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Quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023 I Série — Número 86

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

REUNIÃOPLENÁRIADE8DEFEVEREIRODE 2023

Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Helga Alexandra Freire Correia Palmira Maciel Fernandes da Costa Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5

minutos, após o que procedeu à leitura da mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 23/XV — Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal.

Deu-se conta da entrada na Mesa das Propostas de Lei

n.os 58 e 59/XV/1.ª, dos Projetos de Lei n.os 521 a 543 e 545 a 557/XV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 435 a 442/XV/1.ª

Procedeu-se ao debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do

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Processo de Construção da União Europeia. Proferiram intervenções, além do Primeiro-Ministro (António Costa), que abriu e encerrou o debate, os Deputados Edite Estrela e João Paulo Rebelo (PS), Catarina Rocha Ferreira e Paulo Moniz (PSD), André Ventura e Bruno Nunes (CH), Bernardo Blanco (IL), Paula Santos (PCP), Mariana Mortágua (BE), Inês de Sousa Real (PAN) e Rui Tavares (L).

Foi discutido o Projeto de Resolução n.º 395/XV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que crie condições para o desenvolvimento do mercado voluntário de carbono em Portugal, em conjunto com o Projeto de Lei n.º 459/XV/1.ª (PSD) — Aprova os estatutos do Conselho para a Ação Climática, criado pela Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro), na generalidade, e com os Projetos de Resolução n.os 212/XV/1.ª (PAN) — Define as regras relativas à composição, organização, funcionamento e estatuto do Conselho para a Ação Climática, em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 12.º da Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, 378/XV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo o fim dos apoios e lucros perversos no âmbito do comércio de carbono, 405/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que cumpra o disposto na Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, e leve a cabo as diligências que nesse âmbito são colocadas sob sua competência e 406/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que implemente um mercado de carbono voluntário e fomente a utilização de green bonds, em Portugal. Usaram da palavra os Deputados Ricardo Pinheiro (PS), Bruno Coimbra (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), Pedro Filipe Soares (BE), Rita Matias (CH), Duarte Alves (PCP), Rui Tavares (L), Bernardo

Blanco (IL), Hugo Martins de Carvalho (PSD) e Miguel Matos (PS).

Procedeu-se à apreciação conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 367/XV/1.ª (IL) — Altera o Código de Processo Civil, clarificando a revisão de decisões administrativas estrangeiras e 499/XV/1.ª (L) — Admite o divórcio e separação de bens a cidadãos estrangeiros não residentes, casados ao abrigo da lei portuguesa e cuja legislação nacional não reconheça esse casamento. Intervieram no debate os Deputados Patrícia Gilvaz (IL), Rui Tavares (L), Alma Rivera (PCP), Márcia Passos (PSD), Rui Paulo Sousa (CH), Alexandra Leitão (PS) e Pedro Filipe Soares (BE).

Foi apreciado o Projeto de Lei n.º 464/XV/1.ª (PCP) — Revogação do aumento decretado das taxas de portagem e limitação da sua atualização ao valor correspondente ao de 2022 (na generalidade), juntamente com os Projetos de Resolução n.os 355/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo a revisão dos termos da PPP da Lusoponte, com vista à redução dos valores de taxas de portagem, e 356/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo que proceda ao congelamento das tarifas de portagens, e o Projeto de Lei n.º 502/XV/1.ª (PAN) — Pela renegociação dos contratos de parcerias público-privadas do sector rodoviário (na generalidade). Usaram da palavra os Deputados Bruno Dias (PCP), Pedro Pinto (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Rui Cristina (PSD), Rui Tavares (L), Carlos Guimarães Pinto (IL), Mariana Mortágua (BE), Hugo Oliveira (PS) e Fátima Ramos (PSD).

A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 18 horas.

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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados.

Temos quórum e todos os grupos parlamentares estão representados. Podemos, portanto, iniciar os nossos

trabalhos.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público. Muito obrigado.

O primeiro ponto da nossa ordem do dia é o da leitura da mensagem do Presidente da República sobre a

devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 23/XV.

Peço silêncio à Câmara para poder ler esta mensagem do Presidente da República.

Pausa.

É o seguinte o seu teor:

«Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia da República,

Na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de janeiro de 2023, publicado no Diário da

República, I Série, de hoje,…» — 3 de fevereiro — «… que considerou inconstitucionais normas do diploma

submetido a fiscalização preventiva da constitucionalidade, junto devolvo, sem promulgação, nos termos do n.º 1

do artigo 279.º da Constituição, o Decreto da Assembleia da República n.º 23/XV, que regula as condições em

que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal.

Apresento a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.»

Aplausos do CH.

Vamos agora a proceder à leitura do expediente.

Para o efeito, dou a palavra à Sr.ª Secretária da Mesa Maria da Luz Rosinha.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde a todas e a todos.

Passo a dar conta das iniciativas que deram entrada na Mesa e foram admitidas pelo Sr. Presidente.

Refiro, em primeiro lugar, as Propostas de Lei n.os 58 e 59/XV/1.ª (GOV), que baixam à 1.ª Comissão.

Deram também entrada na Mesa os Projetos de Lei n.os 521/XV/1.ª (PCP), que baixa à 1.ª Comissão,

522/XV/1.ª (PCP), que baixa à 7.ª Comissão, 523/XV/1.ª (PCP), que baixa à 9.ª Comissão, 524/XV/1.ª (PCP),

que baixa à 7.ª Comissão, em conexão com a 11.ª Comissão, 525/XV/1.ª (PCP), que baixa à 9.ª Comissão,

526/XV/1.ª (CH), que baixa à 4.ª Comissão, 527 e 528/XV/1.ª (CH), que baixam à 13.ª Comissão, em conexão

com a 9.ª Comissão, 529/XV/1.ª (CH), que baixa à 1.ª Comissão, 530, 531, 532 e 533/XV/1.ª (L), que baixam à

4.ª Comissão, 534/XV/1.ª (PAN), que baixa à 1.ª Comissão, 535 e 536/XV/1.ª (PAN), que baixam à 4.ª Comissão,

537/XV/1.ª (L), que baixa à 1.ª Comissão, 538/XV/1.ª (PAN), que baixa à 7.ª Comissão, 539/XV/1.ª (CH), que

baixa à 12.ª Comissão, 540/XV/1.ª (IL), que baixa à 9.ª Comissão, em conexão com a 10.ª Comissão, 541/XV/1.ª

(IL), que baixa à 1.ª Comissão, e 542/XV/1.ª (CH), que baixa à 6.ª Comissão, em conexão com a 5.ª Comissão.

Sr. Presidente, com a sua permissão, a Sr.ª Secretária Palmira Maciel prosseguirá a leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram igualmente entrada os Projetos

de Lei n.os 543/XV/1.ª (BE), que baixa à 10.ª Comissão, 545/XV/1.ª (PCP), que baixa à 12.ª Comissão,

546/XV/1.ª (PCP), que baixa à 7.ª Comissão, 547/XV/1.ª (PS), que baixa à 4.ª Comissão, e 548, 549, 550, 551,

552, 553, 554, 555, 556 e 557/XV/1.ª (PCP), que baixam à 6.ª Comissão, em conexão com a 5.ª Comissão.

Deram ainda entrada os Projetos de Resolução n.os 435/XV/1.ª (CH), que baixa à 6.ª Comissão,

436/XV/1.ª (PSD), que baixa à 12.ª Comissão, 437/XV/1.ª (PS), que baixa à 9.ª Comissão, 438/XV/1.ª (PCP),

que baixa à 7.ª Comissão, 439/XV/1.ª (PSD), que baixa à 8.ª Comissão, 440/XV/1.ª (PAN), que baixa à

1.ª Comissão, 441/XV/1.ª (CH), que baixa à 5.ª Comissão, e 442/XV/1.ª (PS), que baixa à 11.ª Comissão, em

conexão com a 7.ª Comissão.

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O Sr. Presidente: — Vamos, então, passar ao ponto dois da ordem do dia, que consiste no debate

preparatório do Conselho Europeu, com a participação do Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do

artigo 4.º da Lei de acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do

processo de construção da União Europeia.

Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Eu diria que há dois

pontos fundamentais no Conselho Europeu de amanhã.

Em primeiro lugar, destaco a reunião com o Presidente Zelenskyy, que participará presencialmente no

Conselho Europeu de amanhã, permitindo-nos debater, em conjunto, não só o processo de apoio à Ucrânia,

para continuar a fazer frente à agressão por parte da Rússia, mas também as perspetivas europeias da Ucrânia.

É importante reafirmar que, além de a Ucrânia ter de cumprir os critérios de adesão, é sobretudo a União

Europeia (UE) que tem de se interrogar sobre a necessidade de fazer as reformas institucionais e orçamentais

para que as expetativas que criou não se traduzam numa frustração amanhã. Portanto, para que esses

alargamentos sejam bem-sucedidos, é fundamental que a União Europeia não ignore a necessidade de se

reformar previamente.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

O Sr. Primeiro-Ministro: — O segundo tema tem a ver com a questão da competitividade das empresas

europeias face ao choque energético e também às medidas adotadas pelos Estados Unidos da América em

resposta à inflação.

A posição de Portugal sobre esta matéria assenta em três pontos fundamentais.

Em primeiro lugar, reconhecemos que é imprescindível, no atual contexto, que haja uma agilização dos

mecanismos de ajuda do Estado, desde que seja de uma forma temporária, proporcional e focada nos setores

efetivamente em risco de perda de competitividade.

Em segundo lugar, essas ajudas do Estado devem ter em conta que a maior conquista da União Europeia

foi a criação do seu mercado interno, que é a melhor garantia de competitividade das nossas empresas. Significa

isto que as ajudas do Estado não devem comprometer a integridade do mercado interno e devem evitar a sua

fragmentação.

Ora, ajudas do Estado que dependam da diferenciada capacidade orçamental de cada um dos Estados criam

necessariamente essa fragmentação. Não é por acaso que 77 % das ajudas do Estado concedidas ao abrigo

do regime temporário da covid, e que se têm mantido em vigor, são essencialmente de dois Estados-Membros

da União Europeia, sendo o resto dos outros 25.

Há duas medidas que, por proposta de Portugal, a Comissão Europeia considera, na comunicação que

apresentou, para ajudar a mitigar este efeito fragmentário.

Em primeiro lugar, e, eu diria, mais importante, tratando-se de ajudas do Estado para garantir que não há

uma diminuição da capacidade produtiva na União Europeia, quando um Estado apoia uma empresa que tem

atividade em vários Estados-Membros, ela tem de dar a garantia de que não há diminuição da capacidade

produtiva em nenhum dos Estados-Membros onde tem atividade. Ou seja, por exemplo, se a Alemanha atribuir

uma ajuda do Estado a uma empresa que tem filiais em vários Estados-Membros, essa garantia de não

deslocalização e de manutenção da capacidade produtiva deve ser assegurada para todos os Estados-

Membros.

Em segundo lugar, deve haver uma majoração dos limites às ajudas do Estado quando se formem consórcios

entre países, e em particular entre países de pequena e média dimensão, que, em conjunto, podem ajudar a

equilibrar a diferenciação relativamente a países de maior capacidade orçamental, assim ajudando a estabelecer

cadeias de valor verdadeiramente integradas à escala europeia.

Se as ajudas do Estado são importantes, do mesmo passo, temos de reforçar as condições de financiamento

europeu às empresas europeias. Como disse, de forma muito clara, a Presidente Ursula von der Leyen,

recentemente, no Colégio da Europa, uma política industrial comum exige financiamento europeu comum. Não

poderíamos dizê-lo de forma mais clara, e o mecanismo de agilização das ajudas do Estado tem de ser

complementado com a existência deste financiamento comum.

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Sabemos que, habitualmente, financiamento comum se traduz em longas discussões. É por isso que, desde

outubro, insistimos que o que é necessário fazer imediatamente é flexibilizar as elegibilidades, seja do

NextGenerationEU, seja do REPowerEU, para aplicar as verbas não utilizadas até ao momento dos diferentes

programas de recuperação e resiliência, designadamente a dimensão dos empréstimos.

Dou o nosso exemplo: nós podíamos aceder a qualquer coisa como 14 000 milhões de euros em

empréstimos, mas, até agora, só decidimos utilizar 3000 milhões para fazer face ao impacto da inflação nos

custos de construção, que introduzem dificuldades aos municípios, às IPSS (instituições particulares de

solidariedade social) e às empresas. Podemos ter de utilizar um pouco mais esses recursos, mas sobrarão

sempre vários milhares de milhões de euros que não iremos utilizar, assim como há muitos Estados que têm

milhares de milhões de euros que não irão utilizar, e essas verbas deveriam reverter para um fundo comum,

que, de imediato, pudesse responder no âmbito do REPowerEU.

Por fim, e em terceiro lugar, se queremos mesmo ser competitivos, a União Europeia tem de ter uma política

comercial mais ambiciosa do que aquela que tem tido, pelo que não pode deixar de dar prioridade à conclusão

dos acordos de investimento com a Índia — cujas negociações foram retomadas na nossa Presidência —, com

a Austrália, com a Nova Zelândia, com o México, com o Chile, e, sobretudo, esperamos que, na Presidência

espanhola, seja finalmente concluído o acordo entre a União Europeia e o Mercosul (Mercado Comum do Sul).

Por isso: ajudas de Estado, sim, de modo temporário, focado e proporcional, complementadas com medidas

de mitigação que, de forma a garantir a capacidade instalada em todos os Estados-Membros, majorem as ajudas

de Estado quando resultem consórcios de vários Estados-Membros; em segundo lugar, fundo comum, desde já

com as verbas disponíveis e não utilizadas do NextGenerationEU, por via do REPowerEU; e, finalmente, uma

política comercial mais ambiciosa, que concretize os acordos há muito por concretizar entre a União Europeia e

outros parceiros económicos à escala global.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para intervir no tempo atribuído ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: A

guerra na Ucrânia é um tema incontornável da agenda do Conselho Europeu, como o Sr. Primeiro-Ministro já

referiu, e tem estado presente na agenda político-mediática de todo o mundo.

No próximo dia 24 deste mês, faz um ano que a Rússia invadiu a Ucrânia. Sabemos como e quando a guerra

começou, mas não sabemos quando nem como vai terminar.

Conhecemos, contudo, os seus efeitos devastadores: milhares de vidas perdidas, militares e civis, crianças

raptadas, muitos milhares de pessoas deslocadas, cidades destruídas, património histórico-cultural

irrecuperável, crise energética, inflação, subida do custo de bens essenciais, crise alimentar mundial.

Estas são algumas das consequências já conhecidas e sentidas, mas os efeitos a médio e longo prazos

serão certamente mais dramáticos. Por causa da guerra na Ucrânia, o futuro tornou-se mais imprevisível e o

mundo mais perigoso.

A Europa tem estado à altura destes tempos de exigência e incerteza. As instituições europeias têm estado

unidas na tomada de decisão e no apoio à Ucrânia. A opinião pública europeia compreende o que está em causa

e tem sido solidária. Até quando? Ninguém sabe. A fadiga da pandemia ainda não foi ultrapassada. O que

poderá acontecer se à fadiga da pandemia se somar a fadiga da guerra?

Os populistas e demagogos manipulam a opinião pública, desinformam e lançam a confusão.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Edite Estrela (PS): — A extrema-direita, hábil no aproveitamento da desgraça alheia e a cavalgar todo

o tipo de descontentamento, não esconde arrogância e ambição.

Aplausos do PS.

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Risos do CH.

Sr. Primeiro-Ministro, a Ministra espanhola dos Assuntos Económicos e da Transformação Digital, Nadia

Calviño, afirmou ontem ao Diário de Notícias que «o bom entendimento entre Sánchez e Costa tem sido um dos

grandes motores da ação da UE». Felicito e agradeço a ambos e peço que continuem a puxar a União para o

lado certo da História e, designadamente, para a flexibilização dos instrumentos financeiros, para serem

aproveitados, como, aliás, foi referido na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro.

A situação económica da Europa é indissociável da nova realidade geopolítica. A guerra na Ucrânia tem um

elevado impacto económico, político, social, financeiro. A UE tem de melhorar o seu desempenho económico e

preparar-se para o pós-guerra, seja ele quando for. Mais crescimento económico precisa-se, mas também de

mais equidade. Saúdo o anúncio de uma diretiva para aproximar a tributação das multinacionais nos diferentes

países da UE. Espero que, finalmente, a harmonização fiscal deixe de ser uma intenção de décadas e se torne

realidade.

Este ano, o mercado único faz 30 anos, uma boa altura para se repensar e aperfeiçoar o modelo das quatro

liberdades fundamentais. Repensar e melhorar para se aproveitarem todas as potencialidades e corresponder

às expectativas dos cidadãos. Basta olhar para a situação do Reino Unido para se perceber a falta que faz o

mercado interno de cerca de 450 milhões de consumidores.

Sr. Primeiro-Ministro, termino com duas perguntas. A primeira, aproveitando a presença do Presidente

Zelenskyy na reunião, é a seguinte: é previsível que o Conselho Europeu possa também analisar os difíceis

caminhos para se acabar com a guerra e negociar a paz? A segunda pergunta é a seguinte: qual o papel do

mercado único na transição para a economia circular e para o êxito da transição ecológica e digital na Europa?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Ainda no tempo disponível para o Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o

Sr. Deputado João Paulo Rebelo.

O Sr. João Paulo Rebelo (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados:

O Sr. Primeiro-Ministro acabou de o dizer, de facto. Este Conselho Europeu tratará de matérias de enorme

relevância para a nossa União Europeia, particularmente duas, a questão da guerra, da invasão da Rússia à

Ucrânia, mas também a questão da competitividade e da resiliência da indústria europeia perante uma ameaça,

diria, que os Estados Unidos aprovaram recentemente — e já tive oportunidade de falar sobre isso nesta

Assembleia —, o Inflation Reduction Act. Estamos a falar de mais de 350 000 milhões de dólares que os Estados

Unidos decidiram atribuir à sua indústria, com vista a torná-la mais verde, mais competitiva, enfim, nos melhores

aproveitamentos da sustentabilidade. Também já tive a oportunidade de dizer que não temos, naturalmente,

nada contra isso, mas sabemos do impacto que vai trazer à indústria europeia.

O Sr. Primeiro-Ministro deu algumas pistas do que, no fundo, vai defender amanhã no Conselho Europeu, e

eu queria, justamente, em nome do Partido Socialista, sublinhar a importância de dependermos cada vez menos

de mercados externos, também para estarmos cada vez menos dependentes — ou melhor, cada vez mais

independentes — de crises externas. É evidente que a indústria verde, é evidente que a inovação, é evidente

que as novas tecnologias têm de ser apoiadas, como também é evidente que os Estados não o devem fazer

isoladamente, porque sabemos que isso só poderia aumentar o fosso das desigualdades e, inclusivamente,

contribuir para a fragmentação da União Europeia, como o próprio Sr. Primeiro-Ministro aqui disse.

Portanto, esperamos que a União Europeia tenha aprendido a lição. Em 2008, reagimos de uma maneira à

crise do subprime. Isso trouxe consequências que são conhecidas aos povos europeus e, particularmente,

àqueles países que já enfrentam, por questões estruturais, mais dificuldades. Agora recentemente, para

combatermos uma crise sanitária, que teve naturalmente consequências sociais e económicas, como a covid,

portámo-nos bem — permita-se que eu possa dizer assim. Porquê? Porque demos uma resposta coesa e unida.

