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Sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023 I Série — Número 93

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

REUNIÃOPLENÁRIADE23DEFEVEREIRODE 2023

Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Palmira Maciel Fernandes da Costa

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa do Projeto de Lei

n.º 592/XV/1.ª e do Projeto de Resolução n.º 500/XV/1.ª Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da

Proposta de Lei n.º 44/XV/1.ª (GOV) — Reforça os

mecanismos de combate à violência no desporto e dos Projetos de Lei n.os 539/XV/1.ª (CH) — Procede à quinta alteração à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos e 545/XV/1.ª (PCP) — Procede à quinta alteração à Lei n.º

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39/2009, de 30 de junho, eliminando as zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos. Usaram da palavra, a diverso título, além do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (João Paulo Correia), os Deputados Pedro Pinto (CH), Alma Rivera (PCP), Rodrigo Saraiva (IL), Inês Barroso (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), Francisco Dinis (PS), Joana Mortágua (BE), Rui Tavares (L), Bernardo Blanco (IL) e Cristiana Ferreira (PSD).

Foram apreciados, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 484/XV/1.ª (BE) — Altera a idade máxima do adotando (alteração à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro e ao Decreto-Lei n.º 47 344/66, de 25 de novembro), 507/XV/1.ª (PCP) — Retoma das medidas de acolhimento e programa de autonomização de crianças e jovens em perigo (quinta alteração à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, que aprova a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo), 508/XV/1.ª (PCP) — Alarga a possibilidade de adoção de crianças até aos 18 anos (primeira alteração à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro e ao Decreto-Lei n.º 47 344/66, de 25 de novembro), 529/XV/1.ª (CH) — Altera o Código Civil, o Regime Jurídico do Processo de Adoção e o Código do Trabalho, com o objetivo de reduzir o número de crianças institucionalizadas garantindo-lhes um processo de adoção célere e bem-sucedido, 534/XV/1.ª (PAN) — Aumenta a idade máxima do adotado para os 18 anos, procedendo à alteração do Código Civil e do Regime Jurídico do Processo de Adoção, 537/XV/1.ª (L) — Clarifica a possibilidade de casais unidos de facto poderem adotar, diminui a idade mínima de adotantes, aumenta a idade máxima de adotados, diminui a idade de consentimento do adotado, remove a dispensa de consentimento e de audição de pessoas neurodivergentes ou com doença mental e introduz a possibilidade de integração de profissionais da área da igualdade de género nas equipas técnicas de adoção, 541/XV/1.ª (IL) — Modifica o processo de adoção, alargando a idade máxima do adotando para os 18 anos (altera o Decreto-Lei n.º 47 344/66, de 25 de novembro, a Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, e a Lei n.º 147/99, de 1 de setembro), juntamente com o Projeto de Resolução n.º 440/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a adoção de políticas integradas e céleres de promoção da adoção. Intervieram no debate os Deputados Pedro Filipe Soares (BE), Alma Rivera (PCP), Pedro dos Santos Frazão (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Rui Tavares (L), Patrícia Gilvaz (IL), Bruno Aragão (PS) e Clara Marques Mendes (PSD).

Foi discutido o Projeto de Resolução n.º 403/XV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que cumpra o aprovado em sede de Orçamento do Estado e aplique um desconto efetivo de 50 % nas taxas de portagem dos territórios do interior, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 542/XV/1.ª (CH) — Prevê a implementação de um plano gradual de isenção do pagamento de portagens, 548/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A25, 549/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na ex-SCUT Norte Litoral (A28) entre Angeiras e Darque, 550/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A29, 551/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A41, 552/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A42, 553/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A4, 554/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A13, 555/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A22, 556/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A23 e 557/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A24. Intervieram, a diverso título, os Deputados Luís Gomes (PSD), Filipe Melo (CH), Bruno Dias (PCP), Carlos Guimarães Pinto (IL), André Pinotes Batista (PS), Rui Tavares (L), Mariana Mortágua (BE) e Jorge Salgueiro Mendes (PSD).

Foram apreciados, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 65/XV/1.ª (PCP) — Confere natureza de título executivo às decisões condenatórias da ACT e altera o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, procedendo à terceira alteração à Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e 543/XV/1.ª (BE) — Confere força executiva às decisões condenatórias da Autoridade para as Condições do Trabalho para suspensão de despedimento e sanções abusivas e aprofunda o regime jurídico para combater o assédio no trabalho. Proferiram intervenções os Deputados Alfredo Maia (PCP), Isabel Pires (BE), Carla Castro (IL), Hugo Maravilha (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), Rui Tavares (L), Mara Lagriminha Coelho (PS) e André Ventura (CH).

Em interpelação à Mesa, o Deputado André Ventura (CH) questionou o Presidente (Adão Silva) acerca de notícias veiculadas sobre o anúncio, por parte do Ministro dos Negócios Estrangeiros (João Gomes Cravinho), sem auscultação prévia dos grupos parlamentares, de que o Presidente do Brasil irá discursar na Assembleia da República.

O Presidente (Adão Silva) encerrou a sessão eram 18 horas e 7 minutos.

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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados. Temos quórum e todos os grupos parlamentares estão devidamente representados.

Vamos, então, iniciar os nossos trabalhos.

Eram 15 horas e 6 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público. Muito obrigado.

Passo agora a palavra à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha para a leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde a todos e a todas. Passo a dar conta de que deram entrada, e foram admitidos pelo Sr. Presidente, o Projeto de Lei

n.º 592/XV/1.ª (IL), que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 13.ª Comissão,…

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Muito bem!

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — … e o Projeto de Resolução n.º 500/XV/1.ª (BE), que baixa à 9.ª Comissão.

É só, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado. Vamos, então, iniciar a ordem do dia, cujo primeiro ponto consiste na apreciação conjunta, na generalidade,

da Proposta de Lei n.º 44/XV/1.ª (GOV) — Reforça os mecanismos de combate à violência no desporto e dos

Projetos de Lei n.os 539/XV/1.ª (CH) — Procede à quinta alteração à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que

estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos

desportivos e 545/XV/1.ª (PCP) — Procede à quinta alteração à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, eliminando as

zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos.

Para apresentar a proposta de lei do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do

Desporto, João Paulo Correia.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (João Paulo Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Caro Público, Comunicação Social: Dois grandes fenómenos têm marcado a violência no

desporto.

O primeiro fenómeno é que, desde 2018, os incidentes mais graves ocorreram fora dos recintos desportivos,

com exceção dos incidentes relacionados com a pirotecnia, e um segundo grande fenómeno, que tem marcado

a violência no desporto, diz respeito ao crescimento dos incidentes nos jogos das camadas jovens de diversas

modalidades.

Estes são dois grandes fenómenos que fazem crescer o sentimento de insegurança no acesso aos recintos

desportivos e no seu interior. Decidiu o Governo responder a estes dois grandes fenómenos, apresentando um

conjunto de medidas para a prevenção e o combate à violência no desporto.

Esta proposta de lei é o produto de um amplo e profundo processo de debate e recolha de contributos por

parte das federações desportivas e organizações de cúpula do desporto e apresenta medidas ligadas à realidade

do contexto desportivo, medidas que investem na prevenção e medidas que investem no combate à violência

no desporto.

Do lado das medidas que investem na prevenção, destaco o gestor de segurança. Esta é, aliás, uma figura

que já está na lei,…

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Já devia estar!…

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — … que o Governo pretende, com esta proposta de lei, desenvolver e ativar e que pode ser assumida por um colaborador, um associado, um dirigente, um

familiar de um atleta, um colaborador do clube.

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Em suma, pretende-se que este gestor possa receber a formação adequada para estar minimamente

habilitado e conseguir assegurar o acolhimento das equipas e dos adeptos visitantes, saber acolher uma equipa

visitante, os seus adeptos, a equipa de arbitragem, saber a comunicação que pode e tem de ser feita através

da cabine de som, naquela que é a comunicação com os adeptos que estão dentro do recinto desportivo.

Uma segunda medida que investe na área da prevenção é a do reforço dos mecanismos legais da Autoridade

para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto e das forças de segurança. Isto é essencial. O trabalho

que a Autoridade tem feito desde a sua criação, desde 2019, tem exposto aquelas que são as fragilidades que

ainda se manifestam na insegurança nos recintos desportivos, mas sobretudo a necessidade de termos uma

Autoridade reforçada com outros mecanismos legais que possam combater a violência no desporto.

Aplausos do PS.

Uma terceira medida do lado do investimento na prevenção é a de uma forte campanha de sensibilização,

que irá iniciar-se até ao final do mês de abril, junto dos familiares e pais que assistem e acompanham os jogos

dos filhos nas camadas jovens, em diversas modalidades. Esta é uma campanha que resulta de uma parceria

entre o Instituto Português do Desporto e Juventude e cinco federações desportivas: as federações de futebol,

de basquetebol, de andebol, de voleibol e de patinagem.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Trata-se de uma campanha de sensibilização que, como disse há pouco, irá iniciar-se até ao final do mês de abril e que consideramos ser essencial para

conseguirmos mitigar um segundo grande fenómeno de violência no desporto, que são os incidentes que se vão

manifestando nos jogos das camadas jovens.

Aplausos do PS.

Protestos da Deputada do CH Rita Matias.

Do lado das medidas de combate à violência no desporto, destacamos a de dar prioridade às infrações

relacionadas com racismo, xenofobia e intolerância,…

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Isso é o quê?

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — … que têm destaque na lei, passando a constituir-se como contraordenação isolada e com coima agravada.

Uma outra medida de combate à violência no desporto é a de penalizar os clubes que não facultem imagens

em perfeitas condições através do sistema de videovigilância. O aumento da coima máxima até 200 000 €

deixará de compensar aqueles que não facultem às autoridades as imagens de videovigilância ou que as

facultem em mau estado.

Uma outra medida de combate à violência no desporto é a de os organizadores das competições passarem

a agir obrigatoriamente contra os clubes nos casos em que os seus adeptos pratiquem a promoção da violência.

Passa a existir a obrigatoriedade de os organizadores das competições agirem disciplinarmente sobre os clubes

em que os seus adeptos sejam promotores de violência.

Uma outra medida de combate à violência no desporto: a interdição de acesso a recintos desportivos passa

a ser aplicada a todos os recintos e modalidades. Hoje, ao abrigo da lei que está em vigor, quando é aplicada a

um adepto uma medida de interdição a um recinto desportivo, ela só é aplicada no âmbito da modalidade em

que foi praticado o incidente de violência. O que vimos propor é que a medida de interdição seja aplicada a todas

as modalidades e a todos os recintos desportivos.

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Aplausos do PS.

Protestos de Deputados do CH.

Outra medida: os clubes passam a declarar, no protocolo com os grupos organizados de adeptos (GOA),

todos os apoios, diretos e indiretos, e a identificar os respetivos representantes estatutários. Atualmente, a

Autoridade tem registados 26 grupos organizados de adeptos, sendo que três deles têm o seu registo suspenso

pelo próprio clube. O que propomos é que todos os apoios, diretos e indiretos, prestados pelos clubes aos seus

grupos organizados de adeptos tenham de se traduzir num protocolo e que esses apoios tenham de estar nesse

protocolo, não suscitando a mínima dúvida sobre os apoios, diretos e indiretos, que os clubes prestem aos

grupos organizados de adeptos.

Aplausos do PS.

Uma outra medida essencial tem a ver com a criminalização do apoio aos grupos organizados de adeptos

não registados ou do apoio não declarado nos protocolos com esses grupos organizados de adeptos.

Resumindo, o Governo propõe, através desta proposta de lei, a criminalização do apoio ilegal aos grupos

organizados de adeptos, uma medida essencial para combater a criminalidade organizada em contexto

desportivo.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do CH Pedro Pinto.

Sr.as e Srs. Deputados, esta é uma determinação do Governo. O Governo está determinado a investir na

prevenção e no combate à violência no desporto. Todos queremos, e essa é uma missão para a qual todos

estamos convocados, criar melhores condições de segurança nos nossos recintos desportivos, para que o

desporto e a prática desportiva se desenvolvam no ambiente que todos desejamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado: A proposta de lei do Governo que visa reforçar os mecanismos de combate à violência no desporto é altamente repressiva.

Esta proposta declara o ataque aos adeptos, à liberdade dos mesmos e a todos os que vivem a festa do

desporto, particularmente o futebol, reforça o caminho seguido de se legislar contra o adepto e não para o adepto

e não resolve os problemas registados nos espetáculos desportivos, refugiando-se na premissa da violência

sem sequer entender o fenómeno associado à cultura da bancada.

Desporto sem adeptos não é desporto. Veja-se o que se passou durante a pandemia, com estádios sem

adeptos, pavilhões sem público e até as modalidades ao ar livre sem pessoas a assistir. Faltavam o carisma, a

vibração, o empolgamento, o fervor do adepto. Perguntem aos desportistas o que sentiram nessa altura.

Esta é uma proposta profundamente alheada da realidade e que toma a parte pelo todo, ao prever que a lei

passe a ser aplicada não só a todos os espetáculos desportivos, mas também a concentrações prévias,

simultâneas ou posteriores ao evento.

Ou seja, pode até dar-se o caso de a lei ser aplicada em sedes de casas de clubes onde se assista ao jogo

pela televisão, através da alteração dos GOA, grupos organizados de adeptos, que passam a ser definidos como

um conjunto de pessoas que, estando ou não constituídas como associação, atuam de forma concertada,

nomeadamente através da utilização de símbolos comuns.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Mais de três já é uma manifestação!…

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Qualquer dia, estamos num café, nas casas dos clubes ou até na nossa própria casa e já somos um grupo organizado de adeptos, basta sermos mais de dois.

Aplausos do CH.

Sabemos que este Governo perdeu o respeito pelas pessoas, que não se importa de obrigar os proprietários

a arrendar casas ou a ser expropriados, à boa maneira do PREC (Processo Revolucionário em Curso), mas não

vale tudo.

Aliás, um dos últimos fenómenos de violência, e o mais mediático, foi em 2021, aquando dos festejos do

título de campeão do Sporting, em Lisboa. Na altura, o Governo, socialista, disse que iria apurar

responsabilidades, mas, mais uma vez, e à boa maneira socialista, a culpa morreu solteira. Dois anos depois,

nada de culpados. Ninguém assumiu as responsabilidades, mas estas tiveram dois rostos: Eduardo Cabrita, na

altura Ministro da Administração Interna, e Fernando Medina, na altura Presidente da Câmara Municipal de

Lisboa e atual Ministro das Finanças.

Aplausos do CH.

Dizer, e cito, «fenómenos de violência desportiva, muitos deles ocorridos fora dos recintos desportivos» é

muito vago. Importa perceber os porquês, particularmente o que motiva e como pode ser combatido. Por mau

comportamento de alguns adeptos não podem pagar todos. Augusto Santos Silva disse, um dia, nesta Casa,

que não há atribuições coletivas de culpa.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Ora, nem mais!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não deixa de ser curioso, porque o que esta proposta de lei faz é atribuição de culpa coletiva a todos os adeptos.

Aplausos do CH.

O Chega defende o princípio da autorresponsabilidade. Os adeptos devem ser livres nas suas escolhas, mas

ter consciência da consequência dos seus atos. Jamais deixaremos de repudiar os casos de violência nos

recintos desportivos e fora deles. Estes devem e têm de ser combatidos.

Por isso, entre outras medidas, propomos o agravamento das penas para o dobro para quem ponha em

perigo a integridade física de elementos das forças de segurança,…

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Muito bem!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — … árbitros, assistentes de recintos desportivos ou qualquer outro responsável pela segurança no seu exercício de funções.

Da mesma forma, repudiamos todos e quaisquer comportamentos racistas, mas também todas e quaisquer

provocações de intervenientes no espetáculo para com o público que assista nas bancadas. Muitas vezes, são

os próprios dirigentes desportivos que têm comportamentos nocivos que alastram às bancadas, e também esses

devem ter coimas pesadas e não as que têm atualmente, que roçam o ridículo.

Não podemos esquecer que alguns clubes que jogam em casa dizem para os adeptos do clube forasteiro

não levarem camisolas ou cachecóis para não haver problemas.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Vergonha!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É isto que este Governo devia combater. Não podemos bater no peito e falar em liberdade e pactuar com isto, ocultando o que muitas vezes se passa. A isto é que se chama intolerância, e essa

é que terá de ser combatida.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os adeptos são fundamentais nos eventos, pois vivem com paixão,

apoiam e dão colorido aos estádios e pavilhões. É fundamental alterar mentalidades, nomeadamente no que

lhes concerne, mas é igualmente fundamental que eles entendam que, se querem ter direitos, têm também de

cumprir os seus deveres.

O desporto é parte essencial da cultura nacional, nomeadamente o futebol, um enorme veículo de promoção

do País. Quem não ficou emocionado ao ver a alegria e as lágrimas das jogadoras da seleção de futebol

feminino, que ontem mesmo conseguiram, pela primeira vez, um apuramento para o campeonato do mundo?

Aplausos do CH.

O desporto é isto: alegria, paixão, emoção. Esta proposta de lei do Governo fica muito longe disso. Disse.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Do que se trata aqui hoje é de duas visões, dois caminhos para abordar o problema da violência no desporto. São duas lógicas que se opõem e que

se refletem na proposta do Governo e no projeto que aqui trazemos.

Um primeiro caminho é assente numa ideia estreita e muito curta dos problemas como a violência e a

criminalidade associada ao desporto, e é, poder-se-ia dizer, o caminho mais fácil no que toca às medidas para

a combater.

Aqui cumpre recordar, desde logo, que a violência no desporto não é um fenómeno isolado. Os campos de

futebol e os pavilhões não são ilhas desligadas da sociedade. Tudo o que é válido e reconhecido, em matéria

de política criminal geral, não pode ser simplesmente suspenso quando se discute problemas ligados ao

desporto.

No final da Legislatura passada, ficou patente, quando se discutiu o cartão do adepto, a grande rejeição das

pessoas da lógica da generalização, da estigmatização dos adeptos, uma lógica quase de presunção de

culpabilidade, que acaba por castigar todos os adeptos pelo que fazem alguns e não por promover e estimular

as boas práticas. Eliminou-se o cartão do adepto, apesar de se poder até ter ido mais longe.

Ato contínuo, o Governo vem hoje, aqui, com mais dessa mesma estratégia, que se revelou contraproducente

e geradora de mais confronto e mais clivagem. Não só não vem corrigir o que ficou por fazer, como acrescenta

problemas. Não só mantém uma inaceitável proibição de mensagens que traduzam manifestações de ideologia

política — equiparando, Srs. Deputados, na prática, uma mensagem como aquela dos estudantes de Coimbra

na Taça de 1969 a manifestações de ódio racista, por exemplo —, não só mantém as zonas com condições

especiais de acesso e permanência de adeptos e a senda do registo dos grupos organizados de adeptos, como

vem com mais punição, mais repressão, mais burocratização, apesar de não haver qualquer evidência de um

agravamento objetivo do problema ou de que as medidas repressivas, por si só, foram eficazes para o combate

à violência e discriminação.

Aliás, aprofunda-se um clima de incompreensão mútua, que não é bom e não ajuda. Usar a pena de prisão

para forçar o registo das claques, em afronta à liberdade de associação, não é o caminho. E se a isto somarmos

a equiparação, em termos de pena, entre acender um very light e um homicídio por negligência grosseira à

violência doméstica, correndo tudo a um máximo de cinco anos de prisão, percebemos que há uma total

desproporcionalidade.

Existe outra visão, existem outros caminhos que o PCP procura aqui trazer. Onde nasce o problema? Temos

tido no Parlamento um grupo de trabalho sobre a violência no desporto e julgo que a conclusão a tirar dos

trabalhos não é a de que o caminho é a repressão. O que é preciso é ir à raiz do problema, não deixar de

priorizar a prevenção e a dimensão pedagógica, levar a sério essas componentes, que parecem ser sempre as

últimas a serem concretizadas.

Para além de acabar com as normas que atentam contra direitos, com base na estigmatização, para além

de acabar com as zonas especiais, o PCP insiste na promoção da cultura desportiva, no fomento do bom ensino

na prática desportiva nas escolas, do fair play e, por isso, todos os programas e medidas devem ser direcionados

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para todos os agentes desportivos, incluindo atletas, encarregados de educação, treinadores, árbitros, entre

outros. A visão que o PCP tem sobre os problemas que estas iniciativas visam combater rejeita aprofundar o

fosso existente entre quem decide e aqueles a quem estas normas são supostamente destinadas.

