O

O Presidente (Adão Silva) declarou aberta a sessão às 15

horas e 1 minuto. Foi aprovado um parecer da Comissão de Transparência

e Estatuto dos Deputados relativo à renúncia ao mandato de um Deputado do PSD, à assunção do mandato correspondente e à respetiva substituição.

Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 491 e 492/XV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 390 a 393 e 395 a 398/XV/1.ª

Entretanto, o Presidente (Adão Silva) saudou a Presidente do Parlamento da Albânia e sua delegação, presentes na tribuna diplomática, tendo sido aplaudidas pela Câmara.

Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo CH, sobre «greves e reivindicações dos professores». Após o Deputado André Ventura (CH) ter aberto o debate, intervieram, a diverso título, além do Ministro da Educação (João Costa), os Deputados

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Joana Mortágua (BE), Carla Castro (IL), Rui Tavares (L), Inês de Sousa Real (PAN), Paula Santos (PCP), Tiago Estevão Martins (PS), Rodrigo Saraiva (IL), Sónia Ramos (PSD) e Gabriel Mithá Ribeiro (CH).

Em declaração política, que disse ser a última na qualidade de Presidente da Iniciativa Liberal, o Deputado João Cotrim Figueiredo (IL) acusou o Governo de não explicar o passado, não cuidar do presente e não preparar o futuro e elencou os casos políticos que vieram a público desde a apresentação, pelo seu partido, da moção de censura ao Governo. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro Pinto (CH), Hugo Patrício Oliveira (PSD), Carlos Pereira (PS) e Alma Rivera (PCP).

Em declaração política, o Deputado João Dias (PCP) atribuiu à desvalorização dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde a causa dos problemas atuais e defendeu o seu reforço substancial com a contratação de mais profissionais, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro dos Santos Frazão (CH), Pedro Filipe Soares (BE), Berta Nunes (PS) e Rui Cristina (PSD).

Em declaração política, o Deputado José Moura Soeiro (BE) criticou a proposta, apresentada na Câmara Municipal do Porto pelo autarca Rui Moreira, de agravamento da criminalização do tráfico de estupefacientes e da criminalização do seu consumo na via pública, bem como a aprovação da mesma com votos de Deputados do PS. Em seguida, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Inês de Sousa Real (PAN), João Dias (PCP), Ricardo Baptista Leite (PSD) e Maria Antónia de Almeida Santos (PS).

Em declaração política, o Deputado Porfírio Silva (PS) fez referência ao processo negocial que se encontra em curso entre o Governo e os sindicatos dos professores, destacando as propostas apresentadas pelo Ministério da Educação, que visam, sobretudo, rever o regime de recrutamento, melhorando a condição docente e a escola pública. Posteriormente, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Rui Tavares (L), António Cunha (PSD), Alfredo Maia (PCP) e Joana Mortágua (BE).

Em declaração política, o Deputado Miguel Santos (PSD), a propósito do questionário prévio à integração de novos membros no Governo, considerou que o mesmo constitui uma forma de desresponsabilização do Primeiro-Ministro pelas escolhas que faz e lamentou a não aplicação deste mecanismo de escrutínio aos atuais membros do Governo. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados André Pinotes Batista (PS), Rui Tavares (L), Rui Afonso (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Paula Santos (PCP) e Rodrigo Saraiva (IL).

Em declaração política, o Deputado Filipe Melo (CH) falou das dificuldades vividas pelas famílias portuguesas, referindo que o Governo da maioria absoluta nada faz para as atenuar, atribuindo, ao invés, dinheiros públicos a empresas como a TAP, respondendo, depois, a um pedido de esclarecimento do Deputado Paulo Moniz (PSD).

Em declaração política, a Deputada Inês de Sousa Real (PAN) lamentou o requerimento do Ministério Público para que a lei que criminaliza e pune os maus-tratos a animais de companhia seja declarada inconstitucional, salientando a importância de impedir que tal aconteça. Seguidamente, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Rita Matias (CH), Duarte Alves (PCP), Pedro Filipe Soares (BE) e Pedro Delgado Alves (PS).

Em declaração política, ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento da Assembleia da República, o Deputado Porfírio Silva (PS) louvou o ensino superior politécnico, considerando que deve poder passar a outorgar o grau de doutor, após um trabalho cuidado e demorado que crie as condições para o efeito, havendo respondido, no final, a pedidos de esclarecimento dos Deputados António Topa Gomes (PSD) e Joana Mortágua (BE).

Foi apreciada a Petição n.º 279/XIV/2.ª (Sofia Carolina de Sousa da Silva e outros) — Sim à comercialização e à comparticipação de medicamento antiepilético, tendo usado da palavra os Deputados Cláudia Bento (PSD), Pedro Filipe Soares (BE), Marta Freitas (PS), Joana Cordeiro (IL), Pedro dos Santos Frazão (CH), Rui Tavares (L) e João Dias (PCP).

Foi apreciada a Petição n.º 321/XIV/3.ª (Sindicato Independente de Professores e Educadores) — Tempo de serviço igual, situação igual e escalão igual, juntamente com o Projeto de Lei n.º 478/XV/1.ª (CH) — Proibição de discriminações entre docentes, por efeito de alterações ao Estatuto da Carreira Docente em matéria de reposicionamento na carreira com efeitos remuneratórios, na generalidade, e os Projetos de Resolução n.os 327/XV/1.ª (PCP) — Recomenda a adoção de medidas para efetivar o direito de todos os docentes ao posicionamento no escalão remuneratório que corresponda ao tempo de serviço efetivamente prestado, 353/XV/1.ª (L) — Pela vinculação, contabilização do tempo de serviço docente e fim do bloqueio na progressão da carreira e 354/XV/1.ª (BE) — Promover a escola pública e o respeito pelos direitos dos professores. Intervieram os Deputados Jorge Galveias (CH), Alfredo Maia (PCP), Rui Tavares (L), Joana Mortágua (BE), Inês Barroso (PSD), Agostinho Santa (PS), Pedro Pinto (CH) e Carla Castro (IL).

O Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 11 minutos.

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O Sr. Presidente (Adão Silva): — Boa tarde a todas e a todos os Srs. Deputados. A Mesa saúda-vos com

muito gosto.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 1 minuto.

Muito obrigado, Sr.as e Srs. Deputados, por ocuparem os vossos lugares e criarem condições para o início

dos nossos trabalhos.

Desde já, tenho o gosto de informar VV. Ex.as de que os trabalhos de hoje serão longos e se irão espraiar

pela tarde e até, dizem alguns, pelo princípio da noite, portanto reajustem as horas dos vossos jantares.

Sendo assim, peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público. Muito obrigado.

Pausa.

Agora que o silêncio já se vai fazendo na Sala, peço que deem a vossa maior atenção e o vosso maior

respeito aos anúncios que a nossa Colega Deputada, Sr.ª Secretária da Mesa Maria da Luz Rosinha, irá fazer.

São importantes as informações que nos vai transmitir.

Tem a palavra, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, passo a anunciar um parecer, vindo da 14.ª

Comissão, que se prende com o seguinte:

«1. […] Mário Sérgio Quaresma Gonçalves Marques (círculo eleitoral da Madeira) renuncia ao mandato,

assumindo o mandato João Dinis Santos Ramos (círculo eleitoral da Madeira), com efeitos a partir do dia 16 de

janeiro de 2023, inclusive.

2. Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispõe, verificou-se que o candidato não eleito

indicado, João Dinis Santos Ramos, é realmente o candidato seguinte que deve assumir o mandato, conforme

lista apresentada a sufrágio no círculo eleitoral da Madeira.

3. Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

4. Nestes termos, a Comissão entende proferir o seguinte parecer: A renúncia do Deputado Mário Sérgio

Quaresma Gonçalves Marques cumpre os requisitos legais, assumindo o mandato João Dinis Santos Ramos,

com efeitos a partir do dia 16 de janeiro de 2023, inclusive.»

É preciso votar este parecer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Nos termos regimentais, temos de proceder à votação deste parecer, pelo

que peço que criem as condições para tal.

Pausa.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PAN.

Queira prosseguir, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, passo a anunciar que deram entrada na Mesa,

e foram admitidos pelo Sr. Presidente, os Projetos de Lei n.os 491/XV/1.ª (CH), que baixa à 13.ª Comissão, em

conexão com a 8.ª Comissão, e 492/XV/1.ª (BE), que baixa à 5.ª Comissão, e os Projetos de Resolução

n.os 390/XV/1.ª (CH), que baixa à 13.ª Comissão, 391/XV/1.ª (CH), que baixa à 7.ª Comissão, 392/XV/1.ª (CH),

que baixa à 8.ª Comissão, 393/XV/1.ª (CH), que baixa à 9.ª Comissão, 395/XV/1.ª (PS), que baixa à 11.ª

Comissão, 396/XV/1.ª (PCP), que baixa à 13.ª Comissão, 397/XV/1.ª (CH), que baixa à 1.ª Comissão, e

398/XV/1.ª (PSD), que baixa à 10.ª Comissão.

É tudo em termos de anúncios, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (Adão Silva): — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha.

Permito-me agora relembrar a agenda de trabalhos para o dia de hoje: começaremos com um debate de

urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do Chega, sobre «greves e reivindicações dos professores» —

aliás, saudamos os membros do Governo, que acabam de chegar; a seguir, teremos declarações políticas; e,

depois, haverá ainda mais dois pontos na ordem de trabalhos, o primeiro relativo à Petição n.º 279/XIV/2.ª e o

segundo relativo à Petição n.º 321/XIV/3.ª, com a qual serão arrastadas iniciativas legislativas.

Se me permitem, ainda antes de entrarmos na ordem do dia, tenho o gosto de anunciar ao Plenário a

presença, na tribuna, da Sr.ª Presidente do Parlamento da Albânia, Lindita Nikolla, que se encontra na

Assembleia da República em visita de trabalho, e da respetiva delegação, o que muito nos honra. Peço uma

calorosa saudação dos Srs. Deputados à Sr.ª Presidente do Parlamento da Albânia.

Aplausos gerais, de pé.

Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, estamos, então, em condições de avançar de

imediato para o primeiro ponto da ordem de trabalhos, que consta do debate de urgência, requerido pelo Grupo

Parlamentar do Chega, sobre «greves e reivindicações dos professores».

Para a abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado do Grupo Parlamentar do Chega André Ventura,

dispondo de 6 minutos para o efeito.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente em exercício, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Educação e

demais Srs. Membros do Governo: «Sou professor há 34 anos e, nos últimos 12, fui aumentado 20 €.» «Quando

entrei na carreira docente, consegui fazer um percurso extraordinário. Vinculei-me apenas ao fim de 22 anos.»

«Tenho a carreira congelada e ando como se fosse um vendedor ambulante, de terra em terra, para receber um

mísero ordenado, que nem serve para pagar os dois tetos que tenho de ter: um de fim de semana e um de

semana, a mais de 600 km, ida e volta, que tenho de fazer, semanalmente, para estar com a família. Hoje,

qualquer outra profissão compensa. A de professor, infelizmente, há muito deixou de compensar.»

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Ministro, gostava que tivesse conhecimento destes testemunhos, porque

eles não são meus nem de ninguém desta Casa, são de professores e de profissionais de educação, que saíram

às ruas e têm dado, ao longo dos últimos dias, um espantoso e incrível testemunho do que é a degradação do

ensino, dos professores e da escola.

Vozes do CH: — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — É isto que temos tido, por parte do Governo.

A carreira dos professores, a carreira dos profissionais de educação, está congelada há anos. É,

provavelmente, a situação mais flagrante de injustiça que temos em Portugal, em termos de carreira.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — As carreiras estão congeladas há anos!

O Sr. André Ventura (CH): — E há que nunca esquecer que quem, pela primeira vez, congelou a carreira

dos professores não foi o PSD, não foi o Chega, não foi a Iniciativa Liberal, nem foi nenhum outro partido de

direita.

Quem congelou a carreira dos professores tem um nome, chama-se Partido Socialista, na altura em que era

Primeiro-Ministro José Sócrates.

Aplausos do CH.

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Claro que outros optaram por manter o mesmo sistema de congelamento e de injustiça em que tínhamos

retido os professores. Claro que outros optaram, Governo atrás de Governo, por não pagar subsídios de

alojamento, por não pagar as distâncias que os professores tinham de percorrer, por não fazer a atualização e

a recuperação do tempo de serviço. Outros, que deviam ter assumido a responsabilidade perante os

professores, esconderam-se deles e ignoraram-nos na opinião pública.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — Outros, hoje Primeiros-Ministros, ameaçaram crises políticas quando estava

em causa a dignidade dos professores, como se a dignidade do ensino fosse algo que pudesse ser

mercantilizado.

Pedimos tudo aos nossos professores: pedimos-lhes que ensinem, pedimos-lhes que deem valor à escola,

seja ela pública ou privada, pedimos-lhes que sejam a representação do futuro das nossas crianças. Mas,

quando são agredidos, não há um grupo parlamentar que se lembre deles. Quando são agredidos, corremos à

procura de justificações para o bandido,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — … mas nunca arranjamos justificações para aqueles pobres homens e

mulheres, que, a ensinar e a dar a sua vida, são agredidos a uma média de duas vezes em cada semana, um

dado que deveria envergonhar um país inteiro.

Aplausos do CH.

O Sr. Ministro não está a negociar, está a fingir que negoceia com os sindicatos, com os professores e com

os profissionais de educação.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Claro!

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

O Sr. André Ventura (CH): — O senhor põe linhas vermelhas antes de entrar na sala de negociação, diz o

que vai fazer, mas sabe que é Fernando Medina quem, no fim, manda em tudo, ao ponto de o próprio Primeiro-

Ministro ter dito que não há reuniões sem o Ministro das Finanças.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Mentiroso!

O Sr. André Ventura (CH): — O senhor não é o Ministro da Educação, é um servente do Ministro das

Finanças neste Governo.

Aplausos do CH.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Mentiroso e descarado!

O Sr. André Ventura (CH): — Continuamos a perder professores. O ano letivo de 2022-2023 começou com

60 000 alunos sem pelo menos um dos professores — 60 000 alunos não tiveram pelo menos um dos

professores —,…

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.

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… as greves prolongam-se indeterminadamente e milhares de professores meteram baixa por razões

médicas e psicológicas.

Isto tem um responsável, e o responsável governamental é o Sr. Ministro da Educação. Enquanto está aí

sentado a responder perante este Parlamento, tenho a certeza de que, em algum distrito do País, está um

professor a entregar outro certificado de baixa, está um professor a ser agredido,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — … está outro a olhar para quando vai subir na carreira e está algum,

provavelmente, a ser despejado porque não consegue pagar a casa que tem de pagar perto da escola onde dá

aulas.

À falta de professores juntam-se a falta de funcionários e as escolas degradadas, onde chove e as turmas

não têm o mínimo de condições para terem aulas com dignidade.

Sr. Ministro e demais Srs. Membros do Governo, todos sabemos que uma das lutas principais dos

professores é a da reposição do tempo integral das suas carreiras. Essa reposição é uma questão de justiça,

mas é sobretudo, nos tempos que correm, com a inflação, uma questão de dignidade.

Segundo os números que temos, e que o Sr. Ministro considera insuportáveis, repor o tempo integral de

serviço dos professores custaria entre 800 e 900 milhões de euros aos cofres nacionais. A verba é elevada, o

custo sobre os contribuintes e sobre todos nós seria elevado.

Mas, Sr. Ministro, quando temos um Ministério da Saúde que, por ano, desperdiça 1000 milhões de euros,

como é que não damos aos professores 800 milhões para contar o seu tempo de serviço?!

Aplausos do CH.

Quando enterramos na TAP (Transportes Aéreos Portugueses) 3,9 mil milhões de euros, quando damos ao

Novo Banco, ao BPN (Banco Português de Negócios) e a tantos outros milhares de milhões de euros, como é

que, enquanto políticos, temos cara para olhar para os professores e dizer «não temos dinheiro para a contagem

do vosso tempo de serviço»?!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente, com estas palavras: por isso, sim, Sr. Ministro,

STOP (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação)! Stop à degradação das carreiras, stop à sua

arrogância ministerial, stop à perda do poder de compra, stop à indisciplina e às agressões que os professores

sofrem, stop a este rumo destrutivo que o Governo quer criar.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — Stop, em nome dos professores, em nome do ensino e em nome da escola,

que o Governo quer destruir!

Aplausos do CH, de pé.

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Não havendo pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado André Ventura,

entramos no período de debate, no final do qual, informo desde já a Câmara, o Sr. Ministro da Educação intervirá.

Sendo assim, a Mesa regista, para já, a inscrição da Sr.ª Deputada Joana Mortágua, pelo Grupo Parlamentar

do Bloco de Esquerda.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Perante os problemas que eram evidentes na

escola pública, o Governo optou por negar — negar, negar, negar, negar — e, quando avisávamos que faltavam

professores, quando avisávamos que havia um barril de pólvora prestes a explodir, o que o Governo fez foi

negar.

Quando a realidade se tornou demasiado óbvia para ser negada, o que o Governo preferiu fazer foi atacar a

greve dos professores. Ora, entre a negação e o ataque, aquilo que fez foi não perceber o essencial que é parar

para perguntar porque é que os professores estão em greve.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Exatamente!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — As costas dos professores são muito largas, mas não chegam para carregar

as culpas do Governo pelo estado a que chegou a escola pública. Sampaio da Nóvoa escreveu, recentemente:

«[…] a regra tem sido a indiferença ou mesmo o esquecimento, quando não alguma hostilidade, em relação aos

professores.» E esta realidade, que Sampaio da Nóvoa tão bem descreveu, não é uma realidade que possa ser

negada pelo Sr. Ministro. Certamente, é uma realidade que os professores não conseguem mais negar.

Aquilo que aconteceu foi que o Governo esticou a corda, esticou-a tanto que a rompeu e, quando rompeu a

corda, milhares e milhares de professores saíram à rua a dizer que não se conformam, que não se calarão e

que não desistem da escola pública.

Esta questão é absolutamente essencial, porque não há nada de mais radical nem de mais desproporcional

para o País do que a situação de rutura em que o Governo do Partido Socialista colocou a escola pública: à

beira de não ter professores para garantir o futuro.

Em relação à escola pública, o Governo faz menos do que prometeu e promete mais do que faz! Perante a

evidência de que nada disto é suficiente, perante a evidência de que os professores estão em luta, porque não

lhes sobra outra alternativa, o Primeiro-Ministro vem dizer que a função do Governo não é resolver greves.

Então, quem é que tem a função de resolver esta greve? De quem é a função de resolver os problemas da

escola pública?

Portanto, Sr. Ministro, só posso dizer-lhe, hoje, uma coisa: faça o que tem de fazer! Corrija o tiro que foi dado

em 2019 pelo PS e pelo PSD na Assembleia da República quando recusaram reconhecer o tempo de serviço

aos professores; acabe com as vagas para os 5.º e 7.º escalões; vincule todos os professores que tem a vincular,

não como uma arma de troca contra direitos dos professores à sua carreira, mas porque a escola pública precisa

desses professores; apoie os professores nas despesas de casa e de transporte.

Sr. Ministro da Educação, se o Sr. Ministro das Finanças, Fernando Medina, disser que salvar a escola

pública não vale nem mais um tostão e que não há nem mais um tostão para a salvar, pense bem de que lado

é que quer ficar, porque o País também está a decidir se quer que os seus impostos paguem salários dignos

aos professores, ou se quer que os seus impostos financiem prémios milionários para gestores de empresas

privadas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

Antes de passar a palavra ao próximo orador, peço um pouco mais de serenidade, porque estava muito

barulho e foi grande o esforço que a Sr.ª Deputada Joana Mortágua teve de fazer para chegar ao fim da sua

intervenção.

Portanto, peço a vossa colaboração e disponibilidade neste sentido.

Agora, sim, estou em condições de dar a palavra, pelo Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal, à Sr.ª

Deputada Carla Castro.

A Sr.ª Carla Castro (IL): — Sr. Presidente, Sr. Ministro e demais membros do Governo, Srs. Deputados: Foi

agendado este debate de urgência por se considerar que o Governo foi incapaz ou está a ser incapaz de

responder às reivindicações dos professores. Infelizmente, não é apenas às reivindicações dos professores que

o Governo não está a ser capaz de dar resposta.

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Contudo, suponho que o Sr. Ministro da Educação tenha ficado surpreendido com este pedido de debate de

urgência, porque, aparentemente, nos debates que aqui temos na Assembleia, parece que está tudo bem.

Desde o início deste ano que têm vindo a ser salientadas «conquistas», de como tudo está bem na educação,

nomeadamente: desde 2018, progrediram um escalão 98,5 % dos professores e que, destes, 90 % progrediram

dois escalões; que, em dezembro de 2022, eram 16 % os professores no topo da carreira; que se reforçaram as

equipas docentes; que se reforçaram as horas para a direção do trabalho; que se conseguiu uma melhor

desburocratização. Enfim, cenários, cenários, cenários!

Pasme-se que, ao contrário dos dados internacionais, em que tudo aponta para a degradação do ensino

derivada da pandemia, em Portugal, os resultados do IAVE (Instituto de Avaliação Educativa) chegam a indiciar

uma melhoria das aprendizagens. Estes são os dados! Portanto, se calhar, até há uma surpresa sobre as

reivindicações dos professores e sobre o estado da educação e a reclamação no geral.

Mas do que não se fala, efetivamente, é do retrato profundo e mau em que está o estado da educação hoje

em dia.

Um diálogo justo reconheceria que os monodocentes trabalham quase mais 7 horas semanais do que os

colegas do 2.º e 3.º ciclos e do secundário, que ainda estão seis anos, seis meses e 23 dias de trabalho por

repor, que a avaliação dos docentes é amorfa e ineficaz, que temos professores a administrar medicação a

crianças por não haver enfermeiros nas escolas, que temos professores com um estado de saúde mental muito

degradado, que técnicos superiores especializados passam anos a fio em condições precárias, que há uma

enorme falta de transparência no processo de mobilidade dos professores, que os níveis de stress mental dos

docentes são dramáticos.

A Iniciativa Liberal considera que há falta de coragem no Governo, que há falta de coragem para introduzir

mudanças nas avaliações, que há falta de coragem para reformar, que há falta de coragem no eterno passa-

culpas.

O preconceito ideológico fala mais alto. O Governo continua a insistir em centralismo e em ruturas. Acha, Sr.

Ministro, que os professores passariam estes dias ao frio, à chuva, se estivesse tudo bem?

A escola pública está em crise, mas todo o sistema de educação está em crise e este cenário põe crianças

e professores em causa. Já não bastava termos sido um dos países que mais tempo teve as escolas fechadas

durante a pandemia como, agora, em 2023, os alunos vão continuar a estar sem aulas. Continuam a ser

prejudicados alunos e professores. A política de educação não está a servir nem uns nem outros.

Choca-nos a inércia do Governo, choca-nos o pouco que está a ser feito.

Em 2019, o Sr. Primeiro-Ministro ameaçou demitir-se perante um cenário de reposição de tempo de serviço,

dizendo que era insustentável. Ameaças, manobras de diversão, passa-culpas — é isso que nós temos,

adiamentos, em vez de soluções. E nós esperamos tudo!

Chegou, finalmente, a hora de, por uma vez, se ter a verdadeira coragem e reformar. Não agir é também

uma escolha. A política da inércia é uma má política, sobretudo quando a política precisa de avançar.

Termino com uma frase dita ontem pelo Sr. Ministro: o respeito é sempre uma dimensão subjetiva. Aquilo

que é objetivo é a preocupação que temos, quer com os professores, quer com o futuro das crianças.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Dou agora a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Rui Tavares,

do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Estamos aqui hoje num debate de urgência, convocado

por um partido que não teve urgência nenhuma em mudar o seu programa, que, até há um par de anos, tinha,

simplesmente, inscrita a abolição da escola pública como serviço prestado pelo Estado,…

O Sr. André Ventura (CH): — Não é verdade!

O Sr. Rui Tavares (L): — … que exige coisas ao Ministério da Educação, mas que, até 2021, tinha no seu

programa a extinção do Ministério da Educação.

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O Sr. André Ventura (CH): — Faz a pergunta, não sejas vassalo!

O Sr. Rui Tavares (L): — Porém, não devemos surpreender-nos com a incoerência de quem faz batota com

a política. Devemos é perguntar-nos, e essa pergunta é para o Sr. Ministro, como é que podemos dar pretextos

a quem o faz, não negociando.

Protestos do CH.

Isto quando devia ter prazer em mostrar em público que se negoceia, dignificando com isso as reivindicações

de uma classe inteira, como a dos professores. Indo até mais longe, além de negociar com os sindicatos, devia

fazer uns verdadeiros estados gerais da educação com professores, sim, mas também com encarregados de

educação, com autarcas, com a sociedade civil, para permitir a Portugal, finalmente, abraçar este desafio e

poder dizer aos jovens que têm vocação para ensinar…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Olha o tempo!

O Sr. Rui Tavares (L): — … que aquilo que veem todos os dias na televisão não vai continuar assim…

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Tavares (L): — … e que podem ter boas razões para querer abraçar a carreira do ensino e não

fugir dela, que é a vontade que, neste momento, se olham para as notícias, certamente, terão.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Grande contributo para o debate!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Srs. Deputados, permitam-me que reitere o pedido de silêncio e de

moderação na linguagem e no som.

A Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real quer falar e não tem as adequadas condições e ela quer ter as condições

a que todos temos direito.

Tem a palavra para uma intervenção a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Muito obrigada, Sr. Presidente.

Cumprimento as Sr.as e Srs. Deputados, bem como os membros do Governo aqui presentes.

A escola pública é absolutamente essencial, constitui uma oportunidade e uma igualdade no acesso à

formação e à educação, sem a qual muitas crianças e jovens não teriam as mesmas oportunidades de

aprendizagem no nosso País.

Mas a escola pública é formada pelos docentes e pelo pessoal não docente, cuja valorização é

absolutamente imprescindível. Pelo que dão todos os dias ao futuro da nossa sociedade, os professores

merecem respeito, gratidão e dignidade profissional e não merecem ser acusados — e aqui dirijo-me também

ao Sr. Ministro da Educação — de desinformação ou manipulação.

Todos têm o direito à greve, todos têm o direito à manifestação e todos temos de viver em democracia com

esse mesmo direito e, acima de tudo, todos devemos saber dialogar e ouvir, mesmo que esse diálogo possa ser

difícil, Sr. Ministro.

O pacote de 100 milhões de euros, já anunciado pelo Governo, traz alguns avanços que reconhecemos que

podem ser importantes, mas que, ainda assim, são insuficientes. De facto, não só ficam aquém do cumprimento

da meta de 15 % dos gastos públicos em educação, conforme recomendado pela UNESCO (Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), como não vão resolver os mais de seis anos de serviço

que são encarados pelo Governo como se nunca tivessem existido.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente.

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Também não põe fim ao modelo de progressão na carreira que faz com que os professores demorem 120

anos a chegar ao topo, como não impede que os professores tenham que andar 10 a 15 anos com a casa às

costas ou que sejam colocados a centenas de quilómetros de casa, sem que tenham subsídio para

alojamento/deslocação, ou que o concurso para a mobilidade em doença acabe por ser isso mesmo, ou seja,

um concurso ao invés de um direito.

Portanto, Sr. Ministro da Educação, aquilo que gostaríamos de lhe perguntar é o que vai fazer mudar essas

fórmulas e para corrigir algumas das prioridades que os professores têm vindo a assinalar.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — A Mesa agradece a vossa colaboração, Srs. Deputados, porque a tarde

vai ser longa.

Para uma intervenção, tem agora a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PCP, a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da

Educação: Os professores lutam pela valorização da sua carreira, da sua profissão e da escola pública. É uma

luta que não é de hoje, já tem muitos anos, e resulta, de facto, do desinvestimento na escola pública, da

degradação, ao longo dos anos, da carreira e da desvalorização da profissão docente.

Aquilo que se exige ao Governo é uma resposta aos problemas estruturais que a escola pública hoje enfrenta,

assim como às reivindicações dos professores. Mas não foi essa a opção do Governo. Aquilo que o Governo

anunciou não dá resposta a esses problemas e não vai ao encontro das reivindicações.

Assim, aquilo a que se assiste, por parte do Governo, é a uma recusa em responder a estes problemas,

sendo que, se nada for feito, o que vai acontecer é a continuação da degradação das condições da escola

pública.

O Governo insiste em não contabilizar o tempo de serviço que foi prestado pelos professores, insiste no

apagão. O Sr. Ministro disse que não pode resolver o passado. Pode! Pode, se quiser. Nada impede que todo

o tempo de serviço que foi prestado pelos professores seja contabilizado para efeitos de progressão.

Aliás, era isso que seria justo, é isso que os professores reivindicam, ou seja, que não se apague o tempo

que foi trabalhado e que o mesmo seja considerado para efeitos de progressão. A questão está em saber se o

ministro e o Governo querem ou não. Parece-nos que não querem, por uma questão de opção, por falta de

vontade política e por nada mais.

O Governo continua a bloquear o acesso aos 5.º e 7.º escalões. Sr. Ministro, há milhares de professores que,

cumprindo os critérios, não vão poder progredir, porque não são abertas todas as vagas para que assim seja.

Aquilo que se exige é, de facto, eliminar as quotas de acesso e garantir a progressão de todos aqueles que têm

condições para progredir para os 5.º e 7.º escalões.

O Governo continua a impor um regime de mobilidade por doença injusto. São cerca de 3000 professores

em situação de doença que, por imposição do Governo, não têm aproximação à área de residência para

tratamento ou acompanhamento por parte da família.

O Governo continua a não adotar medidas eficazes para combater a precariedade. Sr. Ministro, o tempo

médio para ingressar na carreira são 16 anos, a idade média de um professor quando ingressa na carreira é de

46 anos.

Perante a carência de professores e o número de aposentações previsto, que continua a aumentar, a

formação de novos professores não substitui o número de professores em aposentação e a questão que se

coloca é que, se nada for feito, o número de alunos sem professores a todas as disciplinas vai continuar a

aumentar.

Face a esta realidade, a verdade é que, no que diz respeito à carreira, no que diz respeito à profissão, não

se vislumbram medidas no sentido da sua valorização.

Então, a questão que gostaria de colocar é esta: qual é a estratégia? Que respostas efetivas é que o Governo

tem a dar — não as que foram anunciadas ontem! — para valorizar a carreira e a profissão docente?

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Augusto Santos Silva.

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O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada não tem tempo para responder, mas tem um pedido de esclarecimento

do Sr. Deputado André Ventura, do Chega, que, imagino, não prescinda desse pedido de esclarecimento. Tem

a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Santos, é um pouco confrangedor ouvir

o PCP, e também o Bloco de Esquerda, falar sobre a questão das lutas dos professores quando aprovaram

cinco ou seis Orçamentos do Partido Socialista.

Vozes do BE: — Falso!

O Sr. André Ventura (CH): — Não, é verdadeiro. Desculpem, mas não é falso. Aprovaram cinco ou seis

Orçamentos do Partido Socialista!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É falso!

O Sr. André Ventura (CH): — Aliás, Sr.ª Deputada, tenho aqui uma notícia de 2018 onde o Sr. Secretário-

Geral do PCP, Jerónimo de Sousa, diz que compreende as lutas dos professores, mas que não pode, nem vai,

condicionar a votação do Orçamento nem a estabilidade do País à contagem do tempo de serviço dos

professores.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!

O Sr. André Ventura (CH): — Ou seja: os senhores venderam a estabilidade que queriam com o Partido

Socialista às lutas dos professores.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — E agora, que já não apoiam o Governo, vêm dizer que ataca os professores!

Aplausos do CH.

O Sr. Deputado Pedro Filipe Soares disse, em 2018, que o Bloco de Esquerda «já prometeu que, se o

Governo continuar a empurrar para a frente» — ai, meu Deus, que ameaça tão grande! — «o Bloco não vai

deixar isto passar.» Dizia Pedro Filipe Soares: «Agora é que vai ser, vamos resolver a questão de vez no

Orçamento de 2019.»

Protestos do Deputado do BE Pedro Filipe Soares.

Só que passou o Orçamento de 2019, o de 2020 e já tinha havido o de 2018, o de 2017, o de 2016. Houve

greves em 2016, 2017, 2018. Todos os Orçamentos foram aprovados e apoiados com os vossos votos, e eu

não vi nenhuma indignação! E agora estão indignados com o Governo?!

Aplausos do CH.

Protestos da Deputada do PCP Paula Santos e do Deputado do BE Pedro Filipe Soares.

Quer dizer, quem congelou o tempo de serviço dos professores foi o PS, mas os senhores, quando entraram

para a geringonça, podiam ter dito «ou isto muda ou nós saímos.» Mas, não, preferiram o conforto do apoio ao

PS a lutar pelos professores e pela educação e agora vêm dizer «ai, ai, Jesus!».

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Não diga disparates!

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O Sr. André Ventura (CH): — Não é «ai, ai, Jesus», a responsabilidade não é só do PS! O PCP e o Bloco

de Esquerda também têm responsabilidade nesta luta!

Aplausos do CH.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, isto não é uma pergunta!

O Sr. João Dias (PCP): — Quando estavam de braços dados com o Passos Coelho é que era tudo um mar

de rosas!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Fala na tua vez!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Tiago Estevão Martins, do

Partido Socialista.

Protestos do PCP e contraprotestos do CH.

Peço que sejam criadas as condições para que o Sr. Deputado Tiago Estevão Martins se possa pronunciar.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Tiago Estevão Martins (PS): —Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O

debate que hoje fazemos e o período que vivemos, com as manifestações de descontentamento dos

professores, convocam-nos para a responsabilidade de não nos deixarmos tomar pela tempestividade do

momento.

É nossa responsabilidade saber ouvir aquilo que estes profissionais, que constroem a escola pública todos

os dias, nos querem dizer, e é preciso que fique bem claro neste debate que em momento algum podemos

permitir, enquanto sociedade, que se crie a imagem que os professores que se manifestam são o inimigo.

É fundamental que, coletivamente, consigamos que este momento não se traduza num divórcio entre a

opinião pública e a classe docente, e também é fundamental dizer-se que, no projeto da escola pública, as

divergências que existem têm de ser resolvidas sem que se antagonize a imagem de uma classe profissional

estruturante para o País, de homens e mulheres e dedicados a uma carreira profundamente exigente, sujeita a

enormes desafios e a uma instabilidade que prejudica profundamente as suas vidas.

Aplausos do PS.

Falar em carreiras pressupõe um passo fundamental que tem de anteceder qualquer discussão, porque

existem milhares de professores precários contratados a quem têm estado vedados os respetivos direitos de

progressão e de estabilidade.