O Sr. Primeiro-Ministro granjeou, efetivamente, um grande prestígio a nível europeu, que, tenho a certeza,

toda esta Assembleia reconhece. Há um Primeiro-Ministro de Portugal que, de facto, tem inovado com políticas

que têm alcançado resultados. É isso que esperamos que amanhã consiga no Conselho: convencer a Europa

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de que a resposta tem de ser unida, tem de ser coesa, para, naturalmente, continuarmos este caminho de

prosperidade e que o projeto da União Europeia não esteja em causa.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. João Paulo Rebelo (PS): — Temos plena confiança que isso aconteça e, para terminar, Sr. Presidente,

temos a confiança até de quem hoje mesmo recebeu uma boa notícia, a de termos mais um pagamento no

âmbito do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) a ser garantido ao nosso País. Também isto se deve muito

a V. Ex.ª

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra para intervir, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, a Sr.ª Deputada

Catarina Rocha Ferreira.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ª Ministra, Sr.as e

Srs. Deputados: Sr. Primeiro-Ministro, falou-nos, na sua intervenção inicial, sobre a guerra na Ucrânia, e, com

todo o respeito que tenho por V. Ex.ª, permita-me que lhe diga que o que se tem visto é um Governo português

que tem utilizado demasiadas vezes a guerra como desculpa para erros e falhas e menos como política externa.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Convenhamos, Sr. Primeiro-Ministro, que responder a uma guerra

é também responder aos seus efeitos e não utilizar apenas a guerra como desculpa para a ausência de

respostas por parte do Governo.

Aplausos do PSD.

De resto, sem dúvida que os impactos da pandemia ainda hoje surtem efeito nos cidadãos da União Europeia,

e a estes acrescem os impactos da guerra na Ucrânia. A diferença é que o PSD olha para estes desafios com

vontade de procurar dar respostas e, ao contrário do Governo, o PSD recusa olhar para os impactos negativos

gerados pela pandemia, pela guerra, como desculpas que evitam o desenvolvimento do nosso País.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Pensei que era por causa disso que não tinham alternativas!

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Passando diretamente à parte económica da intervenção de

V. Ex.ª, é evidente que a União Europeia tem de construir uma resposta que permita vencer os desafios da

transição energética e, simultaneamente, combater a inflação. Nesse sentido, seria importante percebermos, Sr.

Primeiro-Ministro, como e em que momentos é que Portugal defendeu a construção ou a adaptação de uma

resposta europeia a estes desafios e, neste âmbito, temos três questões muito concretas para colocar a V. Ex.ª

Em primeiro lugar, será essencial perceber o posicionamento de Portugal quanto à aplicação de um eventual

fundo europeu de soberania, já que esta questão não é unânime entre todos os Estados-Membros.

Em segundo lugar, parece que as respostas europeias só ocorrem ou porque respondemos à guerra na

Ucrânia, ou porque respondemos ao Inflaction Reduction Act, ou porque respondemos a qualquer outra coisa.

Sim, sem dúvida que temos de responder. Mas estarmos sempre a responder, sempre a reagir, será que é a

solução? Não deveríamos ter um mecanismo permanente que visasse prosseguir os objetivos do projeto

europeu? E, nesse sentido, Sr. Primeiro-Ministro, permita-me fazer como V. Ex.ª já fez em tempos neste

Parlamento e citar também, elogiosamente, o Prof. Cavaco Silva, que escreveu o seguinte: «Os ensinamentos

que se retiram da resposta que foi dada à crise deviam estimular os líderes europeus a rapidamente dotar a

zona euro de uma função de estabilização orçamental comum.» V. Ex.ª não concorda que deveríamos pensar

em criar um mecanismo orçamental europeu permanente nestes termos?

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Por fim, em terceiro e último lugar, V. Ex.ª disse, na semana passada, que o novo quadro de execução do

PRR teria sido de bom senso. Sr. Primeiro-Ministro, já que se trata de bom senso, e bom senso é coisa que não

deve faltar, parece-nos importante que explique aos portugueses, aqui, neste Parlamento, o que foi feito nesse

sentido. Ou será que bom senso, para V. Ex.ª, é como a sua Ministra sugeriu, ou seja, é apenas deixar o PRR

a rentabilizar nos bancos?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Ainda no tempo disponível para o Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o

Sr. Deputado Paulo Moniz.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Sr.ª Ministra: Sr.

Primeiro-Ministro, venho falar-lhe de uma consequência da guerra na Ucrânia, que é a dificuldade que as famílias

portuguesas têm de pôr comida na mesa. Este é um aspeto absolutamente central e entendo que deve ser um

dos pilares da sua intervenção de amanhã no Conselho.

Como sabe, o preço dos alimentos, o preço dos bens essenciais, subiu entre 20 % e 40 %, em muitos casos

mais de cinco vezes do que a inflação registada.

Como sabe, os empréstimos para a habitação atingiram níveis que os portugueses, com o seu rendimento

disponível, só com muita dificuldade conseguem pagar, ou já nem conseguem.

Sr. Primeiro-Ministro, a situação económica das famílias e dos portugueses deve ser um assunto de Estado

prioritário e que o deve nortear na sua intervenção no Conselho Europeu de amanhã. Estamos a falar da

prioridade das prioridades para as famílias portuguesas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Nesta sequência, trago-lhe também o tema da energia, que é tão importante

quanto esse. E porquê? Porque o custo da energia que nós temos impacta no custo dos alimentos e dos bens

essenciais.

Deixe-me que lhe diga que o Banco Mundial afirmou, perentoriamente, que até 2025, mesmo com as

reduções que possam ocorrer no tarifário elétrico, a energia elétrica terá um custo 50 % superior à média dos

últimos cinco anos. Significa isso que é crucial que a Europa e o País respondam ao tema do custo da energia

elétrica às empresas e às famílias.

E, para isso, volta o PSD à questão das interligações elétricas, não só as que não se sabe o ponto de

situação, como aquelas, por exemplo, com Marrocos, assunto que deveria estar na agenda prioritariamente. É

que não faz sentido o Sr. Primeiro-Ministro querer aumentar a produção de energia renovável, ter excedente

para em 2030 ter o seu pipeline de hidrogénio, mas, simultaneamente, não criar as interligações, pois só elas

permitem a gestão eficiente de uma produção de energia renovável que é por natureza volátil.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Primeiro-Ministro, em relação às dificuldades das famílias, não são os 125 €

ou os 50 € — esses já lá vão! — que as ajudam. As famílias não precisam destes seus atos pontuais; as famílias

querem que o senhor cumpra a sua missão, e cumprir a sua missão é governar bem. E amanhã só há uma

pessoa que o pode fazer em nosso nome no Conselho Europeu, é o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD.

Aquilo que nós lhe pedimos, Sr. Primeiro-Ministro, é só uma coisa: se teve a máxima votação, tenha a máxima

responsabilidade e governe bem.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado André Ventura, dentro do tempo disponível para

o Grupo Parlamentar do Chega.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Aproveito a sua presença aqui hoje para

o questionar não diretamente sobre o Conselho Europeu…

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ah, claro!…

O Sr. André Ventura (CH): — … mas sobre o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, que hoje esteve neste

Parlamento a dar esclarecimentos.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Isto é que é ter respeito pelo Parlamento!

O Sr. André Ventura (CH): — Sei que isto é incómodo para vocês, mas têm de me ouvir.

Protestos do PS.

Sr. Presidente, está sempre a pedir para eu me conter, mas o PS não se contém. Sei que é o seu partido,

mas pelo menos convinha ter alguma mão também no Partido Socialista.

O Sr. Primeiro-Ministro ouviu, certamente, como ouvi hoje, as declarações do Sr. Ministro dos Negócios

Estrangeiros. Maior trapalhada não poderia haver!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — Maior inconsistência, incoerência, desastre de comunicação, tudo o que

podemos ver na vida!

Chegou-se ao ponto de perguntar se tinha sido indicação do Secretário de Estado a nomeação de Alberto

Coelho, a que respondeu João Cravinho: «Bom, nós falamos de muita coisa, sabe, mas nesse dia aconteceu

não falarmos sobre isso.»

Sr. Primeiro-Ministro, de líder de um partido de oposição para líder de um Governo, digo-lhe: este seu Ministro

dos Negócios Estrangeiros é uma bolha à espera de rebentar, é um desastre político, é um desastre para o seu

Governo. Não posso deixar de lhe perguntar se, depois do que hoje ouviu, aqui, no Parlamento, mantém a

confiança no homem que nos representa nas comunidades, na Europa e em todo o lado como Ministro dos

Negócios Estrangeiros. Da nossa parte, a resposta é clara: João Cravinho já não tem lugar neste Governo e só

uma decisão sua o pode tirar.

Aplausos do CH.

Gostava de o questionar também, porque o assunto está na ordem do dia, sobre imigração.

Tivemos em Portugal, ainda esta semana, dois episódios lamentáveis, um em Lisboa e outro no Algarve,

relacionados com a imigração.

Como todos sabemos, a imigração não é um fenómeno português, é um fenómeno europeu, aliás, muito

mais intensificado em alguns países da Europa. Mas hoje há uma verdade inevitável: a política migratória de

portas abertas, a política migratória europeia de portas absolutamente abertas tem levado a estes desastres. A

política que o Sr. Primeiro-Ministro quis de um país aberto, sem fiscalização, sem regra e sem nenhum controlo

está a dar no desastre que estamos a ver, de imigrantes a viverem aos 100 ou aos 80 em alguns prédios em

Lisboa e no Porto ou a viverem na rua, após ministros terem ido a Timor-Leste dizer para virem.

O que temos hoje não só em Portugal mas em muitos países da Europa é que quisemos dizer que eramos

os maiores, os mais porreiros, aqueles que recebíamos tudo e mais alguma coisa e hoje o que temos é um

desastre para a integração dessas pessoas e, pior ainda, a abertura de portas giratórias às redes criminosas,

que tanto estão a prejudicar o nosso País.

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Protestos da Deputada do PS Edite Estrela.

Não, Sr.ª Deputada Edite Estrela, não é a extrema-direita. Se hoje cresce a contestação ao regime, tem um

nome e um responsável. Sim, sim, é a sua carapuça, porque é a do Partido Socialista, que tem destruído o

regime em Portugal! É a do Partido Socialista, que tem destruído o regime em Portugal!

Aplausos do CH.

Sr. Primeiro-Ministro, pergunto-lhe se vai ter coragem de algum dia dizer no Conselho Europeu aquilo que

tem de ser dito: esta política de portas abertas há de destruir a Europa e há de destruir o que de melhor tem a

nossa civilização, e já se está a revelar todos os dias.

Termino referindo-me ao PRR. Ouvimos o Sr. Deputado do Partido Socialista dizer «parabéns pelo PRR».

Às vezes, mais-valia não dizer nada…

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ah!

O Sr. André Ventura (CH): — … durante uma tarde. Já que fala tão pouco, podia não ter dito nada hoje,

quando sabemos que o PRR foi executado a 8 %.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Então agora já não foi a zero?!

O Sr. André Ventura (CH): — Há três horas, o Sr. Presidente da República, que está num palácio aqui perto,

disse que está triste com a execução lenta do PRR.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Claro!

O Sr. André Ventura (CH): — Quem o disse foi o Presidente da República! Tenham vergonha! Estão a

executar mal os fundos europeus! Tenham vergonha!

Aplausos do CH.

Protestos do PS.

O Presidente da República critica a execução lenta do PRR. O que tem a dizer perante isto, Sr. Primeiro-

Ministro? Deixe lá, por 10 minutos, a paz no mundo, os abraços, os corações e responda aos portugueses que

nos estão a ver, que querem é saber o que é que o Primeiro-Ministro de Portugal tem para nos responder ao

desastre que o País está a enfrentar.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Ainda no tempo disponível para o Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o

Sr. Deputado Bruno Nunes.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Antes de mais, quero saudar a sua

presença, porque, em véspera de Conselho Europeu, por norma, é o Sr. Secretário de Estado que costuma cá

vir. Por isso, ainda bem que aqui vem, Sr. Primeiro-Ministro.

Faço uma única pergunta sobre o PRR, que tem um grande enfoque na modernização e na digitalização. Se

fizéssemos um investimento na administração local, seria possível evitar que as juntas de freguesia passassem

10 000 atestados de residência para a Rua do Benformoso, onde vivem 200 pessoas registadas dentro de uma

casa, e, dessa forma, também se evitariam mortes como as que aconteceram nos últimos dias. V. Ex.ª poderia

defender esta situação junto do Conselho?

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Aplausos do CH.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo

Blanco.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Tenho quatro perguntas para lhe fazer.

A primeira pergunta é sobre a Ucrânia. Faz um ano, este mês, que começou a invasão russa, pelo que

começo por reafirmar o nosso apoio. Assim, aproveito para lhe perguntar quantos tanques Leopard 2 estão

operacionais e quantos é que iremos enviar.

A segunda pergunta é sobre o Plano Industrial do Pacto Ecológico, que aqui referiu e que em boa parte

facilita os auxílios do Estado e a injeção de subsídios, pelo menos é isso que estamos a dizer a empresas ditas

«estratégicas». Caso seja aprovado, a nosso ver, irá levar a uma corrida desenfreada aos subsídios e à

fragmentação do mercado interno, beneficiando, obviamente, os países maiores, como a França e a Alemanha,

em detrimento dos países mais pequenos. Nos comunicados que ouvi, concluí que mais de metade dos países

da União Europeia — eram sensivelmente 14 — já criticaram esta ideia e alertaram para os seus perigos, mas,

infelizmente, não vi o nome de Portugal. Gostaria de saber qual a posição que o Governo português vai adotar

no Conselho Europeu, porque não queremos que Portugal se torne numa aldeia da União Europeia.

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Não, não se torna!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — A terceira pergunta é sobre o mercado único. Numa nota rápida, gostaria de

dizer que, no mês passado, a Comissão Europeia alertou para o facto de o nosso ISV (imposto sobre veículos)

relativo aos carros híbridos importados ser contra as regras europeias, algo que já tinha ocorrido também em

relação ao ISV dos carros usados. Gostaria de saber o que vai o Governo fazer em relação a isto, para não

estarmos na mesma situação em que estivemos com o caso dos veículos usados, em que fomos

constantemente condenados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e muitos cidadãos foram prejudicados

pelo Estado.

A quarta pergunta é sobre o Semestre Europeu. Gostaria de saber se já tem uma resposta para mim, porque

há oito meses, em junho, perguntei-lhe sobre o pacote legislativo da reorganização da função pública, uma

exigência do PRR, que também estava nas recomendações europeias. Noto, pela sua cara, que, se calhar, nem

faz ideia do que estou a falar, o que ainda é mais preocupante, mas até ao final de 2023 tem de estar feito.

Temos 10 meses para uma coisa estar feita, mas noto, pela sua cara, que não faz ideia do que é, e isso

preocupa-me.

Sr. Primeiro-Ministro, uma das exigências do PRR é este pacote legislativo para termos um novo modelo de

gestão da função pública. Por isso, pergunto-lhe como está, exatamente, essa reforma legislativa: se o novo

sistema de informação e de organização do Estado, que está a ser prometido há sete anos, vai finalmente

avançar e se vai também haver um novo modelo de avaliação da própria função pública.

No nosso entender, na função pública, temos de premiar quem faz e temos de dispensar quem não faz. E as

pessoas que realmente fazem e são boas têm de ser aumentadas muito mais rapidamente. A função pública

não pode ser um centro de emprego, com a má fama de nada fazer, tem de ser um sítio com pessoas muito

boas, a servir os portugueses, e que devem ser bem pagas por isso.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Para isso, precisamos, obviamente, de um novo sistema de gestão e de

avaliação, porque é imoral um médico estar 10 anos à espera de progredir na carreira para ganhar mais 200 €

por mês; é imoral um sistema como o atual ter quotas de avaliação, como se num departamento jurídico não

pudesse haver mais de 5 % de técnicos com uma performance excelente; é imoral uma enfermeira olhar para

um concurso de especialidade e ver que a maioria dos critérios são de antiguidade em vez de serem da

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qualidade dos serviços. As pessoas têm de ser avaliadas de uma forma muito mais justa e as progressões e os

aumentos salariais têm de ser muito mais rápidos para quem, efetivamente, merece. Mas isso também implica

que haja uma avaliação exigente do outro lado, que inclua a avaliação dos próprios cidadãos, dos próprios

utentes, dos colegas e dos serviços prestados, coisa que atualmente não acontece.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não, é só uma espécie de discriminação!…

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — A primeira avaliação a fazer é perceber se há necessidade daquela função

ou não, se essa função pode ou não ser, por exemplo, digitalizada, porque hoje temos um record de funcionários

públicos, cerca de 740 000 funcionários — mais 90 000 do que em 2015, quando o Sr. Primeiro-Ministro tomou

posse —, e não fazemos ideia se estão a mais ou a menos, se há mais nuns sítios e menos noutros. Realmente,

assim, não é forma de gerir um país.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Precisamos de uma função pública muito mais pequena, moderna e digital, mas também com uma melhor

gestão e uma melhor progressão.

Gostaria de saber como está essa reforma legislativa, que tem de ser feita, por exigência europeia, até ao

final do ano.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: O Sr. Primeiro-Ministro

afirmou que não é desejável que a taxa de juro suba tanto e que o BCE (Banco Central Europeu) deve ser

bastante prudente na subida das taxas de juro. E acrescentou, também, que não é com a subida das taxas de

juro que combate a inflação.

Face a estas constatações, pergunto: o que fez ou o que pensa fazer? Perante as brutais consequências dos

excessivos aumentos das taxas de juro no aumento das prestações à banca — designadamente das famílias

com crédito à habitação, mas também da atividade económica, em particular nas micro e pequenas empresas

—, o que dirá o Governo sobre este problema no Conselho Europeu? Ou também acha que este é um assunto

onde o poder político não pode intervir?

Na semana passada, o BCE decidiu subir, pela quinta vez, as taxas de juro, colocando-as no valor mais

elevado dos últimos 14 anos, deixando em aberto a perspetiva de novos aumentos. Estamos perante o

aprofundamento de injustiças e de desigualdades, em que os salários e as pensões perdem poder de compra,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É verdade!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … os preços de bens e serviços essenciais não param de aumentar, incluindo

os custos com a habitação, e os grupos económicos estão a alcançar lucros nunca vistos.

Em Portugal, estima-se que mais de 1 milhão de famílias tenham empréstimo à habitação. O aumento

exponencial das taxas de juro está a tornar-se insuportável: as prestações aumentam 100 €, 200 €, 300 €, 400 €;

há famílias cujos aumentos significaram mais 80 %, isto quando a banca obtém lucros escandalosos.

A não serem adotadas medidas, mais cedo do que tarde a situação avolumar-se-á, com muitas famílias a

poderem entrar em situação de incumprimento e a poderem até vir a perder a sua casa. Os encargos são

insuportáveis, face aos magros salários. Recordamos que mais de 70 % dos trabalhadores portugueses ganham

menos de 1000 €.

As medidas que o Governo anunciou, de renegociação dos contratos, têm-se revelado ineficazes,

confirmando que vence sempre o lado mais forte — a banca.

