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Quinta-feira, 14 de dezembro de 2023 I Série — Número 28

XV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2023-2024)

REUNIÃOPLENÁRIADE13DEDEZEMBRODE 2023

Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Palmira Maciel Fernandes da Costa

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e

6 minutos. Informou-se a Câmara sobre a retoma de mandato de

uma Deputada do PSD, tendo sido anunciado que não seria emitido parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados sobre esta matéria.

Deu-se ainda conta da entrada na Mesa do Projeto de Lei

n.º 983/XV/2.ª e do Projeto de Resolução n.º 961/XV/2.ª. O Presidente procedeu à leitura das mensagens do

Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, dos Decretos da Assembleia da República n.os 97/XV — Alteração ao Estatuto da Ordem dos Médicos, 107/XV — Alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados e 111/XV — Alteração ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros.

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A requerimento do PAN, foi fixada a ordem do dia sobre o tema «proteção animal», no âmbito do qual foram discutidas e posteriormente votadas, na generalidade, as seguintes iniciativas legislativas:

Projeto de Lei n.º 412/XV/1.ª (PAN) — Aprova o regime de faltas justificadas ao trabalho por motivo de morte ou assistência a animal de companhia, que, a requerimento do PAN, baixou à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, sem votação, por um período de 15 dias;

Projeto de Lei n.º 456/XV/1.ª (PAN) — Regula a contenção e treino de animais de companhia, vedando a comercialização e utilização de «coleiras de choque» e de «coleiras estranguladoras», procedendo à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, que foi aprovado;

Projeto de Lei n.º 662/XV/1.ª (PAN) — Reconhece a figura do animal comunitário e promove a realização de uma campanha extraordinária de esterilização de animais

errantes, que foi aprovado; Projeto de Resolução n.º 945/XV/2.ª (PAN) — Assunção

de poderes de revisão constitucional extraordinária pela Assembleia da República para assegurar a consagração da proteção dos animais na Constituição, que foi rejeitado, por não ter obtido a maioria de quatro quintos dos Deputados em efetividade de funções.

Intervieram no debate, a diverso título, os Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Pedro Filipe Soares (BE), Emília Cerqueira (PSD), Raquel Ferreira (PS), Pedro Pinto (CH), Hugo Patrício Oliveira (PSD), Rui Paulo Sousa (CH), Olga Silvestre (PSD), João Cotrim Figueiredo (IL), Carlos Cação (PSD), Duarte Alves (PCP), Rui Tavares (L), Diogo Cunha (PS), João Marques (PSD), Pedro dos Santos Frazão (CH), Patrícia Gilvaz (IL), Bárbara Dias (PS), Rita Matias (CH) e Pedro Delgado Alves (PS).

O Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, estamos em condições de iniciar os nossos trabalhos. Está aberta a sessão. Eram 15 horas e 6 minutos. Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público. Dou a palavra à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha, para a leitura do expediente. A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo a anunciar a retoma de

mandato da Deputada Cláudia Bento, eleita pelo Partido Social Democrata, no círculo eleitoral de Vila Real, cessando funções o Deputado André Marques, com efeitos a partir do dia 14 de dezembro de 2023. Informa-se ainda que não será produzido nenhum parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados sobre esta retoma.

Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos pelo Sr. Presidente, o Projeto de Lei n.º 983/XV/2.ª (PCP), que baixou à 1.ª Comissão em conexão com a 11.ª Comissão, e o Projeto de Resolução n.º 961/XV/2.ª (PCP), que baixou à 2.ª Comissão. É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passo à leitura da mensagem do Sr. Presidente da República sobre a

devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 97/XV — Alteração ao Estatuto da Ordem dos Médicos:

«Sr. Presidente da Assembleia da República, 1 — Dirijo-me a V. Ex.ª nos termos do n.º 1 do artigo 136.º da Constituição, transmitindo a presente

mensagem à Assembleia da República sobre o Decreto n.º 97/XV. 2 — Sem prejuízo do cumprimento das obrigações do Estado português perante a União Europeia, no quadro

do Programa de Recuperação e Resiliência, as quais não são postas em causa, e tendo em conta as dificuldades inerentes ao processo legislativo que conduziu à aprovação do presente Decreto, assinaladas tanto por Deputados, nas respetivas declarações de voto, como pelas Ordens Profissionais consultadas, importa considerar as questões concretas que, em relação ao Decreto em apreciação, justificam a sua devolução à Assembleia da República sem promulgação.