Não esquecemos, nem deixamos que se esqueçam, que reduzimos a vinculação pela norma-travão de cinco

para três anos de horários completos e anuais, nem deixamos que se esqueçam as duas vinculações

extraordinárias.

Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua.

Mas, apesar de todos os avanços feitos nos últimos anos, e dos mais de 14 000 docentes vinculados desde

2016, os professores contratados continuam a demorar demasiado tempo a vincular. É demasiado tempo sem

estabilidade, sem progressões e a receber pela base da carreira.

Podemos, certamente, avançar e podemos, certamente, fazê-lo também no modelo de recrutamento. É

preciso aproximar e reduzir as distâncias de colocação dos professores. O modelo de recrutamento existente

não fixa em territórios nem oferece estabilidade. Os quadros de zona pedagógica (QZP) têm uma área

geográfica demasiado extensa. É preciso avançar no combate à instabilidade e à precariedade e é preciso, por

isso, que olhemos para este processo negocial com a expectativa de quem sabe que ainda há muito por fazer.

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É preciso relembrar que o processo negocial que desencadeou estas manifestações foi aberto pelo Governo,

sabendo-se que seria sempre uma questão de enorme sensibilidade, mas absolutamente necessária. Isto

porque para mudar o que está errado é preciso tomar decisões, mesmo quando elas são difíceis.

Apesar disso, abrimos este processo, porque temos a convicção de que é possível avançar-se na dignificação

da classe docente com diálogo e com a abertura de quem acredita que um compromisso é possível.

Aplausos do PS.

É possível avançar, como avançámos com o descongelamento das carreiras em 2018, o que faz com que

98,5 % dos professores tenham progredido pelo menos um escalão e, destes, 90 % tenham progredido dois

escalões.

É possível avançar, como avançámos na redução da norma-travão de cinco para três anos, como avançámos

na vinculação de 14 500 docentes desde 2016, como nos propomos avançar mais uma vez.

As propostas ontem apresentadas não são o ponto de chegada, mas são, sem dúvida, um ponto de partida

de enorme relevância. Em justiça, não é possível ignorar alguns dos avanços propostos: a vinculação de 10 500

docentes não é irrelevante; a reorganização dos 10 quadros de zona pedagógica para 63 QZP mais pequenos

não é irrelevante; a correção das ultrapassagens e o reforço da colocação por lista graduada não é irrelevante;

a alteração aos índices remuneratórios para os professores contratados não é irrelevante; o alargamento das

vagas no acesso aos 5.º e 7.º escalões não é irrelevante.

Sr.as e Srs. Deputados, é nosso dever não negar as dificuldades e reconhecer os problemas, mas também é

nosso dever garantir o equilíbrio e a sustentabilidade das medidas. É para avançar que serve este processo

negocial aberto pelo Governo e que está em curso. É para avançar que somos Governo e é por isso que

continuaremos a fazer, em diálogo e espírito de abertura, com o compromisso de sempre, o que temos feito até

aqui, por uma escola para todos e pela dignificação das carreiras daqueles que, todos os dias, a constroem, e

por um Portugal de ciência, da cultura e do conhecimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem um pedido de esclarecimento. Para o formular, tem a palavra o Sr.

Deputado Rodrigo Saraiva, da Iniciativa Liberal.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Caro Deputado Tiago Estevão Martins, vou focar-me numa

parte inicial da sua intervenção. Peço desculpa se não citar ipsis verbis aquilo que disse, mas vou tentar citar a

ideia que tentou transmitir ao início.

A certa altura disse que esperava que este momento de alguma tensão no setor da educação, com os

professores, fosse gerido de forma a não — e é aqui que vou tentar citar a sua ideia — criar atrito social entre

professores e famílias. Terá dito qualquer coisa como «não criar uma hostilidade da sociedade para com os

professores.»

Registei essa sua preocupação e, como registei essa sua preocupação, que subscrevemos, gostaria de lhe

perguntar como é que viu a ação do Governo, ao ter pedido um parecer à Procuradoria-Geral da República

sobre a legalidade das greves que os professores estão a fazer e de ter tornado isso público da forma que fez.

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

Porque se isso não é criar atritos, desconfiança e hostilidade entre as famílias e os professores, entre os

professores e a sociedade, então não sei como é que o Governo vai cumprir o objetivo que mencionou da

tribuna.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Tiago Estevão Martins.

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O Sr. Tiago Estevão Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, agradeço-lhe o pedido de

esclarecimento.

De facto, é muito claro para nós que isto não é uma guerra contra os professores e, fundamentalmente, a

questão que o Sr. Deputado coloca não vai à substância daquilo em que estamos focados em resolver.

O direito à greve é um direito constitucionalmente previsto e regulado. Tal como os sindicatos o fizeram,

também o Governo pediu esclarecimentos sobre a legalidade destas greves. Mas, para nós, essa não é a

questão de fundo, a questão de fundo são as preocupações objetivas dos professores. Precisamos dos

professores para a escola pública…

Vozes do PSD: — Agora?!

O Sr. Tiago Estevão Martins (PS): — … e estamos apostados em melhorar a atividade docente, a qualidade

das suas carreiras. É isso que estamos apostados em continuar a fazer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PSD tem a palavra a Sr.ª

Deputada Sónia Ramos.

A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Sr. Deputado Tiago Estevão

Martins, muito obrigada e bem-haja pela sua intervenção, porque ela provou que, de facto, Governo e PS estão

mesmo de costas voltadas. Portanto, ainda bem que veio aqui confirmar aquilo de que todos nós já

suspeitávamos.

Aplausos do PSD.

Os professores estão cansados, envelhecidos, exaustos e desmotivados. A escola pública está em causa.

São sete anos de promessas, instabilidade e saturação.

Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua.

Sr. Ministro, este País não é para professores nem para alunos. Esta foi uma prova que também nos deixou.

Durante sete anos o Governo ignorou os professores, as políticas educativas, as condições de trabalho, a

carga burocrática e a sua carreira. Em suma, não conseguiu resolver nenhum dos problemas do sistema

educativo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): —Em sete anos, o Governo provou que, afinal, a escola pública não era uma

paixão, sequer, uma prioridade. Em sete anos de má memória, assistimos ao desmantelamento da escola

pública e, por essa via, o Sr. Ministro causou uma avaria irreparável no elevador social.

Este é o retrato do ensino em Portugal: alterações avulsas na política educativa, burocracia crescente, falta

de condições de trabalho dos professores e de toda a comunidade educativa, em prejuízo da missão da

educação, que é o acesso ao conhecimento e às aprendizagens.

O caminho do facilitismo — como o Sr. Ministro bem sabe — deu mau resultado, e ainda esta semana a

Sociedade Portuguesa de Matemática veio acusá-lo «de atirar a aprendizagem de matemática no ensino

secundário para mínimos históricos inexplicáveis.»

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Nuno Crato?!

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A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Aqui chegado, o Governo usa um tom persecutório contra os professores.

Amedronta a classe, utiliza os alunos e as famílias como arma de arremesso político contra os professores e

toda uma comunidade educativa e alega ainda a ilegalidade das greves.

Mas isto não é novo, porque já ensaiou este tipo de coação contra a classe docente com a mobilidade por

doença, como bem sabe, sem que, até hoje, qualquer suspeição tenha sido confirmada.

Portanto, não resta pedra sobre pedra e o rolo compressor tudo levou.

Aplausos do PSD.

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.

Assistimos com preocupação à incapacidade de o Ministério da Educação concluir o processo negocial com

a classe docente e instamos à necessidade de um diálogo sério, ponderado e de boa-fé.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — O PSD não tem nada para dizer sobre coisa nenhuma!

A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Recorde-se que o ano letivo começou com 60 000 alunos sem professor a,

pelo menos, uma disciplina, e que retomámos o 2.º período letivo com cerca de 20 000 alunos sem aulas e sem

professor a, pelo menos, uma disciplina.

Naturalmente, os portugueses estão preocupados. Não bastava o número elevado de aulas perdidas face à

pandemia, para agora assistirmos também ao crescente ambiente perturbador causado pelo Sr. Ministro em

consequência do ziguezague incendiário e das declarações que tem proferido relativamente a toda esta

insatisfação dos professores.

Por isso perguntamos: vai ou não reforçar o Plano de Recuperação das Aprendizagens face a tudo aquilo a

que temos assistido?

O Plano Escola +, como sabe, é um plano de «escola menos», porque tem menos professores, menos

aprendizagem, mas mais grelhas, mais papéis e mais alunos vulneráveis e entregues à sua sorte.

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — O número de candidatos aos cursos de formação inicial de professores

também decaiu cerca de 70 % e, nos últimos 10 anos, 10 000 professores profissionalizados abandonaram o

sistema de ensino — são 10 000, não é pouco!

Em 2017 e novamente em 2019, o PS prometeu que iria estudar o modelo de recrutamento para estabilização

do corpo docente. O que é que aconteceu, Sr. Ministro? Nada. Foi preciso mais uma vez os professores, e toda

a comunidade educativa, em solidariedade, virem para a rua, para o Sr. Ministro se sentar à mesa das

negociações, não sem antes também ter sido alvo de um puxão de orelhas do Primeiro-Ministro e do Presidente

da República.

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Também prometeu criar incentivos para aumentar a atratividade das carreiras.

O que é que aconteceu? Nada, Sr. Ministro.

Agora, em janeiro de 2023, vem o Primeiro-Ministro anunciar que o outro Costa, o Sr. Ministro da Educação,

vai apresentar novamente mais um conjunto de propostas para resolver o problema dos professores e da casa

às costas. Oxalá tenha sucesso nessa missão.

O Sr. Ministro da Educação: — Muito obrigado!

A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — O PSD está solidário com os professores e com a comunidade educativa e

aguarda, naturalmente, a conclusão das negociações. Mas, de acordo com as reações já conhecidas, Sr.

Ministro, tememos estar perante um conjunto de «nadas», o que é muito poucochinho.

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O País reclama que a profissão de professor seja dignificada.

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.

É para relembrar, Sr. Deputado, porque o PS costuma ter normalmente momentos de amnésia coletiva nesta

Casa.

Aplausos do PSD.

Os portugueses desejam que a escola aconteça, que a educação seja tratada como um pilar da democracia

e que seja reconhecida a missão do professor.

Mas não podemos deixar de continuar a perguntar, Sr. Ministro: vai ou não valorizar a carreira docente

através da estabilidade profissional? Vai ou não adotar medidas para contrariar a falta de professores, atrair

novos profissionais e reforçar a formação inicial de professores? Vai ou não apresentar medidas para voltar a

atrair os professores profissionalizados que, entretanto, saíram do sistema de ensino? Vai ou não iniciar a

discussão sobre o modelo de avaliação docente, valorizando a profissão e a carreira? Vai ou não valorizar o

salário no início da carreira docente? Vai ou não criar incentivos fiscais e salariais para a fixação de docentes

nas zonas de baixa densidade e nas grandes metrópoles? Vai ou não diminuir a carga burocrática? É desta vez

que vai ou não? Ou vamos continuar a assistir a sorrisos irónicos quando falamos de coisas sérias, da

democracia e do futuro do País, em Portugal?

Ontem apresentou um pacote de medidas, Sr. Ministro, mas faltou-lhe dizer se os professores têm condições

para acreditar que é desta vez que vai contrariar sete anos de solidão e sete anos de um monólogo…

Aplausos do PSD.

… em que não ouviu ninguém e não esteve disponível para resolver nenhum dos problemas da classe

docente.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É perguntar aos sindicatos se deixam!

A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Para já, sabemos que, até hoje, a política educativa do Governo não merece

outra coisa senão um chumbo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o

Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Reitero aquilo que lhe disse —

em 12 anos, 20 € de aumento. Pergunto-lhe se isto faz sentido em alguma profissão deste País. Em 12 anos,

20 € de aumento!

Por isso, a conversa do PS de que recuperou dois anos quando tinham sido perdidos nove é o mesmo que

tirar os televisores todos da casa de alguém, levá-los para o quintal e depois trazer dois para dentro e dizer:

«Vejam como nós somos bons, voltámos a pôr dois televisores dentro da vossa casa.»

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Quantos televisores é que tem em casa?!

O Sr. André Ventura (CH): — Isto é o que o PS faz aos profissionais de educação.

Sr. Ministro, desde 1 de setembro, entraram 2000 pedidos de substituição por baixa médica — 2000, desde

1 de setembro! 60 000 alunos começaram o ano sem aulas a alguma disciplina. Em 2010, tínhamos quase

180 000 professores e, em 2010, era Governo o Partido Socialista. Em 2021, temos pouco mais de 150 000 e é

Governo o Partido Socialista.

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Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

Aproximadamente 30 000 professores foram emigrando, foram saindo por responsabilidade deste Governo.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): ⎯ Quando era do PSD batia palmas!

O Sr. André Ventura (CH): — E, por isso, é algo incrível ver como a esquerda se mobiliza para defender o

Partido Socialista. Tivemos até o Deputado do Livre — que não para de ser o porta-voz do PS! — a dizer: «Ai,

eles querem destruir a escola pública.»

Mais, quando veio ao debate do Orçamento do Estado, trouxe oito propostas para a educação.

Aplausos do CH.

O trabalho de Rui Tavares sobre a educação é isto: oito propostas. Olhe, Sr. Deputado, são mais de 60 as

que este grupo, aqui atrás de mim, fez! Isto para o senhor aprender como é que se trabalha na educação.

Aplausos do CH.

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

Sr. Ministro, a uma esquerda que não trabalha nem quer trabalhar, nós continuaremos aqui a exigir respostas

e vamos exigir que dê resposta aos milhares de professores que continuam sem ter um futuro à vista.

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.

Agressões, futuro, carreiras: a responsabilidade é sua, mas se não consegue resolvê-la, tem um caminho

fácil:…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É sair!

O Sr. André Ventura (CH): — … a porta é por ali e a saída do Parlamento é mesmo aqui perto.

Aplausos do CH.

O Sr. Rui Tavares (L): — Eu sou Deputado único! É matemática, vocês são 12!

O Sr. André Ventura (CH): — Anda aqui para o meio!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação, João Costa.

O Sr. Ministro da Educação (João Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vimos a este debate

num momento de contestação por parte dos professores, que nos preocupa e que acompanhamos pela sua

insatisfação, mas também pela perturbação que estas greves têm trazido a todos nós — às famílias e, em

particular, aos alunos.

Vimos a este debate a requerimento de um partido, o Chega, cujo programa eleitoral fui ler com interesse. O

programa com que o Chega se apresentou nas últimas legislativas diz o seguinte sobre carreiras de professores:

nada, rigorosamente nada!

Aplausos do PS.

Vozes do CH: — Oh!

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O Sr. Ministro da Educação: — É, pelo contrário, um programa que volta a afirmar a vontade de fazer da

escola pública apenas uma oferta, com o explícito, e aí bem referido, propósito de desviar dinheiros públicos

para as escolas privadas, como já se fez no passado,…

Protestos da Deputada do CH Rita Matias.

… no tempo em que o Sr. Deputado André Ventura ainda era militante do partido que governava, com muito

orgulho,…

O Sr. André Ventura (CH): — Isso é história!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E o Sócrates?!

O Sr. Ministro da Educação: — … e foi, em devido tempo, corrigido pelo Partido Socialista.

Aplausos do PS.

Ao contrário do Chega, os Governos do Partido Socialista não viraram as costas à escola pública.

Protestos do CH.

Assumem-na como uma das principais conquistas do Portugal democrático, no seu papel de abertura a todos,

não selecionando alunos à entrada, garantindo proteção e educação aos mais vulneráveis e constituindo-se

como o motor que fez com que Portugal tenha, hoje, um número nunca alcançado de licenciados, de

investigadores, de cientistas,…

A Sr.ª Rita Matias (CH): — No desemprego!

O Sr. Ministro da Educação: — … e que as empresas tenham inovação e tecnologia.

Foi com a escola pública que aqui se chegou.

Aplausos do PS.

O Governo está, nestes dias, em negociações com os representantes dos professores, dando prioridade

máxima à resolução de questões antigas:…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tem corrido bem!

O Sr. Ministro da Educação: — … acabar com a casa às costas, aproximando os professores dos lugares

onde desejam trabalhar, fixando-os em quadros de escola, reduzindo as áreas geográficas de colocação,

vinculando professores contratados, reconhecendo-os como necessidades permanentes do sistema,

valorizando a sua condição salarial e contribuindo com bons instrumentos de gestão para que a vinculação, a

fixação e a aproximação sejam também instrumentos poderosos para fazer face à falta de professores.

Por isso, colocámos em cima da mesa negocial a passagem dos atuais 10 quadros de zona pedagógica para

63,…

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro da Educação: — … garantindo, em mais de 95 % dos casos, distâncias máximas de 50 km,

indo mais além do que as propostas que nos foram apresentadas pelos sindicatos.

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A Sr.ª Susana Amador (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro da Educação: — Discutimos também a agilização dos mecanismos de permuta entre

professores, por mútuo acordo, para potenciar a aproximação à residência; a resolução dos problemas de

ultrapassagens nas colocações e vinculações; a estabilização dos professores em quadros de escola —

reservando os quadros de zona pedagógica para substituições e necessidades não permanentes das escolas

—; a fixação dos professores, interrompendo a obrigatoriedade de concorrer para quem está satisfeito com o

lugar de provimento, abrindo as vagas de forma dinâmica, à medida que forem surgindo; a alteração das

condições de vinculação, contabilizando o tempo de serviço acumulado e introduzindo um processo de

vinculação dinâmica que permitirá vincular, já este ano, mais de 10 500 professores, com o consequente

reposicionamento na carreira e valorização salarial.

Aplausos do PS.

Ao contrário do que a Sr.ª Deputada Joana Mortágua quer, o Partido Socialista já não quer mais vinculações

extraordinárias.

O Partido Socialista quer uma vinculação estrutural, permanente e definitiva,…

Aplausos do PS.

Vozes do CH: — Ah!

O Sr. Ministro da Educação: — … a introdução de três índices remuneratórios para os professores

contratados e a desburocratização da atividade dos professores.

Risos do Deputado do CH André Ventura.

O Governo está a resolver problemas antigos dos professores em boa-fé negocial, integrando sugestões e

propostas já recebidas nas reuniões anteriores, ouvindo a voz e as propostas dos professores, num movimento

de aproximação a várias reivindicações. Esta vontade de diálogo e negociação nunca foi interrompida.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Está a correr bem!

O Sr. Ministro da Educação: — É tempo de recuperar a serenidade, de continuar a negociar e, sobretudo,

de garantir que, após dois anos de pandemia,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — A culpa é da pandemia!

O Sr. Ministro da Educação: — … as escolas funcionam com normalidade, para que não tenhamos um

terceiro ano letivo com perdas nas aprendizagens.

Ouvimos de tudo, ao longo deste debate — retratos catastróficos da escola pública, que só desmerecem

também o trabalho dos profissionais, como se a escola pública não tivesse um passado e um presente de

sucesso.

Aplausos do PS.

Ouso dizer: muitos dos que aqui estão a criticar a escola pública estudaram, felizmente, na escola pública.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Mas quem é que falou na escola pública?

O Sr. Ministro da Educação: — Dá vontade de perguntar: como é que estão aqui? Como é que chegaram

aqui se a escola pública em Portugal é assim tão má?

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O Sr. André Ventura (CH): — Essa é boa!

O Sr. Ministro da Educação: — Ouvimos posições intransigentes, incompatíveis com a boa-fé de um

processo negocial, sem preocupação real com a sustentabilidade das medidas ou com outras carreiras,

aparentes solidariedades com os professores, de quem já lhes cortou vencimentos no passado, de quem lhes

cortou subsídios, de quem despediu 28 000 professores e agora vem apresentar uma solidariedade para tentar

comover.

Aplausos do PS.

Não, não perdemos a memória, Sr.ª Deputada Sónia Ramos.

O Chega, que convocou este debate, tem propostas? Não. O seu programa eleitoral mostra bem: não tem

nenhuma proposta para a carreira dos professores.

Protestos do CH.

O seu programa fala por si. Está, pois, como sempre, apenas a navegar a onda do descontentamento.

Do nosso lado, continuamos em diálogo…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Está a correr bem!

O Sr. Ministro da Educação: — … construtivo, sereno, e comprometidos com a resolução dos problemas.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Olhe para a reação dos professores!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Até se vão embora!

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, tem um pedido de esclarecimento, mas já não tem tempo para responder.

Presumindo que o Grupo Parlamentar do BE não abdica do seu pedido de esclarecimento, dou a palavra à

Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, em 2019, o Parlamento,

o Partido Socialista teve a oportunidade de devolver aos professores o tempo que tinha estado congelado. Aquilo

que aconteceu foi que o PSD cedeu à chantagem do Primeiro-Ministro e o PSD impediu, neste Parlamento, que

o tempo dos professores fosse recuperado.

É enternecedor ver a forma como o Chega vem aqui lavar a imagem do PSD neste processo,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … mas a verdade é que a direita traiu os professores em 2019.

Protestos do PSD e do CH.

Há uma pergunta que fica por responder no final deste debate.

Vozes do PS: — Há, há!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O Sr. Ministro das Finanças disse que da negociação com os professores

não pode resultar mais despesa permanente.

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Se esta afirmação do Ministro das Finanças é verdadeira, a negociação que o Ministro da Educação está a

fazer é uma fraude. E, portanto, o que lhe pergunto é se o Ministro da Educação está à frente de uma negociação

que é uma fraude, porque não se baseia na vontade explícita, clara e verdadeira de investir dinheiro na escola

pública.

O Sr. Ministro da Educação tem razão, a escola pública é um projeto de sucesso.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Mas não é para os filhos dele!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): —Mas esse projeto de sucesso depende, em grande parte, da capacidade de

resistência de professores altamente qualificados e de professores que estão, hoje, cansados e mal pagos.

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.

Quando o Sr. Ministro diz «evoluíram um ou dois escalões desde 2018 ou 2019», não é verdade; são

professores que evoluíram um ou dois escalões de há 15 anos para cá. São professores cansados, são

professores mal pagos.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — São estes professores que é preciso valorizar, para que a escola pública

continue a ser um projeto de sucesso.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E, portanto, termino, Sr. Presidente, com o apelo que fiz há pouco: Sr.

Ministro, faça o que tem a fazer, vá para as negociações com as respostas que sabe que os professores querem,

com as propostas que sabe que os professores sentem que são importantes para a valorização da escola

pública.

Não vá para as negociações com falsas partidas para, depois, poder retirar e dizer que já está tudo bem.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Renovo o pedido já feito anteriormente, pelo Sr. Presidente Adão Silva, de máxima

contenção nos tempos, pois temos uma longa tarde à nossa frente.

Para intervir no debate, tem agora a palavra o Sr. Deputado Gabriel Mithá Ribeiro, do Grupo Parlamentar do

Chega.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Neste momento, estou a olhar para o Deputado Filipe Melo!…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Temos 2 minutos! É só ver o tempo do Bloco!…

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Sr.as e Srs. Deputados: Em

2008 e, agora, em 2023, ocorreram as duas maiores manifestações de professores de sempre.

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.

Isto quer dizer que, entre 2008 e 2023, os professores não foram ouvidos pelos sucessivos Governos.

O Governo socialista sai deste debate de urgência a ter de devolver aos professores a dignidade das suas

carreiras, a recuperação integral do tempo de serviço e o fim das quotas no acesso aos quinto e sétimo escalões.

Aplausos do CH.

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O problema é que o Sr. Ministro da Educação e o Partido Socialista são os expoentes ideológicos de uma

ideia de escola equiparável à da União Soviética nos anos que antecederam a implosão do regime, em 1991.

Aplausos do CH.

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

Nos anos do fim, havia promessas apaixonadas sobre o futuro daquela república celeste, mas dentro e fora

da União Soviética já ninguém acreditava naquilo. Hoje, dentro e fora das escolas, já ninguém acredita na ideia

de escola do último meio século.

Não é viável uma escola pública com professores e técnicos operacionais desmotivados e mal pagos; um

Ministério da Educação povoado de serviços parasitários cuja extinção pouparia muito dinheiro;…

Aplausos do CH.

… currículos caríssimos e maus; metade dos professores em sofrimento físico e psicológico; indisciplina e

violência que batem recordes; facilitismo grosseiro na avaliação dos alunos;…

Vozes do PS: — Olhe o tempo!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — … burocracia patológica; faltas dos alunos justificadas de qualquer

maneira; edifícios escolares altamente degradados; falhas imperdoáveis nos apoios aos alunos com

necessidades educativas especiais;…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — … e desprezo indigente pelo ensino da música.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Verdade!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que um Governo socialista que

alimenta este caos há mais de sete anos tem um desprezo profundo pelos professores,…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É verdade!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — … pelos alunos e pela escola pública.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Termino já, Sr. Presidente.

À esquerda, queria dizer que vergonha é bater no peito e ter aprovado seis Orçamentos do Partido Socialista!

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Assim termina o debate de urgência e despedimo-nos do Governo.

Passamos ao ponto seguinte, relativo às declarações políticas.

A primeira declaração política pertence à Iniciativa Liberal e para proferi-la tem a palavra o Sr. Deputado João

Cotrim Figueiredo.

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O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este Governo do Partido

Socialista é culpado de três erros políticos, qual deles o mais grave.

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

Um: não explica o passado e a acumulação de casos, cujas origens ficam sempre envoltas em nebulosas, é

ilustrativo disso.

Dois: não cuida do presente, de que o colapso dos serviços públicos é o melhor exemplo.

Três: não prepara o futuro, porque não tem qualquer estratégia para que Portugal se adapte às mudanças

que vão sucedendo um pouco por todo o mundo.

Foi, em boa parte, por causa destes três erros que, em boa hora, há duas semanas, no dia 5 de janeiro,

apresentámos a nossa moção de censura, porque não acreditamos que o Governo do PS se possa regenerar.

Isso foi há duas semanas, e alguém dizia, em tempos, que «uma semana é uma eternidade em política»,

mas para o PS não é. Duas semanas são apenas mais dois períodos de tempo em que podem demonstrar a

degradação que grassa no Governo e também a degradação da cultura política que o PS instalou em Portugal.

Senão, vejamos. Nestas duas semanas apareceram as famosas 36 perguntas que iam evitar os casos no

Governo. Essas 36 perguntas bem podiam ter sido só três — que deviam, sempre, ter sido feitas a qualquer

individualidade convidada para o Governo —, que seriam estas: tem conflitos de interesses? Foi beneficiário de

fundos públicos? Tem problemas com a justiça?

Não me parece que fosse muito complicado terem feito isto e evitado alguns desses casos.

Nestes 15 dias apareceram mais dúvidas sobre a nomeação de um amigo da Secretária de Estado da

Administração Interna, na Câmara Municipal do Barreiro; demitiu-se um assessor do Primeiro-Ministro, ex-

Presidente da Câmara Municipal do Cartaxo; o Presidente da Câmara Municipal de Espinho foi detido por

corrupção; voltaram as dúvidas sobre a licitude do comportamento do atual Secretário de Estado das

Comunidades Portuguesas enquanto era Presidente da Câmara Municipal do Funchal; descobriu-se — e o

Parlamento também não ficou bem na fotografia — que a ex-Secretária de Estado da Saúde acumulava funções

de Deputada com funções, bem remuneradas, num grupo empresarial dependente do Estado; e soube-se,

ontem, que foram feitas buscas na Câmara Municipal de Lisboa para averiguar adjudicações suspeitas de

ligação a financiamento partidário, feitas durante a presidência de Fernando Medina a um ex-autarca do PS,

num processo que já começou há mais de cinco anos.

Finalmente, e muito provavelmente porque a IL teve a temeridade de perguntar ao Tribunal Constitucional o

que se passava, tivemos a indigitação da Presidente da Entidade para a Transparência, três anos e meio depois

da criação dessa entidade no papel, sem sabermos, ainda, se terá meios para fiscalizar milhares e milhares de

titulares de cargos públicos, que ficarão a seu cargo.

Perante este rol de casos mal esclarecidos, envoltos na tal nebulosa, está fundamentado aquilo a que

chamamos o erro número um, de que o PS não explica o passado.

Erro número dois: o PS não cuida do presente, porque enquanto o, chamemo-lo assim, «desgoverno do PS»

se ocupa do controlo de danos dos casos que se sucedem todos os dias, os problemas do dia a dia dos

portugueses acumulam-se.

Não vou, sequer, falar dos clássicos — saúde, educação e Segurança Social —, porque, quanto a estes,

nem o PS tem a lata de dizer que as coisas vão bem, mas vou acrescentar outros exemplos aos já sobejamente

conhecidos. Vou falar-vos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que deixou de funcionar e, assim,

impede cidadãos de regularizarem as suas vidas; da rede do notariado público, que também não funciona e

impede cidadãos de atualizarem documentos ou registarem transações; dos oficiais de justiça, cujo tratamento

escandaloso conduz ao estado calamitoso da própria justiça; do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) —

importante serviço público que pertence ao futuro Governo —, cujo relatório do ponto de contacto do Ministério

Público (MP) diz que a Comissão de Auditoria e Controlo do programa revela que a Inspeção-Geral de Finanças

validou o pagamento da segunda tranche do PRR sem o cumprimento de algumas metas que estavam

estipuladas.

Perante este rol crescente de serviços públicos em colapso, está fundamentado aquilo a que chamamos o

erro número dois, de que o PS também não cuida do presente.

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Tudo isto já seria grave, mas há ainda o erro número três. Enquanto o desgoverno do PS se ocupa do controlo

de danos dos casos que se sucedem todos os dias, o mundo à nossa volta vai mudando e nada de

verdadeiramente estrutural se altera em Portugal. Não há nenhuma estratégia para o futuro do País.

Por exemplo, o protecionismo está de volta. Em agosto, nos Estados Unidos, foi aprovado um pacote anti-

inflação; agora, na Europa, há um fundo soberano europeu; e qual é a estratégia de Portugal? Ninguém sabe.

As tensões geopolíticas estão a condicionar o acesso a matérias-primas fundamentais para o futuro, e qual

é a estratégia de Portugal? Ninguém sabe.

A demografia e as migrações são temas centrais para resolver o nó górdio do crescimento do País, e qual é

a estratégia de Portugal? A julgar pelo que se passou no debate de ontem, o PS não tem estratégia nenhuma.

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

Já para não falar de evoluções tecnológicas, como a inteligência artificial ou a fusão nuclear, cujo impacto se

verá nas décadas futuras. Qual é a estratégia de Portugal? Ninguém sabe.

Ninguém sabe qual é a estratégia, mas sabemos que sem uma continuaremos a cair em todos os rankings

que interessam, como aconteceu com a queda recorde de seis lugares no ranking de competitividade do IMD

(International Institute for Management Development), que se conheceu recentemente. O IMD era muito citado

pelo Governo, quando o resultado era bom, mas agora não se ouviu um pio. Portanto, o erro número três é o de

que o PS não prepara o futuro.

Resumindo: o PS não explica o passado; o PS não cuida do presente; e o PS não prepara o futuro.

É neste contexto, Sr.as e Srs. Deputados — já que esta é a minha última intervenção e última declaração

política enquanto Presidente da Iniciativa Liberal —,…

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Isso diz tudo!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — … que, desta tribuna, expresso o seguinte desejo: sempre que o

passado estiver por explicar, sempre que o presente estiver por cuidar e, sobretudo, sempre que o futuro estiver

por preparar a primeira e mais forte voz a dar o alerta continue a ser a da Iniciativa Liberal.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista quatro inscrições para pedidos de esclarecimento e presumo que o Sr.

Deputado responderá dois a dois.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos pelo Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr.

Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, em

primeiro lugar, queria saudá-lo porque, como disse, do alto da tribuna, esta é a sua última intervenção como

Presidente da Iniciativa Liberal. Queria saudá-lo, de forma democrática, pelo desempenho que sempre teve aos

comandos da Iniciativa Liberal.

Sabemos que temos as nossas desavenças políticas, mas também tivemos sempre cordialidade. Portanto,

queria saudá-lo por isso.

Aplausos do CH.

Queria registar que disse — e muito bem — que o Partido Socialista não cuida do presente, tal como não

cuidou do passado nem cuida do nosso futuro, que é o que nos preocupa mais.

Temos, realmente, o caos na saúde: vemos as maternidades fechadas e bebés a nascerem ou consultas de

obstetrícia realizadas a mais de 200 km de casa, o que é extremamente preocupante.

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Na educação é aquilo que vemos todos os dias. Tivemos aqui, há pouco, o Ministro da Educação que falou

do alto daquela tribuna, parecendo estar tudo bem. Mas, não! Não está tudo bem, em Portugal, com a educação,

bem pelo contrário. Existe um grande problema com a educação em Portugal, com milhares de alunos sem

aulas e milhares de professores sem trabalhar. Mais: onde é que os pais metem aqueles alunos?

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

Esse é que é o grande problema, porque isto da escola tem um problema associado, por trás, muito maior.

Depois, temos um Governo e um Partido Socialista que enganaram os nossos reformados, que, chegados a

janeiro, perceberam perfeitamente que foram enganados pelo Partido Socialista quando, em outubro, lhes disse

que lhes ia dar metade da pensão. Agora perceberam: «fomos enganados!»

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

E temos um Governo e uma bancada socialista de polémicas e mais polémicas. Vamos ver no que vão dar

— como o Sr. Deputado disse, e muito bem — as buscas na Câmara Municipal de Lisboa e o que vai acontecer

a Fernando Medina.

A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado, é em relação à moção de censura. É certo que a Iniciativa Liberal

fez, recentemente, uma moção de censura, que o Chega acompanhou, mas, em julho, já tínhamos feito uma

moção de censura a este Governo, porque percebemos claramente que este Governo não serve ao nosso País,

não serve a Portugal.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Pergunto-lhe, Sr. Deputado: porque é que, nessa altura, a Iniciativa Liberal não

acompanhou o Chega? Não tinha percebido ainda que Governo era este que tínhamos em Portugal?

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Hugo

Patrício Oliveira, do Grupo Parlamentar do PSD, que dispõe de 2 minutos.

O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero também saudar o Sr.

Deputado João Cotrim Figueiredo — que continuará connosco, mas não tendo a função de liderança do seu

partido — e agradecer-lhe pelo seu empenho e, acima de tudo, pelo contributo que deu para a democracia no

nosso País.

Sr. Deputado, não há uma segunda volta de uma moção de censura, mas, de facto, aqui, devemos fazer

claramente o escrutínio ao Governo. Neste caso, também não há como esconder: o Governo está como os

serviços públicos, um verdadeiro caos!

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Muito bem!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Isso não é linguagem do Chega?

O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — É um Governo sem autoridade, um Governo que esconde a verdade,

como ainda ontem ouvimos, na audição da CEO (chief executive officer) da TAP.

Aplausos do PSD.