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Claro!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Nas suas mais recentes previsões económicas, a Comissão Europeia

reconhece a grande perda no rendimento real disponível das famílias, considerando que deverá continuar nos

próximos trimestres, e, na maior parte dos Estados-Membros, prevê-se que as famílias consigam resistir ao

aumento das taxas de juro, graças à prevalência dos empréstimos hipotecários a taxas fixas, razão pela qual —

pasme-se — fica a Comissão Europeia descansada. E o Governo não tem nada a dizer sobre isto?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — É que o mercado hipotecário na zona euro é heterogéneo no que diz respeito

ao tipo de taxa de juro associada, seja variável ou fixa. Em vários países, como a França, a Alemanha ou a

Holanda, a grande maioria dos empréstimos concedidos às famílias tem taxa fixa. Noutros países, como

Portugal, a realidade é diferente, pois a esmagadora maioria desses empréstimos tem taxa de juro variável, o

que implica que as subidas das taxas de juro se reflitam no aumento das prestações mensais.

Ou seja, a própria Comissão Europeia reconhece que a política monetária do BCE é suscetível de prejudicar,

de modo particular, os trabalhadores e as famílias portuguesas. E o que tem o Governo a dizer perante este

facto? É caso para dizer que, mais uma vez, se confirmam os limites e as perversões da existência de uma

política monetária única para países em condições muito diferenciadas.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente, colocando só uma última questão.

Gostaria de perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se também acha que os portugueses continuam com um padrão

de consumo elevado e a jantar fora à sexta-feira, como disse recentemente um banqueiro quando anunciava a

duplicação dos lucros.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados:

Queria começar por prestar a nossa solidariedade para com todas as vítimas do sismo que ocorreu nos territórios

da Turquia e da Síria.

Gostaria de deixar duas preocupações que têm a ver com a discussão do Conselho Europeu. A primeira

preocupação diz respeito ao aproveitamento da centralização dos apoios para enfraquecer o povo curdo e para

limitar a sua autonomia. Esta não é uma questão menor, porque é no Curdistão sírio e no Curdistão turco que

estão as regiões mais afetadas pelo sismo, e é preciso garantir que territórios curdos libertados mantêm a sua

autonomia, quer face aos regimes de Erdogan, mas também de Assad, e que essa autonomia não é uma arma

de troca para poderem ter acesso à ajuda humanitária.

Em segundo lugar, gostaríamos de reforçar o apelo da organização Médicos sem Fronteiras, para que se

criem condições de modo a chegar ajuda humanitária à Síria, que agora tem esse acesso à ajuda muito mais

dificultado.

Queremos também deixar uma segunda nota de solidariedade ao povo ucraniano, com todas as vozes,

incluindo vozes russas, que se levantam contra a espiral da guerra. Foi há um ano que a Rússia invadiu,

ilegalmente, a Ucrânia, provocando uma guerra que não parece ter um fim à vista e que agora atinge um novo

patamar, quando são fornecidas armas de longo alcance à Ucrânia, portanto armas com um caráter ofensivo e

não defensivo.

Entendemos que a União Europeia deve recusar ser uma peça num jogo e numa disputa entre grandes

potências e entendemos que o arrastamento deste conflito reforça a necessidade de a União Europeia

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protagonizar uma conferência de paz, sob a égide da ONU (Organização das Nações Unidas), que trabalhe para

a paz e não para o escalar da guerra.

Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, queria anotar uma contradição no seu discurso. Às segundas e quartas-

feiras, o Sr. Primeiro-Ministro diz aos trabalhadores que não podem ter melhores salários, não podem pensar

em ter melhores carreiras, nem pensar em baixar impostos, porque estamos em crise. Às terças e quintas-feiras,

o Governo celebra o estrondoso sucesso do PIB (produto interno bruto) português enquanto as maiores

empresas apresentam lucros astronómicos.

Sr. Primeiro-Ministro, há uma maioria de gente neste País que pedala sem parar e só vive pior, com menos

salário, com uma conta da luz e do supermercado muito mais elevada e com maior dificuldade em pagar os

juros ou a renda da sua casa. Enquanto isto acontece, há uma minoria que se pendura naqueles que pedalam

para lucrar à boleia da inflação e que ainda tem o desplante de dizer ao País que não pode jantar fora à sexta-

feira, como fez o Presidente do Santander.

O aumento dos juros do BCE só vai aumentar as desigualdades e o ressentimento em Portugal. Já sabemos

que o Governo tem recusado todas as soluções, deixando à sua sorte quem se vê aflito com o aumento dos

preços e das rendas. O que lhe pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, é se vai aceitar esta política de juros do Banco

Central Europeu e, mais do que isso, se vai continuar a aplicar a cartilha política desse banco, que é a da

compressão salarial imposta pelo Governo aos trabalhadores em Portugal.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, cumprimento as Sr.as e os Srs. Deputados, o

Sr. Primeiro-Ministro e a Sr.ª Ministra. Sr. Primeiro-Ministro, antes de mais, permita-me uma palavra de

solidariedade às vítimas do sismo. Saúdo também as equipas que hoje partem de Portugal para ajudar e

pergunto, desde logo, se é apenas este o auxílio que está previsto ou se haverá mais alguma ajuda humanitária

noutras dimensões para a Turquia e a Síria.

No que diz respeito ao apoio à Ucrânia, queríamos saber qual vai ser a posição de Portugal relativamente

aos novos apoios solicitados por Zelenskyy, nomeadamente ao nível das aeronaves, e se, de facto, está previsto

ampliar a esfera de apoio e cedência de meios para a Ucrânia.

Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, na sua intervenção, falou-nos da necessidade de apoios e ajudas aos

Estados-Membros, e não poderíamos estar mais de acordo, só que é pena que muitas vezes aquilo que

praticamos fora de portas não se faça dentro de casa.

Fez este mês um ano que a Lei de Bases do Clima entrou em vigor. Esta lei de bases deveria ser

regulamentada, e o prazo já passou há muito, e, entre outras matérias, tinha precisamente princípios de revisão

dos subsídios perversos, por exemplo, às empresas que possam ter más práticas do ponto de vista da poluição.

Tinha também incentivos fiscais a combustíveis fósseis ou a fiscalidade verde, que tem de ser um incentivo de

incremento para as empresas se tornarem mais competitivas, de forma a garantirmos a transição energética e

apostarmos numa economia verde. Portanto, pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, além daquilo que vai defender

na Europa, para quando a aplicação e a regulamentação da Lei de Bases do Clima em Portugal?

Depois, por outro lado, e para concluir, refiro-me àquilo que foi defendido por Portugal no Conselho de

Ministros de Agricultura e Pescas quanto ao transporte de animais vivos. É que a economia também não pode

estar a ser continuadamente alavancada em cima do sofrimento animal. Países como a Alemanha já defenderam

o fim do transporte de animais vivos para países terceiros e que se passe a fazer a exportação de animais

abatidos nos Estados-Membros. A Sr.ª Ministra da Agricultura não tem acompanhado, por isso pergunto-lhe se

está ou não disponível para se colocar ao lado daqueles que defendem o bem-estar animal e que defendem

uma política única da União Europeia em respeito por estes princípios.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Para quê?

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O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caras e Caros Colegas, Sr.ª Ministra, Sr. Primeiro-Ministro,

concordo consigo quando diz que não é só a Ucrânia que tem de fazer o seu trabalho de casa. A União Europeia

também tem de fazer o seu trabalho de casa e esse passa, certamente, por rever a maneira como funciona, do

ponto de vista institucional — julgo que concorda, porque o afirmou uma vez aqui em Plenário —, do ponto de

vista da revisão dos próprios tratados. O que não consigo entender tão bem é que o Sr. Secretário de Estado

dos Assuntos Europeus, já aqui numa sessão, no Parlamento, tenha dito que não achava que devêssemos

avançar para uma convenção para mudar os tratados.

Não podemos servir à Ucrânia aquele prato tão português que é a pescadinha de rabo na boca, em que não

entram porque não fazem o trabalho de casa, mas, se fizerem o trabalho de casa, não entram porque nós não

fizemos o nosso. Portanto, queria perceber exatamente qual é o seu raciocínio em relação à revisão dos

tratados.

Também nós, Portugal, temos de fazer a mesma coisa em relação ao trabalho de casa, uma vez que uma

União Europeia com a Ucrânia será muito diferente do que é sem ela e, no momento em que grandes países da

União Europeia se puserem de acordo sobre a entrada da Ucrânia, não é uma dinâmica que se possa parar.

Nomeadamente, gostaria de saber mais sobre a sua ideia de podermos ser mais flexíveis, mas também mais

proporcionais, em relação às ajudas de Estado. A verdade é que, por mais proporcionais ao PIB que elas sejam,

há países que têm mais largueza orçamental e países que têm menos. Portanto, precisamos é de um PRR

permanente, o que, evidentemente, não é fácil, mas temos de ter uma estratégia para o conseguir.

Em terceiro lugar, já falámos aqui de taxas de juro e já foi citado, várias vezes, o banqueiro que diz que as

pessoas não devem ir jantar fora à sexta-feira à noite. O que ainda não foi dito é que esse mesmo banqueiro

decidiu acabar com a oferta de taxa fixa no seu banco. Ou seja, precisamente quando as pessoas se querem

abrigar da subida da taxa variável, esse banco decidiu que a taxa fixa, afinal, não é interessante. Está o Governo

a pensar legislar ou seguir as propostas que o Livre já apresentou nesta Casa, para que a taxa fixa passe a ser

um serviço obrigatório por parte dos bancos, permitindo às pessoas um abrigo nestes tempos difíceis?

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Edite Estrela: Todos

queremos a paz, mas só a Ucrânia pode definir o momento, as condições e os termos em que pode aceitar a

negociação da paz. A Ucrânia foi invadida, está agredida, e é a Ucrânia que, neste momento, tem o direito a

definir quais são os termos, o momento e as condições para a paz.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado João Paulo Rebelo, tem toda a razão, a União Europeia não pode desaprender o que aprendeu

com as duas crises anteriores. Geriu mal a crise das dívidas soberanas e geriu bem a crise da covid-19. Não há

que inventar a roda: é não fazer de novo o que se fez mal e fazer de novo o que se fez bem.

Aplausos do PS.

Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira, perguntou se estou de acordo em que deve existir um mecanismo

permanente. Sim, Sr.ª Deputada, já o defendi várias vezes e tenho a modéstia de não me citar as 30 vezes que

o defendi. Ainda recentemente disse aqui, na Assembleia, que o programa SURE (Support to mitigate

Unemployment Risks in an Emergency) funcionou tão bem durante a covid-19 que deveria tornar-se um

mecanismo de estabilização permanente, porque, de cada vez que há uma crise, não podemos estar a inventar

um mecanismo novo. Sabemos que as crises não são permanentes, mas são recorrentes e, por isso, precisamos

de ter um mecanismo permanente para responder a essa crise.

Aplausos do PS.

Também relativamente ao fundo europeu de soberania, já disse, na minha primeira intervenção, que estou,

obviamente, de acordo que é necessário. Mas como sei bem o tempo que vai levar a discussão sobre a injeção

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de novos fundos, acho que se deve constituir com base nos fundos que já foram levantados e que não vão ser

utilizados pelos Estados-Membros. Esses são os fundos soberanos dos PRR, da componente de empréstimos,

dos quais vários Estados-Membros não utilizarão nada e outros Estados-Membros só utilizarão parcialmente.

Isso poderia ser operacionalizado muito rapidamente, através do REPowerEU, que já existe neste momento.

Sr. Deputado Paulo Moniz, é evidente que ninguém ignora a prioridade de enfrentar a inflação, com uma

consequência mais nefasta e que quebra a unidade dos diferentes Estados-Membros da União Europeia no

apoio à Ucrânia. A nossa parte da guerra é também combater a inflação e as suas causas. Foi por isso que

pusemos a 0 % a taxa do IVA (imposto sobre o valor acrescentado) dos fertilizantes e das rações. É por isso

que temos estado a intervir no mercado do gasóleo e da gasolina, o que garante que, num depósito de 50 l,

paga menos 16 € de gasóleo ou menos 14 € de gasolina do que pagaria se estas medidas não estivessem em

vigor.

Hoje, graças ao mecanismo ibérico, o preço do Megawatt-hora de eletricidade é, em Portugal e em Espanha,

de menos 27 € do que em França e menos 32 € do que em Itália. São medidas concretas que adotámos para

enfrentar esta realidade.

Aplausos do PS.

É fundamental, também, prosseguir o trabalho das interconexões. Ainda na semana passada, a Alemanha

manifestou a sua determinação em se associar a Portugal, Espanha e França neste projeto das interconexões

e, portanto, temos condições reforçadas para poder avançar.

Sr. Deputado André Ventura, verdadeiramente, para si, ninguém teria lugar neste Governo, porque, seja

franco, é contra a existência deste Governo. Honra lhe seja feita, honra me seja feita a mim, que crio o Governo

à minha medida e não à sua medida. Pronto, acho que ficamos os dois igualmente satisfeitos e cada um cumpre

a sua função.

Aplausos do PS.

Sobre a emigração, vou também deixá-lo duplamente satisfeito. Primeiro, não defenderei nunca, no Conselho

Europeu nem em sítio nenhum, o que o Sr. Deputado pensa sobre emigração. Mas deixe estar, que a sua voz

será ouvida no Conselho Europeu, porque há lá quem defenda o mesmo que o Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

Vozes do CH: — E muito bem!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Deputado Bernardo Blanco, neste momento, temos em execução o plano de

recuperação e de manutenção dos tanques Leopard 2 e, de acordo com a execução do plano, estamos em

condições de poder dispensar três no próximo mês de março, e é nesse sentido que estamos a trabalhar.

Quanto às ajudas de Estado, na minha primeira intervenção já tinha tido oportunidade de dizer que acho que

é inevitável, na situação que estamos a viver, manter o mecanismo extraordinário que está em vigor desde a

ocorrência da pandemia de covid-19. Mas, para evitar o efeito fragmentário do mercado interno, há duas coisas

fundamentais a fazer.

Em primeiro lugar, é preciso acelerar a concretização de um fundo europeu, seja o fundo de soberania, seja,

para já, o REPowerEU.

Em segundo lugar, relativamente aos mecanismos de ajuda de Estado, há duas medidas fundamentais.

A primeira é que cada ajuda de Estado tem de assegurar o compromisso, por parte de quem a recebe, de

que mantém a capacidade produtiva não só nesse Estado mas em todos os Estados-Membros da União

Europeia. Isso significa que, quando a Alemanha apoia uma empresa que tem, por exemplo, uma fábrica em

Portugal, essa empresa tem de garantir não só a manutenção da capacidade produtiva na Alemanha, mas

também em todos os países da União Europeia onde está instalada, designadamente na sua fábrica aqui, em

Portugal.

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A segunda medida compensatória é a possibilidade de majorar as ajudas de Estado quando são concedidas

não por um só Estado, mas por um conjunto de pequenos e médios Estados, pelo menos para apoios que têm

incidência em regiões de coesão, ajudando, assim, a criar consórcios e cadeias de valor integradas no conjunto

da União Europeia.

Finalmente, creio que o Sr. Deputado deve ter em conta que no Plano de Recuperação e Resiliência não há

nenhuma imposição da União Europeia. O Plano de Recuperação e Resiliência não é um programa da troica;

foi proposto por Portugal, aceite pela União Europeia e a execução e libertação de verbas fazem-se à medida

que cumprimos as metas e os marcos.

Como há pouco foi dito, Portugal recebeu hoje mesmo a segunda tranche de financiamento, porque cumpriu

todas as metas e todos os marcos a que se tinha comprometido para a poder receber. É assim que,

paulatinamente, vamos executando o Plano de Recuperação e Resiliência.

Aplausos do PS.

Sr.ª Deputada Paula Santos, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, é evidente que uma coisa é a opinião que

tenho de que a esta crise inflacionista não se responde com subidas de taxas de juro, outra coisa é a

independência do Banco Central, que decide como bem entende a sua política monetária. É uma consequência

do tratado. Convém recordar que, quando tínhamos a nossa própria moeda, sempre que houve crises

inflacionistas, o Banco de Portugal não deixou de subir as taxas. Aliás, o primeiro crédito à habitação que contraí

foi com taxas de 23 %. Portanto, se tivéssemos o escudo, não tínhamos menor inflação nem menor subida das

taxas de juro. Com grande probabilidade, Sr.ª Deputada, teríamos seguramente uma subida de taxa de juro

muito mais forte do que aquela que temos.

Aplausos do PS.

Agora, a sugestão que deixo, Sr.as Deputadas, é trabalharmos com base em dados. A melhor forma é

chamarem o Governador do Banco de Portugal à Assembleia da República, para dar uma informação precisa e

rigorosa sobre qual está a ser o impacto efetivo da subida das taxas de juro nas diferentes categorias de

rendimento e nos diferentes tipos de contrato, porque é importante termos a noção sobre os dados.

Quanto ao mecanismo de renegociação, está aprovado e está em vigor. É sabido, porque já foi anunciado,

que temos um Conselho de Ministros dedicado ao tema da habitação no próximo dia 16 e não deixaremos de

considerar estas questões.

Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, não há nenhuma contradição, pelo contrário. O crescimento da economia

é uma realidade. Crescemos 6,7 % no ano passado. Hoje saíram os números do INE (Instituto Nacional de

Estatística) e temos uma taxa de desemprego de 6 %. Já recuperámos para a fase pré-pandemia e temos a

mais elevada taxa de empregabilidade desde que há registo, e estes são bons números.

Como sabe, foi assinado um acordo de concertação social que prevê, precisamente, uma trajetória não só

de recuperação de rendimentos, mas de aumento real dos rendimentos ao longo da Legislatura, como tem

acontecido desde 2016 e, votando-se, no fim, na Assembleia da República — na próxima sexta-feira, espero —

, a Agenda do Trabalho Digno, ficamos com um instrumento para a dinamização da contratação coletiva, que

ajudará muito a assegurar um crescimento sustentado e previsível dos salários ao longo de toda a Legislatura.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, sim, iremos enviar apoio humanitário não só à Turquia e à Síria, como

também ao Chile, para onde está a seguir uma missão para apoiar este país no combate aos incêndios florestais.

Esta circunstância é uma oportunidade muito importante para acelerarmos todos os mecanismos de transição

verde e, felizmente, isso está a acontecer e, quer o PRR, quer o REPowerEU, reforçam, precisamente, as

dotações e a capacidade de acelerar essa transição.

Por fim, Sr. Deputado Rui Tavares, relativamente à revisão dos tratados, como é sabido, aquando da

Conferência sobre o Futuro da Europa, o entendimento que tínhamos era o de que não havia razão para que se

procedesse à sua revisão, que havia que dar prioridade à execução de todos os mecanismos de flexibilidade

previstos no próprios tratados e não envolvermos, numa discussão a 27, um número indeterminado de

referendos a aprovação de 27 Parlamentos, o que seria, seguramente, um processo muitíssimo demorado.

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Há uma realidade que é nova: a partir do momento em que a União Europeia decidiu abrir negociações com

a Ucrânia, para a adesão, e que disse que essa abertura de negociações tinha de ter correspondência nos

diferentes Estados dos Balcãs Ocidentais, passámos a estar a falar de uma realidade que consiste em incorporar

na União Europeia mais novos Estados-Membros.

Portanto, do ponto de vista institucional, no atual tratado, não é possível passar de 27 para 36 Estados-

Membros com a atual arquitetura institucional, como também não é possível com a atual arquitetura orçamental.