3 — No caso do Decreto n.º 97/XV, e de acordo com a posição transmitida pela Ordem dos Médicos, o Estatuto não assegura a autonomia da Ordem, designadamente no que respeita à competência dos Colégios de Especialidades. Nas palavras da Ordem dos Médicos: “O princípio da autorregulação é posto em causa, estabelecendo-se uma relação no domínio da hierarquia”.

4 — Por outro lado, ao afastar a Ordem dos Médicos de uma intervenção essencial no que respeita ao reconhecimento e idoneidade e respetiva capacidade formativa dos serviços, bem como à definição dos conteúdos formativos para cada especialidade, aspetos de natureza puramente técnica, compromete-se a qualidade da formação destes profissionais no futuro e, consequentemente, a qualidade dos cuidados médicos e a segurança dos doentes, bem como a própria organização estabilizada do SNS.

5 — Finalmente, também se revela pouco adequado a nova formulação do ato médico, tendo este merecido oposição da Ordem dos Médicos, na medida em que parecem existir sobreposições de competências dos vários profissionais de saúde, com o inerente risco para a prestação dos cuidados de saúde aos doentes.

6 — Nestes termos, decidi devolver à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do artigo 136.º, n.º 1 da Constituição, o Decreto n.º 97/XV — Alteração ao Estatuto da Ordem dos Médicos.

Apresento a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.» Passo agora à leitura da mensagem do Sr. Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação,

do Decreto da Assembleia da República n.º 107/XV — Alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados: «Sr. Presidente da Assembleia da República, 1 — Dirijo-me a V. Ex.ª nos termos do n.º 1 do artigo 136.º da Constituição, transmitindo a presente

mensagem à Assembleia da República sobre o Decreto n.º 107/XV. 2 — Sem prejuízo do cumprimento das obrigações do Estado português perante a União Europeia, no quadro

do Programa de Recuperação e Resiliência, as quais não são postas em causa, e tendo em conta as dificuldades

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inerentes ao processo legislativo que conduziu à aprovação do presente decreto, assinaladas tanto por Deputados nas respetivas declarações de voto, como pelas Ordens Profissionais consultadas, importa considerar as questões concretas que, em relação ao decreto em apreciação, justificam a sua devolução à Assembleia da República sem promulgação.

3 — Com efeito, no caso do Decreto n.º 107/XV, e tal como referiu a Ordem dos Advogados na sua posição publicamente expressa, estabelece-se um período máximo de 12 meses para o estágio, tal como resulta do artigo 195.º. Este estágio revela-se, na opinião da Ordem dos Advogados, manifestamente insuficiente, tanto mais que em toda a UE só três Estados-Membros possuem estágios com idêntica ou inferior duração. Teria sido possível ao legislador, tal como se previa na Lei n.º 12/2023, de 28 de março, prever período mais longo, podendo ir até aos 18 meses, compatível com a formação exigida a um advogado em face do interesse público da sua profissão.

4 — Também no que respeita à remuneração, o disposto no decreto afasta-se do que estabelece a Lei n.º 12/2023, sem que se preveja um mecanismo de cofinanciamento público, o que, no limite, pode constituir uma barreira ao acesso à profissão.

5 — Finalmente, a possibilidade agora concedida a outros profissionais não advogados de praticarem atos antes próprios dos Advogados parece introduzir uma possibilidade de concorrência desleal na medida em que estes profissionais não se encontram adstritos ao dever de pagar quotas e às limitações de publicidade que impendem sobre os advogados.

6 — Nestes termos, decidi devolver à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do artigo 136.º, n.º 1 da Constituição, o Decreto n.º 107/XV — Alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados.

Apresento a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.» Passo agora à leitura da mensagem do Sr. Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação,

do Decreto da Assembleia da República n.º 111/XV — Alteração ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros: «Sr. Presidente da Assembleia da República, 1 — Dirijo-me a V. Ex.ª nos termos do n.º 1 do artigo 136.º da Constituição, transmitindo a presente

mensagem à Assembleia da República sobre o Decreto n.º 111/XV: 2 — Sem prejuízo do cumprimento das obrigações do Estado português perante a União Europeia, no quadro

do Programa de Recuperação e Resiliência, as quais não são postas em causa, e tendo em conta as dificuldades inerentes ao processo legislativo que conduziu à aprovação do presente Decreto, assinaladas tanto por Deputados nas respetivas declarações de voto, como pelas Ordens Profissionais consultadas, importa considerar as questões concretas que, em relação ao decreto em apreciação, justificam a sua devolução à Assembleia da República sem promulgação.