Por falar na TAP, Sr. Deputado, quando se atira dinheiro para cima de um problema quase sempre o que

desaparece não é o problema, e este é, verdadeiramente, um desses casos, que temos em Portugal.

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O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Agora é que vemos o PSD!

O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — É um Governo que tem professores na rua, escolas fechadas, pais

e alunos a desesperarem, mas não consegue dar resposta.

É um Governo que tem o SNS (Serviço Nacional de Saúde) num desnorte autêntico.

Mais: na verdade, já não temos um Governo, temos um dominó. Basta ver como eles vão caindo, um a um!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, termino como comecei: o Governo está como os serviços públicos, um verdadeiro caos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, dispondo de 3 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim

Figueiredo.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados Pedro Pinto e Hugo

Oliveira as questões que levantaram e as palavras que amavelmente me dirigiram, mas o que interessa é o

partido, que continua, e não as pessoas que o lideram.

De facto, Sr. Deputado Pedro Pinto, eu poderia não ter gastado 6 minutos, porque nem 16, 26 ou 56 minutos

chegariam para listar os inúmeros problemas que estamos a viver nos serviços públicos, muitos dos quais o Sr.

Deputado fez o favor de aqui recordar. O mais grave é que andamos a falar disto há três anos — desde que cá

estou no Parlamento, certamente — e o que vemos é uma total negação da parte do PS relativamente à

natureza, à profundidade e à dificuldade destes problemas. Pior: vemos uma total incapacidade e

indisponibilidade para considerar reformas estruturais.

Quando os problemas são de fundo, Srs. Deputados do PS, quando os problemas são estruturais, só com

reformas estruturais é que eles se resolvem, mesmo que o vosso Secretário-Geral diga que as palavras

«reformas estruturais» o arrepiam. Mesmo assim, é a única maneira de os resolver.

Aplausos da IL.

E, sim, foi a sucessão deste tipo de problemas que não têm solução à vista e que, aparentemente, o PS não

tem interesse em resolver que nos levou a apresentar a moção de censura, aqui, há 15 dias. Tivemos nessa

moção de censura uma posição diferente da posição que tivemos em julho e a razão é simples: em julho tinha

o Governo 3 meses de idade, não tinha nenhum destes casos em cima da mesa e, portanto, podíamos discordar

das suas políticas, mas, pessoalmente, não acreditei que fosse possível uma maioria absoluta ser malbaratada

em nove meses.

Foram 13 ou 14 demissões em escassos nove meses e uma total incapacidade do Governo para se

regenerar. Foi por isso que achámos que a altura certa era no Ano Novo e foi aí que apresentámos a moção de

censura.

Não gastámos o «cartucho» cedo demais e tenho a certeza de que se o Chega tivesse guardado esse

«cartucho» para esta altura, provavelmente, teríamos tido mais moções de censura.

Já agora, indo direito à pergunta do Deputado Hugo Oliveira, não sendo esta uma segunda volta da moção

de censura, gostava de acreditar que se o debate da moção de censura fosse hoje talvez a posição do PSD não

fosse a de abstenção, porque é evidente para quem queira ver que, com a situação em que está, Portugal não

aguenta este tipo de governação nem mais um dia.

Aplausos da IL.

Sr. Deputado, uma vez que falou no caso da TAP, aproveito para dizer no Plenário, com todas as letras, que

ninguém pode negar que foi a Iniciativa Liberal que, desde o primeiro momento, se opôs mais vocalmente, mais

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inequivocamente à injeção de 1 € que fosse na TAP, porque já sabíamos o que iria acontecer. Sim, atirar dinheiro

para cima do problema conduz, normalmente, ao desaparecimento do dinheiro e não do problema.

Mas deixe-me dizer-lhe mais, sobre um tema de atualidade. Esteve ontem neste Parlamento a Sr.ª Presidente

da Comissão Executiva da TAP.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Vou concluir com este tom sério, Sr. Presidente, porque esta matéria

é da maior gravidade.

Ela foi questionada 20 vezes — 20 vezes! — sobre a natureza da rescisão do contrato da Eng.ª Alexandra

Reis e por 20 vezes se recusou a responder. Eu não sei de que é que o Governo, que o Partido Socialista apoia,

está à espera para tirar daí as conclusões e tirar de lá também esta direção executiva de ataque, que não serve

os interesses da companhia.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado

Carlos Pereira, do PS, dispondo de 2 minutos.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cotrim Figueiredo, em primeiro lugar, nesta sua

última intervenção, queria desejar-lhe, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, as melhores

felicidades pessoais e profissionais daqui para a frente.

Indo diretamente ao tema, diga-se, em abono da verdade, que, como última intervenção, ficou bastante

aquém das expectativas. Foi um discurso requentado da censura que fizeram, cujo resultado todos nós

conhecemos.

Mas permita-me falar de algo que me parece muito importante e que, de alguma forma, tem a ver com o

trajeto da Iniciativa Liberal, que o Sr. Deputado tem liderado. Julgo que, ao longo destes últimos anos, há na

sociedade portuguesa — tendo em conta a expectativa criada pela Iniciativa Liberal — o sentimento de que as

políticas liberais são sinal de uma espécie de destruição dos valores da sociedade que foram conquistados nos

últimos anos em Portugal.

Aliás, se começarmos a pensar no contexto que vivemos, que o Sr. Deputado referiu algures na sua

intervenção, percebemos que, no contexto atual, as ideias liberais não sobrevivem a nenhum dos problemas

que temos. Basta lembrar o problema que tivemos com a pandemia, em que as ideias liberais não sobreviveriam.

Se não tivéssemos um Serviço Nacional de Saúde, dificilmente teríamos ultrapassado a pandemia da forma

como ultrapassámos. O mesmo no que diz respeito à escola pública: se fossemos esperar pelas ideias liberais

também não teríamos superado as dificuldades como superámos.

Mas há mais: temos uma guerra. Hoje, temos inflação decorrente da guerra e também consequência da

pandemia, que, como sabe, trouxeram um conjunto de problemas.

Protestos do Deputado do CH Filipe Melo.

E os problemas não foram resolvidos pelo mercado, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

Os problemas não foram resolvidos pelo mercado, como os senhores defendem sucessivamente, e são os

senhores, curiosamente, que vêm a esta Casa pedir, sistematicamente, que o Estado intervenha porque o

mercado falhou.

Portanto, acho que o insucesso que a Iniciativa Liberal tem sentido, que levou à sua demissão…

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado!

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O Sr. Carlos Pereira (PS): — … e que está a levar a alguma contrariedade no seu partido é, precisamente,

porque não tem tido o resultado que esperavam, não tem tido as políticas que deveriam ter e não tem resolvido

os problemas que os senhores diziam que resolviam.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Aliás, pelos senhores, faríamos estratégias todos os dias para resolver os

problemas de Portugal.

O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera,

do PCP, que dispõe de 2 minutos.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado… da Iniciativa Liberal…

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — João!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — … João Cotrim Figueiredo.

Risos.

A Iniciativa Liberal traz aqui um tema, começando a sua intervenção a falar sobre a promiscuidade entre o

poder político e o poder económico, a falta de prioridade ao interesse público, algo que corrói e mina a nossa

democracia.

Mas não é precisamente isso que a Iniciativa Liberal defende? Não defende a primazia do poder económico

sobre o poder político e o poder dos decisores do Estado? Não estará a Iniciativa Liberal com dificuldade em

mostrar que diferença teria relativamente ao Governo?

O Governo e o PS recusam, por exemplo, controlar o preço do cabaz dos bens alimentares; fazem a maior

transferência de trabalho para o capital alguma vez feita; entregam dinheiro do Orçamento do Estado

diretamente para o bolso dos grupos económicos — veja-se a Navigator, com 10 milhões de euros, mais 18

milhões de euros do PRR, ou olhemos para as concessionárias das autoestradas e das pontes, com 140 milhões

de euros —; recusam o aumento dos salários; recusam o aumento do salário mínimo; mantêm todos os

mecanismos que promovem e estimulam a precariedade; à pala da ausência de soluções para a falta de pessoal

— enfermeiros, médicos, assistentes operacionais —, o Governo está, na prática, a entregar a saúde, a

educação e os serviços públicos ao negócio; querem privatizar a TAP; não mexem na lei do arrendamento; e

mantêm a habitação na lógica do mercado com os resultados gloriosos que se conhecem.

Meus senhores, até o Presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal) afirmava que votava

favoravelmente o Orçamento do Estado para 2023! Isto leva-nos a questionar o seguinte: o que é que a Iniciativa

Liberal quer mais da vida?!

Fraco investimento público? Temos.

Desregulação das relações de trabalho? Temos.

Privatização das empresas estratégicas? Temos.

Liberalização dos mercados da habitação ou da energia? Temos.

Liberalização dos preços, entrega da educação e da saúde ao privado e ao mercado? Temos.

Redução da carga fiscal para grandes empresas e grupos económicos? Temos, também!

Sujeição à lógica do défice e da despesa pública? Aqui está, à vista!

Portanto, quem tem de se queixar não é a Iniciativa Liberal nem os interesses que a Iniciativa Liberal defende.

Quem tem de se queixar são os trabalhadores e o povo, são os estudantes, os professores, os trabalhadores

do SNS, da justiça, das forças de segurança, os micro, pequenos e médios empresários, são os utentes dos

serviços públicos.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

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A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sim, Sr. Presidente.

Não estará a Iniciativa Liberal com dificuldade em encontrar políticas que a diferenciem verdadeiramente do

Governo e do Partido Socialista, quando se impõe uma política de saque e de sacrifícios para a maioria ao

mesmo tempo que se protegem os interesses e os lucros de uma pequeníssima minoria?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, dispondo de 3

minutos.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito obrigado pelas vossas

questões.

Sr.ª Deputada Alma Rivera, muito obrigado pela questão que levantou. Não vai levar a mal, mas vou dizer-

lhe que deu um ótimo exemplo de porque é que o PCP não consegue sair do caixote de lixo da história. É

porque, perante os factos, em vez de olhar para eles e de tentar uma interpretação que tenha a ver com os

factos, inventa outra coisa qualquer.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Não, não!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Facto: quem apresentou uma moção de censura? A Iniciativa Liberal

— só pode estar de acordo com o Governo!

Quem é que se opôs sempre à injeção de dinheiro numa empresa como a TAP? A Iniciativa Liberal — só a

pode querer…

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Exato! Privatizar.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Mas não é por a TAP ser pública, é porque foi essa injeção que

permitiu que acionistas como o Sr. Neeleman levassem 55 milhões de euros para casa, porque o Estado lá

meteu dinheiro, de outra forma não o teriam feito.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Na Navigator, nas concessionárias!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Quem é que se bateu sempre contra qualquer injeção de qualquer

euro na banca? Quem foi?! A Iniciativa Liberal.

Isso é defender a primazia dos interesses económicos sobre os interesses políticos? Está muito enganada,

Sr.ª Deputada, muito, muito enganada, e é por isso que o PCP não consegue sair desse caixote do lixo da

história.

Aplausos da IL.

Sr. Deputado Carlos Pereira, muito obrigado pelas palavras que me dirigiu, embora eu tenha a sensação de

que se vai arrepender das felicidades profissionais que me desejou.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): ⎯ Ah, temos candidato à presidência da República!…

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Então porquê, Sr. Deputado?! Não me diga!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Acho que sim, acho que sim, a menos que haja uma dose de

masoquismo no seu desejo, mas acho que não há.

E não confunda requentada com reiterada! Também há dias em que já nem me posso ouvir,…

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Risos da IL.

… mas a verdade é que não há hipótese de fazer com que os senhores ouçam senão repetindo a mesma

coisa mil vezes!

Aplausos da IL.

Não vou fazer a comparação entre o nível da sua pergunta de hoje com o nível de outras perguntas que já

me fez no passado, mas não posso deixar passar uma coisa que me toca um bocadinho mais — digamos assim

—, que é a questão da destruição de valores que o liberalismo representa em Portugal.

Risos do Deputado do PSD Luís Gomes.

Sr. Deputado, não foi assim há tantos meses que estivemos aqui a celebrar o bicentenário da Constituição

de 1822 e, quase por unanimidade — quanto ao «quase» também sabemos a quem nos referimos —,

declarámo-nos todos herdeiros, tributários dessa herança dos valores liberais.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Essa filosofia política está esquisita!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Eram demasiado pouco liberais para aquilo que hoje seria o nosso

entendimento.

Protestos do PS.

Não me venham dizer que há destruição desses valores, a menos que o PS esteja a olhar para o espelho e

a dizer que o PS que se bateu contra as ditaduras e que se bateu contra os extremismos a seguir à revolução

desapareceu — esse PS, que se recusa a votar no Plenário contra a condenação de regimes comunistas, ao

contrário do Grupo Parlamentar do Partido Socialista no Parlamento Europeu.

Aplausos da IL.

E quanto ao mantra, já muito repetido, de que foram os sistemas estatais de saúde e educação que valeram

a Portugal durante a pandemia, Sr. Deputado, recomendo-lhe que veja os relatórios sobre como é que cada

país da Europa reagiu, quer em termos de atrasos na aprendizagem, quer em termos de resposta aos problemas

de saúde, e veja que tipo de políticas têm os países que estão no topo desse ranking. Os países liberais, com

políticas liberais, reagiram muito melhor à pandemia do que nós.

Protestos do Deputado do PS André Pinotes Batista.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — E se é uma questão de defender apoios durante a pandemia, nós

achamos que o dinheiro que o Estado vai buscar às pessoas em tempos de vacas gordas deve depois devolvê-

lo no tempo de vacas magras.

E posso também devolver-lhe a acusação de que o PS…

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, esta pergunta é retórica e vou deixá-la à Mesa: o PS

defende a limitação de movimento das pessoas e o confinamento em casa? É que se é esse o vosso valor,

também o infringiram durante a pandemia. Ou não?!

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Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — É agora a vez de o PCP fazer a sua declaração política. Para o efeito, tem a palavra o

Sr. Deputado João Dias, que dispõe de 6 minutos.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas de acesso aos cuidados de saúde

não são conjunturais ou episódicos, são estruturais e crónicos. Problemas que se agravam todos os dias por

falta de respostas, em certa medida respostas elementares, mas fundamentais, das quais se destaca a

desvalorização intencional de todos os profissionais de saúde.

Sim, Srs. Deputados, a desvalorização dos profissionais de saúde é intencional por fazer parte da espinha

dorsal da estratégia que os grupos económicos têm, com a conivência dos sucessivos Governos, de fazer do

setor da saúde um negócio.

Para o PCP, o caminho é claro e inverso àquele que tem sido seguido. Ou seja, só com um verdadeiro e

considerável reforço do investimento no Serviço Nacional de Saúde será possível acabar com o elevado número

de utentes sem médico de família e com os elevados tempos de espera para consultas, cirurgias, tratamentos

e exames, bem como de pôr fim à indigna desvalorização dos profissionais de saúde e aos equipamentos

obsoletos e à degradação ou desadequação das instalações.

Srs. Deputados, podemos mesmo afirmar, com toda a segurança, que se prevê para 2023 um agravamento

da situação da saúde em Portugal. Isto, a avaliar pelas medidas anunciadas e implementadas pelo Governo,

que não respondem às dificuldades sentidas pelo SNS.

Senão, vejamos: em resposta às enormes dificuldades sentidas nos serviços de urgência de ginecologia e

obstetrícia e nos blocos de partos, que por todo o País encerram temporariamente por falta de recursos

humanos, o Governo anunciou, recentemente, que irá proceder à reorganização das urgências de ginecologia

e obstetrícia. Aliás, solução que quer estender a outras especialidades — tememos que, praticamente, a todas,

uma vez que as carências são generalizadas e não apenas de uma ou outra especialidade médica.

Igualmente, além dos problemas que os serviços de urgência de especialidades enfrentam, não se pode

deixar de atender aos problemas que existem nos serviços de urgência geral, onde, de uma forma geral, os

utentes são confrontados com tempos de espera muito superiores aos desejados.

A este respeito, o Governo equaciona aplicar o mesmo modelo de rotatividade de urgências que aplicou nas

urgências de ginecologia e obstetrícia. Ou seja, os serviços de urgência geral irão ter este modelo aplicado,

deixando antever que também aqui se prepara uma reorganização das urgências gerais, o que, garantidamente,

não irá no sentido do aumento das respostas, mas, sim, numa redução dos serviços de urgência disponíveis.

Trata-se de soluções que, além de não os resolverem, ainda deixam que os problemas se agravem mais,

uma vez que não resolvem o que está na sua origem, que é a enorme carência de profissionais de saúde, em

particular de médicos. Por isso mesmo, a principal solução passa por garantir a contratação e colocação de mais

profissionais de saúde.

Na verdade, o que o Governo tem em curso é um verdadeiro processo de encerramento e concentração de

serviços que não serve, de maneira nenhuma, as necessidades da população. O Governo pode até afirmar que

são medidas temporárias, contudo, o que se vai percebendo é que, de facto, têm por trás um claro objetivo de

as tornar definitivas, o que só beneficia os interesses dos grupos privados da doença.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, por estes dias, o Governo anunciou alguns apoios à fixação de jovens

médicos internos apenas em algumas zonas carenciadas do País: Bragança, Guarda, Covilhã, Castelo Branco,

Portalegre, Santiago do Cacém e Beja, mas é, por demais evidente, muito à custa das autarquias.

Contudo, o Governo continua a «passar como cão por vinha vindimada», ao lado das questões de fundo,

que são os salários e as carreiras, como se pode comprovar, aliás, pelo adiamento das negociações com os

sindicatos dos médicos — foge às soluções necessárias!

Mas também não se percebe por que razão deixa de fora zonas fortemente carenciadas, como as regiões

do Tâmega, do Sousa, de Aveiro, de Lisboa e Vale do Tejo ou ainda do Algarve. É que as dificuldades de fixação

de médicos são um problema transversal a todo o País e ao SNS, de norte a sul, do litoral ao interior.

Outra questão que importa resolver diz respeito à aplicação das regras de descongelamento da carreira de

enfermagem, onde se verificam imparidades e injustiças que urge resolver. É o caso dos enfermeiros que foram

promovidos à categoria de especialista por concurso e a quem foram anulados os pontos anteriores à transição

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para a categoria, ao passo que os enfermeiros que transitaram automaticamente para a categoria de

especialista, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, veem acautelada — e bem, Srs. Deputados! — a relevância

das avaliações de desempenho anteriores.

Agora, também é preciso responder às posições virtuais, nomeadamente naquilo que tem a ver com a

necessidade de elas estarem a resultar das regras de descongelamento da carreira de enfermagem, que estão

a impedir a justa progressão. E também é preciso responder ao problema que existe quanto à contabilização e

à retroatividade dos pontos descongelados a 2018, e não a 2022, como o Governo está a proceder.

Srs. Deputados, no que diz respeito à saúde pública, mantêm-se as condições de grande debilidade da sua

estrutura, depauperada nos seus meios, nomeadamente humanos.

Durante anos, permitiu-se que a estrutura da saúde pública fosse profundamente desvalorizada, mas a

pandemia veio também comprovar a sua importância. Porém, o Governo ignorou olimpicamente a Comissão

para a Reforma da Saúde Pública e o relatório que esta entregou. O Sr. Ministro nunca reuniu com a comissão,

o que, naturalmente, levou à demissão desta por falta de apreciação do seu relatório e das suas propostas.

Não podemos aceitar que se lembrem da saúde pública apenas quando temos uma pandemia ou um surto

de legionela. Urge que os problemas na área da saúde pública sejam resolvidos e seria importante que o

Governo começasse por ouvir os profissionais de saúde pública.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos. Como pretende

responder, Sr. Deputado?

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, dois a dois.

O Sr. Presidente: — Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro

Frazão, do Grupo Parlamentar do Chega.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Dias, do Partido

Comunista Português, parece que o senhor acordou agora de um coma profundo! Os eleitores tentaram tirar o

suporte de vida ao Partido Comunista, os senhores viram diminuir grandemente a vossa base eleitoral e agora,

de repente, parece que acordaram para os problemas da saúde, esquecendo que aprovaram seis Orçamentos

do Estado.

É verdade, Srs. Deputados do Partido Comunista, desculpem estar sempre a bater na mesma tecla,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já não tem mais teclas!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — … mas é inadmissível que vão à tribuna lamentar-se de tudo o que

foi feito nas políticas de saúde deste País nos últimos anos e estejam a tentar ignorar que aprovaram, juntamente

com o Partido Socialista e com o Bloco de Esquerda, as políticas de saúde que têm vindo a afundar o SNS. A

ruína do SNS também é culpa do Partido Comunista Português.

E o que temos na ruína do SNS em Portugal? Temos mais de 4 milhões de portugueses que já passaram

para o privado, porque tiveram de suprir as suas necessidades com um seguro de saúde ou com um sistema

privado de saúde, como é, por exemplo, a ADSE (Instituto de Proteção e Assistência na Doença).

As maiores maternidades da região de Lisboa e Vale do Tejo são privadas, já mais de um terço dos

nascimentos em Lisboa e Vale do Tejo são feitos em maternidades privadas porque as mulheres que querem

planear a sua maternidade, segura e confortável, fazem um seguro de saúde quando pensam em engravidar.

E, Sr. Presidente, Srs. Deputados, quando todos nós queremos uma consulta de especialidade — seja de

oftalmologia, seja de ortopedia, seja em dermatologia, qualquer que seja a especialidade —, com franqueza,

digam a verdade: quem é que não vai recorrer à medicina privada para ter uma consulta de especialidade?

Quantos Srs. Deputados é que ficam a aguardar nas listas de espera por uma consulta de especialidade?

Ponham os braços no ar — zero, ninguém!

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Quantos Srs. Deputados ficam em lista de espera para uma cirurgia no sistema público? Nenhum, zero,

ninguém! Todos nós recorremos à medicina privada e os Srs. Deputados do Partido Socialista também o fazem,

com toda a certeza, e até há fotografias disso na comunicação social.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sim, Sr. Presidente.

Sr. Deputado João Dias, para terminar, deixo-lhe uma pergunta: porque é que, reiteradamente, os Srs.

Deputados do Partido Socialista não acompanham as propostas do Chega na proteção do Serviço Nacional de

Saúde?

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Pergunte isso ao PS!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Porque é que não acompanham as propostas do Chega na

remodelação e na valorização das carreiras e têm um preconceito ideológico contra as nossas propostas, não

olhando ao que está lá escrito, mas sim à chancela do partido Chega?

Aplausos do CH.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Pergunte isso ao PS!

O Sr. Presidente: — O segundo pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do

Grupo Parlamentar do BE.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Dias, registo

a sua declaração política e o elencar dos diversos problemas que os serviços de saúde, atualmente, enfrentam,

mas queria acompanhar, em particular, a denúncia da falta de vontade do Governo em valorizar o Serviço

Nacional de Saúde. Senão, vejamos: algumas das coisas que estão a ser feitas são para desmantelar serviços

de saúde e não para melhorar a resposta às pessoas.

Pergunto ao Sr. Deputado o que lhe parece esta ideia de termos de fazer mais com menos, o que, na prática,

não resolve a necessidade de contratação de especialistas no SNS e vai cortando — como o exemplo que deu

da obstetrícia — serviços de urgência em várias zonas do País. Em vez de se fazer uma escala rotativa de

profissionais, temos uma escala rotativa de encerramentos, reduzindo o acesso das pessoas a esses serviços.

Faz sentido esta indeterminação, quando se diz que o que ser é salvar o Serviço Nacional de Saúde? Não,

o que se está a dizer às pessoas é: «Desenrasquem-se, porque o Governo não está cá para trazer soluções,

mas para trazer complicações.»

E o mesmo acontece na parte dos profissionais. O Governo rejeita todas as propostas para a valorização

dos profissionais de saúde, rejeita tudo o que propusemos, como por exemplo no último Orçamento do Estado;

acaba o período de estágio dos internos; entra, depois, a fase para contratação e é o próprio Governo que

demora meses a abrir esses concursos.

Diz-nos o Governo: «Não há problema, porque eles continuam lá pelos hospitais.»

Sr. Deputado, uma vez que até já foi profissional de saúde, pergunto-lhe se é assim a realidade nos hospitais.

Pergunto-lhe se o que as pessoas procuram não é estabilidade na sua vida e se, quando lhes dizem «acabou

aqui o seu tempo de serviço, mas pode ficar mais uns meses e logo se vê quando é que abre o concurso», o

que pensam não é se têm de procurar outro sítio para trabalhar. É, com certeza! Para a formação da sua

estabilidade na vida, para garantirem o planeamento familiar, para garantirem a estabilidade de que todos os

trabalhadores e trabalhadoras precisam e que merecem.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Para terminar, Sr. Presidente, pergunto também ao Sr. Deputado se não

é destas escolhas do Estado que, depois, os próprios privados beneficiam.

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Na verdade, às vezes até parece que quem toma estas decisões pelo Estado as está a tomar em benefício

dos privados.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados Pedro Frazão, do Chega, e Pedro

Filipe Soares, do Bloco de Esquerda as questões que me dirigiram.

Quero responder com muita clareza ao Sr. Deputado Pedro Frazão, do Chega, quando questiona porque é

que o PCP não acompanha as propostas do Chega. É porque, de facto, elas não são a favor da defesa do

Serviço Nacional de Saúde.

Mas também devo, de certa forma, devolver-lhe a pergunta com uma outra questão

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Não disponho de tempo para responder!

O Sr. João Dias (PCP): — Não sei se o Sr. Deputado está a falar da proposta que o Chega tinha para que

se eliminasse essa importante solução para a vida dos portugueses que é a de disporem de um serviço público

de saúde, o Serviço Nacional de Saúde, ou se está a falar de, depois, ter querido disfarçar essa proposta — que

mantêm, porque o objetivo é o mesmo —…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não é!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — É, é!

O Sr. João Dias (PCP): — … de acabar com o Serviço Nacional de Saúde, ainda assim, mantendo propostas

que, claramente, vão no sentido de entregar, ainda mais, os cuidados de saúde em Portugal aos privados.

Claramente, Sr. Deputado, não acompanhamos essa proposta.

Mas permita-me também que lhe diga, para desmontar a ideia dos seguros de saúde, para que, de uma vez

por todas, se entenda o que se passa nos seguros de saúde. Cá está um exemplo: os senhores defendem os

seguros de saúde, logo, acabam com a resposta pública.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Isso é mentira!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Está lá escrito!

O Sr. João Dias (PCP): — Mas quero dizer-lhe o seguinte: neste momento, os seguros de saúde em Portugal

não são uma opção deliberada, são impostos às pessoas através de outras opções, desde o crédito à habitação

até às comunicações móveis.

Essas soluções são impostas e, por isso, aquilo que achamos é que os seguros de saúde não servem,…

Protestos do Deputado da IL Carlos Guimarães Pinto.

… desde logo pela lógica subjacente, porque na lógica dos seguros de saúde está o lucro e não os serviços

que devem beneficiar a população.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É, é!

O Sr. João Dias (PCP): — E quando as coisas se complicam nomeadamente nos partos, é para o Serviço

Nacional de Saúde que vão.

Vozes do PCP: — Exatamente!

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O Sr. João Dias (PCP): — Por isso lhe digo, Sr. Deputado, que o melhor seguro de saúde para os

portugueses é o SNS.

Aplausos do PCP.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): ⎯ Tem corrido bem, tem!

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, de facto, tem toda a razão quando caracteriza

aquela que tem sido a postura dos grupos económicos da doença.

Aliás, permita-me que lhe diga que os grupos económicos da doença não têm qualquer interesse na

prevenção da doença nem na promoção da saúde, porque isso era acabar com a galinha dos ovos de ouro, que

é, de facto, a assistência na doença e daí obter lucros brutais.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Dias (PCP): — Mas a verdade é que houve uma estratégia deliberada, quer dos grupos

económicos, quer das políticas seguidas por PS, PSD, CDS e, agora, os seus sucedâneos, que vêm, ainda com

mais força, vincar a importância dessa estratégia de transferência de cuidados de saúde para o privado.

Aliás, ao dia de hoje, mais de 40 % do Orçamento do Estado vai diretamente para os bolsos dos grupos

privados da saúde.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Dias (PCP): — Mas essa estratégia passou, deliberadamente, por desvalorizar os recursos,

nomeadamente os recursos humanos, transferindo-os para o privado e desvalorizando a resposta pública.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. João Dias (PCP): — Concluo, Sr. Presidente.

Por isso, sempre que um português recorre a um serviço privado por não ter resposta pública, é aí que

devemos investir com mais profissionais, com mais meios, para responder às necessidades do Serviço Nacional

de Saúde.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Berta Nunes, do Grupo

Parlamentar do PS.

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — Sr. Presidente, Caro Deputado João Dias, interrogo-me muitas vezes se o

Partido Comunista Português acredita naquilo que diz.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não faz mal!

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — Como é que o Partido Comunista Português pode dizer que o PS quer destruir

o Serviço Nacional de Saúde quando foi o Partido Socialista que criou o Serviço Nacional de Saúde?

Aplausos do PS.

Como é que o Partido Comunista Português pode dizer que estamos numa via de não valorizar os

profissionais, de não valorizar o serviço de saúde e de diminuir o acesso ao mesmo quando, ainda neste

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Governo, terminámos com as taxas moderadoras para garantir o acesso ao Serviço Nacional de Saúde a todos

os portugueses?

Aplausos do PS.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não foi neste Governo!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Se não fosse a nossa intervenção…

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — Foi no outro. Então foi ainda há mais tempo!

Protestos do PCP.

É que o outro foi muito curtinho!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — E o PCP votou a favor.

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — O Sr. Deputado João Dias disse que o Partido Socialista quer desvalorizar os

profissionais. Ainda recentemente, no ano passado, o PS chegou a acordo com os enfermeiros para recuperar

parte da carreira,…

O Sr. João Dias (PCP): — Parte!

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — … e isso correspondeu a 70 milhões de euros.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — É verdade!

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Bem lembrado!

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — Podemos dizer que o Governo podia ter ido mais longe, mas chegou a um

acordo e fez. Neste momento, está a negociar com os sindicatos dos médicos e com os sindicatos das outras

profissões.

Por isso, este Governo do Partido Socialista está, de facto, a negociar e a tentar encontrar as melhores

soluções. Não para salvar o Serviço Nacional de Saúde, porque ele não precisa de ser salvo,…

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Ai precisa, precisa!

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — … mas para que ele seja valorizado, avaliado e continuamente reformado, e

este ímpeto reformista tem vindo sempre do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — Sr. Presidente, como não tenho mais tempo, só queria dizer ao Sr. Deputado

que está um pouco desatualizado, porque veio dizer que a saúde pública tem sido desvalorizada, que o grupo

de trabalho resolveu demitir-se, mas não leu as últimas notícias, que dizem que o grupo de trabalho da saúde

pública saiu bastante agradado da reunião com a Sr.ª Secretária de Estado, percebendo que o trabalho que

tinham feito era a base para a reforma da saúde pública que estava a ser preparada.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para formular o último pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado João Dias, tem a

palavra o Sr. Deputado Rui Cristina, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Rui Cristina (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Dias, o Partido

Comunista entendeu, mais uma vez, denunciar na Assembleia da República o estado de degradação em que

se encontra o Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Acha mal?!

O Sr. Rui Cristina (PSD): — E tem razão em muito do que diz.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ah!

O Sr. Rui Cristina (PSD): — Na verdade, sucedem-se os encerramentos e os constrangimentos nas

urgências hospitalares, de norte a sul do País; aumenta o número de portugueses sem médico de família para

perto de 1 milhão e meio; agravam-se os tempos de espera para consultas e cirurgias, em meses e mesmo em

anos; continuam os atrasos no diagnóstico e no tratamento de muitas doenças, principalmente oncológicas e

cardiovasculares; e são cada vez mais os profissionais de saúde a pedir escusa de responsabilidade e a

abandonar o SNS por não terem condições de trabalho mínimas e por já não acreditarem na conversa fiada dos

autoproclamados pais do Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PSD.

Protestos dos Deputados do PS André Pinotes Batista e Eurico Brilhante Dias.

Tudo isto é verdade, o problema é que o SNS está como está e o Partido Comunista não está isento de

responsabilidade, porque nos últimos sete anos viabilizou metade dos Orçamentos do Estado apresentados por

estes Governos socialistas.

O Partido Comunista não é vítima, é, sim, cúmplice do caos e da situação de pré-colapso em que se encontra

o estado do Serviço Nacional de Saúde.

Digo mais: o Partido Comunista é patrocinador e corresponsável pelo maior aumento de seguros privados

de saúde em Portugal,…

Protestos do Deputado do PS André Pinotes Batista.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Está a falar a sério?!

O Sr. Rui Cristina (PSD): — … que se registou nos últimos cinco anos, desde o, para vós, saudoso tempo

do PREC (Processo Revolucionário em Curso).

Por isso, Sr. Deputado, vou fazer-lhe uma pergunta simples: quando é que o PCP percebe que, para poder

ser levado a sério, tem, antes, de fazer mea culpa e pedir desculpa aos portugueses?

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Essa expressão é do Chega!

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Cristina (PSD): — Sim, tem de pedir desculpa aos portugueses por ter apoiado a governação do

Partido Socialista, que está a desmantelar o Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, dispondo de 3 minutos.

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O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Berta Nunes, Sr. Deputado Rui Cristina, agradeço-

vos pelas questões que nos colocam.

Sr.ª Deputada Berta Nunes, o Serviço Nacional de Saúde é uma conquista da Revolução de Abril, é uma

conquista do povo português.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Dias (PCP): — O PS, quando começa a dizer que é o pai ou a mãe do SNS, só revela a dificuldade

que tem perante a forma como maltrata o Serviço Nacional de Saúde. Aliás, se é pai, está a tratar muito mal o

filho.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Olhe que não!

O Sr. João Dias (PCP): — Na verdade, o que lhe quero dizer é que há, por demais, evidências daquilo que

tem sido a governação de sucessivos Governos do PS, que maltrataram tanto, mas tanto o Serviço Nacional de

Saúde.

Olhe, Sr.ª Deputada, recordo-lhe: o Sr. Ministro Correia de Campos, na altura, encerrou quase 20

maternidades. Sabe o que é que isso significou para a população e para as nossas grávidas? Significou perda

no acesso ao Serviço Nacional de saúde, nomeadamente no direito à maternidade.

Veja se o PS não tem sido mais madrasta e padrasto do que, propriamente, pai e mãe do Serviço Nacional

de Saúde.

Vozes do PS: — Isso não é verdade!

O Sr. João Dias (PCP): — E muitos mais exemplos lhe poderia dar, Sr.ª Deputada.