Portanto, se queremos, efetivamente, que não haja essa pescadinha de rabo na boca e se não queremos

voltar a cometer o erro que já se cometeu no passado — quando se discutiu se se devia aprofundar ou alargar

primeiro e se decidiu fazer as duas coisas ao mesmo tempo, acabando as duas por ficar mal feitas —, a verdade

é que temos de, também aqui, aprender com as demais lições do passado e fazer o que deve ser bem feito, ou

seja, arrumar a casa, para que esta expectativa criada à Ucrânia seja, efetivamente, séria e não um convite para

a frustração futura nas relações entre a Ucrânia e a União Europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Na gestão do tempo de resposta do Sr. Primeiro-Ministro, tive em consideração o facto

de, assim, todos os Srs. Deputados e Sr.as Deputadas poderem ter respostas às questões que colocaram.

Vamos passar, agora, para o terceiro ponto da nossa ordem do dia, que diz respeito à apreciação conjunta

do Projeto de Resolução n.º 395/XV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que crie condições para o

desenvolvimento do mercado voluntário de carbono em Portugal, do Projeto de Lei n.º 459/XV/1.ª (PSD) —

Aprova os estatutos do Conselho de Ação Climática criado pela Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021, de 31

de dezembro), na generalidade, e dos Projetos de Resolução n.os 212/XV/1.ª (PAN) — Define as regras relativas

à composição, organização, funcionamento e estatuto do Conselho para a Ação Climática, em cumprimento do

disposto no n.º 4 do artigo 12.ºda Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro,

378/XV/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo o fim dos apoios e lucros perversos no âmbito do comércio de

carbono, 405/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que cumpra o disposto na Lei de Bases do Clima,

aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, e leve a cabo as diligências que nesse âmbito são colocadas

sob sua competência, e 406/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que implemente um mercado de carbono

voluntário e fomente a utilização de green bonds, em Portugal

Vamos permitir apenas um rearranjo da logística do Hemiciclo, com a descida aos postos avançados, à linha

da frente, dos Srs. Deputados encarregados de conduzir as operações neste ponto, e dou a palavra ao Sr.

Deputado Ricardo Pinheiro, que já está de pé, para apresentar o projeto de resolução do Partido Socialista.

O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Atualmente, só compensam as

emissões de carbono as empresas mais intensivas do ponto de vista energético. Trata-se de um mercado

regulado, através do Comércio Europeu de Licenças de Emissão, que renova os seus créditos em zonas de

floresta, fora do espaço europeu, como por exemplo, na Amazónia.

A ambição que temos, com a criação do mercado voluntário de carbono, é a de valorizar económica e

ambientalmente os territórios mais vulneráveis em Portugal: os que perderam pessoas, os que hoje, por efeito

das alterações climáticas, não conseguem preservar e conservar o seu património ambiental e natural.

No essencial, este mercado visa alargar a possibilidade de certificar créditos de carbono a todas as atividades

económicas em Portugal, através da criação de um mecanismo de regulação das compensações de CO2.

Foram diversos os fatores, quer de natureza social, quer económica, que conduziram ao abandono de grande

parte das áreas rústicas do território nacional — aqueles territórios de que eu e muitos dos Srs. Deputados

somos naturais —, tornando-os menos resilientes, em particular ao risco de incêndio e de conservação da sua

biodiversidade. Também são estes territórios que contribuem de forma positiva para a captura de carbono em

Portugal, pelo que devem ser remunerados por esta atividade.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Desta forma, e a par das ações de mitigação a adotar no âmbito do processo

de transição climática, elencadas no Plano Nacional de Energia e Clima ou no roteiro nacional para a

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descarbonização, é crucial recorrer aos diversos tipos de instrumentos que estejam ao nosso dispor e que

permitam apoiar os objetivos e as metas climáticas definidos a nível europeu.

O PS quer, e quis, ser inovador com o exemplo de criar um mecanismo de valorização ambiental, mas

também económica, dos territórios de baixa densidade e mais vulneráveis.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Um mercado voluntário de carbono deve gerar incentivos económicos para

reduzir as emissões e aumentar o sequestro de carbono, reforçando a relação custo/eficácia das medidas de

mitigação de gases com efeito de estufa, promovendo soluções e tecnologias inovadoras, um conjunto de

instrumentos que permite apoiar o cumprimento dos objetivos nacionais em matéria de ação climática,

acelerando a transição para uma cidade neutral em carbono e reforçando o compromisso com os Objetivos de

Desenvolvimento Sustentável da Agenda das Nações Unidas. Também é uma oportunidade de valorizar

atividades como a agricultura, a floresta, o setor primário, que garantem dois pilares fundamentais do bem-estar

humano: a produção de alimentos, mas também a preservação do ambiente.

Aplausos do PS.

Nesta nossa visão, também devem ser introduzidas atividades industriais que demonstrem que, de forma

efetiva, o exercício de transição energética pode ser valorizado através da certificação de créditos de carbono.

Dois exemplos disso: a forma como a Nestlé utiliza as suas cápsulas e, a partir daí, forma e produz um produto

de marca e de renome à escala mundial, como são disso exemplo as canetas Caran d'Ache; ou, um exemplo

nacional, e que me é bem querido, o da forma como a Delta Cafés teve a capacidade de reaproveitar todas as

borras de café e, a partir daí, produzir um produto como os cogumelos, consumidos e produzidos à escala e

para o público nacional.

Aplausos do PS.

Neste contexto, importa que o conhecimento nesta área seja aprofundado no futuro, em consonância com o

previsto na Lei de Bases do Clima.

Também o facto de Portugal ter mais de 4000 km2 de área costeira e dado o nosso território marinho, é

importantíssimo percebermos e planificarmos os grandes projetos de absorção de CO2. O mercado voluntário

de carbono deve reger-se por princípios que não permitam abusos financeiros por parte dos agentes: a

credibilidade, a adicionalidade, a permanência, a eficácia e o acompanhamento, mas também a transparência

e a sustentabilidade.

Os compromissos da neutralidade carbónica assumidos pelas organizações devem ter subjacente um

mecanismo transparente, verificável de contabilização e compensação de emissões. Aliás, pode criar um

ecossistema transparente, baseado em modelos digitais como a blockchain ou os smart contract, para todos os

parceiros ou indústrias que desejem entrar no mercado. Isto permitirá, por exemplo, que uma empresa que

esteja situada em Proença-a-Nova deixe de criar valor num país fora de Portugal e possa compensar as suas

emissões no valor do Pinhal Interior e da floresta do Pinhal Interior, em vez de criar este valor fora de Portugal.

Desta forma, criamos projetos geradores de créditos, um verdadeiro instrumento de política de coesão, que

alguns territórios devem potenciar.

Alguns de vocês sabem que uma grande caminhada de 1000 km começa muitas vezes com pequenos

passos, como aqueles que podemos dar hoje.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Coimbra.

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Várias vezes falámos, neste

Parlamento, acerca do desafio climático e sobre as terríveis consequências que este nos coloca. Todos sabemos

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da sua dimensão e da urgência de ação a que o mesmo nos obriga. Pois bem, passou um ano desde que

aprovámos a Lei de Bases do Clima, um processo legislativo de grande dimensão, que nos uniu num consenso

generalizado. Construímos nesta Casa uma importante peça do nosso edifício legislativo para robustecer a

nossa capacidade de, enquanto País, fazermos face ao estado de emergência climática que reconhecemos.

Passou um ano, mas continuam por concretizar e regulamentar aspetos fundamentais previstos nesta Lei de

Bases, que limitam e atrasam a sua implementação, abrangência e eficácia. Há já alguns meses que os alertas

começaram a chegar: alertas sobre a lentidão ou inação do Governo nos aspetos que são da sua competência;

alertas sobre receios que a maioria absoluta não avance nesta frente; alertas de preocupação por continuarmos

sem orçamentos de carbono, sem o portal da ação climática e sem tantos outros instrumentos previstos e

idealizados na Lei de Bases do Clima que o Governo não fez até agora avançar.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, não só o Governo é impelido a agir; também na Assembleia da República temos

competências e obrigações para não permitir atrasos que limitem o sucesso que todos desejamos. Com este

intuito, o Grupo Parlamentar do PSD apresenta um projeto de lei para regulamentar o funcionamento do

Conselho de Ação Climática. Estamos a falar de um órgão independente, composto por personalidades de

reconhecido mérito, com conhecimento e experiência nos diferentes domínios afetados pelas alterações

climáticas, um órgão com funções consultivas e de colaboração na elaboração de avaliações, pareceres e

estudos sobre a política climática e os seus instrumentos de planeamento.

Este importante órgão especializado, que foi proposto inicialmente pelo PSD e que ficou previsto na Lei de

Bases do Clima, precisa da aprovação deste projeto de lei para que possa ser finalmente constituído e iniciar as

suas relevantes funções. Este projeto aprova os seus estatutos e, entre muitos outros aspetos fundamentais ao

seu funcionamento, permite a sua constituição, define a sua composição e as regras para a designação dos

seus elementos.

Apresentamos um projeto de lei, e não um mero projeto de resolução, como aqui apresenta o PAN, para que

possa ser eficaz e imediato, deixando ao Governo apenas a responsabilidade de dotar financeiramente esta

estrutura.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei de Bases do Clima foi aprovada por uma larguíssima maioria e

ficou marcada por um espírito de consenso político, em que houve a capacidade de dirimir divergências em prol

de uma causa maior, que é a ação climática.

Aplausos do PSD.

Agora, é hora de sermos consequentes e de agirmos. O Governo e a Assembleia da República não podem

protelar mais a entrada em funcionamento dos instrumentos que definimos como prioritários. Temos de avançar.

Esperemos que o Partido Socialista e os outros partidos viabilizem esta iniciativa e estaremos disponíveis para,

em sede de especialidade, limar aspetos e introduzir contributos que possam ter.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O ambiente não pode ser uma

bandeira que se agita em tempos de campanha eleitoral, mas que depressa se esfuma na espuma dos dias,

sobretudo depois das eleições.

Hoje, o PAN assinala, aqui em Plenário, um ano da lei do clima, um ano que passou e em que a única coisa

que vemos são avanços que não saem do papel. Na prática, estamos mais perto do ponto de não retorno e

pouco ou nada foi feito para antecipar as metas de descarbonização e mitigação das alterações climáticas ou

para adaptar o território. Assim, não vamos lá.

Mas vamos a exemplos. A Lei de Bases do Clima impunha ao Governo um caderno de encargos com oito

medidas a levar a cabo até ao dia 1 de fevereiro deste ano, medidas importantes como o fim do óleo de palma

nos combustíveis, os orçamentos de carbono, a sustentabilidade do edificado público, um portal de ação

climática, a limitação da mineração em mar profundo, a fiscalidade verde ou a revisão dos princípios da

taxonomia. Mas todas estas medidas foram deixadas na gaveta pelo Governo e pela maioria absoluta.

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A Lei de Bases do Clima impunha também que o Parlamento criasse um conselho para a ação climática, por

resolução, e não por projeto de lei, Sr. Deputado. Com todo o respeito, olhemos para o que diz a letra da Lei de

Bases do Clima, até porque o PSD tardou em vir a este debate e tanto o PSD como as demais forças políticas

andaram a pedir adiamentos, em relação ao projeto de resolução que o PAN apresentou em setembro do ano

passado, e só agora estamos a discutir claramente esta medida.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ah!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — O conselho é, de facto, fundamental para termos, de forma

independente, um escrutínio da implementação da Lei de Bases do Clima, com rigor e conformidade com

documentos orçamentais e políticas públicas com metas de mitigação das alterações climáticas.

Não podemos também deixar de referir que o relógio do clima continua a girar sem parar. Estamos a menos

de sete anos do ponto de não retorno e falhar as exigências da lei do clima é falhar na garantia do direito que

todas e todos temos a um clima estável e cuja emergência está reconhecida na própria Lei de Bases do Clima.

Mas mais, é falhar no direito e na garantia de que todos os jovens, sem exceção, e as futuras gerações têm um

clima estável e não têm uma fatura cada vez mais pesada, em matéria climática.

É por isso que, hoje, o PAN quer que se cumpra a vontade do Parlamento, expressa por ampla maioria

aquando da aprovação da lei do clima, exigindo, assim, ao Governo que cumpra o caderno de encargos, mas

também que possam existir instrumentos, como as green bonds, entre outros instrumentos financeiros, que

permitam mitigar as alterações climáticas e não apenas políticas de greenwashing.

Haja vontade política para que possamos fazer o esforço de consenso que foi feito, inclusive nas divergências

que possam existir entre os conceitos de projeto de resolução ou projeto de lei, para que esta Assembleia aprove

um conselho de ação climática.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro

Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há dois estudos que deveriam

fazer refletir todos os decisores políticos, em matéria ambiental.

O primeiro é sobre o mercado de carbono à escala europeia e a consequência que teve. A conclusão, dita

pelo estudo da Carbon Market Watch, é que, nos últimos 10 anos, — e vou dizer devagarinho, para não haver

dúvidas sobre os números — 50 mil milhões de euros foram objeto de lucro abusivo no espaço do mercado

europeu de carbono para os grandes poluidores da Europa.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — O maior poluidor é o Bloco de Esquerda! Está sempre a poluir!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Por isso, a conclusão direta e óbvia deste estudo é que poluir compensa

e o mercado europeu de carbono deu 50 milhões de razões para demonstrar que essa compensação foi justa.

Para nós, foi absolutamente injusta, mas, para o mercado, foi justa para estes poluidores.

O segundo estudo diz que 90 % dos projetos de compensação de carbono, à escala mundial, foram

ineficazes ou até aumentaram a emissão de gases prejudiciais para o nosso ambiente.

Por isso, os dois pilares que o Partido Socialista usa para basear toda a sua proposta que hoje lança ao

debate são desmentidos e atropelados pela evidência científica.

O mercado europeu de carbono não funciona e tem beneficiado os grandes poluidores. Os projetos de

compensação de carbono não funcionam e são um embuste, que dá para algumas consciências ficarem mais

tranquilas, mas que tem feito mal ao ambiente.

Por isso, Sr. Deputado Ricardo Pinheiro, quando diz que as grandes caminhadas se iniciam, por vezes, com

um pequeno passo, sabe que, para isso ser verdade, tem de caminhar na direção certa. Se não, fica ainda mais

longe do objetivo.

E é exatamente isso que o PS nos traz a debate: é ficarmos ainda mais longe do objetivo de ter uma alteração

na nossa economia e na nossa estrutura produtiva que seja mais capaz de enfrentar as alterações climáticas.

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Vejamos o que este Governo do Partido Socialista fez, ainda no ano transato, com o dinheiro do Fundo

Ambiental.

Diz o Sr. Deputado Ricardo Pinheiro que temos de responder às necessidades do interior, àquele interior que

fica esquecido e, depois, os incêndios vão lá e levam a nossa floresta.

Sr. Deputado, quem beneficiou, recentemente, de quase 25 milhões de euros de apoio aos grandes

consumidores de energia, pelo dinheiro do Fundo Ambiental? Poderia servir para mudar a estrutura produtiva,

mas serve para perpetuar as mesmas más práticas. São 25 milhões de euros para as mesmas empresas de

celulose que, além de ajudarem ao desordenamento do território e à promoção do eucalipto na nossa floresta,

cujo resultado direto é aumentar o perigo de incêndio florestal, são as beneficiadas das políticas do Governo do

Partido Socialista.

Por isso, quando o PS nos diz que estão aqui para defender o ambiente e, por isso, propõem introduzir uma

versão local nacional do mercado de carbono, a resposta é simples e as novas gerações devem ouvi-la: o que

o Governo do Partido Socialista e o Partido Socialista estão a dizer é que querem dar ao mercado o vosso futuro,

querem entregar ao lucro dos grandes poluidores o vosso futuro,…

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Não seja demagogo!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … querem que o dinheiro público, que poderia servir para rever o

funcionamento da economia, seja entregue àqueles que já lucraram com a poluição, no passado, e vão continuar

a lucrar com a poluição, no futuro.

Isso, para nós, é inaceitável, e combateremos esta escolha do Partido Socialista, porque consideramos que

ser amigo do ambiente não é só bater com a mão no peito, enquanto se entregam grandes cheques a grandes

poluidores. É defender, de facto, as novas gerações.

Aplausos do BE.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Que demagogia! Os eucaliptos não capturam carbono?!

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Rita Matias.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por dizer que partimos para este

debate sob a premissa de que pretendemos alcançar a neutralidade carbónica, uma meta nobre, assumindo

que a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera provoca efetivamente o aumento da temperatura

média na Terra.

No entanto, ao contrário da maior parte dos Srs. Deputados aqui presentes, não podemos cavalgar a onda

de que as variações climáticas são algo de agora. Sempre existiram e sempre irão existir.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Somos negacionistas!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Aquilo que estamos disponíveis para debater e para rever é o papel que o homem

tem neste processo.

Mas, desde logo, todas as propostas hoje em debate, as deliberações nacionais e internacionais e os acordos

assinados carecem de clarificação da metodologia.

Definimos estas metas com base em que modelos, concretamente? Porque é que a ciência, que sempre

apontou tantos caminhos alternativos, não ousa, nesta matéria, questionar o poder político?

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — E porque é que o poder político condiciona o financiamento das investigações,

mediante a narrativa determinada por sinistras agendas globais?

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Aplausos do CH.

Porque é que temos de escolher a via do alarmismo e não a via da sensatez?

E sim, tenho de falar de sensatez, porque os senhores que se propõem a salvar o mundo agora são os

mesmos que nada fizeram para salvar o interior do País. Não impediram o despovoamento do interior. Querem

salvar o clima, mas não conseguiram garantir a coesão territorial. Empurraram as pessoas para as grandes

cidades, para a sociedade do consumo que criticam, e esvaziaram o mundo rural.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Destruíram a nossa floresta. Sufocam os nossos agricultores, sobretudo os

pequenos e médios agricultores. Tornaram absolutamente insustentável a vida nos meios comunitários e

pequenos.

Anos e anos a ouvir esta vossa cassete climática, para, depois, chegarmos a 2023 e os senhores

descobrirem, finalmente, que as árvores capturam CO2 e começarem, agora, a querer financiar projetos

florestais, tendo em vista estes propósitos.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — A floresta e a reflorestação do território deveriam ter sido a prioridade na missão

que os senhores escolheram e definiram. Se os senhores, ao invés de quererem controlar a ciência, estivessem

disponíveis a ouvi-la, saberiam que as florestas são sumidouros de carbono por excelência e não teríamos

deixado as mesmas votadas ao abandono e à destruição, verão após verão, com incêndios.

Aplausos do CH.

Não teríamos demonizado os produtores e tornado cada vez menos viável o investimento em espécies

autóctones.

Mais, o Sr. Primeiro-Ministro até anunciou que vamos ao Chile combater incêndios. Ter-nos-íamos focado

na prevenção e no combate aos nossos incêndios, aqui, em Portugal.

No entanto, e porque falamos de neutralidade carbónica, importa também perguntar: quando é que os

senhores devolveram a palavra aos portugueses e perguntaram que tipo de transição energética os portugueses

queriam, tendo em vista estes objetivos assumidos? Quando é que os dotaram de informação — e informação

que não é com base nas vossas campanhas de dramatização e desinformação?

Não basta impor uma transformação forçada de hábitos de consumo, não basta dizer que queremos uma

transição justa, porque importa perguntar: esta transição é justa para quem?