Srs. Deputados, façamos, ao invés, um debate alargado, procuremos entendimentos, procuremos soluções

práticas e praticáveis, consensos. Como temos insistido, e voltamos a dizê-lo, um ato de vandalismo, violência,

xenofobia ou racismo é crime. Apoiar um clube desportivo, uma equipa ou até um atleta não é crime. Portanto,

puna-se o crime cometido, mas não se sacrifiquem direitos dos cidadãos a pretexto de supostas medidas de

segurança.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista a inscrição de um Sr. Deputado para pedir esclarecimentos. Para formulá-lo, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, da Iniciativa Liberal.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Melhor ensino, menos polícias», «Universidade livre», «Menos espingardas, menos quartéis, menos repressão», «Estudantes unidos por

Coimbra». Estas foram as frases que os estudantes de Coimbra levaram, em 1969, à final da Taça do Jamor e

que a Deputada Alma Rivera recordou ali de cima, do púlpito. São frases que aconteceram em ditadura e que

perante esta legislação que o Governo do PS quer manter, desde 2009, não serão possíveis em democracia.

Portanto, Sr.ª Deputada Alma Rivera, não acha — acho que vai concordar comigo — que Alberto Martins,

ex-Deputado do Partido Socialista, ex-líder parlamentar do Partido Socialista, ex-Presidente da 1.ª Comissão

desta Casa, ex-Ministro da Justiça do Partido Socialista e aquele que deu origem a essas frases, por se ter

levantado, em Coimbra, contra Américo Tomás, em prol da liberdade dos estudantes, teria vergonha daquilo

que o PS tem feito desde 2009, mantendo esta proposta de lei à data de hoje?

Aplausos da IL.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Falta de memória!

Vozes do CH: — Vocês é que têm falta de memória!

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias e contraprotestos do CH e da IL.

O Sr. Presidente: — Peço silêncio. Sr. Deputado Eurico Brilhante Dias, peço-lhe que respire fundo.

Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, sim, hoje não seria possível entrar com faixas a protestar contra uma ditadura num estádio, num recinto, porque as pessoas são fiscalizadas

até ao centímetro para entrarem e só têm zonas específicas onde podem entrar com as faixas. E a lei equipara

racismo, xenofobia, etc., a mensagens de ideologia política.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Isso não é verdade!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Isto é algo que envergonharia, sim, os constituintes.

Vozes do CH: — Muito bem!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — E gostaria de dizer outra coisa também. Não envergonharia só os constituintes; uma proposta de lei que agrava as penas de prisão e que procura intervir pela via repressiva…

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — A proposta não altera nada disso!

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A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — … envergonha não só o passado de muitos dos Deputados que aqui se sentam, mas envergonha também, atualmente, os Deputados que conhecem os princípios da nossa lei penal e criminal,

porque a nossa lei criminal e penal vai num sentido inverso àquilo que está aqui colocado.

O Sr. Deputado acha bem a equiparação das penas de prisão entre um crime de violência doméstica e um

very light?

Protestos do PS.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — O very light não está nesta proposta!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Acha bem um ano de pena de prisão por dar, por exemplo, um bilhete a uma claque, por não se registar. Não se registar, exercendo o seu direito de livre associação, que é algo que consta

da nossa Constituição.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não somos obrigados a registar a nossa participação em associações, em partidos, em nada. Isso não é obrigatório.

Portanto, Sr. Deputado, estas propostas são antidemocráticas, são ineficazes, como vem sendo

demonstrado,…

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Depois nós é que somos antidemocráticos!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — … e, neste momento, vão contribuir para piorar o ambiente, para piorar aquele que é o fosso que existe entre os adeptos e o Governo e, portanto, esta proposta não deve ser aprovada. Se os

senhores tivessem responsabilidade não a aprovariam.

Aplausos do PCP e da IL.

Protestos do PS e contraprotestos do CH.

O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês Barroso.

A Sr.ª Inês Barroso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta hoje a esta Assembleia uma proposta de lei de alteração à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho.

O PSD saúda a iniciativa e expressa, desde já, que acompanha a preocupação do Governo e a pertinência do

reforço da legislação face à nova contextualização da violência no desporto, caracterizada aqui pelo Sr.

Secretário de Estado e que, sucintamente, reforçamos: agravamento dos episódios de violência nos escalões

de formação, deslocalização dos mesmos do interior para a envolvente dos recintos desportivos e aumento de

incidentes e infrações em espetáculos desportivos que, segundo o RASI (Relatório Anual de Segurança Interna),

de 2021-2022, se cifrou em 4135 ocorrências, ou seja, mais 1800 do que em 2021, o que dá um aumento de

44 %. Este preocupante panorama leva-nos, pois, a compreender a apresentação desta proposta de lei.

No entanto, lamentamos que o Governo, apesar de, na exposição de motivos, mencionar ter realizado quatro

audições, não tenha anexado estudos, nem documentos ou pareceres de fundamentação e não tenha

esclarecido sobre meios de concretização ou projeção de efeitos e objetivos a atingir.

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Muito bem!

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A Sr.ª Inês Barroso (PSD): — A preocupação do PSD é a de que, mais uma vez, utilize a sua estratégia socialista de propaganda, anúncio de medidas, sem garantir atempadamente meios a quem tem de as executar.

É a operacionalização das medidas que não nos tranquiliza, Sr. Secretário de Estado.

Está prevista a criação de um canal de denúncias, que terá como entidades fiscalizadoras a CMVM

(Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) e a futura plataforma de combate à manipulação das competições

desportivas. Entre a sua criação, a formação a dar às sociedades desportivas, o cruzamento de informações, a

análise de conteúdos e a definição das penalizações, ficamos expectantes relativamente à data em que a

plataforma irá ser implementada, bem como se ao nível da fiscalização conseguirá atingir os objetivos no regime

contraordenacional vigente.

No campo da prevenção, preconiza-se que a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no

Desporto, que, este ano, até viu o seu orçamento diminuído, capacite PSP (Polícia de Segurança Pública) e

GNR (Guarda Nacional Republicana) para darem formação aos gestores de segurança dos clubes locais. Mas

será que o número já parco e de agentes de segurança e o trabalho que lhes está adstrito lhes vai permitir dar

uma resposta célere às necessidades locais de formação e de acompanhamento de competições?

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Bem lembrado!

A Sr.ª Inês Barroso (PSD): — No que respeita às medidas de penalização, o PSD tem dúvidas, também, na forma como vão ser penalizados os clubes visitantes por comportamento inapropriado dos seus adeptos e, até,

no modo como os clubes de formação ou níveis de competição regional vão operar para controlar e interditar a

entrada de elementos identificados como «violentos» nas instalações desportivas de outras modalidades.

É por estas e outras dúvidas que o PSD, numa atitude de grande responsabilidade, não deixará de apresentar

contributos, em sede de especialidade, para que esta matéria, tão importante, possa ser profundamente

debatida e tratada em termos legais, a fim de uma maior eficácia na erradicação da violência associada ao

fenómeno desportivo, que urge fazer acontecer em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, cumprimento as S.ras e os Srs. Deputados, bem como os Srs. Membros do Governo aqui presentes. Apesar do tema em debate ser a violência no desporto,

gostaríamos de começar com uma nota positiva, saudando a Seleção Nacional de Futebol Feminino, que

alcançou um feito inédito, apurando-se para o Mundial, o que, de facto, deve constituir um motivo de orgulho e

relembrar-nos aquilo que estamos precisamente a discutir.

Estamos a discutir o desporto, que deve ter uma componente e uma dimensão de cooperação, de festa e de

alegria, e não de violência. E, por isso, tal como já discutimos várias vezes nesta Casa, devemos envidar todos

os esforços para erradicar a violência que se verifica em contexto desportivo. Mas este combate não pode, de

forma nenhuma, pôr em causa os direitos de todos os outros adeptos que não se reveem nem se traduzem nos

comportamentos que estamos aqui, não só a procurar mitigar, como também censurar.

Nesse sentido, quanto às limitações que encontramos no artigo 14.º, nomeadamente no que se refere a

manifestação de cariz político, parece-nos incompreensível que, a reboque de uma problemática séria, que deve

merecer respostas sérias, se venha limitar a liberdade política. Portanto, há aqui uma questão que caberá ao

Sr. Secretário de Estado esclarecer, porque, de facto, não podemos acompanhar esta dimensão.

Estamos inteiramente disponíveis para o trabalho em sede de especialidade, porque acompanhamos as

preocupações das várias iniciativas, ou seja, acreditamos na bondade das iniciativas e que as mesmas são

necessárias, e, por isso, entendemos que, em especialidade, deve haver um caminho para limar aqueles que

são os aspetos que, no nosso entender, são absolutamente inaceitáveis.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Dinis.

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O Sr. Francisco Dinis (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, esta tarde, um tema fundamental para o desporto nacional. O combate à violência foi sempre uma

prioridade do Partido Socialista e este sempre se posicionou na linha da frente para encontrar soluções para um

cenário difícil, complexo e de dimensão crescente.

Por isso, é com satisfação que debatemos uma proposta de lei do Governo que reforça os mecanismos desse

combate e que, acreditamos, terá um impacto significativo e muito positivo. É indiscutível a necessidade de

atuação e adoção de políticas eficazes para resolver um problema que mancha o desporto em Portugal. De

várias origens…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, desculpe interrompê-lo, mas há muita agitação e vamos esperar um bocadinho para que a agitação diminua.

Eu sei que o tema é excitante, mas…

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Parece um estádio de futebol!

Pausa.

O Sr. Presidente: — Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Dinis (PS): — Sr. Presidente, como dizia, é indiscutível a necessidade de atuar e de adotar políticas eficazes para resolver um problema que mancha o desporto nacional.

De várias origens e embora com uma maior incidência numa modalidade, a verdade é que é transversal à

realidade nacional e abrange várias gerações.

Mas se reconhecemos a urgência destas políticas, devemos também reconhecer o trabalho que tem vindo a

ser feito nesta matéria. Como consequência disso, temos em mãos um mecanismo que pode fazer a diferença,

criando contextos desportivos mais seguros e mais protegidos. Existe hoje uma autoridade com

responsabilidade no cumprimento do regime jurídico de segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à

intolerância nos espetáculos desportivos. A Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto

apresenta-se como indispensável para uma melhor resposta na prevenção e fiscalização. E basta olhar para os

números para entender esta relevância.

Desde a sua entrada em funções, em 2019, constatam-se 1800 decisões condenatórias definitivas e 590

adeptos com medida cautelar ou acessória de interdição a recintos desportivos. E convém ainda lembrar que

houve um largo período em que os recintos não tiveram qualquer público.

A violência no desporto tem tido o confronto da parte das autoridades e também estas, mais uma vez, não

podem alhear-se à continuidade na luta a estes fenómenos, vendo reforçados os seus meios de atuação com o

pacote legislativo.

Ao mesmo tempo, a Assembleia da República, chamada a discutir, deve posicionar-se de forma clara contra

todas e quaisquer posições que, direta ou indiretamente, promovem comportamentos que colocam em causa

um ambiente livre de discriminação e de violência. Ainda assim, temos de estar bem cientes do âmbito em que

estas ocorrem.

Não nos podemos esquecer de que os grandes acontecimentos, os mais graves, sucedem fora dos recintos

desportivos, e é neste contexto que são determinantes as medidas apresentadas: por um lado, as que visam a

prevenção e, por outro, as do combate. Sendo ambas cruciais, permitam-me destacar algumas que estou certo

de que vão fazer a diferença.

Ora, no que diz respeito à prevenção, saliente-se a obrigatoriedade, como já foi referido pelo Sr. Secretário

de Estado, de um gestor de segurança, figura que já está prevista na lei e à qual será atribuída uma maior

responsabilidade e um maior poder, enquanto representante do promotor do espetáculo desportivo. Reforçará

a segurança e a proteção dos espetadores, mais concretamente, nos eventos de risco normal ou reduzido.

Já no combate, é inevitável sublinhar a importância de a prática de infração levar à medida de interdição de

acesso aos recintos, independentemente das modalidades. O que acontece atualmente é que essa prática

apenas impede o adepto de entrar na modalidade em que essa infração foi realizada. Por isso, não fazendo

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sentido que o autor em causa possa continuar a frequentar outras modalidades, apesar do comportamento

censurável, o crime impedirá a frequência de espaços desportivos, ao invés de apenas na modalidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): ⎯ É uma boa repetição do discurso do Secretário de Estado!

O Sr. Francisco Dinis (PS): — Depois, é também relevante falar na criminalização do apoio a grupos organizados de adeptos não registados ou dos apoios não declarados nos protocolos com estes. Não podemos

permitir que estes grupos organizados continuem à margem da lei. É, por isso, imperativo que se criminalize o

apoio aos adeptos que não tenham registo válido. Ao mesmo tempo, é também importante criminalizar o apoio

não declarado nos protocolos entre promotores e grupos organizados de adeptos.

Sr.as e Srs. Deputados, estas medidas não vão dar tréguas a um problema que mancha o desporto nacional

e vão mudar a realidade que temos.

De passar a ser possível responsabilizar os clubes pelos comportamentos dos adeptos nas condições de

visitantes aos crimes de dano que, quando em contexto de grupos de adeptos, passam a ser crimes públicos,

temos uma proposta de lei que contribuirá, em muito, para combater e eliminar situações nas quais ninguém se

pode rever. Aliás, é uma proposta de lei que tem recolhido grande aceitação e elogios dos intervenientes e

responsáveis do meio, o que reflete o trabalho feito e que temos agora em mãos.

Reconheçam-se a violência, o racismo, a xenofobia e a intolerância como problemas de todos e que não têm

lugar no nosso País. Por um desporto como um exemplo para a nossa sociedade!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, para intervir pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar a seleção feminina de futebol —…

A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares (Ana Catarina Mendes): — Muito bem! Ainda bem que o faz!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … e não de futebol feminino, porque futebol é só um — pela enorme vitória de ontem e pelo apuramento para o Mundial de Futebol.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Aprendam! Aprendam!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Olha, vais jogar à bola assim, de muletas?!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Que esta vitória nos inspire também a caminhar, no desporto como na sociedade, os caminhos da igualdade.

Protestos do CH.

A violência no desporto é transversal a várias modalidades e a várias camadas. Implica agentes

desportivos,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … implica adeptos, implica atletas, vai desde as camadas de formação até ao desporto profissional.

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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!

Protestos da Deputada do CH Rita Matias.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O Bloco de Esquerda participou sempre nos debates sobre a violência no desporto e, sobre isso, há duas coisas que queria destacar.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): ⎯ Vocês só têm cinco para jogar!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Em primeiro lugar, não pode ser permitido dentro do recinto desportivo aquilo que é proibido fora do recinto desportivo. Manifestações racistas, manifestações contra a igualdade,

manifestações de teor xenófobo ou de incitamento à violência não podem, em nenhuma circunstância, ser

toleradas dentro de um recinto desportivo.

Aplausos do BE e do PS.

É por isso que casos como aquele que aconteceu com o jogador do Futebol Clube do Porto Marega, quando

os adeptos do Vitória de Guimarães imitaram sons de macacos ao verem o desportista, o atleta do Futebol Clube

do Porto — casos desses em que toda a gente menos André Ventura consegue ver racismo —,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ah!…

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … não podem ser tolerados.

Aplausos do BE e do PS.

Protestos do CH.

Casos desses não podem ser tolerados, porque a Constituição diz que constituem crimes de ódio, de discurso

de ódio, também fora do estádio. E é por isso que dizemos que também não podem ser confundidos com

manifestações político-ideológicas, porque uma manifestação, uma bandeira pela paz, uma bandeira LGBT

(Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero), uma bandeira antirracista ou uma bandeira democrática dentro de

um estádio são um exercício de cidadania que tem de ser respeitado.

Protestos do CH.

A segunda matéria que queríamos tratar aqui tem a ver com a segurança num ambiente que se mostrou

particularmente violento. Aí, há duas questões. Uma é a de não insistirem em medidas que, claramente, não

resultam e criam conflitualidade: Cartão do Adepto, espaço reservados, tudo isso cria a ideia de que a violência

no ambiente desportivo é tolerada, desde que seja num recinto fechado ou dentro de um grupo fechado.

O que queremos é erradicar a violência em ambiente desportivo.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Para isso, há uma matéria que para nós é essencial, que é a de garantir a clareza da relação entre os clubes e os grupos organizados de adeptos.

Ser adepto não é um crime. Eu também sou adepta de vários clubes, em várias modalidades.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não és nada, sabes lá o que é isso!

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A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É preciso preservar o direito de associação desses adeptos, mas direito de associação não é direito de associação criminosa e as claques, muitas vezes, provaram ser associações

criminosas, em muitas matérias.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Essas associações, sim, têm de ser controladas, quando se identifica que estão ligadas historicamente a práticas criminosas.

Portanto, resumo desta forma: não tolerar dentro do recinto desportivo aquilo que não é permitido fora, mas

combater o fenómeno especial da violência desportiva que tem acontecido no nosso País.

Aplausos do BE.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Dizer «Maregá» é racismo! É Marega!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Vamos fazer um jogo de futebol!

O Sr. Presidente: — Torno a pedir menos ruído na sala. Dou agora a palavra ao Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre, para uma intervenção.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Boa tarde a todas e a todos. Há pouco, os ânimos exaltaram-se…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ah!…

O Sr. Rui Tavares (L): — … e confesso que me inquietou, porque comecei a pensar que, para discutir claques, era preciso que nos comportássemos aqui como claques.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não podes, és só um!

O Sr. Rui Tavares (L): — Assim, confesso que não sou capaz de o fazer. O entusiasmo que tenho pelo meu clube ou pelo futebol não o trago para aqui, porque esse entusiasmo, que

traz consigo alguma parcialidade e vontade de querer estar sempre do mesmo lado, não o devo ter nesta Sala,

onde devo ter alguma imparcialidade e capacidade de ver a evolução real da cultura do futebol, dos estádios e

do desporto no nosso País, comparada com a de há alguns anos e com a de outros países, que é como se deve

fazer.

Protestos do Deputado do CH Filipe Melo.

E, se calhar, com um critério que toda a gente percebe, que é o da capacidade e vontade de levar filhos ao

estádio, ou não. Em certos países, na América Latina, não o faria, mas na Europa, em geral, faria, à vontade —

há uns anos não o faria e agora faço-o,…

O Sr. Filipe Melo (CH): — Tu não vais à bola! Vais ao balé!

O Sr. Rui Tavares (L): — … e em determinadas camadas desportivas também não o faria —, o que quer dizer que alguma coisa foi bem feita nos últimos anos.

Esta atitude de que tudo o que o Estado faz e tudo o que se pode fazer acerca da política é sempre repressivo

e dá sempre errado é uma coisa que, basicamente, nos atiraria para um período em que não se poderia ir ao

estádio, e isso devemos rejeitar.

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Protestos do Deputado do CH Filipe Melo.

Com erros e com acertos, a verdade é que, hoje em dia, a cultura desportiva, em Portugal, é muito mais

sadia do que já foi.

Gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado. Nem na lei nem no site do Parlamento há

qualquer indicação de que, na redação desde diploma, tenham sido ouvidas entidades do setor,…

O Sr. André Ventura (CH): — Estás a falar bem!

O Sr. Rui Tavares (L): — … o que, aliás, é de estranhar, uma vez que o próprio Sr. Secretário de Estado foi dirigente desportivo,…

Protestos dos Deputados do CH Filipe Melo e Pedro Pinto.

… e a pergunta que gostaria de lhe fazer — nomeadamente quando tivesse condições para a fazer, porque

assim é difícil! —…

Protestos do Deputado do CH Filipe Melo.

… é esta: não acha que se deve aprender com o erro do Cartão do Adepto e abrir um período de auscultação

do setor antes de avançar com estas medidas?

Protestos do CH.

De resto, algumas são corretas. Na especialidade, procuraremos corrigir as outras.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Já acabaste?!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É sempre igual! Sempre a mesma coisa!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, torno a pedir, pela terceira vez, a contenção necessária nesta Assembleia e recomendo vivamente aos Srs. Deputados no uso da palavra que, quando entenderem que não

têm condições, parem, porque os serviços param automaticamente de contar o tempo e os Srs. Deputados terão

o tempo necessário para que os vossos argumentos possam ser expendidos,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Isso ele já tem!

O Sr. Presidente: — … pois foi para isso que as pessoas vos elegeram.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Para o Chega é que não para o tempo!

O Sr. Presidente: — Dou agora a palavra ao Sr. Deputado Bernardo Blanco para intervir em nome da Iniciativa Liberal.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, pergunto-lhe se tem ido assistir a eventos desportivos, não nas tribunas, mas mesmo assistir a eventos desportivos, para ver os resultados da lei

atual.

Protestos do Deputado do BE Pedro Filipe Soares.

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Porque pela lei atual, basicamente, em muitos estádios, há uma zona completamente vazia. Foi isso que

conseguiram. O Cartão do Adepto acabou, as zonas continuaram e, hoje em dia, para se levar uma bandeira

maior do que isto,…

O orador abriu os braços para ilustrar a dimensão do objeto a que se referiu.

… temos de ir para uma zona com muros e grades e, por isso, é óbvio que as claques disseram «não vou

para ali».

Por isso, hoje, temos grupos espalhados pelos estádios, o que é muito pior em termos de segurança — todos

os clubes o dizem — e é mau também em termos comerciais, porque temos uma zona do estádio vazia.