Quanto às nossas propostas, por que lutamos, o PCP acredita tanto que elas são as respostas porque são

também as que os profissionais de saúde colocam — profissionais de saúde que querem vestir a camisola do

Serviço Nacional de Saúde, mas que o PS recusa, porque os manda para o privado ou para a imigração.

Aplausos do PCP.

Protestos do PS.

Sabe porquê? Porque os profissionais que querem trabalhar no Serviço Nacional de Saúde têm sido muito,

mas muito, desvalorizados em termos de salários e em termos de carreira. No caso dos enfermeiros, de que a

Sr.ª Deputada falou em concreto, faltou esclarecer que o PS recusa pagar aquilo que lhes deve, nomeadamente

os retroativos, dos pontos que são deles, a 2018 e não a 2022.

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

O Sr. Deputado Rui Cristina faz sempre uma ginástica, que é uma espargata imensa,…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Eh lá!

O Sr. João Dias (PCP): — … entre dizer que defende o Serviço Nacional de Saúde e fazer o discurso do

caos. O senhor decreta a falência do Serviço Nacional de Saúde…

Protestos do Deputado do PS Rui Cristina.

… e isso revela bem a sua intenção de transferir o serviço público para o privado, mas quero dizer-lhe,

sinceramente, que o privado sai mais caro, Sr. Deputado.

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O privado trabalha à peça, o privado prescreve mais exames complementares, mais tratamentos, e o caso

das hemodiálises é exemplificativo daquilo que acontece, em que um setor da saúde está todo entregue no

privado. Veja bem o quanto o público está refém, o quanto o Serviço Nacional de Saúde está refém de um setor

privado que faz o que muito bem lhe apetece em termos de tratamentos e em termos daquilo que quer.

O Sr. Deputado deixou de forma subliminar a questão do preconceito ideológico, como se só tivesse

preconceito ideológico quem defende o Serviço Nacional de Saúde e como se quem defende o privado não o

tivesse.

O Sr. Rui Cristina (PS): — Nós defendemos o SNS!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, permita-me só dizer o seguinte: os senhores, bem como os outros

partidos que estão à vossa direita, têm nas vossas fileiras muitos dos líderes do privado e é por isso que

defendem tanto o privado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Isso dos conselhos de administração é ali com o PS!

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

O Sr. Presidente: — Na sequência das declarações políticas, é agora a vez do Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda.

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Rui Moreira propôs esta semana,

na Câmara Municipal do Porto, uma recomendação ao Governo para tornar, e cito, «todas as iniciativas com

carácter de urgência, nomeadamente de natureza legislativa, que permitam o agravamento da criminalização

do tráfico de estupefacientes e a criminalização do seu consumo na via pública.»

Os vereadores da direita votaram a favor, mas, pasme-se, tiveram a companhia dos vereadores do Partido

Socialista. No caso do Deputado Tiago Barbosa Ribeiro e da Deputada Rosário Gamboa, os vereadores são

também Deputados neste Parlamento e decidiram subscrever esta recomendação ao Governo para que mude

a lei portuguesa.

A diligência de Moreira para recriminalizar o consumo de drogas seria a resposta da Câmara ao fenómeno

instalado nos Bairros de Pinheiro Torres e da Pasteleira, na sequência do desmantelamento, irresponsável, do

Bairro do Aleixo. Ora, se há coisa que a demolição daquele bairro provou foi que não é por expulsar pessoas de

um território e ameaçar os drogados de prisão que se consegue combater os problemas sociais.

A proposta de Moreira, apoiada com o voto favorável do PSD e do PS, na autarquia, está errada em tudo.

Os pressupostos contrariam o conhecimento acumulado ao longo das últimas duas décadas; a proposta é

omissa porque esconde que a origem do problema está, em grande medida, em opções municipais,

nomeadamente relacionadas com o Aleixo e a dispersão do fenómeno do tráfico e do consumo; a proposta é

superficial e enganadora porque ficciona que o problema dos Bairros da Pasteleira e de Pinheiro Torres se

resolveria, magicamente, com o regresso à lei do século passado; a proposta é comprovadamente ineficaz,

porque, quando Portugal o criminalizava, o consumo era mais problemático e eram maiores os problemas de

segurança e de saúde pública.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Claro!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Quando, em 2000, se revogou o artigo da lei que definia o consumo de

drogas como um crime, com pena de prisão até três anos, fenómenos semelhantes ao que hoje existem no

Porto aconteciam, então, em muitas cidades do País.

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Nós não descriminalizámos o consumo apesar de haver fenómenos como o de Pinheiro Torres ou da

Pasteleira, nós descriminalizámos o consumo, precisamente, por haver fenómenos como aquele com que hoje

estamos confrontados.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade! Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — A proposta de Rui Moreira, que beneficiou da subscrição do PSD e do

PS, é, ainda, profundamente equívoca. O tráfico, nunca deixou de ser crime em Portugal; é, aliás, um crime com

uma pena que pode ir até 15 anos e consta das prioridades de prevenção e de investigação criminal.

Em suma, a proposta é uma manobra tática para Rui Moreira se desresponsabilizar perante a sua própria

incapacidade, fingindo que o problema é a lei e não a falta de políticas públicas, designadamente municipais.

Durante décadas, Portugal tratou o problema da droga como uma questão de polícia e de prisão e os

resultados foram um fiasco. Enquanto se expulsava e se prendia de um lado, lotando as prisões com

toxicodependentes, fazia-se o problema surgir noutro lado, deslocando o consumo para outros espaços da

cidade ou para as prisões.

A mudança de paradigma aconteceu em 2000, marco do qual todos devíamos orgulhar-nos. A grande

transformação que fizemos há mais de 20 anos, governava então António Guterres e o Bloco tinha acabado de

entrar no Parlamento, foi, precisamente, a descriminalização do consumo, também o de rua. Este passou a ser

tratado como um problema de saúde pública, deixando à polícia o fenómeno do tráfico.

O modelo português é um exemplo mundial, elogiado até hoje e tomado como referência, porque os

resultados foram impressionantes. A população afetada pelo fenómeno decresceu para menos de um terço;

diminuíram na mesma proporção os consumos problemáticos; caiu a pique a infeção por HIV (human

immunodeficiency vírus), por tuberculose ou por hepatite relacionada com o consumo de drogas; o número de

mortes por overdose é sete vezes menor do que era; a criminalidade e o sentimento de insegurança foram

também drasticamente reduzidos.

Os problemas não ficaram todos resolvidos, mas uma coisa é certa: os que defendiam um modelo de

criminalização do consumo foram derrotados pela realidade.

Por tudo isso, orgulhamo-nos desse património e dessa opção. É um património do Bloco de Esquerda, que

então se bateu por esta transformação,…

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Ai é do Bloco de Esquerda?!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — … mas é também um património do Partido Socialista e do Partido

Comunista, que aprovaram a lei.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Ah!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Proteger os espaços escolares, retirar o consumo de rua e reduzir os

riscos que lhe estão associados não se faz exibindo a autoridade do Estado penal junto dos consumidores ou

com atoardas inconsistentes, com o pressuposto de que os toxicodependentes deveriam ir todos presos.

Garantir a segurança e a tranquilidade é uma tarefa paralela ao combate ao tráfico e cumpre-se com a

presença nos territórios e com o reforço da intervenção na saúde pública.

As salas de consumo assistido faziam parte da lei inicial, mas levaram anos de resistência e preconceito até

que fossem, finalmente, postas no terreno.

Em Lisboa, foi preciso esperar décadas até que a intervenção decisiva do Bloco tirou do papel as primeiras

salas de consumo assistido.

A sala de consumo que existe no Porto, apenas há três meses, já acompanha mais de 600 utentes. Ela

deveria ser valorizada, ampliada e multiplicada, deveria ter uma intervenção multidisciplinar reforçada em vez

de ser atropelada com uma ideia de criminalização dos consumos que introduziria, entre a equipa de intervenção

e os consumidores, o fantasma do encaminhamento pela polícia.

Que Rui Moreira queira fazer uma campanha política contra a lei portuguesa, como se fosse ela o problema

e como se voltar a criminalizar o consumo de rua fosse a solução, até pode perceber-se: faz parte do modo

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como a direita populista aborda este fenómeno e da sua própria incapacidade em dar-lhe uma resposta

consistente.

Que o Partido Socialista tenha, na Câmara do Porto, juntado a sua assinatura a esta recomendação da direita

populista é, do nosso ponto de vista, chocante e um tremendo passo atrás. Aliás, fica a questão: se, porventura,

a direita apresentar no Parlamento esta proposta, que o Partido Socialista subscreveu, como votará o PS?

Protestos da Deputada do PS Maria Antónia de Almeida Santos.

O PS terá, porventura, mudado de posição sobre a política de drogas, ou foi só na Câmara do Porto que

mudou?

Pela nossa parte, não temos hesitações: é preciso fazer muito, mas nenhuma solução advirá de recuar mais

de 20 anos nesta política.

O Bloco tem orgulho da lei portuguesa e seria um erro fundamental destruir ou minar um dos seus pilares

jurídicos fundamentais, a descriminalização do consumo, que o Partido Socialista, com Rui Moreira e o PSD,

agora propõem mudar, por via dessa resolução da câmara.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Não diga disparates, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Concluo, Sr. Presidente.

A recomendação que agora foi feita é um disparate e o voto do Partido Socialista, fazendo coro com Rui

Moreira, nesse gesto de aviltamento da nossa lei, é uma afronta a esta conquista.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Não vale tudo, Sr. Deputado!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — É uma afronta a quem se bateu pelo fim da criminalização do consumo e

a todos aqueles que, ao longo destes anos, se empenharam neste modelo. Mas o voto do PS é uma afronta

também ao seu próprio património de partido que, com outros, como o Bloco, foi agente dessa transformação,

de António Guterres a Jorge Sampaio.

Aplausos do BE.

Protestos da Deputada do PS Maria Antónia de Almeida Santos.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa registou a inscrição de quatro Srs. Deputados para pedirem

esclarecimentos. Presumo que sejam respondidos dois a dois.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Um a um, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito bem.

O primeiro pedido de esclarecimento cabe à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN, que dispõe de 1

minuto.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, há um arrependimento?

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sim, Sr. Presidente. Responderei dois a dois.

O Sr. Presidente: — Muito bem. Está registado.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, faça favor.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a proposta de Rui Moreira de

criminalização do consumo de drogas na via pública é de um conservadorismo inaceitável.

Portanto, não só não poderíamos estar mais de acordo com a declaração política do Bloco de Esquerda,

como entendemos que assenta numa visão antiquada, discriminatória, que não valoriza a pessoa humana e não

reconhece que, de facto, há 23 anos, com um humanismo disruptivo e com os nomes que também já aqui foram

citados, descriminalizámos o consumo de drogas ilícitas, tratando as pessoas com consumos aditivos não como

criminosas, mas como alguém doente, que se propõe e que se deve tratar.

O PAN estará sempre ao lado deste humanismo, que quer reforçar os cuidados, o tratamento e a inclusão

das pessoas com toxicodependência.

As IPSS (instituições particulares de solidariedade social) têm aqui um papel fundamental nesse tratamento,

mas o Estado há 14 anos que não atualiza as verbas transferidas para as IPSS.

O PAN vai propor a atualização extraordinária desses valores, pelo que pergunto se o Bloco de Esquerda

nos vai acompanhar nesta medida, reconhecendo também a importância não só das unidades de cuidados de

saúde móveis, incluindo os consumos assistidos, mas também as fixas, que têm tido muita polémica e

dificuldade de implementação em todo o território.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, tem agora a palavra o Sr. Deputado João Dias, do

PCP, que dispõe de até 2 minutos.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, quero agradecer por ter trazido este

tema, algo que é muito importante para o PCP.

Não tratamos isto, perguntando quem é o pai ou a mãe desta política, que foi bastante progressista, mas

aquilo que ambos conhecemos e sabemos é quais foram os efeitos na vida das pessoas, nomeadamente das

pessoas que viviam o problema da droga e da dependência, da descriminalização do consumo de drogas ilícitas.

Em 2002, de facto, Portugal encheu-nos de orgulho com uma política bastante progressista e humanista, que

se centrava no respeito dos direitos humanos no acesso à saúde e dos direitos sociais, nomeadamente em

reinserção social. Estes ganhos conseguiram-se, mas, em 2011, e a partir de 2012, houve os efeitos de um novo

modelo, que veio trazer uma alteração, nomeadamente com o fim da estrutura única que existia, o IDT (Instituto

da Droga e da Toxicodependência), criando dificuldades, fracionando toda a resposta, perdendo a coerência

que a resposta tinha e degradando essa mesma resposta, no que tem a ver com as dependências e a droga.

Nesse sentido, o que quero avaliar e analisar aqui é que, de facto, entendemos que há esta dita preocupação

que o Bloco aqui trouxe. Para nós, a criminalização do consumo na via pública é um retrocesso, é, aliás, uma

abordagem punitiva e repressiva, que, de todo, não defendemos.

Mas quero dizer-lhe o seguinte: nos últimos anos, as respostas sofreram grandes dificuldades. Uma delas

tem a ver com a incapacidade de resposta, devido à falta de recursos humanos e à necessidade de novos

profissionais para trabalharem nesta área. É, de facto, muito carente e muito necessitada e precisamos de

respostas.

Outra situação que tem a ver com as pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas é que este uso está

muito ligado a duas questões: por um lado, à saúde mental, por outro lado, às condições de vida e à pobreza.

Nesse sentido, Sr. Deputado, a questão que lhe deixo é se o caminho não é o de ajudar estas pessoas, ao

invés de as punir e de as prender, dizendo «longe da vista, longe do coração».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, dispondo de 3 minutos, no máximo, para o efeito, tem a palavra o Sr.

Deputado José Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, Sr. Deputado João

Dias, estamos de acordo. Estamos os três de acordo nesta matéria.

Precisamos, certamente, de reconstruir a capacidade de intervenção do SICAD (Serviço de Intervenção nos

Comportamentos Aditivos e nas Dependências); de mais recursos humanos; de uma maior aposta ou de mais

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recursos para desenvolver a prevenção; de políticas de redução de riscos e de minimização de danos; de

expandir as salas de consumo — que levaram tanto tempo a ver, finalmente, a luz do dia, como sabemos, aqui

em Lisboa e no Porto, muito recentemente apenas, e estivemos anos e anos a insistir nessa política pública,

que já estava prevista pela lei desde 2000; do reforço das verbas para os municípios; do reforço na saúde

pública, nas suas várias dimensões, também na área da saúde mental; e do combate ao tráfico, naturalmente.

Agora, o que sabemos é que o sucesso da abordagem portuguesa ao fenómeno das drogas tem um pilar

jurídico,…

A Sr.ª Patrícia Dantas (PSD): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — … e o pilar jurídico desse sucesso e dessa mudança de paradigma foi a

descriminalização do consumo.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Ora, o que esteve em discussão na Câmara Municipal do Porto e numa

recomendação que foi agora enviada ao Governo é, e passo a citar: «endereçar ao Governo da República

Portuguesa o apelo para que tome todas as iniciativas, com caráter de urgência, nomeadamente de natureza

legislativa, que permitam o agravamento da criminalização do tráfico de estupefacientes […]» — que, recordo,

já é crime com penas até 15 anos — «[…] e a criminalização do seu consumo na via pública».

Como é que o Partido Socialista votou a fazer disto é incompreensível.

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — É mentira!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É mentira?!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Como é que é possível um partido que esteve também na origem da lei

que descriminalizou o consumo ter dois Deputados nesta Assembleia da República que, enquanto vereadores,

recomendam ao Governo que mude a lei. Para quê? Eu leio: «para a criminalização do seu consumo na via

pública».

A mudança paradigmática que fizemos permitiu deixar à polícia o combate ao tráfico e concentrar a relação

dos consumidores com o sistema de saúde, com a intervenção social e com políticas de minimização de riscos.

Foi isso que mudámos e é isso que precisamos de desenvolver.

Só mesmo a direita populista, contra todas as evidências científicas e contra tudo o que aprendemos na

saúde pública, é que seria capaz de ressuscitar a criminalização do consumo, que, todos sabemos, foi um fiasco,

e foi, precisamente, na rejeição desta política e desta orientação que construímos a base do chamado «modelo

português de abordagem à toxicodependência».

Por isso, Sr. Deputado João Dias e Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, estamos do mesmo lado, rejeitando

a criminalização, orgulhando-nos da lei portuguesa e exigindo o reforço dos meios para desenvolvermos esta

intervenção.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — O terceiro pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado José Soeiro pertence ao Sr.

Deputado Ricardo Baptista Leite, do PSD.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, muito obrigado pela

declaração política, que, no fundo, nos leva a discutir a questão da política de drogas em Portugal.

Sobre isto, quero deixar, de forma muito clara, a posição do Partido Social Democrata, que subscreve uma

visão que vai, precisamente, no sentido da aposta que Portugal tem feito na descriminalização do uso de drogas

no nosso País.

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A via proibicionista falhou redondamente, historicamente, e, portanto, dissociamo-nos desta lógica do Sr.

Deputado, que quer trazer uma questão local para uma questão nacional.

Agora, quero dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado. Há aqui uma questão de fundo, que não podemos ignorar,

que é o problema grave que se está a viver no Porto.

Foram feitas promessas, até pela geringonça, da qual o Bloco de Esquerda fez parte, e pelo Partido

Socialista, que tanto criticaram o Partido Social Democrata quando foi criado o SICAD, o Serviço de Intervenção

nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências. Recordo-me bem de o Partido Socialista dizer, na altura,

quando se criou o SICAD, que a primeira coisa que iria fazer era reverter o SICAD, para voltar a haver o IDT.

Passaram sete anos, nada aconteceu.

O SICAD depende das administrações regionais de saúde para intervir no terreno. Criou-se uma direção

executiva, as ARS (Administrações Regionais de Saúde) continuam a existir, mas isto é uma balbúrdia completa,

ninguém sabe quem manda, ninguém sabe quem faz o quê e, neste momento, não temos respostas no terreno.

O Sr. João Dias (PCP): — É verdade!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Estamos a ver um aumento real de problemas de saúde mental, em

que um em cada cinco adolescentes do nosso País tem hoje uma perturbação de saúde mental, e vemos uma

incapacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde nestas matérias.

Quando falamos de dependências, Sr. Deputado, qual foi a única iniciativa destes sete anos socialistas? Foi

a criação de mais uma raspadinha, a raspadinha do património, para sacarem mais dinheiro aos mais pobres e

vulneráveis, sabendo que essa era precisamente uma política que ia atacar aqueles que menos podem e que

mais problemas de saúde mental têm.

Por isso, pergunto-lhe, Sr. Deputado, o que é que o Bloco de Esquerda exigiu, enquanto esteve na

geringonça, sobre política de drogas…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — … e, em relação às políticas de saúde mental, e em particular às

políticas de combate ao tráfico de drogas no nosso País e de apoio àqueles que, infelizmente, têm o consumo

problemático de drogas, qual é a avaliação do Bloco de Esquerda e se concordam que o Partido Socialista,

nestes sete anos, falhou.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — O quarto e último pedido de esclarecimento pertence à Sr.ª Deputada Maria Antónia

Almeida Santos, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, antes de mais,

felicito-o por ter trazido um tema por demais importante e por demais evidente aqui para esta sede, para a

Assembleia da República. É aqui que devemos discutir e fazer este debate.

Não lhe vou falar em repressão da questão do consumo de drogas. Essa, Sr. Deputado, quero lembrar-lhe

— como, aliás, disse, e muito bem —, ficou lá para trás, há mais de 20 anos.

Sr. Deputado, o Partido Socialista foi o pai e a mãe da descriminalização do consumo de drogas. Não

tenhamos ilusões.

Aplausos do PS.

Protestos do PCP e do BE.

O Sr. João Dias (PCP): — Vocês já têm mais filhos que as mães!

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A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Srs. Deputados, queria ter condições para poder

continuar.

De facto, essa descriminalização do consumo teve resultados que colocaram Portugal como referência

internacional e um exemplo a seguir. Todos nos lembramos dos receios que foram levantados e todos,

convictamente, mantivemos a nossa estratégia de continuar, que foi seguida com muitos bons resultados.

Alguns problemas, Sr. Deputado, continuam a subsistir e têm de ser resolvidos, com uma abordagem

multidisciplinar, no quadro da saúde pública, na integração social e também de segurança. Mas o quadro legal

que existe pode resolver os problemas.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Plenamente de acordo!

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Portanto, conhecemos bem, Srs. Deputados, o drama

social provocado pelo tráfico de drogas, mas isso é outro problema. Esse é um crime e continua a ser. Sempre

que existam situações de presunção de tráfico, compete aos tribunais avaliar, e é assim que vai continuar.

Também, Sr. Deputado, continuamos a defender convictamente, e não são as dúvidas do Sr. Deputado…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Vou já terminar, Sr. Presidente. Repito: não são as dúvidas

do Sr. Deputado que vão extrapolar uma posição que foi bem justificada com uma declaração de voto, que o Sr.

Deputado com certeza conhece, para uma posição de que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o Partido

Socialista, com todo este património, quer recuar.

O Sr. João Dias (PCP): — Parece!

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Defendemos uma sociedade para avançar, não para

recuar.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, muito obrigado. Tem de concluir.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Não contem connosco. Gostávamos que nos

acompanhassem, como nos acompanharam durante 20 anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Antónia Almeida Santos, saúdo que tenha

dito que o Partido Socialista não irá mudar a lei, porque houve dois Deputados do Partido Socialista que fizeram

uma recomendação — que foi votada a favor — para que a lei mudasse para, e cito, «a criminalização do

consumo de drogas na via pública».

Portanto, queria saudar essa sua posição, porque é muito importante este consenso. Esta recomendação é

um disparate…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — … e lamento, de facto, que os Deputados que são vereadores, mas são

também Deputados, recomendem a alteração da legislação portuguesa.

O problema, Sr.ª Deputada, é que este não é apenas um problema local, esta é uma recomendação sobre a

lei do País, e sempre que, do ponto de vista local, há Deputados do Partido Socialista que cavalgam o discurso

dos populistas de direita, quem ganha são os populistas de direita, porque se lhes abre campo para estas

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políticas e para estas posições. Por isso, o discurso do populismo da direita, assim que tenha esta abordagem,

tem de ser combatido e não cavalgado.

Nós não podemos fazer coro com Rui Moreira e com o seu populismo, porque nos dá jeito no Porto, quando

nós temos é de fazer blindagem e manter o paradigma da descriminalização e, claro, Srs. Deputados, apostar

no reforço dos mecanismos multidisciplinares de combate à toxicodependência e de abordagem deste

fenómeno.

A sala de consumo assistido no Porto acompanha já 600 utentes. Precisávamos que fosse mais? Com

certeza! Precisávamos de maior investimento? Com certeza! Mas esse investimento tem de ser feito a partir

deste paradigma e nós cá estamos para lutar por esse investimento e cá estamos para lutar contra a posição

destes dois Deputados do Partido Socialista e contra a posição do Partido Socialista no Porto. Cá estamos para

defender que a descriminalização da droga é um pilar fundamental da nossa lei, do nosso modelo de

intervenção, que deve ser preservado.

Estamos aqui para nos batermos pelos nossos princípios e eles não ficam entre parênteses perante as

pressões dos populistas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Segue-se a declaração política do Partido Socialista, pelo que tem a palavra o

Sr. Deputado Porfírio Silva.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A missão da escola pública é fazer com

que todos aprendam mais e melhor. Aqui, cada palavra conta: todos, aprender, mais, melhor. Mas nada disso

poderá continuar a concretizar-se sem os profissionais da educação, e, designadamente, nada disso será

possível sem os professores.

Nestes sete anos de governação, invertemos o desinvestimento nos profissionais: em vez de os dispensar

às dezenas de milhar, recrutámos e demos mais recursos às escolas; em vez de os precarizar, vinculámos; em

vez de os obrigar a pagar a formação, promovemos mais formação e mais virada para as necessidades reais;

em vez de lhes impormos reformas curriculares retrógradas e sem diálogo, demos mais autonomia e flexibilidade

para exercerem em pleno a sua «profissionalidade» docente. Descongelámos a carreira e, se não podemos

mudar o passado, mudámos o futuro a fazer-se: pusemos em marcha o mecanismo das progressões e ele tem

efeitos bem visíveis.

Contudo, não está tudo feito, há que avançar.

Desde setembro do ano passado que o Ministro da Educação está em contacto negocial com os sindicatos.

Há meses que decorre um processo negocial sobre uma prioridade central: rever o regime de recrutamento

docente, para acabar com a casa às costas dos professores.

Esta semana, o Governo pôs em cima da mesa um pacote de propostas muito abrangente para melhorar a

condição docente e a escola pública. Destacaríamos dois objetivos centrais destas propostas: combater a

instabilidade, combater a precariedade.

As propostas agora apresentadas continuam e consolidam o combate à precariedade que começámos nas

legislaturas anteriores. Melhorámos a norma-travão e pudemos, assim, vincular 14 400 professores. E o que

agora está proposto é uma revolução no combate à precariedade, uma espécie de norma-travão de ouro: para

completar os três anos e vincular, contar os dias de serviço, em equivalente a tempo integral, contar cada dia

de serviço, e não apenas os horários anuais e completos sucessivos.

Cria-se, assim, um mecanismo de vinculação dinâmica, um mecanismo permanente antiprecariedade, que é

um salto de gigante da condição docente. E, ainda, introduzimos a progressão salarial para os contratados.

Cabe lembrar que estas propostas não caíram agora do céu. O Ministro já tinha apresentado o seu desenho

geral aqui, no Parlamento, na Comissão de Educação e Ciência.

Outra dimensão central das propostas visa combater a instabilidade na vida dos professores, que é má para

os profissionais e é má para os projetos educativos. Começar pelo princípio: definir as necessidades

permanentes em cada escola ou agrupamento,…

O Sr. Pedro dos SantosFrazão (CH): — Blá-blá-blá!

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O Sr. Porfírio Silva (PS): — … nessa base, definir os quadros e, consequentemente, vincular os professores

à escola; deixar de abusar dos quadros de zona, reservando-os para substituições e necessidades não

permanentes, e dar estabilidade aos professores, fixando-os a uma escola ou agrupamento e, quando estão

satisfeitos na escola onde estão no quadro, não os obrigar a correr o risco de irem para outro lado.

O Sr. Pedro dos SantosFrazão (CH): — Blá-blá-blá!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Ao mesmo tempo, reduzir muito a área geográfica dos quadros de zona,

passando dos atuais 10 para 63 QZP.

Srs. Deputados, não é possível explanar aqui toda a extensão do leque de propostas, que se conjugam ainda

com medidas de gestão para aproveitar o melhor possível os docentes que temos para fazer face às

necessidades. Mas há que dizer que, de forma realista, sabendo que não é possível que uma carreira tenha o

que mais nenhuma carreira pública tem,…

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Ah…!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — … essas propostas abrem caminho para resolver outras questões suscitadas

pelos professores e pelos sindicatos, nomeadamente, a correção das ultrapassagens motivadas por diferentes

vias de vinculação, a modulação das condições de progressão associadas aos 5.º e 7.º escalões, o combate à

burocracia quando ela não tem utilidade pedagógica.

Ao mesmo tempo, contra a maré de desinformação, há que realçar que as propostas apresentadas respeitam

o princípio de que as colocações são feitas pela graduação profissional, do mesmo modo que não transferem

para os municípios nenhuma competência relativa aos professores.

Acreditamos que os professores querem preservar a escola como espaço de aprendizagem, que os

professores nunca perdem os seus alunos de vista. Acreditamos que os professores querem soluções

compatíveis para a sua carreira e para a escola pública e acreditamos que isso pode ser conseguido por quem,

efetivamente, quer acordos relevantes em matérias substantivas.

Seria faltar ao respeito aos professores dizer-lhes que está tudo bem e nada precisa de ser mudado, tal como

seria faltar ao respeito aos professores dizer-lhes que partimos do zero, até porque o que se fez, fez-se com os

profissionais da educação, fez-se com os professores, com a sua «profissionalidade», com o seu saber e com

a sua dedicação.

Por isso, deixamos um apelo: demos, todos, uma oportunidade a escola pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa regista quatro inscrições para pedidos de esclarecimento.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Para quê?

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado — e bem — não esgotou o seu tempo e, por isso, nem todos os grupos

parlamentares tiveram tempo para registar os pedidos de esclarecimento que pretendiam fazer durante a sua

intervenção.

Compreende-se, pelo que, repito, a Mesa regista quatro inscrições para pedidos de esclarecimento. Como

pretende responder, Sr. Deputado?

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado, dispõe de 3 minutos para o efeito.

O primeiro pedido de esclarecimento pertence ao Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre, cabendo-lhe um 1

minuto para o fazer.

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O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caro Deputado Porfírio Silva, vou começar pelo fim, pela sua última

frase: «Demos, todos, uma oportunidade à escola pública».

O Sr. Filipe Melo (CH): — Qual é a pergunta?

O Sr. Rui Tavares (L): — Este é, de facto, um desafio de futuro que temos de vencer.

Pensemos, neste momento, num jovem que tenha vocação de ensinar o que esteja a ver o que está a

acontecer. Terá vontade de se dedicar à carreira de ensino? Eu diria que não, porque vê uma classe que,

reiteradamente, diz que não sente respeito, e isso tem de vir de algum lado.

Em seu entender, o que é que pode ser feito para, de certa forma, abrir este diálogo? Poderá ser através,

como propomos, de uns Estados Gerais da educação, com professores, encarregados de educação, autarcas,

sociedade civil, para que possamos valorizar as vocações do futuro, da maneira como é mais direta e mais

imediata, que é dignificando as carreiras do presente?

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr. Deputado, pela disciplina.

O segundo pedido de esclarecimento pertence ao Sr. Deputado António Cunha, do Grupo Parlamentar do

PSD. Faça favor.

O Sr. António Cunha (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por agradecer ao Sr.

Deputado Porfírio Silva a declaração política que nos apresentou, sobre um setor da governação que nos é

muito caro a todos, mas que, de facto, está em convulsão.

Do nosso ponto de vista, esta convulsão foi causada por uma governação que foi empurrando com a barriga

gravíssimos problemas, como a falta de docentes, por causa do seu envelhecimento, e porque nada se fez para

contrariar a falta de atratividade da carreira docente, que pouco diz aos mais jovens e vai, de facto, desgastando,

cada vez mais, os mais velhos.

Sr. Deputado, a primeira questão que tenho para lhe colocar é a seguinte: há negociações, mas qual é o

jovem que vai investir tempo e dinheiro num curso superior que lhe oferecerá, no início de carreira, 1100 €

líquidos mensais, para se deslocar e para pagar casa, quando há outras saídas profissionais bem mais

aliciantes, cá dentro e lá fora?

Portanto, acho que está na hora de o Partido Socialista e o próprio Governo assumirem que, de facto, estão

a empobrecer o País e que não podem pagar ordenados mais altos às carreiras da Administração Pública.

Sr. Deputado, há outra questão que também ainda não vi em cima da mesa das negociações. O Partido

Socialista, em 2019, e, também, em 2022, prometeu criar incentivos à aposta na carreira docente em áreas do

País onde a oferta de profissionais é escassa. Portanto, temos tido milhares de alunos sem aulas a, pelo menos,

uma disciplina e, em sete anos, eu pergunto onde é que são esses incentivos e o que é que andaram a fazer.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Descongelámos as carreiras!

O Sr. António Cunha (PSD): — Pois, descongelaram as carreiras, mas, de facto, os senhores não apreciam,

não gostam e hostilizam, desde Maria de Lurdes Rodrigues, os professores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. António Cunha (PSD): — Portanto, Maria de Lurdes Rodrigues fazia parte de um Governo de José

Sócrates, do qual os senhores têm vergonha de falar aqui, nesta Casa.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Eles não têm vergonha nenhuma!

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O Sr. António Cunha (PSD): — E mais outra questão: hostilizam e basta referir que, perante as greves que

estamos a viver agora, os senhores, o Ministro da Educação, fizeram declarações completamente

incendiárias,…

O Sr. Presidente: — Tem de concluir!

O Sr. António Cunha (PSD): — … procurando atirar encarregados de educação contra professores, e isto,

para o PSD, é inadmissível.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir. É a quarta vez que lhe digo.

O Sr. António Cunha (PSD): — Peço desculpa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Então, faça favor de concluir!

O Sr. António Cunha (PSD): — Concluo já, só com uma questão relativamente aos QZP. De repente,

apareceram 63 QZP — e bem —, portanto, não há fome que não dê em fartura. Assim, pergunto: porque é que

isto não apareceu há mais tempo?

Aplausos do PSD.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — O que é «isto»?

O Sr. Presidente: — O terceiro pedido de esclarecimento pertence ao Sr. Deputado Alfredo Maia, do PCP,

que tem, no máximo, 2 minutos.

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Porfírio Silva, escutei-o com atenção e permita-

me que, com estima, lhe coloque algumas questões. Desde logo, interrogo-me se a bancada do Partido

Socialista que aqui está presente a incensar as medidas do Governo é exatamente aquela que há um mês e

meio discutiu o Orçamento do Estado e, nomeadamente, o conjunto de propostas apresentadas pelo PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — O Sr. Deputado Porfírio Silva afirmou o seguinte: «em vez de precarizar,

vinculamos». Então, cabe perguntar porque é que não vinculámos há mais tempo?

Vejamos: das 12 propostas na área da educação que o PCP apresentou em sede de Orçamento do Estado,

pelo menos quatro tinham a ver com as condições dos professores.

A primeira dizia respeito ao concurso externo de vinculação extraordinária docente. E qual foi o sentido de

voto do PS? Contra.

Depois, sobre a contabilização do tempo de trabalho docente em horário completo, qual foi o sentido de voto

do PS? Contra. Seria caso para perguntar se hoje votaria a favor.

Outra proposta era sobre as medidas de combate à carência de professores, educadores e técnicos

especializados na escola pública. Qual foi o sentido de voto do PS? Contra. Como é que votaria hoje?

E sobre a contabilização integral de todo o tempo de serviço nas carreiras e corpos especiais? O PS votou

contra.

É verdade que há medidas que estão a ser apresentadas que são positivas, mas são, claramente,

insuficientes. O Sr. Ministro da Educação anunciou ontem a vinculação de 10 500 professores, com a alocação

de 100 milhões de euros. Perguntamos: porque é que não fizeram isto antes?

O Sr. João Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

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O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Bom, provavelmente, tem a ver com a resposta que era inevitável dar à força e à luta dos professores que

estão na rua e que o Sr. Ministro reconheceu ontem, designadamente, em relação à greve da FENPROF

(Federação Nacional dos Professores) nos distritos. Então, porque é que não o fez há mais tempo?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — O quarto pedido de esclarecimento pertence à Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do BE.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Porfírio Silva, queria agradecer-lhe esta

oportunidade para ir ao detalhe a algumas das propostas negociais.