Há indústrias a fechar, há trabalhadores a perder empregos e, acima de tudo, os consumidores só veem a

sua fatura energética a aumentar, ano após ano. Pagamos os preços energéticos mais altos da história.

Por isto, é justo perguntar: este modelo económico tem transformado em nome da justiça, mas a quem é que

tem chegado esta justiça?

Por isto, e porque esta introdução já vai longa, reconhecemos que o mercado de carbono tem sido um meio

de redução das emissões e que alargar o espectro ao voluntarismo de mais empresas e privados pode,

efetivamente, contribuir para os objetivos definidos.

Contudo, a transação dos créditos não pode servir de falsa preocupação ambiental e legitimar que

determinadas empresas, com pouca responsabilidade efetiva com a sustentabilidade, lavem assim a sua cara

e as suas mãos, devido ao poder económico que têm face a outras empresas mais pequenas.

Para concluir, quero dizer que estas propostas pecam por tardias e que lamentamos que a preocupação,

agora socialista, possa ser apenas encapotada pelo desejo de arrecadarem mais impostos às taxas e às

empresas portuguesas.

Nada tem sido feito no apoio à transformação tecnológica, nada tem sido feito tendo em vista uma produção

mais eficiente e as metas que os senhores definiram.

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Concluo, dizendo que o Chega diz «sim» à preservação do meio ambiente e dos recursos naturais e à

soberania energética.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Aquilo a que dizemos «não» é à perversidade do ecomarxismo.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado

Duarte Alves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aqui há mais ou menos um ano, uma

petrolífera lançava um anúncio publicitário que dizia: «Conduza carbono neutro — enquanto conduz,

compensamos as emissões de carbono dos seus abastecimentos através de projetos em todo o mundo.»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Pois foi!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Dezenas de artigos patrocinados, a juntar aos anúncios publicitários, passam

assim duas mensagens. A primeira é a de que os consumidores, as pessoas individualmente, são as

responsáveis pelas emissões que causam as alterações climáticas, isentando o modo de produção capitalista

dessas responsabilidades.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — A segunda é que os consumidores podem decidir, através das suas opções

de consumo, limpar as suas consciências, isto, é claro, se forem abastecer naquela petrolífera que se

encarregará de compensar o CO2 emitido.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Pois claro!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Pois bem, em junho de 2022, sai um artigo na Bloomberg com o título «A BP

paga a trabalhadores rurais mexicanos uma ninharia pela solução climática preferida de Wall Street», revelando

os problemas sociais e ambientais causados por este tipo de mecanismos voluntários.

É este o grande problema da lógica da compensação de emissões a partir de instrumentos de mercado. A

«solução climática preferida de Wall Street» é a solução que o PS tem aqui para apresentar, que quer importar

para o território nacional e que, na verdade, não resolve nada, pelo contrário, agrava os problemas.

Na União Europeia, o esquema de transação de créditos de carbono foi responsável por um aumento das

emissões, porque a sujeição a mecanismos de mercado, da oferta e da procura, fez baixar o preço a pagar para

poder poluir e emitir CO2.

Também na Austrália, projetos que tencionavam regenerar florestas para absorver dióxido de carbono, aos

quais foram atribuídos centenas de milhões de dólares, acabaram a ser responsáveis pelo declínio da cobertura

arbórea.

E calhou mal o timing desta discussão ao Partido Socialista, uma vez que, a 18 de janeiro de 2023, aqui há

duas semanas, saiu uma investigação de um consórcio de jornalistas, com a participação do The Guardian e do

Die Zeit, que revela que mais de 90 % das compensações de carbono da floresta tropical são inúteis, e estão a

falar precisamente dos standards de carbono voluntários.

O PCP rejeita, em toda a linha, o comércio de licenças de emissão. O projeto do BE prevê medidas que

atacam a compra e venda de emissões, mas apenas quando tenham sido atribuídas gratuitamente. Ora, no

nosso entender, é preciso abandonar todos os mecanismos que colocam no mercado a solução para o combate

às alterações climáticas, independentemente de terem sido atribuídos gratuitamente ou não.

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Defendemos, sim, que haja quotas e metas por país com um normativo específico, atendendo às emissões

históricas, à sua fase de desenvolvimento, que tenham de ser respeitadas por todos os países, e não qualquer

mecanismo de atribuição de licenças transacionáveis que potenciam a especulação, não resolvem e até

agravam o problema.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Em Portugal, precisamos de incentivar a produção nacional para encurtar os

ciclos de produção/consumo. Precisamos de incentivar o transporte público com mais qualidade a baixo preço,

em vez de dizermos às pessoas que, se meterem gasolina na bomba A, na bomba B ou no posto de

carregamento C, a emissão há de ser compensada do outro lado do mundo.

Precisamos de combater a obsolescência programada; precisamos de uma planificação da economia de

acordo com os objetivos do desenvolvimento, da soberania, da utilização racional de recursos para a redução

das emissões e o respeito pelo meio ambiente.

Precisamos de tudo, menos da falsa solução, a tal que é a preferida de Wall Street e que o PS aqui propõe:

o capitalismo não é verde!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para intervir no debate, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, se é certo que soluções de mercado, apenas, não permitem resolver

os problemas que o mercado criou, também não é errado dizer-se que o Estado e os poderes públicos podem

criar mercados, mercados, esses, que tenham uma dimensão virtuosa, para tentarmos resolver os problemas

que os outros mercados criaram.

Mas não podemos adiar a resolução do problema das alterações climáticas para quando tivermos o nosso

sistema económico perfeito, aquele com que sonhamos e, provavelmente, continuaremos a sonhar. O planeta

tem de ser salvo agora, com soluções para agora.

É também por isso que, quando o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática nos diz que vamos ter um

mercado voluntário de carbono, está a dizer-nos muito pouco ou quase nada, porque o diabo está nos detalhes.

É evidente que mercados de carbono, tal como existem agora, criam incentivos perversos que fazem com

que empresas poluidoras não só paguem o mais que deveriam pagar, mas paguem até menos, porque compram

licenças com as quais acabam por pagar menos impostos.

Portanto, esta é uma legislação que, se for discutida com ampla participação, se tiver um trabalho exigente

de controlo dos vícios do mercado, pode dar-nos qualquer coisa de bom. Para já, ainda é uma mão cheia de

nada e outra de coisa nenhuma.

O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo

Blanco.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pela calada, durante a madrugada, o

Governo colocou em consulta pública o seu projeto para o mercado voluntário de carbono, sabendo

perfeitamente que hoje teríamos aqui este debate. Não me parece ser a melhor prática institucional, mas o que

vale é que ainda estava acordado e, por isso, passei a madrugada a lê-lo. E, como de vez em quando o Governo

até acerta, fiquei agradado quanto baste, ao notar que a proposta até segue mais os princípios do projeto da

Iniciativa Liberal — que será discutido em comissão — do que propriamente os princípios do projeto do Partido

Socialista.

Risos do PCP.

Como sabemos, o mercado de carbono obrigatório que existe na Europa, cobre apenas cerca de 40 % das

emissões europeias, sobretudo aquelas que decorrem da produção energética e da indústria pesada.

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No entanto, e apesar disso, cada vez mais, as empresas, em vários setores da economia, procuram de forma

voluntária deixar a sua marca e mostrar aos consumidores que também pretendem cumprir com os objetivos da

neutralidade carbónica e da sustentabilidade.

Por isso, em vários países, desenvolveu-se o mercado voluntário de carbono, onde as empresas — como já

hoje foi aqui explicado várias vezes — podem comprar créditos de carbono a outros atores que podem

compensar as suas emissões por via do desenvolvimento de vários projetos, desde a reflorestação à aposta em

energias renováveis e até à recuperação do mar e das costas, enquanto sorvedouros de carbono.

Os maiores obstáculos ao desenvolvimento deste mercado prendem-se com dois fatores, também já em

parte hoje aqui anunciados, até na última intervenção: por um lado, credibilidade, porque ainda são poucos os

Estados a terem um registo transparente e, também, fragmentação, porque os critérios de certificação destas

ações ainda estão em desenvolvimento.

No geral, por princípio, somos a favor da criação de um enquadramento jurídico favorável ao desenvolvimento

do mercado de carbono voluntário, fomentando o desenvolvimento do nosso interior, do nosso mar e da nossa

biodiversidade.

Mas não o devemos fazer com regulações e controlos excessivos, como o Grupo Parlamentar do PS propõe,

pois já quer criar mais uma entidade nacional só para isto, mas, felizmente, parece que o Governo estudou um

bocadinho mais o assunto e não quer.

No nosso projeto, os princípios que seguimos são simples: sabendo que a União Europeia — até nas

recomendações que já deu há alguns meses — irá desenvolver o seu próprio mecanismo de certificação

comunitário, podemos limitar-nos a reconhecer os vários certificadores internacionais que já existem, ao invés

de interiorizarmos uma tarefa para a qual não temos recursos, ainda temos pouco know-how, e que acabaria

por apenas desligar o futuro mercado voluntário português dos mercados europeu e mundial.

Apenas precisamos de um sistema de registo das transações no mercado que confira credibilidade e

confiança às empresas, aguardando que a Comissão Europeia avance, então, com o seu próprio sistema de

certificação.

Esta seria a solução prática, eficaz e expedita, e é o que consta na proposta que submetemos. No entanto,

não inviabilizaremos quaisquer projetos — como esperamos, também, que não inviabilizem o nosso — que

promovam a criação deste mercado em Portugal, tão importante para a sustentabilidade ambiental.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado

Hugo Carvalho.

O Sr. Hugo Martins de Carvalho (PSD): — Sr. Presidente: Temos partido para estes debates climáticos

com espírito de abertura global ao mundo, mais assim e menos com ideologia.

Percebo que haja a tentação do PCP, de querer resolver os problemas todos dentro de casa e aposto que a

China já está cheia de medo de que liguem para lá a dizer que Portugal está a mandá-la descer as emissões…

Não estou bem a ver isso a acontecer, mas, enfim…

Risos do Deputado do CH Bruno Nunes.

Isto precisa de soluções globais e, nessas soluções, há defeitos que devemos reconhecer. Sabemos que há

greenwashing — conhecemos as histórias; sabemos que isto não foi, na verdade, um grande trigger para

investimento em descarbonização; sabemos que há indústrias, como as do cimento e do aço que continuam a

poluir muito; que as renováveis não foram financiadas, particularmente, por mercados de carbono; mas há uma

virtude que ninguém nega: a de que hoje é praticado um preço de carbono no mundo, que o carbono é caro e

tem um preço.

Risos do Deputado do PCP Bruno Dias.

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Isto é uma conquista que, há muitos anos, quando isto se sonhou, ninguém sabia que ia ter energia solar

barata, nuclear com problemas… Mas, repito, há um preço do carbono e, sim, é uma grande conquista.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Que grande conquista!…

O Sr. Hugo Martins de Carvalho (PSD): — Quanto à regulação destes mercados, podemos dar a resposta

aos defeitos que reconhecemos. Quanto ao greenwashing, podemos responder com integridade, podemos

definir um crédito de carbono de integridade, podemos olhar para o trabalho das Nações Unidas e definir um

crédito de carbono de integridade. E podemos certificar esses créditos com tecnologia, porque, se hoje

conseguimos monitorizar todos os metros quadrados do planeta, acho que não será difícil, com inteligência

artificial, com blockchain e outras tecnologias, que aqui já foram referidas, certificar estes créditos.

Ao investimento, podíamos responder com incentivos, acordar os preços — se são preços nacionais, se são

europeus, se são globais —, incentivar todas as soluções, as de base natural, como é a floresta, e também o

mar, de que o Governo se esqueceu, e as tecnológicas, de que o Governo também se esqueceu. Enfim, tratar

diferente o que é diferente, sempre com mais benefícios do que com mais dirigismo político, envolvendo

empresas, municípios, cidadãos que ficaram de fora, que já trocam créditos quando se trata de cumprir a lei,

mas aqui o desafio é que o façam de forma voluntária.

É a vontade do PSD fazer essa discussão, pelo que saudamos as iniciativas que vão bem mais nesse sentido.

Sr. Presidente, o que vou dizer agora é um bocadinho um lugar comum nos dias de hoje, mas, de facto, só

o Governo para estragar isto tudo, porque viu aqui a oportunidade de fazer o que já devia ter feito nas florestas

— e não fez nem nunca mais faz —, que foi trancar tudo no comando dos seus institutos públicos e, ainda por

cima, ignorou o Parlamento todo, incluindo o seu grupo parlamentar, que tinha um projeto positivo, mas um

Parlamento que tem dado um exemplo de cooperação parlamentar, que é irrepreensível em matéria de clima.

Portanto, é pena, mas reafirmamos que estamos muito disponíveis para fazer um bom trabalho nesta matéria,

porque é um bom trabalho no combate às alterações climáticas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para intervir no debate, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,

do BE.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Houve um momento enternecedor

de debate, quando a Iniciativa Liberal disse para o Partido Socialista que era liberal e não sabia, quase ao

mesmo nível da intervenção da Sr.ª Deputada do Chega, que dizia «sou negacionista, mas não quero dizer».

Porém, faço uma pergunta muito direta ao Partido Socialista, até na sequência da intervenção do

Sr. Deputado do PSD: o carbono tem um preço e esse preço, em Portugal — dizem-nos os estudos —, serviu

não para as empresas poluidoras reverem a sua forma de produção, mas para passarem para o custo de bens

essenciais, como o cimento, a eletricidade e a energia, 731 milhões de euros.

Ora, no momento em que a inflação está a disparar, no momento em que sabemos que os preços também

sobem, porque o mercado de carbono empurra isso para cima das pessoas, pergunto ao Partido Socialista se

acha que a solução é termos ainda mais preços em cima das pessoas, como esta proposta prevê, para garantir

que, na verdade, fica tudo na mesma e que os grandes poluidores não são chamados às suas responsabilidades.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Costa Matos, do Grupo

Parlamentar do PS.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A emergência climática é uma evidência

diária — nas cheias, nas secas, nos fogos —, está a acontecer muito mais rapidamente do que prevíamos e

com uma intensidade que só esperávamos ter daqui a 60 anos. Já ultrapassámos cinco dos pontos de viragem,

dos pontos de não retorno, que se alimentam a si próprios e ao caos climático.

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Hoje, discutimos mesmo um instrumento essencial para o combate às alterações climáticas: o mercado

voluntário de carbono. E parece haver alguma confusão, em alguns dos Srs. Deputados, porque parece que

estão a colocar todos os problemas do mercado regulado de carbono, que tem vindo a ser regulado, no mercado

voluntário de carbono.

Aplausos do PS.

Sim, o capitalismo não é verde, mas é mesmo por isso que é preciso o Estado intervir e dizer que, à lógica

do lucro, se tem de sobrepor a lógica do planeta. É disto que tratam estes projetos!

O preço do carbono foi mesmo a chave para as centrais de carvão serem encerradas com nove anos de

antecipação, face ao prazo original.

Por isso mesmo, não temos tempo a perder, vamos mesmo utilizar os mercados de carbono, os preços do

carbono para penalizar quem polui e investir na natureza, nos sumidouros, na remoção de carbono.

Mas os Srs. Deputados veem algum inconveniente em apoiar o pequeno agricultor, em apoiar o investimento

na floresta?! Qual é o problema? Ou só se preocupam com eles quando vos convém?!

Aplausos do PS.

É pena que alguns partidos queiram amputar a ação climática, deitando fora um instrumento desta natureza.

Ele tem falhas, sim, mas elas têm de ser corrigidas e não podemos prescindir deste instrumento.

Outros partidos arrastaram os seus projetos para a criação de um conselho para a ação climática. Também

o PS tem o seu projeto e, sim, teremos oportunidade — como fizemos com a Lei de Bases do Clima —, de

envolver todos na construção deste importante órgão de acompanhamento e avaliação da política climática.

Mas temos muito mais a fazer: se num ano conseguimos desenvolver uma vacina contra a covid,

conseguimos fazer com que Portugal tivesse não a eletricidade mais cara da Europa, mas uma das mais baratas,

então, agora, temos de conseguir fazer mais para enfrentar também esta urgência. E, na verdade, neste ano,

falhámos todos. Está em falta o Parlamento, em todos os seus compromissos, pois só agora vamos começar a

cumprir com o conselho para a ação climática; estão em falta muitos municípios e regiões, que ainda não

começaram a fazer os planos municipais de ação climática; e, sem prejuízo de termos tido a maior crise

energética dos últimos 50 anos, o Governo tem muito para fazer, se bem que, neste momento, é mesmo o único

que já tem trabalho feito, com o piloto da orçamentação verde no Orçamento do Estado para 2023, que

apresentámos apenas há uns meses.

Associamo-nos, por isso, à urgência e não faltamos à chamada! É tempo de envolver todos na ação climática!

É tempo de construir o mercado voluntário de carbono! É tempo de cumprir a Lei de Bases do Clima!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluímos, assim, o ponto 3 da nossa ordem do dia.

Rumamos ao ponto 4, que é o da apreciação conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 367/XV/1.ª

(IL) — Altera o Código de Processo Civil, clarificando a revisão de decisões administrativas estrangeiras e

499/XV/1.ª (L) — Admite o divórcio e separação de bens a cidadãos estrangeiros não residentes, casados ao

abrigo da lei portuguesa e cuja legislação nacional não reconheça esse casamento.

Para apresentar o projeto de lei da IL, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A chegada de um cidadão estrangeiro

a Portugal é um momento de esperança, mas, muitas vezes, é também um momento de dificuldade. De

esperança por uma vida melhor, uma vida mais segura, com mais oportunidades — é, no fundo, a manifestação

de um espírito empreendedor —, mas é também um momento de dificuldade, de uma vida atropelada por

obstáculos burocráticos que o Estado português impõe a estes cidadãos.

A Iniciativa Liberal apresenta hoje este projeto de lei, porque sabemos que muitos dos cidadãos que chegam

a Portugal têm sérias dificuldades em ver reconhecidas as decisões proferidas pelas entidades administrativas

do seu país de origem.

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Chegados a Portugal, demasiadas vezes, estes cidadãos são obrigados a recorrer aos tribunais, a lançar

mão de processos judiciais, com todos os custos que lhes estão associados, apenas para verem reconhecidas

em Portugal as decisões administrativas que já vigoravam no seu país de origem.

Na nossa exposição de motivos, referimo-nos especificamente à comunidade de cidadãos brasileiros que

nos tem feito chegar as suas dificuldades com o reconhecimento de divórcios ou de uniões de facto celebradas

nos seus países. Mas não é apenas a comunidade brasileira que enfrenta estas dificuldades. A lei que

pretendemos alterar é aplicável a cidadãos do Brasil, sim, mas também é aplicável aos cidadãos de Marrocos,

do Japão, da Austrália ou da Ucrânia.

Neste momento, em que Portugal é um ponto de abrigo para tantos cidadãos, especialmente para os

cidadãos ucranianos, além de nos preocuparmos em lhes darmos condições de habitabilidade, é importante

também olharmos para o reconhecimento dos seus atos jurídicos e para todos os entraves burocráticos, legais

ou financeiros que lhes colocamos para que se possam integrar na nossa comunidade.

Estamos plenamente conscientes de que se trata de um tema de elevada complexidade técnica, sendo, aliás,

uma matéria que tem levado a uma ampla discussão nos nossos tribunais, com decisões em vários sentidos.

