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Quinta-feira, 9 de março de 2023 I Série — Número 98
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
REUNIÃOPLENÁRIADE8DEMARÇODE 2023
Presidente: Ex.ma Sr.ª Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Palmira Maciel Fernandes da Costa Helga Alexandra Freire Correia
S U M Á R I O
A Presidente (Edite Estrela) declarou aberta a sessão às
15 horas e 12 minutos. Foram anunciados dois pareceres da Comissão de
Transparência e Estatuto dos Deputados, um relativo à renúncia e correspondente assunção de mandato de Deputados do PCP, que foi aprovado, e outro relativo à
retoma e respetiva cessação de mandato de Deputadas do PSD.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Resolução n.os 517, 519 e 523/XV/1.ª e dos Projetos de Lei n.os 603 e 607 a 611/XV/1.ª
A Presidente (Edite Estrela), a propósito do Dia
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Internacional da Mulher, saudou todas as mulheres, dedicando-lhes a leitura do poema Mulher, de José Carlos Ary dos Santos.
Ao abrigo do artigo 73.º do Regimento, procedeu-se a um debate temático, requerido pelo PSD, sobre violência doméstica. Após a Deputada Mónica Quintela (PSD) ter proferido uma intervenção na fase de abertura, seguiram-se no uso da palavra, a diverso título, além daquela oradora e da Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares (Ana Catarina Mendes), os Deputados Joana Mortágua (BE), Emília Cerqueira (PSD), Rui Tavares (L), Patrícia Faro (PS), Catarina Rocha Ferreira (PSD), Patrícia Gilvaz (IL), André Ventura e Rita Matias (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Isabel Alves Moreira (PS), Alma Rivera (PCP), Pedro Pessanha (CH) e Cláudia Santos (PS). No encerramento do debate, intervieram, além da Secretária de Estado da Igualdade e Migrações (Isabel Almeida Rodrigues), os Deputados Joana Mortágua (BE), Alma Rivera (PCP), João Cotrim Figueiredo (IL), André Ventura (CH), Paula Cardoso (PSD) e Eurico Brilhante Dias (PS).
Foi apreciada a Petição n.º 128/XIV/2.ª (Ramons Vaz de Menezes e outros) — Achigã (Micropterus salmoides) uma espécie a proteger, juntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 331/XV/1.ª (PSD) — Alteração ao regime legal de prevenção e controlo de espécies exóticas aplicável
à pesca lúdica e desportiva em águas interiores e com o Projeto de Resolução n.º 427/XV/1.ª (PAN) — Pela manutenção do achigã na Lista Nacional de Espécies Invasoras constante no Anexo II do Decreto-Lei n.º 92/2019 de 10 de julho. Usaram da palavra os Deputados João Marques (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), Eunice Pratas (PS), Gabriel Mithá Ribeiro (CH), Rui Tavares (L), João Dias (PCP), Pedro Filipe Soares (BE) e Norberto Patinho (PS).
Procedeu-se ao debate conjunto da Petição n.º 342/XIV/3.ª (Maria José Pinheiro Cruz) — Criação de um hospital veterinário público e dos Projetos de Resolução n.os 374/XV/1.ª (BE) — Recomenda medidas para reduzir o número e mitigar os efeitos do abandono de animais de companhia devido ao aumento da inflação, 387/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a criação de uma rede de serviços públicos veterinários e a construção de um hospital público veterinário e 391/XV/1.ª (CH) — Pelo incentivo à criação de rede de cuidados primários médico-veterinários. Intervieram no debate os Deputados Pedro Filipe Soares (BE), Inês de Sousa Real (PAN), Pedro dos Santos Frazão (CH), Palmira Maciel (PS), Bernardo Blanco (IL), João Marques (PSD), Duarte Alves (PCP) e Rui Tavares (L).
A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 18 horas e 36 minutos.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Boa tarde a todos.
Cumprimento as Sr.as e os Srs. Deputados, a Sr.ª Ministra e a Sr.ª Secretária de Estado, as Sr.as e os
Srs. Funcionários, as Sr.as e os Srs. Representantes da comunicação social e das forças de segurança.
Temos quórum, pelo que vamos dar início aos nossos trabalhos de hoje.
Eram 15 horas e 12 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público.
Peço à Sr.ª Secretária da Mesa, Deputada Maria da Luz Rosinha, o favor de dar as habituais informações.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr.ª Presidente, muito boa tarde a todas e a todos.
Passo a dar conta do parecer vindo da 14.ª Comissão, no sentido da assunção do mandato, a título
definitivo, de Manuel Vicente de Sousa Lima Loff, do PCP, por efeito da renúncia ao mandato da Deputada
Diana Jorge Martins Ferreira, sendo que esta proposta cumpre os requisitos legais, produzindo efeitos a partir
do dia 7 de março de 2023, inclusive.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Chegou-nos, também da 14.ª Comissão, o parecer relativo à
retoma do mandato da Deputada Andreia Carina Machado da Silva Neto, eleita pelo PSD, no círculo eleitoral
do Porto, cessando desta forma funções a Deputada Rosina Patrícia Ribeiro Pereira, com efeitos a partir do
dia 7 de março de 2023, inclusive.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, passo a dar conta de que deram entrada na Mesa, e foram
admitidos pelo Sr. Presidente, os Projetos de Resolução n.os 517/XV/1.ª (IL), 519/XV/1.ª (CH), que baixa à 7.ª
Comissão, e 523/XV/1.ª (PS), que baixa à 9.ª Comissão.
Deram, ainda, entrada os Projetos de Lei n.os 603/XV/1.ª (CH) e 607/XV/1.ª (CH), que baixam à 5.ª
Comissão, 608/XV/1.ª (CH), que baixa à 1.ª Comissão, 609/XV/1.ª (IL), que baixa à 6.ª Comissão,
610/XV/1.ª (IL) e 611/XV/1.ª (BE).
É tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, porque hoje é o Dia Internacional da Mulher,
permitam-me que saúde todas as mulheres desta Casa, todas as mulheres que estão hoje aqui presentes,
incluindo as que estão nas galerias, as mulheres portuguesas, as mulheres do mundo, e que lhes dedique o
poema Mulher, de José Carlos Ary dos Santos.
Se mo permitirem, como a poesia exige silêncio, passo a ler: «A mulher não é só casa / mulher-loiça,
mulher-cama / ela é também mulher-asa, / mulher-força, mulher-chama / E é preciso dizer / dessa antiga
condição / a mulher soube trazer / a cabeça e o coração / Trouxe a fábrica ao seu lar / e ordenado à cozinha /
e impôs a trabalhar / a razão que sempre tinha / Trabalho não só de parto / mas também de construção / para
um filho crescer farto / para um filho crescer são / A posse vai-se acabar / no tempo da liberdade / o que
importa é saber estar / juntos em pé de igualdade / Desde que as coisas se tornem / naquilo que a gente quer /
é igual dizer meu homem / ou dizer minha mulher».
Aplausos gerais.
Vamos, agora, dar início ao primeiro ponto da nossa ordem do dia, que consiste no debate temático,
requerido pelo PSD, sobre violência doméstica.
Para intervir, na abertura do debate, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Mónica Quintela.
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A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Celebramos hoje o Dia Internacional da Mulher, dia adotado pelas Nações Unidas para assinalar os direitos
que as mulheres conquistaram até hoje, numa árdua e difícil luta pelos direitos sociais, políticos e económicos,
bem como o contínuo combate pela igualdade de género.
Em pleno século XXI, neste momento, no Irão, há centenas de meninas envenenadas nas escolas por
quererem aprender e as mulheres que lutam pelos seus direitos sofrem represálias violentas, com risco de
vida, assim como os homens que lutam ao seu lado.
No Afeganistão, o regime talibã tudo faz para aniquilar as mulheres, sonegando-lhes o acesso à educação
e negando-lhes todo e qualquer direito à liberdade, num repulsivo processo de desumanização.
Falo de direitos humanos, e o Dia Internacional da Mulher é o dia da luta pelos direitos humanos. Por isso,
o PSD agendou este debate sobre violência doméstica para este dia, com toda a carga simbólica e o peso
histórico que o dia 8 de março tem.
A violência doméstica é um flagelo que grassa transversalmente na sociedade portuguesa e é um problema
estrutural que tem crescido exponencialmente. Em 2022, foram assassinadas 24 mulheres e 4 crianças. Este
ano, já morreram duas mulheres às mãos dos seus algozes.
Ontem, assinalou-se o dia de luto nacional pelas vítimas de violência doméstica, em homenagem às
vítimas e às suas famílias. Quando este dia de luto deixar de ser necessário, nesse dia, poderemos celebrar a
vitória da humanidade.
Aplausos do PSD.
Em geral, o regime jurídico que previne a violência doméstica e que integra as recomendações da
Convenção de Istambul encontra-se devidamente estruturado, constituindo um conjunto normativo eficaz na
prevenção e no combate à violência doméstica, bem como no auxílio e acompanhamento das vítimas deste
tipo de crime, necessitando, no entanto, de alguns ajustamentos, algo que o PSD visa colmatar com as
iniciativas legislativas que apresentou. Questão diferente é a de saber como este regime jurídico está a ser
aplicado na prática, devendo ser colocados os meios, equipamentos e instalações necessários à sua eficácia.
Ora, nesta matéria, Sr.as e Srs. Deputados, o Governo falhou estrondosamente.
A falta de meios e de recursos humanos é gritante e veja-se o que está a acontecer com a falta de
implementação das secções especializadas integradas de violência doméstica, as SEIVD, por falta de meios.
A análise às SEIVD existentes permitiu concluir que elas reforçam a atividade funcional do Ministério
Público, possibilitando uma maior atenção às vítimas do crime, com particular destaque para a medida
especial de proteção da prova antecipada, bem como a instituição célere de medidas de promoção e de
proteção, e dos procedimentos tutelares civis, em articulação com os tribunais de família e menores.
Porém, a falta de procuradores e de oficiais de justiça, assim como a falta de instalações, não permitem
implementar sequer as SEIVD nas Procuradorias de Aveiro, Braga, Lisboa, Norte e Faro, nem complementar a
da Comarca de Lisboa Oeste, não obstante elas serem necessárias, face ao aumento exponencial das
queixas e dos desfechos fatais.
Esta falta chocante de meios é exclusivamente imputável ao Governo, que «tem a faca e o queijo na mão»
e nada faz. Choca ver a falta de formação em muitos órgãos de polícia criminal, assim como a falta de
recursos humanos e de instalações condignas para acolher as vítimas; choca ver a falta de formação nesta
temática de demasiados juízes e procuradores, com reflexos gravíssimos na vida das vítimas e das suas
famílias.
Para obviar este problema, o PSD propõe o reforço efetivo, a formação especializada e a capacitação dos
profissionais que intervêm nesta área.
Choca a falta de meios para a realização de perícias médico-legais céleres e o mau funcionamento das
casas de abrigo. Falham as fichas de avaliação de risco para a proteção das vítimas, e os processos demoram
anos até transitarem em julgado, destruindo vidas de adultos e crianças.
No caso da violência doméstica, suscita particular preocupação, pela fragilidade das suas vítimas, a
violência contra os idosos. O PSD apresentou duas iniciativas de proteção aos idosos, uma para o reforço de
medidas de prevenção e de combate à violência doméstica contra idosos, e a outra propondo a criminalização
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de um conjunto de condutas, visando a proteção do património e da administração de bens, bem como a
salvaguarda da tomada de decisões de forma autónoma e esclarecida.
Os idosos têm sido esquecidos e até negligenciados nas políticas de prevenção desse tipo de
criminalidade. Falamos da violência contra idosos nas suas residências, pelos seus familiares, e também nos
lares de idosos, cuja vigilância e fiscalização previstas na lei, na prática, não funcionam. Basta vermos as
últimas notícias que têm dado na televisão sobre o que tem acontecido em lares de idosos.
Particularmente alarmante é também a violência no namoro, não só pela violência no presente, mas
também pela projeção de comportamentos para a sociedade futura, e o Governo nada faz.
Aplausos do PSD.
O PSD propõe medidas de prevenção e de combate à violência no namoro, bem como o alargamento dos
programas de reabilitação para os agressores que cometeram o crime de violência doméstica, como forma de
prevenir e combater a incidência desse crime e, ainda, garantir a especial proteção das mulheres imigrantes,
indocumentadas, vítimas de violência.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Com as iniciativas apresentadas, pretendemos dar um forte contributo para a prevenção e o combate ao
horror que é a violência doméstica, sendo esta uma luta de todos e que a todos deve convocar.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Vamos iniciar a fase do debate.
Para uma intervenção, em nome do Governo, tem a palavra a Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos
Parlamentares, Ana Catarina Mendes.
Faça favor, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares (Ana Catarina Mendes): — Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados: Sendo hoje o Dia Internacional da Mulher, permitam-me que comece com uma
saudação especial a todas as mulheres e um agradecimento pela coragem daqueles e daquelas que, todos os
dias, lutam pela igualdade de género. Esta é, Sr.as e Srs. Deputados, não apenas uma tarefa das mulheres,
mas uma tarefa para a qual toda a sociedade está convocada.
Deixo também uma palavra de solidariedade às mulheres ainda hoje oprimidas e uma palavra de estímulo
a todos, para que continuemos a luta por uma sociedade cada vez mais igual.
Sr.as e Srs. Deputados, é simbólico que, na Casa da democracia, se faça hoje um debate sobre a violência
doméstica, expressão maior da desigualdade entre homens e mulheres.
Este flagelo não escolhe classe social, etnia ou idade, e exige um debate sereno, sem demagogia, sem
aproveitamento político e sem exploração do sofrimento.
Não podemos, Sr.as e Srs. Deputados, ignorar o silêncio do sofrimento, a vergonha de assumir as
agressões, o esconder das marcas da violência, ou o desculpar do agressor, assumindo a vítima a sua culpa,
sozinha e sem dó. Ignorar não pode fazer parte do nosso quotidiano quando falamos de agressões físicas e
psicológicas, sejam elas contra crianças, mulheres, homens ou idosos.
Sabemos, hoje, que a violência doméstica é dos crimes mais participados às autoridades, por se ter
mudado de paradigma e por se ter tornado crime público há pouco mais de 20 anos, o que permitiu que,
atualmente, se tornasse visível e audível o que, muitas vezes, era invisível e silencioso.
Atravessamos uma mudança de paradigma, o que é de sublinhar, começando finalmente a sociedade a
libertar-se da visão retrógrada de que «entre marido e mulher, não se mete a colher».
Hoje, felizmente, numa sociedade livre, que permite debater o tema abertamente, em vários fóruns e sem
tabus, o silêncio das vítimas, ou dos seus mais próximos, e de toda a sociedade pode ter um fim. É preciso,
pois, denunciar!
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Em 2022, aumentaram as denúncias registadas pela PSP (Polícia de Segurança Pública) e pela GNR
(Guarda Nacional Republicana): foram 30 000 ocorrências, quase mais 4000 do que no ano anterior, e
aumentou o número de agressores a cumprir pena efetiva de prisão. Em dezembro de 2022, havia 1236
agressores presos, 955 dos quais condenados e a cumprir pena efetiva de prisão, e os restantes em prisão
preventiva.
Deixo um último número: sabemos que, durante o ano passado, por decisão judicial, 4587 vítimas estavam
ao abrigo de medidas de proteção, nomeadamente botões de pânico ou alertas eletrónicos.
Sr.as e Srs. Deputados, este é um combate que não se faz apenas pela via judicial. O Governo tem
responsabilidades especiais no apoio às vítimas e, quanto a isso, há números incontornáveis para se entender
como temos avançado, ao longo dos anos, neste combate, que é diário.
Em 2015, a Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica cobria apenas 55 % do nosso
território; hoje, esta rede cobre já 95 %, repito, 95 % do território.
Aplausos do PS.
No ano passado, esta rede deu resposta a cerca de 150 000 atendimentos, incluindo a 52 000 vítimas. São
números que nos devem envergonhar por existirem, mas que devem também merecer o louvor de todos
aqueles que acompanham estas vítimas e que lhes dão a esperança de um recomeço das suas vidas.
Há mais números que vale a pena sublinhar: temos, hoje, 26 casas de acolhimento e emergência, com o
total de 260 vagas, e 35 casas de abrigo, com 631 vagas. No total, o País tem 891 vagas para o acolhimento
de vítimas de violência doméstica, acolhimento, este, de emergência.
Estas casas receberam mais de 3000 vítimas só no ano passado, das quais mais de 2000 em acolhimento
de emergência. Esta é uma resposta em que a vítima inicia a sua reconstrução pessoal, com apoio
psicológico, jurídico e financeiro. É, por isso, um primeiro passo no início de uma nova vida.
São várias as respostas na área da violência doméstica, como são vários os atores, do Governo às
organizações da sociedade civil, às quais deixo uma palavra de agradecimento pelo trabalho com que
contribuem diariamente para responder às dificuldades que se somam em casos desta natureza.
A criação de respostas especializadas para públicos com problemáticas específicas é outra das dimensões
que quero sublinhar. Permitam-me que assinale, aqui e hoje, a renovação de seis protocolos para os
Gabinetes de Atendimento a Vítimas de Violência de Género nos tribunais, bem como a celebração de mais
dois, no Porto e em Aveiro, aumentando, assim, a cobertura territorial, com a resposta que se pretende junto
dos tribunais.
Sr.as e Srs. Deputados, falar de violência doméstica é também falar da prevenção. Não podemos, por isso,
falar de violência doméstica sem falar no Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência, que inclui
variadíssimas medidas, como, por exemplo, a formação específica para quem trabalha com crianças e jovens,
já que este problema começa, muitas vezes, desde muito cedo. As crianças assistem, infelizmente, a
comportamentos desviantes de abusadores em ambiente familiar, passando, depois, para a violência no
namoro.
Há um número que fala por si: em 2022, 24 mulheres — 24 mulheres! — e 4 crianças foram assassinadas
no nosso País; em média, foram assassinadas duas mulheres por mês. No mundo, é assassinada uma mulher
a cada 10 minutos, como referiu, na semana passada, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António
Guterres. Este é um número que nos envergonha a todos, um número que nenhuma sociedade moderna,
evoluída e tolerante pode aceitar.
Aplausos do PS.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me que lhes diga: a questão da violência doméstica é uma questão
de sociedade e de direitos humanos; não é uma questão para qualquer grupo parlamentar fazer dela uma
arma de arremesso político. Este é mesmo um momento que convoca toda a Câmara, Governo e Srs.
Deputados, para, todos juntos, podermos lutar e combater a violência doméstica.
É por isso que quero saudar o Grupo Parlamentar do PSD e agradecer-lhe por ter trazido este tema a
debate, mas quero também saudar o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, não só por ter elegido esta
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como uma das suas causas, mas pelo excelente relatório que foi pedido ao Conselho Económico e Social, que
é um bom instrumento de trabalho, para que esta Câmara e o Governo se possam debruçar sobre novas
medidas a aprovar.
Aplausos do PS.
Permitam-me uma última palavra, Sr.as e Srs. Deputados, para dizer que este não é um problema que se
resolva com mais legislação, com mais artigos, ou com mais lei.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Isso é mentira!
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares: — O que é mesmo preciso é que todos os
agentes apliquem a lei, que o Governo continue a implementar medidas que apoiem as vítimas e, sobretudo,
que todos nós possamos fazer aquilo que nos compete: proteger as vítimas e educar para a cidadania,
prevenindo, desde cedo, a violência doméstica, porque ela é intolerável em qualquer sociedade decente e em
qualquer sociedade que se queira cada vez mais igual.
Aproveitemos, pois, este debate para construir soluções e não para atacar, porque já basta aquilo em que
as vítimas são mesmo penalizadas, que é o facto de não poderem ter igualdade de oportunidades numa
sociedade decente como é a sociedade portuguesa.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Ministra, tem três pedidos de esclarecimento. Como é que deseja
responder?
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares: — Sr.ª Presidente, responderei a tudo em
conjunto.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito bem, Sr.ª Ministra.
Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do
Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra: Maria Otília Borges, 46 anos, asfixiada pelo
marido, estando o casal em processo de divórcio e tendo a vítima apresentado queixa por violência doméstica
na PSP; Cláudia Serra, 40 anos, baleada na cabeça pelo ex-marido, havendo historial de violência; Sara
Barros, 42 anos, baleada na cabeça à porta de casa, já tinha apresentado queixa na PSP; Celestina Ferreira,
52 anos, morta com um tiro na cabeça pelo ex-marido, tendo há três meses apresentado queixa na GNR;
Marta Carvalho, 47 anos, dois disparos na cabeça, tinha apresentado, a 23 de março, uma queixa por
violência doméstica.
E os nomes continuam, mulher atrás de mulher; mulheres assassinadas depois de terem apresentado
queixa, havendo casos em que as autoridades conheciam o historial de violência contra estas mulheres.
Quando a Sr.ª Ministra diz que não é preciso fazer mais leis, não são precisos mais artigos, a Convenção
de Istambul discorda. Ainda agora se veio dizer, na avaliação do Conselho da Europa sobre a aplicação da
Convenção de Istambul em Portugal, no artigo sobre violência sexual — incluindo violação e assédio sexual —
, que falta uma linha telefónica para abusos e que Portugal pode fazer mais.
Portugal também pode reconhecer a violação como crime público, aliás, como recomenda a Convenção de
Istambul. A única razão pela qual não o faz é porque o conservadorismo do Grupo Parlamentar do Partido
Socialista o impede e não há maioria nesta Câmara para o fazer.
Protestos da Deputada do PS Maria Begonha.