Uma negociação implica que ambas as partes ponham propostas em cima da mesa, estando dispostas a

ceder em parte delas, mas partindo do princípio de que elas são um avanço. É isso que confere o carácter

negocial a uma negociação sindical.

Na verdade, o Governo colocou em cima da mesa, não propostas que signifiquem avanços no contexto da

negociação, mas propostas que eram inevitáveis, ou seja, propostas que teria de fazer, quer houvesse

negociação quer não houvesse negociação.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Isso é verdade!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O caso da vinculação é exemplar. O Governo, ao chegar a uma negociação

admitindo ao País que está em condições de vincular, de um dia para o outro, 10 500 docentes, admite que, até

hoje, durante os últimos anos, conviveu muito bem e sem nenhum problema com 10 500 precários na escola,

sabendo que eles estavam precários. E se hoje os vincula, não é porque tenha mudado de opinião sobre a

precariedade na escola, é porque a falta de professores na escola lhe faz ter receio de que estes 10 500 também

se vão embora para lugares, para carreiras ou para empregos onde ganhem mais dinheiro.

Era, portanto, inevitável vincular estes professores, se é que a escola pública poderia ter professores a curto

prazo, e já nem digo a médio prazo.

Introduzir escalões para os contratados é uma obrigação da diretiva europeia que o Governo está a incumprir

há meses; é uma obrigação da diretiva europeia e o Governo estava prestes a receber uma multa, uma

condenação, por não cumprir. O Governo não propôs escalões nos contratados porque sente pena dos salários

dos contratados; propôs porque foi obrigado pela diretiva europeia.

Portanto, quando o Sr. Deputado diz que os professores não podem querer aquilo que mais nenhuma carreira

tem — porque o PS tem sempre esta tentação de dizer que os professores estão a pedir demais —, pergunto-

lhe sobre o apoio às deslocações. Todas as carreiras da função pública têm, os professores não têm. E vagas

para os 5.º e 7.º escalões? Os professores têm e nenhuma outra carreira tem. Então, pergunto: afinal, qual é

que é a carreira que é prejudicada?

Aplausos do BE.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Adão Silva.

O Sr. Presidente: — Para responder a todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado

Porfírio Silva, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que dispõe, no máximo, de 3 minutos.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Rui Tavares, António Cunha, Alfredo Maia e

Joana Mortágua, muito obrigado pelas questões.

Permito-me começar pelo Sr. Deputado António Cunha e respondo muito rapidamente à sua pergunta

essencial, sobre a razão de não o termos feito há mais tempo. Eu vou dizer-lhe porque é que não o fizemos há

mais tempo.

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Protestos da Deputada do PSD Sónia Ramos.

Sr.ª Deputada, quer ouvir ou está a inventar?

Então, eu vou dizer-lhe. Sabe porque é que não o fizemos há mais tempo? Não fizemos há mais tempo a

reforma do regime de vinculação, porque estávamos a fazer os estudos, a elaborar as propostas, a começar a

contactar com os sindicatos quando os senhores, mais a esquerda parlamentar, interromperam a Legislatura.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Não o fizemos há mais tempo, porque ainda há muito pouco tempo o seu Presidente, o Presidente do seu

partido, dizia que havia professores a mais e que no quadro da reforma da Administração Pública era preciso

corrigir isso.

Protestos do PSD.

Portanto, nós não o fizemos há mais tempo, porque estávamos a fazer e porque o Governo não…

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Por favor, deixem que o Sr. Deputado Porfírio Silva possa dar todas as

explicações, porque ele só tem 3 minutos.

Queira prosseguir, Sr. Deputado.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente.

É que o PSD, quando vê uma reforma, foge. O PSD fala em reformas, mas quando se faz uma reforma

foge,…

Protestos do PSD.

… e é isso que está a fazer mais uma vez.

Nós estamos a negociar, vamos continuar a negociar e não vamos substituir-nos nem ao Governo nem aos

sindicatos, porque é o Governo e os sindicatos que têm de negociar, e o que nós queremos é que ambos

negoceiem de boa-fé e cheguem a resultados.

É claro que se pensarmos como a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, que diz que todas as propostas são

inevitáveis, não vale a pena conversar sobre isso. A Sr.ª Deputada, se calhar, ainda não teve tempo de ler as

propostas, mas leia, porque os professores e os sindicatos sabem que o que está lá é novo, é substancial e é

muito importante para toda a gente.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É por isso que andam na rua a bater palmas!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É, é! É tão novo que estão todos na rua!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — A estratégia do Chega, hoje, expandiu-se a outras bancadas, que é berrarem

para não ouvirem as respostas.

Protestos do BE.

Sr. Deputado Alfredo Maia — vou deixar a resposta ao Sr. Deputado Rui Tavares para o fim —, o Sr.

Deputado teve um gesto que o distinguiu neste debate, que foi o de dizer que há propostas positivas, mas são

insuficientes.

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É um bom princípio. Eu que devo dizer-lhe que, se algum Governo começasse uma negociação sindical a

pensar que todos os parceiros iam dizer que já chegava, esse Governo era tolo, com certeza. Nós esperamos

—eu não sei o que é que o Governo está a procurar fazer, porque, obviamente, quem negocia é o Governo, não

somos nós — que o Governo saiba que pôs uma proposta em cima da mesa, que, com certeza, tem de ser

trabalhada. Com certeza, não inventou a última Coca-Cola do deserto com aquela proposta e estará disposto a

melhorá-la.

Mas este reconhecimento é importante e quero dar-lhe uma resposta muito concreta à questão do Orçamento

do Estado.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Nós não podemos fazer reformas às peças. O hábito de tentar resolver todos os problemas do País no

Orçamento do Estado, com uma peça aqui, outra acolá, não resulta.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Oh!...

O Sr. Porfírio Silva (PS): — As coisas têm de ter lógica, têm de ter continuidade, têm de ser sistémicas e é

por isso que estamos a fazer isto.

Sr. Deputado Rui Tavares, penso que, neste momento, do que precisamos mesmo é que as negociações

sejam frutuosas e deem resultados. Por exemplo, podemos deixar os Estados Gerais disto e daquilo para outra

altura — aliás, o próprio Partido Socialista tem no seu programa eleitoral, pelo qual foi eleito, a proposta de um

pacto social para a educação, e vamos fazer por isso —, porque agora é preciso negociar, é preciso chegar a

acordo, é preciso dar uma oportunidade à escola pública, e é nisso que estamos empenhados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Vamos passar, agora, para a declaração política do Grupo Parlamentar do

PSD. Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que tem este Governo para oferecer

a Portugal, para além do salão de baile em que vive?

O Primeiro-Ministro, em cima do joelho, já ao pé-coxinho, aflito, no fim de um debate aqui neste Plenário,

numa tentativa de fuga, inventou um mecanismo — aliás, o mecanismo — de controlo prévio de entrada para

membro do Governo, uma checklist, um inquérito, qual papel a preencher numa qualquer repartição ou num

consultório dentário.

Mas, no melhor pano cai a nódoa. Perante a exigência do líder do PSD e, depois, do próprio Presidente da

República, o Primeiro-Ministro recua, não quer aplicar o inquérito a todos os membros do Governo, distinguindo

os que estão em funções daqueles que hão de vir — os muitos, provavelmente, atendendo à intensa rotatividade

que esta equipa de Governo tem.

Este questionário está a falhar. De que tem medo António Costa? Não tem a consciência tranquila das

escolhas que fez? Não tem confiança nos seus membros do Governo?

Primeiro, tentou envolver o Presidente da República, exatamente quando anunciou o mecanismo, e fê-lo

oportunisticamente, sem aviso ou conselho. Levou para trás. O Presidente da República não foi nesse papel

novelístico que o Primeiro-Ministro lhe tinha destinado e, então, António Costa retirou. Aliás, parece aquele jogo

do Risk que jogávamos — eu, pelo menos — quando éramos mais miúdos.

Então, inventou uma nova introdução, um novo pretexto, uma interjeição, que é: o questionário. E agora,

porque é que não submete o questionário aos atuais governantes?

A verdade é que, com questionário ou sem questionário, com fait-divers ou sem fait-divers, o Primeiro-

Ministro não se responsabiliza pelo início de tudo, pelo que é de mais básico, que é constituir uma equipa,

apresentar um governo e propor os seus membros. Não se responsabiliza tão-só pelo princípio mais básico de

constituição do governo, nem pelas escolhas que faz.

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Em qualquer país civilizado de uma democracia madura não seria assim. Mas António Costa também não é

assim. Creio que nunca foi — pelo que vou observando — e prefere fugir, prefere refugiar-se em desculpas,

pretextos, bodes expiatórios, em todos e qualquer um, menos no próprio e nas suas ações ou omissões.

Este Primeiro-Ministro é desprovido sequer de constituir uma equipa idónea. Não consegue, precisa sempre

de uma muleta ou de uma escusa. Tudo é uma encrenca, aliás, são muitas encrencas.

Na verdade, o Governo vive num permanente estado de encrenca, logo, é um Governo encrencado, sem

tempo ou mindset para governar o País. Talvez não seja de todo mau, pois, porventura, reduz a possibilidade

ou a probabilidade de asneirar, ou de asneirar demasiado, ou de asneirar em contínuo, como aconteceu no outro

Governo de maioria absoluta do Partido Socialista, então liderado pelo Engenheiro Técnico José Sócrates.

Como não governam e não tomam decisões, porque estão enredados no seu salão de baile, ficarão menos

caros ao País, mas, quando decidem, é sempre para pagar elevadas faturas e sem qualquer estratégia ou visão

de futuro que, ao menos, garanta que não mais voltaremos a ter estes descalabros financeiros e que, a contrario,

entraríamos numa década de desenvolvimento económico e social.

Sete anos já lá foram; faltam quatro! E, olhem, um exemplo do que eu acabei de dizer é o estado caótico em

que se encontra a companhia — já não é a companhia de bandeira, é a companhia da bandeira, a bandeira que

os portugueses pagam, ou a bandeira que a companhia e o Governo dão aos portugueses.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Veja-se o desqualificado Ministro que, sete anos depois, deixa um monte de

conversa fiada, na TAP, na ferrovia, nas estradas, enfim, nada de nada que não sejam prejuízos de milhares de

milhões de euros atirados à rua. Paga o Zé. Porreiro, pá! Era assim que se falava na altura.

Tudo isto, durante sete anos, com o «habituem-se». Tudo isto é um gozo pegado!

O Sr. Primeiro-Ministro não se dá ao respeito e não respeita os portugueses. Brinca com tudo, brinca com

todos e brinca à custa da vida de milhões de portugueses e do futuro da nossa juventude e do nosso País. É

um brinca na areia!

Este Governo está roto, está a desmembrar-se dia a dia! Anda o Governo, os membros do Governo,

permanentemente, de esclarecimentos em esclarecimentos sobre a sua própria probidade, sobre a sua

habilitação ética, sobre a sua habilitação legal.

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.

De facto, são absolutamente incorrigíveis.

Alguns vão ficando pelo caminho, mas a culpa é sempre de outros. A culpa morre solteira e a prática de

impunidade, de falta de ética, de irresponsabilidade, do uso e abuso da coisa pública, de aproveitamento e

desvio de recursos continua, e está para durar.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — O Sr. Deputado tem de terminar.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Estamos todos a pagar a fatura, todo o povo português e mais os que hão de vir. Sim, porque o futuro próximo

também fica comprometido, para pior, e fica sempre um rasto de dívida galopante.

Precisamos é de um País desenvolvido e exemplar, em que todos tenham a oportunidade de ter acesso a

uma vida melhor, sem terem de andar a pedinchar ou a esperar a esmola do Estado. Mas neste momento, Srs.

Deputados, a solução está em questioná-lo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — A Mesa registou seis inscrições para pedidos de esclarecimento, das Sr.as

e dos Srs. Deputados André Pinotes Batista, do PS, Rui Tavares, do Livre, Rui Afonso, do Chega, Inês de Sousa

Real, do PAN, Paula Santos, do PCP, e Rodrigo Saraiva, da Iniciativa Liberal.

Como é que V. Ex.ª quer responder?

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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, se possível, juntava em grupos de dois.

O Sr. Presidente: — Assim será, em grupos de dois.

Neste caso, tem a palavra o Sr. Deputado do Grupo Parlamentar do PS André Pinotes Batista, para formular

o primeiro pedido de esclarecimento.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sr. Presidente, permita-me saudar, na sua pessoa, todos os colegas.

Sr. Deputado Miguel Santos, do PSD, não fique muito orgulhoso do número de pedidos de esclarecimento,

porque se prende, provavelmente, com a perplexidade ante uma declaração política tão vazia, uma proclamação

política que nos deixa a todos, realmente, cheios de dúvidas.

Aplausos do PS.

Deixe-me dizer-lhe que a sua retórica truculenta, versando sempre na 1.ª pessoa do singular, não nos deixa

propriamente descansados.

A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Mas nós estamos descansados!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): —Mas aquilo que lhe quero dizer é, sobretudo, que este mecanismo de

aferição é um mecanismo que permite dotar quem escolhe os membros do governo de maior informação sobre

o contexto de cada uma das pessoas, de maneira a robustecermos as nossas instituições democráticas.

Deixe-me dizer-lhe também que esta tese da desresponsabilização esbarra, desde logo, na Constituição

portuguesa, que deixa muito claro de quem são os poderes de nomear e os poderes de convidar. E, Sr.

Deputado, é mesmo por causa dessas narrativas desligadas da realidade que é preciso sublinhar que, nesta

Casa, está aberto um processo de revisão constitucional, no qual — pasme-se! — nem o partido de V. Ex.ª nem

nenhum dos outros partidos apresentou qualquer iniciativa para que fosse adotada outra metodologia

consonante com a nossa Constituição.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Nem o PS!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Mas os senhores, mesmo assim, não se detêm. Nós achamos que

apertar o crivo é valioso. No entanto, queremos também sublinhar que talvez fosse interessante que o líder do

partido de V. Ex.ª, o Dr. Luís Montenegro — que considerou este instrumento um «inconseguimento» —,

pudesse começar por fazer, ele próprio, uma autoavaliação, para perceber se, preenchendo este inquérito ou

qualquer outro que encontre, reunirá as condições para se propor a ser Primeiro-Ministro deste País. Nós

achamos que os portugueses não lhe vão conferir essa responsabilidade, mas, pelo sim, pelo não, não faria

mal.

Aplausos do PS.

Para finalizar, deixe-me dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: a todos quantos queimam o caminho para chegar

à cadeira do poder, não restará nem caminho, nem poder. Esta é uma reflexão que o PSD devia fazer, porque

esta coisa de trazer questões de defesa do regime para a contenda partidária da espuma dos dias não ajuda

ninguém, e V. Ex.ª pode crer que nem a si, por muito contente que se declare, vai ajudar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Rui

Tavares, do Livre.

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O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, aproveito a ocasião para pedir esclarecimentos, mas, também, para

esclarecer.

O Sr. Deputado Miguel Santos mencionou o famoso «porreiro, pá!», esquecendo-se de mencionar o contexto.

É verdade que foi proferido por um ex-líder do PS, e ex-Primeiro-Ministro do nosso País, ao abraçar um ex-líder

do PSD, e também ex-Primeiro-Ministro, enquanto ambos se preparavam para falhar a uma promessa — a de

sujeitar a referendo um tratado europeu — sobre a qual ambos os partidos tinham convergido numa revisão

constitucional.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tão bonito, a defender o PS!

O Sr. Rui Tavares (L): — E o seu exemplo foi mais acertado do que parece, porque, se é verdade que este

mecanismo é, em boa medida, uma cedência ao populismo que vai gerar mais populismo — como já se vê na

exigência que seja aplicado aos ministros presentes —, também é verdade que não se viu, nem do PSD nem

do PS, uma alternativa.

É neste sentido que aproveito para fazer o esclarecimento de que falava. É que, caro Deputado André Pinotes

Batista, não tem razão. Não é verdade que, entre todos os partidos que apresentaram projetos de revisão

constitucional, não haja uma alternativa.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Tavares (L): — Antes de tudo isto acontecer, o Livre apresentou, em projeto de revisão

constitucional, uma emenda ao artigo 186.º da Constituição, para haver uma audição prévia parlamentar.

Diz-se sempre — e assim concluo, Sr. Presidente — que não é bom legislar em cima de casos. Pois têm

agora os dois partidos a oportunidade de aprovar uma proposta que foi feita antes de haver casos, antes de

haver politiquice. Vamos ver se a aprovam ou se acabam abraçados, noutro memorável «porreiro, pá!».

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Srs. Deputados, reitero o meu pedido de tentarem respeitar os tempos

regimentalmente atribuídos, porque, de outra maneira, a tarde vai ser realmente muito prolongada.

Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos, que dispõe de 3 minutos pela agregação dos

dois Srs. Deputados que tiveram a honra, com certeza, de lhe fazer perguntas.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, começo pelo Sr. Deputado Rui Tavares, a quem agradeço a

questão. É evidente que há um risco de este mecanismo se tornar absolutamente populista, pela sua proliferação

e por ser usado como pretexto para justificar toda e qualquer razão, sobretudo a incapacidade do Primeiro-

Ministro de, sequer, constituir um Governo de gente idónea.

Atenção: não digo que o Governo não tem gente idónea. Aliás, acho que é uma injustiça para os que lá estão

nessa condição, porque, entre o santo e o pecador, vão todos no chorrilho, e eu também não tenciono fazer

esse tipo de interpretação.

Sobre a alternativa PS/PSD ao mecanismo, nós não queremos ter nenhuma alternativa ao mecanismo. E

entro aqui, também, numa questão que o Sr. Deputado Pinotes Batista referiu: não é preciso uma alternativa ao

mecanismo. A Constituição é muito clara sobre isto: o Primeiro-Ministro propõe e o Presidente da República

nomeia. Há algum problema nisto? Não há nenhum problema nisto.

O Sr. António Cunha (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sabe qual é o problema? É que, por acaso, o País tem um Primeiro-Ministro

que não tem esta capacidade.

A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não consegue apresentar um Governo, não consegue substituir secretários

de Estado, não consegue substituir ministros, sem que, depois, dê mais encrenca.

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Portanto, o problema não está, Sr. Deputado Pinotes Batista e Sr. Deputado Rui Tavares, na Constituição,

está no uso dos poderes constitucionais por este Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD.

Depois, houve outra questão que o Sr. Deputado Pinotes Batista referiu, em jeito de provocação — que eu

aceito e admito —, que foi recomendar-nos um certo tipo de conduta que achemos mais apropriada, sobretudo

para que o PSD não queime caminho para chegar à cadeira do poder.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Não foi bem isso que eu disse!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ó Sr. Deputado, puxe lá um bocadinho o filme atrás. Vá à box. O Sr. Deputado

vai muito às televisões, está familiarizado com a box de trás para a frente.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Não tenha ciúmes!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Vá à box e veja o impeachment que António Costa fez no Partido Socialista,

porque tinha pressa e vontade de chegar ao poder, a todo o custo, e — como é que o Sr. Deputado disse? —

queimando não só caminho, mas muitas pessoas. Portanto, não é um bom exemplo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado Miguel Santos, se me permite, louvo-o pela contenção e

disciplina das suas respostas.

Agora, vamos passar para outro grupo de dois Srs. Deputados. Pelo Grupo Parlamentar do Chega, tem a

palavra o Sr. Deputado Rui Afonso, para pedir esclarecimento.

O Sr. Rui Afonso (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Miguel Santos, convenhamos

que nunca se viu tamanha dança de cadeiras e tanta trapalhada em tão pouco tempo, tantas dúvidas e suspeitas

de uso e abuso de dinheiros públicos, de clientelismos, de amiguismos, de pagamento de favores, de

aproveitamentos familiares e pessoais, de tudo, menos da proteção e promoção do bem comum e do interesse

público.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Rui Afonso (CH): — O PS apanhou-se com maioria absoluta, e com essa maioria absoluta surgiu a

falta de noção absoluta.

Se já não bastava tudo o que se passara ao longo de 2022, o ano de 2023 começa como o ano que acabou:

com mais trapalhadas e novas suspeitas sobre governantes acabados de nomear.

Todos estes escândalos vieram, sem sombra de dúvida, lançar um manto de suspeição sobre o Governo,

nomeadamente na forma como escolhe os seus membros.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Rui Afonso (CH): — Para colmatar tamanha falha, o Governo optou por introduzir um questionário de

36 perguntas que, convenhamos, representa muito pouco enquanto mecanismo de escrutínio. Chega mesmo a

ser vergonhoso quererem retirar os ministros e os secretários de Estado em funções deste próprio escrutínio.

Aliás, o próprio Presidente da República já fez menção disso mesmo.

Por isso, pergunto-lhe, Sr. Deputado, se, além do referido questionário, não deveríamos ter também um

mecanismo de fiscalização parlamentar, realizado sob a forma de audições antes da tomada de posse, com

escrutínio da oposição. Estará o PSD disposto a analisar e a acompanhar o Chega nesta proposta?

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Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada

do PAN, Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Santos, obrigada por trazer este

tema a debate. De facto, os fenómenos da corrupção, dos benefícios e conflito de interesses que têm grassado

a nossa sociedade — e que não se cingem ao Governo — são preocupantes e devem ter respostas que, no

entender do PAN, não se coadunam com meros formulários, que mais não são do que uma mão-cheia de nada.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É verdade!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Não só por aquilo que representam — uma ausência de resposta que

credibilize quer o poder político, quer a confiança dos cidadãos nas instituições e na própria democracia —, mas

também pela sua eficácia.

Acompanhamos a preocupação de o questionário não estar a ser aplicado aos membros do Governo, com a

devida ressalva. É factual e é justo que se diga que nem todas as pessoas que estão na política devem ser

entendidas e compreendidas no mesmo saco que os casos que vieram a público. Há pessoas que têm servido

o bem comum, independentemente das forças políticas que representam, e o facto de estar a ser confundido o

trigo com o joio também é um prejuízo para a democracia e para a confiança dos cidadãos no poder político.

Mas há uma preocupação que não podemos descurar, que são as repostas. O PAN já deu entrada de um

conjunto de propostas para melhorar o atual regime do exercício de funções públicas, no sentido de evitar

conflitos de interesse, e vai dar entrada de uma proposta que traz mais transparência na despesa e nos

benefícios fiscais concedidos.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Vou concluir, Sr. Presidente.

Porque aí, sim, podemos ver a importância que um governante pode ter no setor público ou privado.

Há pouco, o Sr. Deputado dizia que não é preciso nenhuma alteração, e, portanto, eu pergunto se o PSD

está ou não disponível para acompanhar alterações, que possam, efetivamente, mitigar estes problemas.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Afonso, do Chega, Sr.ª Deputada Inês de

Sousa Real, do PAN, obrigado. De facto, tem razão, Sr. Deputado, é uma enorme dança de cadeiras. É uma

desgraça! É uma desgraça, e uma desgraça nunca vem só. Neste caso são resmas de desgraças, porque estão

continuamente a acontecer, todas as semanas.

Portanto, neste momento, os Srs. Deputados do Partido Socialista têm, objetivamente, uma responsabilidade

acrescida relativamente a todos os outros, porque são os senhores que suportam — verdadeiramente — este

Governo.

O País precisa de estabilidade, e eu não vejo como é que o Governo vai começar a governar, efetivamente,

enquanto andar nestas danças de cadeiras. Porque isto consome tempo, energia, disponibilidade. Os senhores

têm a responsabilidade de tentar meter algum juízo na cabeça do Governo, de tentar meter algum juízo na

cabeça do Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É uma vergonha!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Porque é que o Primeiro-Ministro, apresentando o questionário como a

solução, não o submete a todos os membros do Governo?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tem medo!

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O Sr. Miguel Santos (PSD): — É manco! O Primeiro-Ministro inventou a questão do questionário. Todos

sabemos disso, alguns reconhecem-no e outros não. O Primeiro-Ministro inventou a questão do questionário,

foi uma invenção! É a lendária capacidade de António Costa de se manobrar entre labirintos e corredores e

inventar coisas. Ele inventou o questionário, e agora que inventou o questionário, está com o menino nas mãos.

Está com o menino nas mãos e tem de submeter o questionário a todos os membros do Governo, ou então vai

tratá-los de forma desigual.

Quando aparecer um próximo problema com um membro do Governo — Deus queira que não, mas,

convenhamos, à letra do que vai acontecendo —, como é que é? O Primeiro-Ministro vai sacudir outra vez a

água do capote? Parece-me difícil, parece-me que não.

Para terminar, que ainda tenho mais algum tempo, sobre a questão que o Chega já defendeu várias vezes,

que é uma fiscalização parlamentar, um escrutínio, uma sujeição de candidatos, putativos membros do Governo

ou protocandidatos a uma comissão que faça uma avaliação, Sr. Deputado, nós podemos, sem dúvida, refletir

sobre isso. Não há nenhum tabu nem nenhum dogma, podemos refletir sobre isso.

Mas também lhe lanço um desafio, a si e ao seu grupo parlamentar. Reflitam sobre isto: imaginem que

estamos em 2015, que o PSD e o CDS tinham acabado de ganhar as eleições e estavam a constituir Governo.

Os senhores ainda não existiam nessa altura, mas imagine que havia esse mecanismo.

Com a voracidade — o tal, como dizia o Deputado Pinotes Batista, «queimar caminho para chegar à cadeira

do poder» — das esquerdas unidas, que governaram o nosso País dessa forma pelo menos durante seis anos,

imaginem o que teria sido uma audição para constituição do Governo minoritário nas mãos daquele clima

emocional e político que existia em 2015!

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Parece-me muito difícil, efetivamente. Reflitam sobre isso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Segue-se uma nova ronda de pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado

Miguel Santos.

Pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Santos, o questionário que foi

apresentado e decidido pelo Governo não resolve o problema de fundo com o qual estamos confrontados.

O problema de fundo com o qual estamos confrontados é o da subordinação das opções políticas aos

interesses dos grupos económicos; é o da promiscuidade entre o poder político e o poder económico, que

condenamos.

Ao mesmo tempo que condenamos estas opções da política de direita — que, aliás, tem tido como

protagonistas não só o Partido Socialista, mas também o PSD, a Iniciativa Liberal, o Chega e o CDS —…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — O CDS já não está cá!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … denunciamos a falta das respostas que são necessárias para resolver os

problemas que afetam os trabalhadores, os reformados e o nosso País. Não deixamos esquecer esta falta de

resposta nem deixamos que ela seja desvalorizada neste debate político.

Há quem dependa destas circunstâncias para fingir que é oposição ao Governo, mas, quando falamos dos

problemas concretos que afetam os trabalhadores, que afetam os reformados, que afetam o nosso País, e

quando falamos da necessidade de dar resposta a esses problemas concretos, aquilo a que assistimos, na

Assembleia da República, é a uma convergência entre o PS, o PSD, a Iniciativa Liberal e o Chega.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E o CDS?!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — O Sr. Deputado disse, há pouco, em resposta a um pedido de esclarecimento,

que é necessário estabilidade. Diria mais: é necessário estabilidade na vida de quem trabalha; é necessário

estabilidade, segurança e confiança na vida dos trabalhadores e na vida dos reformados.

O que é preciso para garantir essa estabilidade?! É o aumento dos salários, o aumento das pensões,…

O Sr. Filipe Melo (CH): — E a precariedade?!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … o controlo dos preços e o reforço dos serviços públicos, do Serviço Nacional

de Saúde — problema que trouxemos hoje aqui — e da escola pública.

É preciso, de facto, uma política que ponha fim a esta promiscuidade.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr.ª Deputada, peço-lhe que termine.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

É preciso uma opção política que ponha fim, de facto, a esta promiscuidade, uma política que vá ao encontro

das respostas que são necessárias.

Os portugueses não precisam de alternância, mas, sim, de uma alternativa política,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso mesmo!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … na qual os salários, as pensões, os serviços públicos e a defesa do

interesse público estejam, de facto, presentes.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr.ª Deputada, tem mesmo de terminar.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Aquilo que queria perguntar ao PSD é isto: onde se localiza? Está, de facto

— é isso que não sabemos —, em convergência com o PS, a Iniciativa Liberal e o Chega, na recusa das soluções

que são necessárias? Está, como sempre esteve, na governação, a favorecer os interesses dos grupos

económicos?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Agora, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal, tem a palavra, para

formular um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Miguel Santos, o tema

que nos trouxe hoje remete-nos logo para a sabedoria popular, para aquela máxima popular de que «depois de

casa roubada, trancas na porta», não apenas pela questão do mecanismo, do questionário, que foi criado pelo

Sr. Primeiro-Ministro, mas também, e sobretudo, porque, «depois de casa roubada», vimos o Sr. Primeiro-

Ministro ir a Coimbra, a um encontro do Partido Socialista, e dizer a todo o Partido Socialista: «Alto lá! Não

podemos exagerar. Temos de ter cuidado!»

Já aqui uma vez confrontei o Sr. Primeiro-Ministro com isto. É que o Governo do Partido Socialista — sendo

os Governos de António Costa destes últimos sete anos os campeões da criação de grupos de trabalho, task

forces, comissões de acompanhamento e afins, e muitas unidades informais — é incapaz de criar uma unidade

informal de uma ou duas pessoas, no gabinete do Sr. Primeiro-Ministro, para fazer perguntas àqueles que são

indigitados para estar no Governo.

Não são precisas 36 perguntas. Ainda há pouco, o Deputado João Cotrim Figueiredo, na declaração que fez,

disse que bastariam três. E não é preciso estarem num papel; é chegar ao pé de alguém e perguntar: «Tens

conflitos de interesses? Recebeste fundos públicos? Tens problemas com a justiça?» Perante isto, conseguem

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avaliar se, depois, enviam o nome para o Palácio de Belém, para que o Sr. Presidente da República possa fazer

a nomeação.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — É uma boa síntese!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — O mais engraçado é que, apesar de a criatividade ser tanta, ela começa a

faltar, porque cerca de 20 das 36 perguntas são redundantes em relação à declaração que qualquer membro

do Governo, depois, tem de entregar ao Tribunal Constitucional.

Portanto, há perguntas, dentro das 36, que são redundantes entre si e que, depois, são redundantes em

relação à declaração que vão ter de fazer. É uma criatividade que começa a faltar.

Isto, obviamente — por mais que o Sr. Deputado André Pinotes Batista venha citar a Constituição para dizer

que não há uma desresponsabilização —, é um mecanismo de desresponsabilização. É claro!

Protestos do Deputado do PS André Pinotes Batista.

Recordo que houve uma primeira experiência, a tentar fazer aquilo que também se vulgariza como o «abraço

de urso» ao Sr. Presidente da República, que disse logo: «Nem penses! Não vai ser assim.» Depois, surgiu

então o questionário das 36 perguntas.

Portanto, isto é realmente aquela modalidade a que o Sr. Primeiro-Ministro já nos habituou: a da

desresponsabilização.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Concluo, Sr. Presidente.

A pergunta, Sr. Deputado Miguel Santos, é a seguinte: nesta modalidade do «sacudir a água do capote»,

qual é a nota artística que dá ao Primeiro-Ministro?

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Para responder a essa pergunta da nota artística e às outras, tem a palavra

o Sr. Deputado Miguel Santos.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nota artística não vai sair, porque eu não

sei se estamos a falar de ballet, de ginástica, de esgrima, ou de lançamento de dardos. Não faço a mínima ideia!

Portanto, não me atrevo, não arrisco meter-me por esses caminhos.

Risos da IL.

A Sr.ª Deputada Paula Santos diz que o questionário nada resolve e falou da tradicional subordinação do

poder político ao poder económico.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Pois é! É um problema de fundo, mas sobre esse vocês não querem falar! E

percebe-se bem porquê!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr.ª Deputada, rejeito em absoluto essa qualificação. Da minha parte, não

estou submetido a nenhum poder económico, portanto, se a Sr.ª Deputada tem alguma coisa a dizer, levante-

se e diga, mas apresente os nomes, nomeie e especifique, para que possa obter a devida resposta.

Quando começou nessa onda, tenho de reconhecer que deixei de prestar muita atenção ao que dizia.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Não lhe interessa, não é?!

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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas, apesar de tudo, a Sr.ª Deputada disse uma coisa importante e

verdadeira. Tem razão: este questionário nada resolve. Foi essa a sua frase e tem toda a razão: nada resolve.

O Governo deu-nos um pretexto, deu-nos o entertainment do questionário.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — O senhor é que não quer falar dos problemas de fundo! Não lhe apetece falar!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Parece uma coisa, até, quase lunática que andemos há duas semanas a

discutir um questionário e mais nada. Entretanto, o questionário nada resolve, porque o Governo, enquanto anda

entretido nisso, de facto, não governa e não soluciona — então, agora sim, respondendo à segunda parte da

intervenção da Sr.ª Deputada — os problemas dos portugueses, dos reformados, dos trabalhadores, de toda a

gente que está a viver uma situação económica difícil.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — E então?!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Deputado da Iniciativa Liberal, o Presidente da República pediu bom

senso ao Primeiro-Ministro. Ou seja, isto tem um historial, não é?! Isto é uma novela — tão ridícula, parece-me

a mim — e tem um historial.

O Primeiro-Ministro lança, no final de um debate, a história do mecanismo, o Presidente da República diz

que não, mete logo a coisa em banho-maria, e, então, o Primeiro-Ministro tem de arranjar outra coisa e apresenta

o questionário. O Presidente da República diz «pode ser, pode ser», pois tem de haver alguma solução, já que

o Primeiro-Ministro não consegue apresentar um Governo totalmente idóneo, ou maioritariamente idóneo, não

é?!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Vá lá!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, chegamos à terceira parte, em que o Presidente da República

recomenda — claro, obviamente, de que é que os senhores estavam à espera?! — que o questionário, tão

importante, tão determinante para a constituição do Governo, seja submetido a todos os membros do Governo.

Obviamente!

O Presidente da República fala em «bom senso». O Presidente da República diz que o Primeiro-Ministro tem

de ter bom senso, e esse bom senso é atingido se o Primeiro-Ministro corresponder à ação e iniciativa de

submeter todos os membros do Governo ao dito questionário, às 36 perguntas. Portanto, se o Primeiro-Ministro

não o fizer, é um Primeiro-Ministro, na qualificação do Presidente da República, sem bom senso.

De resto, como o questionário é sigiloso e secreto, estamos aqui a falar de uma coisa de que nunca

saberemos. Nunca saberemos se foi apresentado alguém que passou no questionário, mas foi rejeitado por

outros motivos políticos, ou coisa que o valha! Nunca saberemos se foi apresentado alguém que não passou no

questionário…

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — … e foi rejeitado por essa via.