Temos esperança de que, após este debate, exista consenso parlamentar para que, deste processo

legislativo, resulte a eliminação destas dificuldades com que se deparam os cidadãos estrangeiros que chegam

ao nosso País.

A Iniciativa Liberal estará disponível para, dentro do espírito do projeto, acolher as melhorias que possam vir

a resultar, sempre em prol da desburocratização e da simplificação da vida das pessoas.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa legislativa do Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui

Tavares.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caras e Caros Colegas: Os direitos que aqui legislamos, em

abstrato, têm de poder ser aplicados a pessoas concretas, sob pena de serem esvaziados. E é de uma situação

dessas que aqui falamos.

Portugal, evidentemente, reconhece o direito ao matrimónio e ao divórcio. Reconhece o direito ao matrimónio,

por exemplo, de pessoas do mesmo sexo, matrimónio, esse, que não é reconhecido noutros países.

Acontece que há uma situação que se tem revelado cada vez mais frequente, e que não diz respeito apenas

a estes casos, mas também a outros, que é a das pessoas que casam em Portugal, mas, depois, não se podem

divorciar no país onde residem, porque esse país não reconhece, sequer, o seu casamento, e também não se

podem divorciar em Portugal. Tentativas feitas de casos conhecidos e relatados dizem-nos que não se

conseguem divorciar nem na conservatória, nem sequer no tribunal.

É esta situação que o Livre pretende resolver, sendo que, através de um debate que foi muito construtivo, na

1.ª Comissão, no qual participaram, designadamente, as Sr.as Deputadas Alexandra Leitão e Márcia Passos,

também foram identificados outros problemas subsidiários que têm a ver com esta situação, como, por exemplo,

o de cidadãos nacionais que, não residindo no território nacional, também têm muitas vezes problemas em

aceder ao divórcio, ou de casais compostos por um cidadão nacional e um cidadão estrangeiro que também

podem ter o mesmo problema.

Ora, a doutrina divide-se, como, muitas vezes, os juristas gostam de dizer, porque há quem diga que este é

um problema da lei, há quem diga que este é um problema de interpretação da lei e há, ainda, um regulamento

europeu, o Regulamento (UE) 2019/1111, que pretende dirimir algumas destas questões, não se percebendo

até que ponto pode resolver o problema de que aqui falámos.

Este é um problema de pessoas concretas, reais, que devemos tentar resolver.

Nesse sentido, gostaria de dizer, desde já, que o Livre pedirá a baixa à comissão sem votação deste nosso

projeto, para podermos aumentar e aprofundar o debate que já tivemos hoje e para que consigamos encontrar

a solução certa não só para casais de cidadãos estrangeiros, mas também para cidadãos nacionais residentes

no estrangeiro.

O Sr. Presidente: — Para intervir no debate, em nome do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera.

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A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma vez que se trata de projetos que

incidem sobre aspetos diferentes, abordá-los-ei de forma separada.

Relativamente ao projeto de lei da Iniciativa Liberal, quero começar por dizer que a revisão e confirmação de

sentenças estrangeiras é uma ação judicial necessária para que as decisões proferidas por tribunais

estrangeiros possam ter eficácia em Portugal.

O artigo 978.º do Código de Processo Civil determina que: «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em

tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos

privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes,

sem estar revista e confirmada», fixando-se depois os requisitos no artigo 980.º

O debate que divide a jurisprudência é o de saber se os preceitos acima referidos se aplicam não só às

sentenças estrangeiras, mas também às decisões de autoridades administrativas.

Através da introdução de uma norma que os proponentes classificam como interpretativa, a Iniciativa Liberal

procura eliminar a exigência legal do recurso à ação especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira

nos casos de reconhecimento de decisões administrativas de países estrangeiros não abrangidos pela

Convenção de Haia, de 1970, ou pelo Regulamento Bruxelas II, como é o caso do Brasil, pela dimensão e o

impacto no comércio jurídico.

Sobre o projeto da Iniciativa Liberal vale a pena trazer aqui as dúvidas levantadas pelo Conselho Superior

da Magistratura, que secundamos.

Além das questões formais, questiona-se se faz sentido submeter as sentenças, que são proferidas por

órgãos de soberania, a um processo especial de revisão e confirmação e, simultaneamente, dispensar desse

procedimento decisões proferidas por meras entidades administrativas, ou seja, se não se trata de colocar em

risco os princípios da ordem pública internacional do Estado português, os quais não podem ceder, sequer, nas

relações jurídico-privadas plurilocalizadas, exceto se houver tratado ou convenção sobre a matéria.

Portanto, tal como refere o Conselho Superior, somos de opinião de que a solução jurídica mais adequada

para o problema que motiva o projeto de lei da Iniciativa Liberal seria a celebração de convenção bilateral com

o Brasil, definindo-se que decisões em concreto dispensariam esse reconhecimento.

O Projeto de Lei n.º 499/XV/1.ª, do Livre, visa conferir competência aos tribunais portugueses para ações de

divórcio e de separação de pessoas e bens de cidadãos estrangeiros não residentes, casados ao abrigo da

legislação portuguesa, cuja legislação dos respetivos países de origem não reconheça o casamento, como é o

caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo, ou seja, procura ultrapassar uma situação em que, na

prática, o Estado português reconhece o direito a casar, mas não a divorciar, deixando estas pessoas sem

possibilidade de se divorciar, nem em Portugal, nem no seu país de origem, que, desde logo, não reconhece o

casamento.

Apesar de os objetivos da iniciativa merecerem a nossa concordância, as soluções propostas não nos

parecem, neste momento, as mais adequadas, pelo que nos comprometemos a contribuir para uma fórmula

jurídica que sirva os propósitos em causa.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Márcia Passos, do Grupo

Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje iniciativas

legislativas que apresentam várias fragilidades, e algumas delas idênticas, desde logo a grande incongruência

entre aquilo que está na exposição de motivos de ambas e as soluções que, depois, são apresentadas, as quais,

de facto, nada têm a ver umas com as outras.

Além disso, e em concreto, quanto ao projeto de lei da Iniciativa Liberal, diz a Iniciativa Liberal que existem

entraves na ação de reconhecimento das sentenças estrangeiras e que isso cria obstáculos ao desenvolvimento

da vida dos cidadãos brasileiros.

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Primeiro erro, Srs. Deputados: a lei não pode ser feita para cidadãos particulares de um determinado país. A

lei é geral e abstrata e, por isso, este é o primeiro erro e a primeira crítica.

Segundo erro: é estranho o projeto de lei dizer que quer introduzir uma norma interpretativa no Código de

Processo Civil, quando, na verdade, vemos que traz duas soluções novas, não vem interpretar nada. Aliás, no

nosso entender, também não há nada para interpretar, mas pergunto: porquê fazer desta forma e não

apresentar, de facto, duas soluções, que foi o que a Iniciativa Liberal quis fazer?!

No nosso entender, a Iniciativa Liberal quis apresentar duas novas soluções: primeira, dispensar a revisão,

no ordenamento jurídico português, da declaração de divórcio por acordo, feita no Brasil.

Quando o divórcio é decretado por sentença, exige-se a revisão pelos tribunais portugueses; quando ocorre

por declaração, numa entidade administrativa, para a Iniciativa Liberal não devia ser objeto de revisão. Ou seja,

para aquilo que tem um escrutínio muito maior e uma segurança jurídica muito maior exige-se, e bem, a revisão

por um tribunal português e para aquilo que tem um escrutínio muito menor já não se exige um escrutínio pelo

tribunal português.

Portanto, Srs. Deputados, quer a sentença quer a escritura de divórcio, que existe no Brasil, quando, por

mútuo consentimento, têm, naturalmente, o mesmo valor jurídico: são decisões sobre direitos privados que

devem ser tratadas da mesma forma, e assim têm sido, pelos tribunais portugueses.

O PSD não pode concordar com mecanismos que afastem a segurança jurídica do processo de revisão de

sentenças estrangeiras.

Relativamente à outra solução que a Iniciativa Liberal propõe — e que, por isso, também nada tem de

interpretativo —, que é a de que uma escritura de união estável no Brasil seja equiparada a uma sentença de

divórcio, com o devido respeito, não faz qualquer sentido. E não faz qualquer sentido, desde logo, porque o

regime de união estável, que é o regime que existe no Brasil, não é um regime similar ao da união de facto, que

existe em Portugal. E dou apenas um exemplo: o regime de união estável, no Brasil, confere direitos sucessórios;

em Portugal, isso não existe.

Reconhecer ou não a união de facto, em Portugal, tem um processo próprio, previsto no Código de Processo

Civil, e que deverá continuar a aplicar-se. Portanto, não vemos razão alguma para fazer esta equiparação, que

tem problemas sérios do ponto de vista do direito substantivo.

Sr.as e Srs. Deputados: Quanto ao projeto de lei do partido Livre, no nosso entender, parte de uma afirmação

errada, que é a de que o Estado português dá o direito de casar e não dá o direito de divorciar. Isto, Sr. Deputado

Rui Tavares, não é verdade! Quem casa em Portugal, se o casamento não é reconhecido no seu país de

nacionalidade, também não precisa do divórcio, porque lá não é casado e, portanto, não tem de ser divorciado.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Claro!

A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Não é este o ponto, mas é uma fragilidade.

Quem casa em Portugal, Sr. Deputado, naturalmente, pode divorciar-se em Portugal, seja um divórcio sem

consentimento do outro cônjuge, e segue via tribunal, seja um divórcio com consentimento do outro cônjuge, e

segue via Código do Registo Civil ou conservatórias.

Assim, não há aqui qualquer questão de incompetência, conforme é plasmado no projeto de lei do Livre, mas

há uma confusão enorme entre as regras de competência internacional e de competência interna, sendo que o

projeto de lei do Livre pretende introduzir uma solução nova, de competência internacional, numa regra do

processo civil de competência interna, o que, do ponto de vista sistemático, está completamente errado.

Além disso, para o PSD, no que respeita à competência internacional, entendemos que a solução existe e

está devidamente contemplada no Código de Processo Civil. No que respeita ao foro do território, no caso

concreto, também existe solução, ou por via do próprio artigo que o Sr. Deputado bem refere no projeto de lei,

ou por via da aplicação das outras regras processuais.

Por estes motivos, não poderemos acompanhar estas iniciativas.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo Sousa,

do Grupo Parlamentar do Chega.

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O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O projeto de lei da Iniciativa Liberal, que

hoje discutimos, tem como objetivo eliminar a exigência legal do recurso à ação especial de revisão e

confirmação de sentença estrangeira, prevista no Código de Processo Civil, quando estiverem em causa

decisões administrativas sobre direitos privados adotadas em Estados não abrangidos pela Convenção de Haia

de 1970 ou pelo Regulamento Bruxelas II.

Os autores da iniciativa exemplificam com as diferentes interpretações dos tribunais portugueses quanto à

produção de efeitos, no caso de divórcio ou união estável estabelecidas no Brasil.

Sobre estes casos, existe jurisprudência que sustenta a necessidade de as decisões administrativas

estrangeiras sobre direitos privados carecerem de revisão para produzirem efeitos em Portugal.

Outra corrente jurisprudencial defende que tais decisões não são passíveis de revisão e confirmação em

Portugal.

A finalidade que os proponentes pretendem alcançar com esta iniciativa é concretizada através do aditamento

de um artigo ao Código de Processo Civil, estabelecendo que a necessidade de revisão não se aplica às

decisões de autoridades administrativas estrangeiras sobre direitos privados.

Perante esta incerteza jurídica quanto à interpretação do artigo 978.º do Código de Processo Civil, os

proponentes entendem ser necessário elaborar uma norma interpretativa. Propõem, para isso, consagrar uma

solução de direito que elimina a exigência legal do recurso à ação especial de revisão e confirmação de sentença

estrangeira, prevista no referido artigo.

Já o projeto de lei do Livre visa a proteção das pessoas que casam com outras pessoas do mesmo sexo, de

acordo com a lei portuguesa, mas que depois não se podem divorciar no país onde residem, porque o mesmo

não reconhece o casamento igualitário.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Mas não só!

O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Relativamente ao projeto de lei da Iniciativa Liberal, o Conselho Superior

da Magistratura diz que a solução jurídica mais adequada para o problema identificado pelo legislador passaria

pela celebração de convenção bilateral com o Brasil.

Parece-nos que a situação dos cidadãos do Brasil é a preocupação principal do projeto de lei da Iniciativa

Liberal, tendo em vista a supressão do exequatur nas decisões que as partes outorgantes entendessem dever

vigorar no ordenamento jurídico da contraparte, sem a precedência da verificação de quaisquer requisitos.

Esta solução, referida em último lugar, parece-nos a única possível e é certamente preferível à proposta pela

Iniciativa Liberal, de introdução de uma nova norma no Código de Processo Civil, que alegadamente é uma

norma interpretativa, mas cujo caráter inovatório é indisfarçável. Aliás, aquilo que a jurisprudência citada pela

Iniciativa Liberal permite perceber é que uma solução como esta facilitará ainda mais a concessão da

nacionalidade portuguesa a cidadãos estrangeiros, nomeadamente, brasileiros, pois deixa de estar sujeita ao

limite do que pode ser pedido numa ação de revisão.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Quanto ao projeto de lei do Livre, não temos a noção da premência da

solução aqui proposta. Conhecemos o número de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, realizados em

2021 — 549, de acordo com a exposição de motivos do projeto de lei —, mas nada sabemos sobre o número

de divórcios nesse mesmo ano nem nos anos anteriores.

Aplausos do CH.

O Sr. Rui Tavares (L): — A resposta à sua pergunta está na sua pergunta!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Leitão,

do Grupo Parlamentar do PS.

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A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Sr.ª Presidente: Temos aqui dois projetos, ambos relativos ao Código de

Processo Civil, mas, na verdade, são diferentes no seu conteúdo.

Quanto ao projeto da Iniciativa Liberal, que visa aditar ao Código de Processo Civil um novo artigo 978.º-A,

no sentido de excluir de confirmação e revisão por tribunais portugueses as decisões administrativas

estrangeiras sobre direitos privados, invocando que isto coloca entraves burocráticos — que não são

burocráticos, porque são judiciais — à livre circulação.

Os objetivos até podem ser louváveis, e não pomos isso em causa, mas, de facto, o projeto de lei padece de

numerosas incorreções, faltas de rigor e até de problemas de natureza substantiva e formal.

Em primeiro lugar, ao eliminar, pura e simplesmente, a revisão e a confirmação, deixa de se dizer a que

procedimento — se a algum — ficariam sujeitas estas decisões administrativas para vigorar no ordenamento

jurídico português, tendo em conta que poderíamos estar a falar de decisões administrativas que punham em

causa a ordem pública e valores fundamentais do Estado português. Algum tipo de procedimento teria de haver.

Por outro lado, como também já foi aqui referido e consta do parecer do Conselho Superior da Magistratura,

estaríamos a fazer algo um pouco incoerente, até do ponto de vista axiológico do ordenamento jurídico, que era

o seguinte: mantínhamos uma necessidade de revisão e confirmação para sentenças estrangeiras, enquanto

que, para — permitam-me dizê-lo assim — meras decisões administrativas, não exigiríamos qualquer tipo de

confirmação para vigorarem no nosso ordenamento jurídico, o que constitui um problema, exatamente a nível

dos valores a salvaguardar.

É referido, na exposição de motivos, que o que está aqui em causa tem, em grande parte, a ver com decisões

administrativas relativamente às uniões estáveis do Brasil. É verdade que a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz referiu

que não é só o caso do Brasil, mas, na verdade, é isto que consta da exposição de motivos. Ora, quanto a isto,

existe um acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, relativamente às

questões do Brasil, já resolve, dizendo que as escrituras públicas de união estável brasileiras não estão sujeitas

a esta revisão.

Além do mais — uma breve nota de natureza ainda mais técnica, como se isto não fosse já tudo técnico —,

isto não é, de facto, uma norma interpretativa e tem, além do mais, por efeito, uma retroação que, neste caso,

nem sei como seria passível de aplicação.

Portanto, diria que este é um projeto que se afigura desnecessário relativamente ao Brasil e que é

inconveniente nestas suas consequências.

Quanto ao Projeto de Lei n.º 499/XV/1.ª (L), este visa parte de um problema que não acho que não exista,

pelo contrário, acho que existe, é o problema de pessoas que, sendo cidadãs estrangeiras, casaram em Portugal

— por exemplo, pessoas do mesmo sexo —, mas que, no sítio onde vivem habitualmente, não podem dissolver

o seu casamento pela simples razão de o casamento não ser, sequer, reconhecido.

Consideramos que há, efetivamente, um problema que precisa de ser resolvido, para resolver a situação

destas pessoas. E nem se diga que, se o casamento não é reconhecido, também não faz mal, porque as pessoas

que têm direito a casar devem ter, também, direito a dissolver esse casamento.

Se, de facto, a solução deve passar por uma alteração a uma norma de competência interna dos tribunais, o

artigo 72.º, penso que não, penso que, se calhar, a melhor solução, aliás, na linha de um parecer muito

recentemente recebido — já hoje —, do Conselho Superior da Magistratura, seria, eventualmente, mexer na

norma da competência internacional, a norma do artigo 62.º do Código de Processo Civil.

É verdade que o Código de Processo Civil comportará, eventualmente, uma interpretação que resulta da

articulação de vários preceitos, que, se todos interpretados no mesmo sentido, poderia resolver esta situação.

Não tenho, contudo, essa interpretação como linear e nem sequer me parece que seja feita por todos os

tribunais. É por isso que o problema existe e é por isso que achamos que ele deve ser resolvido, eventualmente,

noutro preceito. Porém, já foi aqui manifestado pelo Sr. Deputado Rui Tavares que haveria abertura para esse

trabalho.

Parece-nos que o problema existe, que deve ser resolvido e a solução técnica encontrar-se-á.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe

Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há dois diplomas em debate e,

para início de conversa, gostava de dizer que acompanhamos, genericamente, as ambições de ambos. Mas

dizer isto é diferente de dizer que acompanhamos as soluções jurídicas que ambos os projetos de lei apresentam

neste contexto.

Vou por partes, para poder ter uma intervenção mais pormenorizada quanto a cada um deles.

A Iniciativa Liberal pretende resolver um problema que, apesar de ter sido apresentado hoje como afetando

uma população mais alargada do que apenas os cidadãos brasileiros que pretendem reconhecer o seu divórcio

em Portugal, na prática, nos casos dos quais temos conhecimento, aplica-se a esse universo de pessoas.

Admitindo que é justa a reivindicação, porque deveria existir uma equiparação no reconhecimento entre

aquilo que existe no Estado brasileiro e o que existe na República portuguesa, é notoriamente diferente

dizermos, a partir dessa conclusão, que, para interpretação dos tribunais em Portugal, agora, devemos aplicá-

la a todas e quaisquer decisões administrativas, e fazê-lo de forma automática, porque a confiança e o

conhecimento que temos do ordenamento jurídico brasileiro é diferente daquele que temos sobre muitos outros

ordenamentos jurídicos pelo mundo fora.

Desse ponto de vista, esta proposta, nestes termos, poderia acautelar a resposta individual aos cidadãos

brasileiros que querem ver reconhecido o seu divórcio em Portugal, mas abre uma caixa de Pandora de

situações às quais não conseguimos responder.