Esta lei é completamente impraticável — é isso que todos os clubes dizem —, é completamente populista na

parte penal, mas já lá irei, está completamente desligada da realidade e está muito mal feita.

Não tenho tempo, sequer, para falar de um décimo das coisas, mas temos os setores normais, temos as

zonas especiais e a lei ainda diz que pode haver zonas para os GOA. Entretanto, há não sei quantas zonas que

a lei prevê… Nem sei como é que é possível, sequer, fiscalizar. Aliás, não é!

Infelizmente, há tanta coisa na lei que nem é sequer possível fiscalizar, e isso até me dá alguma segurança.

Estão ali coisas tão disparatadas, que eu sei que na prática não acontecem, que isso, infelizmente, até é positivo

em muitos casos.

Quanto ao populismo penal desta proposta, é muito elevado. Aliás, aumentam-se várias penas e acaba-se

com o trabalho comunitário, logo aí é um sinal daquilo que se pretende.

Por exemplo, criminaliza-se o apoio. Se um clube quiser organizar 10 autocarros para uma deslocação a um

jogo fora, isso é apoio, logo, é criminalizado.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Não é nada disso!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — É criminalizado, está lá! Tem de ir ver a lei! É criminalizado, quando toda a gente sabe que levar 10 autocarros é muito mais seguro do que termos 200 ou 300 carros na estrada,

obviamente.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Não é nada disso! Não estudou!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Está lá! Aliás, aquilo está tão vago que é qualquer apoio material a adeptos — não é a grupos de adeptos, é a adeptos.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Desculpem, tem de haver o mínimo de exigência no debate!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Por isso, as câmaras municipais podem organizar autocarros para uma final da Taça, mas se for um clube é crime.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Não é nada disso!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — E é crime até três anos! Um dirigente pode ser punido até três anos. Outro tipo de penas ridículas que lá estão: um adepto que entre em campo nos festejos de um golo, por

exemplo, pode ser punido com pena de prisão até dois anos. É o mesmo que no aliciamento sexual de menores!

Isto tem algum sentido?

Aliás, o PS falava aqui da APCVD. O que é que diz o Sr. Presidente da APCVD? Diz: «Não aumentem as

penas.»

Estamos há mais de 10 anos a aumentar penas, a aumentar sanções, e não tem resultado, não tem sentido

nenhum. Se a APCVD é assim tão importante, porque é que estão a fazer exatamente o contrário do que ela

diz?

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O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Não se percebe! Não se percebe!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Vote a favor e vai perceber!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Depois, obviamente que há uma série de outras coisas. Por exemplo, falaria, muito rapidamente, da venda de cerveja, que, em toda a Europa, acontece nos estádios. Todos os estudos

dizem que é mais seguro, porque as pessoas ficam menos tempo fora do estádio, facilita a logística, facilita a

entrada e as pessoas não ficam a beber até cair, até ao último minuto do jogo.

Portugal é dos poucos países da Europa que não o permite.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Legalize a cerveja!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Não faz sentido nenhum, além de que todos os clubes são a favor dessa proposta.

Mais, a lei faz com que os clubes sejam uma espécie de pais dos adeptos, de responsáveis judiciais por

aquilo que os adeptos fazem. Quer dizer, o adepto diz uma coisa e o clube pode ser punido! O clube é punido

— passe a parte da liberdade de expressão e a parte do registo, que já devia ter acabado, etc. — pois, em tudo

o que os adeptos façam, os clubes têm deveres de vigilância e deveres de educação.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): ⎯ Vou terminar, Sr. Presidente. O clube é, basicamente, pai do adepto e, depois, é responsabilizado judicialmente por o que 1 adepto entre

3 milhões, no caso de alguns clubes, faz? Mas qual é a responsabilidade do clube na atuação do adepto? Isto

tem alguma lógica?!

Sr. Presidente, vou terminar, muito rapidamente, dizendo que não trouxemos nenhuma proposta, hoje,

porque estamos há muitos meses a fazer o que o Governo devia ter feito.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Não fizeram o trabalho de casa!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Estamos a reunir com dezenas de clubes, GOA e associações, porque o Sr. Secretário de Estado não fez o trabalho de casa. Todos arrasaram esta proposta de lei e nós estamos a fazer

uma proposta em condições, que depois podemos apresentar e eu até lha posso fornecer, com informações de

todos os clubes, associações e GOA.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristiana Ferreira.

A Sr.ª Cristiana Ferreira (PSD): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Cumprimento a Sr.ª Ministra, o Sr. Secretário de Estado e as Sr.as e Srs. Deputados.

A iniciativa do PCP, hoje em debate, visa alterar o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à

xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com

segurança.

E como pretende o PCP fazê-lo? Para o PCP basta eliminar as zonas com condições especiais de acesso e

permanência de adeptos.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não é nada disso!

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A Sr.ª Cristiana Ferreira (PSD): — A posição do PSD sempre foi e continuará a ser a de apostar numa atitude preventiva, não exclusivamente punitiva, salvaguardando os princípios da universalidade, da igualdade

e da ética desportiva. Precisamente porque a ética desportiva tem de prevalecer, em nenhuma circunstância

podemos pactuar com qualquer tipo de violência que se registe dentro e fora dos recintos desportivos, de todas

as modalidades, nomeadamente nas camadas jovens — um fenómeno altamente preocupante.

Por isso, antes da punição, é necessário continuar a apostar, de forma clara e inequívoca, na prevenção.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não sabem o que querem!

A Sr.ª Cristiana Ferreira (PSD): — Evidentemente que estamos perante uma matéria dinâmica, que necessita de atualização permanente, mas que carece de medidas efetivas e reais e não apenas de princípios,

porque quanto a esses estamos todos de acordo, o que o PCP desconsidera na sua proposta, uma vez que

nada propõe em alternativa.

A existência de zonas físicas de assistência de adeptos num recinto desportivo pode ser justificada por razões

de organização do espaço e de segurança, mas não ignoramos as dificuldades que continuam a existir na

implementação desta medida, porque a realidade também não é uniforme.

Mas será que com a supressão destas zonas se eliminam os problemas?

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Então as zonas servem para quê?

A Sr.ª Cristiana Ferreira (PSD): — Não cremos, mas estamos disponíveis para soluções efetivas e para melhorar as zonas com condições especiais de acesso. Para isso, sim, estamos disponíveis.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não sabem o que querem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Tem 5 segundos!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Quase no encerramento deste debate, podemos dizer, uma vez mais, que esta proposta não é boa para o

desporto.

Tivemos aqui vários momentos no debate: tivemos o GOA, grupo organizado de adeptos, do Partido

Socialista muito nervoso, uma coisa que até não é normal, mas hoje estavam extremamente nervosos; depois,

tivemos a Iniciativa Liberal a bater palmas ao PCP, uma coisa quase inédita e de realçar no final deste debate;

e tivemos o Partido Socialista a bater palmas ao Bloco de Esquerda, como se fosse o reativar daquela coligação,

da famosa geringonça, tão do agrado de uns e de outros.

Isto foi o que se passou aqui!

Mas o importante neste debate era falar sobre os projetos de lei em discussão. Nós já falámos do nosso,

cremos que é um projeto que está muito bem feito e que é importante para o desporto em Portugal,…

Risos de Deputados do PS.

Se, em vez de se estarem a rir — como está o Sr. Deputado Porfírio Silva, que está sempre muito satisfeito,

a rir-se ali atrás —, os Srs. Deputados lessem o projeto saberiam que era importante para o desporto em

Portugal, até para complementar esta proposta de lei do Governo.

Quanto às mensagens políticas nos estádios, como aqui se falou, qual é o problema? Parece que dos

políticos não se pode falar! Ai, ai, ai, que se está a falar dos políticos!… Ai, ai, ai, a classe política!…

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Eu percebo que a classe política, envergonhada, em teias de corrupção, como tem sido visto nas

televisões,…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — … às vezes, tenha dificuldade em falar, mas qual é o problema de haver nos estádios algumas coisas referentes à classe política?

Aplausos do CH.

Sr.ª Deputada Joana Mortágua, não venha com o seu feminismo bacoco, porque aqui não cola.

Aplausos do CH.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Estudasse!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Aliás, nunca pode colar, nem pode passar, quando os senhores são cinco, são uma equipa futsal, e nós somos uma equipa de futebol de onze. Aliás, somos doze, até temos um suplente.

Aplausos do CH.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Mas levam uma abada! Levam uma abada!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O Ventura já levou uma do Quaresma!

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Que fique claro que esta proposta de lei é o produto de um grupo de trabalho formado pelo Governo com as

federações desportivas cujas modalidades têm incidências de violência no desporto e também com

organizações de cúpula desportiva.

Não há nenhuma proposta de lei que o Governo possa trazer à Assembleia da República na área do desporto

sem passar pela auscultação do Conselho Nacional do Desporto, que é constituído por cerca de 50 entidades e

personalidades representativas do setor do desporto.

Aplausos do PS.

Portanto, esta proposta de lei passou no crivo do grupo de trabalho, passou no crivo do Conselho Nacional

do Desporto, que, repito, é constituído por cerca de 50 entidades e personalidades representativas do setor do

desporto.

Protestos do Deputado da IL Bernardo Blanco.

Em segundo lugar, que fique claro que o Cartão do Adepto é passado, mas a violência no desporto é presente

e é urgente combater a violência no desporto.

Aplausos do PS.

Protestos da Deputada do PCP Alma Rivera.

O PCP veio ao debate errado, Sr.ª Deputada. Estranhamente, o PCP veio ao debate errado!

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Em primeiro lugar, as restrições relativamente a manifestações ideológicas não estão nesta proposta de lei,

Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Estão na lei!

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Não estão nesta proposta de lei.

Protestos da Deputada do PCP Alma Rivera.

Como também o seu combate à criminalização da pirotecnia é um combate a uma medida que não está

nesta proposta de lei.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Está noutra!

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Repito: a proposta da criminalização da pirotecnia não está nesta proposta de lei. O Governo defende-a, como é evidente. Ela foi aprovada e virá à

Assembleia da República numa outra proposta de lei, mas o discurso do PCP é o discurso no debate errado.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não tem vergonha dessa proposta?! Devia ter!

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Como também aquilo que une a Iniciativa Liberal e o Chega, que é a proposta de generalização do consumo das bebidas alcoólicas em recintos

desportivos.

Protestos da IL.

Hoje, o consumo das bebidas alcoólicas só é utilizado em locais restritos e reservados.

Protestos do CH.

O que propõem o Chega e a Iniciativa Liberal como grande medida de combate à violência no desporto é

alargar, é generalizar o consumo de bebidas alcoólicas em todos os recintos desportivos.

Aplausos do PS.

Protestos da IL e do CH.

Esta é a grande ideia do Chega e da Iniciativa Liberal em termos das medidas de combate à violência no

desporto.

Sr.as e Srs. Deputados, o desporto é para ser celebrado, é para ser festejado. A missão de combater a

violência no desporto é uma missão que nos convoca a todos,…

Protestos da Deputada do CH Rita Matias.

… ao Governo, que está aqui a assumir a sua responsabilidade e a dar o seu contributo, à Assembleia da

República, aos organizadores das competições desportivas, aos clubes, aos dirigentes, aos adeptos e a todos

os agentes desportivos.

O Governo está a fazer a sua parte.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): ⎯ Não está, não!

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O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — O desporto é para ser celebrado, como ainda ontem festejámos todos o apuramento da nossa seleção feminina para o Campeonato do Mundo,…

Aplausos do PS.

… que foi um feito histórico para o nosso desporto e mais um contributo para a afirmação do desporto

português na cena internacional.

Mas para isso precisamos de mais segurança nos recintos desportivos, não precisamos de propostas como

as que a Iniciativa Liberal e o Chega aqui trouxeram,…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): ⎯ Ai, precisamos, precisamos!

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — … com uma grande bandeira que é a de generalizar o consumo de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não sabe do que está a falar!

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Bernardo Blanco pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, queria fazer um protesto.

Vozes do PS: — Eh, lá!

O Sr. Presidente: — Para um protesto?

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Está no Regimento!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, está no Regimento, mas pode ser uma interpelação à Mesa…

O Sr. Presidente: — Deixe-me só informar o Sr. Deputado para que o Sr. Deputado possa, de forma informada, tomar as opções que entender.

O Sr. Deputado tem todo o direito de fazer um protesto, que será descontado no tempo do seu grupo

parlamentar. Como o seu grupo parlamentar não tem tempo, a operação torna-se um pouco difícil, mas podemos

sempre recorrer aos números negativos.

Se o Sr. Deputado quiser fazer uma interpelação à Mesa, é sobre a condução dos trabalhos e tem de ter a

maçada de me interpelar em mim.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Certo, Sr. Presidente, quero fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria agradecer essa informação sobre o protesto.

Em segundo lugar, a figura regimental até pode ser a da defesa da honra, porque o Sr. Secretário de Estado

disse que a grande ideia que nós tínhamos apresentado para a violência no desporto era a cerveja, e eu quero

responder a essa acusação.

O Sr. Presidente: — Sendo assim, se V. Ex.ª quiser fazer a defesa da honra da bancada, tem o direito de a fazer imediatamente; se quiser fazer a defesa da sua honra, tem de esperar pelo tempo oportuno.

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O Sr. Bernardo Blanco (IL): — É a defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — A bancada foi ofendida na sua honra…

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Foi, foi!

O Sr. Presidente: — Vamos então averiguar, com cuidado, o motivo dessa ofensa. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, dizer que a grande ideia que a Iniciativa Liberal apresentou em 5 minutos de intervenção sobre esta temática do desporto foi a cerveja é claramente ofensivo.

Mas, já agora, quero dizer muito rapidamente que, na realidade, a cerveja, que é permitida em toda a Europa,

em Portugal só é permitida nos camarotes e nas tribunas onde o Sr. Secretário de Estado se senta — para o

resto da população não é!

Aplausos da IL.

O Sr. Secretário de Estado disse que o Cartão do Adepto é passado e que a violência é presente, mas, antes,

disse também que a violência acontece fora dos estádios, o que está certo.

Por isso, o Cartão do Adepto não tinha nada que ver com a violência, foi mal feito.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — É a defesa de honra de quem?

O Sr. Bernardo Blanco (IL): ⎯ As zonas, hoje, não têm nada a ver com a violência, por isso é que estão vazias e são uma estupidez que mata o espetáculo.

Em último lugar, quero referir que a participação na elaboração desta proposta de lei pode ter sido ampla,

mas, certamente, não incluiu os clubes, nem os GOA, nem as organizações e as associações, porque nós temos

falado com todos e nenhum disse que foi envolvido. Todos disseram que não foram ouvidos e que discordam

totalmente da proposta.

Aplausos da IL.

Protestos de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Para dar satisfações, querendo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Sr. Presidente, Sr. Deputado da Iniciativa Liberal, percebo bem o seu embaraço,…

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Embaraço?!

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Percebo bem o seu embaraço, porque o seu embaraço resulta da falta de ideias para um tema que é urgente da nossa sociedade, que é o de combater a

violência no desporto.

A grande proposta da Iniciativa Liberal é a generalização do consumo de bebidas alcoólicas nos recintos

desportivos. Foi a sua grande ideia!

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): ⎯ Mais vale não fazer nada do que fazer isto!

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O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Mas aproveito a boleia do seu pedido de defesa da honra da bancada para dizer o seguinte: o Sr. Deputado tinha de ter mais rigor na sua intervenção,

porque a proposta de criminalização do apoio ilegal aos grupos organizados de adeptos não contempla o

exemplo que deu.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Ai, contempla!

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Se um clube quiser apoiar com autocarros o seu grupo organizado de adeptos, se inscrever no protocolo um apoio legal, não é criminalizado, Sr. Deputado.

Protestos do Deputado da IL Bernardo Blanco.

Este debate exige rigor! Exige transparência, exige rigor!

Aplausos do PS.

Protestos da IL.

A sua intervenção é o retrato do embaraço e da desilusão da prestação da Iniciativa Liberal num tema que

diz muito à nossa sociedade.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): ⎯ Temos de ir ao videoárbitro!

O Sr. Presidente: — Então, agora, temos dois pedidos de uso da palavra, do Sr. Deputado Pedro Pinto e do Sr. Deputado Bernardo Blanco.

O Sr. Deputado Pedro Pinto pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: — Se é para uma interpelação à Mesa, então, faça o favor de me interpelar a mim, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, gostaria que fosse entregue ao Sr. Secretário de Estado… Ele fala tanto fala em rigor que devia vir preparado para este debate.

Protestos do PS.

Vou informá-lo de que neste debate estão a ser discutidas três iniciativas: uma proposta de lei do Governo,

um projeto de lei do Chega e o outro do PCP. A Iniciativa Liberal não apresentou nenhum projeto de lei.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Eu falei em ideias!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Portanto, aquele rigor de que o Sr. Secretário de Estado fala está errado, porque projetos de lei são o do Chega e o do PCP.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, os documentos em apreciação estão disponíveis para todos. O Sr. Deputado Bernardo Blanco pediu a palavra para que efeito?

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O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, queria distribuir à bancada do Governo, nomeadamente ao Sr. Secretário de Estado, o artigo 34.º-A da proposta de lei do Sr. Secretário de Estado, que é relativo ao apoio

ilícito.

Vou repetir o que disse na intervenção, porque, com rigor, eu disse que não eram grupos organizados de

adeptos, eram adeptos..

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, o seu pedido será satisfeito.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Secretário de Estado, uma coisa é o apoio a adeptos, outra coisa é o apoio a grupos organizados de adeptos.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): ⎯ Um clube, hoje em dia, não pode organizar um autocarro de adeptos!

Protestos do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto.

Exatamente, pois não. Obrigado por reconhecer que se enganou e que eu estava certo.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: — Não é nada disso!

Aplausos da IL.

Protestos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): ⎯ Acabem com a cerveja na Assembleia, porque isto está a correr mal!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluímos assim o primeiro ponto da nossa ordem do dia.

Passamos à apreciação, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 484/XV/1.ª (BE) — Altera a idade máxima

do adotando (alteração à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro e ao Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro),

507/XV/1.ª (PCP) — Retoma das medidas de acolhimento e programa de autonomização de crianças e jovens

em perigo (quinta alteração à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, que aprova a Lei de Proteção de Crianças e

Jovens em Perigo), 508/XV/1.ª (PCP) — Alarga a possibilidade de adoção de crianças até aos 18 anos (primeira

alteração à Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro e ao Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro), 529/XV/2.ª

(CH) — Altera o Código Civil, o Regime Jurídico do Processo de Adoção e o Código do Trabalho com o objetivo

de reduzir o número de crianças institucionalizadas garantindo-lhes um processo de adoção célere e bem-

sucedido, 534/XV/1.ª (PAN) — Aumenta a idade máxima do adotado para os 18 anos, procedendo à alteração

do Código Civil e do Regime Jurídico do Processo de Adoção, 537/XV/1.ª (L) — Clarifica a possibilidade de

casais unidos de facto poderem adotar, diminui a idade mínima de adotantes, aumenta a idade máxima de

adotados, diminui a idade de consentimento do adotado, remove a dispensa de consentimento e de audição de

pessoas neurodivergentes ou com doença mental e introduz a possibilidade de integração de profissionais da

área da igualdade de género nas equipas técnicas de adoção e 541/XV/1.ª (IL) — Modifica o Processo de

Adoção, alargando a idade máxima do adotando para os 18 anos (altera o Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de

novembro, a Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro e a Lei n.º 147/99, de 1 de setembro), juntamente com o Projeto

de Resolução n.º 440/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a adoção de políticas integradas e céleres de

promoção da adoção.

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Para apresentar o Projeto de Lei n.º 484/XV/1.ª, do Bloco de Esquerda, vai ter a palavra o Sr. Deputado

Pedro Filipe Soares, a quem peço que espere o tempo que for indispensável para que iniciemos este debate

sobre um tema que não é menos importante do que o anterior.

Pausa.

Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: o Bloco de Esquerda agendou para debate alterações ao regime legal aplicável à adoção.

A adoção, como é prevista neste regime legal, implica um vínculo legal que é semelhante ao da filiação

biológica, mas sempre realizado no superior interesse da criança. Nesse regime legal, há 30 anos, foi instituído

como limite de idade para adoção que a criança tivesse, no máximo, 15 anos à data do respetivo requerimento.

Acreditamos que essa norma está ultrapassada e que carece de revisão. Está ultrapassada, porque a

sociedade atual mudou, já não é igual à de há 30 anos. Está desatualizada, porque os direitos atuais de crianças

e jovens também se alteraram, quer no enquadramento nacional quer no enquadramento internacional. Está

ultrapassada, porque há novas formas de organização familiar que não estão devidamente enquadradas neste

regime.

Por isso, esta ideia anacrónica e até desumana de que se a criança tiver mais de 15 anos será mais difícil a

criação de laços semelhantes aos da filiação, e que por isso se institui essa limitação legal, para nós, não tem

nenhuma relação com a realidade.