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Mas, mesmo que não fossem precisas mais leis e estivéssemos aqui a discutir recursos, gostaria de saber
— tantas vezes já o perguntámos! — onde é que estão os recursos das secções especializadas integradas de
violência doméstica, que eram aquelas que tinham a responsabilidade de avaliar o risco que corria cada uma
destas mulheres — Sandra, Marta, Celestina, Sara, Cláudia —, todas as que foram assassinadas com
passados de queixas e de violência por parte dos maridos. Onde é que estão os recursos? Se as leis já lá
estão para as salvar, porque é que não as salvaram?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Emília Cerqueira, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr.ª Presidente, também eu, hoje, deixo uma saudação especial pelo
Dia da Mulher. Permita-me também dizer que foi com muito agrado que, de repente, olhei e vi que só estavam
mulheres no uso da palavra, incluindo a Sr.ª Deputada Mónica Quintela, do PSD. Era bom que assim fosse
todos os dias.
Sim, Sr.ª Ministra, tem razão: não devemos fazer demagogia, não devemos fazer chicana política deste
assunto. Permita-me citar Miguel Lorente-Acosta, que diz o seguinte, sobre a violência doméstica: «Não quero
fazer boas autópsias de mulheres assassinadas, quero é tratar as causas.» E é isso que o PSD quer, tratar as
causas, hoje, como sempre — como sabe a Sr.ª Ministra, aliás, de todas as sessões que vamos tendo.
Os números são assustadores, continuam a ser cada vez mais altos. Basta ver as evoluções da
criminalidade em violência doméstica e de género, contra idosos, no namoro, e o aumento exponencial que
vamos tendo destes casos. Isso quer dizer que há mais a fazer, muito mais a fazer.
Mas, além disso — e, neste caso, permita-me discordar de si, Sr.ª Ministra —, há coisas que falta fazer
também na legislação.
Nesse âmbito, aponto o estudo do CEJ (Centro de Estudos Judiciários), a que fez referência, que menciona
a desproteção legal que têm as mulheres migrantes, especialmente as indocumentadas. Precisamente por
causa dessa lacuna no sistema jurídico, o PSD apresentou um projeto para proteger estas mulheres
indocumentadas durante um ano, o que lhes permitiria, em caso de violência doméstica, ter a oportunidade de
fazer queixa sem terem medo de ser deportadas. O que está em causa é a proteção da vítima e a
possibilidade de defender este direito humano.
A primeira pergunta que lhe deixo, Sr.ª Ministra, é esta: estará o Governo connosco, nesta nossa proposta,
seguindo as recomendações do próprio CEJ e dos organismos internacionais? Era importante saber.
Aplausos do PSD.
Além disso, também no âmbito da legislação, ainda há outro projeto que o PSD apresentou, que tem a ver
com a proteção dos idosos — quer a proteção pessoal, quer institucional —, criando, precisamente, novas
criminalizações quanto ao aspeto patrimonial da vida dos idosos.
Todos sabemos que, não raras vezes, os idosos são instrumentalizados e acabam por ter de dar parte do
seu património. Ainda que se entenda que não estão incapacitados, estão-no de facto, porque estão
dependentes e são espoliados por familiares, por amigos, por cuidadores, até por instituições. Portanto,
entendemos que é fundamental que a lei venha claramente pôr cobro a estas situações. Estarão também
connosco, nesta proposta?
Isto não é fazer politiquice, isto é pensar nas pessoas, pensar nas vidas de tanta gente, que tanto precisa
de ajuda. Era fundamental também — além dos outros projetos que teremos ainda tempo de discutir durante
este debate, Sr.ª Ministra — sabermos se o Governo, que apela à unidade, que apela a que estejamos todos
juntos num combate que é de todos — e que o PSD sempre assumiu como sendo de todos —, irá além das
palavras e, depois, na lei e na legislação, estará connosco.
É que, Sr.ª Ministra, este é um assunto de todos, para todos e por todos, e, às vezes, o rolo compressor da
maioria absoluta acha que só ele é que sabe e que não tem de ouvir os outros em todas as matérias. Nesta,
era importante que ouvisse.
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Mas também era importante, para além das intenções…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua, porque já ultrapassou o seu
tempo.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Vou já concluir, Sr.ª Presidente, só mais um segundo.
Sr.ª Ministra, todos os dias vamos ouvindo relatos, que são muito preocupantes, da falta de meios no
terreno. Vamos também ter este reforço efetivo de meios?
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o
Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr.as Secretárias da Mesa, Sr.ª Secretária de Estado,
Sr.ª Ministra, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, hoje, no Dia Internacional da Mulher — e trabalhadora, como
originalmente foi chamado —, faço três perguntas simples.
A primeira é sobre o Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e à
Violência Doméstica, que caducou em 2021. Creio que é a quarta vez que faço esta pergunta e, até agora,
com menos sorte do que aquela que espero ter hoje, ainda não tive notícias acerca de um novo plano.
A segunda pergunta relaciona-se com o alargamento do subsídio de desemprego às vítimas de violência
doméstica, a seu pedido. É um compromisso do Orçamento do Estado para 2022. O Governo disse-nos que
estava à espera da aprovação da Agenda do Trabalho Digno. Esta está aprovada e, portanto, esperamos ver a
implementação dessa medida, porque sabemos que a dependência económica é, muitas vezes, um dos
aspetos que leva a que as pessoas estejam numa situação de mais grave risco em relação à sua própria
saúde.
Em terceiro lugar, o portal da Queixa Eletrónica deixou de ter uma forma de acesso anónima e, embora
tenha algumas valências agora novas, do ponto de vista informático, tornou-se de mais difícil utilização.
Solicitaria que pudessem dar alguma atenção a esse aspeto, porque queremos facilitar o acesso — e, acima
de tudo, o acesso anónimo — a esse portal.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos
Parlamentares, Ana Catarina Mendes.
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares: — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados,
queria agradecer as perguntas colocadas pelas Sr.as Deputadas Joana Mortágua e Emília Cerqueira, e pelo
Sr. Deputado Rui Tavares.
Sr.as Deputadas, queria dizer o seguinte: não tenhamos dúvida nenhuma de que a violência doméstica e,
em particular, o crime de violência doméstica é um crime hediondo que todos — todos! — condenamos. Todos
o condenamos, precisamente, porque é uma violação do mais básico que é a dignidade do ser humano — seja
a violência contra as mulheres, que é em maior número, seja a violência contra os homens, contra as crianças
ou contra os idosos.
Por isso, partindo deste pressuposto, julgo que é preciso encontrar soluções que passam por ir corrigindo
aquilo que deve ser corrigido e acelerando as medidas que têm de ser aceleradas, daí o Orçamento do Estado
para 2023 ter reforçado as verbas nas várias dimensões seja na prevenção, seja no combate à violência
doméstica.
Sr.ª Deputada Joana Mortágua, foram hoje renovados os protocolos para os Gabinetes de Apoio à Vítima
(GAV), junto dos tribunais. Lembro que são seis gabinetes, desde 2019, cujos protocolos foram renovados
hoje. Foram assinados mais dois protocolos para que haja um novo Gabinete de Apoio à Vítima em Aveiro e
outro no Porto. Também hoje, foi assumido o compromisso, pela Sr.ª Ministra da Justiça, de que, por ano,
serão abertos, pelo menos, mais dois gabinetes de apoio, junto dos tribunais.
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Estes gabinetes são absolutamente essenciais porque se ligam com a formação que deve ser dada aos
magistrados e às forças de segurança — e, ao longo do último ano, houve 3500 formandos —, para garantir
que a lei que existe é aplicada e que aqueles que mais diretamente lidam com estas questões estão
habilitados a gerir e a fazer o que têm a fazer.
Por isso mesmo, sim, estamos todos, e também o Governo, comprometidos com aquelas que devem ser as
respostas que o Estado português tem de dar.
A isto somamos a teleassistência, sobre a qual tenho dito, ao longo dos anos, que não pode estar repartida
por várias entidades, mas que deve estar concentrada. Portanto, espero que se renove, nos próximos tempos,
este mesmo mecanismo, que tem milhares de atendimentos por telefone, dando resposta a estes incidentes.
Por isso, Sr.ª Deputada, os recursos estão refletidos nos vários programas que foram sendo aprovados ao
longo destes tempos, e constam do Orçamento do Estado.
Neste contexto, Sr. Deputado Rui Tavares — e já vou responder à Sr.ª Deputada Emília Cerqueira —,
espero que, nos próximos dias, e já não é daqui a muito tempo, o terceiro Plano Nacional para a Igualdade vá
a Conselho de Ministros e que seja aprovado mais um conjunto de medidas significativas nesta área.
Quanto ao portal, agradeço a nota, vou tentar perceber o que aconteceu. Neste momento, não tenho
resposta para lhe dar, mas vou tentar averiguar e dar-lha-ei.
Quanto ao subsídio de desemprego, foi aprovada a Agenda para o Trabalho Digno e o subsídio de
desemprego foi aprovado no Orçamento de 2022. Bem sei que estamos em atraso, mas a Sr.ª Ministra do
Trabalho, Solidariedade e Segurança Social comprometeu-se a que isto seja uma prioridade nos próximos
tempos, pelo que, em breve, também surgirá.
Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, agradeço a sua intervenção, bem como as suas perguntas. Relativamente
à primeira questão que coloca, gostaria de dizer que, felizmente, Portugal é, hoje, uma sociedade aberta. Ao
longo dos tempos temos falado sobre as políticas de integração e de acolhimento, que não excluem a
dimensão das mulheres vítimas de violência doméstica. É por isso mesmo que, no Centro Nacional de Apoio à
Integração de Migrantes (CNAIM), existem os gabinetes de apoio à vítima de violência doméstica, cuja rede se
faz com os centros locais de apoio aos migrantes, onde as mulheres migrantes podem recorrer não só a todas
as outras respostas do Estado, como também a esta resposta específica.
Quanto à violência doméstica contra idosos, ela infelizmente cresceu e cresceu durante a pandemia. Já tive
a oportunidade de anunciar, nesta Casa, algumas respostas a esse problema, como a casa de apoio às
vítimas idosas, em Grândola e em Mangualde. A casa de Mangualde está mais avançada na sua
restruturação, mas espero que, até ao verão, ambas possam estar abertas, para continuarmos a responder a
estas pessoas.
Estas são as duas primeiras casas para responder à violência doméstica contra idosos, mas temos de
continuar a trabalhar para que esta faixa etária não seja excluída das respostas absolutamente necessárias
para combater a violência doméstica.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, dou agora a palavra à Sr.ª Deputada Patrícia
Faro, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Patrícia Faro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Caras Deputadas,
Caros Deputados: Falamos de violência doméstica, tema para o qual, hoje, somos todas e todos convocados.
Falamos da violência que ocorre em contexto familiar, contra pessoas idosas e contra crianças. Falamos da
violência que ocorre em contextos de intimidade e, por isso, não podemos deixar de fazer referência à
violência de género — a violência exercida contra as mulheres, contra a mulher, porque é mulher.
Este dia simbólico será o dia para lembrar, de facto, o quanto ainda falta fazer — que nos preocupa e que
lamentamos —, mas também não podemos esquecer aquilo que já foi feito.
A prevenção e o combate à violência doméstica têm assumido a centralidade política de todas as
governações socialistas, não só no combate direto, mas, de forma generalizada, combatendo também as
desigualdades e a pobreza. Guiamos a nossa ação para a proteção das vítimas, mas, igualmente, para uma
forte aposta na prevenção, contribuindo para o seu empoderamento e autonomia.
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Quando falamos em combate, é preciso lembrar que, neste flagelo, a par da punição, da reabilitação das
pessoas agressoras e do desenvolvimento da comunidade, incentivando, desta forma, o reconhecimento
social do problema, também priorizamos o apoio com medidas de proteção às vítimas, que aqui já foram
elencadas, designadamente com a criação e o robustecimento da Rede Nacional de Apoio a Vítimas de
Violência Doméstica.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, peço desculpa de a interromper, mas queria fazer um
apelo à Câmara para que guardem mais silêncio.
Todos os assuntos que aqui são debatidos são importantes, mas este é particularmente importante.
Acontece que hoje, não sei porquê, o som está péssimo e estamos com muita dificuldade em nos ouvirmos
uns aos outros, ou seja, em conseguirmos ouvir os oradores. Portanto, se houver mais silêncio, será mais fácil.
Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Patrícia Faro (PS): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente.
A Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica cobre, neste momento, 95 % do nosso
território. Em 2022, como já foi referido, aumentámos para 55 as vagas na rede de acolhimento, que inclui
vagas de acolhimento de emergência e vagas em casas-abrigo.
Há ainda a previsão da abertura de 5 vagas no acolhimento para homens, vítimas de violência doméstica,
bem como será dada uma especial atenção às estruturas de atendimento e acolhimento, cada vez mais
especializadas e que vão ao encontro das diferentes necessidades de pessoas LGBTQI+ (Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Transgénero, Queer ou Questionadores e Intersexo), de pessoas com problemas de saúde
mental, de portadores de deficiência, imigrantes e, também, de pessoas idosas.
Das 3125 pessoas acolhidas em 2022, em casas-abrigo e em acolhimento de emergência, permitam-me
que realce que 95 tinham mais de 65 anos. Este é um facto que, efetivamente, nos preocupa não só ao nível
do acolhimento, mas também ao nível do atendimento, com mais de 52 000 pessoas, das quais 3682 tinham
mais de 65 anos, exigindo-se especial referência e atendimento à violência contra as pessoas idosas.
Por isso, a criação de estruturas especificamente dirigidas para as pessoas idosas foi uma prioridade deste
Governo, tendo sido criados e assinados dois protocolos, tal como a Sr.ª Ministra já referiu, que já estão a
avançar, estando já em obra, em Grândola e Mangualde.
Também demos uma especial atenção às respostas para as crianças e para os jovens. É muito importante
a resposta de apoio psicológico que já está em pleno funcionamento, com feedback positivo, principalmente na
minimização de danos. É de referir que estas 31 equipas estão em funcionamento, estão no terreno e estão,
de facto, a acautelar todos os danos provocados nas crianças, em contexto de violência.
Também não posso deixar de referir a importância do Plano Anual de Formação Conjunta em Violência
Contra as Mulheres e Violência Doméstica, quando foi tão referida a falta de formação de todos os
profissionais. Acrescento que este plano anual engloba e inclui cinco áreas governativas e que, de facto, em
conjunto, já foram realizadas 312 ações de formação, que envolveram mais de 2900 participações.
Refiro, e reitero, a importância do reforço do Orçamento do Estado no combate e na prevenção da violência
doméstica. Continuamos a robustecer esta rede nacional de apoio à vítima e destaco a recente abertura de um
gabinete de apoio à comunidade LGBTQI+, em Guimarães, um projeto extremamente inovador que trabalha
com a família e envolve a comunidade, o que é extremamente importante.
Também gostaria de mencionar os dois protocolos recentemente assinados, em Aveiro e no Porto, mais
concretamente no concelho de Penafiel, para os GAV nos Departamentos de Investigação e Ação Penal
(DIAP), bem como a confirmação de que os protocolos já existentes também serão renovados, conforme
referido pela Sr.ª Ministra.
Caras e Caros Deputados, este caminho está a ser feito, dia a dia, todos os dias. Continuamos sem
desistir, a insistir no trabalho em rede, no trabalho colaborativo, com o apoio especializado de toda a
comunidade. Este caminho — feito dia a dia, todos os dias — tem algo que, contra nós, corre: o tempo, que é
algo que as vítimas também não têm, como bem sabemos. No entanto, as políticas públicas, as medidas e os
instrumentos criados não têm efeitos imediatos, como todos e todas sabem.
Há uma aposta forte, efetivamente, num conjunto de medidas a longo prazo, para se alcançarem
resultados duradouros, assim como no reconhecimento da importância de um robusto sistema de apoio, que
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proteja efetivamente as vítimas e aumente a sua confiança para denunciar. Daí a grande aposta deste
Governo na prevenção.
Contudo, Sr.as e Srs. Deputados, não tenhamos ilusões. Só com este compromisso coletivo é que
podemos, efetivamente, mudar esta realidade.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Sr.ª Deputada tem um pedido de esclarecimento. Para o formular,
tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as Membros do Governo, Sr.as e
Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Patrícia Faro, na sequência da sua intervenção, permita-me sublinhar,
também, que a violência contra as mulheres e a violência doméstica não são aceitáveis nem toleráveis.
Para além disso, Sr.ª Deputada, a força de uma democracia mede-se, precisamente, pela forma como se
tratam os mais fracos. Neste âmbito, convém também recordar, tal como a Sr.ª Deputada mencionou, que
mais de 30 % dos casos de violência doméstica reportados às forças de segurança foram presenciados por
menores.
De resto, em Portugal, de acordo com os dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), o crime
de violência doméstica é a tipologia criminal mais participada. Em 2022, os números que foram reportados às
forças de segurança são ainda piores do que os alcançados nos anos anteriores. Verificou-se um acréscimo
no registo de ocorrências, que foi 14 % superior ao do ano anterior. Este valor é o mais elevado, desde os
últimos anos, portanto, estes números não nos podem deixar indiferentes.
Sr.ª Deputada, as instituições, em Portugal, estão convocadas para este problema. Nós, Parlamento, e os
senhores, no Governo, não podemos falhar à convocatória!
De resto, recordemos, ainda, o seguinte: devido ao elevado número de mortes ocorridas neste contexto, o
Governo nomeou, no início de 2019, uma comissão técnica multidisciplinar, destinada a apresentar propostas
para a melhoria do combate à violência doméstica. Porém, Sr.ª Deputada, como bem sabemos, não chega a
nomeação de uma comissão técnica por parte do Governo, e há medidas propostas por esta comissão e
aprovadas pelo Governo que, passados todos estes anos, ainda não foram implementadas.
Sr.ª Deputada, vejamos três casos, em concreto: primeiro, a criação e implementação de redes de urgência
de intervenção, que ainda não está no terreno; segundo, a revisão do modelo de avaliação e gestão do grau
de risco da vítima, que ainda se encontra por concretizar; terceiro, a criação da base de dados de violência
contra as mulheres e violência doméstica, que está em fase de desenvolvimento — existe um grupo de
trabalho, mas tão-pouco se concretizou.
Ora, é evidente que a nossa democracia não pode falhar. É urgente envidarmos todos os esforços para
inverter a subida dos números da violência doméstica, cuja dimensão é intolerável. Mas para isso não chega
nomear comissões, não chega aprovar propostas, é necessário concretizar e executar. E, neste âmbito —
julgo que a Sr.ª Deputada concordará com o PSD —, é fundamental que o Governo cumpra o seu papel e
concretize as medidas já devidamente identificadas e aprovadas.
A nossa questão, Sr.ª Deputada, é a seguinte: a necessidade de concretização destes instrumentos que
mencionei consta do projeto de resolução do PSD que ontem aqui deu entrada. Irá, o PS, acompanhar o PSD
na importância destes instrumentos para o combate à violência doméstica?
Apenas para terminar, quero dizer que as instituições democráticas devem ter a honestidade de assumir,
por cada vítima de violência doméstica, que falharam e esta admissão deve servir para se evitarem mais
vítimas no futuro.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Faro, do
Grupo Parlamentar do PS.
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A Sr.ª Patrícia Faro (PS): — Sr.ª Presidente, agradeço, desde já, a questão levantada pela Sr.ª Deputada
Catarina Rocha Ferreira.
Creio que referi no início — penso que terá sido um lapso ou a forma como me expressei —, a violência
contra as mulheres, a violência de género são atentados aos direitos humanos em relação aos quais somos,
obviamente, intolerantes.
A Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira refere-se à Resolução do Conselho de Ministros n.º 139/2019,
onde foram, efetivamente, elencadas algumas áreas de trabalho, incluindo o grupo de trabalho das 72 horas
após a denúncia. Tenho conhecimento — até porque nos chegam pedidos de informação nesse sentido — de
que está a funcionar, está a trabalhar. Há, de facto, um trabalho quase finalizado no âmbito da base de dados
e penso que a SGMAI (Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna) terá já feito um regulamento e,
portanto, ele está a avançar.
Relativamente à ficha de avaliação de risco, devo dizer que é algo extremamente importante e que também
nos preocupa, sendo que, por várias vezes, apelámos para que se iniciasse essa revisão, porque ela já está
datada. Também temos conhecimento de que já existe um concurso para que a se dê início a essa
reformulação da ficha de avaliação de risco, que é extremamente importante.
Relativamente a outros projetos, a chamada RUI (rede urgente de intervenção) ou as RIVD (redes de
intervenção na área da violência), estão neste momento a avançar, a ser pensados, mas estão a aguardar a
melhor localização, porque há a necessidade de rentabilizar recursos e de não utilizar novos recursos.
Portanto, é esta a nossa posição e estamos em crer que estes trabalhos que já estão em funcionamento, e
com este grupo que está a funcionar, darão finalização a estas respostas.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para fazer uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia
Gilvaz, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e
Srs. Deputados: Assinalou-se ontem, dia 7 de março, o Dia de Luto Nacional pelas Vítimas de Violência
Doméstica.
A violência doméstica é um problema de contornos muito perversos, já que ocorre em seio familiar, tantas
vezes longe dos olhos da sociedade e envolvendo coação psicológica das vítimas.
A Iniciativa Liberal solidariza-se com todas e todos aqueles que são afetados por este flagelo e
continuaremos a contribuir para o reforço da sensibilização e formação em torno deste tema.
Os Deputados desta Casa tomaram posse há quase um ano. Um ano de divergências, de acesos debates
e definição de prioridades políticas e parlamentares tendo em conta os objetivos eleitorais de cada bancada.
Houve sessões plenárias e reuniões de comissão, onde se discutiram os diversos problemas trazidos para
cima da mesa e os pontos de vista, da esquerda à direita, de resolução de cada um deles.
Contudo, só um tema foi realmente consensual a todos os partidos políticos: o flagelo da violência
doméstica — e não é difícil perceber porquê. Só no último trimestre de 2022 foram feitas 9000 denúncias às
autoridades, o que, por si só, seria bastante para comprovar que não está a ser feito o suficiente. No entanto,
o problema é bem mais profundo do que essas 9000 denúncias e houve mais de 30 000 denúncias em 2022, o
pior ano dos últimos quatro. A estas denúncias soma-se o pior dos indicadores: 28 homicídios, dos quais
quatro foram de crianças.