Assim, estamos disponíveis para, na especialidade, poder chegar a uma solução jurídica, sendo que o que

faria sentido — e já foi aqui dito anteriormente — era que, no âmbito de um acordo bilateral entre o Estado

português e o Estado brasileiro, se chegasse a uma solução para esta realidade, já que não duvidamos da

decisão do lado brasileiro, isto é, que é válido, e é reconhecido como tal, que um divórcio por mútuo

consentimento pode ser decidido por uma escritura pública. Nesse sentido, o que nos falta é o reconhecimento

formal, do lado de cá, em território nacional.

No que toca, especificamente, à iniciativa do Livre, já foram indicados diversos problemas, mas, de facto,

tenta arranjar uma solução para as famílias arco-íris e os direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e

transgénero), no que toca ao divórcio. E, sim, concordo em absoluto com a Deputada Alexandra Leitão, é um

direito que deve e pode ser exercido mediante a vontade das pessoas e que não pode ser negado, aliás, está

na Carta de Direitos Europeus e em todo o ordenamento jurídico europeu a defesa desta reivindicação. É nosso

entendimento — e também já foi dito — que há uma interpretação do nosso Código de Processo Civil que

poderia levar a esta conclusão, mas a realidade que temos é diferente: há tribunais que fazem essa interpretação

e há tribunais que não a fazem. Por isso, podemos chegar a uma solução jurídica para garantir que a

interpretação é unívoca e que o direito ao divórcio é reconhecido da mesma forma como é reconhecido o direito

ao casamento para cidadãos estrangeiros em Portugal.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Queria realçar, e termino com esta ideia, Sr.ª Presidente, que, como foi

dito, as regras de competência interna não parecem aplicar-se neste contexto, o que faria sentido era trabalhar

no artigo das regras de competência internacional, mas este é um debate para o qual temos disponibilidade em

sede de especialidade.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos o período de debate e passamos ao encerramento, pelo

que tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, apenas uma semana após a submissão deste projeto de lei, o

Supremo Tribunal de Justiça proferiu um acórdão uniformizador de jurisprudência, no sentido de que as decisões

provenientes do Brasil relativas à união de facto não necessitam, para serem reconhecidas em Portugal, de uma

ação judicial de revisão e confirmação.

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Esclarecendo a primeira dúvida, levantada pela Sr.ª Deputada Alma Rivera, quanto ao nosso projeto de lei,

relativamente à dispensa do processo de revisão de decisões, é precisamente isto que defende o Supremo

Tribunal de Justiça, mas também o Tribunal da Relação do Porto, que pretendemos acautelar.

O Supremo Tribunal de Justiça entende que a escritura pública declaratória de união estável não é suscetível

de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos dos artigos 978.º e seguintes do Código de

Processo Civil. E o nosso projeto está alinhado com este entendimento, porque retira do âmbito do artigo que

referi as escrituras públicas relativas ao reconhecimento da união estável.

Este reconhecimento da produção de efeitos decorre diretamente desta constatação: se a escritura pública

de união estável não é suscetível de uma revisão e confirmação pelos tribunais, a produção dos seus efeitos

terá de ser salvaguardada e assegurada de uma forma segura, através da lei, sob a pena de os seus titulares

não poderem ver os seus direitos reconhecidos. Esta lei é precisamente o artigo 6.º do Código do Registo Civil.

Quero também dizer que este projeto não se aplica a sentenças dos tribunais, aplica-se a decisões

administrativas, e é preciso ter isto em mente.

O Supremo Tribunal de Justiça referiu que afasta a aplicação do artigo 978.º do Código de Processo Civil, e

não entendemos que este afastamento ponha em causa os princípios da ordem pública internacional do Estado

português precisamente porque estes princípios ficam acautelados pelo artigo 6.º do Código do Registo Civil.

Respondendo à Sr.ª Deputada Márcia Passos, que mencionou que este projeto de lei apenas se refere à

comunidade brasileira, quero esclarecer que qualquer brasileiro — e nós contactámos com bastantes, que nos

deram conhecimento destes problemas —, para pedir a nacionalidade portuguesa, entrega a sua certidão de

nascimento onde estão averbados todos os atos civis, nomeadamente os divórcios.

Saliento que o projeto de lei da Iniciativa Liberal não se esgota na comunidade brasileira imigrante em

Portugal e que essa interpretação não decorre da nossa exposição de motivos, pelo que vos convido a ler o

parágrafo que diz: «Consagra-se assim uma solução de direito que elimina a exigência legal do recurso à ação

especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira, prevista no artigo 978.º do Código de Processo Civil,

nos casos de reconhecimento de decisões administrativas de países estrangeiros não abrangidos pela

Convenção de Haia de 1970 ou pelo Regulamento Bruxelas II, como é o caso do Brasil.» Ou seja, o nosso

projeto de lei não se aplica apenas aos cidadãos do Brasil — este foi o exemplo que demos, porque é o tipo de

situação que mais nos tem chegado —, aplica-se, como expus na minha intervenção inicial, a demais cidadãos,

nomeadamente aos cidadãos da Austrália, de Marrocos e da Ucrânia.

Devemos procurar, por isso, outro tipo de decisões que possam ser abrangidas por este entendimento e

devemos também pugnar pela aplicação deste entendimento a cidadãos de outros países.

Como referi, os mecanismos de controlo estão previstos e devidamente acautelados no Código do Registo

Civil. Reconhecemos, contudo, que há melhorias técnicas a fazer neste projeto de lei, pelo que estamos

disponíveis para, em sede de especialidade, dialogar e encontrar essas mesmas melhorias, aprofundando e

aperfeiçoando os mecanismos de controlo, sempre em prol de um regime jurídico que seja menos burocrático,

mais aberto ao mundo e mais acessível aos cidadãos que chegam a Portugal.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

A Iniciativa Liberal está disponível para resolver as dificuldades com que estes cidadãos se deparam. A

pergunta que fica por responder é: e os Srs. Deputados?

Aplausos da IL.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr.ª Deputada.

Concluímos, assim, o quarto ponto da ordem do dia e passamos ao quinto ponto, que consiste na apreciação

do Projeto de Lei n.º 464/XV/1.ª (PCP) — Revogação do aumento decretado das taxas de portagem e limitação

da sua atualização ao valor correspondente ao de 2022 (na generalidade), juntamente com os Projetos de

Resolução n.os 355/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo a revisão dos termos da PPP da Lusoponte, com

vista à redução dos valores de taxas de portagem, e 356/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo que proceda

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ao congelamento das tarifas de portagens e o Projeto de Lei n.º 502/XV/1.ª (PAN) — Pela renegociação dos

contratos de parcerias público-privadas do sector rodoviário (na generalidade).

Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP propôs o agendamento deste

debate e desta iniciativa legislativa para que a Assembleia da República tenha na ordem do dia a resposta ao

problema concreto das populações que são brutalmente penalizadas com as portagens nas pontes e

autoestradas deste País.

Já era, e é, de uma profunda injustiça a política que impõe esta fatura pesadíssima aos trabalhadores, às

micro, pequenas e médias empresas, aos setores produtivos. Já era, e é, um autêntico escândalo nacional que

se mantenha este negócio ruinoso das PPP (parcerias público-privadas) rodoviária que, além do pagamento

direto das portagens pelos utentes, põe o Estado a pagar mais de 1000 milhões de euros todos os anos aos

grupos económicos das concessionárias.

Ora, no início deste ano, entrou em vigor aquele que foi, por opção do Governo, o maior aumento das

portagens dos últimos 20 anos.

A operação de chantagem começou logo em julho do ano passado. Nessa altura, António Pires de Lima, ex-

ministro do Governo PSD/CDS, presidente atual da Comissão Executiva da Brisa, outrora pública, clamou: «Se

o Governo não fizer nada, o aumento das portagens será o que corresponder à inflação.»

As outras concessionárias alinharam no jogo das PPP, incluindo a Lusoponte, e ameaçaram durante meses

com os aumentos de 10 % «inevitáveis», diziam eles, apesar de os custos de manutenção das infraestruturas

não terem de maneira nenhuma aumentado 10 %.

Quando se impunha assegurar a limitação destes aumentos, garantindo que os mesmos não seriam

superiores aos que vigoraram no ano anterior, tal como o PCP tem vindo a propor, o Governo PS não só impôs

um aumento para os utilizadores de 4,9 % como assumiu que iria financiar com recursos públicos as

concessionárias em pelo menos 140 milhões de euros, para além dos 1,4 mil milhões de euros que arrecadam

atualmente nos contratos de PPP.

Ora, na prática, esta decisão garante às concessionárias uma receita equivalente a um aumento do preço

em 7,7 % — e não 4,9 % —, valor que ultrapassa largamente o aumento dos custos operacionais inerentes à

manutenção e funcionamento destas infraestruturas.

Queremos aqui chamar à atenção para a demagogia usada na justificação desta medida, apresentando-a,

supostamente, como um esforço tripartido — utilizadores, Estado e concessionárias — quando, na verdade, os

verdadeiros e únicos beneficiários desta decisão são os grupos económicos que detêm as concessões.

Este é apenas mais um exemplo do esbulho de recursos nacionais que representam as chamadas parcerias

público-privadas.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É ao contrário!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Se, como diz o Governo, esta decisão é uma consequência dos contratos

celebrados, tal só pode responsabilizar os sucessivos Governos do PS e do PSD e CDS que, ao longo dos anos,

promoveram e estão a promover as PPP.

O que é preciso é travar estes aumentos, limitá-los, mas não com o enésimo capítulo dessa história

interminável — dessa história de terror interminável! — de negociações, renegociações, prorrogações das PPP

rodoviárias.

Desde logo, o que se impõe é o resgate das concessões das autoestradas e pontes que, apesar de terem

sido construídas com recursos públicos, estão sob o domínio dos grupos económicos privados que as exploram

em seu proveito.

Impõe-se a reversão do aumento decretado e a limitação dos aumentos para este ano de 2023 a um valor

nunca superior ao que foi aplicado no ano anterior.

É esse o propósito do presente projeto de lei do PCP.

Aplausos do PCP.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr. Deputado.

Para apresentar os Projetos de Resolução n.os 355/XV/1.ª (CH) e 356/XV/1.ª (CH), tem a palavra o

Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Numa altura em que as pessoas sentem

cada vez mais dificuldades em virtude do brutal aumento do custo de vida, andar de carro tornou-se quase um

bem de luxo, mas um luxo muito necessário particularmente para quem se quer deslocar para o trabalho.

O Chega traz hoje a debate dois projetos de resolução que visam melhorar a vida dos portugueses comuns,

dos que trabalham e lutam diariamente recebendo salários miseráveis, dos que fazem as contas todas e que

muitas vezes têm de optar entre levar o carro para o trabalho ou meter comida na mesa.

Os aumentos das portagens verificados nas Pontes Vasco da Gama e 25 de Abril não fazem sentido e visam

apenas sobrecarregar mais quem vive na margem sul e tem de vir trabalhar para Lisboa.

À boa maneira socialista, em Portugal, é assim: quem quer trabalhar tem de pagar para aliviar quem não

quer fazer nada.

Aplausos do CH.

Vou falar-vos da Cristina. A Cristina tem 35 anos e vem do Seixal. Entre combustível, portagens e

estacionamento gasta, mensalmente, cerca de 250 €. A Cristina é o protótipo do jovem português comum. Tem

de pagar carro, as despesas diárias, recebe 1000 € por mês e ainda está em casa dos pais. Está em casa dos

pais porque não consegue sair, porque o País não lhe dá essa oportunidade, porque não consegue poupar

dinheiro para o fazer.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Era pagar mais à Cristina!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Posso também dar-vos o exemplo do Samuel. O Samuel vive em Alcochete, tem

48 anos, casado, dois filhos. Todos os dias atravessa a Ponte Vasco da Gama e paga o escandaloso valor de

3,05 € de portagem. Mais de 3 € para passar uma ponte que está paga e mais que paga, tal como a Ponte 25

de Abril.

Podem perguntar porque é que a Cristina e o Samuel não vêm de transportes públicos. A Cristina ainda

tentou ir de transportes públicos. Apanhava o autocarro, depois o comboio, mas chegava ao metro e… mais

uma greve, mais duas, mais três. Quando não era greve de comboios era do metro. Os autocarros não fazem

ideia do que é cumprir horários, as carreiras são poucas e desajustadas em relação às necessidades das

pessoas. Tentou também a Transtejo, mas as greves também se sucediam e as avarias nos barcos são um

problema quase diário. No total, eram mesmo quase quatro horas diárias que se perdiam em transportes, isto

num dia mais ou menos normal.

Ora, essas quatro horas são fundamentais para a família, para a Cristina ver os pais e para o Samuel estar

com os seus filhos, para os ver crescer e para os poder educar condignamente — sim, porque a escola ensina

e a família educa.

Aplausos do CH.

Podia dar-vos exemplos de empresas de transportes e de distribuidoras que, também elas, são vítimas de

pagamentos obscenos de portagens.

O nosso projeto de resolução pretende combater essa injustiça que se pratica com os moradores na Área

Metropolitana de Lisboa, vindos da margem sul, para que tenham um valor mais reduzido na taxa de portagem,

bem como pretendemos que o contrato com a Lusoponte seja revisto — recordemos que a construção da Ponte

Vasco da Gama foi um dos negócios mais ruinosos para o Estado português.

Atualmente, são milhares os carros que passam em ambas as pontes, mais de 200 000 por dia, e,

anualmente, são milhões, o que faz com que a empresa tenha também lucros de milhões. Ou seja, mais uma

razão para que os contribuintes e empresas, numa altura difícil, tenham direito a não pagar valores tão absurdos

das portagens.

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Mas o País não é só Lisboa. Em janeiro, depois das promessas da Ministra da Coesão Territorial de não

haver aumentos nas portagens, às 0 horas do dia 1 foram as primeiras a ser aumentadas na grande maioria do

País. Foi a prenda de Ano Novo socialista. Palavra dada não foi, mais uma vez, palavra honrada.

Aplausos do CH.

Aliás, por exemplo, os algarvios estão à espera, desde 2015, que António Costa cumpra a promessa que

lhes deu durante a campanha eleitoral, que foi a abolição das portagens na Via do Infante. Nós já o propusemos

nesta Casa, em altura da discussão do Orçamento do Estado, proposta que contou com o voto contra do Partido

Socialista e — imagine-se! — dos cinco Deputados eleitos pelo Algarve.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — É verdade!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Vou repetir: os cinco Deputados do PS, eleitos pelo círculo eleitoral de Faro,

votaram contra a abolição das portagens na A22.

Não deixa de ser curioso que nestes novos aumentos de portagens foi precisamente a ligação de Lisboa ao

Algarve aquela que mais aumentou, seguindo-se a A1 de Lisboa ao Porto.

Com a inflação em valores astronómicos, com as famílias em dificuldades para pagar créditos, casas, carros

ou até a eletricidade, por vezes sem ter forma de aquecer as suas casas.

Com os pedidos de ajuda a sucederem-se, sendo a classe média a mais afetada e quase a desaparecer,

com os aumentos do pão, gás, telecomunicações, transportes, com o Governo a encher os cofres com as taxas

de IVA que continua a cobrar, é de elementar justiça que se proceda à suspensão das portagens, pois as

autoestradas são fundamentais para que se possa ir trabalhar e para que as empresas consigam ter menos

esse gasto excessivo.

Aplausos do CH.

Já não bastava terem roubado as estradas nacionais aos portugueses, como aconteceu por exemplo na A23,

na A24 ou na A25, e agora estão estes de ser castigados com sucessivos aumentos de portagens, alguns deles

quase obscenos. É isto que nos leva a fazer a recomendação de, perante esta situação extraordinária de enorme

dificuldade económica da grande maioria das famílias portuguesas, congelar o pagamento das portagens pelo

menos até ao final de 2023, porque, para nós, sim, as famílias, as empresas e os portugueses estão em primeiro

lugar.

Aplausos do CH.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 502/XV/1.ª (PAN), tem a palavra a

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar e

saudar o PCP pelo tema que aqui nos traz, porque, de facto, para além das portagens, as parcerias público-

privadas rodoviárias são um autêntico sorvedouro de dinheiro público para o nosso País.

É comum ouvirmos o Governo dizer que não existe dinheiro para o IVA zero no cabaz de bens essenciais ou

que descer o IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) pago pelas famílias, em particular pela

classe média, é uma despesa faraónica a que não podemos dar-nos ao luxo, mas não passam de subterfúgios

para esconder a falta de vontade política de adotar medidas que cheguem às famílias, ao invés de chegarem

aos mesmos do costume.

Ora, é precisamente sobre uma verdadeira despesa faraónica que hoje aqui trazemos uma iniciativa: as PPP

rodoviárias que, nos próximos 20 anos, vão custar a Portugal quase 12 mil milhões de euros, duas vezes mais

do que as estruturas associadas a estas mesmas parcerias. Um valor que seria perfeitamente possível para dar

passes grátis a mais de 2 milhões de jovens durante 20 anos.

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Só os gastos previstos com litígios pendentes em tribunal envolvendo as PPP rodoviárias no início deste ano

davam para aumentar em 40 vezes as despesas com o bem-estar e a proteção animal, entre tantos outros

exemplos que aqui poderíamos trazer.

Hoje, queremos pôr fim a este sorvedouro de dinheiros públicos e canalizar o dinheiro para onde ele

realmente faz falta, seja os transportes, a habitação, o combate à pobreza, entre tantas outras medidas. E isso

pode ser feito precisamente através de um processo de renegociação dos contratos das PPP rodoviárias.

Queremos um processo transparente, auditado pelo Parlamento e pela sociedade civil e com a monitorização

técnica do Conselho das Finanças Públicas.

No Orçamento do Estado para 2013, em contexto de crise económica, o Parlamento aprovou uma

renegociação tal como a que hoje propomos. A questão que colocamos é se, passados 10 anos, não acham

que faz sentido empreender uma nova renegociação das PPP rodoviárias e canalizar o dinheiro para medidas

estruturais que realmente ajudem as famílias, as empresas, ao invés de medidas com descontos em portagens

que só incentivam uma economia dependente dos combustíveis fósseis e, pior, dos suspeitos do costume, uma

iniciativa que faça com que o Governo aprove e rapidamente implemente esta estratégia.

Pergunto qual vai ser, então, a posição do PS, se a maioria vai votar contra ou se vai, de facto, ir ao encontro

das necessidades dos portugueses e das famílias do nosso País.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Passamos às intervenções.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cristina, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Rui Cristina (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste debate, há dois temas importantes

a serem debatidos, as parcerias público-privadas e as portagens.

No que concerne às PPP, o Partido Socialista e a esquerda têm claramente dois pesos e duas medidas:

quando as PPP funcionam, é melhor acabar com elas, como na saúde; quando as PPP não funcionam, é melhor

continuar, fomentar o seu mau funcionamento e priorizar a sua negociação, como no setor rodoviário.

Aplausos do PSD.

Relativamente à proposta do PCP, quanto às taxas de portagens, não posso deixar de dizer que o PCP

afirmava que estas constituíam um grave problema das regiões do interior e das zonas periféricas, mas a

verdade é que aprovou sete Orçamentos do Estado sem levantar qualquer tipo de oposição.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Anda muito distraído! Esteve sete anos a dormir, o senhor?!

O Sr. Rui Cristina (PSD): — Não podemos ignorar que vivemos num país a duas velocidades, com grandes

assimetrias regionais, mas há uma coisa em que o PSD e o PCP estão de acordo. Refiro-me à proposta do

PSD, aprovada nesta Câmara, com os votos contra do Partido Socialista, que aprovou a redução das taxas de

portagens em 50 % para os veículos de combustão nas ex-SCUT (sem custos para os utilizadores).