Podemos perguntar, muito simplesmente: uma criança com mais de 15 anos não consegue criar laços

emocionais? Não consegue amar? Não consegue vincular-se a outros, a uma nova família?

Creio que todos nós somos unânimes nas respostas a estas perguntas e foi por isso que o Bloco de Esquerda

agendou este debate e fez esta proposta de alteração.

Sabemos que as crianças que têm mais de 15 anos e menos de 18, e por isso ainda são crianças, e que

estariam disponíveis para adoção — mas tal não pode acontecer por impedimento legal — estão condenadas à

institucionalização. E creio que todos reconhecemos que isso não é o que desejamos para cada uma das

crianças em causa.

Este regime com esta limitação pode levar, até, em casos concretos que já conhecemos porque que nos

foram denunciados, à separação de irmãos, porque uns, com mais de 15 anos, ficam institucionalizados e outros,

com menos de 15 anos, são entregues a famílias de adoção. Esta realidade, concreta e existente, motivou já

iniciativas de outros partidos políticos e, espero eu, levará a uma alteração do regime legal em vigor.

Compete dizer — até para enorme transparência e para a salvaguarda do que é fundamental, que é o superior

interesse da criança — que esta mudança legal não obriga à entrega de crianças a famílias caso se considere,

pelo projeto familiar, que a vida dessa criança e o futuro que a esperaria ao entregá-la a essa família seria

manifestamente lesivo do superior interesse da criança.

O que estamos a mudar não são os procedimentos legais atualmente existentes que salvaguardam esse

superior interesse da criança, mas, apenas e só, que a limitação legal da idade máxima para adoção exista e

que seja um impeditivo. Por isso, esta alteração simples não atropela nenhuma das salvaguardas de defesa das

crianças que temos na lei e que pretendemos que continuem em efeito.

Queria terminar agradecendo à Associação AjudAjudar — Associação para a Promoção dos Direitos de

Crianças e Jovens, que reuniu com o Bloco de Esquerda e outros grupos parlamentares, que esteve, inclusive,

na 1.ª Comissão, na Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação, e foi quem deu origem a este processo

legislativo. Esse ativismo cívico merece, também, ser relembrado neste contexto, para que, espero eu,

possamos fazer esta alteração legal.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para apresentar os Projetos de Lei n.os 507/XV/1.ª e 508/XV/1.ª, do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera.

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A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP traz dois projetos de lei a debate, ambos focados no superior interesse da criança. Resultam muito da contribuição e do trabalho incansável de

cidadãos e das suas associações no sentido de melhorar o sistema de promoção e proteção de crianças e

jovens e, por isso, gostaríamos de os saudar.

Aplausos do PCP.

Assim, trouxemos a discussão de dois projetos: um projeto para alargar a possibilidade de adoção de

crianças e jovens até aos 18 anos — o que outros projetos também preconizam — e outro projeto que visa

admitir a possibilidade de retoma das medidas de acolhimento quando a saída do acolhimento se revele

precipitada, assim como criar um programa de autonomização que generalize a existência de percursos de

autonomização apoiados.

Sobre o primeiro, não existe hoje, à luz do que conhecemos, nenhuma razão de natureza jurídica, psicológica,

sociológica ou outra qualquer natureza que justifique a fixação da idade para adoção nos 15 anos, negando a

crianças com mais de 15 anos o direito a terem um projeto de vida, uma família adotiva onde possam ser

amadas, num ambiente de afeto e de felicidade como se filhos biológicos fossem, e é tempo de ultrapassar isto.

Relativamente à segunda iniciativa, apesar de estar prevista no nosso ordenamento jurídico a possibilidade

de duração das medidas de promoção e proteção até aos 21 ou 25 anos, no caso de existirem processos

educativos e de formação em curso, a partir dos 18 anos, os jovens podem optar pela sua cessação — o que

acontece, em larga medida, de forma precipitada e impreparada —, e esta decisão é, até ao momento,

irreversível.

A experiência empírica demonstra que essas saídas são baseadas, normalmente, em expectativas

irrealistas, mas compreensíveis, e que rapidamente se transformam em situações de vulnerabilidade extrema.

Vamos dar vida a essas situações, porque é de vidas concretas que estamos a falar.

Uma jovem saiu, aos 18 anos, da casa de acolhimento com a expectativa de voltar à família. A mãe, que

constitui a sua família, sofre de uma doença mental e tem internamentos muito prolongados. Cerca de um mês

depois de a jovem regressar, a mãe teve um surto e ficou internada. A jovem ficou em pânico, pois também ela

tem problemas do foro psicológico, e, vendo-se sozinha, sem poder regressar à casa de acolhimento, pensou

em abandonar os estudos — estudava no ensino superior —, mas, felizmente, foi possível encontrar uma

solução. Hoje ela está bem e a mãe continua internada.

Outro jovem que saiu do acolhimento para a vida em autonomia foi viver e trabalhar em Lisboa. A pandemia

fez com que o emprego não se efetivasse. Estava ainda à experiência e ficou sem emprego, sem apoios sociais,

sem casa, sem uma família a quem recorrer e sem poder voltar ao acolhimento.

Uma rapariga da zona de Oliveira de Azeméis saiu para viver com o namorado e a família dele, mas uma ou

duas semanas depois as coisas começaram a correr mal lá em casa. A relação deteriorou-se e ela foi-se

anulando perante ele e perante a família, de quem estava dependente porque não tinha para onde ir. Ficou

refém da relação, pois, se terminasse, não tinha namorado, não tinha casa, não tinha família, não tinha

alimentação.

Estas são as realidades que enfrentam muitos dos jovens que mais devem ser protegidos pelo Estado

português.

Quanto à proposta que aqui trazemos — além da proposta da elevação da idade de adoção para os 18 anos

—, que pode ser melhorada em sede de regulamentação e, efetivamente, ir mais além, apelamos para que seja

considerada a ideia de uma retoma das medidas de proteção e promoção, bem como a generalização de

programas acompanhados de autonomização.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 529/XV/2.ª, do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro dos Santos Frazão.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a falar, nesta Câmara, de adoção de crianças, mas nunca poderemos esquecer que a adoção é, e sempre será, uma resposta

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à perda sofrida por uma criança concreta — uma criança, um ser humano que se vê privado de um bem, da sua

família natural e biológica. Tenha poucos meses ou alguns anos, na vida dessa criança, a adoção deve ter

sempre um efeito de reparação, de reposição de uma perda.

A perda da família natural biológica é sempre insanável, mas o sucesso do vínculo parental com uma nova

família pode curar e cicatrizar esta perda, pois o verdadeiro amor pode tudo.

Sabemos que muitas das crianças que entram na lista para adoções estão lá por situações graves de

negligência, abusos e maus-tratos. Ora, combater os maus-tratos deve ser motivo para unir esforços na

prevenção e penalizar os criminosos com mão muito pesada. Quem maltrata as nossas crianças são os

monstros da sociedade, e só podem ser tratados como tal!

Aplausos do CH.

Esta Assembleia deve, de uma vez por todas, fazer uma escolha muito clara: ficamos realmente ao lado das

crianças, das vítimas e da justiça ou os agressores vão continuar a ser protegidos?

Sim, porque, até agora, às vítimas não dão quase nada, mas a estes monstros e agressores dão sempre

todas as liberdades e garantias, multas ridículas, penas suspensas, penas efetivas leves e que nunca são

cumpridas até ao fim. Depois, espantam-se muito com os níveis de reincidências no crime. É um espanto

desonesto, Srs. Deputados!

Sr. Presidente, Srs. Deputados, é preciso, hoje, ter coragem de afirmar três verdades nesta Câmara.

Primeira: a criança tem direito a ter uma família o mais próximo possível da sua família natural.

Segunda: a adoção não é um direito dos adultos ou, sequer, uma necessidade de um homem ou de uma

mulher.

Terceira: o Estado, que deve garantir a adoção à criança, nunca poderá garantir a entrega de uma criança a

um adulto, porque ser mãe ou ser pai nunca é um direito, é sempre uma possibilidade.

O Governo não pode atribuir direitos que não são da sua propriedade, e a vida humana não é propriedade

do Estado. A vida, Srs. Deputados, é sempre um milagre e, por isso, um dom que ninguém pode questionar ou

instrumentalizar.

Aplausos do CH.

É um dom que nasce nas famílias e que pertence às famílias.

Como o Governo não respeita estas três verdades, cada vez é maior o número de crianças adotadas que

são devolvidas, porque os processos colocam os adultos e as instituições em primeiro lugar.

O que também ninguém diz em Portugal é que há muitas crianças a serem retiradas às famílias apenas por

estas estarem pobres.

Este é o único Governo da Europa que institucionaliza crianças em vez de as ajudar no seio da sua família.

Há irmãos retirados às respetivas famílias, separados e distribuídos por instituições diferentes e muito distantes

entre si. Quem tem vários filhos ou irmãos que medite profundamente nesta dor.

Isto, Srs. Deputados, é uma miséria social.

Este Governo já tem sete anos, e as comissões de proteção de crianças e jovens (CPCJ) continuam sem

meios para trabalhar com as famílias para prevenir estas desgraças. As CPCJ vivem com os restos da

Administração Pública: têm técnicos que, muitas vezes, ali trabalham em conflito de interesses e só um dia por

semana; não têm viaturas para se deslocarem; estão sem profissionalização e sem uma coordenação nacional.

Em sete anos, os senhores deste Governo conseguiram criar um Provedor do Animal, mas foram

incompetentes em criar uma provedoria da criança!

Aplausos do CH.

Já há sete anos que era urgente repensar as CPCJ, criar uma provedoria da criança e elaborar um plano

nacional de prevenção contra os maus-tratos das crianças. Há sete anos que é urgente e todos os que têm

responsabilidade sabem-no muito bem.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados, infelizmente, as crianças em Portugal continuam a ser desprotegidas por

este Governo.

Em Portugal, sempre que uma mãe engravida, essa realidade faz aumentar o risco de pobreza da família,

empurrando as crianças para instituições ou para a adoção. Isto diz-nos bem o que é a ignominia do socialismo

e porque deve ser erradicado da Constituição da República Portuguesa.

Também o inverno demográfico devia ser combatido com medidas concretas e de apoio à natalidade. Não

se percebe como não se apoiam as mulheres grávidas, do princípio até ao fim, quando, ao mesmo tempo, se

pagam subsídios por interrupção da gravidez — crianças que podiam nascer, ser adotadas e viver. Para as

crianças, é sempre melhor ser adotado do que ser abortado.

Aplausos do CH.

Mas a maioria dominante que nos governa prefere o holocausto do aborto. Aliás, promove e subsidia a cultura

da morte.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Chega é a única força partidária deste Parlamento que defende a família,

o bem e a vida; é a única força que, verdadeiramente, quer combater o inverno democrático…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Ah, lá isso é verdade!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É a única força que quer combater o inverno demográfico e acabar com a pobreza, pois o socialismo é a fonte de toda a pobreza.

Só as medidas propostas pelo Chega sublinham como é urgente defendermos as nossas crianças, com

unhas e dentes.

Hoje e sempre, defenderemos o corpo e a alma das nossas crianças. Hoje e sempre, defenderemos as

crianças portuguesas, contra tudo e contra todos, com verdadeiras políticas de apoio à vida e às famílias

naturais.

Aplausos do CH, com Deputados de pé.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 534/XV/1.ª e o Projeto de Resolução n.º 440/XV/1.ª, do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos anos, a adoção mudou de paradigma no nosso País, privilegiando o superior interesse da criança, que é hoje o eixo central de

todo o processo que se guia pela máxima «uma família para uma criança».

No entanto, o processo de adoção continua a ter obstáculos burocráticos que o tornam numa autêntica

maratona, que chega a durar entre cinco e sete anos, com crianças que, na frieza da institucionalização,

esperam por uma decisão judicial ou administrativa que tarda em chegar.

Continuam a existir representações sociais sobre a adoção que são desajustadas ao século XXI, a dominar

cruéis situações de preferência de género, de idade e de condição de saúde e, pior ainda, devoluções

absolutamente incompreensíveis.

Dar resposta a estes problemas e prosseguir na defesa do superior interesse da criança é o que se pretende

hoje, não só com este debate como com as iniciativas que o PAN aqui traz, duas delas muito concretas.

Por um lado, pretendemos que a idade máxima do adotado passe dos atuais 15 anos para os 18 anos. A

formulação legal é, em nosso entender, arcaica, resultante de uma legislação da década de 60, e, de alguma

forma injusta e fria, vem dizer aos menores que têm entre 16 e 17 anos que só podem optar pela emancipação

ou pela institucionalização, vedando-lhes a opção de acesso a uma família e, até, separando irmãos.

A exclusão dos jovens da adoção é, como bem afirma a Ordem dos Advogados, inconstitucional, viola os

direitos universais à infância, à família e à igualdade. Dificilmente encontramos paralelo desta exclusão na União

Europeia, sendo até incoerente com as soluções previstas para o apadrinhamento civil.

Por outro lado, e porque há vários outros problemas — como seja o da devolução das crianças — que

carecem de soluções que consigam melhores práticas, pretendemos também mudar e preparar os processos

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de integração de crianças e jovens, desafiando a alteração daquilo que são, neste momento, os serviços técnicos

afetos aos processos de adoção.

Tudo isto pretende defender o superior interesse da criança, mas há um debate que entendemos que deve,

também, ser aberto e que hoje podemos promover, que é o de legislar as famílias de acolhimento. No caso de

crianças que já estão vinculadas a uma família, não faz sentido que seja dito que esta não pode optar pelo

caminho da adoção ou que tem de ir para a fila de espera para poder adotar aquela criança.

Este é, também, um debate que deve ser feito nesta Assembleia, seja no âmbito da especialidade, seja

através de outras iniciativas legislativas que não tardaremos a trazer.

Por fim, queria dar apenas uma nota: as crianças já têm um provedor, o Provedor de Justiça, que é o provedor

máximo do nosso País e tem — e bem — competências para defender o superior interesse da criança.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Só não o faz!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — E como é que tem funcionado?! Tem funcionado muito bem!

Protestos da Deputada do PSD Emília Cerqueira.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 537/XV/1.ª, do Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Desde quando é que o PSD defende o PAN? Ela não precisa de advogados de defesa.

Protestos da Deputada do PSD Emília Cerqueira.

O Sr. Presidente: — Peço aos serviços para que reponham a contagem do tempo a zero. Sr. Deputado Rui Tavares, tem a palavra.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Falou 5 segundos a mais!

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, de acordo com o Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens, no sistema nacional de acolhimento estavam 6369 crianças, das quais

171 estavam confiadas a instituições, com vista a futura adoção, e apenas 9 confiadas a famílias de acolhimento,

com vista a futura adoção.

São, cada um e cada uma destas crianças, seres individuais que merecem o nosso respeito e a nossa

atenção e que, certamente, não merecem ser utilizadas como objeto de arremesso em guerras ideológicas,

culturais ou políticas.

Para podermos dar a estas crianças hipótese de florescerem no seu máximo potencial, é urgente aumentar

a idade do adotado para os 18 anos, como propõem várias iniciativas hoje a discussão.

Entendemos não haver razão legítima para diferenciar a idade do adotante consoante se trate de uma adoção

singular ou conjunta. Se estiverem reunidas as condições necessárias, incluindo a maturidade emocional e a

autonomia financeira, não é a natureza da relação do adotante, ou adotantes, que vai definir o seu compromisso

com a adoção, sendo, aliás, prática corrente em muitos outros países europeus que qualquer pessoa com mais

de 25 anos possa adotar.

Também é relevante para o Livre retirar a possibilidade de dispensa do consentimento de pessoas que a

atual lei descreve como «privadas do uso das faculdades mentais». Para que se perceba, o que a lei quer dizer:

ouve-se o pai ou a mãe biológicos de uma criança que está em processo de adoção, mas é dispensada essa

audição quando é considerado que o pai ou a mãe não estão no uso das suas faculdades mentais.

É uma lei que estigmatiza pessoas e, numa altura em que estamos a discutir a revisão da Lei de Saúde

Mental, é importante que as pessoas tenham o direito a ser ouvidas, mesmo nestes processos.

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Por último,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Por último, porque está a acabar o tempo!

O Sr. Rui Tavares (L): — … propormos que as equipas técnicas de adoção possam integrar, quando necessário, técnicos especializados em igualdade de género ou, por exemplo, em dar apoio psicológico a seguir

a episódios de violência doméstica, que muitas vezes as crianças experienciam.

O que pretendemos é assegurar o superior interesse das crianças e salvaguardar as legítimas expectativas

de quem pretende constituir uma família. Nesse sentido, há várias ideias positivas a debate hoje…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tens mais 2 minutos!

O Sr. Rui Tavares (L): — … porque ninguém, mas ninguém, tem o monopólio do amor, da atenção e do respeito pelas crianças.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, posso ter falado mal, mas nunca marco presenças em ninguém. Está a perceber?!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Nem eu!

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 541/XV/1.ª, da Iniciativa da Liberal, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, uma criança com 15 anos não pode ser adotada e está condenada a viver institucionalizada até fazer 18 anos e ser, aos olhos da lei,

independente.

Todos os anos temos mais pessoas a querer adotar, mas, ao mesmo tempo, temos cada vez mais crianças

e jovens que ficam em instituições à espera. A grande questão que todos deveríamos colocar é esta: o que é

que ainda falta fazer para resolvermos esta situação e garantir o superior interesse da criança?

Tanto as crianças ou jovens que aguardam por encontrar uma família como aqueles que anseiam por lhes

proporcionar um lar, uma família, um futuro se deparam com um processo que é limitativo, burocrático e lento.

Para a Iniciativa Liberal, é evidente, premente e urgente corrigir esta situação para que todas as crianças e

jovens que estão à espera possam ser plenamente adotadas até completarem 18 anos.

O que a lei faz, tal como está, é dizer que estes jovens já não podem ter uma família, como se o conceito de

família se extinguisse aos 15 anos. O que a lei faz, tal como está, é dizer a estes jovens, com mais de 15 anos,

que terão de se separar dos seus irmãos, quebrando laços fulcrais para o seu crescimento e desenvolvimento.

O que a lei faz, tal como está, é dizer a essas crianças e a esses jovens que já não vale a pena terem esperança.

Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, se há jovens que desejam ter uma família e se há famílias

que anseiam e estão em condições de os receber, quem é o Estado para impedir esta união?

O que estamos a impedir, com a lei atual, é que estes jovens, apenas porque têm mais de 15 anos, não

possam ter uma família para celebrar a entrada na faculdade, para comemorar a conclusão da licenciatura, para

os felicitar pelo primeiro emprego, para os levar ao altar, para festejar o nascimento do primeiro filho.

Em suma, o que estamos a impedir, com esta a legislação, é que estes jovens tenham uma família com quem

partilhar os momentos mais marcantes das suas vidas.

Mas estamos, também, a passar-lhes uma mensagem muito clara: mesmo que alguém lhes queira dar uma

família, já não vale a pena serem adotados. Isto é o Estado a negar, a estes jovens, memórias, momentos,

futuro. Isto é uma clara violação dos seus direitos e do seu superior interesse.

Srs. Deputados, é da mais elementar justiça alargar a idade máxima de adoção e apoiar estes jovens, que

estão em condições de especial vulnerabilidade. Se há matérias em que o Estado não deve intervir, nesta, o

Estado tem a responsabilidade acrescida de não limitar as oportunidades destes jovens, mas antes de os

proteger e empoderar para que tenham um presente e um futuro diferentes daqueles a que estavam destinados.

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O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Por isso, a questão que todos devíamos ter em mente é: como é que cada um de nós se sentiria se nos dissessem «és demasiado velho para ter uma família»?

Aplausos da IL.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Adão Silva.

O Sr. Presidente: — Muito obrigada, Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz, cumprimento as Sr.as e Srs. Deputados. Vamos prosseguir, agora com as intervenções dos grupos parlamentares que não apresentam iniciativas

neste ponto.

Assim sendo, pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Aragão.

O Sr. Bruno Aragão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 1948, na terceira sessão da comissão social da Organização das Nações Unidas, os participantes debateram um assunto, que na altura era

premente, relacionado com o número de crianças que, a seguir à II Guerra Mundial, tinham perdido as suas

famílias ou, por algum motivo, estavam separadas.

Essa discussão teve um efeito absolutamente fundador na discussão que hoje fazemos quando se fala de

famílias, de vinculação ou de vínculos, porque foi dessa discussão que surgiu um relatório — que, depois, veio

informar muito do debate que hoje fazemos —, desenvolvido por John Bowlby e que dá corpo à Teoria da

Vinculação.

Mas, tal como nessa altura, o que hoje acontece é que esses conceitos vão evoluindo, sobretudo, para

integrarem a diversidade de situações e para permitirem que haja projetos de vida para as crianças,

independentemente do momento em que nós, do ponto de vista legal, fazemos o normativo.