3 — No caso do Decreto n.º 111/XV, e de acordo com a posição transmitida pela Ordem dos Enfermeiros, o Estatuto não assegura a desejável complementaridade funcional das profissões de saúde, carecendo de fundamento a existência de atos reservados, devendo as práticas ser exercidas em complementaridade, no superior interesse dos beneficiários dos cuidados, sem haver prestação de cuidados de uma forma compartimentada.

4 — Acresce que o Estatuto não parece salvaguardar o interesse público nem contribuir para o bom funcionamento das instituições e, de forma particular, do Serviço Nacional de Saúde.

5 — Nestes termos, decidi devolver à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do artigo 136.º, n.º 1 da Constituição, o Decreto n.º 111/XV — Alteração ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros.

Apresento a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.» Passamos agora ao ponto quatro da nossa ordem do dia, fixada pelo PAN, sobre o tema «proteção animal». Para apresentar os Projetos de Lei n.os 412/XV/1.ª (PAN) — Aprova o regime de faltas justificadas ao trabalho

por motivo de morte ou assistência a animal de companhia, 456/XV/1.ª (PAN) — Regula a contenção e treino de animais de companhia, vedando a comercialização e utilização de «coleiras de choque» e de «coleiras estranguladoras», procedendo à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, e 662/XV/1.ª (PAN) — Reconhece a figura do animal comunitário e promove a realização de uma campanha extraordinária de esterilização de animais errantes, bem como o Projeto de Resolução n.º 945/XV/2.ª (PAN) — Assunção de

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poderes de revisão constitucional extraordinária pela Assembleia da República para assegurar a consagração da proteção dos animais na Constituição, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Ex.mas

Sr.as Deputadas e Ex.mos Srs. Deputados, Membros aqui presentes nas galerias, Comunicação Social e demais Funcionários desta Casa: Sendo este o primeiro agendamento potestativo do PAN nesta Legislatura, que se aproxima a passos largos do seu fim, e num contexto político complexo, o PAN, tendo em conta a alteração regimental e os direitos adquiridos, não poderia, efetivamente, deixar de trazer a debate um tema que lhe é muito caro e que está na génese fundacional do seu partido, que é a proteção animal.

Existe hoje um clamor social inequívoco em torno destas matérias e avanços que, ao longo dos anos, têm sido feitos por esta Casa e que não podem ser postos em causa.

Numa altura em que o nosso País vive um momento decisivo em matéria de proteção animal, um verdadeiro tudo ou nada no que respeita aos maus-tratos e aos crimes praticados contra animais de companhia, precisamente pelo risco que existe de ser declarada, pelo Tribunal Constitucional, como inconstitucional, com força obrigatória geral, uma lei que foi aprovada nesta Casa, e mais tarde revista — com amplo consenso, até, na altura, de todas as forças políticas representadas nesta Assembleia —, aquando do incêndio na Serra da Agrela que matou mais de 70 animais de companhia, é, de facto, imperioso que se debatam os passos que ainda têm de ser dados.

É bem real o risco em matéria de proteção dos animais. Vemos um retrocesso de quase uma década e que está em completo desalinhamento com os avanços registados noutros países. Poderemos ver até Portugal regressar ao quadro legal que vigorou até 2014, em que matar ou maltratar um animal de companhia não era criminalizado, e ver retroceder a proteção daqueles seres que estão reconhecidos, até no preâmbulo da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, como tendo uma relação especial de vinculação com o ser humano.

Se esta visão da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional vingar, veremos assim crimes como o caso da cadela Pantufa — em que um tutor se sentiu no direito de, a sangue-frio, esventrar uma cadela grávida e de a deixar morrer, bem como deitar as suas crias para o caixote do lixo, também abandonadas à sua sorte e à morte — passar completamente impunes.

Enquanto em Portugal temos este debate, no Brasil e no Estado australiano de Vitória, discutem-se progressos como o reconhecimento às vítimas de violência doméstica do direito de guarda de animais de companhia. Aqui, continuamos na discussão de retrocessos.

Quando os números de violência doméstica atingem recordes no nosso País e existem estudos que nos dizem que 89 % das vítimas de violência doméstica viram o seu animal ser morto ou maltratado pelo companheiro, arriscamo-nos também a ver deixar de ser crime casos como o da cadela Roxy, que foi morta às mãos do namorado da sua tutora, tendo sido esquartejada e colocada em sacos do lixo, num contexto de violência doméstica, não apenas constituindo um bárbaro crime contra animais de companhia, mas também um atroz crime de violência doméstica contra uma pessoa.