Portugal tem apenas 3000 pessoas em programas de agressores. Não podemos dizer que foi feito o
suficiente. É necessário reconhecer que somos capazes de melhorar, sob pena de nos acomodarmos a uma
verdadeira tragédia social que tirou mais de 100 vidas nos últimos quatro anos.
A estes números acresce o sentimento de que podemos estar apenas perante a ponta de um icebergue,
entre vítimas que nunca falam e crimes que se repetem, vezes sem conta, característica maior da violência
doméstica a par do sofrimento silencioso.
A Iniciativa Liberal deu o seu contributo para este combate e viu ser aprovado um projeto de lei, entretanto
já publicado em Diário da República, que modificou o Código de Processo Civil, dispensando a tentativa de
conciliação nos processos de divórcio sem mútuo consentimento, em que um dos cônjuges seja visado num
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processo de violência doméstica. Contudo, incompreensivelmente, também viu chumbado um projeto de lei
cujo objetivo, nobre e relevante, tal como diversas entidades também disseram, seria o de autonomizar o
crime da exposição de menor a situações de violência doméstica.
O Estado de direito deve proteger os mais frágeis, e os mais frágeis, numa situação de violência doméstica,
são também as crianças, ainda que nem sempre estas sofram diretamente de violência doméstica e de uma
forma individualizada.
Assim, não podemos deixar de considerar que este Parlamento errou ao chumbar a proposta da
autonomização deste crime, dando assim um sinal muito claro à sociedade de que a violência doméstica está
limitada à violência física entre os cônjuges. Não, Srs. Deputados, a violência psicológica ou financeira é
também sinónimo de violência doméstica e uma expressão de violência muito mais difícil de percecionar e
combater, enquanto sociedade e legislador.
Dito isto, será necessário ir mais além e garantir que esta Casa dá os passos ponderados, mas acertados,
no caminho da sinalização à sociedade da importância e da premência da luta contra uma criminalidade muito
específica e que, infelizmente, está muito disseminada.
Os próximos passos para nós são bem claros. Em primeiro lugar, iremos dar entrada de um projeto que
visa acrescentar às causas de dignidade sucessória a condenação por trânsito em julgado pela prática do
crime de violência doméstica, pois não aceitamos que alguém que violenta outrem possa herdar da pessoa
que agride.
Em segundo lugar, iremos insistir com a formação que o Ministério da Justiça deve dar aos magistrados,
reforçando as medidas já propostas em sede do Orçamento do Estado e que foram aprovadas por
unanimidade e que, por isso, importa reforçar e começar a implementar em larga escala.
Finalmente, não iremos fugir do debate sobre a reformulação judiciária e a especialização criminal. Se
funciona e é uma aposta de outras jurisdições, porque não na penal? Esta Casa tem a obrigação de debater e
ponderar se esta modificação faz ou não sentido.
Mas, Srs. Deputados, o combate à violência doméstica não começa nem pode acabar no direito civil e no
direito penal, e é por essa mesma razão que devemos insistir numa visão de educação, prevenção e
acompanhamento. E é por isto, Srs. Deputados, que não devemos ter preconceitos quanto à educação das
nossas crianças. A violência doméstica começa muitas vezes no namoro, com pequenos atos de controlo e
repressão que se vão normalizando, mas que nada têm de normal.
Sim, somos liberais, mas acreditamos que existem valores transversais a uma sociedade que devem ser
incutidos na educação escolar, que, quer queiram, quer não, tem e terá sempre um papel essencial na
formação social dos nossos jovens.
A prevenção é um trabalho cultural que envolve a sociedade civil, as forças de segurança, o Serviço
Nacional de Saúde (SNS) e a comunidade escolar. E, sim, também envolve os partidos políticos, e os
portugueses podem contar com a Iniciativa Liberal.
Acima de tudo, temos de agir. Temos de agir em nome dos milhares de pessoas que foram vítimas de
violência doméstica ao longo dos anos. Temos de agir em nome das crianças afetadas para toda a vida por
esta situação. Temos de agir em nome dos que neste preciso momento sofrem, mas não falam. E, acima de
tudo, temos de agir para que os observadores de hoje não sejam as vítimas de amanhã.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, hoje, dia 8 de março, celebra-se o Dia Internacional da Mulher.
Mais do que as palavras que hoje cada um dos partidos possa aqui proferir, precisamos de agir,
urgentemente, porque o Dia da Mulher é todos os dias.
Aplausos da IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para fazer uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana
Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vivemos hoje aquilo a que a ONU
(Organização das Nações Unidas) chama uma «pandemia global de violência contra as mulheres». Chamo a
atenção para esta expressão: não é apenas, embora também possa ser, violência doméstica, é violência de
género, violência que não é episódica, nem circunstancial, é o sintoma de uma doença.
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Dessa mesma doença fazem parte outros sintomas. Faz parte uma desigualdade salarial de 19 %;
sistemas de avaliação dos trabalhadores que premeiam a assiduidade, sabendo que quem falta ao trabalho
para levar os filhos, os pais ou os avós ao médico são as mulheres e que as mulheres serão prejudicadas na
sua carreira.
Outro sintoma desta doença é a segregação no trabalho, com a desvalorização das profissões que são
assumidas tradicionalmente pelas mulheres, inclusive na função pública. Outro sintoma desta doença é o
trabalho doméstico não pago, sem o qual o mundo pararia.
Um sintoma desta doença é o desrespeito pelos direitos mais fundamentais das mulheres, como o direito à
saúde e como o direito ao aborto. E olhemos à volta deste Plenário, e convido as jovens mulheres e os jovens
homens que cá estão também, para perceber outros sintomas dessa doença: um líder de uma juventude
partidária, do Chega, que afirma que as mulheres não têm apetência para a política;…
Protestos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão.
… o maior grupo parlamentar, que acha que o registo e a divulgação não consentida de imagens de caráter
sexual é um problema de devassa da vida privada e não de violência de género; uma maioria desta
Assembleia da República, que considera que a violação das mulheres é um assunto demasiado privado para
ser público.
A moral imposta às mulheres é, e será, a fonte da desigualdade. Proteção da intimidade, salvaguarda da
esfera privada, direito ao silêncio, estes têm sido, historicamente, os argumentos cúmplices da impunidade dos
crimes contra as mulheres. E quanto mais atentatórios da dignidade das mulheres e, sobretudo, quanto mais
atentatórios da sua autodeterminação sexual forem estes crimes, mais eles alegam que a sociedade deve pôr-
se à margem e respeitar a autonomia da vítima.
Disse e bem, a Sr.ª Ministra, há pouco, e tem razão, que foi a transformação da violência doméstica em
crime público que a tornou audível e que a tornou visível, mas recusa essa mesma transformação em relação
ao crime da violação.
O erro, sabemos nós, que somos feministas, é que a suposta autonomia da mulher é consumida em
preconceitos de género: a da rapariga que se pôs a jeito, a da mulher traidora, a de que queimou o jantar, a de
que perdeu a vergonha. E eles contam sempre com a nossa vergonha. A vergonha é um lugar na sociedade, é
um lugar inferior na sociedade, que está reservado às mulheres. E é essa moral, reservada apenas às
mulheres, que impregna o sistema judiciário, que considera que não ter relações sexuais ou queimar o jantar
são atenuantes para uma agressão.
É essa moral que faz com que um juiz ou uma juíza diga que ser espancado com uma moca com pregos é
castigo justo para uma traição, ou que condenar um agressor a levar a vítima a passear, a jantar fora ou,
talvez, ao teatro e à revista é maneira de se lidar com a violência de género.
Quantas mulheres foram assassinadas no ano passado? Foram 20, 22, 24, 28? Quando vamos parar de
contar?
O mais importante é sabermos que estas mulheres são mortas por serem mulheres, porque a violência é o
sintoma mais brutal do machismo e da desigualdade de género. Não é o único, mas é aquele que mata.
Acresce que as mulheres mais pobres, as mulheres lésbicas, as mulheres bissexuais, as mulheres trans,
as pessoas racializadas, as pessoas com deficiência são alvo de múltiplas violências.
Protestos da Deputada do CH Rita Matias.
A questão que temos de nos colocar é se estamos a fazer tudo o que podemos para garantir o direito de
todas mulheres à vida e à liberdade.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
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A sociedade não pode continuar a produzir vítimas e agressores. A responsabilidade do Estado não é só
responder penalmente e socialmente pelos crimes que acontecem. Por muito que custe a alguns, a educação
sexual e a educação para a igualdade de género são imprescindíveis neste combate à violência.
Como se viu pelos movimentos…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Termino já, Sr.ª Presidente.
Como se viu pelos movimentos que derrotaram Trump e Bolsonaro, o feminismo é a luta das nossas vidas.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Mesa regista a inscrição de um pedido de esclarecimento, mas a
Sr.ª Deputada não dispõe de tempo para responder.
Pergunto ao Sr. Deputado André Ventura se deseja, mesmo assim, formular esse pedido de
esclarecimento.
O Sr. André Ventura (CH): — Sim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Muito obrigado, Sr.ª Presidente.
O Chega quer intervir apenas pela referência que a Sr.ª Deputada Joana Mortágua fez a esta bancada.
Queria que as mesmas galerias a quem a Sr.ª Deputada pediu que atentassem nas palavras do Chega, do
PSD e do Partido Socialista soubessem quem é que, nesta Casa, sistematicamente, tem sido contra o
aumento de penas contra agressores de mulheres,…
O Sr. Pedro Santos Frazão (CH): — O Bloco!
O Sr. André Ventura (CH): — … contra violadores e contra pedófilos. Tem um nome, chama-se Bloco de
Esquerda e estão sentados ali, naquela bancada.
Aplausos do CH.
Sr.ª Deputada, as vossas votações não enganam. Pode vir de lábios pintados, chamar a atenção das
galerias e dizer que «o Chega isto e o Chega aquilo».
Protestos da Deputada do BE Catarina Martins.
Pode vir como quiser, procurar evocar as memórias que lhe são caras, mas os dados não enganam.
Os dados mostram que o Bloco de Esquerda esteve contra o aumento de penas para violadores; esteve
contra a perseguição que queríamos fazer a homens que chegavam a este País e não faziam outra coisa
senão perseguir mulheres e jovens mulheres; esteve contra a castração química de pedófilos e de violadores.
E agora vem aqui dizer que defende as mulheres.
Sr.ª Deputada, se há bancadas que têm permitido a impunidade neste País são as do Bloco de Esquerda,
do Partido Socialista e do PCP, nesta matéria.
Aplausos do CH.
É isto que tem acontecido!
Isto é o Bloco de Esquerda. Repito, isto é o Bloco de Esquerda: conversa para aqui, conversa para ali,
muito bonito, flores, cravos, casacos, o que seja preciso! Mas quando chega a hora de dizer do que as
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mulheres verdadeiramente precisam — que tenham um sistema judicial que efetivamente as proteja e faça
proteger, que permita que homens que violam uma mulher nunca mais violem nenhuma na vida —, não dizem!
Aplausos do CH.
Andamos a dizer que podem… mais uma, mais duas, mais três e mais quatro! E temos casos, em Portugal,
de pessoas que violaram cinco, seis e sete vezes, só por uma coisa: porque nós permitimos que isso
acontecesse, porque, por mim, nunca mais sairiam da prisão na vida. Era assim que devia ser em Portugal.
Aplausos do CH.
Não, Sr.ª Deputada, são os vossos disparates de identidade de género…
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Disparates de identidade de género?!
O Sr. André Ventura (CH): — Sim, disparates de identidade de género!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — São os vossos disparates de identidade de género que mais têm contribuído
para diminuir a mulher, para diminuir as crianças e para permitir que, em Portugal, seja o vale tudo dos
agressores e o vale nada das nossas mulheres.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Sr.ª Deputada Joana Mortágua pediu a palavra para que efeito?
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Para uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, queria apenas pedir que fosse distribuída a notícia que
mostra que é verdade que o líder da Juventude Chega…
A Sr.ª Rita Matias (CH): — A líder sou eu! Queres falar, falas para aqui!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … disse que as mulheres têm menos apetência para a política; e também,
já agora, um batom vermelho, para o caso de o Sr. Deputado André Ventura precisar de chamar a atenção
para os disparates que vai dizendo aqui.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado André Ventura pediu a palavra para que feito?
O Sr. André Ventura (CH): — Para uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sobre a condução dos trabalhos, também, não é?
O Sr. André Ventura (CH): — Sim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, queria pedir-lhe que distribuísse — porque o Bloco de
Esquerda estará com falta de memória — o resultado das votações das propostas de aumento de penas para
violadores, da castração química e de outros…
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ah, a castração química!
O Sr. André Ventura (CH): — … em que o sentido de voto do Bloco nesta Câmara é público e é conhecido
de todos.
O batom vermelho, Sr.ª Deputada, guarde-o para si, que vai precisar.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Quer um?! Tenho vários!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Matias, do
Grupo Parlamentar do Chega.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que comece esta intervenção
por dizer que, ao contrário do que o PSD diz, acho profundamente infeliz que só hoje é que a Mesa esteja
composta apenas por mulheres, porque, certamente, cada uma de vós teria competência para aí estar todos
os dias.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Só hoje? Só mulheres?!
Risos de Deputados do PS e do PSD.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — O Sr. Deputado Diogo Leão não estava na Mesa no início do debate, quando o
PSD fez essa referência. Alguma atenção ao debate dava jeito nestas situações.
Aplausos do CH.
Como estava a dizer, é porque não somos feministas que, na Europa, temos, por exemplo, Giorgia Meloni;
Katalin Novák, como Presidente da Hungria; ou Rocío Monasterio, em Madrid. É porque não somos feministas!
Protestos da Deputada do BE Isabel Pires.
Hoje, nesta Casa, assiste-me maior liberdade de expressão do que a qualquer um dos homens aqui,
porque, efetivamente, sob o rótulo de machismo e de misoginia, temos limitado o discurso não só dos meus
Colegas de bancada, mas também de muitos homens. E isso vê-se, igualmente, pelo número e pelas pessoas
que até agora intervieram neste debate.
Hoje é Dia da Mulher e é preciso dizer que temos de reconhecer o mau serviço que cada uma de vós tem
feito na defesa da mulher,…
Vozes do CH: — Muito bem!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — … porque é insultuoso referirem-se às mulheres como pessoas com útero ou
como pessoas com condição menstrual. Isto é redutor e deixa de fora mulheres biológicas que, por exemplo,
por questões de saúde, têm de retirar o útero ou que, estando já na menopausa, não menstruam. No entanto,
estas também são mulheres.
Aquilo que os senhores conseguiram foi esvaziar o conceito de mulher e deveriam ter vergonha, porque os
senhores desrespeitam as mulheres.
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Aplausos do CH.
Permitam-me que diga ainda que o tema do debate de hoje é também profundamente insultuoso porque,
neste dia em que poderíamos exaltar e enaltecer aquelas que são as suas qualidades, reduzimos a mulher à
condição de vítima.
Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.
Graças a Deus, a mulher não é sempre uma vítima e o combate à violência doméstica não deve ser feito
apenas hoje.
Falemos aqui em propostas do PSD. Onde é que estão as propostas? Este debate é profundamente vazio
de propostas: zero propostas arrastadas.
A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Não se podem arrastar!
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Vai estudar!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Isto não é a tertúlia de S. Bento! Nós estamos aqui para legislar e, portanto, se
querem combater a violência doméstica, legislem.
Aplausos do CH.
Porque é Dia da Mulher e porque temos de falar de problemas da mulher, o Chega entregou hoje uma
proposta à Assembleia da República na qual pede que o tempo…
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Cresce e aparece!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr.ª Deputada, peço que não se dirija a mim de forma insultuosa e não me diga
para crescer e aparecer, porque não sei se isso é misógino, não sei se é idadismo, não sei o que é, mas não
permito que se dirija a mim.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, não há diálogo entre bancadas. Como sabe…
Protestos do CH.
Srs. Deputados, acalmem-se, por favor.
Os senhores conhecem bem o Regimento, tal como eu, e se a Sr.ª Deputada se sente insultada há uma
figura regimental para defesa da sua honra, mas não há diálogo entre bancadas.
Sr.ª Deputada, faça favor de continuar.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente.
Porque hoje é, de facto, dia de reconhecermos os problemas concretos das mulheres e aquilo que elas
enfrentam, o Chega reconhece que a maternidade continua a ser uma forma de combate à mulher e à carreira
de sucesso que pode ter no mercado de trabalho. É por isto que aquilo que pedimos hoje é que o tempo que a
mulher dedica ao cuidado dos filhos possa ser reconhecido, que esse tempo em que a mulher está ausente do
mercado de trabalho se traduza também numa reforma,…
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Muito bem!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — … porque, efetivamente, as reformas das mulheres são mais baixas.
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Ao passo que os homens apresentam, em média, 36 anos de descontos, as mulheres apresentam 30 anos,
e é por isto que têm maior predisposição para a pobreza do que os homens. Nós queremos combater isto.
Não é possível concebermos um país onde os homens têm 40 % das pensões mais elevadas do que as
mulheres. E nós, ao contrário das outras bancadas, trazemos propostas concretas.
Sobre violência doméstica e sobre qualquer outro tipo de violência, sejam os casamentos infantis, sejam os
abusos sexuais, sejam as violações, o Chega sabe, todos os dias, qual é a sua posição: é na defesa das
vítimas.
Vozes do CH: — Muito bem!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — O Chega não se perde e não fica a olhar com misericórdia para os agressores,
e essa é a nossa diferença. A esta posição da nossa bancada eu chamo coerência, às vossas posições chamo
hipocrisia.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa
Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Membros do Governo aqui
presentes: Neste Dia Internacional da Mulher, é dia de celebrarmos a determinação e a coragem de todas as
mulheres que têm lutado, ao longo dos anos, para redefinir a história, mas também para relembrar o caminho
que ainda temos pela frente.
Num mundo em que, presentemente, olhamos para a Ucrânia, o Irão, o Afeganistão, os Estados Unidos da
América e observamos os recuos, que são gritantes, nos direitos das mulheres temos, de facto, de fazer mais
e não apenas vir com palavras vãs, que nos convoca para esta batalha.
Quando olhamos também para Portugal e verificamos que, só em 2022, morreram mais de 28 mulheres às
mãos da violência e que muitas destas mulheres estavam já sinalizadas por agressões, antes do seu
homicídio, falhamos em proteger estas mulheres e falhamos em proteger as crianças.
A maioria dos agressores são homens e a esmagadora maioria das vítimas são mulheres. Não é
coincidência, é patriarcado, é misoginia estrutural, é machismo tóxico. E quando temos sentenças que falam
em fraqueza humana e em levar a vítima a jantar, também não nos surpreende que este seja ainda um flagelo
na nossa sociedade.
A pedido do PAN, foram ouvidas várias associações para que fossem dados contributos nesta matéria, e,
recentemente, apresentámos uma iniciativa para o reforço de meios da Equipa de Análise Retrospetiva de
Homicídio em Violência Doméstica.
Mas o caminho não pode ficar por aqui. Precisamos ir mais longe, criminalizando o abandono de pessoas
idosas sujeitas a violência doméstica, a indignidade sucessória, entre tantas outras matérias que é necessário
rever.
Aqui chegados, não podemos continuar a esbarrar no conservadorismo que marca, muitas vezes, estas
bancadas ou no negacionismo daqueles que, de forma até patriarcal, trazem o machismo tóxico para esta
Assembleia, negando os direitos de todas as mulheres, as que têm útero e as que não têm — porque, nestas
múltiplas formas de discriminação, também devem hoje ser assinaladas.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr.ª Presidente.
Hoje é dia de honrar as mulheres para quem este País ainda não é justo, a quem pedem silêncio, para falar
baixo, para nos queixarmos pouco, mas não nos calaremos. Em dias como o de hoje, ouvimos frequentemente
dizer que estamos todos convocados para esta batalha,…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr.ª Deputada. Tem mesmo de concluir.
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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … mas nós mulheres, que temos estado mais convocadas e
trabalhado mais, ainda temos de provar que o merecemos.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Alves
Moreira, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado: Permitam-me
que, neste dia, comece por saudar todas as mulheres trabalhadoras desta Casa e, em especial, as
trabalhadoras da limpeza, cujos corpos representam muito do que é a periferia, do que é tantas vezes a
invisibilidade, e que são as primeiras a chegar a esta Casa.
Aplausos do PS.
«Existem muitas coisas que não te disseram na escola» — a frase é de uma canção, de uma cantora
ativista negra brasileira, Bia Ferreira.
Muitos de nós ainda somos do tempo em que a escola nos deixava em paz, no pior sentido da palavra.
Somos do tempo em que frequentávamos as disciplinas clássicas e, sem correção do Estado, frequentávamos
a escola da vida,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — A escola da vida, é verdade!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — … essa que nos dizia, sem contraditório, dos «mariquinhas», das
«ordinárias que se punham a jeito», do «homem não chora», do «preto da Guiné», do «cuidado com o
cigano», do «não sejas judeu».
Obrigaram-nos a frequentar, sem objeção de consciência, todos os conteúdos das disciplinas de
Português, de História e de Matemática, e obrigaram-nos a frequentar todos os conteúdos da vida habitual de
um País, como todos, com problemas graves de desigualdade, problemas esses devidamente normalizados
nas nossas cabeças porque o sistema educativo não fazia da sua desconstrução uma das facetas do direito
fundamental à educação.
Sem Educação para a Cidadania e sem Educação Sexual, frequentámos, muitos de nós, e tantos antes de
nós, a escola estrutural da desigualdade, da falta de empatia, inspirando-nos nos ingredientes fatais para uma
péssima cidadania.