Isso quer dizer, de uma forma muito simples, que o legislador, em 1966, entendeu que eram os 7 anos de

idade; em 1967, reviu e entendeu que eram os 14 anos; em 1993, voltou a rever o regime de adoção e

estabeleceu os 15 anos, o que depois vem a ser confirmado no Regime Jurídico do Processo de Adoção, em

2015.

Hoje, entendemos que evoluímos suficientemente para podermos fazer, também, esta alteração, colocando

esta norma não nos 15 anos que hoje estão, mas nos 18 anos. Mas essa evolução resulta, sobretudo, da

compreensão social, da compreensão do processo do desenvolvimento e, ainda mais do que isso, da

compreensão, caso a caso, da diversidade do que se nos coloca pela frente e da diversidade do que muitas das

instituições e das famílias que se disponibilizam para este processo têm de enfrentar.

É difícil estabelecer uma regra que permita compreender todos os casos, mas aquilo que não devemos fazer

enquanto legisladores — e por isso a nossa disponibilidade para acompanhar estas propostas — é limitar as

possibilidades que podemos dar a estas crianças.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): ⎯ Muito bem!

O Sr. Bruno Aragão (PS): — Recordo que, depois desse relatório no âmbito da discussão das Nações Unidas, que vem mais tarde, em 1989, dar origem à Convenção sobre os Direitos da Criança, que Portugal

ratifica em 1990 e que estabelece, no artigo 1.º, que são crianças os menores de 18 anos, a partir desse

momento, ficamos também vinculados à compreensão que temos sobre esse processo e sobre essa discussão.

Diria que é importante, nesta fase e na especialidade que possamos sobre o conjunto destas propostas, ter

em mente a regra de ouro de todos estes processos: primeiro, maximizar, de facto, as oportunidades que damos

a estas crianças; segundo, continuar a maximizar a segurança jurídica, e isso não é um somenos; terceiro,

maximizar, de facto, os projetos de vida que permitimos com uma alteração que, sendo ou parecendo-nos ser

numérica, tem um impacto na vida de muitas ou algumas crianças que pode ser absolutamente significativo.

Há uma coisa que sabemos, e acho que tranquiliza e facilita este debate: o que a investigação nos vai

mostrando é que o que é importante, sobretudo, é a qualidade dos vínculos. Portanto, quando comparamos

crianças institucionalizadas com crianças que estão em comunidade, e, dentro das crianças em comunidade,

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quando comparamos as que estão com as suas famílias com aquelas que foram adotadas, a grande diferença

do ponto de vista do risco, da vulnerabilidade, da probabilidade de pobreza quando são adultos é, sobretudo,

nas crianças que estão e permanecem sempre institucionalizadas, e não nas crianças que, estando em

comunidade, foram adotadas, independentemente da idade em que o processo de adoção aconteceu.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): ⎯ Muito bem!

O Sr. Bruno Aragão (PS): — É por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados — e assim concluo —, que estamos naturalmente disponíveis para discutir estes projetos na especialidade, para proceder a esta alteração

com tranquilidade e para conseguirmos, também desta forma, corresponder às expectativas das instituições e

das famílias, tal como estas nos pedem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Clara Marques Mendes, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Debatemos hoje um conjunto de iniciativas que versam sobre os direitos das crianças e dos jovens, em particular no que diz respeito à adoção.

Um conjunto de iniciativas que tem merecido, ao longo desta tarde e por parte de todos os partidos, um amplo

consenso.

Podemos discordar de uma ou outra solução consagrada nas iniciativas em apreciação, mas há muitos mais

aspetos que nos unem do que aqueles que nos separam.

Desde logo, une-nos a preocupação com o bem-estar e desenvolvimento integral das crianças. Une-nos a

preocupação em assegurar que o superior interesse da criança é, e sempre será, uma prioridade em qualquer

alteração legislativa que ocorra.

Este é, desde logo, um primeiro princípio, e fundamental, para a reflexão que está a ser feita, que deve

continuar a ser feita e que seguramente será em sede de especialidade, para que uma boa decisão venha a ser

tomada.

Srs. Deputados, uma boa decisão final será sempre a que tiver como prioridade as crianças e os jovens e

aquela que vir na adoção a realização do superior interesse da criança, garantindo-lhe o pleno desenvolvimento

psicológico, físico, intelectual, moral e social. Tudo isto em respeito pela Constituição da República Portuguesa

e pela Convenção sobre os Direitos da Criança.

Na verdade, é a própria Constituição da República Portuguesa que consagra que a adoção deve ser

protegida na lei, que deve estabelecer formas céleres para a respetiva tramitação.

É também a Constituição da República Portuguesa que estabelece a proteção das crianças por parte da

sociedade e do Estado e que estabelece também e garante que o Estado assegura, em especial, a proteção

das crianças órfãs, abandonadas ou, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal.

Também a Convenção sobre os Direitos da Criança reconhece que, e passo a citar, «a criança, para o

desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade,

amor e compreensão».

Srs. Deputados, aqui chegados, importa deixar duas notas. Uma primeira nota para dizer que o PSD

acompanha as preocupações vertidas nos diplomas ora em apreciação, designadamente os que visam

aumentar a idade da adoção para os 18 anos.

Há um conjunto de motivos que merecem a nossa concordância. Desde logo, temos de refletir sobre a

realidade, sobre a evolução da sociedade e sobre a experiência acumulada ao longo dos anos.

Devemos ter em conta que, por um lado, há muitas crianças que estão em instituições e que não encontram

uma família e, por outro lado, há muitas famílias que manifestam vontade de adotar. Apesar disso, o que temos,

e que decorre atualmente da lei, é que as crianças entre os 15 e até aos 18 anos não podem ter o direito de

encontrar uma família.

Não nos parece haver qualquer fundamento para que estas crianças sejam privadas do direito de crescerem

numa família, sendo elas crianças até aos 18 anos de idade.

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Aliás, e como refere o parecer do Ministério Público junto a este processo legislativo, são várias as vozes, ao

longo dos anos, inclusive de especialistas em matéria da infância e da juventude, que consideram

incompreensível, face à evolução da sociedade e da experiência acumulada, que se continue a negar às

crianças com mais de 15 anos o direito a um projeto de vida numa família.

Mas mais: a realidade também nos tem mostrado que muitas vezes há irmãos que são separados, em que

são quebrados laços tão importantes como os laços familiares, só porque um dos irmãos tem mais de 15 anos.

Mais uma vez, concordamos com o parecer do Ministério Público no que diz respeito a esta matéria, dizendo

que este, por si só, seria um motivo suficientemente ponderoso para proceder a uma alteração legislativa que

possibilite a adoção de crianças até aos 18 anos.

Portanto, reiteramos que somos a favor da alteração da idade do adotando para 18 anos, mas também não

inviabilizaremos a discussão de todas as iniciativas que estão em apreciação neste debate.

Para finalizar, a segunda nota que queria deixar é também um apelo. Um apelo para que todos façamos uma

reflexão alargada e transversal sobre os direitos das crianças e jovens. Um apelo para que façamos uma reflexão

sobre o acolhimento para perceber porque é que em Portugal o acolhimento familiar é ainda tão residual face

ao acolhimento residencial.

Srs. Deputados, uma visão integral, com uma estratégia transversal, que dá respostas às crianças e jovens

nas várias dimensões da vida, atendendo ao respetivo contexto e sempre, mas sempre, encontrando as

soluções que melhor potenciam um desenvolvimento e crescimento em seio familiar, deve ser a preocupação

de todos, e será sempre a preocupação do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Não sei se há mais algum Sr. Deputado inscrito para este ponto 2 da ordem de trabalhos.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, passamos então ao encerramento deste ponto, apresentado e liderado

pelo Bloco de Esquerda, pelo que o Bloco de Esquerda tem não apenas os 2 minutos que lhe competem, mas

ainda mais 10 segundos que deixou do debate.

O Sr. Deputado Pedro Filipe Soares dispõe, portanto, de 2 minutos e 10 segundos. Tem a palavra, Sr.

Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No final deste debate há um primeiro motivo de satisfação, o de perceber que há uma aceitação unânime quanto à alteração das regras

atualmente em vigor no que toca ao limite legal para a idade da adoção, retirando os 15 anos e passando para

os 18 anos.

É também importante realçar a unanimidade pelo facto de esta alteração legal não desobrigar o Estado, nas

suas diversas vertentes, a salvaguardar sempre o superior interesse da criança. Este ponto é fundamental

porque, numa matéria tão séria, fazer alterações legais tem de obrigar a que tenhamos a garantia absoluta de

que elas não vão deixar crianças ou os direitos das crianças desamparados em algum momento.

Há outros temas que foram suscitados no debate, quer nas intervenções, quer em reflexões anteriores que

tivemos em Comissão, que creio que vale a pena abordar em momento próprio.

A taxa de institucionalização excessiva é um desses problemas, que vale a pena discutirmos em momento

próprio. Não o quisemos fazer em conjunto, porque nos parece exatamente o que eu disse há pouco, ou seja,

que esta matéria é tão séria, tão séria, que qualquer mudança tem de ser devidamente ponderada, porque os

seus efeitos na vida das crianças — futuros homens e mulheres — são imensos e, por isso, não pode ser feita

ao acaso.

Estamos disponíveis para, em sede de especialidade, chegarmos ao melhor texto e para o fazermos também

com a celeridade necessária para que nenhuma criança que precise desta alteração legal fique sem a ter. Não

sabemos quantas crianças poderão beneficiar desta alteração legal, mas se for por uma que seja já valeu a

pena termos alterado a lei, pelo que pretendemos fazê-lo rapidamente.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sendo assim, passamos agora para o terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos, que consiste na discussão do Projeto de Resolução n.º 403/XV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo

que cumpra o aprovado em sede de Orçamento do Estado e aplique um desconto efetivo de 50 % nas taxas de

portagem dos territórios do interior, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 542/XV/1.ª (CH) —

Prevê a implementação de um plano gradual de isenção do pagamento de portagens, 548/XV/1.ª (PCP) —

Elimina as portagens na A25, 549/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na ex-SCUT Norte Litoral (A28) entre

Angeiras e Darque, 550/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A29, 551/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens

na A41, 552/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A42, 553/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A4,

554/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A13, 555/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A22, 556/XV/1.ª

(PCP) — Elimina as portagens na A23, e 557/XV/1.ª (PCP) — Elimina as portagens na A24.

Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Gomes, para apresentar o projeto de resolução do

Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Luís Gomes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD apresenta o Projeto de Resolução n.º 403/XV/1.ª tendo em vista a reposição de uma deliberação desta Casa em 2020.

Na verdade, não há memória de um atropelo democrático e de um desrespeito por parte do Partido Socialista

e do Governo a uma deliberação que foi feita aqui na Assembleia da República.

É bom que fique claro que o PSD não entra na demagogia de acabar com as portagens. O PSD tem uma

proposta bastante clara: a redução do valor das portagens.

O PSD, em 2020, no quadro da discussão do Orçamento para 2021, apresentou uma proposta muito

concreta. A proposta era a redução do valor das portagens em 50 % e 75 % para os carros elétricos.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Gomes (PSD): — Ora, aquilo que o Partido Socialista e o Governo fizeram foi rasgar a deliberação da Assembleia da República e, nos gabinetes do Governo, revogar as portarias e desrespeitar o que foi aprovado

e reduzir para 30 % o custo da autoestrada.

Aplausos do PSD.

Bem, para os senhores do Partido Socialista que dizem «palavra dada é palavra honrada», esta notícia é

demonstrativa do que é o valor da palavra honrada para o Partido Socialista.

O Sr. Primeiro-Ministro, em campanha, nas primeiras eleições legislativas, referiu que ia acabar com as

portagens. Não acabou! Depois, a Sr.ª Ministra Ana Abrunhosa disse que ia deixar de ser Ministra se não se

acabasse com as portagens do interior. Ainda é Ministra!

Agora, temos também o PCP a apresentar iniciativas legislativas para acabar de vez com as portagens. É

pena que nos sete anos em que o PCP podia intervir relativamente a esta matéria, nos sete anos em que

suportou o Governo do Partido Socialista, através da geringonça, não o tenha feito. Se tivesse efetivamente

vontade de acabar com as portagens, teria posto esse ponto na negociação para viabilizar o Orçamento do

Estado.

Aplausos do PSD.

Protestos do PCP.

Sei que custa, mas agora — certamente por estarmos na quaresma — quer, enfim, pedir perdão aos

portugueses e apresenta não um projeto mas muitos projetos para voltar atrás.

Sr.as e Srs. Deputados, as populações do interior não aguentam mais estes custos de contexto que são as

portagens. As empresas não aguentam mais estes custos de contexto que são as portagens. E o País não

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aguenta mais estas mentiras, estas inverdades que o Partido Socialista e o Governo teimam em impor aos

portugueses.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Avancemos, dando a palavra ao Grupo Parlamentar do Chega, que tem um projeto de lei e que seguramente quer fazer a sua apresentação.

Para isso, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Filipe Melo.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa altura em que o País vive uma crise inflacionista sem precedentes, em que o preço da habitação disparou, as taxas de juro do Banco Central Europeu

também dispararam, o preço do cabaz alimentar atingiu valores históricos, temos uma subida, também ela

histórica, das taxas de portagens.

Relembro o que disse a Sr.ª Ministra Ana Abrunhosa, ainda em 2020, e passo a citar: «As portagens no

interior vão ser reduzidas». Disse ainda, e cito: «Só ficaremos satisfeitos quando abolirmos as portagens no

interior».

Já em novembro do ano passado, a mesma Ministra, Ana Abrunhosa, disse, e passo novamente a citar:

«Consta do Programa do Governo a redução das portagens».

Srs. Deputados, onde é que estão essas reduções? Nós não as vimos, certamente vocês também não, muito

menos os portugueses as sentem.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Disse o vosso antigo Ministro Pedro Nuno Santos, em dezembro do ano passado, pouco antes de abandonar o Governo, que nas próximas semanas iriam apresentar uma solução para travar o

aumento das portagens. O Ministro saiu e, certamente, essa solução ainda não apareceu. De promessa em

promessa, vão os socialistas enganando os portugueses.

O PSD traz-nos este tema a debate, com uma certa lógica, e o Sr. Deputado Luís Gomes fala em demagogia.

Ó Sr. Deputado, vou explicar-lhe o que é demagogia: demagogia foi o que os senhores e os socialistas fizeram

nas SCUT (sem custos para o utilizador).

Sabe o que quer dizer SCUT? Significa «sem custo para o utilizador», mas, no entanto, são pagas.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Bem lembrado, bem lembrado!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Portanto, isso é da vossa responsabilidade e da responsabilidade socialista. A demagogia é vossa e do PS — e não nossa!

Aplausos do CH.

Protestos da Deputada do PSD Emília Cerqueira.

Depois vem o PCP novamente dizer que há redução, que há abolição das portagens, e cita algumas. Nós

concordamos com essa abolição, mas uma abolição gradual. Aquilo com que não concordamos é com a vossa

carga ideológica de reverter as concessionárias para o Estado, e vou explicar porquê. Por exemplo, com a

Comboios de Portugal (CP) — uma empresa pública — vocês não pagam para andar de comboio? Eu pago. E

na TAP (Transportes Aéreos Portugueses) nacionalizada, vocês não pagavam bilhetes de aviões? Eu pago.

Então, porquê nacionalizar? É esse o vosso preconceito ideológico, que não vos tira do lugar onde estão.

Protestos do PCP.

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Srs. Deputados, o Chega apresenta um projeto equilibrado para implementar um plano gradual de isenção

do pagamento das portagens. Com esta medida, queremos reduzir o pagamento de forma faseada, mas com

prioridade para o interior e para o Algarve, sendo que estas duas zonas do País teriam uma redução imediata

de 25 % no primeiro ano, ao passo que as outras zonas teriam uma redução de 15 %.

Assim, anualmente, durante seis anos, acabar-se-ia, de vez, com o custo das portagens. Esta é a nossa

proposta, que nos parece a mais equilibrada, a mais razoável e a que finalmente vai trazer justiça, repondo, de

forma equitativa, as assimetrias regionais que o nosso País atravessa.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Agora, para apresentar as 10 iniciativas do Grupo Parlamentar do PCP, dou a palavra ao Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta do PCP é para que, finalmente, se faça justiça para com as populações das regiões que foram afetadas com a imposição inaceitável

de portagens nas SCUT.

O Sr. João Dias (PCP): — Que não foi progressiva!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A proposta também pretende acabar, de uma vez por todas, com este inaceitável regime de portagens que vem penalizar, de forma brutal, aqueles que vivem e trabalham nestes distritos e

concelhos.

Já ouvimos, aliás, quem tivesse criticado a imposição de portagens, dizendo que, para as próprias empresas,

os custos de contexto, com a implementação das portagens, são absolutamente insuportáveis.

O Sr. Luís Gomes (PSD): — Para as pessoas!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O problema é a consequência dessas afirmações, isto porque, importa aqui dizer, o PCP teve um papel decisivo na aprovação da medida legal — e não só — que trouxe a redução das

portagens para o interior do País.

Já o PSD falhou às populações, juntamente com o PS, quando chumbaram a proposta do PCP para acabar

com as portagens.

Aplausos do PCP.

Protestos do Deputado do PSD Luís Gomes.

O PCP não falhou às populações, porque não deixou de votar favoravelmente essa medida da redução.

Verdade seja dita: quando o Governo PS, na aplicação dessa norma, decidiu cortar para metade as portagens

de há 10 anos,…

O Sr. Luís Gomes (PSD): — Essa é que é a questão!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … e não as daquele ano — se a moda pega, ainda vai aumentar os salários de há 20 anos, e não os de agora —, isso significou que ficaram a dever às populações não apenas a justiça que

seria necessária, de acabar com as portagens, mas — com habilidade, pois tiveram essa esperteza, essa «chico-

espertice», desculpem a expressão — um desconto que nem sequer correspondia àquilo que a lei ditava.

Ora, Sr.as e Srs. Deputados, importa lembrar, entretanto, que no século passado, houve um ministro do

Governo PS, chamado João Cravinho, que inaugurou esse conceito de autoestradas SCUT. Foi criada uma

contribuição, em sede de ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos), para financiar as PPP

(parcerias público-privadas) e, assim, durante estes anos todos, andou e anda o País a transferir milhares de

milhões de euros para os grupos económicos destas parcerias público-privadas.

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Ora, estes projetos de lei do PCP também trazem, naturalmente, a proposta de reversão destas PPP, para

que se acabe com este negócio ruinoso para o Estado.

Afinal, essa carga ideológica que o Chega rejeita e aponta, na proposta do PCP, é a coragem política, Srs.

Deputados, de enfrentar os interesses dos grandes grupos económicos.

Aplausos do PCP.

Protestos do Deputado do CH Pedro Pinto.

Se calhar, a carga ideológica dos 220 milhões de euros de lucros da Brisa não incomoda nada os Srs.

Deputados da direita, mas nós dizemos que é inaceitável que estejam a amealhar lucros de milhões de euros,

à custa do sacrifício das populações.

Além disso, Sr.as e Srs. Deputados, importa aqui lembrar o seguinte: se há portagens em todas estas

autoestradas, foi porque, nessa altura, PS e PSD se entenderam…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Vocês é que deram a mão ao PS!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … para colocar nas populações esse ónus do pagamento das portagens nas SCUT.

Desde 2010, Srs. Deputados! Desde então até hoje, aquilo que continua a acontecer é que os vossos partidos

convergem e fazem um acordo…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Foram vocês que deram a mão ao PS!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … para rejeitar as propostas do PCP, que defendem as populações e dão voz àqueles que, em todas essas regiões, de norte a sul do País, lutam contra as portagens, e que nós daqui

saudamos, querendo afirmar a solidariedade do PCP.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado Bruno Dias, V. Ex.a tem um pedido de esclarecimento, por parte do Sr. Deputado Filipe Melo, a quem passo imediatamente a palavra.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, em relação ao que disse — e ouvi-o atentamente —, pergunto-lhe onde é que estava toda essa energia, durante seis anos, quando apoiou aqueles

Orçamentos vergonhosos,…

O Sr. João Dias (PCP): — É só isso que sabem dizer?!

O Sr. Filipe Melo (CH): — … durante os quais não vos ouvi falar das taxas de portagem nem das concessionárias. Onde é que estava essa força toda durante seis anos?

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, queria apenas recomendar ao Sr. Deputado Filipe Melo que lave bem os ouvidos, isto porque o PCP falou bem alto e propôs o fim das portagens, mas houve alguém que deu a

mão ao PS para chumbar as propostas do PCP.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tenham vergonha! Foram vocês que lhe deram a mão!

Protestos do PCP e contraprotestos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Mistério esclarecido. Assim sendo, passamos agora à fase das intervenções.

Para serenarmos, nada melhor do que dar a palavra à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

Vamos lá ver se conseguimos.

Protestos do CH e contraprotestos do PCP.