Portanto, a paranoia é de tal maneira, que estamos a falar de uma coisa que nunca saberemos, porque é

sigilosa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Vamos passar agora à declaração política do Grupo Parlamentar do

Chega. Para isso, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Melo.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que comece com uma metáfora,

mas uma metáfora que é real. Este Governo socialista, esta maioria socialista, em tudo se assemelha ao Titanic:

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grande, muito grande — grande demais, até —, a meter água por todo o lado, a começar a afundar e, pior que

tudo, a levar os portugueses e Portugal ao fundo.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Srs. Deputados, temos uma inflação que chega a tocar nos 10 %; temos as taxas

de juro de referência, que são usadas no crédito à habitação, a chegar, ainda este ano, aos 4 %; temos das

maiores cargas fiscais da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico). As famílias

portuguesas atravessam graves — gravíssimas! — dificuldades e o que é que fez o Governo socialista para as

atenuar?!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Nada!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Zero! Nada!

O Chega propôs, nesta Câmara,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E bem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — … a redução do IVA (imposto sobre o valor acrescentado) dos produtos

alimentares para a taxa zero. Qual foi a resposta e a preocupação deste Governo e da sua bancada para com

os portugueses?! Zero! «Bola»!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Governo, com apoios pontuais, tenta disfarçar

a miséria a que levou este País. Mas, Srs. Deputados — em particular os Srs. Deputados do Partido Socialista

—, os nossos portugueses não precisam da vossa esmola; precisam de dignidade, precisam de salários justos,

precisam de um alívio da carga fiscal que os atormenta. É disso que eles precisam e não das esmolas socialistas,

que, quando é preciso, vocês estão sempre prontos a dar!

Aplausos do CH.

Srs. Deputados, não obstante este sacrifício que os portugueses fazem, ainda têm de levar, diariamente, nas

televisões, com notícias que nos deviam envergonhar a todos, enquanto políticos, mas principalmente a vocês,

do Governo e do Partido Socialista.

Devia-nos envergonhar quando vemos uma senhora administradora da TAP a levar para casa quase

45 000 € mensais!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Que vergonha!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Essa senhora administradora ainda vai receber um bónus, em 2025, muito

chorudo, que vai torrar, vai derreter 3,2 mil milhões de euros dos impostos que os portugueses, com dificuldade,

pagam.

Aplausos do CH.

Sim, são esses que os pagam! São esses que sustentam o salário dessa senhora e de toda a sua

administração; são eles que sustentam a compra de 79 BMW para diretores dessa empresa; são eles que

sustentam os 450 € que esses diretores e administradores têm para gastar mensalmente na Uber; são eles que

pagam toda esta brincadeira que é a TAP e o negócio dos aviões.

Srs. Deputados, haja decoro e tenham a responsabilidade para devolver a dignidade de que os portugueses

precisam e merecem.

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Aplausos do CH.

Acrescento ainda, em relação a este tema, que é antigo, o seguinte: enquanto muitos portugueses tentam

sobreviver e têm de optar entre pôr comida na mesa para os seus filhos ou pagar a medicação de que

necessitam, esta Administração da TAP despediu 3000 trabalhadores da companhia, mais 1200 da White

Airways, fruto de um contrato celebrado, sabe-se lá bem como, com uma empresa da Estónia. São 4200

despedimentos. Para esses, não há dinheiro, mas, para os grandes salários e para indemnizações de 500 000 €

para uma senhora que chegou a Secretária de Estado deste Governo, para isso, já há dinheiro!

Srs. Deputados, haja decoro, haja vergonha!

Aplausos do CH.

Acrescento ainda, a este rol de dificuldades que os portugueses atravessam, um problema que os senhores

teimam em não resolver, por falta de competência ou por falta de vontade, que é a habitação.

A habitação é a maior desgraça que os portugueses têm de enfrentar, juntamente com os altos impostos que

temos. A habitação teve uma subida média de preço de 18 % em 2022. Alertámos, nesta Casa, que era preciso

medidas urgentes e propusemos o regresso do crédito bonificado. Qual foi a resposta do ministro demissionário

e da atual Ministra da Habitação?! Foi esta: «Os portugueses não se podem endividar.»

Pois não, não se podem endividar. O Governo recusa-se a dar 180 milhões de euros, que era quanto custava

por ano o crédito bonificado, mas admite desperdícios de mais de 1000 milhões de euros por ano no Ministério

da Saúde.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Srs. Deputados, há que acabar com esta indecência e com esta forma com que

tratam o povo português.

Termino, Sr. Presidente, com um apelo para os portugueses que nos ouvem lá em casa. Não desistam do

nosso País, não desistam da vossa dignidade. Aguentem, porque brevemente o Chega será Governo e cá estará

para vos devolver essa dignidade, para vos devolver a justiça que merecem e as condições de vida de que

vocês necessitam, e para trazer de volta ao nosso País os milhões de emigrantes que foram forçados a sair.

Esses, sim — que são portugueses —, fazem cá falta.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — A Mesa não regista a inscrição de qualquer pedido de esclarecimento ao

Sr. Deputado.

Vozes do CH: — Ohhh…!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Ficaram esclarecidos!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — O PS ouviu e ficou em silêncio!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Afinal, parece que há um pedido de esclarecimento.

O Sr. Deputado Paulo Moniz tinha pedido a palavra. Não percorreu os canais normais, mas, de qualquer

maneira, é como se os tivesse percorrido.

V. Ex.a tem de imediato a palavra para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Filipe Melo.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Filipe Melo, agradeço-lhe por ter trazido o tema

da TAP. Enquanto estávamos neste debate, soubemos, pelas notícias, que parece haver mais uma senhora

administradora que recebeu uma indemnização de 1 milhão de euros.

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O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É sempre a subir!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — A cada dia que passa, o valor duplica-se, e parece que, na sequência disso, a

TAP decidiu fazer uma auditoria externa às indemnizações já pagas.

Estamos numa escalada alucinogénica da gestão da TAP e, portanto, Sr. Deputado, é muito importante que

nos traga esse assunto, porque há aqui o problema de uma opção ideológica do Governo do Partido Socialista,

que, escudado pela pandemia, justifica assim ter entregado à TAP 3200 milhões de euros dos portugueses, com

uma diferença em relação aos restantes países. É que os restantes países ajudaram as companhias aéreas,

emprestaram o dinheiro dos contribuintes, mas aplicaram um juro. A Alemanha, por exemplo, recuperou 700

milhões de euros.

O que é que aconteceu em Portugal?! Foram lá colocados 3200 milhões de euros dos contribuintes a juro

zero, a fundo perdido, sem qualquer responsabilidade de devolução — aliás, já se assumiu que o dinheiro não

vai ser devolvido —, com uma agravante: o País não tem liquidez para pôr 3200 milhões de euros na TAP.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Ah, pois é!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Esse dinheiro é dívida em nome dos portugueses, dos seus filhos e netos.

Estamos a desrespeitar aquilo que devia ser a justiça intergeracional do nosso País.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É para dar aos amigos do PS!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Mais ainda, com a pressa de privatizar a TAP, reparem que há algo

absolutamente incompreensível: estamos a colocar dinheiro fresco na TAP e quem vier a comprar a TAP leva o

dinheiro dos portugueses, dado a custo zero. Mas não é dinheiro dos portugueses! Ainda se tivéssemos

excedente, enfim, era uma opção possível, mas não, os portugueses e os seus filhos vão pagar uma dívida e

os juros de uma dívida pelo dinheiro que um qualquer estrangeiro vem cá buscar a preço de saldo.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É uma vergonha!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não se privatize!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Ora bem, o PSD já tinha percebido aquilo que — espantem-se! — o Sr. Ministro

da Economia, parece que por moda e a contraciclo, disse nesta Assembleia, esta semana, em relação à Efacec:

«O Estado não é bom acionista.»

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Já concluo, Sr. Presidente.

O Sr. Ministro vem reafirmar aquilo que o PSD diz em relação à TAP já há muito tempo, portanto, parece que

o Sr. Ministro tem a clarividência que o resto do Governo e o Partido Socialista não têm.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado Paulo Moniz, renovo o meu pedido de desculpas. De facto,

a Mesa não tinha registado a inscrição de V. Ex.ª, mas está feito o seu pedido de esclarecimento.

Agora, para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Melo.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Moniz, muito obrigado pelas questões que

colocou.

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Deixe-me que lhe diga que estou de acordo com o que afirmou. É apanágio dos vários Governos socialistas

derreter dinheiro público, torrar dinheiro público a seu bel-prazer, nas empresas em que têm interesse em fazê-

lo, e depois vem a direita limpar o trabalho sujo que o Partido Socialista costuma fazer.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — É verdade!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Estamos habituados, concordo consigo, mas vou-lhe dar uma má notícia, Sr.

Deputado Paulo Moniz. Vá-se habituando e vá-se preparando, porque nós já estamos preparados para que,

dentro em breve, tenhamos de ser chamados a terreiro para limpar esta desgraça socialista que este Governo

tem feito na TAP. Já não há de faltar muito tempo e a indemnização de que falou, de 1,2 milhões de euros,

penso eu, não há de ser caso único. Muitas outras estão para ser descobertas, dentro da TAP e não só.

Portanto, Sr. Deputado Paulo Moniz, partilho consigo a sua preocupação e renovo essa esperança de

rapidamente termos de ser chamados a resolver mais um grave problema que o Partido Socialista deixa nas

mãos da direita. Cá estaremos, certamente, para evitar a bancarrota a que o Partido Socialista se prepara para

conduzir o País.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa

Real, do PAN.

Como habitualmente acontece, durante a intervenção, a Mesa registará as inscrições para pedidos de

esclarecimento.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando, em fevereiro de 2014,

esta Assembleia discutia os projetos que originaram a criminalização dos maus-tratos e o abandono de animais

de companhia, o Conselho Superior da Magistratura emitiu um parecer em que referia que não via como é que

os atos de crueldade injustificada praticados sobre um qualquer animal não caberiam numa tão apertada

previsão da norma, criticando, até, o facto de a Assembleia da República não proteger outros animais para além

dos animais de companhia.

O avanço que Portugal teve a esta data foi, sem dúvida, um progresso civilizacional, apesar de todas as

insuficiências da lei.

Na sentença de primeira instância, que aplicou ao arguido que esventrou a cadela Pantufa, uma cadela

grávida, e deitou as suas crias, ainda vivas, para o caixote do lixo, uma pena de prisão de 16 meses, o juiz

declarou: «Não sou fundamentalista dos animais; sou fundamentalista contra a crueldade.» E acrescentou:

«Este homem tem de estar na cadeia. Se a cadeia não serve para a crueldade, serve para quê?»

Contudo, foi este mesmo caso que originou a primeira declaração de inconstitucionalidade da lei que

criminaliza e pune os maus-tratos a animais de companhia.

A doutrina, diversos magistrados e a sociedade civil têm clamado, ao longo dos anos, por mais proteção aos

animais, reconhecendo que constitui um dado civilizacional adquirido nas sociedades modernas o respeito pelos

animais e que a relação do ser humano com os animais de companhia possui já um relevo face à ordem jurídica

que não pode ser desprezado, repudiando, também, os casos chocantes que têm vindo a público: animais

espancados com barras de ferro; cadelas enforcadas porque tiveram o azar de engravidar; animais

esquartejados em contexto de violência doméstica; animais deixados a morrer à fome; animais presos a carros

e arrastados pela estrada, entre tantos outros casos que poderíamos exemplificar. Estes são animais que

sentem e sofrem, tal como aqueles que todos nós temos e estimamos nas nossas casas.

São casos que geraram, e geram, forte indignação social, os quais a sociedade sempre viu como crimes,

mesmo quando isso não estava escrito em letra de lei, e continuará a vê-los como crimes, caso se verifique o

retrocesso incompreensível que o Tribunal Constitucional está agora a preconizar.

A capacidade de sentir dos animais é, há muitos anos, unanimemente reconhecida pela ciência. Este

reconhecimento traduziu-se no ordenamento jurídico dos países desenvolvidos, que passaram a criminalizar os

atos de crueldade e os crimes cometidos contra os animais.

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Portugal não foi exceção, criminalizando os maus-tratos e o abandono dos animais de companhia, criando

um estatuto jurídico próprio que reconhece que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade. Mas,

incompreensivelmente, assistimos, em pleno século XXI, não só ao erguer de barreiras para impedir a proteção

dos animais, como também ao erguer de obstáculos jurídicos sob a chancela do Tribunal Constitucional.

Após os juízes conselheiros terem julgado inconstitucionais 11 casos de maus-tratos a animais de

companhia, numa leitura conservadora e completamente enviesada dos princípios que emanam da Constituição,

o Ministério Público requereu a apreciação, por parte do Tribunal Constitucional, da norma que criminaliza os

maus-tratos e a morte, sem motivo legítimo, de animais de companhia — o artigo 387.º do Código Penal —, com

vista à declaração da sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

Sr.as e Srs. Deputados, é incompreensível que a interpretação da Constituição por parte dos magistrados do

Palácio Ratton seja estanque e não dinâmica, e que se veja na Lei Fundamental um travão para questões e

valores assentes e enraizados na sociedade, ignorando a necessidade da aplicação de leis gerais a casos

específicos, que não foram inicialmente previstos pelo legislador, ignorando também os próprios princípios que

emanam da Constituição e a letra da própria Lei Fundamental.

É incompreensível que, com a chancela do Tribunal Constitucional, os maus-tratos a animais de companhia

passem a estar à margem da lei, dizendo ao nosso País que é legítimo matar e maltratar um animal, dizendo

que quem faz isto pode passar impune e ficar sem qualquer tipo de consequência, contrariando valores não só

assentes na sociedade, como na Constituição.

Sr.as e Srs. Deputados, em menos de 15 dias, mais de 62 000 pessoas assinaram uma petição em defesa

da lei que criminaliza os maus-tratos e o abandono dos animais de companhia, opondo-se à interpretação do

Tribunal Constitucional, pedindo que esta Assembleia faça alguma coisa e que os senhores juízes conselheiros

não declarem a inconstitucionalidade desta norma. Mais de 70 conceituados juristas assinaram um manifesto

em defesa da constitucionalidade da lei. Entre estes nomes estão magistrados jubilados, juízes no ativo e ex-

juízes do Tribunal Constitucional, bem como personalidades de vários quadrantes, como, por exemplo, o Prof.

Armando Leandro, a Prof.ª Maria Cândida Almeida, o Prof. Rogério Alves, a Dr.ª Dulce Rocha, o Prof. Rui Pereira

ou a Prof.ª Maria da Conceição Valdágua.

A tutela penal dos animais não é, nem pode ser, considerada inconstitucional. Isso seria uma grave reversão

de valores na nossa sociedade.

Perante esta incompreensível posição do Tribunal Constitucional e do Ministério Público, recordamos que,

em 2020, aquando da última alteração ao Código Penal, na Assembleia da República, essa alteração foi

aprovada por unanimidade, por forças políticas que integram, atualmente, esta Assembleia.

Isto significa que temos mais do que o quórum necessário não só para alterar a Constituição, como para

garantir a alteração do próprio Código Penal.

Sr.as e Srs. Deputados, os animais não podem, na sua vulnerabilidade, ficar à espera de uma revisão

constitucional e ficar à mercê da impunidade deste tipo de crimes. O PAN não vai baixar os braços e vai

apresentar uma nova proposta de alteração ao Código Penal, para além do processo de revisão constitucional

em curso.

Antes que algumas das Sr.as Deputadas e alguns dos Srs. Deputados digam que não faz sentido alterar estas

normas penais, enquanto se avança com um processo de revisão constitucional, recordo que o que não faz

sentido, e o que está aqui em causa, é devolver animais vítimas de maus-tratos aos seus agressores e que

passem impunes atos de extrema crueldade. O que não faz sentido é o Estado ter de acabar por pagar

indemnizações àqueles que maltrataram animais e que foram condenados por uma lei que agora poderá vir a

ser considerada inconstitucional.

Sr.as e Srs. Deputados, para concluir, recordo as palavras de Martha Nussbaum: «Os animais não-humanos

são capazes de uma existência condigna. É difícil precisar o que esta frase pode significar, mas é relativamente

claro o que não significa. […] O facto de os humanos atuarem de uma forma que nega essa existência condigna

aparenta ser uma questão de justiça, e uma questão urgente.»

Nunca, como hoje, estas palavras fizeram tanto sentido. É urgente que esta Assembleia faça alguma coisa

para proteger os animais no nosso País, porque maltratar um animal, isso sim, é inconstitucional.

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O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, a Mesa regista quatro inscrições para

pedidos de esclarecimento a V. Ex.ª, por parte da Sr.ª Deputada Rita Matias e dos Srs. Deputados Duarte Alves,

Pedro Filipe Soares e Pedro Delgado Alves.

Como pretende responder?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Responderei a todos em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Com certeza, Sr.ª Deputada.

Então, a Sr.ª Deputada do Grupo Parlamentar do Chega, Rita Matias, vai de imediato usar da palavra para

um pedido de esclarecimento.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, agradecemos

o tema que nos trouxe a debate, porque, efetivamente, consideramos que o desfecho previsível para esta lei é,

de facto, um retrocesso civilizacional, uma vez que uma sociedade equilibrada só existe com o respeito pela

vida, pelos seres humanos e, naturalmente, também pelos animais.

Importa reforçar que, desde que esta lei foi aprovada, este foi um dos crimes mais denunciados, o que mostra

efetivamente a necessidade desta lei. É importante também referir que, segundo os estudos, quem maltrata

animais tem mais predisposição para maltratar pessoas e bens e, portanto, é grave aquilo que se está a fazer.

A aplicação da lei de maus-tratos a animais foi considerada três vezes inconstitucional pelo Tribunal

Constitucional e o posicionamento da Procuradoria-Geral da República, portanto, não é surpreendente.

O Chega, por isto mesmo, apresentou, logo em setembro, uma proposta de revisão constitucional que

pretendia resolver este problema, inserindo os direitos dos animais na Constituição.

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Bem lembrado!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Além disto, e cientes da gravidade desta situação, apresentámos uma proposta

que aumentava consideravelmente as coimas aplicadas a quem maltrata ou compromete o bem-estar animal,

proposta esta que foi chumbada pelo Partido Socialista e pelo Bloco de Esquerda, com quem a Sr.ª Deputada

gosta de estar acompanhada.

A Sr.ª Deputada anunciou da tribuna aquilo que vai fazer daqui para a frente, mas importa saber o que é que

o PAN fez anteriormente, o que é que o PAN esteve a fazer para prevenir e colmatar esta situação, sabendo

nós que o PAN é um dos parceiros preferenciais do Partido Socialista para a negociação. Lembremo-nos do

período de discussão do Orçamento, quando separavam até as votações para o PAN negociar com o PS.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente! Bem lembrado!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Onde esteve esta preocupação para com os animais, nessa altura?!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Esqueceu-se!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Gostaríamos também de aproveitar este momento para dizer que o PAN tem

prestado um mau serviço na defesa dos animais, na medida em que tem radicalizado o discurso na suposta

defesa, mas conseguido pouco. Acima de tudo, tem mostrado um fundamentalismo que não se traduz na defesa

dos animais.

Portanto, Sr.ª Deputada, esclareça-nos o que é que fez anteriormente e o que é que exigiu ao PS, à mesa

das negociações.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Agora, para formular um pedido de esclarecimento, em nome do Grupo

Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.

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O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, cumprimento a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

Quanto às questões de constitucionalidade, elas terão de ser debatidas e decididas pelo Tribunal

Constitucional, mas a oportunidade que nos deu com a sua declaração política permitiu-nos rever a declaração

de voto do PCP relativamente à votação da lei de 2014, que passou a consagrar os maus-tratos a animais como

um crime.

Diz essa declaração de voto do PCP: «A opção pela criação de novos tipos de crime, pelas consequências

e gravidade que implica, deve corresponder a uma intervenção de último recurso. É uma opção que se tem

revelado errada e ineficaz quando não existem mecanismos de prevenção, controlo e fiscalização dos

comportamentos que se pretende evitar. Optar pela aplicação de penas de prisão em casos de maus-tratos ou

abandono de animais de companhia, sem que existam meios de prevenção dessas situações, é

desproporcionado e contribui para criar expectativas erradas.»

Gostaríamos de questionar a Sr.ª Deputada sobre se considera que, passados estes nove anos, essas outras

medidas que seriam necessárias — de aposta na prevenção, no controlo e na fiscalização, reforçando os meios

do Estado para poder fazer esse controlo e fiscalização — foram, ou não, aplicadas. É que, de facto, criminalizar

sem fazer tudo o resto, sem fazer todo o caminho de prevenção, controlo e fiscalização, pode, muitas vezes,

não levar a lado nenhum, seja neste domínio, seja em muitos outros domínios da vida no nosso País.

Noutra passagem da declaração de voto do PCP, diz-se que, por outro lado, a legislação em vigor à época,

apesar de insuficiente, responsabilizava essencialmente o Estado pela fiscalização e prevenção dos maus-tratos

a animais de companhia e que aquela alteração introduzia a ideia da possibilidade de vir a ser passada para os

cidadãos uma responsabilidade que é do Estado, assim como um poder para utilizar estas denúncias, muitas

vezes, não para casos reais de maus-tratos a animais, mas para problemas de vizinhança. Sabemos terem sido,

muitas vezes, essas as queixas que têm surgido, ao longo dos últimos anos.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, perguntando ao PAN se considera, ou não, que a

fiscalização relativamente aos maus-tratos a animais deve ser uma responsabilidade essencialmente do Estado

e que, para isso, são necessários os meios que têm faltado ao longo dos últimos anos.

Aplausos doPCP.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra, para

formular um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, cumprimento-a pelo

tema que trouxe a debate, que é preocupante, porque, havendo decisões e processos em curso sobre animais

que foram maltratados e que a lei protegeria, ao colocar em causa essa lei, deita-se tudo por terra.

Creio que todos os que votámos a favor dessa lei, que consideramos ser um passo em frente na defesa dos

direitos dos animais, ficámos, pelo menos, com o coração despedaçado e com a convicção de que esta

circunstância nunca deveria ter acontecido. É, para nós, incompreensível que tal esteja a acontecer!

O Tribunal Constitucional tem o direito de decisão, tem o poder de o fazer; nós temos o poder de discordar

das suas decisões, e temos discordado delas.

Está, neste momento, uma revisão constitucional em curso, que pode resolver de vez o problema. Fizemos

propostas de alteração nesse sentido e não fomos o único partido a fazê-lo — creio que a Sr.ª Deputada o fez

e o Partido Socialista também. Pelo menos, estes são os de que me lembro.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — E o Chega!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Portanto, há essa possibilidade de alterar, quando e se a revisão

constitucional tiver sucesso, essa disposição constitucional e, com isso, eliminar de vez as suspeitas que o

Tribunal Constitucional apresentou e que podem levar à declaração de inconstitucionalidade.

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No entanto, a Sr.ª Deputada põe em cima da mesa a possibilidade de haver uma solução legal para o efeito.

Não fechamos a porta a essa discussão e temos disponibilidade para trabalhar, até em conjunto, se for

necessário, para conseguirmos chegar a uma alternativa. Se o conseguirmos fazer em tempo útil, ainda melhor,

porque, mais do que questões partidárias, mais do que estarmos a puxar por uma outra lapela, por um pin que

lá esteja com um determinado cunho partidário, é a defesa do bem-estar animal e de um avanço civilizacional

— que, creio, julgávamos todos estar alcançado — que, afinal, está agora posta em causa.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Para concluir a formulação dos pedidos de esclarecimento, tem agora a

palavra, pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa

Real, obrigado também pela pertinência da questão que levanta e que, aliás, já tivemos oportunidade de discutir.

Há, de facto, uma diferença de grau. Sabe-se que os casos de julgamento por inconstitucionalidade

originaram um pedido de apreciação abstrata, mas isso não garante, obviamente, que o Tribunal, no seu

plenário, se pronuncie no sentido da inconstitucionalidade.

Uma primeira nota importante sobre este debate é a de que caberá ao Parlamento respeitar a decisão do

Tribunal Constitucional, seja ela qual for, e dar o espaço e o tempo próprios para que o Tribunal Constitucional

formule o seu juízo.

Podemos todos discordar — e, provavelmente, discordamos — de uma interpretação que considera

inconstitucional a criminalização dos maus-tratos a animais de companhia. Se assim não fosse, não teríamos

votado favoravelmente essa criminalização, nós e todos os grupos parlamentares que o fizeram. Mas devemos

dar esta nota: o que é certo é que, na nossa ordem jurídica, a interpretação que fará fé e terá força obrigatória

geral é aquela que o Tribunal vier a fixar.

Isto é importante, porque é fundamental que se mantenha a coerência do sistema e que se continue a

reconhecer a validade das decisões do Tribunal, mesmo quando delas não gostamos, pois, quando foi relevante

travar cortes nos salários e pensões, ou quando for relevante travar retrocessos à legislação laboral, é

fundamental que o Tribunal Constitucional mantenha a sua autoridade. Por isso, não farei qualquer consideração

sobre a natureza das interpretações que ali possam ser feitas, com a boa-fé e a lisura que todos os juristas que

hoje integram o Tribunal Constitucional terão. Portanto, não vamos por esse caminho.

Sublinho outro aspeto da sua intervenção e é em relação a esse que penso haver algum espaço de reflexão.

Efetivamente, o que está em cima da mesa, quanto às decisões conhecidas, são, fundamentalmente, duas

questões, e uma delas prende-se com a eventual ausência de um bem jurídico na Constituição para justificar a

incriminação. Essa é matéria que, como já foi referido, poderá ser clarificada em sede de revisão constitucional,

de forma que não subsistam dúvidas de que o nosso texto constitucional abarca essa proteção, o que viabilizaria,

portanto, essa criminalização.

No entanto, há uma outra questão, que se prende, nalgumas das decisões, com a eventual

indeterminabilidade da norma. Ou seja, ela não seria tecnicamente adequada para cumprir a

indeterminabilidade.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr. Deputado, faça o favor de concluir.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Relativamente a essa questão, há, de facto, um labor legislativo que, eventualmente, a Assembleia da

República pode desenvolver e que, no limite, até pode vir a demonstrar que a outra questão é apenas minoritária

no Tribunal e que não fará necessariamente vencimento.

A pergunta que deixo é a de saber se não é fundamental termos um espaço próprio e deixar que o Tribunal,

com toda a segurança e com toda a sua independência, decida, e depois, em função disso, fazermos aquilo que

estamos a fazer, sem prejuízo, obviamente, em relação aos pontos que estão ao nosso alcance, de podermos,

eventualmente, intervir.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados e à Sr.ª Deputada todas

as questões levantadas e começo por responder à última questão, a do Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.

Quando fala em espaço próprio para o Tribunal decidir, é com muita preocupação que verificamos que, em

casos como o de Santo Tirso, as agressoras já pediram a devolução dos animais, que foram vítimas não só de

maus-tratos, como de condições negligentes. Portanto, um espaço próprio para decidir sobre o bem-estar animal

não se coaduna com o sofrimento perpetrado e com alguns dos atos absolutamente grotescos que têm sido

praticados.

Há uma dimensão que o Sr. Deputado referiu e que acompanhamos, que é o facto de esta Assembleia ter o

poder e o dever de, do ponto de vista da promoção legislativa, corrigir uma das dimensões que tem sido apontada

pela maioria das secções e dos juízes conselheiros, que é precisamente a questão da densificação dos conceitos

previstos na norma. Acho que isso ultrapassaria muito do que tem vindo a ser referido por parte do Tribunal

Constitucional.

Relativamente ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, é com agrado que verificamos

essa disponibilidade para trabalharmos em conjunto, para, de facto, podermos, pelo menos no Código Penal e,

depois, como é óbvio, na revisão constitucional, alcançar um nível mais reforçado de proteção dos animais.

Mas volto a dizer: é manifestamente urgente que esta Assembleia faça alguma coisa, porque aquilo que não

pode acontecer é que milhares de animais por todo este País sejam devolvidos a agressores, fiquem às mãos

destes mesmos agressores, devido a uma lacuna jurídica absolutamente incompreensível. Não nos podemos

esquecer de que esta violência praticada contra os animais deve ser encarada como uma violação dos princípios

que emanam da Constituição, quer do artigo 66.º, que nos garante o direito a um ambiente sadio e ao

desenvolvimento humano, quer do próprio direito da família, quando mais de metade das famílias e dos lares

portugueses têm animais de companhia. A própria letra da lei diz-nos que o Tribunal tem de olhar para as normas

internacionais vigentes, como o artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Portanto, há um caminho a fazer e congratulamo-nos por nos acompanharem.

Sr. Deputado Duarte Alves, há uma dimensão do que referiu que não posso acompanhar, que é a questão

da opção pelos novos tipos de crime.

A criminalização dos maus-tratos a animais de companhia não só foi um passo civilizacional, como protege

animais e pessoas. Os maus-tratos a animais são muitas vezes a ponta do iceberg — e assim respondo também

à Sr.ª Deputada Rita Matias —, porque, frequentemente, estes maus-tratos começam nos animais e acabam

nas pessoas.

Não podemos ignorar que há um efeito preventivo por parte do direito penal, um efeito reparador, que o

direito contraordenacional não consegue cumprir.

Concordamos que é preciso mais fiscalização e foi por isso que o PAN propôs e conseguiu, neste Orçamento,

inscrever uma norma que visa garantir mais meios de formação para os polícias e magistrados, bem como, já

no Orçamento passado, conseguiu o alargamento do Programa de Defesa Animal a todo o País.

A Sr.ª Deputada Rita Matias perguntou o que é que o PAN tem feito. O PAN tem feito muito pelos animais e

também pelas pessoas e pela natureza, precisamente porque somos uma força política dialogante com as

demais forças políticas e porque conseguimos consensos.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — São uma força política em extinção!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — A Sr.ª Deputada labora em equívoco: as coimas já existem. Recordo

que foi precisamente na Legislatura passada que o PAN e esta Assembleia da República conseguiram alterar a

lei de proteção aos animais e estabelecer um conjunto de normas que se constituem não só em

contraordenações para quem maltrata todos os animais, como em possibilidade de apreensão.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — E os cavalos na Moita?!

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Esta lei de proteção dos animais inclui todos…

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, esta lei inclui todos os animais, sem exceção, desde os animais de companhia aos

cavalos, às vacas ou a quaisquer outros.

Protestos do Deputado do Chega Pedro dos Santos Frazão.

Se acham que radicalizar o discurso é a nossa opção, tenho a dizer-vos que sou radicalmente inclusiva.

Protestos do Deputado do Chega Pedro Pinto.

Isso implica respeitar os direitos não só das pessoas, mas também dos animais. É por isso mesmo que, no

Orçamento do Estado e na política legislativa que temos prosseguido, conseguimos 13 milhões de euros para

cumprir todas estas lacunas e, na revisão de 2020, foi pela mão do PAN que se alterou não só o Código Penal,

como o Código de Processo Penal.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ultrapassou o tempo mais de 1 minuto para dizer isso?!

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento da Assembleia da República,

dou agora a palavra ao Sr. Deputado Porfírio Silva, para fazer uma declaração política em nome próprio.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Duas vezes hoje?! Ninguém merece! Que castigo!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Este Parlamento vai entrar

numa fase decisiva da apreciação dos projetos de lei relativos ao ensino superior politécnico. Sumariamente,

estão em apreciação duas questões: a primeira é a de saber se devem os politécnicos poder outorgar o grau de

Doutor; a segunda é a de saber se deve a designação «instituto superior politécnico» ser substituída pela de

«universidade politécnica».

No meu entendimento da democracia representativa, a representação constrói-se coletivamente. É por isso

que nos organizamos em grupos parlamentares e procuramos respostas partilhadas para os problemas

nacionais. Contudo, isto não nos dispensa da responsabilidade individual pelas decisões e suas consequências,

razão pela qual quero deixar um contributo individual — sublinho, individual! — para o debate em curso sobre

os politécnicos.

Quanto à questão dos doutoramentos, o sistema está hoje maduro para podermos retirar o travão legal que

veda automaticamente a outorga do grau de Doutor às instituições do subsistema politécnico. O reconhecido

contributo dos politécnicos para a materialização de programas doutorais é um argumento substantivo a favor

desta opção.

Desde a modificação do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, em 2018, a existência

de um enquadramento jurídico capaz de garantir que só teremos doutoramentos de qualidade reconhecida com

base nas condições concretas de cada instituição e de cada doutoramento torna esta decisão segura.

A questão dos doutoramentos liga-se estreitamente à questão da investigação. Neste ponto, cabe lembrar

que a Lei de Bases integra a investigação na missão quer do subsistema universitário, quer do subsistema

politécnico, embora faça uma distinção entre investigação fundamental e investigação aplicada, que é hoje uma

distinção epistemologicamente frágil e de fraco valor operativo.

Por tudo isto, creio chegado o momento de, neste ponto, aprovar o essencial da proposta da iniciativa

legislativa de cidadãos, bem como das propostas do Bloco de Esquerda e do PCP.

Quanto à designação, o que se propõe é que os institutos superiores politécnicos passem, de forma universal

e automática, a chamar-se «universidades politécnicas». Um País da nossa dimensão passaria, assim, de um

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dia para o outro, a dispor de umas três dezenas de instituições designadas «universidades» e passaríamos a

chamar «universidade» a instituições sem condições para organizar doutoramentos, mesmo depois de retirado

o travão legal.

Merece atenção o argumento de que a correta identificação do perfil de uma instituição importa nas

estratégias de internacionalização. Isso é verdade, mas a resolução da questão dos doutoramentos muda

radicalmente a situação presente: pertencer a um subsistema com capacidade para outorgar o grau de Doutor

elimina qualquer confusão com outros graus de ensino e beneficia enormemente o perfil institucional dos

politécnicos, criando um excelente cartão de visita no plano internacional.

Os politécnicos têm dado muito ao País e temos de continuar a investir para prosseguir esse caminho, mas

só há um caminho para o sucesso, que é o da qualidade, nomeadamente da formação, da organização e da

investigação, que se traduz em mais-valia para os territórios. Tudo o que possa parecer mera «cosmética

legislativa» vai prejudicar os próprios politécnicos.

Parte importante da mais-valia que os politécnicos representam para o País é a diversidade que oferecem.

O ensino superior tem de oferecer diversidade, as instituições de ensino superior não podem fazer todas a

mesma coisa e a diversidade da oferta é exigida pela diversidade da procura. Há alunos e professores que

procuram o ensino politécnico, porque este lhes dá as ferramentas para a vida que querem ter. Esse tem sido,

também, um dos fatores de sucesso do ensino politécnico e do seu enorme contributo para a democratização

do ensino superior.