Felizmente, agora não deixamos crianças e jovens atirados a uma escola da vida desigual, antes
apostando, ainda que fragilmente, em tópicos tão simples como o desenvolvimento de competências pessoais
e sociais, a promoção do pensamento crítico ou o desenvolvimento em áreas não formais como a atitude
cívica individual. Objetar a isto é, claro, objetar à cidadania. Deixar as crianças em paz é deixar livres as raízes
da violência no namoro, da violência doméstica, do racismo e da homofobia e do tratamento patriarcal que, a
todos os níveis e todos os dias, as mulheres sofrem e que hoje assinalamos.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — A escola da vida é o que faz falta!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Nas palavras do Ministro João Costa, «não tivemos hesitação em
dizer que é papel da escola educar para a cidadania, uma cidadania global, educar para os direitos humanos,
educar para valores variados […] Porque é que esta disciplina não é facultativa? Porque a cidadania não é
facultativa, a cidadania é um dever de todos nós.»
Aplausos do PS.
Num momento histórico, em que somos confrontados com as conclusões do relatório sobre abusos sexuais
a crianças no seio da Igreja católica, talvez seja de apelar aos que acusam a educação para a cidadania de
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interferência na família para que reflitam, porque são precisamente os temas da sexualidade e da igualdade de
género que são tidos por ideológicos.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sim, sim, e muito bem!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Os argumentos variam, mas são todos abusivos.
Aqui e ali cai-se no logro de imaginar uma Constituição neutra. Não é. É nesse pacto comum que
encontramos a opção da comunidade política pela não-discriminação em função do sexo, da orientação sexual
ou da raça. É também na Lei Fundamental que está inscrito o dever do Estado de promover a igualdade e os
direitos fundamentais.
A escola, não é, por isso, neutra. A escola pública não é um espaço fora da Constituição. Pelo contrário,
incumbe ao Estado adotar políticas de igualdade e de integração, desde a infância, de acordo com os
princípios e valores constitucionais.
Temos o dever de luta contra a chaga presente da desigualdade e da misoginia e, por isso mesmo, temos
de ir à base do problema, afirmando sem hesitações que a escola é, também, lugar de formação de uma
cidadania digna e que a história de um País que até há pouco espelhava na lei penal e civil a menoridade das
mulheres não se desconstrói sem formação.
Sim, há muita coisa que não nos ensinaram na escola. Que não desistamos da educação para a cidadania
e da educação sexual, antes, que as fortaleçamos, por um futuro menos abusivo.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do
Grupo Parlamentar do PCP.
A Sr. Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste dia em que se assinala o Dia
Internacional da Mulher — nascido, em 1910, para dar força à luta organizada das trabalhadoras contra a
exploração e opressão —, neste 8 de março, que se tornou símbolo, para sucessivas gerações de mulheres,
da luta pela consagração de direitos, pela igualdade e emancipação, queremos fazer uma saudação a todas
as mulheres que vivem, trabalham e estudam no nosso País: mulheres, trabalhadoras, reformadas ou não,
imigrantes, mães, jovens mulheres.
O dia 8 de março é uma data de grande significado e atualidade e, por isso, tantas vezes deturpada ou
desvirtuada. Hoje, assinala-se a soma de muitos anos de batalhas, em Portugal e em todo o mundo, por uma
igualdade plena, assente numa sociedade de progresso e justiça social.
Essa luta não pode, nunca, parar, porque são demasiadas as evidências de que ela é precisa. Basta dizer
que as mulheres trabalhadoras auferem salários 16 % mais baixos do que os dos homens, uma diferença que,
em 2021, significou 153 €. Nos quadros superiores, a diferença é de 25 %.
São as mulheres deste País a maioria daqueles que recebem o salário mínimo nacional, um salário mínimo
que não dá para viver, como sabem bem as trabalhadoras da área dos cuidados de saúde e da limpeza, por
exemplo.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Muito bem!
A Sr. Alma Rivera (PCP): — Portanto, quando hoje falamos sobre o combate à violência doméstica, não
podemos deixar de apontar que a violência doméstica, esta que é a face mais repugnante da desigualdade,
tem um substrato material que vem de trás, mas que ainda a sustenta, e que alastra a todas as dimensões da
vida das mulheres.
Para combater qualquer forma de violência que atinja as mulheres, não é possível dispensar a resolução
dos problemas concretos com que elas estão confrontadas: a perda acentuada do poder de compra; os seus
baixos salários e pensões; a precariedade laboral que a chantagem e a discriminação em função da
maternidade estimulam; a impossibilidade de pagar a renda e o empréstimo da casa; etc.
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A falta de resposta a estes problemas gera uma espiral de degradação das condições de vida da maioria
das mulheres, o que acentua as desigualdades e discriminações com que elas se confrontam. Dá-se o
aumento da pobreza e das privações, o que, em si mesmo, é um fator que prolonga a sujeição de muitas à
violência doméstica, avolumando-se os riscos para a sua integridade física e mental e para o desenvolvimento
e saúde dos seus filhos.
Sr.as e Srs. Deputados, a violência doméstica é uma realidade intolerável com que o nosso País se
confronta e é um crime especialmente complexo, multifatorial, tantas vezes retratado de forma simplista. Na
violência doméstica, concorrem a desigualdade e o desequilíbrio de poder entre homens e mulheres,
acumulados historicamente, com um conjunto muito alargado de outros fatores e problemas.
A prevenção tem de ser a base, prevenindo que alguém se torne vítima e que alguém se torne agressor;
impedindo que o ciclo de violência se perpetue e que gere modelos que serão reproduzidos pelas crianças e
jovens de hoje, adultos de amanhã.
Precisamos que exista uma efetiva resposta aos problemas de saúde mental, aos níveis preocupantes de
consumo e adições, e que a saúde tenha meios para intervir, desde logo ao nível dos cuidados primários.
Precisamos de ter uma rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica que garanta as diferentes
respostas em todo o País. Precisamos de encontrar formas de apoio e intervenção precoces, verdadeiramente
articuladas e não dependentes de um processo penal.
Precisamos de trabalhar a aprendizagem dos afetos, a sexualidade na escola e ao longo da vida,
eliminando representações nefastas e combatendo a normalização da violência no namoro.
A escola tem de ter meios, sobretudo profissionais, para o fazer. É preciso que a um dos crimes mais
participados corresponda mais formação e especialização, nesta frente, das forças de segurança e de todos
os que são chamados a intervir junto das vítimas.
Precisamos que as vítimas sejam mais protegidas e são necessários meios para as proteger. Não basta
colocar pulseiras eletrónicas, é preciso haver quem faça a vigilância.
Precisamos que as penas sirvam para atingir os seus objetivos, de impedir a reincidência. Para isso, o
sistema prisional e de reinserção tem de ter capacidade e profissionais para implementar os programas.
Precisamos de garantir a todas as vítimas condições psicológicas e económicas para interromperem uma
situação dessas e para levarem um processo judicial até ao fim, de acordo com a sua vontade. Precisamos
que as vítimas conheçam os seus direitos, os recursos a que podem aceder, e que eles cheguem a essas
vítimas.
Neste sentido, o PCP entregou hoje dois projetos, visando atingir exatamente o objetivo de, por um lado,
garantir um maior apoio jurídico a todas as vítimas no primeiro contacto com as autoridades. Quando a
situação é denunciada e quando é verificada uma ocorrência, é notório que as vítimas não têm o devido e
atempado acompanhamento por parte de um defensor, o que se revela indispensável para fazerem valer
direitos e tomarem conhecimento das ferramentas ao seu dispor no âmbito dos processos judiciais que
enfrentam.
Um outro projeto foi entregue para que sejam fortalecidas as garantias da vítima no trabalho, para que o
direito à transferência do local de trabalho e a justificação de faltas sejam verdadeiramente respeitados.
Estas propostas vão ao encontro de dois dos grandes constrangimentos que as vítimas encontram e
esperamos que mereçam dedicação deste Parlamento.
Para terminar, Sr.as e Srs. Deputados, sim, é um facto que não basta inscrever os direitos na lei. É preciso
que o que aqui se aprovar, tal como aquilo que já foi aprovado, tenha possibilidade real de passar do papel
para o terreno. É preciso ter vontade e capacidade de implementação, e isso traduz-se em ação e
investimento, investimento que não está a ser verdadeiramente feito.
Srs. Deputados, não é compatível desinvestir e desmotivar todos os serviços que têm de intervir nos casos
de violência doméstica e dizer que se está a fazer um grande combate, sobretudo quando continuamos a ter
uma sociedade cada vez mais desigual, em que a riqueza de uma minoria é conseguida com o sacrifício de
milhares de vidas.
Precisamos que cada pessoa, cada mulher, cada trabalhadora, possa ser autónoma a todos os níveis,
desde logo o financeiro. Precisamos que cada uma tenha condições para pagar uma renda, que não seja
explorada todo o dia no trabalho e depois, novamente, em casa.
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Precisamos de igualdade na lei e na vida para que se quebrem as dependências e para que as relações se
baseiem apenas em afeto e em projetos comuns.
Viva o Dia Internacional da Mulher!
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Sr.ª Deputada tem um pedido de esclarecimento e para o formular
tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Ex.ma Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e
Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Alma Rivera, esta é uma matéria que incide sobre pessoas que estão numa
situação desprotegida, pessoas que necessitam da proteção do Estado e, por isso, é fundamental que falemos
de evidências. Isto porque, na ausência destas, o debate resvala facilmente para a especulação, que é um
terreno fértil para o aproveitamento político e para os extremismos, como temos visto.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Portanto, falemos de evidências.
Infelizmente, o ano de 2022 registou mais de 30 000 ocorrências participadas às forças de segurança.
Estes números, além de nos assombrarem enquanto sociedade, significam que este fenómeno ainda está
longe de diminuir e, por isso, exigem-se esforços reiterados e contínuos no seu combate e prevenção.
Julgo que, nesse âmbito, como a Sr.ª Deputada aqui expressou, existe um largo consenso por parte deste
Parlamento. Aliás, vemos isso nos discursos e em todas as intervenções, mas, como a Sr.ª Deputada referiu e
vou reiterar, para quem é vítima de violência doméstica, isso não é, de todo, suficiente.
De resto, a maior parte das questões relacionadas com a violência doméstica, mais do que por grandes
alterações legislativas, passam é pela boa execução da lei existente, e o Conselho Económico e Social
corrobora exatamente isso.
Passam também, por exemplo, como já mencionámos, por uma aposta reforçada na formação contínua e
especializada dos agentes estratégicos em matéria de violência doméstica. Assim, falemos novamente de
evidências, Sr.ª Deputada: o diagnóstico deste fenómeno já foi devidamente efetuado, existem relatórios e
dezenas de recomendações da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica nesse
sentido, contudo o reforço na formação ainda não se verifica.
Sr.ª Deputada, continuemos a falar de evidências. O próprio Governo já assumiu a necessidade de reforço
e diversificação dos modelos de formação quando nomeou a Comissão Técnica Multidisciplinar para a
Melhoria da Prevenção e Combate à Violência Doméstica, que, no seu relatório final, identificou precisamente
fragilidades na oferta formativa existente.
O problema é só este: da parte do Governo, continua a ser transmitido que tudo está a ser feito, mas a crua
realidade com que diariamente nos deparamos diz-nos, pelo contrário, que ainda há muito para corrigir,
aperfeiçoar e investir.
Sr.ª Deputada, perante estas evidências, não entende que já é altura de, efetivamente, se reforçar e
diversificar os modelos de formação em matéria de violência contra as mulheres? De resto, como defende o
PSD num projeto de resolução ontem apresentado.
Irá acompanhar o PSD neste domínio?
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do Grupo
Parlamentar do PCP.
A Sr. Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, julgo que, em matéria de evidências, é absolutamente
evidente que, fruto de décadas de desinvestimento em serviços públicos, ainda do tempo em que se dizia que
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havia funcionários públicos a mais, os serviços estão absolutamente descapitalizados, sem capacidade de
responder.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Essa é que é a realidade!
A Sr. Alma Rivera (PCP): — Isso vê-se a vários níveis. Temos equipas de prevenção da violência em
adultos — ótimo, são importantíssimas! —, mas funcionam com horas de profissionais que já estão
assoberbados com o trabalho normal dos centros de saúde, por exemplo.
Temos uma disciplina de Educação Sexual em lei, uma vitória e uma luta em que o PCP se empenhou
muito. Na prática, ela não chega porque não temos professores sequer para o Português ou para o Inglês,
quanto mais para estarem a dar Educação Sexual. Isso, os alunos também apontam.
A polícia está assoberbada com as ocorrências a que tem de responder. Era muito importante que
pudéssemos passar dos poucos que ainda estão a fazer a formação e que pudessem elevar o número de
participação nessas formações, mas para isso também é preciso que haja quem queira ser polícia num mundo
em que ser polícia é muito mal pago.
Os técnicos de reinserção social, que é suposto fazerem o acompanhamento das pulseiras eletrónicas e o
trabalho de reinserção social, nem são suficientes para acompanhar e para a vigilância eletrónica, quanto mais
para fazerem o verdadeiro trabalho de reeducação e de reinserção. Os técnicos estão assoberbados com
relatórios, não são em número suficiente e não se tomam medidas quanto a isso.
Poderíamos atravessar todo o setor público, todos os serviços públicos que são chamados a intervir e
iríamos chegar sempre à mesma conclusão: não é compatível dizer que se combate a violência doméstica e,
ao mesmo tempo, desfalcar os serviços que são chamados a intervir. Isso, simplesmente, não é uma realidade
e não é honesto.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília
Cerqueira, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate sobre violência
doméstica é um debate temático e, portanto, não permite o arrastamento de iniciativas.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Escolhiam outra forma de debate!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Mas a verdade é que o PSD não faz debates sem que tenha soluções e
respostas para os problemas que se estão a discutir, e a violência não é exceção.
O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Por isso mesmo, apresentamos um pacote — como se agora se diz —
de oito iniciativas legislativas, todas relacionadas com a problemática da violência doméstica. Entre elas, para
especificar, temos desde logo um projeto de resolução que recomenda ao Governo o alargamento dos
programas de reabilitação para agressores em violência doméstica, no qual gostava, aliás, de me deter por
alguns instantes.
Falamos constantemente, no nosso discurso, que temos de acabar com os ciclos de violência, que temos
de acabar com as reincidências na violência, mas, enquanto não olharmos para o agressor como um daqueles
objetos-alvos fundamentais de intervenção para acabar com os ciclos de violência, nunca teremos sucesso,
porque não teremos prevenção primária, efetiva, neste que é o ciclo de violência que se eterniza de geração
para geração, para geração, e continuamos a vivenciá-lo.
Portanto, é importante, e cada vez mais importante, que tenhamos uma visão e uma abordagem humanista
em relação aos agressores, para que tenhamos cada vez menos vítimas, porque sem agressores não há
vítimas, e nunca nos podemos esquecer desse aspeto.
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Por outro lado, recomendamos ao Governo a concretização de medidas no âmbito da prevenção e
combate à violência doméstica e de género — uma daquelas preocupações que todos temos de ter e
relativamente à qual cada vez mais temos de nos unir. Este combate é uma prioridade, quando morre uma
mulher a cada 10 minutos no mundo. Vejam quantas mulheres já morreram desde que começámos este
debate!
Ou começamos a encarar esta matéria com a seriedade que ela merece, sendo esta uma luta desigual,
uma luta que estamos a perder todos os dias, ou, de facto, a cada dia 8, ou a cada dia 9, ou a cada dia 7
discutiremos este assunto mas não resolveremos os problemas efetivos. São necessárias medidas concretas.
Daí o PSD ter apresentado um projeto de resolução que tem a ver precisamente com o reforço da
formação para a capacitação — é fundamental que tal venha a acontecer —, bem como para o problema da
violência no namoro. Permitam-me este aparte: quando eu era jovem, achava que isso era uma coisa de mais
velhos e agora descubro que é cada vez mais uma coisa de mais novos.
É este ciclo que temos de quebrar. Mas, além de termos apresentado projetos de resolução, também
apresentámos projetos de lei. É fundamental esta abordagem com os idosos, com os mais desprotegidos e
esperamos que estejam connosco e que este debate não seja só elogiado por ser bem intencionado, mas seja
o início de mais um trabalho para irmos mais além do que tem sido feito, porque, notoriamente, tem sido
pouco.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pessanha,
do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Pedro Pessanha (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e
Srs. Deputados: O crime de violência doméstica, autêntica praga na sociedade, traduz-se num crime
profundamente complexo e que afeta, para além das vítimas diretas, todos os demais que são testemunhas
destas situações. A existência de situações de violência nas relações humanas constitui, nos nossos dias,
uma das motivações que conduz um grande número de pessoas a procurarem ajuda, não só nas instituições
de saúde, mas, igualmente, em instituições policiais e judiciais.
Este crime de violência doméstica pode revestir as mais diversas formas de prática, como, por exemplo, as
ofensas corporais, as humilhações, as provocações, as ameaças, os tratamentos cruéis e degradantes,
atingindo a pessoa e a sua dignidade na relação familiar e na comunidade, bem como a paz familiar e social.
É preciso ter a coragem de refletir sobre este flagelo social e pensar em medidas que ajudem a travar a
violência doméstica, pelo que haverá que equacionar a hipótese de, no presente quadro constitucional,
ponderar uma abordagem jurídica integrada no que tanja a decisão dos processos criminais, civis e tutelares,
referentes à violência doméstica, de acordo com as recomendações do Grupo de Peritos para o Combate à
Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica do Conselho da Europa.
A violência doméstica, na sua multiplicidade de formas, constitui também uma das formas mais gravosas
de violência contra as mulheres e homens, concretizando uma violação grave dos direitos fundamentais e, até
mesmo, do direito à vida. As crianças sujeitas a estas situações acabam por assimilar a violência como um
modo de estar e poderão, já adultos, reproduzir um modelo que assimilaram, que pode prejudicar e gerar um
processo de autodesvalorização, que prejudica o desempenho escolar e o laboral.
Recorde-se que, ainda em 2022, o nosso partido entregou dois projetos de lei neste Parlamento que
propunham o alargamento da prisão preventiva para eventuais crimes de violência doméstica, prevendo a
nomeação imediata de um patrono para as vítimas desses crimes.
Para terminar, porque a família é a célula mais importante da sociedade, o Chega pretende apoiar qualquer
vítima, homem ou mulher, criança ou adulto.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Santos,
do Grupo Parlamentar do PS.
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A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje é
dia 8 de março, dia dos direitos das mulheres, e ainda bem que o PSD agendou para este debate o tema da
violência doméstica.
Aqueles que negam a necessidade de subsistência de um dia em que refletimos mais profundamente sobre
os direitos das mulheres são confrontados hoje com a circunstância de a desigualdade estrutural ser inegável,
quando concluímos que, no último RASI, o crime de violência doméstica é o crime mais participado — 75 %
das vítimas são mulheres, 81 % dos denunciados são homens. Isto é assim apesar das alterações legislativas
que têm vindo a garantir maior proteção às vítimas de violência doméstica.
Queria lembrar que, no final da Legislatura passada, aprovámos por unanimidade a Lei n.º 57/2021. Foram
dados muitos passos relevantes, nomeadamente clarificou-se que as crianças que vivem em contexto de
violência doméstica são vítimas de violência doméstica, clarificou-se que a privação económica pode ser uma
forma de violência doméstica, aumentaram-se os deveres de comunicação entre a justiça de família e a justiça
criminal, apostou-se na intervenção nas primeiras 72 horas e no afastamento do agressor da casa de morada
de família.
Apesar disso, repito, a violência doméstica foi o crime mais participado no RASI de 2021 e isso é assim
porque em 2021, em 2022, em 2023, há muitos homens que continuam a achar que o papel das mulheres é
obedecer e que eles nasceram para mandar. E é assim porque foi isso que lhes ensinaram ao longo de
milhares de anos. Há mais de 2000 anos, S. Paulo disse aos coríntios que o cérebro da mulher era o
homem…
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Não descontextualize! Isso é desrespeitoso, isso é discriminação religiosa!
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — … e, no século XIX, Gustave Le Bon, o pai da Psicologia das Multidões,
disse que encontrar uma mulher com cérebro era tão difícil como encontrar um gorila com duas cabeças.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Isso está lá escrito?! Isso é insultuoso!
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr.ª Deputada Rita Matias, agora estou a falar sobre o pai da Psicologia
das Multidões, já não estou a falar no Novo Testamento.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Ainda assim é insultuoso!
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — De qualquer maneira, queria também referir que, mais recentemente, ouvi
um juiz, presidente de um tribunal superior, dizer que achava que as mulheres não podiam ser magistradas
porque os humores mensais as impediam de refletir sem emotividade e com racionalidade.
Nós, hoje, celebramos o facto de Carolina Beatriz Ângelo ter votado pela primeira vez em 1911, mas
recordo-me sempre de uma senhora que encontrámos na última campanha eleitoral, no mercado, que, antes
de aceitar um panfleto eleitoral, olhou para o marido e só quando o marido anuiu, dizendo que ela podia, é que
estendeu a mão para o receber.
Aquilo que hoje queria sublinhar é que «feminista» é um nome e um adjetivo que é utilizado por ambos os
géneros, pois há homens feministas e mulheres feministas: os homens, no Irão, que se dispõem a lutar pelos
direitos das mulheres, correndo o risco de morrer, são homens feministas, não são feministas apenas aqueles
que a Sr.ª Deputada Joana Mortágua acha que são feministas.
Gostaria de terminar dizendo que tivemos conhecimento, no verão passado, de um estudo das Nações
Unidas que diz que nos faltam 300 anos para atingirmos a igualdade. É demasiado tempo, precisamos de
caminhar mais depressa.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Tirar uma frase do contexto é muito bonito é!
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Vamos passar à fase de encerramento do debate.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
Pausa.
Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas houve uma distração. O Sr. Deputado não tem direito a intervir na
fase de encerramento, só os grupos parlamentares têm. Peço desculpa.
O Sr. Rui Tavares (L): — Não há problema, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para intervir no encerramento do debate, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Maria Teresa Horta, em abril de 1971,
publicou, na Dom Quixote, Minha Senhora de Mim, livro que foi apreendido pela PIDE (Polícia Internacional e
de Defesa do Estado). Disse Maria Teresa Horta que a sua vida mudou completamente quando o publicou,
que a PIDE o apreendeu e que chamou Snu Abecassis ao Secretariado Nacional de Informação e que Moreira
Baptista a proibiu de voltar a publicar qualquer obra de Maria Teresa Horta.