Aguarde um momento, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Não me parece que seja uma tarefa facilitada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Aguarde só mais um bocadinho, este é um exercício de dissipação da energia, e a coisa vai acabar.

Pausa.

V. Ex.a tem agora a palavra, faça favor.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Temo que vá defraudar as suas melhores expectativas em relação ao serenar dos ânimos, uma vez que, de

facto, há muitas críticas a fazer em relação a esta visão que tem tardado em mitigar as assimetrias sociais e

regionais que persistem.

As portagens nas ex-SCUT são mais um exemplo das múltiplas fragilidades que, em matéria de ordenamento

territorial, o nosso País continua a ter e que, efetivamente, pela mão do PS e do PSD, têm sido ignoradas, ao

longo do tempo, pelos sucessivos Governos.

Numa altura em que o mundo procura soluções para garantir a transição nos modelos de mobilidade, sem

recurso a emissões poluentes, importa ter presente que a população não se fixa no interior do País com a mera

abolição das portagens. Portanto, este é um debate que, no entender do PAN, deveria ir mais longe, dando

importância, nomeadamente, à garantia de acesso da ferrovia a todas as capitais de distrito, bem como a

modelos alternativos de mobilidade, que não apenas o automóvel,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Uma carroça!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … uma vez que não nos podemos esquecer do impacto que as viaturas de combustão têm, pelo que não são uma solução de futuro.

Os problemas das populações do interior não se resumem à problemática das portagens. Aquilo que o PAN

defende é que é necessário apostar na ferrovia e na oportunidade de acesso.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente. É também necessário apostar na alta velocidade, para garantirmos não só a mitigação das assimetrias

sociais e regionais, que persistem, como também para garantirmos, acima de tudo, a transição ecológica que

temos de fazer no nosso País.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Vamos passar agora a uma intervenção por parte do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal. Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto.

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O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sr. Presidente: Quando os portugueses compram um automóvel, pagam o ISV e o IVA, fazendo com que os automóveis sejam mais caros em Portugal do que em muitos países

europeus mais ricos do que nós. Depois de os comprarem, para além do seguro, os portugueses ainda pagam,

anualmente, o IUC (imposto único de circulação). Sempre que abastecem, mais de metade daquilo que pagam

no posto de combustível também vai para o Estado. Portugal continua a ser um dos países com uma das maiores

cargas fiscais sobre os combustíveis de toda a União Europeia.

Pergunta-se: porque é que o Estado português castiga tanto quem anda de automóvel? A resposta, neste

caso, é mesmo porque pode. Isto porque sabe que a grande maioria das pessoas não tem opção. Porque sabe

que, fora de Lisboa e do Porto, praticamente ninguém tem opção a não ser andar de automóvel. Se quer ter um

emprego, se quer levar os filhos à escola, se quer ter uma vida social mínima, precisa de automóvel.

Por muito que subam os impostos, estas pessoas continuarão a utilizar o carro diariamente, para ir para o

emprego e para levar os seus filhos à escola. Quando aumentam os impostos sobre a utilização do automóvel,

a maioria destas pessoas não tem a opção de deixar de o utilizar. Simplesmente, terá de cortar noutro lado

qualquer. É esta a vida dos portugueses, e é por isso que o Estado nunca hesita em aumentar os custos

relacionados com a utilização do automóvel.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso do Estado é como quem diz! O Estado tem as costas largas!

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Não porque queira incentivar outro tipo de utilização, mas porque sabe que esse tipo de utilização não existe. E é por não existir que os portugueses continuarão a pagar e

cortarão noutro tipo de despesas.

Depois de pagarem tudo isto, prometeram-lhes, há uns anos, uma rede de autoestradas gratuitas.

Chamaram-lhes SCUT, cuja sigla, supostamente, significa «sem custos para o utilizador». Digo «supostamente»

porque, hoje em dia, essa sigla passou a significar uma coisa completamente distinta. Hoje em dia, SCUT

significa outra coisa diferente — é sinónimo de autoestrada paga, é sinónimo de multas astronómicas, é sinónimo

de desigualdade regional.

O que não podemos esquecer é que, se estas portagens forem eliminadas, cada uma delas será vertida num

custo adicional para quem paga impostos. Por isso, cada decisão e cada proposta de levantamento de

pagamento de portagens deveria vir com um estudo, para perceber o impacto que essa remoção irá ter. Um

estudo que indique, pelo menos, qual é o tráfego atual, qual é o tráfego das alternativas e qual seria o impacto

nas populações locais, para percebermos, de forma exata, se vale a pena transferir esse encargo dos

automobilistas para todos os outros contribuintes — mas isso não existe.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Já vou concluir, Sr. Presidente. Isso não existe porque estas propostas não visam maximizar o bem comum, mas visam, sim, maximizar o

impacto eleitoral dos partidos que as propõem, muitas vezes de forma irresponsável.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Para coisas destas, não contem connosco!

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — A Mesa regista um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto por parte do Sr. Deputado Felipe Melo.

Lembro apenas que o Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto não tem tempo para lhe responder.

V. Ex.ª mantém ou prescinde do pedido de esclarecimento?

O Sr. Filipe Melo (CH): — Mantenho, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (Adão Silva): — Nesse caso, dou-lhe imediatamente a palavra.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto, julguei, inicialmente, que o senhor teria entendido que o tema de hoje eram as portagens, mas, afinal, passados estes 3 minutos da sua

intervenção, tirei essa ideia.

A questão que lhe coloco, e à qual o Sr. Deputado não respondeu, é a seguinte: são a favor ou contra a

abolição das portagens?

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — O Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto não pode responder agora, mas, com certeza, responderá depois, quando tomarem um café, e seguramente levará a uma belíssima conversa.

Passamos agora a palavra ao Sr. Deputado André Pinotes Batista, do Grupo Parlamentar do Partido

Socialista.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sr. Presidente: Permita-me que, na sua pessoa, cumprimente todos os Deputados presentes.

O desenho de políticas públicas dirigidas à correção de assimetrias regionais constitui, há muito, uma

prioridade do Partido Socialista, do seu grupo parlamentar e dos Governos liderados por António Costa. Fazemo-

lo com ação, fazemo-lo com verdade, não o fazemos com a demagogia a que hoje aqui temos assistido nem

com o tacticismo político que tem norteado este debate.

Mas é importante que sejamos claros sobre isto. O combate às disparidades regionais faz-se aplicando

estratégias que promovam a coesão e reforcem a competitividade das diversas regiões. Este não é um assunto

— ao contrário do que temos visto aqui, hoje, neste debate plenário — que possa ser abordado de forma

simplista, nem é sequer um assunto que seja estritamente português; é um assunto que tem a ver com matérias

que versam sobre fatores sociais, antropológicos e que, evidentemente, tem uma resolução que carece de

tempo, dedicação e foco, que é aquilo que o Governo do Partido Socialista tem mantido.

Mas devemos reconhecer o muito caminho que já foi feito. Dava apenas um exemplo ao Sr. Deputado Luís

Gomes. Quero dizer-lhe que tenho o privilégio de conhecer a sua posição em 2011, quando defendia uma

redução gradual das portagens. Nós temos gosto em fazer-lhe hoje a vontade e em poder dizer que o Sr.

Deputado, na altura, apoiou um governo do PSD que impôs mais e mais e mais portagens, mas o Sr. Deputado

tinha razão. Hoje não tem, hoje o Sr. Deputado falta à verdade.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Luís Gomes.

Quero dizer-lhe uma coisa: o Sr. Deputado, na sua intervenção, falou em «factos», mas não eram factos,

eram fatos! O Sr. Deputado vestiu hoje um fato diferente. Deixe-me dizer-lhe, apenas a título de exemplo, que,

em 2014, quando o Sr. Deputado defendia o que nós defendemos hoje, pagava-se de ponta a ponta na A22, no

Algarve, qualquer coisa como 11,60 €. Sabe quanto é que se paga hoje, Sr. Deputado? Paga-se 6,60 €.

Protestos do CH.

Mas há aqui uma questão importante: só o PCP é que reconheceu algum avanço.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Os algarvios estão todos contentes!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Aos Srs. Deputados custa ouvir isto, eu percebo, mas é importante que se perceba o quão surreal é este debate.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Custa ouvir aldrabices!

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O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr. Deputado, permita-me interromper V. Ex.ª V. Ex.ª tem uma voz poderosa,…

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ … mas, evidentemente, tem de haver aqui silêncio, serenidade, da parte dos demais grupos parlamentares para ouvir V. Ex.ª

Queira prosseguir.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente. Vejo este incómodo como uma dificuldade em gerir os argumentos dos outros, mas continuarei, Sr. Presidente.

O exemplo que dei, do Algarve — vou repetir, da A22 —, em que se passou a pagar metade do preço que

se pagava, é extensível ao resto do País, não é só no Algarve.

Mas, Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe uma coisa: os Deputados do PS querem ir mais longe. Nós só não

aceitamos que os senhores faltem à verdade dizendo que nada foi feito,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Nada foi feito!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — … porque nas 12 propostas que aqui discutimos hoje, cabe dizer que se exige que seja feito o que já foi feito. Muito bem, não temos problema nenhum com isso, porque, como já o

cumprimos, não vem mal ao mundo.

Vozes do CH: — Oh!…

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Essas propostas passam por pedidos irresponsáveis de rescisões unilaterais de contratos, sabendo VV. Ex.as que estas litigâncias seriam supérfluas e que acabariam o Estado

português e os contribuintes, com quem enchem a boca, a pagar estas indemnizações.

Por fim, também há outra questão: até as renegociações intempestivas são uma coisa que nos deixa

perplexos. Onde é que está o sentido de responsabilidade desta oposição que nós temos — ou, melhor, que

nós não temos, porque não existe?

Vozes do PSD: — Oh!…

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — É importante dizer o seguinte: os Deputados do Partido Socialista, em cada círculo eleitoral, assumem um compromisso de proximidade e rigor. E é por isso que dizemos aos nossos

eleitores, às pessoas que representamos, com verdade, que já se fez caminho, mas que ainda há caminho para

fazer.

Srs. Deputados, é com perplexidade que vemos a vossa conduta política. O PSD apresenta-se hoje com um

projeto de resolução, ignorando que esta Casa aprovou uma norma, no Orçamento do Estado para 2023, no

artigo 264.º, para, até junho, continuarmos a prosseguir o bom caminho que temos estado a fazer.

O Sr. Francisco Rocha (PS): — Exatamente!

Vozes do PSD: — Oh!…

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — E como é que votou o PSD nesta matéria? Pasme-se, absteve-se no artigo e votou contra o Orçamento! E o que é que faz hoje? Aparece com um papel, com um papelinho, a dizer

que está preocupado com a população.

Aplausos do PS.

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Ó Srs. Deputados, um bocadinho de decoro também não faz mal! Nós apresentamo-nos nos nossos

territórios de cabeça erguida, dizendo às pessoas o que já cumprimos e aquilo que ainda queremos fazer.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não vão lá!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — No entanto, também é preciso dizer o seguinte, com a minha voz poderosa: são 12 propostas, Sr. Presidente, 12 propostas. E contas dos impactos financeiros daquilo que

defendem? Zero! É impressionante, porque quanto mais propostas apresentam, menos responsabilidade têm.

Não é para todos, Srs. Deputados, é preciso muita audácia!

Aplausos do PS.

Permitam-me que finalize com o seguinte: o debate e a retórica política não podem ser só a dialética. Temos

de ter algo mais, de construção. Aquilo que está no artigo que citei, do Orçamento do Estado, não configura

apenas a redução das portagens, que já aqui assinalei, pelo todo nacional. Configura também que, do ISP

(imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos), vão continuar a ser canalizadas e reforçadas verbas, até

ao dia 1 de junho este modelo será conhecido, para reforçar o PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária

nos Transportes Públicos) — sei que o PSD votou contra e, portanto, não quer falar disso — e para reforçar o

PROTransP (Programa de Apoio à Densificação e Reforço da Oferta de Transporte Público).

Aplausos do PS.

Ou seja, Srs. Deputados, estamos aqui a falar de portagens — e fazemos muito bem, é um assunto

extremamente relevante—, mas estamos a falar de mobilidade no seu todo. A solução que foi aprovada nesta

Casa, e que os senhores ignoram de uma forma que não consigo compreender, é algo que vai trazer uma

mobilidade mais sustentável, mais equidade fiscal e vai fazer aquilo que é essencial.

As portagens em todos os distritos do nosso País estão a baixar, vão continuar a baixar, e de forma

sustentada, sem criar litigâncias inúteis.

A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — É só conversa!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Isso é mentira, é mentira!

O Sr. Luís Gomes (PSD): — Façam aquilo que foi aprovado aqui, na Assembleia!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sr. Presidente, é tudo o que consigo dizer com tanta agitação, mas tenho a certeza de que posso ter ajudado a corrigir alguma falta de rigor que hoje por aqui grassa.

Aplausos do PS.

Protestos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Esta matéria das portagens é, realmente, uma matéria muito exaltante. E tenho a certeza de que agora, para trazer serenidade ao debate, nada melhor do que dar a palavra ao Sr.

Deputado Rui Tavares, do Livre.

Vamos a isso.

Risos.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, grande responsabilidade me dá!

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Absolutamente, Sr. Deputado.

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O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, há dois temas distintos que estão aqui em discussão. Não é a mesma coisa discutir o momento conjuntural da nossa economia, ou seja, a descida do custo de

portagens como medida anti-inflacionária, que vale tanto para o interior como para as grandes cidades, e a

redução de assimetrias regionais. De facto, no interior, não foram dadas alternativas às pessoas, devido a um

modelo de desenvolvimento errado, escolhido durante décadas, de apostar no asfalto, e é preciso que essas

pessoas possam viajar.

Mas também o que não se ouve aqui dizer é que, por um lado, no Algarve, custava 11 € fazer a autoestrada

de ponta a ponta e agora custa 6 €, mas, por outro, custa 80 € fazer a viagem de comboio, comprar um passe

ferroviário regional. Por isso, o que vale e o que ajuda os algarvios é uma medida como a do Livre, de um passe

ferroviário nacional a 49 € para todo o País.

Protestos do CH.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Mas qual comboio?! Nem conheces o Algarve!…

O Sr. Rui Tavares (L): — Pelos vistos, Sr. Presidente, a serenidade chega a todo o lado menos ao Chega!

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ É muito difícil, de facto, mas peço mesmo ao Grupo Parlamentar do Chega e aos Srs. Deputados do Chega que deixem ouvir o Sr. Deputado Rui Tavares, que ainda tem mais questões a

acrescentar e o tempo está praticamente a esgotar-se. Ou melhor, já se esgotou, mas V. Ex.ª merece mais

alguns segundos.

O Sr. Rui Tavares (L): — Como, aliás, os outros grupos mereceriam, nas mesmas condições.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Com certeza, e é minha responsabilidade garantir-lhe essas condições, e estou a apelar aos Srs. Deputados que me deem essa oportunidade de garantir a V. Ex.ª essas condições.

Tem a palavra, queira prosseguir.

O Sr. Rui Tavares (L): — Há ainda outra questão, de que não se fala, que é quando as pessoas não têm alternativa senão irem por estradas mais perigosas, o que aumenta a sinistralidade, e isso também tem custos

para o Estado.

Portanto, estas são medidas que merecem ser viabilizadas e que merecem ser discutidas na especialidade,

mas que, desenquadradas do que fazer para proporcionar alternativas aos nossos concidadãos, nomeadamente

aos do interior, ficariam sempre desgarradas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Sr. Deputado Rui Tavares, eu é que lhe agradeço. Vamos passar a uma intervenção do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. Tem a palavra a Sr.ª

Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há um consenso relativamente ao facto de as portagens serem abusivas. Elas são discriminatórias, partilham o País, dividem-no, afastam-no, são

uma penalização a quem vive no interior, são uma penalização a quem tem de se deslocar para trabalhar, a

quem não tem alternativas de transporte público, a quem já enfrenta as dificuldades do aumento dos preços dos

combustíveis, a quem não pode estar à espera de que uma ferrovia ou um transporte público chegue à sua

localidade, a quem, mesmo vivendo no centro do País, tem de atravessar a ponte, porque vive na margem sul

e trabalha em Lisboa.

Estas portagens não são uma inevitabilidade. Estas portagens não são o preço do desenvolvimento, não são

o custo nem o castigo que as populações têm de pagar para ter acesso a infraestruturas. Estas portagens são

o preço de uma opção política: a opção pelo modelo das parcerias público-privadas (PPP), a opção pelo

favorecimento de grupos privados do setor bancário e do setor da construção. As portagens não são um símbolo

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de um Estado forte e ganancioso, são o reflexo de um Estado fraco, que não é capaz de fazer frente aos

interesses económicos.

E é exatamente por isso que nada é feito. Nada é feito porque a direita e o Partido Socialista não querem

enfrentar os interesses económicos, porque, em vez de contrariarem estes interesses, são membros do Governo

que, depois, acabam nos conselhos de administração das construtoras e das empresas que ficaram com as

concessões dos negócios que eram públicos.

Já muito foi tentado, Sr.as e Srs. Deputados, para acabar com as SCUT (sem custos para o utilizador). Todos

os anos, nos Orçamentos do Estado, o Bloco de Esquerda apresenta, tal como o PCP, o fim das SCUT — retirar

a cobrança de portagens à Autoridade Tributária; uma amnistia para todas as dívidas de portagens cobradas

pela Autoridade Tributária; o resgate das concessões leoninas das PPP — e todos os anos estas propostas são

chumbadas. A direita só vota a favor destas propostas quando o PS tem maioria absoluta e sabe que nada

muda, porque quando a direita tinha maioria aqui, na Assembleia da República, nunca se juntou à esquerda

para aprovar estas propostas.

A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Ai, juntámos, juntámos!

O Sr. Filipe Melo (CH): — É lógico!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — O PSD podia tê-lo feito. Na anterior Legislatura, o PSD podia tê-lo feito, podia ter juntado os seus votos aos votos da esquerda para contrariar o Partido Socialista, e nunca o fez.

Escolheu não o fazer, tem medo de enfrentar os interesses económicos.

O PSD traz-nos agora um projeto em que recomenda ao Governo que faça o que o Governo prometeu fazer,

mas não fez. Enfim, votaremos a favor desse projeto, mas devo dizer que não depositamos nenhuma esperança

na vontade da maioria absoluta.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Peço aos Srs. Deputados que ocupem os seus lugares, que não virem as costas à Mesa e que criem condições de silêncio e serenidade para continuarmos este debate que, obviamente,

é muito relevante para as populações.

Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Salgueiro

Mendes.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista tem, sistematicamente, negado as suas responsabilidades nesta matéria para com os portugueses. O PS não teve

ainda a coragem de se reencontrar com a história, mas a história, a seu tempo, ajustará contas com o Partido

Socialista.

A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — Vão ver a história!

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — A história também vos vai encontrar!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — A saber: primeiro, foi o Governo socialista do Primeiro-Ministro José Sócrates que, em 2010, decidiu aplicar portagem nas SCUT.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Segundo, foi o Secretário de Estado Paulo Campos que se esmerou a justificar a necessidade da medida,

tentando convencer os portugueses em 2010 e parte de 2011.

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Aplausos do PSD.

Terceiro, a aplicação das portagens nas SCUT foi a solução encontrada pelo Primeiro-Ministro José Sócrates

para financiar o desvario do PS nas PPP, depois das dúvidas do Tribunal de Contas.

Aplausos do PSD.

Quarto, os encargos com as PPP rodoviárias representam hoje, ainda, 1100 milhões de euros/ano e mais de

4000 milhões de euros até 2026.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Quinto, os encargos das PPP esmagam o orçamento da IP (Infraestruturas de Portugal) sem a folga orçamental necessária para a requalificação da rede viária nacional,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vai daí?…

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — … mau grado a ineficácia do Governo de reforço da proteção orçamental da IP para malgrado das populações, em especial dos autarcas deste País.

Sexto, o PSD, como partido responsável, não apresentou nem aprovou medidas de abolição geral das

portagens, pelo impacto orçamental das mesmas, que bloqueariam a atividade da IP, bem como outras áreas

da governação deste País.

Vozes do PSD: — Chama-se a isso responsabilidade!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sétimo, o PSD apresentou em 2021, a esta Assembleia — e esta Assembleia aprovou —, a eliminação do pórtico de Neiva em Viana do Castelo, medida que até hoje o Governo

não cumpriu.

Oitavo, o PSD apresentou e, com o apoio de outras forças políticas desta Casa, viu aprovado, em sede do

Orçamento do Estado para 2021, um modelo de desconto efetivo de 50 a 75 % das portagens.

Nono, o Governo do PS, contrariando e usando vários truques legais, ainda não cumpriu com a deliberação

soberana desta Assembleia, num claro desrespeito para com esta Casa, mas em especial para com todos os

portugueses.