Isto demonstra que existe uma clara e inequívoca ligação entre os direitos dos animais e os direitos humanos, entre a escalada da violência contra animais e a escalada da violência contra pessoas.

No dia em que estivemos a atribuir o Prémio dos Direitos Humanos e ouvimos, na primeira pessoa, os especialistas falarem na importância de chegarmos até às pessoas mais vulneráveis e sós, sendo que, tantas vezes, o elo que existe entre essas pessoas, como bem sabemos, são os animais, desproteger os animais — não podemos esquecer-nos, neste debate! — é desproteger as pessoas.

O Parlamento não pode, assim, ficar de braços cruzados quando uma solução jurídica, que — quer na sua versão original, quer nas subsequentes alterações — mereceu o consenso de quase todos neste Parlamento, está a ser posta em causa desta forma e quando se abre a porta a retrocessos sem precedentes em matéria de proteção animal.

Estes retrocessos já se fazem sentir, seja quando o Ministério Público arquiva processos declarando — e mal — a inconstitucionalidade da norma, quando a Relação também o faz, ou quando os crimes nem sequer são investigados, havendo assim, até, uma obstrução à justiça.

Enquanto alguns acham que devemos ficar à espera da decisão do Tribunal Constitucional, apenas com fundamento no sentido das decisões proferidas na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, o Ministério Público já

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arquivou — vou referir — 1000 inquéritos de casos de maus-tratos que chegaram até ao seu conhecimento. E várias têm sido as decisões judiciais de arquivamento, seja em tribunais de primeira instância, seja em tribunais superiores.

Ora, perante o risco de vermos, em matéria de proteção animal, um humanismo penal ser substituído por uma licença para maltratar e para matar animais de companhia, o PAN não aceita — nem fica de braços cruzados — que, no comodismo, possamos assobiar para o lado e que o Parlamento não faça nada para travar esta situação. E é precisamente por não aceitarmos este comodismo e não aceitarmos que o debate público se faça em torno de retrocessos que, mais uma vez, trazemos para o centro do debate parlamentar os temas que importam, em matéria de proteção animal.

Mas não nos iludamos, este debate é também sobre as pessoas, para as pessoas e a sua proteção. Aliás, desde que o PAN entrou no Parlamento tem sido sempre assim. Foi graças ao PAN que os animais

passaram a ocupar um lugar importante no Orçamento do Estado. Desde 2017, conseguimos que os poucos e sucessivos Orçamentos do Estado que tinham verbas que mal ascendiam a 2 milhões de euros, passassem hoje para mais de 13 milhões de euros, tendo já ultrapassado os mais de 40 milhões de euros atribuídos à proteção animal; ou seja, um aumento de quase 14 vezes.

É graças ao PAN também que, no próximo ano, as associações zoófilas vão conseguir ter IVA (imposto sobre o valor acrescentado) zero na aquisição de ração. Foi ainda graças ao PAN que se criaram incentivos fiscais para que as empresas e os cidadãos possam doar alimentos a estas associações, algo essencial num momento em que a inflação estava a levar ao estrangulamento financeiro destas entidades.

Foi também graças ao PAN que, no Orçamento do Estado de 2024, se reforçou o direito à saúde — a uma só saúde e não apenas a olhar para a saúde humana e do planeta distanciada da saúde dos animais —, por parte dos animais de companhia, passando a prever-se a verba de 2 milhões de euros para a criação de serviços veterinários públicos, incluindo a criação de um hospital veterinário público. E assim se protegeram os animais detidos pelas famílias carenciadas, com a criação também deste tipo de instrumentos, uma medida de cariz social, a par da criação de bancos alimentares animais.

Foi também graças ao PAN que demos passos no sentido de pôr fim à utilização de animais selvagens em espetáculos de circo e se conseguiu, com um programa de entrega voluntária que, em apenas cinco anos, os elefantes, tigres ou leões passassem de ser estrelas num espetáculo cruel a praticamente poderem terminar os seus dias em santuários.

Foi também graças ao PAN que, em 2021, conseguimos proibir a prática anacrónica do tiro ao pombo, um abate bárbaro e cruel que, em cada prova desportiva, infligia sofrimento e matava centenas de animais.

Assim, esta Casa fez com que o nosso País fizesse um progresso civilizacional. Aconteceu 100 anos mais tarde do que em Inglaterra, mas, graças ao PAN, conseguimos fazê-lo.