A partir daí, a PIDE transformou-se no pior inimigo de Maria Teresa Horta, que passou a ser alvo de uma
perseguição feroz. Depois de uma semana de agressão da PIDE, Maria Teresa Horta foi almoçar com Isabel e
Fátima. Quando a viu, Fátima ficou indignadíssima com o seu estado, com aquilo que lhe tinham feito. Perante
o burburinho causado pelo livro, o escândalo que se gerou por Maria Teresa Horta ter sido perseguida, por ter
sido espancada, Fátima lançou o desafio: «Se uma mulher sozinha causa toda esta confusão, este burburinho,
este escândalo, o que aconteceria se fôssemos três?» Nasceram, assim, as Novas Cartas Portuguesas,
insanavelmente pornográficas e atentatórias da moral pública, como foram na altura condenadas e proibidas.
Diziam essas Novas Cartas Portuguesas: «Entendo que não basta pensar em relações de produção, sendo
socialmente a mulher produtora de filhos e vendendo a sua força de trabalho ao homem patrão. A essa leitura
é preciso acrescentar os sistemas de cristalizações culturais que sustentam, reforçam e ampliam a dominação
das mulheres. É necessária a destruição dessas cristalizações culturais em que a mulher é imbecil jurídica,
irresponsável social, homem castrado, carne, pecadora, Eva da serpente, corpo sem alma, virgem-mãe, bruxa,
mãe abnegada, vampiro do homem, fada do lar, ser humano estúpido e muito envergonhado pelo sexo, cabra,
anjo, etc., etc. E digo tudo isto no presente […]» — dizia Maria Teresa Horta — «[…] porque contra estas
imagens nunca houve um combate de raiz, apenas se foram pondo em causa as suas consequências lógicas
e práticas de algumas delas, na medida em que já não convinham ou já não serviam mais ao homem».
Há um sistema de privilégio nesta sociedade. Esse sistema de privilégio chama-se machismo, chama-se
patriarcado e esse sistema de privilégio produz vítimas. Não há uma política feminina, mas há políticas
antifeministas às quais é preciso dar combate. As políticas salariais de serviços públicos, as que impedem o
serviço nacional de cuidados, as que impedem a educação, a participação política, aquelas que empurram as
mulheres para os baixos salários e para os papéis tradicionais, as que dizem que o lugar das mulheres é a
intimidade e, portanto, o privado e, portanto, o desprotegido.
«Ser perdidamente corpo é a vossa transparência» — dizia Natália Correia. A sua transparência é a sua
invisibilidade na sociedade. Não há dúvida de que são as mulheres que pagam o preço inflacionado dos bens
de consumo básicos e das soluções sociais do Estado. Não há dúvida de que é delas o custo diário das
alterações climáticas. Não há dúvida de que é sobre elas que recai a violência mais hedionda da guerra. E eu
pergunto: será que a guerra é uma continuação do patriarcado por outros meios? Ou o patriarcado é uma
guerra permanente?
A avaliar pelo número de mulheres assassinadas pela violência machista, diria que o patriarcado é uma
guerra permanente. Mas nós não nos calamos. Nós denunciamos. Nós lutamos. Ser mulheres faz de nós, sim,
vítimas, mas não faz de nós frágeis. Diz António Guterres que, se continuássemos a este ritmo, demoraríamos
300 anos a atingir a igualdade de género. Mas a história não se faz assim. Tentaram apagar a nossa história,
a história da nossa luta, da mesma forma que tentaram apagar as palavras de Maria Teresa Horta. «Nós
somos as bruxas da palavra», diria Maria Teresa Horta. Tudo o que as mulheres têm foi conquistado. Não é
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por serem menos vítimas que as mulheres do Irão incendiaram o caminho que nós agora temos de percorrer,
é por serem mais fortes e é por serem mais corajosas.
Não lhes peçam que esperem mais 300 anos. Não nos peçam que esperemos mais 300 anos. É esse
caminho incendiado pelas mulheres do Irão que queremos percorrer, até à igualdade, por todas aquelas que o
incendiaram antes de nós e também por Maria Teresa Horta.
Viva o Dia Internacional da Mulher.
Aplausos do BE e de Deputados do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para intervir no encerramento do debate, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Alma Rivera, do Grupo Parlamentar do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Num debate em que se abordaram os
temas da violência doméstica, inevitavelmente, as desigualdades estruturais foram apontadas, nomeadamente
as desigualdades no trabalho.
Queria, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, fazer uma saudação muito especial às mulheres da
Dancake, que hoje mesmo estão em greve.
Aplausos do PCP.
São mulheres que estão há 20 ou 30 anos a receber o salário mínimo nacional e agora veem uma
discriminação salarial no processo de avaliação. Estas mulheres são este caudal de lutas, que se acumulam,
de anos e anos, e que marcam a nossa história pelos direitos das mulheres e por avanços realmente visíveis.
Nesse sentido, não podíamos deixar de fazer esta saudação.
Mas falemos também das mulheres do setor dos cuidados. Falemos das mulheres da Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa e de tantas IPSS (instituições particulares de solidariedade social), também a receber o
salário mínimo, mulheres que cuidam dos outros mas que, depois, não são cuidadas através da valorização
salarial.
Falemos das trabalhadoras da saúde. São a maioria. As mulheres são a maioria, na saúde. Sabemos bem
como estão desvalorizados e desmotivados os trabalhadores da saúde, exaustos.
Falemos das mulheres da limpeza, sim, não só as da Assembleia da República, mas as dos hospitais, que
estão subcontratadas, em vez de estarem contratadas pela entidade que beneficia realmente do seu trabalho
— a Assembleia da República, os hospitais públicos, as repartições de finanças. Porque é que estas mulheres
não têm um contrato com a empresa a quem realmente estão a prestar serviço?
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Porque é que isto acontece? Para poder haver uma margem de lucro de que
alguns se apropriam e que não vai para o salário destas mulheres.
Combater a desigualdade é tomar medidas concretamente e não pode haver combate à violência
doméstica sem retirarmos as motivações para a maior vulnerabilidade das mulheres, para a sua maior
dependência, seja ela económica, psicológica ou de outro tipo.
Portanto, não podemos desassociar a luta contra as desigualdades, no tempo vivemos, que é de
aprofundar das desigualdades, da luta contra todas as formas de violência contra as mulheres, que não é só
violência doméstica, é também a exploração na prostituição e a violação. Há um conjunto de tipos de violência
que atingem especialmente as mulheres e que têm de ser combatidos.
Mas têm de ser combatidos com meios, não só alterando as condições de vida concretas dessas mulheres
e a sua possibilidade de arranjar um novo projeto de vida, mas também com serviços capazes de o fazer. Já
tivemos oportunidade de dizer que não é compatível desvalorizar todos os serviços públicos e, ao mesmo
tempo, dizer que se combate a violência contra as mulheres.
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Depois, falemos da participação das mulheres, de as mulheres terem voz nos diferentes órgãos. Se as
mulheres não têm tempo, se as mulheres não têm disponibilidade, porque os horários de trabalho são uma
loucura e porque aqui esta Casa se recusa a reduzir o horário de trabalho para as 35 horas,…
Vozes do PCP: — Muito bem!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — … quando é preciso fazer horas e horas e horas extraordinárias para
conseguir um salário que dê para viver, onde é que sobra tempo para participar?
Não as mulheres privilegiadas, não as mulheres que têm uma melhor condição à partida, as mulheres que
precisam de falar mais e de dar a sua opinião são as mulheres que vivem as dificuldades no seu dia a dia.
Aplausos do PCP.
Termino com uma frase que faz muito sentido. Dizia Zeca Afonso, na sua canção: «Mulher na democracia
não é biombo de sala».
Vozes do PCP: — Muito bem!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Portanto, valorizemos as mulheres. Temos de garantir condições para as
mulheres poderem exercer a sua participação, ter a sua própria voz e defender os seus interesses, num País
mais igual e mais justo.
Aplausos do PCP e de Deputados do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção neste encerramento, tem a palavra o
Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e
Srs. Deputados: Hoje é Dia Internacional da Mulher e, por isso, em meu nome e em nome da Iniciativa Liberal,
não podia deixar de começar por, aqui desta tribuna, manifestar todo o nosso reconhecimento e louvor a todas
as mulheres que, em Portugal e em todo o mundo, na atualidade e no passado, contribuíram com o seu
talento, a sua coragem, o seu trabalho e o seu amor para transformar o mundo num lugar melhor e, sobretudo,
num lugar mais livre. A todas, muito muito obrigado.
No entanto, confesso que me custa associar a discussão do tema da violência doméstica a uma efeméride
ou a um dia internacional, mesmo sabendo que este flagelo afeta, sobretudo, mulheres, mais de 80 % dos
casos reportados. Isto porque o combate à violência doméstica e a luta pela sua erradicação tem de ser um
esforço diário e — verdade seja dita — este Parlamento não tem poupado esforços para dar o seu contributo,
e a Iniciativa Liberal orgulha-se de ter sempre feito parte desse esforço, que precisa de continuar, porque
ainda não chega.
Os números continuam a ser esmagadores e devem-nos envergonhar, enquanto sociedade. Houve mais
de 30 000 participações, só no ano passado. São quase 100 participações por dia, quase 4 participações por
hora e é a noção angustiante de que esta pode ser apenas uma parte de um problema monstruoso cuja
dimensão real ainda ignoramos.
O que não ignoramos nem podemos ignorar ou desvalorizar são as 24 vítimas adultas e as 4 vítimas
crianças que morreram às mãos de agressores domésticos, no ano passado. Aqui fica também a nossa
homenagem, no dia seguinte ao Dia de Luto Nacional pelas Vítimas de Violência Doméstica.
Aplausos da IL.
Mas o motivo pelo qual fiz questão de pedir para fazer o encerramento deste debate em nome da Iniciativa
Liberal foi reiterar aqui, enquanto homem e enquanto liberal, o total repúdio por todos os atos de violência
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doméstica, para os quais nunca pode haver justificação, e a vergonha que sinto, enquanto homem, por tantos
atos hediondos cometidos por outros homens.
Quero dizer, com todas as letras, que o combate à violência doméstica é, na sua essência, um combate à
cobardia,…
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Muito bem!
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — … pois alguém que se sabe ou se acha mais forte querer exercer
domínio ou poder sobre quem sabe ou acha ser mais fraco é uma cobardia e uma confissão de impotência e
de fraqueza, não de força. É uma cobardia.
A Iniciativa Liberal estará sempre na primeira linha de combate à violência doméstica, porque não aceita
uma sociedade que tolere a cobardia.
Feliz Dia Internacional da Mulher.
Aplausos da IL e de Deputados do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção no encerramento, tem a palavra o Sr. Deputado
André Ventura, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado,
Caros Colegas: Assinalamos hoje um dia que deve ser recordado por todos como o dia da proteção, dos
direitos, da vida e da dignidade que uma sociedade moderna e livre deve atribuir, sem qualquer dúvida, sem
qualquer hesitação e com toda a consideração, às mulheres e aos homens.
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — O que temos hoje em Portugal é um fosso salarial inadmissível entre
homens e mulheres. Deve ser luta sem tréguas deste Parlamento que as mulheres tenham os mesmos direitos
que os homens e as mesmas oportunidades que os homens, para poderem atingir o topo da escala social, em
todos os seus setores e em todas as suas dimensões.
O que, em Portugal, o Governo socialista tem conseguido, anos após anos, é que as mulheres portuguesas
continuem a ser das mais prejudicadas em toda a Europa. Isto de um partido que se diz defensor dos direitos
das mulheres.
Aplausos do CH.
Mas este nível de proteção é também reconhecer que são as mulheres as principais vítimas dos crimes
sexuais e dos crimes de violência doméstica. Conforme foi reconhecido pelo próprio Partido Socialista hoje,
estes são crimes cujos alvos principais, por cobardia e não só, são as mulheres.
É essa defesa sem tréguas com que nos devemos comprometer. Mas não nos podemos comprometer à
segunda e à sexta e olhar para o lado à terça, à quarta e à quinta. Todas — todas, sem exceção! — as
propostas que o Chega trouxe a este Plenário para defender as mulheres, para garantir que agressores nunca
mais as poderiam agredir e para garantir que violadores que nunca mais o poderiam fazer — é preciso que o
País o saiba — foram chumbadas, sem qualquer tolerância, pela maioria do Partido Socialista.
Aplausos do CH.
É esta hipocrisia de esquerda que reina em Portugal e que insiste em usar as mulheres como troféus, mas
esquecer e olhar para o lado em muitos dos nossos problemas sociais.
Não, a esquerda não quer resolver nenhum problema que seja de violência doméstica nem que seja de
agressões sexuais contra mulheres. Quer apenas falar de educação, de ideologia de género, de coisas que
ficam bem a encher a boca mas que não resolvem um único problema que o País precisava de resolver.
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E era tão simples! Se quem violou uma mulher ou quem violou duas mulheres nunca mais visse a luz que
estamos a ver aqui, era tão simples de resolver este problema. Era tão simples!
Aplausos do CH.
E sim, hoje, Sr.ª Presidente, hoje há outras ameaças às nossas mulheres.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — «Às nossas», o quê?! Eu não sou tua!
O Sr. André Ventura (CH): — Há outras ameaças às nossas mulheres. Quando o Estado permite que
algumas comunidades em Portugal permitam o casamento de meninas com 14 anos, obriguem meninas de 14
e 15 anos a sair da escola e obriguem a que sejam escravizadas no seu trabalho, ou quando permite uma
vaga de imigração de alguns países onde as mulheres são objetos e são obrigadas a cobrir-se, a culpa
também é deste País e também é de quem os permite em Portugal.
Aplausos do CH.
Sim, Sr.ª Presidente, nunca teremos medo de o dizer: estas comunidades, minoritárias no nosso País, bem
como esta vaga islâmica que arrasa a Europa, ameaça hoje brutalmente os direitos das mulheres, não só em
Portugal, como em toda a Europa. E isso não há um único partido que tenha a coragem e a capacidade de
dizer.
Preferimos olhar para o lado e achar normal que mulheres sejam obrigadas a andar cobertas desde manhã
até ao fim do dia. Achamos normal que sejam escravizadas e que venham de países onde são chicoteadas
quando tratam mal, traem os maridos ou têm namorados.
Essa é a realidade, meus senhores, que os liberais, os sociais-democratas e os socialistas europeus, para
já não falar da extrema-esquerda, produziram. Da nossa parte, não entrarão nem passarão.
Aplausos do CH.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, houve 54 casos por dia, em 2022, mais 73 % de mulheres procuraram
abrigos, em 2022, e houve mais 82 violações, em 2022. Isto aconteceu enquanto o Parlamento distribui
cravos, batom vermelho e casacos cor-de-rosa.
Era isto que as mulheres queriam ver resolvido: que o Parlamento perdesse um minuto do seu tempo a
deixar as coreografias para trás, os batons e os casacos e resolvesse, de facto, o problema que elas gostavam
de ver resolvido, que era uma mão de ferro sobre quem ataca as nossas mulheres.
Aplausos do CH.
Mas não, o Parlamento preferirá sempre olhar para o lado. É mais tranquilo e é mais confortável.
Era o poeta Fernando Matos que dizia: «Quem mata uma mulher tira a vida à humanidade inteira». Era isso
que devíamos recordar e não qualquer batom, no dia em que estamos, para agir e não para fazer folclore.
Aplausos do CH, de pé.
Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção neste encerramento, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Paula Cardoso, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e
Srs. Deputados: Ao terminar este debate, registo um misto de alegria e tristeza — alegria porque fomos aqui a
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voz de muitas mulheres sem voz; e tristeza porque comemoramos o seu dia com um tema que já há muito não
devia flagelar as mulheres portuguesas.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Para o PSD, é urgente envidar todos os esforços para inverter a subida
dos números da violência doméstica, porque a sua dimensão é intolerável e só descansamos quando o
número de vítimas for um só — zero!
O pacote de projetos que apresentamos confronta o Governo para a concretização e implementação de
medidas urgentes, necessárias e adequadas.
Resolvi hoje, Dia Internacional da Mulher, em memória de todas as vítimas mortas e em homenagem a
todas as vítimas vivas, narrar a história de uma mulher como tantas outras, vítimas dos homens que amam ou
amaram, casadas, divorciadas ou namoradas.
Chamei-lhe «O Bombo».
«Há dias em que me sinto um bombo. Um bombo que aguenta sucessivas e violentas pancadas sem
romper a pele. Um bombo que, no momento em que leva a pancada, faz um barulho ensurdecedor, mas, no
minuto seguinte, queda-se mudo à espera da próxima.
Não posso continuar a viver assim. A minha pele está coberta de nódoas negras e o meu coração
encharcado de sangue. Não posso viver nesta casa de morte, dor e desgraça.
Teimo sempre em culpar a casa: a casa violenta-me, esmurra-me, grita-me, amarra-me. É mais fácil acusar
paredes, janelas e portas do que mãos, pés e bocas. Apesar de tudo, a maciça casa de pedra é mais sensível
que o meu marido, menos dura do que os seus pés em cima da minha barriga ou do que as suas mãos a
apertarem-me o pescoço. É mais fácil dizer “a casa” do que dizer “o marido”.
A minha resistência está por um fio. Não aguento, estou farta de ser bombo. E são tantas e tantas
pancadas que receio que a pele se rompa. Mas não tenho escolha, porque desta casa terei de ir para outra, e
só tenho a dos meus pais, retrógrados e conservadores, que passam a vida a contar histórias de grandes
mulheres.
O meu pai exalta sempre uma tal Alice que, sendo casada com um marido alcoólico e violento, aguenta
tudo sem se lhe ouvir um queixume. “Que grande mulher!”, afirma ele.
Rosa, vizinha da minha mãe, interpela-me: “Ana, estás doente? Aconteceu alguma coisa? Estás com um
aspeto horrível!”
Habituada à mentira, menti. Disse que caí nas escadas e fiquei com umas dores insuportáveis nas costas.
Rosa reconheceu-se em mim: viu as sombras que vagueavam nos meus olhos, a minha pele salpicada de
amarelo e negro, as mãos trémulas e as costas dobradas com o peso da culpa.
Rosa bem sabia como era: quando o marido lhe batia, achava sempre que a culpa era sua. Podia não ter
ido ao café, podia não ter vestido aquela saia, podia não ter cumprimentado aquele amigo de infância, podia
não ter usado batom ou perfume. Enfim, podia ter-se resignado e ter-se calado. Insistiu: “E tu achas que ele
faz isso porque gosta de ti, não é?”
Hesitei ao responder: “Não sei bem. Já achei que era por gostar de mim, por me querer só para ele, mas
agora acho que não.”
Os olhos de Rosa olhavam-me com ternura e compreensão.
Confessei-lhe: “Tenho medo de rir quando não devo, de falar quanto não posso, de vestir o que não está
certo ou de ir a lugares impróprios.” Rosa lançou-me um grito, como: “Tu não deves, não podes, não ris, não
vais, não vestes, não falas!”
As palavras de Rosa ressoaram em mim, bombo já de pele bamba e prestes a romper. E bombo de pele
rota não tem arranjo, é para atirar ao lixo, o cemitério de coisas. Rosa continua: “Vai, Ana, enquanto é tempo,
senão acabas morta. Recomeça a tua vida noutro local, muda de pele, muda tudo, muda até de nome, mas
vai, não olhes para trás. Só vais ter paz longe daqui.”
Vagueei várias horas à procura de coragem, de força e até da fé que já não tinha. Comprei um bilhete para
Madrid. Na estação, as lágrimas soltam-se. Entro, sento-me, sacudo e aliso o bombo. E, só quando sinto o
comboio rolar a grande velocidade, respiro.»
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Esta é a vida de muitas mulheres em Portugal, País com boas leis, mas fracos resultados; país que não
consegue evitar que cada vez mais mulheres acabem mortas e que tantas crianças acabem órfãs.
A avaliação das políticas é negativa, portanto, ao Governo exige-se mais, reconhecendo que, se por um
lado, as mulheres têm feito muito para contrariar estes fenómenos, por outro lado, a sociedade não tem feito
tudo o que está ao seu alcance. Sociedade onde o machismo é desestruturante e falta ainda aos homens um
longo caminho. Mas o que lhes faltará? Talvez a resposta esteja numa das canções de Zeca Afonso, que diz:
«Já fui mar, já fui navio / Já fui chalupa escaler / Já fui moço, já sou homem / Só me falta ser mulher».
Aplausos do PSD, com Deputados de pé.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Brilhante
Dias, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e
Srs. Deputados: Debatemos hoje um tema da maior importância, um tema que nos convoca a todos enquanto
comunidade e que deve merecer o nosso combate. Saúdo o Grupo Parlamentar do PPD/PSD pelo seu
agendamento, a que, naturalmente, nos associamos.
A violência doméstica é um crime que perpetua fenómenos de desigualdade e de relações de poder; um
crime cometido maioritariamente sobre mulheres; um crime que corporiza a misoginia e o machismo, que
ainda hoje subsistem na nossa sociedade e que têm vindo, no discurso político, a ganhar especial fulgor na
extrema-direita parlamentar; um crime que constitui uma violação dos direitos humanos.
Os dados de que dispomos ilustram bem a tragédia e o horror que este crime representa para as vítimas e
para as suas famílias. Sabemos hoje que estes crimes ocorrem maioritariamente no seio familiar, sendo que a
maioria dos agressores são homens: companheiros ou ex-companheiros das vítimas.
Sabemos também que há discriminações que se estendem para lá do domicílio, alcançando também a
esfera da vida profissional da vítima. Sabemos que existe uma alta taxa de reincidência e sabemos bem que
os traumas que afetam as vítimas diretas e indiretas deste fenómeno exigem um continuado acompanhamento
psicológico, judicial e social.