Décimo, não é só o Governo que desrespeita esta Assembleia e todos os portugueses, são, igualmente, os

Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que têm apoiado a postura do seu Governo, ou seja,

pactuado com o poder absoluto da maioria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): ⎯ Agora, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Melo.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado André Pinotes Batista: O senhor tem uma voz muito forte, mas vou dizer-lhe que mais importante que o poder da voz é o poder da palavra, e o

poder da palavra com verdade, coisa que o PS desconhece.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Vou dizer-lhe porquê. O Polígrafo, de que vocês tanto gostam, já disse que era verdade que, em 2015, António Costa disse que iria acabar com as portagens na Via do Infante.

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — É verdade, em campanha eleitoral!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Estamos em 2023 e ainda não o fez. É o poder da verdade das palavras que o PS não sabe o que significa.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Vou concluir, Sr. Presidente, muito rapidamente. Só queria dizer outra coisa. O senhor disse que o valor das portagens está a baixar. Mais uma vez, é o poder

da verdade das palavras. As portagens estão a subir, em janeiro voltaram a subir.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É verdade!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Dou-lhe só dois exemplos muito concretos: Lisboa-Porto é mais 1,05 € e Lisboa-Algarve é mais 1,10 €. É o poder da verdade das palavras socialistas!

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado André Pinotes Batista, pede a palavra para que efeito?

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa, porque foi dita uma coisa que eu não disse e que, manifestamente, é grave. Se o Sr. Presidente entender que tem cabimento uma

interpelação à Mesa, gostaria de a fazer. Se não tiver, disciplinadamente tomarei o meu lugar, respeitando a sua

decisão. Não é para alegação nenhuma, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Mas, Sr. Deputado, V. Ex.ª vai dirigir-se a mim ou ao Sr. Deputado Filipe Melo?

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Vou dirigir-me a si, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Dirija-se, então, a mim, se faz favor. Queira ser conciso na sua interpelação à Mesa.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Vou ser o mais telegráfico possível, Sr. Presidente. Quero só pedir que distribua a ata, quando estiver aprovada, porque ainda não é do domínio público, ao

Deputado do Chega. Eu não disse manifestamente aquilo que aqui foi referido e isso é grave, porque não foi a

minha intervenção.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Foi, foi! Já nem sabem o que dizem!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Peço aos serviços que avisem a Mesa quando estiver devidamente publicada a ata da sessão de hoje.

Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Seguramente, este debate vai continuar, mas por hoje termina, da nossa parte, desta forma.

Vou chamar a vossa atenção para estas três frases que passo a citar: «Depois de tantas declarações

inflamadas de diferentes dirigentes do PSD e do PS, depois de tanta tinta vertida nos jornais, na hora da verdade,

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PS e PSD divergem apenas no regime de isenções. Indiferentes quanto à injustiça que estas portagens

representam, PS e PSD tentam corrigir o desastroso erro que é o modelo de financiamento das SCUT com um

erro ainda pior, que é cobrar portagens nestas vias. […] O PCP não tem duas caras, luta e irá continuar a lutar,

dentro e fora da Assembleia da República, contra esta medida e daqui afirmamos a nossa solidariedade e a

nossa saudação aos movimentos de utentes e a todos aqueles que estão contra estas portagens.»

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, acabei de ler passagens da intervenção do PCP, do meu camarada Deputado Jorge Machado, em 2010. É lamentável que tudo isto continue tão verdadeiro em 2023.

Mas cá continuaremos na luta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Vamos passar agora ao encerramento deste terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos. Sendo assim, dou a palavra ao Sr. Deputado Luís Gomes, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Luís Gomes (PSD): — Sr. Presidente: Este debate foi importante para percebermos aquilo que cada um dos grupos parlamentares pensa relativamente a esta matéria. Percebemos que, para o Bloco e para o

Chega, os opostos atraem-se.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Ei! Calma aí com a carroça!

O Sr. Luís Gomes (PSD): — Portanto, percebemos claramente que, para estes dois partidos, tudo é possível: tudo gratuito e depois, naturalmente, o povo pagará.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — O povo já pagou!

O Sr. Luís Gomes (PSD): — Depois, temos o Partido Socialista, que vem aqui com um tratado — se me permite, e não me leve a mal — de demagogia com dez páginas escritas, em que o Sr. Deputado refere que,

afinal, o Governo baixou as portagens.

Risos do Deputado do PS André Pinotes Batista.

Protestos do Deputado do PS Francisco Rocha.

Sabe porque é que baixou as portagens, Sr. Deputado? Porque o PSD, em 2020, apresentou uma proposta

nesta Casa, que foi aprovada e que levou à redução das portagens nas SCUT do interior. Esta é a verdade!

Aplausos do PSD.

Mas depois, como se não bastasse, com pouco sentido democrático, desrespeitando a vontade do povo —

porque as pessoas que têm assento aqui, nesta Câmara, são eleitas pelo povo —, pela porta do cavalo, em

sede de Conselho de Ministros, revogou as portarias para vigorar um desconto não de 50 %, que foi aprovado,

mas de apenas 30 %. Esta é a realidade, esta é a verdade dos factos.

O Sr. André Pinotes Batista (PS): — É pena ser mentira!

O Sr. Luís Gomes (PSD): — Mas também, como estamos em tempo de perdão e de reflexão, Sr. Deputado, este é o momento para o Partido Socialista voltar atrás e cumprir aquilo que o senhor acabou de dizer. Se,

efetivamente, estão preocupados com as populações do interior, com os territórios do interior, com as pessoas

e as empresas do interior,…

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O Sr. André Pinotes Batista (PS): — O Algarve!

O Sr. Luís Gomes (PSD): — … desde o Minho até ao Algarve, como V. Ex.ª acabou de dizer, esta é uma oportunidade para reporem a verdade, a verdade das vossas palavras, para que a vossa palavra, ao contrário

do que tem sido a prática, possa, pelo menos aqui, ser honrada.

Vamos ver amanhã se o Partido Socialista vai estar a favor do interior ou contra o interior, como sempre tem

estado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Fica, assim, encerrado este terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos. Passamos, de imediato, ao quarto ponto da ordem de trabalhos, que tem a ver com a apreciação conjunta,

na generalidade, dos Projeto de Lei n.os 65/XV/1.ª (PCP) — Confere natureza de título executivo às decisões

condenatórias da ACT e altera o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança

social, procedendo à terceira alteração à Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro e 543/XV/1.ª (BE) — Confere

força executiva às decisões condenatórias da Autoridade para as Condições do Trabalho para suspensão de

despedimento e sanções abusivas e aprofunda o regime jurídico para combater o assédio no trabalho.

Para apresentar o projeto de lei do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Alfredo Maia.

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projeto de lei que o PCP hoje propõe, conferindo natureza de título executivo às decisões condenatórias da Autoridade para as Condições do Trabalho

(ACAT) e alterando o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, constitui

um avanço indispensável no combate efetivo à precarização das relações de trabalho e à exploração de trabalho

não declarado ou de trabalhadores com contrato dissimulado.

De acordo com o último relatório da atividade da ACT disponível, em 2020 foram detetados 275 contratos

dissimulados e 1013 contratos não declarados, o que representou subidas expressivas em relação a 2019,

quando foram encontrados 185 contratos dissimulados e 794 não declarados. É verdade que, em 2021, estes

valores baixaram para 115 e para 807, respetivamente. Mas tal não significa que o problema deixe de ser grave

— continua, de facto, a ser grave — e muito menos que não tenha uma expressão real bem superior mas que

a ACT pode não ter conseguido identificar.

Pelo contrário, estamos certos de que tais fenómenos são bem mais extensos, profundos e continuados e

que persistem porque as medidas de deteção, caracterização, apreciação e condenação continuam a ser

insuficientes e porque o patronato vai encontrando formas cada vez mais ardilosas de ludibriar a fiscalização e

contornar a lei. Trata-se de práticas que não podem ser toleradas, Srs. Deputados.

Como bem salienta a ACT, fenómenos como o trabalho não declarado, a dissimulação do contrato de

trabalho através da falsa prestação de serviço, os falsos estágios remunerados ou falsas situações de

voluntariado contribuem para a segmentação social, especialmente ao afastar importantes grupos de

trabalhadores da proteção social, designadamente em caso de doença, acidente de trabalho ou doença

profissional, e ao prejudicar a carreira contributiva, assim como geram condições inaceitáveis de trabalho,

discriminação e exclusão social, ao mesmo tempo que subtraem importantes receitas públicas.

Como sublinhamos na exposição de motivos, para o PCP, é possível e urgente promover de uma vez por

todas um efetivo combate aos recibos verdes, para trazer justiça à vida de milhares de trabalhadores que são

duramente explorados e sujeitos a uma brutal precariedade, sendo urgente a criação de mecanismos

dissuasores do recurso a estas práticas ilegais, assim como dar ao trabalhador a possibilidade de recorrer a

meios mais eficazes de reconhecimento da relação subordinada através da ação executiva.

É assim que, sempre que for detetada pela ACT uma situação irregular de recurso ilegal à prestação de

serviços, deve ser dada força executiva à decisão condenatória, a fim de que o trabalhador veja reconhecida a

relação subordinada com o empregador e que esta seja imediatamente convertida em contrato de trabalho sem

termo.

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Por outro lado, a proposta do PCP visa que a emissão de meros autos de advertência seja limitada apenas

aos casos de infrações classificadas como leves e que não causem no imediato prejuízo grave para os

trabalhadores.

Trata-se, em última análise, Srs. Deputados, de contribuir para a correção de uma lei, a Lei n.º 63/2013, que

um acórdão da Relação do Porto de 2014 adverte suscitar, cito, «imensas dúvidas e questões» e que está, volto

a citar, «cheia de incongruências», mas que não foi resolvida com a recente alteração sofrida no âmbito das

alterações à legislação laboral, no contexto da mal chamada Agenda do Trabalho Digno.

Combater a iniquidade da precariedade, do trabalho não declarado ou dissimulado constitui uma prioridade

absoluta que obriga todos os partidos e à qual nomeadamente o PS não pode furtar-se.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado Alfredo Maia, a intervenção de V. Ex.ª suscitou um pedido de esclarecimento…

A Sr.ª Carla Castro (IL): — Não, Sr. Presidente, porque o Sr. Deputado não tem tempo de resposta.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Com certeza! Perfeitamente compreensível! Passamos, agora, à apresentação do projeto de lei do Bloco de Esquerda. Tem a palavra a Sr.ª Deputada

Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Eugénio Rego é um dos exemplos paradigmáticos do assédio laboral, apesar de, infelizmente, não ser o único. Eugénio não aceitou um horário

abusivo e, por isso, foi alvo de retaliação por parte da empresa.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Era funcionário do Bloco de Esquerda?

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Foi colocado sucessivamente em postos distantes e, quando isso não foi suficiente, a empresa, a Vigiexpert, decidiu colocá-lo num posto falso, num parque de estacionamento, a vigiar

três lugares de estacionamento, ao relento, sem portaria, sem acesso à casa de banho, exposto a qualquer

condição atmosférica. Mas quando isto não resultou, colocaram-no nestas condições, mas num horário noturno.

Recordamos, igualmente, a luta incansável de Cristina Ferreira, trabalhadora da cortiça. Também da TAP

(Transportes Aéreos Portugueses) têm chegado a este Parlamento relatos de assédio, essencialmente a

mulheres mães de famílias monoparentais e hoje mesmo, neste Parlamento, ouvimos relatos desse género da

própria Caixa Geral de Depósitos.

São apenas quatro exemplos, quando temos milhares de pessoas a sofrer este abuso, e, por isso,

precisamos de insistir para que estas atitudes não continuem impunes.

Em 2017, este Parlamento conseguiu avanços importantes no quadro legislativo para a prevenção da prática

de assédio laboral. Foram meses de um amplo debate, audições de várias entidades públicas, sindicatos,

juristas, investigadores, entre vários outros. Com a aprovação da lei, em 2017, passos relevantes foram dados,

como a clarificação da proibição de todos os tipos de assédio e o estabelecimento de mecanismos de proteção

de quem faz as denúncias; passou a considerar-se abusivo o despedimento decorrente de queixa de assédio;

imputaram-se às empresas os custos relacionados com os danos e as doenças decorrentes dessa prática; e

passou a ser obrigatória a lista de empresas condenadas por assédio ou, também, a adoção de códigos de boa

conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho.

No entanto, nem tudo ficou garantido. O alargamento da inversão do ónus da prova a todas as situações de

assédio, por exemplo, continua, para nós, a ser um ponto central deste debate. Mas, mais do que isso, a

realidade de demasiados trabalhadores e trabalhadoras continua a provar que há práticas de assédio

absolutamente inaceitáveis e que continuam impunes.

Por isso, consideramos que é importante reconhecer uma eficácia efetiva às ações da ACT, neste âmbito,

conferindo a natureza de título executivo às suas decisões condenatórias, permitindo, desta forma, que os

despedimentos abusivos, por exemplo, sejam suspensos.

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Com o projeto-lei que é agora apresentado, e sem prejuízo de outras políticas públicas que sejam

necessárias — e elas são necessárias —, conferimos, então, maior eficácia à atuação da ACT, mas também

aprofundamos o regime de combate ao assédio, repartindo o ónus da prova e, igualmente, clarificamos os

fundamentos da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, retirando a menção à denúncia de assédio.

Parece-nos claro que esta matéria deve colher um amplo apoio. Falamos de situações gravíssimas e, por

isso, precisamos de facilitar a prova do assédio e precisamos de dar mais poderes à ACT para impedir a

retaliação contra os trabalhadores que denunciam este assédio. No fundo, aquilo de que precisamos é de

densificar a proteção às pessoas que devem ter, na capacidade de ação imediata da ACT, mais uma defesa

contra as práticas de perseguição e de vingança que são perpetradas por várias empresas.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Passamos, agora, às intervenções dos grupos parlamentares que não têm iniciativas.

Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal, tem a palavra Sr.ª Deputada Carla

Castro.

A Sr.ª Carla Castro (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falamos hoje de projetos de lei que conferem natureza de título executivo às decisões condenatórias da ACT. Muito bem!

Parece que o PCP, com os seus títulos e retóricas, vem aqui defender direitos, quando os viola

grosseiramente. Conferir título executivo às decisões da ACT sem permitir o recurso ao tribunal com caráter

suspensivo é contrário à Constituição, por violação do princípio do contraditório. Entramos em campos de acesso

à justiça e de presunção de inocência.

Vamos imaginar este cenário: um microempresário, dono de um pequeno negócio de artesanato, por

exemplo, é visitado, certo dia, pela ACT. Nessa visita, o inspetor da ACT aplica-lhe uma coima, pois entende

que este microempresário violou, mesmo que não se tenha apercebido, quem sabe, um dos 584 artigos do

Código do Trabalho, uma das dezenas de leis ou centenas de normas a que está sujeito. Mas bem sabemos

que a ignorância da lei não aproveita a ninguém e, portanto, a ACT profere uma decisão condenatória a este

microempresário, a este artesão.

Com a proposta de lei do PCP, esta decisão da ACT passa a ter título executivo, o que significa que passa

a poder fundamentar a penhora da reforma ou da casa, enquanto na lei atual as decisões da ACT apenas são

definitivas e exequíveis se não forem judicialmente impugnadas e o recurso ao tribunal pode fazer suspender

os efeitos da decisão da ACT, com o depósito do valor de coima.

Ora, com a redação desta lei proposta pelo PCP, tal deixaria de suceder. Mesmo se este microempresário

pedisse apoio judiciário, conseguisse ter um advogado e ainda conseguisse fazer o esforço de depositar o valor,

veria, mesmo assim, penhorada a sua reforma, penhorada a sua casa.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — É porque não é um artesão!

A Sr.ª Carla Castro (IL): — Passado uns meses, ou uns anos, o tribunal até lhe poderá dar razão, porque, se calhar, a ACT viu mal ou o inspetor decidiu mal, pelo motivo que for, mas aí já será tarde e foram negados

direitos. Assim, perguntamos: é esta a defesa dos trabalhadores? É este o Estado direito? É esta a dignificação

da justiça? É esta a reposição da justiça?

Não concordamos, não poderíamos concordar com esta proposta do PCP. A luta de classe cega leva ao

atropelo de direitos fundamentais, ao abrigo do Estado de direito.

Simplificação, sim. Justiça, sim. Atropelo de direitos, não.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Maravilha. Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Hugo Maravilha (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não precisarei de entrar em grandes considerações para desconsiderar cada um dos projetos de lei, quer o do PCP, quer o do Bloco de Esquerda.

Vejamos, relativamente ao do PCP e à ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, o que

nos diz, atualmente, o Código do Trabalho.

Lembro aos Srs. Deputados que a ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho está

prevista no Código de Processo do Trabalho e, para quem anda nas lides do tribunal, este processo — até

porque é qualificado como urgente — é relativamente célere.

Então que regime é que nos propõe o PCP? O PCP propõe a introdução de uma ação executiva, na

sequência da ação da ACT, a ser movimentada pelo trabalhador e à qual o Ministério Público pode aderir.

Aqui chegados, impõem-se alguns esclarecimentos e o primeiro deles é este: ao prever-se que o Ministério

Público pode aderir à ação, significa isso que está arredado o natural patrocínio do trabalhador pelo Ministério

Público, que é, aliás, o detentor da legitimidade ativa para a propositura da ação de reconhecimento da

existência de contrato de trabalho.

Depois, pergunta-se, também: que execução é esta? É uma execução para prestação de facto e com

integração imediata do trabalhador?

Por outro lado, esta execução segue as regras gerais do Código de Processo Civil? Ou seja, não tem carácter

urgente e é obrigatória a constituição de mandatário?

Por fim, uma última nota: parece-me incongruente que o n.º 3 do vosso artigo 26.º diga que o trabalhador

perde o direito se não intentar a execução no prazo de 20 dias e a alínea a) do artigo 15.º diga que, afinal, se

não intentar a ação, ele pode encaminhar o processo para o Ministério Público. Portanto, estas incongruências,

obviamente, terão de ser esclarecidas.

Relativamente ao projeto do Bloco de Esquerda, perdoem-me a expressão, Srs. Deputados do Bloco de

Esquerda, mas, efetivamente, eu diria que é quase anedótica a redação do artigo 26.º

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É verdade!

O Sr. Hugo Maravilha (PSD): — É anedótica, porque quem o elaborou não tem a mínima noção do que é, efetivamente, esta matéria do direito. Estamos a falar de um artigo que, por um lado, é inexequível e, por outro

lado, é inútil.

É inexequível por uma simples razão: porque o que o Bloco de Esquerda pretende é atribuir à ACT

competências que ela não tem, nem nunca poderá ter.

Aplausos do PSD.

E que competências são essas? A ACT nunca poderá atribuir a um determinado trabalhador o valor de uma

indemnização e não tem competência para condenar uma entidade empregadora a reintegrar um trabalhador e

o seu trabalho — isto cabe aos tribunais. Portanto, a matéria da ACT é exclusivamente contraordenacional e

caberão aos tribunais, isso sim, estas matérias relacionadas com o despedimento e com a aplicação das

sanções que decorrem dos processos disciplinares.

E este artigo é inútil, por uma razão muito simples: a vossa preocupação é a suspensão do despedimento,

mas há um artigo no Código do Trabalho, o artigo 386.º — Suspensão do despedimento, que é o procedimento

cautelar que visa, precisamente, a suspensão desse efeito de despedimento. Portanto, o que vocês estão a criar

já existe na lei e é o artigo 386.º

Aqui chegados, quer o projeto do PCP, quer o projeto do Bloco de Esquerda, atento a estes considerandos,

nenhum deles merecerá, obviamente, a concordância do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumprimento o Bloco de Esquerda e o PCP pelos temas que trazem a debate. São preocupações legítimas, mas cuja solução jurídica, de alguma

forma, nos merece alguns reparos, e acompanhamos muito daquilo que já foi exposto do ponto de vista jurídico.

De facto, por um lado, já existem medidas, nomeadamente cautelares, para suspender o despedimento no

âmbito do próprio Código de Processo do Trabalho, e, por outro, também não nos podemos esquecer de que

conferir a força executiva poderá, de alguma forma, ferir os princípios constitucionais em vigor.

Na dimensão do que o projeto do Bloco de Esquerda, nomeadamente, nos traz relativamente ao assédio no

trabalho, sim, acompanhamos aquilo que é proposto. Não nos podemos esquecer do impacto que tem e da

necessidade de densificação destas matérias — aliás, é uma matéria que já na Legislatura passada tinha sido

trabalhada nesta mesma Assembleia, mediante outras propostas e iniciativas legislativas, para que se pudesse

combater o assédio no trabalho.