Reconhecemos que a diversidade não é fruto automático do sistema binário. A diversidade profunda é a

diversidade entre instituições, mas o sistema binário é um regulador útil na promoção da diversidade. As

experiências de desregulação radical deram mau resultado, como no Reino Unido, onde esperavam que a

chamada «livre concorrência entre instituições» garantisse a diversidade da oferta num sistema formalmente

unificado. Porém, a única coisa que o mito da ordem espontânea conseguiu foi aprofundar a estratificação entre

universidades de primeira e outras que, não podendo contar com a regulação para compensar a desvantagem

simbólica e histórica, são vistas, cada vez mais, como instituições de segunda categoria.

Entretanto, essa mesma experiência prejudicou a expansão do ensino vocacional e das formações curtas,

designadamente das formações para adultos, obrigando a criar novas instituições para preencher esse papel.

Creio bem que Portugal não se pode dar ao luxo de cometer os mesmos erros.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, termino…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ainda bem!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — … com um apelo: temos a responsabilidade de poupar o ensino superior a uma

guerra entre instituições por causa do assunto, mal assimilado, da mudança de designação.

Eliminando o travão cego aos doutoramentos nos politécnicos, abrimos uma nova via de aprofundamento

qualitativo do sistema, mas isso vai demorar tempo! Criar as condições para oferecer doutoramentos, organizá-

los, fazer passar os centros de investigação pelo crivo da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), fazer

passar os programas doutorais pelo crivo da A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior),

tudo isso, vai demorar anos.

No quadro da avaliação do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior) que aí vem, haverá

tempo para pensar na melhor forma de integrar a nova realidade que daí vai emergir, eventualmente mudando

as designações, ou não, mas de forma amadurecida. Não há nenhuma vantagem objetiva em fazê-lo já e há a

enorme desvantagem de essa alteração ser feita em clima de disrupção entre universidades e politécnicos, algo

que, acredito, temos todos a responsabilidade de evitar.

Aplausos de Deputados do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado Porfírio Silva, a Mesa regista duas inscrições para pedidos

de esclarecimento a V. Ex.ª.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Para quê?!

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O Sr. Presidente (Adão Silva): — Um é por parte do Grupo Parlamentar do PSD, do Sr. Deputado António

Topa Gomes, e o segundo do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, da Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

Dou a palavra, de imediato, ao Sr. Deputado António Topa Gomes, do Grupo Parlamentar do PSD, para fazer

o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. António Topa Gomes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o que está aqui em causa

prende-se muito com a qualidade do nosso sistema de ensino superior e com o caminho de sucesso que o

ensino politécnico traçou nos últimos 40 anos. Se estamos aqui, hoje, a ter esta discussão, é porque houve uma

melhoria muito significativa da qualidade que o permitiu. Portanto, é com alegria que o PSD participa na mesma.

Deu-se o curioso momento, previsto no Regimento, de o Sr. Deputado Porfírio Silva falar em nome pessoal,

mas permita-me que tenha um momento «Olívia patroa, Olívia costureira» e faça uma pergunta ao PS e ao Sr.

Deputado Porfírio Silva.

A primeira questão que coloco tem a ver com o seguinte: todos sabemos do crónico subfinanciamento do

sistema de ensino superior, subfinanciamento esse que não melhorou, pelo contrário, tem vindo a agravar-se

desde 2015. Portanto, quando fizermos uma mudança que não é menor, mas uma mudança significativa,

provavelmente podemos ter de investir mais dinheiro no sistema de ensino superior. Recordo que, por exemplo,

neste ano, no Orçamento, temos uma inflação prevista de 4 %, pelo que o aumento das verbas para o ensino

superior ficou claramente aquém disto.

Portanto, Sr. Deputado, não teme que isto agrave ainda mais os problemas do ensino superior e que os

mesmos — vendo o que se está a passar com os professores do secundário —, de alguma forma, se alastrem?

Pareceu-me que o Sr. Deputado não concorda com a mudança do nome, por isso, pergunto que medidas

podíamos ter, se isto for possível, para conseguir não só uma garantia de qualidade, mas também uma

constância nas possíveis alterações de nome.

Também pergunto se o Sr. Deputado não teme que, havendo umas instituições politécnicas com o título de

«universidade» e outras sem o título, se crie três tipos distintos de instituições de ensino superior.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — O Sr. Deputado Porfírio Silva informou a Mesa de que pretende responder

aos dois pedidos de esclarecimento em conjunto, pelo que tem imediatamente a palavra a Sr.ª Deputada Joana

Mortágua, para formular o seu.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Porfírio Silva, a sua intervenção tem a

vantagem de clarificar um aspeto, embora não de forma absolutamente transparente, para que percebamos se

essa é a posição do Deputado Porfírio Silva ou a posição do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o que

fará toda a diferença.

Passo a explicar: a possibilidade de os politécnicos conferirem grau de Doutor foi alvo de uma iniciativa

legislativa de cidadãos e de um consenso alargado nesta Assembleia da República, passando vários projetos

para discussão em sede de especialidade. Tem-nos parecido, também, que a conclusão é a de que essa

possibilidade deveria existir, devido ao grau de especialização e de qualidade que os nossos politécnicos

atingiram.

Vou cingir-me a esta questão e não às outras, por poder não ter tempo suficiente para elas.

Parece-me que aquilo que o Sr. Deputado veio dizer foi o seguinte: «Muito bem, é inevitável que os

politécnicos possam conferir o grau de Doutor. Isso faz sentido, mas, em vez de concluirmos o processo

legislativo em sede de especialidade nesse sentido, ou seja, para reconhecer, com uma alteração cirúrgica, essa

possibilidade, vamos atirar este processo para a revisão do RJIES.»

Esta não é uma questão de pormenor, porque a revisão do RJIES vai implicar mudanças significativas na

estruturação do ensino superior que esta mudança pontual dos doutoramentos não implica. A mudança do

RJIES é um processo lento e isto faria com que tivéssemos de repetir todo um processo em sede de

especialidade, que já fizemos, sobre estas propostas dos politécnicos.

Portanto, o que gostaria de deixar claro é que, da parte do Bloco de Esquerda, não estaremos disponíveis

para adiar uma mudança que todos entendemos necessária, possível e desejável, e atirá-la para uma revisão

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legislativa que será complexa e que, certamente, terá de abordar temas muito mais complicados e muito mais

estruturais do ensino superior do que uma coisa sobre a qual já estamos de acordo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Porfírio Silva, que, para o

efeito, interpretando o Regimento, dispõe de 3 minutos.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, agradeço ao Sr. Deputado António Topa Gomes e à Sr.ª

Deputada Joana Mortágua as perguntas que me fizeram.

Permitam-me que comece por reafirmar que a intervenção que fiz foi em nome individual e não vincula o meu

grupo parlamentar. Entendi que há questões profundas de organização do País e que deveria falar sobre elas.

O Sr. Deputado António Topa Gomes e a Sr.ª Deputada Joana Mortágua são membros do grupo de trabalho

e sabem que, sendo eu o coordenador, tenho procurado evitar falar sobre esta matéria. Toda a gente fala sobre

ela e eu só na semana passada é que dei, pela primeira vez, a minha opinião sobre isto.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É a mordaça do PS!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Portanto, tendo andado estes meses todos calado sobre esta matéria, entendi

que devia dar o meu testemunho. Isto não implica em nada o meu grupo parlamentar.

Respondendo diretamente à Sr.ª Deputada Joana Mortágua, uma coisa é certa: penso que não passa pela

cabeça do meu grupo parlamentar — pelo menos, pela minha cabeça, não passa — deixar de concluir o

processo que está em sede de especialidade e deixar de o levar até ao fim. Esse processo pode ser concluído

de variadas maneiras, dependendo de como os grupos parlamentares votarem. Isso, não sei, mas, obviamente,

o processo tem de ir até ao fim e uma das coisas que dissemos claramente foi que não podemos chegar a um

processo legislativo e dizer: «Decidimos depois, mais tarde, porque temos outras coisas para discutir.»

Penso que posso relembrar aquilo que disse na minha intervenção, no debate na generalidade. Dissemos,

claramente — fui eu que fiz essa intervenção —, que apoiávamos retirar o travão legal à outorga de

doutoramentos pelos politécnicos. Isso foi dito muito claramente. Já o digo há muito tempo, noutras instâncias,

e assumi compromissos políticos, em nome do meu partido, sobre essa matéria.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Fala pelo PS?!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Não tenho, sobre isso, nenhuma dúvida. Penso que é uma questão de justiça,

por tudo aquilo que os politécnicos têm feito pelo País, pela cobertura do território que os politécnicos dão,

porque o País precisa de um enraizamento nos territórios e os politécnicos foram dos poucos serviços públicos

que nunca desapareceram do território e que cada vez se expandem mais.

Temos uma dívida para com os politécnicos e devemos dar-lhes essa possibilidade de aprofundarem e

consolidarem o seu trabalho, de fazerem investigação e de a porem ao serviço não só da própria instituição,

mas também dos seus territórios e do País.

Acho que devemos isso aos politécnicos. Não tenho, sobre isso, nenhuma dúvida.

A outra questão levanta muitas outras questões. Tenho falado com muita gente, a título pessoal e enquanto

Deputado do PS, nas últimas semanas, e cheguei à conclusão de que há muitas ideias sobre como é que isto

podia evoluir se agora mudássemos o nome, mas verifico que nem os interessados têm todos a mesma ideia

sobre como é que se podia resolver esse assunto.

A minha preocupação, neste momento, são os doutoramentos. O essencial é dar esse passo na consolidação

do projeto dos politécnicos, é permitir que os politécnicos continuem a fazer aquilo que têm feito de tão

importante ao País, não criar perturbações, não criar divisões dentro dos próprios politécnicos, não criar divisões

entre instituições…

Entretanto, reassumiu a presidência o Presidente, Augusto Santos Silva.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Termino já, Sr. Presidente.

Dizia que o essencial é não criar divisões entre instituições de dois subsistemas diferentes.

Tenho ouvido não só os dirigentes das instituições, tenho ouvido professores, do sistema universitário e do

sistema politécnico, tenho ouvido alunos, tenho ouvido muita gente que me diz que nem sempre aquilo que

parece ser a macroestrutura institucional é o que as pessoas da base querem.

O que me preocupa é que não podemos tomar uma decisão precipitada, que lance uma disrupção, que lance

uma guerra, que lance uma discórdia num sistema que depende vitalmente das instituições.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — O sistema de ensino superior não é o Governo, não é o Parlamento. A vida do

ensino superior são as instituições e são as instituições que temos de preservar. É essa a minha ideia quando

faço esta intervenção.

O Sr. Presidente: — Assim, concluímos o ponto relativo às declarações políticas e passamos ao terceiro

ponto da nossa ordem do dia, que consiste na apreciação da Petição n.º 279/XIV/2.ª (Sofia Carolina de Sousa

da Silva e outros) ⎯ Sim à comercialização e à comparticipação de medicamento antiepilético.

Para intervir, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Bento, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Cláudia Bento (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A epilepsia é uma doença do sistema

nervoso central que provoca descargas elétricas anormais dos neurónios, podendo resultar em sintomas

variados, dos quais o mais comum é a convulsão.

Segundo a Liga Portuguesa contra a Epilepsia, de acordo com os Censos 2021, e conhecendo a prevalência

da epilepsia na Europa, o número de pessoas com epilepsia ativa em Portugal andará na ordem das 60 000,

das quais 20 % a 30 % apresentam pelo menos uma crise por ano.

Na grande maioria dos casos, a epilepsia não é curável, devendo o seu tratamento ser altamente

personalizado, de modo a evitar os perigos das crises convulsivas, o que confere uma elevada importância à

medicação antiepilética para controlo das doenças, também nas situações agudas.

Além do mais, quando a pessoa não recupera da crise em 5 minutos, para o organismo será mais difícil travá-

la. Ao fim de 30 minutos, entrará no chamado «estado de mal epilético», que pode causar lesões cerebrais

irreversíveis. Nesses casos, o Buccolam atua como fármaco de primeira linha e de primeira escolha.

É nesse contexto que foi apresentada, ainda na anterior Legislatura, a petição que hoje discutimos, subscrita

por quase 13 000 cidadãos, a quem aproveito para saudar. Pretendem então os signatários que o Governo

assegure o acesso e a comparticipação, no nosso País, ao medicamento Buccolam, solução bucal, que contém

a substância ativa midazolam, cuja indicação terapêutica é indicada para o tratamento de convulsões agudas e

prolongadas em lactentes, crianças, adolescentes, desde os três meses até uma idade inferior a 18 anos,

evitando danos físicos e cerebrais potencialmente irreversíveis.

Embora na bula sejam apenas mencionadas estas faixas etárias, há protocolos efetuados e estudos que

demonstram que uma dose de 10 mg de solução oral é eficaz como medicamento de resgate para adultos com

epilepsia.

O Buccolam foi aprovado pela Agência Europeia de Medicamentos, em 2011, mas até 2021 não tinha

chegado ao nosso País, apesar dos esforços das associações e famílias junto do Infarmed (Autoridade Nacional

do Medicamento e Produtos de Saúde) para a disponibilização deste fármaco no mercado português.

O tempo para o acesso à inovação terapêutica em Portugal é moroso. Os cidadãos portugueses têm direito

a obter maior transparência nestes processos, com o aumento da eficiência dos procedimentos de decisão, os

quais devem ser capazes de ir ao encontro das necessidades diagnósticas e terapêuticas dos nossos doentes.

O medicamento, cuja comparticipação se discute, é um fármaco SOS para controlo de crises epiléticas,

recentemente disponibilizado no mercado português, cuja principal vantagem, para além da elevada eficácia,

consiste na forma simples, rápida e cómoda da sua administração, que é feita através de uma seringa colocada

na boca do paciente. As doses existentes podem ser administradas de acordo com a faixa etária, permitindo

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uma dose mais adequada, contrariamente ao diazepam retal. É constituído por quatro seringas, sendo que o

preço ronda os 98 €, o que é incomportável para a maioria destas famílias e compromete o seu acesso, levando

a assimetrias no seu tratamento.

Este medicamento deve estar entre o leque de primeira escolha devido à eficácia alargada, à agilidade de

administração e ao combate à estigmatização, podendo ser a diferença entre a vida e a morte.

Estima-se, para Portugal, que a utilização do Buccolam, com um custo médio de 25 €/dose, possa ascender

a algumas dezenas de milhares de doses por ano, pelo que a sua comparticipação pelo Estado permitiria às

pessoas com epilepsia o acesso a esse fármaco a um preço justo.

Sabendo-se que o pedido de comparticipação deste fármaco já foi, entretanto, apresentado ao Estado

português, o PSD apela ao Governo para que pondere, seriamente, a atribuição de uma comparticipação ao

medicamento objeto da presente petição, pelo menos em termos idênticos aos atualmente previstos para o

diazepam, que é de 37 %.

Portugal tem falta de fármacos, alguns deles antiepiléticos, como por exemplo o clobazam e o Rivotril, pelo

que a substituição e, ou, interrupção abrupta pode levar a uma exacerbação das crises, pelo que esta falta deve

ser corrigida.

Sabendo-se que o País tem, ainda, um longo caminho a percorrer na consciencialização para a epilepsia e

que está perante um sério desafio no que respeita à inclusão das pessoas que padecem destas doenças, a

decisão que o Governo tomar a respeito da comparticipação do Buccolam permitirá também aferir a seriedade

do Executivo e da sua real vontade de contribuir para o fim da estigmatização da epilepsia.

Pela nossa parte, no PSD, não deixaremos cair este assunto no esquecimento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro

Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo, em primeiro, lugar por

saudar os mais de 12 000 peticionários, muitos deles pais, mães, cuidadores de crianças e jovens com epilepsia.

Eles, melhor do que ninguém, sabem, bem da importância de ter um fármaco que, de forma simples e rápida,

consiga parar uma crise convulsiva e evitar lesões e consequências provocadas por essas convulsões.

Na petição que dirigem a Assembleia da República, exigem um acesso a esse medicamento e é uma

exigência justíssima. Afinal, o medicamento existe, é de fácil aplicação e tem bons resultados. Então, porque

não está ele acessível a estas famílias? É importante perceber essas causas.

Em primeiro lugar, o medicamento não está acessível não por falta de autorização para comercialização,

mas, sim, por falta de vontade da farmacêutica para o comercializar. De facto, o próprio site do Infarmed refere

uma autorização para introdução deste medicamento, que data de 2011. Acontece que, durante todo este tempo,

mais de 10 anos, a farmacêutica não o quis fazer, talvez porque esperasse mais lucros do que aqueles que

obteria em Portugal, talvez porque estivesse à espera que fosse autorizada, além da comercialização, a sua

comparticipação pelo Serviço Nacional de Saúde.

Segundo, a farmacêutica detentora do medicamento terá pedido a suspensão do processo de

comparticipação quando foi comprada por outra farmacêutica e esta nova entidade acabou por vender este

medicamento a um terceiro laboratório. No meio do negócio, ficaram prejudicados aqueles que, em Portugal,

esperavam aceder ao medicamento, que estava a ser comprado e vendido como mercadoria entre

farmacêuticas.

Em terceiro lugar, tanto quanto se sabe, já no final de 2021, foi feito um novo pedido de comparticipação e

avaliação e, que se saiba, ainda não teve resultado, o que levanta um outro problema que o Bloco de Esquerda

já tem apontado: a demora na avaliação e comparticipação de medicamentos inovadores em Portugal.

Existem, portanto, vários fatores que continuam a impedir o acesso a este e a outros medicamentos e temos

insistido para os ultrapassar, nomeadamente, o facto de o Estado estar refém da vontade comercial das

farmacêuticas. Por um lado, se estas acham que, em Portugal, não fazem o lucro que desejam, pura e

simplesmente, não comercializam ou, até, retiram os seus medicamentos, por outro, provocam inacessibilidade

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ou ruturas, tudo para fazer com que os medicamentos fiquem mais caros e, com isso, também prejudicam as

famílias.

O Governo, em vez de combater esta gula, vai atrás. Ainda agora, o Ministro da Saúde anunciou que vai

aumentar o preço dos medicamentos, acrescentando inflação à inflação e aumento do custo de vida à crise,

retirando o rendimento às pessoas. Este, certamente, não é o caminho.

Avaliar mais rapidamente, comparticipar mais, obrigar a comercialização dos medicamentos autorizados e

apostar em investigação e produção própria é a única escolha que defenderá quem necessita de aceder a este

ou a outros medicamentos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Marta Freitas, do Grupo

Parlamentar do PS.

A Sr.ª Marta Freitas (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, trazemos à discussão nesta

Câmara uma petição designada «sim à comercialização e à comparticipação de medicamento antiepilético».

Queria, desde já, cumprimentar a primeira peticionária, Sofia Carolina de Sousa da Silva, e nela os mais de

12 000 subscritores. Foram 12 804 os cidadãos que subscreveram esta petição, chamando, assim, a nossa

atenção para este tema.

Solicitam, não apenas a disponibilização do fármaco Buccolam a todos os pacientes com epilepsia em

Portugal, mas também a sua comparticipação. O Buccolam, nome comercialmente conhecido, foi já aprovado

pela Agência Europeia de Medicamentos, como já foi dito, em 2011. Começou a ser vendido em outros países

europeus, sendo frequente a ida de portugueses a Espanha, ou a outros países, para adquirir este medicamento,

perante prescrição médica ⎯ uma logística efetivamente complexa e, também, desigual para os vários utentes

que sofrem de epilepsia.

O Buccolam tem uma administração via oral, através de borrifos, o que torna a sua administração mais fácil,

numa crise, ao contrário do Stesolid, de administração mais difícil, via retal, que leva a uma exposição e a um

constrangimento da pessoa em situação de crise epilética, atendendo que é necessário despi-la para a sua

aplicação.

Sendo a segurança e eficácia equivalente em ambos medicamentos, o Stesolid provoca, no entanto, em

algumas crianças, segundo testemunhos, letargia e lentidão, do ponto de vista cognitivo e motor, resultando em

dificuldades na marcha e no equilíbrio. Já com o Buccolam, na grande parte dos casos, a criança mantém o

raciocínio e a capacidade motora. Deste modo, o impacto do Stesolid é de 90 %, e no Buccolam de 5 % a 10 %,

segundo estudos.

Saberão também os Srs. Deputados e Sr.as Deputadas que, no processo de desenvolvimento e audição desta

petição, o Infarmed estava em negociações com as farmacêuticas para a comercialização deste produto, para

o qual é solicitada a comparticipação. Hoje, felizmente, já podemos dizer que é possível obter-se este

medicamento nas farmácias portuguesas. Foi um avanço importante para a confiança e qualidade de vida de

muitas crianças e jovens que sofrem de epilepsia.

Reconhecemos que, agora, há um outro caminho a fazer, o da comparticipação deste medicamento. A

substância ativa já é comparticipada em comprimidos, mas não, ainda, em solução oral.

Em abril de 2021, o Infarmed adiantava que chegou a ser feito o pedido de comparticipação do Buccolam,

tendo sido o mesmo arquivado, a pedido da empresa, provisoriamente, devido à mudança dos donos da mesma,

tal como foi noticiado. Mas o processo não ficou por aqui.

Com a sua comercialização, deu-se um passo e, tal como noutros pedidos de comparticipação, passamos

agora por um processo de avaliação, processo esse que, sim, está a decorrer e que o Partido Socialista deseja

que seja o mais célere possível para benefício das famílias dos utentes que sofrem de epilepsia.

Srs. Deputados, certamente cada um de vós já esteve com alguém ou tem um familiar ou um amigo que

sofre de epilepsia, a doença neurológica mais comum do mundo, e sabem o quanto é aflitivo assistir a estas

crises ou convulsões.

Como hoje foi dito, em Portugal, há cerca de 40 000 a 70 000 pessoas afetadas por esta doença, que é

crónica, e sabemos que uma em cada 100 crianças sofre ou pode sofrer de epilepsia.

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A epilepsia é uma disfunção do sistema nervoso caracterizada por crises resultantes de alterações da

atividade elétrica cerebral, crises estas que podem ser parciais ou generalizadas e cujas manifestações variam

consoante as zonas do cérebro afetadas, podendo ter duração e intensidade variáveis e originar várias lesões,

entre as quais lesões físicas, como fraturas ósseas.

Ainda assim, o diagnóstico de epilepsia pode ser sentido como um grande inconveniente, quer pelo doente

quer pela sua família, dada a forma impactante no desenvolvimento e nas relações sociais.

A maioria das pessoas com epilepsia tem uma vida normal, realizando-se a nível pessoal, familiar e

profissional, mas tudo o que se possa fazer para promover a qualidade de vida e oferecer confiança, em especial

a estas crianças e jovens, merece a nosso sincero empenho e a nossa atenção. Os peticionários, assim,

reforçam a importância da comercialização e o acesso de todos os doentes ao Buccolam.

O Partido Socialista tem um historial que permite afirmar a sensibilidade desta bancada para a viabilização

de medicamentos e sua comparticipação, em especial dos que possam fazer diferença na vida de quem tem

uma doença crónica e incapacitante. Digo, assim, novamente, que a comparticipação está em avaliação e

desejamos que este processo seja o mais célere possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana

Cordeiro.

A Sr.ª Joana Cordeiro (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os quase 13 000

subscritores desta petição, que trazem à discussão um tema que já temos vindo a discutir e que é da maior

pertinência: o acesso, ou a falta dele, a medicamentos que podem fazer a diferença na qualidade de vida das

pessoas doentes.

Esta petição pede a comercialização e a comparticipação de um medicamento para a epilepsia, uma doença

que, em Portugal, se estima que afete uma em cada 200 pessoas.

Já existem medicamentos para a epilepsia no nosso País? Claro que sim. O medicamento sobre o qual incide

esta petição já é comercializado? Também sim, mas importa referir que esta petição transitou da anterior

Legislatura e que, à data em que deu entrada, o medicamento ainda não estava disponível.

Então, qual é o problema? Desde logo, este medicamento, na sua versão de solução oral, continua sem ser

comparticipado e o seu preço é demasiado elevado para a maior parte das pessoas.

Portanto, sim, a sua comercialização está autorizada, sim, o medicamento está disponível, mas, na prática,

o acesso continua vedado à grande maioria dos doentes.

Depois, temos o eterno problema das demoras excessivas do Infarmed, nas suas avaliações e negociações.

Já aqui falámos neste tema, por diversas vezes, em relação a inúmeros medicamentos e para as mais variadas

patologias, mas o que é certo é que, por mais explicações que o Infarmed dê, o cenário não se altera.

São inúmeros os medicamentos aprovados pela Agência Europeia de Medicamentos, comparticipados em

diversos países da Europa, mas que não chegam a Portugal ou, se chegam, demoram demasiado tempo a ser

comparticipados. E tudo isto, porque o Infarmed atrasa demasiado as negociações com a indústria.

Por isso, repito o que já dissemos: isto é condicionar o direito de acesso dos doentes a melhorar a sua

qualidade de vida, e isto não é admissível.

O Infarmed responde sempre que temos elevados níveis de qualidade e que Portugal está no grupo dos

países com melhores indicadores de acesso a medicamentos.

Mas, Srs. Deputados — e Srs. Deputados do PS! —, sempre que existem pessoas que, por demoras

incompreensíveis do Estado, não conseguem aceder ao que de melhor a ciência nos dá ou não conseguem

suportar o custo dessa ciência, não, não temos qualidade; não, não temos acesso.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!

A Sr.ª Joana Cordeiro (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, esta matéria é demasiado séria para

ser encarada com ligeireza ou com propaganda.

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Hoje, estamos a falar de um medicamento para a epilepsia, há dias, falámos de um medicamento para o

cancro da mama, antes, de outro para a fibrose quística, e, antes desse, de outro para a atrofia muscular espinal.

Infelizmente, os exemplos continuam a suceder-se.

Na Iniciativa Liberal, não aceitamos esta falta de acesso à saúde e o total desrespeito pela possibilidade de

uma melhor qualidade de vida para os doentes e para as suas famílias. O Governo não pode continuar com esta

inércia e a insistir em tamanha insensibilidade social.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para intervir em nome do Grupo Parlamentar do Chega, o Sr.

Deputado Pedro Frazão.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na Comissão de Saúde desta

Casa, deste Parlamento, temos recebido inúmeras petições com conteúdo semelhante a esta que se nos

apresenta hoje.

Porém, quando, em Portugal, é preciso que milhares de portugueses assinem uma petição para pedir o

acesso a uma medicação básica para controlar uma doença neurológica tão importante como a epilepsia, é aí

que devemos pedir desculpa ao País. Significa, então, que o Estado está a fechar os olhos aos portugueses e

aos seus problemas de saúde.

A epilepsia é uma doença neurológica grave, das mais comuns. Em Portugal, atinge até 70 000 pessoas e

as respetivas famílias. Uma em cada 100 crianças sofre de epilepsia e muitas apresentam episódios epiléticos

várias vezes por semana.

Ora, atualmente, em Portugal, e no caso de uma crise convulsiva, a medicação comparticipada disponível

em SOS é o diazepam retal, que se encontra frequentemente esgotado — é mais um drama a indisponibilidade

dos medicamentos em Portugal.

Mas, primeiro, e como nos dizem os peticionários, a administração por via retal, a partir das mais jovens

idades, coloca em causa a dignidade humana e, além disso, tem efeitos secundários, como a sonolência e a

prostração, entre outros.

Imaginem, Srs. Deputados, enviar o vosso filho ou uma filha adolescente para a escola e saber que, se existir

uma crise epilética, um professor ou um auxiliar operacional terá de despir o vosso filho ou filha e administrar-

lhe uma medicação por via retal, para controlar essa convulsão.

Imaginem-se, Srs. Deputados, no vosso trabalho, a terem de informar os vossos colegas de tal necessidade,

caso os próprios Srs. Deputados tenham uma crise convulsiva.

Ora, o midazolam, neste caso na forma de especialidade farmacêutica Buccolam, é um medicamento para

administração em SOS de absorção oral, simples, eficaz e sem os efeitos secundários do diazepam.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, para as pessoas com epilepsia, «o tempo é cérebro». Quanto menos tempo

demorar uma crise, menos probabilidade existe de tal dano cerebral poder levar ao estado de mal epilético e o

midazolam tem essa capacidade.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — O midazolam obteve a sua autorização em 2011, mas só em 2021

se viu comercializado e, hoje, pode ser encontrado nas farmácias com um preço de perto de 100 € por cada

quatro doses.

Por tudo isto, e porque sabemos que as petições não são votadas nesta Câmara, o Chega apresentou o

Projeto de Resolução n.º 357/XV/1.ª, que recomendava ao Governo a comparticipação do medicamento

midazolam, para que fosse votado e para que fosse possível, já desde hoje, aprovar esta resolução.

Contudo, a bancada da Iniciativa Liberal, numa atitude absolutamente irresponsável e desumana, foi o único

partido que impediu que o Chega aqui trouxesse o seu projeto de resolução, para ser discutido.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Uh!

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O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Ou seja, nenhuma força política acompanhou a esta petição com

uma iniciativa legislativa, como fez o Chega, e a Iniciativa Liberal, por pura invídia política, bloqueou o nosso

projeto de resolução.

Srs. Peticionários, Srs. Subscritores, Srs. Deputados, em meu nome e enquanto Deputado à Assembleia da

República, peço-vos desculpa pela atitude destes meus colegas Deputados, uma atitude que me envergonha.

Aplausos do CH.

Protestos do Deputado da IL João Cotrim Figueiredo.

Peço desculpa, porque esta petição e a comparticipação deste medicamento não são questões políticas, são

deveres da Assembleia da República para com os cidadãos portugueses, para com os doentes epiléticos e suas

famílias.

As famílias destes doentes vão a Espanha buscar o midazolam há tempo demais, porque não se atribuiu

ainda a comparticipação e ele continua inacessível, sendo que este medicamento é a única forma de os pais

mandarem os seus filhos para a escola e terem, pelo menos, alguma tranquilidade.

Por isso, Sr. Presidente, informo que no dia 13 de fevereiro próximo se comemorará o Dia Internacional da

Epilepsia e, sendo uma segunda-feira, aguardamos expectantes que a Assembleia da República possa agendar

o nosso projeto de resolução, para que todos, em conjunto, como Deputados portugueses, consigamos dar um

presente a todas as pessoas com epilepsia em Portugal.

Aplausos do CH.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, para que efeito?

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa sobre a condução dos

trabalhos.

O Sr. Presidente: — Então, faça favor de interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos, Sr. Deputado.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, o Sr. Presidente é o garante das regras de funcionamento

desta Casa, sobretudo na Conferência de Líderes. Portanto, a minha solicitação, para o bom desenrolar dos

trabalhos, é que recorde ao Sr. Deputado Pedro Frazão, bem como ao Grupo Parlamentar do Chega, quais são

as regras desta Casa, sobretudo as mais previsíveis, nomeadamente o arrastamento a petições.

Isto porque só depois da Conferência de Líderes desta semana é que o Grupo Parlamentar do Chega

solicitou a todos os outros grupos parlamentares o arrastamento de duas petições — esta e outra.

Portanto, a nossa questão não tem nada a ver com o problema que estamos hoje aqui a tratar, tem a ver

com a permanente tentativa de incumprir as regras, sobretudo aquelas que são as mais previsíveis desta Casa.

Quando vamos para uma Conferência de Líderes, sabemos quais as petições que vão ser agendadas e

devemos submeter os nossos projetos antes, não depois, só para podermos vir aqui dizer que somos uns bons

trabalhadores e uns bons meninos e que apresentamos muita coisa.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Pedro Pinto, para que efeito?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, é para o mesmo efeito.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, como sabe, é nas Conferências de Líderes, tal como o meu

colega da bancada da Iniciativa Liberal disse, que são agendadas todas as propostas. É verdade, mas também

todos sabemos que todos os partidos políticos já fizeram o que o Chega fez, que foi perguntar a todos os líderes

parlamentares se havia problema de este projeto entrar ou não. E aquilo que aconteceu foi que a Iniciativa

Liberal disse que não poderia entrar na ordem do dia.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Claro!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Mas este é um tratamento de cordialidade e tem havido sempre essa cordialidade

entre todos os grupos parlamentares. A Iniciativa Liberal decidiu, naquele dia, não aceitar. Podemos concordar

ou não, mas estamos aqui para cumprir regras.

Agora, o que é certo é que o projeto de resolução deu entrada, nós pedimos para ser arrastado com esta

petição e, devido à Iniciativa Liberal, isso não aconteceu.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Foi o único grupo que não quis!

O Sr. Presidente: — As regras de agendamento das petições são muito simples: temos sempre disponível

a lista de petições que ainda falta apreciar em Plenário e o único critério que seguimos para agendar é o critério

da precedência cronológica.

Portanto, toda a gente sabe que são agendadas as petições que entraram primeiro e também todos sabemos

que as regras de apresentação de projetos de lei ou de projetos de resolução que possam ser discutidos em

conjunto com as petições têm exatamente a mesma característica, de um prazo temporal que é preciso cumprir.

As disposições do Regimento são, por vezes, contornadas, implicando o consenso de toda a Câmara.

Quando ele não se verifica, não podem ser contornadas. Está a explicação dada.

Então, vai falar, no uso do seu direito de representação do Livre, o Sr. Deputado Rui Tavares.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar, saudar as peticionárias,

mães de jovens com epilepsia, e as mais de 12 000 pessoas que as acompanharam. O exemplo de

solidariedade, de ajuda mútua e de civismo é o melhor que o País tem para dar, é o melhor que nós, enquanto

sociedade, podemos legar aos nossos filhos.

Este medicamento já está comercializado, mas é muito caro. Junta-se a todos os aspetos que já foram aqui

mencionados, nomeadamente, no caso de uma doença como a epilepsia, a grande prevalência de sequelas e

de riscos que se correm durante os ataques epiléticos, que podem até levar à morte, o facto de agora, com um

medicamento muito caro e não comparticipado, haver uma desigualdade social, que é inaceitável, entre quem

pode ter a capacidade aquisitiva para chegar ao medicamento e quem não tem.

Por isso, uma vez que já está em avaliação o processo que pode levar à comparticipação deste medicamento,

a garantia que podemos dar aos peticionários e às peticionárias é que esta Assembleia está muito atenta, que

o Livre estará também muito atento, que esperamos que o Governo, com a maior celeridade possível, chegue

ao fim deste processo e que, finalmente, os nossos concidadãos com epilepsia possam ter, com

comparticipação, acesso a este medicamento.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, antes de mais, cumprimentar os quase

13 000 peticionários que pediram à Assembleia da República — e não só, também a outros órgãos de soberania

— a comercialização e a comparticipação do midazolam bucal.