Não podemos e não vamos ignorar o que os dados nos dizem, o que os dados que vamos conhecendo
ilustram.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista assumiu como causa, na 1.ª Sessão Legislativa, o combate
contra a violência doméstica. Não nos limitámos, na nossa atuação, à esfera legislativa. Quisemos ir mais
longe: fomos para o terreno acompanhar as preocupações e as necessidades identificadas por aqueles que
lidam mais de perto com este fenómeno.
Não vamos abandonar esta causa. Esta é uma causa que abraçamos e pela qual continuaremos a
combater.
Aplausos do PS.
Acompanhamos também a ação determinada do Governo. Nesse sentido, é de enorme importância
ressalvar a criação do grupo de trabalho para a elaboração de uma estratégia nacional de proteção das
vítimas de crime, uma ideia inovadora no panorama nacional, que permite alinhar as orientações de política
nesta sede.
Sublinhamos ainda que hoje, dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, irá decorrer no Ministério da
Justiça uma cerimónia de renovação de protocolos relativos aos gabinetes de apoio à vítima para renovação
das parcerias existentes.
Desde 2019, com o XXI Governo Constitucional, que temos vindo a trabalhar para plasmar na legislação
nacional tudo o que diz respeito à Convenção de Istambul, para que os DIAP (Departamentos de Investigação
e Ação Penal) possam fazer um acompanhamento mais próximo, com gabinetes de atendimento às vítimas de
violência doméstica.
É neste sentido que, de forma coordenada, o Governo — com diferentes áreas governativas, onde se
destaca a Justiça, mas também os Assuntos Parlamentares e o Ministério do Trabalho — e a maioria do
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Partido Socialista continuam a trabalhar para termos, no futuro, melhores condições de apoio à vítima, para
protegermos as vítimas, mas, acima de tudo, para combatermos este flagelo da violência doméstica.
Aplausos do PS.
Sr.ª Presidente, gostaria de sublinhar a importância do parecer realizado pelo Conselho Económico e
Social (CES) sobre violência doméstica, que foi votado em plenário no dia 3 de março, um parecer solicitado
pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista a este órgão de participação da sociedade civil.
Agradeço ao CES, na pessoa do seu Presidente, Francisco Assis, os esforços desenvolvidos para compilar
e desenhar as estratégias que os diferentes grupos parlamentares, em particular o do Partido Socialista,
levarão a cabo num futuro próximo para melhorar a legislação, para fiscalizar melhor a ação do Governo e
também para propor medidas inovadoras de combate ao fenómeno da violência doméstica.
Alguns dos dados que recebemos são alarmantes: mais de 100 vítimas nos últimos quatro anos; 28 vítimas
em 2022; 24 mulheres e 4 crianças. Estes números interpelam-nos, chocam-nos e, por isso, como escreveu
Simone de Beauvoir, «O presente não é um passado em potência, ele é o momento da escolha e da ação».
Este é o momento de continuar a agir e de mudar este presente, que continua a ser demasiado o lastro de
um passado pouco feliz.
Viva o Dia da Mulher!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para encerrar este debate, em nome do Governo, tem a palavra a
Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e das Migrações, Isabel Almeida Rodrigues.
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e das Migrações (Isabel Almeida Rodrigues): —
Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Permitam-me que comece por saudar a realização deste
debate. É sempre com muito gosto que estou neste Parlamento para discutir com as Sr.as e com os Srs.
Deputados um tema tão importante como é o da violência doméstica. Aliás, já este ano aqui estive convosco
numa reflexão muito interessante e, creio, muito produtiva sobre esta matéria.
Mas, sendo hoje o dia 8 de março, queria sobretudo saudar as raparigas e as mulheres que, ao longo de
séculos, não hesitaram em colocar a sua vida em risco, ou em dar a própria vida, em defesa de uma
verdadeira igualdade entre homens e mulheres, em defesa dos direitos das mulheres, em defesa de igual
dignidade e iguais direitos para as mulheres.
Quero também saudar vivamente o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, pela iniciativa de solicitar ao
CES a realização deste estudo, e o CES, pela qualidade e profundidade do trabalho realizado, em que vimos
com preocupação todas as questões em que ainda precisamos de melhorar, que vêm, precisamente, ao
encontro daquelas que são, também, as preocupações do Governo. Devo também destacar que o mesmo
relatório reconhece o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido e as muitas conquistas que não devem, neste
momento, ser esquecidas.
Falou-se muito de números, e bem. Os números da violência doméstica devem revoltar-nos a todos. No
entanto, tenho maior dificuldade em concordar quando se diz que a situação é em Portugal como não é em
mais nenhum sítio da Europa.
Na semana passada tive oportunidade de participar numa reunião de alto nível promovida pela Presidência
sueca, precisamente para discutir a violência doméstica e orçamento com perspetiva de género, e, uma vez
que a vossa ideia é muito diferente e que vos parece que Portugal é um espaço de horror à margem da
Europa, ficariam surpreendidos com a gravidade da situação em todo o continente europeu, mas também
dentro do espaço da União, onde também precisamos de reforçar o trabalho que temos vindo a fazer.
Protestos da Deputada do CH Rita Matias.
Neste quadro, queria lembrar o indicador publicado hoje, o glass-ceiling index, da revista The Economist,
que coloca Portugal em 4.º lugar, apenas superado pela Islândia, Suécia, Finlândia e Noruega, no que respeita
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à igualdade de género no mercado de trabalho. A The Economist coloca Espanha em 11.º, o Reino Unido em
17.º e a Alemanha em 22.º
Protestos da Deputada do CH Rita Matias.
Sr.ª Deputada, agora sou eu que lhe digo que estou eu a falar.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Agora não falei!
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e das Migrações: — Se atendermos aos critérios que a revista
The Economist utiliza, compreenderemos porque é que Portugal aparece tão bem classificado ao pé da
Finlândia, da Noruega e da Islândia: porque os critérios são os da licença de parentalidade, do custo das
creches, do acesso à educação e também da desigualdade salarial. Quanto a isto, queria lembrar que, em
2016, o dia foi assinalado a 11 de novembro e, no ano passado, foi já assinalado a 13 de novembro. Isto
significa que, mesmo num contexto extremamente difícil como tem sido o dos últimos anos — com a sucessão
de, primeiro, a crise das dívidas soberanas, depois, o impacto da pandemia —, Portugal conseguiu melhorar a
sua posição no que toca à desigualdade salarial.
Aplausos do PS.
Não estamos, naturalmente, satisfeitos.
Queria, ainda, referir que o PSD fez menção a que a avaliação das políticas é negativa, e eu respeito essa
posição, só não compreendo como é que, sendo a avaliação negativa, entregam seis projetos de resolução
que visam que o Governo dê execução ao que já está nos planos.
Aplausos do PS.
Parece-me que há alguma incongruência, porque, se as políticas não fossem boas, não estariam aqui.
Protestos do PSD.
Mas é bom, significa que estamos de acordo quanto à estratégia e quanto à forma como a estratégia se
declina nos diversos planos de ação.
Para terminar, permitam-me dizer que nos revemos, também, nas prioridades que aqui foram referidas:
melhorar e reforçar o apoio às vítimas e a qualidade das decisões que são tomadas em todas as dimensões
do fenómeno da violência doméstica, desde a gestão das redes ao processo judicial; antecipar o momento em
que a vítima reconhece que é vítima, para que possamos evitar a escalada de violência; e reforçar o trabalho
com agressores.
Protestos da Deputada do PSD Joana Barata Lopes.
Aliás, esta vossa proposta vai ao encontro daquilo que disse há um mês e, também, daquilo que disse nas
audições regimentais, quanto à necessidade de reforçar o trabalho. Efetivamente, Sr.ª Deputada, eu já o disse
aqui várias vezes, o que é preciso é diminuir o número de agressões. Se 90 % dos agressores são homens, é
preciso que os homens mudem o seu comportamento.
Aplausos do PS.
Naturalmente que, séculos de patriarcado, de consolidação da visão da mulher como um ser menor, a
quem o homem até podia corrigir e bater, bom, o que é que eu tenho a dizer?
Se o líder do PSD precisou de alguns anos para reconhecer a importância de medidas positivas a favor da
mulher, como, aliás, ele próprio anunciou ontem,…
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Vozes do PSD: — O quê?
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!
O Sr. João Marques (PSD): — Que falta de educação!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Falta de chá!
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e das Migrações: — … é mais uma evidência de que temos,
ainda, um longo trabalho a fazer para que isto possa, de facto, mudar.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos, assim, este importante debate.
Despedimo-nos da Sr.ª Ministra e da Sr.ª Secretária de Estado, desejando-lhes um bom resto de Dia
Internacional da Mulher.
Passamos ao segundo ponto da nossa ordem do dia, que consiste na apreciação da Petição
n.º 128/XIV/2.ª (Ramons Vaz de Menezes e outros) — Achigã (Micropterus Salmoides) uma espécie a
proteger, juntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 331/XV/1.ª (PSD) — Alteração ao regime legal
de prevenção e controlo de espécies exóticas aplicável à pesca lúdica e desportiva em águas interiores e com
o Projeto de Resolução n.º 427/XV/1.ª (PAN) — Pela manutenção do achigã na Lista Nacional de Espécies
Invasoras constante no Anexo II do Decreto-Lei n.º 92/2019, de 10 de julho.
Para apresentar o projeto de lei do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado João Marques.
O Sr. João Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar os 7082
subscritores da Petição n.º 128/XIV/2.ª — Achigã uma espécie a proteger, na pessoa do primeiro peticionante,
o Sr. Ramons Vaz de Menezes.
Com esta petição, pretendem chamar a atenção para as contradições e prejuízos do regime jurídico
aplicável ao controlo de espécies exóticas, que tem aplicação sobre a pesca desportiva.
Esta situação tem a sua génese no Regulamento (UE) 1143/2014, que obrigava os Estados-Membros a
elaborar uma lista das espécies exóticas que não trouxessem benefícios financeiros ou sociais, prevendo a
sua erradicação e, no caso do Micropterus salmoides, vulgo achigã, a sua eliminação dos cursos de água
nacionais.
Ora, os pescadores desportivos praticam, normalmente, o pescar e libertar, e fazer o contrário seria uma
clara violação das suas consciências e das normas éticas da pesca desportiva, matando, sem qualquer
necessidade, milhões de peixes das águas interiores de Portugal.
A generalidade dos pescadores desportivos tem comportamentos ambientalmente responsáveis e é, por
isso mesmo, que querem pescar, devolvendo o peixe à água.
Sr.as e Srs. Deputados, é este ato de libertação que está a ser proibido pela lei vigente e nós, PSD,
julgamos que tem de haver equilíbrio nesta matéria.
A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Muito bem!
O Sr. João Marques (PSD): — Sabemos que a prevenção e o controlo de espécies exóticas são
fundamentais para assegurar a proteção da biodiversidade e mitigar os impactos da introdução de animais ou
plantas cujo caráter invasor pode ser nefasto para os ecossistemas e para as espécies autóctones.
Nestes esforços, é necessário que haja uma ponderação face aos contextos específicos de cada espécie,
salvaguardando também os aspetos socioeconómicos.
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A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Muito bem!
O Sr. João Marques (PSD): — O Decreto-Lei n.º 112/2017, que estabelece o regime jurídico do
ordenamento e da gestão sustentável dos recursos aquícolas das águas interiores e regulamenta as
atividades de pesca, conseguia perfeitamente este equilíbrio.
No caso concreto da pesca lúdica ou desportiva ao achigã, realizada em albufeiras, em águas lênticas ou
paradas, estava salvaguarda a permissão de devolução à água após captura. Posteriormente, foi publicado o
Decreto-Lei n.º 92/2019, estabelecendo o regime jurídico aplicável ao controlo, à detenção e ao repovoamento
de espécies exóticas, transpondo algumas normativas comunitárias.
Neste âmbito, o achigã passou a integrar o anexo II da Lista Nacional de Espécies Invasoras,
determinando-se a interdição de devolução à natureza dos espécimes capturados.
Na pesca desportiva, há mesmo regras rigorosas nas competições, que obrigam à devolução dos
espécimes pescados, pelo que esta legislação coloca em risco a organização de importantes eventos
desportivos, que geram receitas para a hotelaria e restauração destes municípios do interior…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — É verdade.
O Sr. João Marques (PSD): — … e desfere uma facada nos seus investimentos no turismo de natureza,
que, afinal, é, muitas vezes, a única saída para o desenvolvimento económico destes concelhos de baixa
densidade.
A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — É verdade!
O Sr. João Marques (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, o achigã é, de facto, uma espécie altamente
apreciada e há uma forte dinâmica socioeconómica em redor da sua pesca. É, ainda, relevante, salientar que
o Decreto-Lei n.º 92/2019 prevê uma lista de espécimes sujeitos ao regime de exceção, por terem interesse
económico.
Por isso, não se entende a razão pela qual o achigã não tem o mesmo regime de exceção, pois é uma
espécie economicamente mais interessante e importante para estas regiões do interior de Portugal.
Anteriormente, estavam estipuladas as condições de defeso, a fixação de uma medida mínima para a sua
captura, sendo obrigatória a sua retenção em águas correntes e permitida a sua devolução em águas paradas.
Esta definição era equilibrada e a sua devolução em albufeiras, dado o estado de assimilação da espécie, teria
— e terá — um impacto ambiental muito mitigado.
Pesando todos estes fatores, o PSD propõe que o achigã possa integrar a lista de espécies sujeitos a um
regime excecional, procedendo-se a uma alteração ao Decreto-Lei n.º 92/2019, retirando-o do anexo II,
através do Projeto de Lei n.º 331/XV/1.ª, apresentado hoje, aqui, pelo Partido Social Democrata.
O PAN, na sua iniciativa, no projeto de resolução que apresenta, faz uma generalização que, na nossa
opinião, não é correta, pois imputa aos pescadores desportivos responsabilidades que não lhes cabem — a
erradicação das espécies exóticas —, apontando culpas e soluções que não o são.
Também nos preocupamos com os impactos das espécies exóticas e invasoras na biodiversidade, mas,
neste caso, há uma situação de exceção que tem de ser devidamente ponderada, com os seus custos e
benefícios, sem estarmos com divisões artificiais de quem está do lado dos pecadores ou de quem está do
lado da natureza.
O PSD está dos dois lados…
Aplausos do PSD.
… e é por isso, e também pelo desenvolvimento do interior do País, que apelamos aos diferentes grupos
parlamentares, nomeadamente ao Partido Socialista, que votem favoravelmente o projeto de lei aqui
apresentado pelo PSD.
Aplausos do PSD.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o projeto de resolução do PAN, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente: Começo por cumprimentar os peticionários. De facto,
nesta matéria temos uma visão que nos distancia do PSD, porque estamos a falar de uma espécie que tem
causado problemas graves, do ponto de vista da biodiversidade,…
Protestos do PSD.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Nem sabes o que é um achigã!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … forçando ao deslocamento da biodiversidade existente. É uma
espécie nativa do leste e do centro dos Estados Unidos, também do sudeste do Canadá e norte do México,
considerada como um predador voraz, que tem contribuído para o declínio da biodiversidade.
O PSD não pode, num momento, vir dizer que quer proteger a biodiversidade e, depois, propor o seu
contrário.
O Sr. Deputado, há pouco, referiu que o PAN estava a tentar imputar responsabilidades à pesca
desportiva. O PAN não está a imputar responsabilidades a ninguém. O que os estudos nos dizem e
recomendam é que a pesca desportiva e demais pesca económica possam trabalhar, cooperar, no sentido de
sensibilizar para a não introdução deste predador, desta espécie invasora. Alertam, ainda, para o facto de ser
urgente investir na sensibilização e prevenção, para evitar que o achigã ou outras espécies invasoras
continuem a ser introduzidos em rios e ribeiras, e não desclassificar esta espécie.
Protestos do PS.
Não nos podemos esquecer que, numa altura em que temos tantas campanhas para consciencializar para
o problema da proliferação do achigã, mas também das espécies predatórias no nosso ecossistema, isto seria,
até, uma irresponsabilidade por parte do Estado.
Quantos milhões de euros, Sr. Deputado, gastámos em fundos da União Europeia para controlar as
espécies invasoras? E os senhores querem agora liberalizar uma espécie que destrói a espécie nativa. Se a
pesca mobiliza a economia, como dizem os senhores, o desafio que lanço é o de dizerem qual é o prejuízo
que isto causa para a nossa biodiversidade.
Protestos do PS.
Essa fatura, Srs. Deputados, vai ser muito maior do que aquela que hoje estão a propor. Portanto, o PAN
não se pode pôr ao lado de uma iniciativa irresponsável, que provoca o declínio da biodiversidade…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tanta asneira!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … e, por isso mesmo, defendemos a manutenção do achigã na lista
de espécies invasoras.
Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim
Figueiredo, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje é um
debate curioso porque, arrastadas a uma petição, cujos subscritores saudamos, estão em discussão duas
iniciativas: um projeto de lei do PSD, a recomendar a retirada do achigã do anexo ao Decreto-Lei n.º 92/2019,
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que classificava o achigã como espécie invasora, e um projeto de resolução do PAN, que, de forma quase
inédita, Sr.ª Deputada, insta o Governo a deixar as coisas como estão, o que acho que é um excelente
prenúncio para as futuras iniciativas do PAN.
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Muito bem!
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Mas, comecemos do princípio. De facto, o achigã é uma espécie
que acarreta riscos para a biodiversidade local, especialmente quando falamos de águas correntes. Foi
introduzida em Portugal continental em meados do século passado e, desde então, houve dois fenómenos
paralelos: em águas correntes, tinha, de facto, efeitos nocivos, atacando as espécies locais, mas também se
registou que, no caso das chamadas águas lênticas ou paradas — como albufeiras e barragens —, a espécie
se encontrava controlada, em equilíbrio.
Portanto, o PAN tem dois problemas muito simples: o primeiro é a pesca lúdica que está associada a este
peixe, e sobre isso não será preciso elaborar muito. O segundo problema prende-se com uma noção estática
de natureza, na qual todas as alterações introduzidas — desde que sejam por mão humana — são
consideradas catastróficas ou tendentes à catástrofe.
Resta, então, perguntar — eu devia ter esta resposta, Sr.ª Deputada — qual é, para o PAN, a data de
fixação da fauna e da flora autóctone de Portugal. É o neolítico? É o paleolítico? E nesse caso, é o inferior, o
médio ou o superior? Vamos aguardar a resposta, mas vamos aguardar sentados.
Protestos do PAN.
No caso em mãos, verificamos que, provavelmente contra a vontade do PAN, também não faltam
barragens em Portugal e, portanto, nessas barragens há alterações nos ecossistemas locais que viabilizam
fenómenos como, por exemplo, a introdução do achigã.
Por isso, da análise que fizemos do caso, parece-nos que a solução aqui proposta pelo PSD é,
efetivamente, equilibrada: manter as regras de apanha relativamente ao achigã em águas correntes, onde
provoca estragos, e reverter aquela que foi uma lei excessivamente onerosa para os pescadores, no caso das
águas paradas ou interiores.
A Iniciativa Liberal considera que assim conseguiremos estabelecer um equilíbrio entre as várias atividades
económicas e sociais em torno deste animal, ao mesmo tempo que asseguramos que estas mesmas
atividades não contribuem para o desequilíbrio ecológico dos nossos rios, no futuro.
Aplausos da IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Eunice Pratas,
do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Eunice Pratas (PS): — Sr.ª Presidente, antes de intervir, permita-me que saúde, neste dia tão
especial, todas as mulheres, a nossa história e as nossas lutas, que ainda continuam.
Aplausos do PS.
Caras e Caros Deputados, antes de mais, quero agradecer aos peticionários que trouxeram este tema a
debate em Plenário, demonstrando-nos a importância de uma democracia cívica e participativa.
Hoje, temos duas visões diferentes sobre o achigã, em Portugal. Mas, quando analisamos esta temática,
temos de ter em conta várias esferas: a económica, a social, a ambiental e a científica. A verdade é que o
achigã é de uma espécie com interesse económico, gastronómico e desportivo e contribui para o
desenvolvimento do interior do País.
Talvez a gestão de conflitos pareça difícil entre estes interesses completamente antagónicos, o da
conservação da natureza e o interesse económico, mas, muito provavelmente, o compromisso destes
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interesses passará pela implementação de uma gestão piscícola de acordo com o grau de integridade
ambiental em cada sistema aquático.
Ora, para cumprir os objetivos de gestão de algumas espécies exóticas, as medidas poderão ir desde o seu
controlo — porque a eliminação, normalmente, é impraticável — até à sua introdução, de forma cientificamente
sustentada, em ecossistemas com forte grau de artificialidade, ecossistemas, estes, onde se encontra a maior
parte do achigã em Portugal.
Sublinho que esta discussão só pode ser profícua com estudos rigorosos e científicos de observação da
amostra e do percurso do achigã em ecossistemas naturais ou artificiais.
Pergunto: não seria melhor introduzirmos esta espécie na lista de exceções, até os estudos serem
realizados e apreciados pelas entidades devidamente competentes, em vez de a introduzirmos na lista de
espécies exóticas, sem avaliar o seu impacto posterior na nossa economia e nos nossos ecossistemas?!
Mas entendemos que o PAN já não pretende só interferir na defesa do homem e do animal, pretende
também interferir nas relações entre animais. E isso, sim, Sr.ª Deputada, é que é contranatura.
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Inês, aprende!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gabriel Mithá
Ribeiro, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O partido Chega saúda o
Sr. Ramons Vaz de Menezes e demais subscritores da Petição n.º 128/XIV/2.ª — Achigã (Micropterus
Salmoides) uma espécie a proteger. Saudamos, igualmente, as iniciativas do PSD e do PAN.
Está em debate a questão da manutenção ou a possibilidade de retirada do achigã da lista nacional de
espécies invasoras, onde constam as espécies que devem ser extintas por ameaçarem as espécies
autóctones, sem acrescentarem benefícios sociais, económicos ou culturais.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Não é propriamente o caso do achigã.