Nessa dimensão, estamos plenamente de acordo, pelo que a necessidade de garantirmos não só a

clarificação dos conceitos, mas também uma maior proteção das vítimas, que no âmbito do contexto do assédio

laboral sejam alvo, nos parece absolutamente fundamental…

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente. Dizia que nos parece fundamental que estejam dispostos a baixar sem votação, para que, em especialidade,

se possam melhorar as preocupações jurídicas que já aqui foram anunciadas, que podem ferir e desgraçar o

destino das vossas iniciativas.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se há função essencial para uma Casa como esta tem de ser a de se interpor entre o forte e o fraco, de poder combater as assimetrias de poder, erradicá-las e

equilibrar o terreno de jogo para que o fraco tenha uma hipótese de fazer valer a sua vida, a sua dignidade nos

conflitos, nomeadamente no local de trabalho, onde eles são cada vez mais prevalentes.

Quem os negar é porque não conhece a realidade, é porque não vê a realidade de quem está num call center

a ser chamado e, às vezes, recusado o seu trabalho, de um minuto para o outro, por SMS (short message

service);…

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Não é isso que está em causa!

O Sr. Rui Tavares (L): — … a realidade de quem está sujeito ao assédio moral no local de trabalho; a realidade de quem está sujeito à precariedade que deixaram — deixámos, deixaram os poderes! — que

campeasse no nosso mundo do trabalho, em Portugal.

Chegados aqui, o que ouço são dúvidas jurídicas para não se responder a uma pergunta fundamental:…

Risos do Deputado do CH André Ventura.

… vocês acham que, para defender o mais fraco perante o mais forte, precisamos, ou não, de uma Autoridade

para as Condições do Trabalho que tenha capacidade de fazer valer a sua voz?

Se há dúvidas jurídicas, há uma maneira fácil de as dirimir, que é nós próprios fazermos o nosso trabalho,

em especialidade…

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Tavares (L): — Assim termino, Sr. Presidente: se acham que a Autoridade para as Condições do Trabalho não deve fazer aquilo para que foi criada, é outra história. Se acham que para fazer aquilo para que

foi criada e ter as outras funções que lhe devem ser agregadas precisa de mais meios, estamos convosco.

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Agora, pretextar dúvidas jurídicas para não ir para a especialidade e deixar tudo como está é deixar os mais

fracos à mercê dos mais fortes.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mara Lagriminha.

A Sr.ª Mara LagriminhaCoelho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Durante este ponto, estivemos a debater uma vez mais, nesta Casa, a forma como entendemos, regulamos, fiscalizamos as relações

laborais, que mecanismos a legislação pode e deve introduzir para tornar a aplicação da lei mais célere, mais

rápida e eficaz, numa relação que sabemos que não é igual e na qual o trabalhador carece de especial proteção.

O PCP e o Bloco de Esquerda, a quem naturalmente agradecemos as iniciativas legislativas, apresentam

projetos que convergem no objetivo de conferir natureza de título executivo às decisões condenatórias da ACT,

alterando a Lei n.º 107/2009, que prevê o regime processual aplicável às contraordenações laborais e da

segurança social, pretendendo ainda, no caso do projeto do Bloco de Esquerda, introduzir alterações à Lei

n.º 73/2017, nomeadamente, propondo a inversão do ónus da prova a todas as situações de assédio laboral.

Caras e Caros Deputados, é verdade que um dos grandes desafios do nosso mandato é mesmo não dar

tréguas à precariedade, introduzir profundas alterações na lei laboral e transformar verdadeiramente as relações

laborais, reforçando os direitos dos trabalhadores, porque, sim, continua a não ser uma relação igual, com mais

e novos desafios ajustados ao tempo presente e à revolução tecnológica.

Foi exatamente isso que fizemos nos últimos meses, no Governo e no Parlamento, para fechar a Agenda do

Trabalho Digno, que é a maior reforma laboral das últimas décadas…

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Exatamente!

A Sr.ª Mara LagriminhaCoelho (PS): — … e é fiel ao trajeto que fizemos em conjunto nos últimos anos, que foi aprovada nesta Casa, com os votos além da maioria do PS.

O que nos cabe perguntar, o que os portugueses querem mesmo saber é onde estavam o PCP e o Bloco de

Esquerda, que, uma vez mais, depois da maratona, quilómetro a quilómetro, a corrermos lado a lado nas

votações da especialidade, muitas vezes no mesmo sentido, chegaram à meta e não a cruzaram. É como quem

diz, votaram contra mais direitos e menos precariedade,…

Aplausos do PS.

… curiosamente, ao lado da Iniciativa Liberal, que, como bem sabemos nesta Casa, levantou sempre a sua

voz para defender a lei dos mercados. Essa é a verdade.

Sim, o Partido Socialista, no Governo e no Parlamento, sempre contribuiu para os avanços da legislação

laboral, para a proteção dos direitos dos trabalhadores e para a defesa da dignidade do trabalho. Fizemo-lo

muitas vezes, à nossa esquerda; fizemo-lo, agora, com a aprovação inequívoca da Agenda do Trabalho Digno,

que irá contribuir de forma decisiva, real e sem retórica para a melhoria das condições de trabalho, para o

combate à precariedade, para a proteção dos jovens no emprego, para a valorização dos salários, para

incentivar o diálogo social e a negociação coletiva, para a promoção da igualdade no mercado de trabalho, para

a conciliação e para reforçar, efetivamente, os mecanismos de fiscalização, fortalecendo a ACT.

É por isso que a apresentação destas iniciativas que hoje debatemos, depois de longos meses de discussão,

de debate e de aprovação do texto final da Agenda do Trabalho Digno, que está neste momento para

promulgação, coloca em causa a estabilidade do processo legislativo, que deve assegurar a sustentabilidade

futura das soluções encontradas e garantir que dos diferentes processos não resultem passos que tenham de

ser retrocedidos.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito bem!

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A Sr.ª Mara Lagriminha Coelho (PS): — Com a aprovação da Agenda do Trabalho Digno, salvaguardamos o reforço da ACT, que durante os últimos anos foi determinante para o combate à precariedade e ao trabalho

não declarado, com reforço de meios humanos.

Se analisarmos os relatórios de 2021 da ACT, sabemos que esta dispõe de mais de 400 inspetores do

trabalho, tendo tido um acréscimo de 20,5 % em relação ao quadro de pessoal de 2020, quando em 2017 eram

apenas 303 inspetores.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Mara Lagriminha Coelho (PS): — A Agenda do Trabalho Digno prevê poderes reforçados da ACT, nomeadamente, através da fiscalização automática, com cruzamento de dados, para conversão de falsos

contratos a prazo em contratos permanentes; do poder da ACT de desencadear a conversão de falso contrato

a termo; da suspensão de despedimento ilícito, através da ação da ACT junto do Ministério Público, como deve

ser;…

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Mara Lagriminha Coelho (PS): — … da criminalização pela utilização de trabalho totalmente não declarado; de os créditos dos trabalhadores não poderem ser extintos por meio de remissão abdicativa; do

aumento da compensação por cessação de contrato de trabalho a termo para 24 dias por ano;…

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Exatamente!

A Sr.ª Mara Lagriminha Coelho (PS): — … ou de medidas como a alteração para combater o recurso abusivo do trabalho temporário.

Caras e Caros Deputados, podia elencar aqui centenas de alterações que levaram meses a ser concluídas,

mas que, hoje, já não representam apenas um compromisso, mas uma realidade.

A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Mara Lagriminha Coelho (PS): — Os projetos do Bloco e do PCP dizem pretender combater a precariedade, os falsos recibos verdes, o trabalho não declarado e dar novas competências à ACT que

alterariam, inclusive, a sua natureza de autoridade inspetiva e fiscalizadora, dando-lhe poderes judiciais que

esta não tem nem pode ter.

Mas a realidade, como todos sabemos nesta Casa, é que na hora de realmente tornar a legislação laboral

mais robusta, votaram contra, Srs. Deputados. Votaram contra a aprovação da Agenda do Trabalho Digno.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr.ª Deputada, tem mesmo de terminar.

A Sr.ª Mara Lagriminha Coelho (PS): — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente, dizendo apenas que, deste lado da bancada, sabemos que a valorização e a dignificação do trabalho se garantem com verdadeiras reformas

que esta Casa aprovou e, por isso, este é mesmo o tempo da estabilidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, era importante clarificar aqui o seguinte: a luta contra a precariedade, contra o assédio e contra a assimetria de poder é fundamental nas relações que hoje se

estabelecem, dentro e fora do mercado, mas essas assimetrias não podem ser corrigidas com o recurso a

absurdos jurídicos como aqueles que o PCP e o Bloco de Esquerda propõem.

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — Espero que isto fique claro, hoje. E porquê? Os projetos do Bloco de Esquerda e do PCP não distinguem, sequer, a que tipo de empresas isto se aplicaria,

o que significa que se aplicaria de igual forma a uma microempresa ou à maior das empresas portuguesas. Mas,

como é evidente, isso não faz nenhum sentido face à lógica dos próprios títulos executivos.

Criar uma presunção de contrato de trabalho é algo absurdo face à nossa legislação. Significa que um título

executivo presumiria a construção jurídica de um contrato,…

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Já existe noutras matérias!

O Sr. André Ventura (CH): — … o que, como toda a gente compreende, sem a configuração jurídica da legislação, neste caso, adicionada neste projeto, não faz qualquer sentido. Mas vai mais longe, dá-lhe força

executiva.

Como os Srs. Deputados sabem, no Código de Processo Civil, há um princípio da taxatividade dos títulos

executivos. Não fomos nós que o inventámos, é uma coisa de há muitos anos e nós, que estamos aqui, devemos

saber isso!

Ora, o que é que significa a taxatividade? Significa que só aqueles é que são, e não outros inventados à

pressão.

Mais, na exceção que existe à taxatividade, que é o caso da lei fiscal, há um mecanismo que se opõe a essa

força executiva, que é o mecanismo da oposição em execução fiscal: quando há uma citação, pode haver, por

parte do contribuinte, uma oposição.

Ora, qual é o mecanismo que o PCP e o Bloco propõem para contrapor o título executivo da ACT? Nenhum.

Logo por aí seria inconstitucional, e não compreendo, Sr. Presidente, como é que isto chegou sequer aqui.

Mas vamos ao debate sobre o que é isto. Qual era o mecanismo de oposição, proposto pelo PCP, contra o

título executivo? Não existia!

Ora, é absurdo haver um título executivo sem oposição.

Risos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão.

É absurdo! Tanto que, quando foi feita esta alteração na lei fiscal, nos anos 90, a primeira preocupação do

legislador — aliás, por força de decisões do Tribunal Constitucional — foi de obrigar à propositura de uma ação

de oposição, para garantir que o contribuinte não era executado sem qualquer oposição. Isto está nos acórdãos

do Constitucional dos anos 90 e é fácil de ver.

Mais, diz Marco Carvalho Gonçalves, num livro a que é fácil de aceder, que é o livro Lições de Direito de

Processo Civil Executivo. Todos nós, os juristas, já o lemos, penso eu. Diz assim: «Um título executivo é um

documento que confere o grau de certeza necessário para que possam ser concretizadas as diligências

executivas no património do devedor.» Oiçam bem, «no património do devedor».

Logo por esta descrição se percebe porque é que ele não pode ser feito ou sem a participação judicial ou

sem oposição, porque vai direto ao património de quem está do outro lado. Portanto, é um absurdo jurídico.

Esta proposta revela apenas um enorme e profundíssimo desconhecimento da lei e não merecerá o apoio

do Chega.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para intervir pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Maravilha.

O Sr. Hugo Maravilha (PSD): — Sr. Presidente, queria apenas dizer ao Sr. Deputado Rui Tavares…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Já foi embora!

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O Sr. Hugo Maravilha (PSD): — … que o PSD não faz atropelos à lei.

A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Exatamente!

O Sr. Hugo Maravilha (PSD): — Portanto, a lei é o que é e não podemos apresentar aqui projetos de lei que a violem, nem o PSD corroborará qualquer projeto de lei que viole a lei como me parecem fazer, claramente,

quer o projeto do PCP quer o projeto do Bloco de Esquerda.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

O Sr. André Ventura (CH): — Isabel Pires?!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — O debate não terminou ainda, dispondo de tempo os grupos parlamentares do PSD, do Chega, da Iniciativa Liberal e do Bloco de Esquerda, e depois haverá o encerramento por parte do

PCP.

A Mesa tem a inscrição da Sr.ª Deputada Isabel Pires e, depois, para o encerramento, do Sr. Deputado

Alfredo Maia. Não há mais inscrições, ainda.

Pausa.

Dizem-me que há também a inscrição do Sr. Deputado André Ventura. Então, neste caso, dou a palavra ao

Sr. Deputado André Ventura, não tem problema nenhum.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, não me importo de falar antes do Bloco de Esquerda.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado, faça favor.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, quero apenas dar a nota prévia, já que ainda vão intervir a Sr.ª Deputada do Bloco de Esquerda e o Sr. Deputado do PCP, de que há outros dois outros argumentos

importantes, que penso que para o debate seriam relevantes.

O primeiro argumento é o de que, mesmo no caso das sentenças que hoje têm título executivo, o Código de

Processo Civil, no artigo 704.º, estabelece os requisitos da exequibilidade. Ora, nos vossos projetos nunca

definem os requisitos da exequibilidade do título executivo, logo aí ele seria flagrantemente ilegal e

inconstitucional, porque, para ser executivo no património do devedor, tem de haver a especificação, a clareza

e a determinabilidade de qual vai ser o título executivo. E o Código é muito claro em relação às sentenças, mas

também aí não o fazem.

Finalmente, e como já foi referido pelo Sr. Deputado Hugo Maravilha, o grande objetivo do PCP neste debate

— e é compreensível — é impedir os despedimentos abusivos e suspender esse processo, só que isso já existe

na legislação laboral. Já o temos, hoje, na legislação laboral, mas é um procedimento que dá contraditório. Como

os senhores devem imaginar, não vamos criar ónus ao outro lado sem qualquer contraditório!

A legislação laboral já estabelece, aliás, em dois momentos diferentes, a possibilidade de providências

cautelares ou de efeito suspensivo sobre os despedimentos. Portanto, não há nenhuma razão jurídica para esse

projeto.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou mesmo concluir, Sr. Presidente.

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Acima disso, criam dois títulos executivos, mas depois não cumprem o regime dos próprios títulos executivos

na sua determinabilidade, na sua exequibilidade e naquilo que tinham de ter. Pior, não criam um mecanismo de

oposição. Portanto, é mesmo absolutamente inconstitucional.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Agora, sim, darei a palavra, para intervir pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, à Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, deixo três notas no final deste debate. Uma à Sr.ª Deputada do Partido Socialista, pois dizer que a Agenda do Trabalho Digno é uma das grandes reformas laborais é um dos

maiores exageros que já se ouviu nesta Assembleia da República, pelo menos do nosso ponto de vista e, por

isso, sim, é que votámos contra, na parte final. Aquilo que seriam as garantias, que da parte dos trabalhadores

não estão consagradas — e é uma discussão que temos nesta Assembleia há vários anos, nomeadamente

sobre as normas gravosas que foram incluídas no Código do Trabalho, em que o Partido Socialista sempre se

recusou, e continua a recusar, a voltar atrás —, mantêm-se, independentemente desta tal suposta agenda digna

do trabalho.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente. Portanto, parece que fica claro que neste debate que, para rejeitar qualquer medida que seja aqui

apresentada em prol dos trabalhadores, o Partido Socialista vai sempre apresentar a desculpa do trabalho digno.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Mesmo para terminar, e peço desculpa, Sr. Presidente, quero deixar duas notas. Creio que a desconsideração pelo facto de as relações laborais não serem uma relação igual não pode

justificar a não alteração e a visão que temos sobre o que é a ACT, porque já há outras autoridades que têm,

sim, poderes que a ACT não tem…

O Sr. André Ventura (CH): — Não é isso que está em causa!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — … e, do nosso ponto de vista, isso não faz qualquer sentido.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr.ª Deputada, tem mesmo de terminar.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Temos de garantir a proteção a estes trabalhadores, que são vítimas de assédio.

O Sr. André Ventura (CH): — Está bem, mas tem de dar uma solução, não é? Tem de fazer sentido juridicamente!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Penso que estamos em condições de avançar para o encerramento do debate e, sendo assim, dou a palavra ao Sr. Deputado Alfredo Maia, para uma intervenção.

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito obrigado pelas questões colocadas. Gostava de recordar que, já hoje, a decisão condenatória de aplicação de coimas tem natureza de título

executivo.

O Sr. André Ventura (CH): — Mas tem oposição!

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O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Portanto, o que se pretende aqui é estender à situação do trabalhador com contrato dissimulado um regime idêntico.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Como é óbvio!

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — De resto, como é evidente, de todas as decisões da Administração há sempre direito de oposição, como sabemos,…

Vozes do PCP: — Claro!

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — … até mesmo quando a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) encontra ratos num estabelecimento e o encerra de imediato.

O Sr. André Ventura (CH): — Mas a ação fiscal é diferente!

Protestos do PCP.

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — O que se pretende fazer, por outro lado, é valorizar a intervenção do próprio trabalhador neste processo e, portanto, não apenas o Ministério Público.

Naturalmente, estamos disponíveis para melhorar este projeto, em sede de discussão na especialidade, mas

são aspetos que queria salientar. Além disso, queria salientar o objetivo central deste projeto, que é o de conferir

maior eficácia — maior eficácia, mesmo! — à ação da ACT.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Isso é que é prioritário!

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Vejamos: há pouco, falei dos números de contratos dissimulados e de contratos não declarados que a ACT refere no seu último relatório.

Em 2021, na verdade, dos 115 contratos dissimulados, apenas 62 — repito, 62 — foram regularizados; ou

seja, 61 % ficaram por regularizar. Dos 807 contratos não declarados, só foram regularizados 502; ou seja, 38 %

ficaram de fora. É esta realidade que é preciso atacar.

Aplausos do PCP.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado, para que efeito?

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa, verdadeiramente a Mesa, e nem tem que ver com o projeto que está agora em discussão.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Então, V. Ex.ª tem a palavra, com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, peço desculpa, pois é uma interpelação pouco habitual na sua qualidade de Presidente em exercício da Mesa da Assembleia da República, mas é apenas para dizer que os

vários grupos parlamentares, penso eu, estão a receber notícias de que vai discursar um chefe de Estado

estrangeiro numa determinada cerimónia na Assembleia da República e nenhum de nós sabe disso.

Penso que isto é um desrespeito enorme pela Assembleia da República.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

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O Sr. André Ventura (CH): — Queria alertar V. Ex.ª para o facto de que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, acaba de anunciar que discursará nesta Casa o Presidente brasileiro, sem que a

sua pessoa, o Presidente em exercício, ou qualquer grupo parlamentar tenha sido ouvido.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Vergonha!

O Sr. André Ventura (CH): — Isto é uma vergonha e um desrespeito pelo Parlamento, como há muito tempo não víamos.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr. Deputado, deixe-me só fazer uma pergunta de esclarecimento: o Sr. Presidente do Brasil vai intervir amanhã ou é um anúncio para futuro?

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, não sei para quando será o anúncio. Sei que é um pouco desrespeitoso ser o Sr. Ministro, e não V. Ex.ª, a anunciar quem discursa nesta Casa.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Claro!

O Sr. André Ventura (CH): — O que foi hoje cometido pelo Governo — e por isso estou a fazer-lhe este repto, porque acho que isto tem de ficar esclarecido hoje — não me parece normal. Penso que a V. Ex.ª também

não achará normal que seja um ministro do Governo a anunciar quem discursa nesta Casa, sem nenhum dos

grupos parlamentares ter sido ouvido.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Muito obrigado, Sr. Deputado, por essa informação. O Sr. Presidente da Assembleia da República, seguramente, dará as explicações que entender e prevalece, como é sabido, e

sempre, a Conferência de Líderes sobre esta matéria de agendamento de quem fala e do que se debate no

Parlamento.

Assim sendo, se me permitem, passo ao anúncio da agenda de trabalhos para a reunião de amanhã, dia 24

de fevereiro, sexta-feira.

Na ordem do dia temos, às 10 horas da manhã, um primeiro ponto que consiste no debate sobre a situação

na Ucrânia, proposto pelo Presidente da Assembleia da República, que, aliás, vai abrir o debate.

O segundo ponto tem a ver com a Proposta de Lei n.º 108/XIV/2.ª (ALRAM) — Alargamento da carreira

especial de enfermagem às estruturas residenciais para pessoas idosas — alteração ao Decreto-Lei

n.º 248/2009, de 22 de setembro, que arrasta o Projeto de Lei n.º 528/XV/1.ª (CH) — Pela obrigatoriedade da

existência de um enfermeiro nos estabelecimentos de ensino pré-escolares e escolas do ensino básico e

secundário e a apreciação da Petição n.º 82/XV/1.ª (Marta Maria Dias dos Santos) — Pelo direito a um

enfermeiro em escolas públicas frequentadas por crianças com necessidades de saúde específicas.

O terceiro ponto da ordem de trabalhos consiste em votações regimentais.

A todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados, muito obrigado. Até amanhã.

Eram 18 horas e 7 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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