Aplausos do PSD.

O Governo socialista ameaçou recorrer ao Tribunal Constitucional para impedir a entrada em vigor desta lei,

dizendo que se tratava de uma proposta irresponsável e que a fatura sairia cara aos portugueses.

Não o fez desta forma, mas, para subverter a lei, o Governo recorreu a um expediente que está a prejudicar

milhares de portugueses que utilizam as ex-SCUT.

Veja-se o caso da A22, que atravessa a minha região, o Algarve, de um extremo ao outro sem que haja uma

verdadeira alternativa. Com recurso a um estratagema legislativo, ao invés de um desconto de 50 % nas taxas

de portagens, os algarvios estão a beneficiar de um desconto de 28 %, uma média de 28 % em vez dos 50 %

aprovados na lei.

Isto porquê? Porque o Governo do Partido Socialista, à má-fé, revogou toda a legislação de 2012 e 2016 e

estabeleceu novas taxas sobre as quais está a ser aplicado um desconto de 50 %.

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Aplausos do PSD.

Para o PSD, é prioritário olhar para o País como um todo e promover a competitividade da nossa economia,

é prioritário promover o desenvolvimento social e acreditar em Portugal.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do

Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para dar apenas um exemplo, no primeiro

semestre de 2022, a Brisa teve lucros acima de 90 milhões de euros, 10 % acima do que ocorreu antes do

período pandémico. Em 2021, distribuiu mais de 129 milhões de euros em dividendos.

Pergunta-se: as concessionárias aumentaram os salários dos seus trabalhadores ao nível da inflação? Claro

que não o fizeram.

Para mais, os níveis de taxas de juros com que as concessionárias estão neste momento confrontadas são

muito abaixo daqueles a que o comum do cidadão — aqueles que utilizam as suas autoestradas — tem de fazer

face.

O aumento do preço das portagens ajuda a piorar problemas que todos os dias aqui tentamos resolver. Todos

os dias tentamos descobrir formas de aumentar a nossa coesão territorial e, depois, aquilo que tentamos resolver

entra pela janela através do aumento do custo das portagens, que dificulta, evidentemente, que as pessoas

possam viver no interior do País. E aumenta a insegurança rodoviária quando as pessoas deixam de usar as

autoestradas e passam a usar as estradas nacionais. Portanto, é bem de ver que estas políticas não funcionam.

Precisamos de combater a dependência do transporte rodoviário. A esse nível, saudamos que hoje o

Governo tenha dito que quer avançar para um sistema de bilhética nacional. Esperemos que isso permita

implementar rapidamente a medida que foi aqui aprovada pelo Livre de criação de um passe ferroviário nacional

e avançar para um verdadeiro passe multimodal nacional.

Para terminar, saudamos, por isso, que o PCP tenha trazido este tema à Assembleia da República e

acompanhamos, de forma geral, os objetivos das iniciativas apresentadas pelo PCP e pelo PAN.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Guimarães

Pinto, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A avaliação sobre se uma

determinada autoestrada deve ter ou não portagem, ou a dimensão dessa portagem, deve obedecer a critérios

muito claros de custo-benefício. Esses critérios têm muito a ver com o facto de existirem alternativas ou não,

qual o montante de tráfego nessas autoestradas e qual o tráfego que existe nessas alternativas.

Infelizmente, em todas as propostas que vemos aparecer aqui nunca houve uma análise custo-benefício para

cada autoestrada em relação à necessidade de ter ou não ter portagens.

Haverá certamente muitas portagens que hoje não deveriam existir, outras que, numa análise custo-

benefício, se deveriam manter, porque se não forem os automobilistas a pagar serão os contribuintes, mas isso

necessita de uma análise muito clara e muito realista.

As PPP rodoviárias foram um projeto que nasceu torto e que deveria ter merecido uma investigação política

e judicial mais aprofundada. Não tem nada a ver com o modelo em si, mas qualquer modelo pode falhar se o

objetivo de o criar for outro que não a maximização do bem-estar comum.

As renegociações feitas no final dos anos 90 com a Lusoponte foram altamente prejudiciais para o Estado

— como, aliás, um trabalho académico de Miranda Sarmento e outros apontou — e outras negociações feitas a

seguir com outras concessionárias também prejudicaram e endividaram o Estado. Dito isto, os contratos, a não

ser que se comprovem ser ilegais, são para cumprir.

Nenhum país conseguirá crescer se houver a perceção de que o Estado não é pessoa de bem e que pode,

em qualquer altura, simplesmente incumprir contratos, impor nacionalizações aleatórias ou lançar impostos

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extraordinários. Chegada ao fim a concessão, poder-se-á lançar um concurso e ter novos contratos, mas os

contratos que existem, sendo o Estado pessoa de bem, são para cumprir.

Seria muito mais fácil para nós virmos aqui com propostas populistas de congelar portagens sem uma análise

custo-benefício ou de terminar concessões, seria muito mais fácil vir prometer golpes de mágica para limitar os

efeitos da inflação, como controlos de preços, seria muito mais fácil, muito mais populista e popular, mas isso

não é o nosso ADN (ácido desoxirribonucleico).

Protestos do Deputado do CH Pedro Pinto.

Temos um ADN de responsabilidade, de não prometermos às pessoas algo que não faríamos se fossemos

Governo e, por isso, não podemos acompanhar as medidas aqui propostas.

Aplausos da IL.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua,

do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos de acordo com esta

proposta, estamos, aliás, de acordo com a generalidade das propostas que foram avançadas.

Não há razão para que sejam as populações, especialmente a população do interior, a pagar os contratos

leoninos das parcerias público-privadas rodoviárias que o Estado não quis renegociar, tendo poder para isso —

é essa a vantagem de ser o Estado, que tem poder para renegociar e tem poder para fazer as regras do jogo.

Neste momento, as regras do jogo permitem que sejam os utilizadores de automóvel nas zonas do interior —

que usam o carro para trabalhar, que não têm alternativa — a pagar a inflação que as concessionárias não

querem internalizar e que pretendem ver revertidas nos seus lucros, porque nem sequer aumentam os salários

dos seus trabalhadores.

Esta é a situação nas concessões rodoviárias como é a situação em muitos outros setores que estão a

internalizar o aumento dos preços, que não são revertidos nem em preços mais baixos, nem em salários mais

elevados.

Já nos manifestámos de acordo com o congelamento destas portagens. Acresce ainda que é o Estado que

está a pagar às concessionárias para as concessionárias não aumentarem as portagens, o que é inaceitável.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não aumentarem mais!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sim, para não aumentarem mais as portagens, além daquilo que já

aumentaram, o que mostra a total incapacidade do Estado em encontrar uma resposta que não seja pagar, atirar

dinheiro para cima dos problemas. Não se controlam os preços, não se encontram outros mecanismos e,

portanto, compensam-se as empresas privadas para aumentarem os seus lucros, em vez de se controlarem os

preços para proteger as populações.

Além da anulação do aumento das portagens, achámos importante que a Autoridade Tributária deixasse de

cobrar as dívidas das concessionárias privadas. Já o propusemos aqui e essa proposta foi rejeitada pelo Partido

Socialista. Achamos importante que exista uma moratória a quem tem estas dívidas, que são cobradas pela

Autoridade Tributária com juros de mora e multas, que, depois, revertem para os funcionários privados sendo

cobradas pela Autoridade Tributária.

E, finalmente, temos uma luta antiga pelo fim das SCUT, ou do pagamento das ex-SCUT, que penaliza quem

não tem alternativa. A A22 é o maior exemplo de uma situação de discriminação territorial em que, numa parte

do território, neste caso no Algarve, a escolha é entre a segurança de ter uma autoestrada com condições e ter

de pagar ou viajar sem segurança. Parece-nos uma escolha inaceitável. O Estado deve garantir a capacidade

de todas as pessoas que assim o queiram de poder circular em condições de segurança.

Aplausos do BE.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Oliveira, do

Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste ponto da ordem do dia,

debatemos quatro projetos, dois projetos de lei, um do PAN e um do PCP, e dois projetos de resolução, ambos

do Chega.

Portugal atravessa hoje, como muitos países, um problema de inflação. Para resolver esta crise inflacionária,

temos de adotar medidas rigorosas, sérias; temos de ser sempre criteriosos nas medidas que adotamos. Não

será certamente com demagogia ou com um rasgar de contrato que vamos resolver este problema que tanto

tem afetado os portugueses.

Lembro apenas a proposta, que muitos dos partidos presentes nesta Câmara fizeram, de retirar o IVA sobre

os bens essenciais, dando como exemplo Espanha.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E bem!

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Hoje, já ninguém fala disto aqui.

Em Espanha, essa medida que era dada como a bala de prata durou 15 dias. Foram 15 dias até que os

preços voltassem a estar mais altos do que antes, com o valor do IVA.

Protestos do PCP.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, propostas demagogas e populistas podem servir para bons vídeos para as

redes sociais, mas não servem para resolver os problemas nem do País nem dos portugueses.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É o socialismo a funcionar!

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — O projeto do PCP que visa o aumento das portagens apenas em 1,8 % e a

regulação dos contratos das parcerias público-privadas esquece a parte má da história. Quanto à reversão das

concessões, implica, ainda que por razões de interesse público, pagar uma indemnização às concessionárias.

Isto está descrito no projeto do PCP? Não.

Além disso, importam para o Estado todos os encargos incorridos com a operação de manutenção do bem

construído, bem como a transferência para o Estado dos riscos de construção. Está isto identificado no projeto

do PCP? Também não.

As partes boas estão sempre, os ganhos estão sempre, os custos, esses, nunca aparecem.

Já o projeto do Chega visa a revisão dos termos da PPP da Lusoponte, com vista à redução dos valores de

portagem. Tal revisão, nos termos do contrato de concessão, constituindo uma alteração às cláusulas

contratuais vigentes, possibilita à concessionária titular da receita de portagem a evocação do direito de

apresentar um pedido de reposição de equilíbrio financeiro dos contratos em vigor e a respetiva imputação de

elevados encargos financeiros ao Estado. Isto está implícito no vosso projeto? Também não. Está sempre

previsto o ganho, mas nunca está previsto o que seriam os custos para o Estado, os custos para os portugueses.

Protestos da Deputada do CH Rita Matias.

Por sua vez, o projeto do PAN visa a revisão dos contratos das parcerias público-privadas do setor rodoviário.

Tal projeto compara realidades que não são comparáveis, ou seja, compara encargos contratuais com o

pressuposto do valor do ativo, como se os encargos das PPP visassem pagar apenas um ativo a prestações.

Na verdade, os encargos com as PPP não têm apenas que ver com o pagamento, temporalmente diluído,

do ativo construído, mas, também, com os encargos incorridos com a operação e manutenção do contrato, ao

longo dos anos, e com a transferência, por parte dos concessionários privados, dos riscos de construção, de

financiamento do tráfego, da operação e da manutenção.

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Para o Partido Socialista, esta matéria, como todas as outras, deve ser sempre resolvida, mas com seriedade

e com responsabilidade. O Governo, perante um aumento nas portagens que seria de cerca de 10 %, encetou

negociações, reduzindo para metade aquilo que os utilizadores vão ter de suportar.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Já estão a suportar desde o dia 1!

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Aceitamos que os Srs. Deputados e os partidos desta Câmara não concordem.

Têm, evidentemente, todo o direito de não concordar e de apresentar alternativas, mas nessas alternativas que

apresentam têm de falar verdade, têm de dizer quais são os custos para o País, e não apresentar apenas os

ganhos.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Podia ter perguntado e eu respondia!

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Não contem com o Partido Socialista para fazerem falsas negociações, como

as que aconteceram, aliás, em 2015, num Governo do PSD e do CDS, quando apresentaram e anunciaram uma

redução do valor pago pelas PPP aos privados, esquecendo-se de dizer que essa negociação desonerou os

privados de um conjunto de obrigações, nomeadamente de manutenção, passando essas obrigações para a IP

(Infraestruturas de Portugal, SA), fazendo com que o valor do quilómetro da autoestrada ficasse mais caro para

o Estado do que antes dessa mesma negociação.

Protestos do Deputado do PSD João Marques.

Aconteceu em todas as concessões que foram negociadas, Sr. Deputado João Marques — em todas as

concessões. Sabemos bem como é que essa negociação foi feita, temos bem presente os números, que

podemos apresentar.

Portanto, para o Partido Socialista, esta é uma matéria importante, mas assumimos esta, como todas as

outras, com seriedade e com responsabilidade perante os portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E as promessas do Costa?!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Palavra honrada não vale nada!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fátima Ramos,

do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, várias iniciativas

que têm a ver quer com portagens, quer com parcerias público-privadas rodoviárias.

São assuntos da maior importância, sobretudo quando vivemos num período de inflação, em que o preço

dos combustíveis aumenta, em que o salário real das pessoas diminui, o que significa que as pessoas, com o

mesmo salário, conseguem comprar cada vez menos.

Se este assunto é importante quando olhamos para as portagens de uma forma global, ainda é mais

importante quando olhamos para o interior do nosso País.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Exatamente!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Quando olhamos para o interior do nosso País, gostaria de apresentar,

novamente, um mapa que demonstra como é que está distribuída, hoje, a população no nosso País: temos 45 %

da população em duas áreas metropolitanas e o resto do País praticamente sem gente.

A oradora exibiu o mapa que mencionou.

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Os últimos censos demonstram-nos que tivemos municípios que perderam 20 % da população.

Protestos do Deputado do PS Miguel Matos.

Assim sendo, ou temos medidas efetivas de discriminação positiva e de valorização do território em relação

às pessoas que vivem neste interior, ou então teremos, cada vez mais, um território completamente despovoado.

O que é que sentimos em relação a isto? Sentimos que têm sido feitos muitos anúncios, mas que, na maior

parte dos casos, são inconsequentes. Quando olhamos, por exemplo, para as autoestradas, vemos — o que é

inconcebível — que na A1 pagamos um determinado montante por quilómetro, mas, por exemplo, na A13, que

é a autoestrada do Pinhal Interior, que passa nos concelhos mais pobres, pagamos quase mais 20 % por

quilómetro.

Portanto, algo, de facto, não está bem. No entanto, quando falo desta inconsequência, falo também de uma

inconsequência por parte do Parlamento — uma inconsequência e uma falta de respeito.

Como foi dito pelo meu colega, foi aprovada, neste Parlamento, uma redução de 50 % no preço das

portagens, mas o que é certo é que o Governo arranjou um subterfúgio e não aplicou esse desconto. Ou seja,

há uma falta de respeito.

Para aqueles que dizem que estamos a aumentar o populismo e os movimentos populistas, perguntem-se o

que é que dirão as pessoas do Algarve que frequentam as ex-SCUT, quando ouviram anúncios de uma redução

de 50 % no preço das portagens e, depois, não veem isso cumprido. O que é que falam em relação a este

Parlamento? O que é que sentem? Onde é que está, de facto, a ética republicana?

Aplausos do PSD.

Por isso, faço um apelo aos Srs. Deputados do Partido Socialista: no dia 23, teremos em discussão um

projeto do PSD que, mais uma vez, visa dar cumprimento ao que já foi aprovado para 2021, acrescentando,

também, a autoestrada do Pinhal Interior, que passa, como eu disse, nos concelhos mais pobres deste País.

Protestos do Deputado do CH Pedro Pinto.

Portanto, pensando na ética republicana, pensando nas pessoas, pensando nos discursos de coesão

territorial,…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — … apelo aos Srs. Deputados do Partido Socialista que votem a favor, até

porque tenho a certeza de que a Sr.ª Ministra da Coesão Territorial ficará contente, porque quando se fala em

demagogia…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, é só mais 1 minuto…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, 1 minuto, não!

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, 1 segundo, será 1 segundo.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, 1 segundo não, 10 segundos.

A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Foi a Sr.ª Ministra da Coesão Territorial que, na campanha eleitoral, em

Castelo Branco, disse assim: «Se o PS for Governo, deixo a garantia: continuaremos a reduzir as portagens e

ponderaremos não a sua isenção, mas a sua abolição.»

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Risos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão.

É aqui que está a demagogia de que falava.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Vamos passar ao encerramento deste debate.

Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Sabemos muito bem que aqueles que falam

muito da «Cristina que apanha o comboio», na verdade, estão a dar uma ajudinha muito jeitosa ao Joaquim —

que é como quem diz, ao Joaquim Ferreira do Amaral, da Administração da Lusoponte —, ou ao António — que

é como quem diz, ao António Pires de Lima, Administrador da Brisa.

Protestos da Deputada do CH Rita Matias.

De facto, a direita — nomeadamente o PSD — fala muito, mas deu a mão ao PS, não só para impor as

portagens nas autoestradas SCUT,…

Protestos do PSD e do CH.

… mas também para chumbar as propostas do PCP para acabar com essas portagens! A verdade é uma só,

Srs. Deputados.

O Sr. João Marques (PSD): — Quem é que deu a mão a quem?!

Vozes do CH: — Seis Orçamentos!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, estamos na Assembleia da República, não sei

se se aperceberam disso.

Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem, Sr.ª Presidente. Bem lembrado e muito obrigado pela sua

intervenção.

O Sr. Deputado Hugo Oliveira, do PS, fez muito bem em trazer ao debate a questão pertinente dos custos

de manutenção das infraestruturas rodoviárias. Eu até tinha uma notícia para dar ao Sr. Deputado, mas ele

agora está ocupado. Vou dar a notícia aos Srs. Deputados aqui presentes e, depois, o Sr. Deputado ficará a

saber. É que na Ponte 25 de Abril, onde o preço da portagem de um veículo ligeiro passou para 2 €, as obras

de manutenção são pagas por quem? São pagas pelo Estado, não é pela Lusoponte, que recebe o valor da

portagem. São pagas pelo Estado em dezenas de milhões de euros. A última vez foi de 2018 para a frente,

foram dois anos.

Não fiquem à espera, Srs. Deputados do PS, nem o Governo, que o País vos agradeça por essa espécie de

desconto no roubo ao povo que estão a fazer agora, com as portagens. Isto porque, primeiro, dizem-nos que

vamos ficar sem a carteira nem o relógio e, depois, trazem a boa notícia ao País de que ficamos só sem o

relógio. Não podemos achar que isso é positivo.

Portanto, aquilo que se coloca é que os senhores falam sempre do Estado como pessoa de bem quando é

para garantir bónus e indemnizações milionárias a gestores, ou quando é para garantir lucros de bilhões às

concessionárias das PPP, mas quando se trata dos salários e das pensões, ou da progressão nas carreiras dos

trabalhadores e da contagem do seu tempo de serviço, aí a política de direita fala outra vez mais alto e lá vai a

pessoa de bem dar uma volta.

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Srs. Deputados, o desafio que vos está colocado é muito simples: ao menos desta vez, coloquem as pessoas

primeiro, e não os lucros dos grupos económicos.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos, assim, este ponto da nossa ordem do dia, concluindo, aliás,

a nossa ordem do dia.

Amanhã, a agenda da nossa reunião plenária, que começa às 15 horas, tem um ponto único, que é o debate

sobre política setorial com o Sr. Ministro da Economia e do Mar.

Muito boa tarde a todas e a todos, muito obrigada e até amanhã.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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