O peixe foi trazido para Portugal há muitas décadas e é hoje pertença de inúmeras ribeiras e barragens
nacionais, com um forte elemento cultural e de lazer associado à pesca desportiva, muitas vezes em espaços
ultraperiféricos do território nacional.
Entendemos que esta discussão seria bem mais racional, se a proteção do ambiente não se tivesse
transformado num dogma fundamentalista.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — O PAN apresenta-se hoje aqui como o «inimigo público n.º 1» do
achigã.
A posição dos peticionários é outra. Limitam-se a defender um regime excecional para uma espécie aceite
em muitos outros países europeus respeitadores dos equilíbrios ambientais.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — O partido Chega incentiva os peticionários a olharem não só para a
Europa, mas também para a África. Vão perceber melhor porque é que o PAN não vos dá razão.
Há décadas que a explosão demográfica em África e a ultra-acelerada concentração urbana são das
maiores desgraças do planeta. A África aproxima-se da Índia e da China em termos demográficos. Em
meados deste século, metade da população africana vai viver em cidades sem as condições mínimas: sem
redes de esgotos, com lixeiras a céu aberto, poluição atmosférica fluvial ou marítima, escassez crescente de
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recursos hídricos e florestais, potenciais pandemias que podem chegar a todos os continentes, incluindo a
Europa.
Tudo muito óbvio!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Explosão demográfica, desastre ambiental, pobreza, violência e
emigração ilegal, para terminarem em mortes no Mediterrâneo.
Mas em África não há Jair Bolsonaro. São todos regimes de esquerda, amigos dos fundamentalistas do
ambiente.
A China comunista desmatou gravemente África. O PAN não viu.
A mãe Rússia sugou os recursos piscatórios de África. O PAN não viu.
Quem nunca colocou o controlo demográfico de África no topo da agenda ambiental não é credível.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Resta-lhes destruir estilos de vida, tradições, atividades económicas,
portuguesas e europeias, para sobreviverem politicamente. É a isso que se chama populismo. É o caso do
PAN.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — O seu partido político, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, sabe que
os peticionários apresentam soluções ponderadas para a coabitação do achigã em águas portuguesas,…
Aplausos do CH.
… onde o peixe não é ameaçador, e já aqui foi dito. Refiro-me a águas lênticas, águas paradas ou com
pouco movimento, como é o caso das albufeiras e barragens. Isso pode ser compensado pelo combate à
espécie em águas lóticas, isto é, em águas correntes, como é o caso dos rios e ribeiros, e só aí o risco do
achigã é maior.
O partido Chega vai acompanhar a posição do PSD,…
O Sr. João Moura (PSD): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — … que reflete as preocupações dos peticionários: o achigã passar a
fazer parte da lista de espécies exóticas sujeitas a um regime excecional.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do
Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar, saudar o
Sr. Ramons Vaz de Menezes pela petição que entregou e cuja leitura é verdadeiramente recomendável,
porque, concordando-se ou não, representa um trabalho de dedicação, de conhecimento e, portanto, só
devemos agradecer e acompanhar o que é um ato cívico e um ato de amor pela natureza.
Aplausos do PS.
Devo dizer que, feita esta introdução,…
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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Já passaram 30 segundos!
O Sr. Rui Tavares (L): — … não acompanho todo o raciocínio da sua petição, e passo a explicar porquê.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Agora já não tens tempo!
O Sr. Rui Tavares (L): — Ao contrário dos meus colegas, perante cujo saber técnico e especialidade eu
me curvo, porque eu não conhecia, mas estão aqui extraordinários «achigólogos»,…
Risos do PS.
… eu não gostaria de vir para aqui «mandar postas de pescada».
Risos do PS.
Protestos do CH.
Se eu pudesse terminar!…
O que sei é que está em curso a revisão do Livro Vermelho dos Peixes de Água Doce e Migradores, para a
qual foram convocados muitos verdadeiros especialistas, muitos verdadeiros académicos — que não estão em
comissão de serviço na Assembleia da República —, e acho que, até termos essa revisão feita, seria
aconselhável que todos os grupos parlamentares de todos os partidos representados nesta Casa se guiassem
por um princípio, esse, sim, verdadeiramente ecológico, que é o princípio da precaução, para, até termos o
conhecimento técnico, não fazermos alteração à lei.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do
Grupo Parlamentar do PCP.
Pausa.
Sr. Deputado João Dias, tem a palavra. Faça favor.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, peço desculpa pela minha desatenção.
Queremos, antes de mais, cumprimentar os mais de 7000 peticionários, em particular o primeiro
peticionário Ramons Vaz Mendes, que trazem esta questão sobre a proteção do achigã, que consideram ter
grande importância nos territórios do interior.
Como é sabido, o achigã é uma espécie bastante valorizada no âmbito da pesca desportiva, porque é, de
facto, uma atividade importante para a dinamização das comunidades das regiões do interior e contribui para a
diversificação da atividade destas mesmas regiões.
De facto, o próprio achigã tem bastante interesse para a pesca desportiva e lúdica — entendemos e
compreendemos esse aspeto —, mas importa também ter em consideração alguns aspetos relativamente a
esta espécie.
Antes de mais, a sua origem não é no território nacional. Trata-se de uma espécie que, ao ter sido
introduzida no território nacional, veio trazer alterações dos habitats. Não podemos negar isso, porque
estamos a falar de uma espécie que está no topo da cadeia predatória. Ainda assim, foi introduzida nos
nossos habitats há algumas décadas e foi-se ajustando com algumas alterações da biodiversidade e dos
ecossistemas onde vive.
Há, realmente, uma preocupação que temos. Sempre que se introduz nas águas nacionais uma nova
espécie que não tem predadores naturais, cria-se um desequilíbrio que, na grande maioria dos casos, resulta
num desequilíbrio na dimensão das populações, com crescimentos anormais, e, ao mesmo tempo, provoca
uma redução que é preocupante, muitas vezes alarmante, das espécies autóctones. É isto que entendemos
que é preciso acautelar.
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Não podemos deixar de ter em atenção os cuidados que é preciso ter.
Assim, entendemos que existe a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre a prevalência das
condições favoráveis ao exercício da prática desportiva e à necessária salvaguarda da biodiversidade dos
ecossistemas fluviais.
É, portanto, fundamental que se controlem as espécies invasoras, mas também é preciso que não
percamos a oportunidade de proteger e de salvaguardar as espécies autóctones existentes nos nossos
ambientes fluviais.
Por isso, entendemos que, muito provavelmente, existe necessidade de documentar e de estudar melhor o
que estamos a discutir, pelo que, na ótica do PCP, parece-nos ser avisado que se façam estudos que
identifiquem precisamente os efeitos e o alcance que esta espécie tem nos nossos ecossistemas fluviais.
O PCP defende ainda que se criem condições para que esta prática desportiva possa ter prevalência,
possa ser aprofundada, porque ela é muito relevante para os nossos territórios, principalmente para os
territórios do interior.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Felipe
Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar,
cumprimentar os peticionários, em particular o primeiro subscritor desta petição, que entregou um trabalho
notável à Assembleia da República. Creio que poucas petições se podem gabar de ter uma componente
técnica como esta, que foi entregue, e saudamos, por isso, esse ato de cidadania que nos capacitou também
para melhor discutir esta matéria.
Parece-nos que existe, atualmente, do lado do Estado, não é bem um preconceito, mas o assumir de ideias
preconcebidas sobre a natureza do achigã e, em particular, sobre a população do achigã nas nossas águas
interiores, que são vertidas em lei sem essa preparação.
Creio que, em primeiro lugar, deveria existir um estudo real que permitisse que estas medidas de política
fossem atualizadas de forma corrente, durante um tempo, como deveria ser normal que acontecesse.
Segundo aspeto: não nos parece que a iniciativa legislativa, apresentada pelo PAN, tenha uma base
científica que lhe dê coerência, mas, antes, mais uma vez, advém do mesmo preconcebimento de que a lei,
atualmente, já enferma.
Por outro lado, entendemos que a iniciativa legislativa que o PSD traz é um bom contributo para esta
matéria, pelo que acompanharemos essas pretensões, porque bebe da constatação científica que existe. O
achigã não é tão problemático em áreas paradas, é mais problemático em áreas correntes, o que deveria ser
tido em conta na lei.
No entanto, como disse há pouco, o que faria sentido era que existisse um acompanhamento, por parte das
entidades públicas, das populações de animais e que isso levasse a uma atualização, quando necessária,
destas tabelas, destas práticas. Isso é que faria sentido.
Permitam-me que termine dizendo que reconheço que há aqui algo mal resolvido na cabeça do Sr.
Deputado Mithá Ribeiro. Isto porque, quando falamos de «mãe África», ele acha que África é a mãe de todos
os problemas, incluindo o do achigã!… É extraordinário como conseguiu falar de África, dos povos do
continente africano, num debate sobre o achigã.
Protestos do CH.
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — São fantasmas!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Deputado, acalme-se! Resolva-se e, possivelmente, terá
contributos mais interessantes sobre esta matéria.
Aplausos do BE.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Norberto
Patinho, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Norberto Patinho (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Deixo uma saudação
especial ao peticionário, Sr. Ramons Vaz de Menezes.
Há 50 anos, trabalhava eu na freguesia de Alqueva, junto ao rio Guadiana, quando comecei a acompanhar
alguns pescadores locais nas atividades de pesca recreativa. Surgiam, nessa altura, receios quanto aos
efeitos negativos da presença do achigã nos cursos de água e nas albufeiras do nosso território.
Passadas cinco décadas, o achigã é uma das espécies exóticas que melhor se adaptou e cujo impacto nas
populações nativas existiu, mas foi residual e mais sentido aquando da sua introdução em alguns locais muito
específicos.
Cinquenta anos passados, o exercício da pesca nas águas interiores tem um impacto socioeconómico
importante a nível local, tanto na dimensão da pesca lúdica quanto na desportiva e profissional.
Como atividade desportiva e recreativa, contribui para a dinamização do meio rural, particularmente
importante no interior do País. O achigã é um dos peixes com maior importância na pesca desportiva e
elevado interesse gastronómico.
Há um elevado contributo, direto e indireto, desta atividade no desenvolvimento de diversos setores da
economia, como o comércio de equipamentos e acessórios, a indústria hoteleira e a restauração, o comércio
local e regional, o artesanato e o turismo em espaço rural.
No passado fim de semana estive no Festival do Peixe do Rio, no Alandroal,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Olha lá se convidaste?!
O Sr. Norberto Patinho (PS): — … e um pouco por todo o interior consolidam-se, nestes últimos anos,
festivais gastronómicos onde se degustam pratos tradicionais em que o achigã é o ingrediente dominante.
Campeonatos do mundo de pesca embarcada, campeonatos nacionais, concursos, convívios, muitos com
renome nacional e internacional e centenas de participantes, confirmam a importância destas iniciativas e a
sua relevância na promoção turística e no desenvolvimento dos territórios do interior.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Muito bem!
O Sr. Norberto Patinho (PS): — Exposições e feiras, como a Morapesca, que também visitei no passado
domingo, são certames que mobilizam milhares de pessoas e albergam as maiores empresas do setor, que aí
apresentam as mais recentes tecnologias e artigos ligados à pesca desportiva e, muito especialmente, à pesca
do achigã.
Para o Grupo Parlamentar do PS, é da maior importância a prevenção e controlo das espécies exóticas,
mitigando as ameaças que representam para a biodiversidade.
Os regulamentos comunitários permitem, a cada Estado, fazer a sua própria lista de espécies tidas como
invasoras, ponderando o grau de preocupação que cada espécie possa trazer ou causar…
O Sr. Filipe Melo (CH): — Olha o tempo!
O Sr. Norberto Patinho (PS): — … e os benefícios sociais e económicos que essa espécie possa trazer a
cada Estado-Membro.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Norberto Patinho (PS): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Nessa ponderação, é importante avaliar o papel do achigã no desenvolvimento do meio rural, no
incremento do turismo, no desenvolvimento da atividade desportiva e de lazer, nos benefícios para a economia
do País e das regiões do interior.
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Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês Sousa
Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Desde logo, relativamente à
primeira interpelação do PS, nomeadamente à relação com os animais, muito me espanta, Sr.ª Deputada
Eunice Pratas, que não conheça os próprios estudos do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das
Florestas) que alertam para o perigo das espécies invasoras.
Nessa medida, não se trata de um fundamentalismo do PAN, mas de uma preocupação legítima com o
declínio da biodiversidade. Ainda para mais, sendo a Sr.ª Deputada uma Deputada tão jovem, muito me
espanta que não se preocupe igualmente com isso.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Fundamentalista!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Relativamente à Iniciativa Liberal, não quero que o Sr. Deputado
espere sentado, muito pelo contrário. O achigã foi introduzido em 1950 no continente português e, portanto,
não precisamos de ir ao paleolítico — muito pelo contrário — para perceber o impacto que tem e a importância
de não sermos, de alguma forma, ligeiros com a introdução.
Protestos do Deputado da IL João Cotrim Figueiredo.
Só mesmo em relação ao Chega, Sr. Deputado, não compreendo a viagem intercontinental que fez,…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Vou concluir, Sr.ª Presidente, até se me deixarem concluir.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Oh!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Como dizia, não percebo a viagem intercontinental que o Chega fez,
mas fico muito satisfeita por ver o Chega, que é um partido nacionalista, ter portas abertas ao menos para as
espécies invasoras, já que, infelizmente, para as pessoas, tantas vezes defende políticas de portas fechadas.
Aplausos do L.
Risos do PS.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ah, as pessoas são espécies invasoras?! Está dito! Até me custa falar, hoje!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Chegámos ao fim do segundo ponto, pelo que passamos ao terceiro
ponto…
Protestos do CH e contraprotestos do PS.
Sr.as e Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio ou, então, faço eu silêncio e ficaremos aqui todos, eu
a ouvi-los, calada, as horas que for necessário.
Passamos ao ponto três, com a apreciação da Petição n.º 342/XIV/3.ª (Maria José Pinheiro Cruz) —
Criação de um hospital veterinário público em conjunto com os Projetos de Resolução n.os 374/XV/1.ª (BE) —
Recomenda medidas para reduzir o número e mitigar os efeitos do abandono de animais de companhia devido
ao aumento da inflação, 387/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a criação de uma rede de serviços
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públicos veterinários e a construção de um hospital público veterinário e 391/XV/1.ª (CH) — Pelo incentivo à
criação de rede de cuidados primários médico-veterinários.
Para apresentar o projeto de resolução do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe
Soares.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar,
cumprimentar as peticionárias e os peticionários que trouxeram este debate, que é absolutamente pertinente,
à Assembleia da República.
A exigência de que o Estado dê, a quem tem uma ligação com um animal de estimação, a possibilidade de
esse animal ser tratado num hospital veterinário público é uma reivindicação que se percebe, que se
compreende e que deveria ser também uma preocupação do Estado. Isto é ainda mais premente quando
vemos que as dificuldades económicas, como aquelas que temos sentido ao longo dos últimos meses, têm
levado a um aumento de animais, cujos donos não têm possibilidade de manter essa ligação com eles, a
serem, muitas vezes, abandonados.
Desse ponto de vista, esta realidade deveria merecer, da parte do Estado, uma primeira e inequívoca ação:
melhorar os rendimentos das famílias, proteger as famílias da perda de poder de compra, para garantir que
também assumiam essas responsabilidades perante os seus animais de estimação.
Infelizmente, esta não é a escolha do Governo. O Governo achava que era nos salários que estava o
problema da inflação; agora, até o Banco Central Europeu percebe que o problema está nos lucros abusivos
das grandes empresas, mas o Governo continua a não mexer nos salários e a deixar os salários para trás.
Esta petição é absolutamente central no repto que faz ao Estado, dizendo que o Estado deve ter uma
responsabilidade para com os animais de companhia e para com as pessoas que têm essa relação com os
animais.
Pela nossa parte, acompanhamos essa pretensão e apresentamos uma iniciativa legislativa, um projeto de
resolução, que visa, em primeiro lugar, adotar as medidas da economia para valorizar rendimentos — aquilo
que disse anteriormente —, constituir um serviço público de cuidados veterinários e de esterilizações, em
particular numa relação com os municípios, dotar os hospitais veterinários de uma conexão com o ensino
superior, permitindo, assim, também beber da capacidade atualmente disponível no ensino superior e prestar
esses serviços às populações, e criar um programa de apoio de emergência a associações que recolham e
cuidem dos animais abandonados, porque são elas a primeira linha de defesa dos direitos dos animais e quem
responde, quando há a desumanidade de abandonar um animal.
Estas pretensões são as mais sensatas neste momento e esperamos que elas tenham a capacidade de
convencer os restantes grupos parlamentares da Assembleia de República.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o projeto de resolução do PAN, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Inês Sousa Real.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Outra vez, Inês?!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os
peticionários que aqui se encontram hoje, bem como as associações de proteção animal, pelo trabalho que
têm feito e por nos trazerem este tema, que é absolutamente essencial, não só para o PAN, mas para a
sociedade civil em geral, matéria que há vários anos tem vindo a ser defendida e que é imprescindível: a
criação de uma rede pública de serviços médico-veterinários.
Todos conhecemos a importância que os animais de companhia assumem hoje nos agregados familiares e
conhecemos também aquilo de que o ser humano é capaz, não só na dimensão dos maus-tratos, mas
também na da solidariedade e da vinculação que existe com os animais de companhia.
Sabemos, ainda, o que o custo de vida impactou nas famílias, pois estamos a falar de um aumento de
quase 21 % em relação a 2021.
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Pensemos, então, nas dificuldades que as pessoas mais vulneráveis, com animais de companhia, têm na
alimentação e na prestação dos cuidados de saúde aos seus animais, em particular as pessoas em situação
de sem-abrigo, e no papel absolutamente imprescindível que as associações têm tido nesta matéria.
As associações de proteção animal, ao longo dos anos, têm-se substituído ao Estado no acolhimento, no
cuidado, no encaminhamento para adoção, mas também na prestação dos cuidados de saúde.
Apesar de terem sido criadas linhas extraordinárias de apoio, vimos aqui serem rejeitadas, reiteradamente,
propostas no sentido de criar estas linhas de apoio para as associações de proteção animal.
Por várias vezes propusemos também, no âmbito do Orçamento do Estado, a redução do IVA (imposto
sobre o valor acrescentado) nos cuidados médico-veterinários e na alimentação dos animais, propostas que
foram sempre chumbadas e que teriam um importante impacto para as famílias e para as associações.
Mas, apesar destas rejeições, outras propostas foram aprovadas nesta matéria, não só os 13 milhões de
euros para apoiar as associações — cujos avisos têm de sair o quanto antes —, como aquilo que é hoje
requerido pelos peticionários: a criação de um hospital veterinário público, que ficou consagrada, pela mão do
PAN, no Orçamento do Estado para 2022, e a rede de serviços públicos veterinários, consagrada no
Orçamento do Estado para 2023.
Por isso, hoje, a iniciativa que o PAN apresenta não é para que seja ponderado e discutido se deve ou não
ser criada uma rede pública, mas sim para que seja executada, porque é isso que a lei já prevê.
Termino, saudando, uma vez mais, as associações e os peticionários, dando nota da elevada importância
de se construir não só um hospital como uma rede pública de serviços veterinários. O que resta saber não é
se vai ser construído, mas quando vai ser construído.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o projeto de resolução do Chega, tem a palavra o
Sr. Deputado Pedro Frazão.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr.ª Presidente em exercício, Srs. Deputados: As minhas
primeiras palavras são, obviamente, de agradecimento a quem nos trouxe aqui, hoje, este tema tão
importante. Muito obrigado a todos os peticionários e muito obrigado a todos aqueles que, não tendo qualquer
obrigação de cuidar dos animais de ninguém — ao contrário de mim, que fiz um juramento profissional para o
fazer —, são cuidadores dos animais maltratados e abandonados, e fazem-no voluntariamente, tantas vezes
com muito sacrifício pessoal. Em nome do Grupo Parlamentar do Chega, fica aqui o nosso agradecimento e o
nosso total reconhecimento pelo vosso trabalho.
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sabemos que, em momentos de crise, Srs. Deputados, os
animais são os que mais rapidamente ficam para trás.
Sabemos também que, para muitas pessoas, este não é um tema prioritário, porque é verdade que há
carências noutras áreas.
Há carências na saúde, nos hospitais que fecham, no INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) que
se atrasa, na falta de médicos especialistas e na falta de médicos de família.
Há carências na educação, professores e auxiliares que se sentem desvalorizados, manifestações na rua,
escolas fechadas.
Na agricultura também há carências, face às rendas dos agricultores que se sentem vilipendiados,
desapoiados e com manifestações na rua.
Na habitação, há carências, aumentam as prestações de crédito, as pessoas vivem amontoadas em casas
sem condições.
Há carências na justiça, na segurança, na imigração, nos transportes, no preço dos alimentos.
Enfim, podia continuar aqui todo o dia, porque sabemos que a situação económico-social é dramática.
Mas também sabemos do esbanjamento dos milhões do Partido Socialista, dos milhares de milhões
enterrados a fundo perdido na TAP (Transportes Aéreos Portugueses), dos salários milionários de políticos e
de gestores públicos, dos contratos para os amigos, das ruinosas PPP (parcerias público-privadas)
rodoviárias, do desperdício do Orçamento de Estado, enfim, do dinheiro perdido todos os anos em corrupção.
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Mas, neste tema dos cuidados para os animais, os sucessivos Governos anunciam apenas verbas
miseráveis, grupos de trabalho, estratégias nacionais e tudo continua sempre na mesma, há décadas.
O abandono dos animais é diário, aumenta, e os maus-tratos também aumentam todos os dias.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Se o Partido Socialista e o Governo têm a faca e o queijo dos
portugueses na mão, pelo menos o IVA dos tratamentos veterinários e da alimentação já deveria ter baixado.
O Chega, e o seu grupo parlamentar, já propôs isso mesmo aqui, nesta Legislatura. E como é que o
Partido Socialista votou? Votou contra.
Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Hoje, de facto, há famílias que entregam os seus animais velhos e
doentes nos canis, porque não têm como cuidar deles e não os querem ver definhar à sua frente. Imaginam
como isto traumatiza um homem ou uma mulher?! E que trauma deixará isto nas crianças das famílias que o
têm de fazer?!
Srs. Deputados, como é que aqui, nesta Câmara, se altera o Código Civil, deixando bem claro que é
obrigação do detentor assegurar os cuidados médico-veterinários, mas depois se dificulta a vida das pessoas
e das famílias para conseguirem cumprir estas obrigações legais?! Mas, afinal, só os ricos é que podem ter
animais, Srs. Deputados?! Os animais não são bens de luxo. Os animais têm um papel na sociedade que é
indiscutível e incontornável.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Desde 1925 que é obrigatório todos os municípios terem canis,
que depois passaram a chamar-se centros de recolha oficial (CRO) para animais. Ainda assim — espantemo-
nos todos —, aos dias de hoje, esta obrigação está longe de ser cumprida por todos os municípios, e a maioria
deles com executivos das duas cores partidárias mais representadas aqui, nesta Câmara.
Srs. Deputados, há décadas que é obrigatório que todos os municípios tenham um médico veterinário
municipal, mas, hoje, quase metade do País não o tem. Há mais de uma década que não são nomeados. De
quem é a responsabilidade?! Do Governo do Partido Socialista.
Como é possível, Srs. Deputados, serem prestados cuidados aos animais perdidos, abandonados,
sinistrados, ou de famílias carenciadas, se não temos médicos veterinários municipais, nem sequer
instalações que o permitam?!
Muito já fazem os médicos veterinários, muitas vezes sem os meios adequados, porque fizeram um
juramento igual ao meu e não podem virar as costas.
Falo dos médicos veterinários municipais, mas a verdade é que muitos médicos veterinários da prática
exclusivamente privada também prestam um enorme auxílio, recebendo animais acidentados, provenientes de
associações e de famílias carenciadas, uma vez que, também eles, fazem aquilo que deveria ser o Estado a
fazer.
A Ordem dos Médicos Veterinários e o seu bastonário também têm feito a sua parte, alertando para a
problemática, recordando o conceito de uma saúde única e tentando criar soluções como a do Cheque
Veterinário, conjuntamente com alguns municípios.
Enfim, também podia falar do que aconteceu na Serra da Agrela, que deixou por demais evidente a forma
como o Governo falha na fiscalização, apesar das inúmeras denúncias, porque, sabendo da existência
daquele depósito de animais, nada fez. Depois, tentou limpar a cara e atirou as culpas à DGAV (Direção-Geral
de Alimentação e Veterinária), retirando-lhe as competências na matéria.
Quanto a isto, há duas coisas a dizer: em primeiro lugar, a falta de meios, tanto da DGAV como do ICNF,
são um problema crónico que o Partido Socialista e os Governos nunca resolveram, nem queriam resolver.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
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O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Obviamente, a passagem de competências de um lado para o outro, bem como a criação da Provedora do
Animal, foram apenas uma maquilhagem.
Aquilo que o Chega propõe é muito simples: basta usar-se o que já temos, em Portugal, e fazer a
otimização dos recursos existentes, para que estes trabalhem em rede e para que, em Portugal, todos
possamos tratar os animais condignamente.
Aguardamos para ver como o Partido Socialista votará a nossa proposta justa…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — … e tão necessária, uma vez que as políticas de bem-estar
animal não se fazem de propaganda, mas de atos concretos. Sabemos que esse não é o forte do PS, mas,
mesmo assim, nunca perdemos a esperança.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — A esperança é sempre a última a morrer!
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Palmira Maciel,
do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
A Sr.ª Palmira Maciel (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saúdo, em nome do Grupo
Parlamentar do Partido Socialista, os subscritores da Petição n.º 342/XIV/3.ª (Maria José Pinheiro Cruz) —
Criação de um hospital veterinário público, cuja primeira subscritora é a Sr.ª Maria José Pinheiro Cruz, e
agradeço-lhes. Saúdo, também, os partidos que apresentaram iniciativas referentes ao bem-estar animal,
concretamente o Bloco de Esquerda, o PAN e o Chega.
Sr.as e Srs. Deputados, mais uma vez temos, em debate, um grupo de iniciativas que, de uma forma geral,
visam contribuir para o bem-estar animal e, neste caso concreto, temos a proposta de criação de um hospital
veterinário público.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista acompanha as preocupações manifestadas, porque sabemos
que a relação afetuosa entre os animais de companhia e as pessoas tem sido valorizada e reforçada.
Cada vez mais, as famílias adotam os seus animais como parte integrante dos seus lares, reconhecendo
os benefícios que daí advêm, do ponto de vista sentimental e emocional, em várias dimensões. A prova viva
disso é que o animal se tornou, hoje, uma presença constante, quer nas habitações familiares, quer nos lares,
quer mesmo nas empresas.
Consideramos que se trata de uma preocupação de toda a população em geral e, concretamente, do
Governo, que, em conjunto com todos os intervenientes, deve tomar medidas para fazer diminuir o abandono
e os maus-tratos dos animais.
Há que salientar que também existem associações zoófilas por todo o País, que têm tido um papel
determinante na sensibilização e proteção, sendo este, muitas vezes, um trabalho voluntário e, em alguns
casos, até muito exigente, o qual, no essencial, tem contribuído de forma bastante profícua para o suporte a
todos os detentores de animais que necessitam desse apoio.
Não podemos deixar de registar, em todo o território, o trabalho contínuo e, em alguns casos, exemplar,
nesta área, devendo destacar, a esse título, a entreajuda entre os organismos do Estado, as autarquias locais
e as associações, com vista à prestação de cuidados e à obtenção de resultados excelentes para com os
detentores dos animais. De igual modo, devemos referir o papel dos centros de atendimento médico-
veterinários, geridos por associações de proteção animal, com preços reduzidos.
Queria também reforçar o papel fundamental dos municípios, que, no cumprimento dos seus regulamentos
de bem-estar animal, dão um contributo fundamental para a diminuição de atos de violência contra os animais
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e fomentam a implementação de medidas para combater o abandono e promover continuamente a adoção
animal.
Assim, os apoios financeiros já atribuídos aos municípios, por via dos Orçamentos do Estado, vão no
sentido de os dotar de melhores condições para criar novos centros de recolha, ampliar e beneficiar as
instalações já existentes e equipar os gabinetes médico-veterinários, designadamente através da previsão de
uma sala para esterilizações.
Os municípios que o desejem fazer podem criar os centros de atendimento médico-veterinário municipais
para atendimento de animais errantes dos munícipes mais carenciados, que devem sempre obedecer aos
respetivos requisitos quanto à instalação, organização e funcionamento.
Por outro lado, a decisão da criação de centros de atendimento médico-veterinário deve ser devidamente
ponderada, dado o impacto que terá no Orçamento do Estado e das famílias, incluindo aquelas que não têm
animais de companhia.
Por isso, muitos foram os municípios que beneficiaram destes apoios financeiros, mas nem todos elegeram
como opção a criação de salas de esterilização, tendo preferido protocolar com os centros de atendimento
médico-veterinário já autorizados, quer para as esterilizações, quer para tratamentos dos animais.
Quanto à adoção do Cheque Veterinário, este é um recurso cuja escolha caberá aos municípios fazer, em
articulação com a Ordem dos Médicos Veterinários. Atualmente, já existem algumas ferramentas para apoio a
famílias carenciadas, nomeadamente o acesso aos centros de atendimento geridos pelas associações de
proteção animal, que praticam, como já disse, preços mais reduzidos.
É do nosso entendimento que a política relativa aos animais de companhia também se deve centrar na
responsabilização dos detentores, o que pressupõe uma consciencialização para as exigências que tal adoção
acarreta. É essencial continuar as campanhas de sensibilização e de prevenção do abandono de animais, por
forma a consciencializar os futuros detentores a adquirirem um animal apenas, se puderem garantir os meios
necessários para a sua detenção, o que também implica assegurar cuidados médicos.
A existência de um hospital público implica um serviço médico-veterinário permanente e o cumprimento de
uma série de requisitos previstos na legislação em vigor, o que pressupõe a existência de recursos humanos e
operacionais, bem como de estruturas bastante exigentes, com os elevados custos que daí advêm.
Coloca-se, ainda, a questão da definição da quantidade e da equidade na distribuição desses hospitais
veterinários, de modo a assegurar uma prestação de serviços médico-veterinários em todo o País e evitar
desigualdades dessa oferta em todo o território.
Ainda subsistia a dúvida sobre quem seria beneficiado pelos serviços prestados nesse tipo de hospitais…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Palmira Maciel (PS): — … e quais os critérios para a atribuição desses benefícios.
Obrigada, Sr.ª Presidente.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo Blanco,
do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começo, obviamente, por saudar os
peticionários, dizendo que, na Iniciativa Liberal, entendemos que é necessário um reforço da rede de cuidados
veterinários, que evite, por um lado, o abandono de animais por motivos económicos — como, hoje, já foi
muitas vezes dito — e que evite, também, por outro lado, que este abandono ou a falta de cuidados
veterinários possam constituir um problema de saúde pública.
Por isso, iremos apoiar as propostas que vêm no sentido de reforçar a cooperação entre o Estado central e
os municípios, bem como a iniciativa privada e social, com o intuito de combater o abandono e os efeitos do
abandono quer para os animais cujos donos têm maiores dificuldades, quer, também, em termos gerais, para
toda a população, no âmbito da saúde pública.
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Para isso, também seria muito útil ter uma análise do Governo à aplicação da Lei n.º 27/2016, bem como
ao investimento realizado nesse âmbito, para que saibamos, de forma regular e atualizada, não só os números
dos centros de recolha oficial, mas também, sobretudo, os seus resultados, condições e atividades.
Só assim poderemos investir, de forma informada, com dados, na expansão e na articulação da rede que já
existe hoje, também com os setores privado e social, porque não nos parece que seja preciso replicar os
problemas que já existem no SNS, ou seja, não parece que seja importante que o Estado seja dono do
hospital e que o Estado seja sempre o prestador.
O que mais importa, neste caso — como se trata de um serviço público necessário, uma vez que,
obviamente, o controlo da população animal não é só pela saúde dos animais em si, mas também pela saúde
da população —, é que o Estado seja o financiador, mas que a prestação possa também ser garantida pelos
setores privado e social, desde que, uma vez apoiados, cumpram a legislação em vigor, respeitando o bem-
estar animal, para não termos mais casos como aqueles que, há sensivelmente pouco tempo, ainda no ano
passado, foram tornados públicos e que chocaram o País.
Também é importante manter o foco nas campanhas de esterilização de animais, a nível nacional, que até
têm produzido bons resultados. São de incentivar e continuar, de forma que, recolhendo, esterilizando e
vacinando as populações de animais errantes, se continue a celebrar protocolos não só com centros médico-
veterinários, mas também com estabelecimentos de ensino e outras instituições e associações de defesa
animal, que têm, em conjunto, contribuído para que este problema vá sendo cada vez menor.
Neste contexto, é importante seguirmos esse caminho, de continuação de bons resultados.
Aplausos da IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Marques,
do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. João Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apreciamos, hoje, a Petição
n.º 342/XIV/3.ª (Maria José Pinheiro Cruz) — Criação de um hospital veterinário público, assinada por 16 113
peticionantes, que cumprimento, em nome do Partido Social Democrata, na pessoa da Dr.ª Maria José
Pinheiro Cruz, primeira subscritora desta petição.
Por arrastamento, apreciamos, também hoje, alguns projetos de resolução de diferentes partidos sobre o
assunto em debate e apreciaremos, em sede de Comissão de Agricultura e Pescas, o Projeto de Resolução
n.º 485/XV/1.ª, do Partido Social Democrata, que, por questões de tempo e prazos, não poderá ser apreciado
nesta sessão plenária.
No entanto, ficará aqui assumida a posição do PSD nesta matéria, constante do referido projeto de
resolução e recomendação ao Governo, que é, naturalmente, de apoio às pretensões dos peticionários.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. João Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a alteração de padrões sociais e
culturais, de organização familiar e até civilizacional levou a que muitos agregados familiares tenham optado
por ter um ou mais animais de companhia na sua habitação.
No entanto, como sabemos, a manutenção e os cuidados de saúde destes animais de companhia, que
passaram a fazer parte do próprio agregado familiar, exigem um esforço financeiro considerável, que não está
ao alcance de todos.
Perante a crescente e sistemática perda do poder de compra dos portugueses — agravada pela inflação
galopante dos últimos tempos, que corrói os orçamentos familiares —, as famílias encontram-se em grandes
dificuldades económicas para fazerem face à alimentação, aos cuidados básicos, aos tratamentos preventivos
obrigatórios — tais como as vacinas, por exemplo — e aos tratamentos médico-veterinários, quando os seus
animais se encontram doentes.
Estes tratamentos custam centenas, se não milhares de euros, e não estão ao alcance da esmagadora
maioria dos portugueses, principalmente dos mais desfavorecidos, sendo estes muitas vezes obrigados a
abandonar os seus animais ou a deixá-los morrer, sem tratamento e em sofrimento, quando poderiam e
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deveriam ser salvos, se houvesse apoio médico-veterinário a preços compatíveis com as possibilidades de
cada família.
É neste sentido que aponta a presente petição, cujos objetivos o PSD acompanha, na generalidade. Na
verdade, contrariamente ao que o título da petição sugere, tivemos a oportunidade de perceber — durante a
audição dos peticionantes, que o PSD coordenou e cujo relatório elaborou — que o pretendido não é um
hospital veterinário, como se deu a entender, há pouco, mas, sim, uma rede nacional de apoio médico-
veterinário a protocolar com o Estado, que permita a prestação de atos médicos por valores suportáveis pelos
portugueses.
O Sr. João Moura (PSD): — Muito bem!
O Sr. João Marques (PSD): — Aliás, a criação de um hospital de raiz não resolveria um problema que é
nacional, pois não seria um hospital em Lisboa ou no Porto que resolveria o problema de todos os portugueses
e em todo o País.
Aplausos do PSD.
Para o PSD, isso também não seria aceitável, pois, além dos custos incomportáveis, discriminaria a maior
parte do território nacional.
Pretende-se, assim, que os canis municipais, os CRO, os médicos veterinários municipais, as faculdades
de medicina veterinária, públicas e privadas, com os seus hospitais, as clínicas e hospitais veterinários
privados e outros atores no terreno, tais como as associações para o bem-estar animal existentes no território
nacional, possam prestar estes serviços a preços suportáveis e de acordo com o rendimento de cada família,
mediante o estabelecimento de protocolos ou de contratos de serviços entre o Estado e essas instituições ou
entidades.
Os valores necessários deverão, naturalmente, ser devidamente acautelados e previstos nos próximos
Orçamentos do Estado, dado que a lei-travão dificilmente permitirá a acomodação de verbas no imediato.
Esperamos que o Governo assim o entenda, aceite e faça.
Recomenda-se, ainda, ao Governo que, ouvidas a Ordem dos Médicos, a Associação Nacional de Médicos
Veterinários dos Municípios, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e outras associações setoriais,
se proceda a um estudo e levantamento das entidades capacitadas para prestar cuidados de saúde e bem-
estar animal existentes em todo o território nacional, para, mediante o estabelecimento contratual ou protocolar
já antes referido, permitir que esses cuidados sejam prestados de forma aceitável e acessível, física e
financeiramente, a todas as famílias portuguesas que possuem animais domésticos ou de companhia e para
que possam, também, recolher e tratar os animais errantes.
Ações neste sentido constituem medidas preventivas do abandono de animais, sendo uma aposta na
saúde animal e, consequentemente, uma aposta na saúde pública.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do
Grupo Parlamentar do PCP.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumprimento-os a todos, bem como
aos peticionários, pela sua intervenção cívica e por nos trazerem um assunto que merece reflexão e análise.
Entendemos que as questões do bem-estar animal se cruzam muitas vezes com questões de saúde
pública. Por isso, o património de intervenção do PCP nesta área tem vários exemplos de medidas positivas,
como a lei dos centros de recolha oficial, da iniciativa do PCP, que representa um enorme avanço, com o fim
do abate ou occisão de animais errantes.
Tem havido problemas na implementação desta lei, desde logo pela falta de meios, com insuficiência de
verbas para os CRO e também para a esterilização — uma outra iniciativa que o PCP também avançou, em
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altura própria —, existindo, por responsabilidade do Governo, uma grande insuficiência de veterinários
municipais a exercer funções de autoridade sanitária veterinária.
Continuámos, ao longo destes anos, nos vários Orçamentos do Estado, a apresentar propostas para o
reforço orçamental destas áreas, como no exemplo mais recente do Orçamento do Estado para 2023.
Sr.as e Srs. Deputados, entendemos que, perante as carências naquilo que é básico, nomeadamente no
reforço de meios para que existam autoridades sanitárias veterinárias locais, as carências de recursos nos
CRO e o desmantelamento das estruturas existentes, consideramos que é desadequado «começar a construir
a casa pelo telhado». É preciso começar por consolidar os avanços nos alicerces de uma política de bem-estar
animal e não fazer aquilo que o Governo fez, que foi passar esta área da DGAV para o ICNF, contrariando as
orientações da Organização Mundial da Saúde Animal e da Federação de Veterinários da Europa.
Está em curso o desmantelamento das estruturas do Ministério da Agricultura, abandonando-se estruturas
que teriam a capacidade de consolidar uma visão integrada do bem-estar dos animais de companhia com a
sanidade animal num plano mais geral. É preciso reverter esse processo e é preciso cumprir com o
financiamento às instituições de ensino superior, acabando muitas delas por atuar junto da população mais
carenciada, em face das necessidades que surgem.
Antes de se avançar com soluções que parecem simples, sem prejuízo da necessidade de aprofundamento
destas matérias para o futuro, é preciso desfazer o que foi mal feito e consolidar as respostas mais urgentes
nesta área, que continuam a escassear por falta de investimento do Governo.
É preciso ainda ter em conta que os problemas do abandono animal não estão desligados do agravamento
da situação económica e social. Os custos com os bens essenciais, com a habitação, com a energia e também
com a alimentação dos próprios animais de companhia continuam a pesar sobre muitas famílias, ao mesmo
tempo que os grupos económicos da grande distribuição, da energia, da banca, continuam a registar lucros
recorde.
Ao mesmo tempo, continuam a faltar as políticas que garantam os mecanismos de sensibilização,
prevenção e fiscalização, algo que só se resolve com o investimento público que tanto tem faltado.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do
Livre.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria, em primeiro lugar, de saudar a
nossa concidadã Maria José Pinheiro Cruz, as suas copeticionárias e os seus copeticionários.
Muitos de vós assistiram ao debate anterior e descobriram, talvez com espanto, que o achigã era um tema
fraturante. Eu, pelo menos, sinto-me mais tranquilizado por ver que todos os partidos políticos representados
nesta Câmara reconhecem, de uma forma ou de outra, o problema que a vossa petição identifica.
Estaremos no bom caminho. A questão, agora, é a de saber a que velocidade e de que forma lá chegar,
mas toda a gente concorda, não só pelos animais, mas também pelas pessoas que não têm capacidade
financeira para fazer face aos custos dos cuidados veterinários aos seus animais, principalmente neste
contexto económico, que é importante dar alternativas.
A Faculdade de Medicina Veterinária, em Lisboa, historicamente, proporcionava esse tipo de serviços e o
Livre acredita que isso pode ser feito através da rede das nossas universidades, ajudando aquelas que já têm
cursos de Medicina Veterinária, para poderem dar esse apoio.
Apesar de tudo, a cobertura territorial não é assim tão má. Há regiões, em particular no Sul, no Algarve,
que não têm essa cobertura, mas, na verdade, dando apoios públicos às faculdades de Medicina Veterinária e
aos cursos de Medicina Veterinária em universidades que o queiram e possam fazer, podemos estimular a
criação de novos desses cursos e, assim, criar polos que cubram todo o território nacional — continente e as
regiões autónomas —, para poder prestar esses serviços.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
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O Sr. Rui Tavares (L): — Muito obrigado pela vossa petição e muito obrigado também, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim deste ponto da ordem do dia
e cumprimentamos as Sr.as e os Srs. Peticionários.
Passo a indicar a ordem do dia da nossa reunião de amanhã, que se iniciará às 15 horas: no primeiro
ponto, no âmbito da ordem do dia fixada a requerimento do Chega, sobre o «combate ao abuso sexual de
menores em Portugal», teremos o debate dos Projetos de Lei n.os 150/XV/1.ª (CH) — Impede a suspensão da
execução da pena em caso de condenação por crime de abuso sexual de crianças ou outros conexos,
600/XV/1.ª (CH) — Aumenta a proteção das vítimas de abuso sexual de menores, para tanto alterando o
Código Penal, e 601/XV/1.ª (CH) — Altera o Código Penal, agravando as penas aplicáveis aos crimes de
abuso sexual de crianças e outros conexos, dos Projetos de Resolução n.os 461/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao
Governo o reforço do combate ao abuso sexual de crianças e 504/XV/1.ª (CH) — Proceda a um inquérito
nacional de vitimação e assegure a criação de um canal permanente de denúncia de abusos sexuais, e dos
Projetos de Lei n.os 8/XV/1.ª (PAN) — Alarga os prazos de prescrição de crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual de menores e do crime de mutilação genital feminina, procedendo à alteração do
Código Penal, 610/XV/1.ª (IL) — Aumenta o prazo de prescrição para denúncia de abuso sexual de menor,
alterando o Código Penal, e 611/XV/1.ª (BE) — Altera o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82,
de 23 de setembro, alargando o prazo prescricional dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual
de menores e do crime de mutilação genital feminina sendo a vítima menor.
No final do debate, proceder-se-á às votações.
Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim da nossa ordem do dia. Desejo a todos um bom resto do Dia
Internacional da Mulher e até amanhã.
Eram 18 horas e 36 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.