Importa esclarecer que, com muita frequência, vêm à Assembleia da República petições, mais ou menos, no

mesmo sentido, muitas vezes com o pedido de acesso a medicação ainda numa fase pouco evoluída, numa

fase de estudos experimentais em que a evidência científica ainda não é conhecida. Convém não misturar tudo,

porque, de facto, estamos a falar de uma terapêutica, de um medicamento bastante conhecido e cujos efeitos

são benéficos para a saúde, neste caso, na utilização nas crises convulsivas.

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O midazolam é um medicamento já com longas décadas de utilização, seja por via endovenosa ou oral, com

comprimidos, e o que está aqui em causa é, precisamente, a via de administração. O que faz toda a diferença,

Srs. Deputados, é que ela é bucal — não é oral, como já aqui foi dito, é bucal, é entre a bochecha e a gengiva

—, para permitir a absorção rápida na mucosa da boca e ter uma atuação quase como se fosse uma injeção

intravenosa.

O efeito é praticamente imediato e controla uma crise convulsiva. Quem já assistiu a isto num adulto sabe

como impressiona e a sensibilidade que provoca. Imagine-se, então, pais e mães a assistirem a uma situação

de crise convulsiva num filho — importa terem à mão a melhor resposta.

Até aqui, a resposta tem sido com o diazepam retal, mas o midazolam bucal faz toda a diferença e, hoje,

nesta Casa, percebemos que ninguém está em desacordo com isto.

Assim, para que também se percebam todas as outras situações de que já falámos, o que é que importa

esclarecer? Importa esclarecer que o pedido de autorização para a introdução deste medicamento no mercado

é feito por iniciativa da indústria farmacêutica. Não há um único medicamento que seja comercializado em

Portugal — e este é um dos pedidos que é feito pelos peticionários — em que seja o Ministério da Saúde, que

seja Portugal a querer; é a indústria farmacêutica quem pede essa autorização.

Esta autorização já foi pedida, apesar de ter havido — e já foi aqui esclarecido — muitas dúvidas e

complexidade por parte da indústria, mas há também uma outra situação que importa esclarecer e que tem a

ver com a comparticipação, que é também da responsabilidade da empresa. Esse pedido já foi feito e é neste

ponto que importa, também, refletir.

Esse pedido é feito ao Ministério da Saúde com a avaliação feita pelo Infarmed. Essa avaliação incide em

quê? Incide na farmacêutica, na questão de tratar a patologia, que trata; incide na clínica, ou seja, o

medicamento é comparado com outros medicamentos que já existem; e incide na questão económica — e é

aqui que quero deixar claro que importa garantir este medicamento, mas importa também que Portugal, o nosso

País, não seja refém da indústria farmacêutica. Por isso, importa que este processo negocial seja feito.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado João Dias, tem de concluir.

O Sr. João Dias (PCP): — Termino, Sr. Presidente.

Atualmente, este medicamento — três injeções — custa 93,73 €. É possível ter comparticipação, mas este

processo negocial não pode deixar de ser feito porque, muitas vezes, alguns medicamentos de que se fala nesta

Casa custam 93 000 € e não 93 €, e para se pagarem esses 93 000 € à indústria farmacêutica, depois, não há

dinheiro para pagar o midazolam.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos agora ao ponto quarto, e último, da nossa ordem do dia de

hoje e que consiste na apreciação da Petição n.º 321/XIV/3.ª (Sindicato Independente de Professores e

Educadores) — Tempo de serviço igual, situação igual e escalão igual, juntamente com o Projeto de Lei n.º

478/XV/1.ª (CH) — Proibição de discriminações entre docentes, por efeito de alterações ao Estatuto da Carreira

Docente em matéria de reposicionamento na carreira com efeitos remuneratórios, na generalidade, e os Projetos

de Resolução n.os 327/XV/1.ª (PCP) — Recomenda a adoção de medidas para efetivar o direito de todos os

docentes ao posicionamento no escalão remuneratório que corresponda ao tempo de serviço efetivamente

prestado, 353/XV/1.ª (L) — Pela vinculação, contabilização do tempo de serviço docente e fim do bloqueio na

progressão da carreira e 354/XV/1.ª (BE) — Promover a escola pública e o respeito pelos direitos dos

professores.

Para apresentar o Projeto de Lei n.º 478/XV/1.ª, do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Galveias.

O Sr. Jorge Galveias (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já dizia Gramsci, «não tomem quartéis,

tomem escolas, universidades, igrejas. Não ataquem blindados, mas sim ideias».

Infelizmente, isso aconteceu em Portugal. As escolas, as universidades e as igrejas foram tomadas,…

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Está bom! Afinal foi o Deputado Mithá Ribeiro que escreveu a intervenção.

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O Sr. Jorge Galveias (CH): — … e o Partido Socialista foi ainda mais longe, conseguindo colocar professores

contra professores.

Tudo começou em 2005, com o Governo de José Sócrates e de António Costa, com a perseguição aos

professores e a divisão da carreira em duas categorias: professor titular e professor não-titular.

Depois, chegou a troica e, com ela, o que todos nós sabemos.

No presente, este Governo e a sua maioria conseguiram unir toda a comunidade educativa contra o

verdadeiro Ministro da Educação Fernando Medina, que remete o Ministro João Costa a um mero CEO da

educação, numa espécie de réplica da solução criada por António Costa para tentar resolver os problemas da

saúde.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, a Portaria n.º 119/2018 veio regular a reposição dos salários e o

descongelamento parcial das carreiras dos professores dos ensinos básico e secundário. Uma parte dos

professores com tempo de serviço anterior a 2011 foi ultrapassada no posicionamento da carreira em relação

aos professores que entraram a partir de 2011, prejudicando-se, assim, os professores com mais tempo de

serviço.

Porque assim é, a Portaria n.º 119/2018 é incompatível com a aplicação da justiça, por razões objetivas e

subjetivas. O critério objetivo do tempo de serviço prestado pelos professores, aferido em números precisos de

dias, deixou de ser fiável e a situação alimenta um sentimento subjetivo de injustiça na relação entre professores,

no interior das escolas públicas.

Persistir nesta injustiça não é tolerável e as respostas são óbvias: corrigir a lei e compensar os lesados, que

é o que o Chega exige ao Governo socialista.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Não é bem isso!

O Sr. Jorge Galveias (CH): — Mas o problema de fundo persistirá e, portanto, o Chega já defendeu, no

Parlamento, que a profissão de professor é essencialmente colegial e assente na empatia e colaboração entre

pares, numa lógica de passagem do testemunho, do conhecimento entre gerações de professores. Só assim os

ambientes escolares serão de conhecimento, respeito, tranquilidade e estabilidade.

Importa ter em atenção o Decreto-Lei n.º 15/2007, que substituiu a velha lógica de uma carreira docente

colegial e comprovadamente funcional, em que o critério essencial da regulação era o tempo de serviço, por

uma lógica concorrencial que estendeu aos professores o ambiente já então conflitual nas escolas, entre

professores e alunos.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Jorge Galveias (CH): — Tal como estão as escolas, 15 anos chegaram para provar que os abstratos

critérios de mérito, no concreto, traduziram-se em desmotivação, conflitos, compadrio e disfuncionalidade da

carreira docente.

As razões são muito simples. A primeira é a de que será sempre disfuncional desligar o mérito quantificado

do trabalho dos professores do correspondente mérito quantificado dos resultados escolares dos alunos.

A segunda razão é a de que estes 15 anos permitem comparar dois modelos: um de antes de 2017 e outro

de depois de 2017. O ponto de convergência entre uma coisa e outra são os exames nacionais.

Quem diferencia os critérios para os professores dos critérios para os alunos torna a instituição escolar

disfuncional. Este é o resultado de décadas de controlo político do ensino por PS, PCP e Bloco de Esquerda.

As conclusões são óbvias: quanto mais próxima for a carreira docente da colegialidade melhor a cooperação

entre os professores, melhores as sinergias do conhecimento, melhor o ambiente quotidiano nas escolas.

Insistir numa lógica concorrencial e de quotas e promoções por suposto mérito só fará aumentar os conflitos

e o compadrio. Aqueles partidos que se acham donos desta discussão e nela se querem apropriar da luta dos

professores dão a mão ao Governo, pois apresentam apenas projetos de resolução que sabem ser

inconsequentes.

Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua.

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O chumbo do nosso projeto de lei significa apenas que o PS não quer resolver o problema dos professores

e que quer continuar a dividir toda a comunidade educativa para reinar.

Aplausos do Chega.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 327/XV/1.ª, do PCP, tem a palavra o Sr.

Deputado Alfredo Maia.

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumprimentamos os peticionários da Petição

n.º 321/XIV/3.ª, cujo agendamento neste Plenário arrasta o projeto de resolução do PCP sobre a adoção de

medidas para concretizar o direito de todos os docentes ao posicionamento no escalão remuneratório que

corresponda ao tempo de serviço efetivamente prestado.

O agendamento e a discussão deste tema coincidem com um período de intensificação da luta dos

professores pela garantia de direitos essenciais, à justa retribuição e, sobretudo, a dignificação da função e da

carreira docentes.

Trata-se de objetivos que o PCP acompanha e apoia, tendo, aliás, apresentado sucessivas propostas para

a resolução de múltiplos problemas que atingem estes e outros grupos de profissionais da educação e que

prejudicam a qualidade da escola pública — propostas às quais a maioria PS, com maior ou menor cumplicidade

da direita, tem oposto uma barreira inaceitável.

O que está em causa neste ponto é a correção das consequências do congelamento, designadamente, da

carreira docente, imposto pelo Governo PSD/CDS, que atingiu os professores que ingressaram entre os anos

2011 e 2017, correção essa que veio a efetuar-se através da Portaria n.º 119/2018.

Os efeitos daquela portaria deveriam, no entanto, ter abrangido todos os docentes que não se encontravam

no escalão correspondente ao tempo de serviço efetivamente prestado.

Ora, aconteceu que muitos professores, com mais anos de serviço, acabaram por ser ultrapassados por

colegas com carreiras mais curtas, gerando-se, assim, uma situação de profunda injustiça.

Por conseguinte, é indispensável que todo o tempo de serviço efetivamente prestado seja contado para

efeitos de ingresso na carreira e para a respetiva progressão, sendo exigíveis todas as medidas com vista ao

justo posicionamento dos professores nos escalões e nos posicionamentos remuneratórios correspondentes a

esse tempo de serviço.

A correção urgente desta situação é inseparável de um conjunto de medidas que igualmente se impõem e

que os sindicatos dos professores justamente reclamam, de entre as quais destacamos a vinculação de largos

milhares de professores contratados há mais de três anos e em situação precária; a alteração da norma-travão,

para garantir a efetiva vinculação após três anos de serviço; o fim das quotas de avaliação e das vagas nos

quinto e sétimo escalões; a consagração dos concursos anuais para a colocação de professores; a redução da

dimensão dos quadros de zona pedagógica; medidas de apoio aos professores deslocados; a consideração de

30 dias para efeitos de acesso a prestações sociais, no caso dos professores contratados com horários

incompletos; a correção das profundas injustiças contra os professores em regime de mobilidade por doença; e,

entre outros, a negociação de um regime específico de aposentação dos professores que também promova o

rejuvenescimento da classe.

Em suma, Srs. Deputados, o que hoje se discute é uma medida que muito contribuirá para fazer justiça aos

professores afetados, para tornar a carreira docente mais atrativa e para valorizar a escola pública.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 353/XV/1.ª, do Livre, tem a palavra o Sr.

Deputado Rui Tavares.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Caros Peticionários e Caras Peticionárias:

Em nome do Livre, gostaria de começar por felicitar o Sindicato Independente de Professores e Educadores

(SIPE) pela apresentação desta petição, que, embora seja já do ano de 2021, se debruça sobre problemas que,

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infelizmente, não estão ainda resolvidos; e que constitui, também, uma oportunidade para, pela terceira vez

neste dia em que discutimos educação, o Livre apresentar um projeto de resolução que regressa a algumas

propostas antigas do nosso partido, pela vinculação, pela contabilização do tempo de serviço docente e pelo fim

do bloqueio na progressão da carreira.

Hoje, por duas vezes diferentes, uma com o Governo e o Sr. Ministro da Educação, mas também interpelando

o PS nas declarações políticas, foi ocasião de lembrar um princípio simples, o de que é impossível valorizar as

vocações de futuros docentes — que neste momento, provavelmente, são o recurso mais escasso para o nosso

futuro —, que não vão ser realizadas porque esses jovens veem na televisão o que se passa com os atuais

professores e sentem que não é uma carreira na qual queiram investir, infelizmente. Desgraçadamente!

A melhor maneira de contrariarmos esse efeito de desincentivo é dignificando as carreiras dos professores

presentes. Portanto, o nosso presente e o nosso futuro estão unidos num desafio que temos de saber ultrapassar

agora.

Não tivemos respostas concretas, nem em relação até quando ou até onde irá esta negociação, que está em

curso — respeitamos isso —, mas também não tivemos respostas concretas em relação à necessidade de

termos uns estados gerais da educação.

E, agora, é também o momento de apresentarmos as nossas respostas: por um lado, a vinculação imediata

de todos os professores e educadores com três ou mais anos de serviço; por outro lado, o acesso aos 5.º e 7.º

escalões; e, em terceiro lugar, diz-se muitas vezes que, na Legislatura que durou de 2015 a 2019, não havia

partidos que tivessem no seu programa a contagem de todo o tempo para a progressão na carreira,…

A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Mentira!

O Sr. Rui Tavares (L): — … mas o Livre tinha-o e tem-no no seu programa. O Livre nunca deixou de defender

esse princípio e continuará a fazê-lo, neste Parlamento, até que essa reivindicação antiga, de 2021, constante

desta petição, venha a ser satisfeita.

O Sr. Presidente: — Para intervir e apresentar o Projeto de Resolução n.º 354/XV/1.ª, em nome do Bloco de

Esquerda, tem a palavra Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria, em primeiro lugar, cumprimentar o

SIPE, a Professora Júlia Azevedo e os restantes professores que fazem parte da delegação que está presente

e, na presença destes professores, cumprimentar e saudar todos os professores e professoras que fizeram

greve hoje e que têm estado a fazer greve, em luta pelos seus direitos e pelo futuro da escola pública.

Estamos, mais uma vez, a discutir as condições para que a escola pública tenha futuro, as condições pelas

quais os professores reclamam, por uma carreira mais digna. Neste caso em concreto, o SIPE diz-nos que, fruto

de vários regimes de transição e de alterações ao Estatuto da Carreira Docente, feitas sem outra intenção que

não a da penalização financeira dos docentes, hoje temos docentes cujo posicionamento não corresponde aos

anos de serviço que têm na carreira.

Isto é um facto! Isto não é matéria de julgamento nem de apreciação política, é um facto.

As várias alterações que foram sendo feitas ao longo do tempo, com congelamentos, alterações à carreira,

revisões de carreira, fizeram com que houvesse uma injustiça no posicionamento dos professores e, hoje,

chegamos à conclusão de que isso será muito difícil de resolver sem recuperar todo o tempo que foi perdido,

todo o tempo que foi congelado, para quem é preciso uma exigência de justiça.

Queria falar um pouco sobre essa exigência de justiça, porque se, hoje, os professores exigem a graduação

profissional como critério único de colocação, se valorizam essa graduação profissional e a entendem como o

critério mais transparente possível — dizendo que nas negociações rejeitam qualquer outro que se aproxime de

perfis de competências que traga pequenos autoritarismos, que traga pouca transparência, que traga o

mecanismo e o sistema da cunha para dentro da escola e da escolha dos professores —, é porque a graduação

profissional valoriza o que está certo, valoriza a experiência dos professores acumulada ao longo de anos, dentro

de sala de aula, com a sua formação pedagógica e científica.

É por isso que o critério da graduação profissional é tão importante. Ao valorizá-lo, valoriza-se também a

qualidade dos professores na escola pública, e é por isso que, quando dizem que recusam o perfil e o conselho

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intermunicipal de diretores, os professores estão a dizer que querem transparência e que querem a qualidade

reconhecida dentro da escola pública.

Portanto, quando olhamos para a mobilização dos professores temos que perceber que a sua frustração se

prende, também, com o facto de a graduação profissional não estar hoje a ser respeitada, de o tempo de serviço

não estar a ser respeitado no posicionamento remuneratório, que é o reconhecimento a uma carreira, que é o

reconhecimento da expressão e é a tradução salarial e a tradução do mérito, da experiência e de todo o trabalho

que foi feito, de todo o esforço desenvolvido numa profissão, ao longo de uma vida inteira — é a sua tradução

na carreira e no reconhecimento profissional.

Não é, por isso, de espantar que os professores se vejam frustrados quando, perante o seu trabalho,

merecem um excelente ou um muito bom e, depois, essa avaliação lhes é retirada de maneira administrativa,

na secretaria, simplesmente porque não cabem nas quotas.

Os professores dizem: «Muito bem, o que seria se aplicássemos aos alunos o mesmo método?»

E se um professor dissesse «nós só temos cinco notas de 18 valores para atribuir, mesmo que todos os

alunos da turma sejam alunos de excelência»? O resultado seria uma enorme frustração por parte dos alunos,

que tinham trabalhado e não tinham conseguido chegar lá por não encaixarem na quota.

Esta é a frustração que o País tem de compreender, que não depende de um pequeno avanço, de um

pequeno recuo. São anos de frustrações acumuladas, de injustiças percebidas que se agravam, como é natural.

Sempre que a vida cá fora se agrava, a vida dentro da sala de aula agrava-se. E quem tem de lidar com esse

agravamento são os professores, que têm a sua carreira cada vez menos valorizada para lidarem com todos

esses problemas.

Esta reivindicação que é feita sobre a carreira dos professores é justa. Nós trazemos um projeto de resolução

que propõe a recuperação do tempo de serviço, que propõe a correção das injustiças no posicionamento; propõe

muitas mudanças, que já trouxemos aqui várias vezes, sobre as quais já conversámos tantas vezes e que os

professores conhecem, nomeadamente o respeito pela graduação profissional, um regime de aposentação

específico e melhorias nos limites legais do horário do trabalho dos docentes.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente, dizendo apenas que não vou entrar em comentários

sobre os restantes projetos. Os professores leram-nos, sabem o que é que eles valem e nós também sabemos

que aquilo que vale, neste momento, é a luta dos professores.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Inês Barroso.

A Sr.ª Inês Barroso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, em nome do Grupo

Parlamentar do PSD, cumprimento os primeiros peticionários da petição que hoje estamos a debater, o Sindicato

Independente de Professores e Educadores, a quem saudamos. Obviamente, na vossa presença, estamos

também a cumprimentar os 8769 peticionantes da petição intitulada «Tempo de serviço igual, situação igual,

escalão igual».

O Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, aprovou o Estatuto da Carreira Docente dos Educadores e dos

Professores dos Ensinos Básico e Secundário, regulamentando a relação laboral destes profissionais.

Ao longo dos últimos anos, várias têm sido as razões de interpretação ou de enquadramento que têm

resultado em normas legais que, na sua aplicação, nem sempre são condicentes com a justiça preconizada pelo

Estatuto da Carreira Docente.

Até 2011, na carreira docente existiam 10 escalões, correspondendo o 1.º escalão ao docente com

bacharelato e o 3.º escalão ao docente licenciado.

Entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de janeiro de 2017, esteve em vigor o congelamento das progressões na

carreira da função pública, em virtude de excecionais autorizações por via de leis do Orçamento do Estado

correspondentes a esses anos — recorde-se, anos em que o Orçamento do Estado foi viabilizado pelo PS, pelo

PCP e pelo BE.

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Recorde-se que o congelamento do tempo de serviço, entre 2011 e 2017, já não era uma medida nova. Esta

medida já tinha sido adotada em 2005, tendo havido descongelamento entre 2008 e 2010.

Convém também lembrar, sobretudo aos Srs. Deputados do Partido Socialista, que o congelamento do tempo

de serviço foi retomado a 1 de janeiro de 2011 pelo Partido Socialista, então no Governo.

Portanto, foi o Partido Socialista que congelou, descongelou, voltou a congelar e a descongelar o tempo de

serviço.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

A Sr.ª Inês Barroso (PSD): — Esperemos que agora consiga resolver!

Aplausos do PSD.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, no descongelamento das carreiras de 2017, é factual que a publicação da

Portaria n.º 119/2018, de 4 de maio, pretendia corrigir a discriminação resultante de desiguais posicionamentos

de escalões na carreira docente por professores com igual tempo de serviço, mas tal não aconteceu.

O efeito que provocou foi o da ultrapassagem de professores que ingressaram na carreira antes de janeiro

de 2011 por aqueles que ingressaram entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017, reposicionados

com base na totalidade do seu tempo de serviço, mas que, na realidade, tinham menos tempo de serviço do

que os que entraram anteriormente. A estes apenas foi considerado o tempo de serviço que possuíam no

escalão/índice em que se encontravam e não o total tempo de serviço.

Ora, resulta que o posicionamento dos docentes não corresponde ao número de anos de serviço que,

efetivamente, têm para efeitos na carreira, com todas as implicações que tal acarreta e que se traduzem numa

injustiça entre pares.

As sucessivas alterações ao Estatuto da Carreira Docente têm vindo a prejudicar os docentes que já estavam

em funções antes de 2011, que recebem, por vezes, de acordo com dois escalões remuneratórios abaixo do

dos docentes pós-2011; e perderam tempo de serviço, o que foi agravado pela ultrapassagem dos docentes

pós-2011, que, não precisando de cumprir os primeiros quatro anos de serviço, puderam utilizar esse tempo no

4.º ou no 6.º escalões, garantindo vagas para progressão.

Resultado: temos docentes com 50 anos de idade que se mantêm no 4.º escalão a ganhar 1200 €/mês.

Sr.as e Srs. Deputados, esta é a realidade de milhares de docentes, a realidade da escola pública, de uma

escola que se quer justa, que se exige ser de igualdade de oportunidades e de respeito pelo próximo.

Os peticionantes propõem a criação de uma portaria que regulamente o reposicionamento de todos os

docentes vinculados antes de 2011 e entre esse ano e 2017, isto, e passo a citar, «[…] de acordo com o previsto

no Estatuto da Carreira Docente em vigor, numa lógica única e justa de para os mesmos anos de carreira

corresponder um posicionamento de carreira igual, salvo as situações que decorram das bonificações por

avaliação de desempenho docente ou mestrado/doutoramento.»

Perguntamos, Sr.as e Srs. Deputados: estão estes peticionários a pedir muito? O PSD ficará atento e irá

acompanhar a matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado

Agostinho Santa.

O Sr. Agostinho Santa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saúdo os peticionários, com

destaque para o Sindicato Independente de Professores e Educadores.

Este debate parte de uma petição que aborda a questão específica relativa à portaria de 2018, que traça

regras operativas para a retoma de progressão e promoção do reposicionamento dos docentes depois de um

período, entre 2011 e 2017, de proibição de valorizações remuneratórias da Administração Pública.

Sob o título «Tempo de serviço igual, situação igual e escalão igual», o pretendido pelos peticionários, nos

seus termos, poderá esbarrar em regras de progressão estabelecidas no Estatuto da Carreira Docente, das

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quais não decorre que ao mesmo tempo de serviço corresponda, sempre e sem mais, o mesmo escalão de

vencimento.

Nunca será de mais, no entanto, apelar para a virtuosidade tendencial de que se devem evitar ultrapassagens

entre docentes, desde que se não justifiquem por critérios uniformes, entendíveis e aceitáveis.

Não se limita o debate a esta questão específica, pois o Chega, com um projeto de lei, o PCP, o BE e o Livre,

com projetos de resolução, aproveitando o ensejo, apresentaram quatro iniciativas.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E bem!

O Sr. Agostinho Santa (PS): — O que essas iniciativas, no seu conjunto, fazem é alargar o âmbito temático

da discussão, trazendo muitos dos assuntos que, ao longo dos anos, têm levado a reivindicações e que, neste

momento, integram ainda o coro de protestos de professores.

Falamos da questão da recuperação de todo o tempo de serviço, do regime de recrutamento e mobilidade

do pessoal docente, com respeito pela graduação profissional, da garantia da eliminação de ultrapassagens

entre pares, da vinculação de docentes contratados mais célere e sistemática, de um sistema de avaliação justa

e sem quotas, da eliminação das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões, do regime de aposentação, do respeito

pelos limites legais do trabalho — portanto, de quase tudo o que faz parte das reivindicações sistemáticas dos

docentes.

Ora, sendo este o lastro material deste debate, dir-se-á o seguinte: durante os últimos sete anos, o Governo

tem procurado dar resposta a problemas que há muito afligem os professores e a escola pública, combatendo-

os, embora sem os resolver na plenitude dos seus efeitos e alcances. Há trabalho feito, há avanços conseguidos.

Fale-se, por exemplo, da vinculação de mais de 18 000 professores, da progressão de um ou dois escalões por

parte de mais de 98 % dos docentes e do aumento significativo de professores nos últimos escalões, incluindo

no topo da carreira, da menor capacidade restritiva da norma-travão.

Não tem sido possível, apesar de tudo, atender a algumas reivindicações que se arrastam, sobretudo as que

tentam combater a instabilidade e precariedade no exercício da função docente — e bem sabemos como essa

instabilidade é penalizadora para os professores, para a escola pública e para o sistema educativo no seu todo.

O que interessa reter, por positivo e inspirador, é que o discurso político, continuando a afirmar a premência

da valorização social da docência, em tributo da dignidade e reconhecimento da atuação pública em momentos

de sacrifícios, se fixa atualmente na assunção do compromisso de encontrar soluções concretas para a

ultrapassagem de problemas. Nunca, como até hoje, o Governo manifestou a intenção firmada de agir, aceitando

enfrentar dificuldades de tantos anos sem prometer irrealidades, mas vinculando-se à demanda do possível.

Que os problemas dos professores devem ser uma prioridade nacional já ninguém duvida.

A via da negociação é a única que deve ser trilhada por todas as partes e se, em cima da mesa, começaram

por estar os dossiês de recrutamento e mobilidade dos professores, já é claro que a tutela da educação se

mostra com ideias lançadas, disponível para uma agenda negocial mais ampla, incluindo algumas das matérias

inscritas nas presentes iniciativas.

É bom que haja esforço para acordos salutares e equilibrados. Nem tudo poderá ser feito de uma assentada.

O princípio da responsabilidade, desde logo orçamental, chama-nos ao mundo das exigências e das conquistas

possíveis, mas a afirmação da necessidade de um investimento sistemático e contínuo convoca-nos ao esforço

e ao arrojo.

Interessa acreditar que é possível ir mais longe. Nada pode substituir a virtude maior da negociação,

privilegiando o diálogo com os que escolhem estar do lado das soluções alcançáveis, sem promessas

irresponsáveis, mas com abertura para resolver algumas matérias trazidas a debate, que encontrarão caminho

para evoluir e avançar.

É tempo de boa-fé, é tempo de transparência e verdade, é tempo de perceber até que ponto é possível ir, é

tempo de todas as partes contribuírem para aproveitar este tempo. É tempo de querer e de crer. Saibamos nós

merecer o desejo e a crença.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Devolvam-lhes o tempo!

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20 DE JANEIRO DE 2023

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O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem um pedido de esclarecimento, mas não tem tempo para responder.

Presumo que o Chega não abdique do pedido de esclarecimento. Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado

Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Santa, lamento imenso que não tenha

tempo para responder. Quero dar-lhe os parabéns pela forma como falou ali em cima, naquela tribuna, porque

disse realmente a verdade. É que este Governo anda a tentar resolver, a tentar resolver, a tentar resolver, mas

a verdade é que não resolveu nada. Por isso é que os professores estão em luta, por isso é que os professores

estão na rua, por isso é que as escolas estão fechadas e por isso é que os alunos estão sem aulas.

Ou seja, o Partido Socialista e o Ministro que aqui esteve presente há pouco continuam sem fazer nada. Essa

é que é a grande verdade. Dizem que é tempo, é tempo, é tempo, mas é tempo é de fazer, é tempo é de dar

aos professores a recuperação do tempo de serviço.

Aplausos do CH.

Por isso, e como dizem que é uma prioridade nacional, desafio o Partido Socialista a aprovar amanhã este

projeto de lei do Chega. É o desafio que faço. Se é uma prioridade nacional, tenham coragem e aprovem amanhã

este projeto de lei do Chega.

Aplausos do CH.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — É para já!

O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Castro.

A Sr.ª Carla Castro (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer aos peticionários e ao

sindicato, que cumprimento e a quem agradeço a iniciativa.

Gostava de referir que o Sindicato Independente de Professores e Educadores lançou esta petição em abril

de 2018. Estamos em 2023 e o sindicato não precisava de alterar uma vírgula ao documento que elaborou. Isto

significa e é, em si mesmo, um sinal de que o Governo não avançou e um sinal da situação estagnada em que

estamos. Não temos de dar mais nenhum exemplo.

Efetivamente, a não ação do Governo piorou ainda mais a situação dos professores e, portanto, temos as

ondas de protestos de norte a sul do País. Pode haver agora negociações, conversas, mas, Srs. Deputados, o

que se passa aqui hoje é política de inércia, é o resultado da política de inércia, é o resultado da inação.

A Iniciativa Liberal tem falado de reformas, de falta de visão, falta de futuro. Neste caso, não fazer é uma

opção, que traz custos evidentes para os professores e, obviamente, para os alunos.

O Governo que tem estado na governação nos últimos anos é incapaz de dar um futuro ao País, mas também

aos professores; é incapaz de dar estabilidade ao País e é incapaz de dar estabilidade aos professores. É

incapaz de dar um futuro ao País e é incapaz de dar um futuro aos nossos jovens.

Há sete anos que o Governo Socialista está em funções e, em vez de dar prioridade à ação, não deixa outra

coisa que não rutura. Ainda ontem o Sr. Ministro da Educação reuniu com alguns sindicatos, dizendo que está

disponível para contornar algumas questões, sob o lema «Aproximar, fixar e vincular». Parece mais que diz

«Empatar, maquilhar e desviar» a atenção dos professores por mais uns anos, acalmando os ânimos de uma

classe exausta e desgastada. São mais ideias lançadas. Ainda hoje ouvimos esta expressão aqui, «ideias

lançadas». Não, nós precisamos é de ação, não de mais ideias lançadas.

O Governo adiou tanto este problema que conseguiu transformar a profissão de docente numa profissão de

grande desgaste físico e psicológico. Aquela que devia ser uma das profissões mais nobres passa a ser hoje

uma das profissões para as quais é mais difícil atrair profissionais.

Estamos perante uma bola de neve tão grande que é cada vez mais difícil pará-la. É por isso que é preciso

mudar as regras do jogo. Estamos aqui, sistematicamente, com alterações pontuais, que têm os seus méritos,

obviamente, mas tem de haver mais do que isso.

Volto a dizer: sim, a Iniciativa Liberal continua a defender que temos de fazer reformas. Com o atual desenho

do Estatuto da Carreira Docente, é bastante complicado, senão impossível, evitar discriminações entre os

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professores no reposicionamento de carreiras. Haverá sempre professores prejudicados, se não for pelos anos

de serviço, será pelo desfasamento de horários; se não for pelos horários, será pelas distâncias; pelas restrições

à vinculação; pelo excesso de burocracia. É como aquela velha máxima do destapar do lençol.

O que é que o Governo quer no final da história? É que os portugueses se habituem? Por este caminho,

estamos muito longe de alcançar uma educação de qualidade para todos. Querem que nos habituemos ao

facilitismo e à falta de avaliação, que prejudica todo o sistema e ainda mais as crianças de ambientes

socioeconomicamente menos desenvolvidos? Que nos habituemos às burocracias? Mais grave, que nos

habituemos a um sistema que não evita a reprodução das desigualdades sociais? Ou que nos habituemos à

situação de exaustão dos professores e à sua escassez?

Pois, nós não nos habituamos, não nos resignamos. Aquilo a que nos habituámos, sim, foi à falta de soluções

deste Governo.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Assim concluímos a nossa ordem do dia.

Amanhã, a sessão plenária tem vários pontos.

No primeiro ponto, apreciaremos a Proposta de Lei n.º 46/XV/1.ª (GOV) — Aprova o Programa Nacional de

Habitação para o período 2022-2026 e os projetos que com ela sobem, ou seja, os Projetos de Lei n.os 470/XV/1.ª

(CH) — Cria um programa de apoio aos jovens para compra de habitação própria e permanente, 471/XV/1.ª (L)

— Cria o programa de apoio às cooperativas de habitação, 472/XV/1.ª (L) — Cria o programa ajuda de casa, de

apoio à compra da primeira habitação, 473/XV/1.ª (L) — Aumenta o período de subvenção mensal e o período

máximo de apoio do programa Porta 65 – Arrendamento por Jovens e 474/XV/1.ª (PAN) — Altera a Lei de Bases

da Habitação, com vista à criação de gabinetes municipais de apoio à habitação.

No segundo ponto, analisaremos o Projeto de Resolução n.º 274/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo

que garanta um apoio a todas as famílias, correspondente a 40 % do aumento da prestação com crédito

habitação provocado pela subida da taxa Euribor, juntamente com o Projeto de Lei n.º 460/XV/1.ª (PAN) —

Aprova um regime transitório de isenção de execução de penhora de bens imóveis para a satisfação de garantia

real de créditos hipotecários.

No terceiro ponto, vem a debate o Projeto de Lei n.º 233/XV/1.ª (PCP) — Reduz as comissões bancárias e

alarga as condições de acesso e o âmbito da conta de serviços mínimos bancários, conjuntamente com os

Projetos de Lei n.os 465/XV/1.ª (PAN) — Põe fim à cobrança de comissões bancárias abusivas a todos os

titulares de crédito, procedendo à primeira alteração à Lei n.º 57/2020, de 28 de agosto, 466/XV/1.ª (PAN) —

Põe fim aos limites de transferências por homebanking e por aplicações de pagamento operadas por terceiros

no âmbito das contas de serviços mínimos bancários, procedendo à alteração do Decreto-Lei n.º 27-C/200, de

10 de março, 468/XV/1.ª (CH) — Altera o Decreto-Lei n.º 3/2010 com o objetivo de diminuir os custos associados

aos serviços bancários, 475/XV/1.ª (BE) — Estende a todos os contratos de crédito a proibição de cobrança de

comissões previstas na Lei n.º 57/2020, de 23 junho (primeira alteração à Lei n.º 57/2020, de 23 de junho),

476/XV/1.ª (BE) — Consolida e alarga a proibição de comissões, despesas ou encargos de outra natureza

cobradas pelas instituições de crédito (alteração à Lei n.º 66/2015, de 6 de julho), 477/XV/1.ª (BE) — Congela

as comissões bancárias em 2023 e 479/XV/1.ª (PS) — Adota normas de proteção do consumidor de serviços

financeiros.

Por fim, teremos votações regimentais.

Está encerrada a sessão.

Até amanhã.

Eram 20 horas e 11 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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