Vimos também nascer medidas tão importantes como o direito a que as pessoas em situação de sem-abrigo ou as vítimas de violência doméstica pudessem levar os seus animais para as casas de abrigo, ou a obrigatoriedade de as explorações pecuárias que não tinham sistemas de deteção de incêndio passarem a tê-lo.

Não fosse este arrojo, este Parlamento não teria debatido temas tão importantes para a proteção animal como: o alargamento da proteção jurídica a todos os animais; o fim do transporte de animais vivos; a proibição da discriminação de tutores de animais de companhia no acesso ao arrendamento; o fim do financiamento público da tauromaquia,…

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Olé! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … que todos os anos suga financiamentos públicos essenciais para

outras áreas que ascendem a mais de 6 milhões de euros; o impacto negativo do acorrentamento no bem-estar dos animais;…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Isso é mentira! Isso é mentira! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … e até o fim do abate para efeitos de extração e importação de peles,

em Portugal e na União Europeia.

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No entanto, Sr.as e Srs. Deputados, apesar dos avanços registados nos últimos anos por via desta ação, no debate de hoje queremos falar do muito que ainda está por fazer em matéria de proteção animal.

Deste modo, damos a oportunidade a esta Assembleia de, até à sua dissolução, fazer aprovar soluções para estes vários problemas, de forma a proteger os animais e também as pessoas.

Em primeiro lugar, não podemos aceitar que a proteção animal continue num limbo e que tenha de esperar pela entrada em funções de um novo Parlamento — talvez no mês de abril, ou mais tarde, não sabemos —…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Já não há PAN! O PAN já acabou, nessa altura! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … para conseguir uma solução jurídica que evite que o Tribunal

Constitucional declare inconstitucional a criminalização dos maus-tratos a animais de companhia. Por isso mesmo, pomos à votação duas propostas de solução. Por um lado, queremos abrir um processo de revisão constitucional extraordinária para incluir na Constituição

o dever de proteção animal e assegurar o reconhecimento do valor intrínseco de todos os animais enquanto seres vivos dotados de sensibilidade. Com esta alteração, não se poderão levantar dúvidas sobre se existe, ou não, um bem jurídico tutelado pela Constituição. O que queremos é que ele exista efetivamente, tal como acontece na Alemanha ou na Suíça.

Recordo que se trata de um tema que reuniu amplo consenso no próprio processo de revisão constitucional ordinária que iniciámos, mas que não vamos concluir por causa da dissolução do Parlamento. Ora, se existe vontade política, hoje as Sr.as e Srs. Deputados têm mesmo a oportunidade de o demonstrar. A revisão constitucional extraordinária permite-nos chegar a um consenso nesta matéria, sem condicionar revisões futuras. Saibamos, pois, ouvir a sociedade civil e não adiemos esta decisão porque, quando for o momento, pode ser tarde demais.

Neste mesmo sentido, lembro que a Assembleia recebeu pelo menos três petições, que reuniram mais de 90 000 assinaturas, em que a sociedade civil nos clamava pela inclusão da proteção animal na Constituição e pela manutenção da tutela penal dos animais no Código Penal. Casos como o de Santo Tirso, casos como o do cavaleiro João Moura, que deixou os animais morrerem à fome, ou casos como o da cadela Faia, que morreu esfaqueada, não podem nem devem ficar impunes.

Por outro lado, vamos propor uma revisão do Código Penal que alargue a proteção jurídica a todos os animais, e não apenas aos animais de companhia, como sucede atualmente, permitindo assim que não haja uma discriminação em função da espécie, o que é absolutamente incompreensível.

Em segundo lugar, não nos conformamos com o facto de que a nossa legislação laboral continue alheia aos avanços dados nos últimos anos relativamente à proteção animal, já que desconsidera o sofrimento de um tutor quando perde um animal de companhia.

Em pleno século XXI, não podem continuar a existir trabalhadores que têm de marcar férias para poder acompanhar o animal na hora da sua morte ou até mesmo quando têm de o «adormecer», ou ainda simplesmente para o acompanhamento médico-veterinário, quando criminalizamos as situações em que não são prestados tratamentos médico-veterinários, existindo deste modo um paradoxo legislativo incompreensível.

Por isso mesmo, propomos a consagração na legislação laboral de um dia de luto pela morte do animal de companhia, mas também que os trabalhadores possam faltar justificadamente ao trabalho para dar assistência ao seu animal em caso de doença ou acidente urgente, matéria esta que as instituições sindicais já acompanharam favoravelmente.

Em terceiro lugar, queremos vedar a comercialização e a utilização de coleiras de choque e de coleiras estranguladoras.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço desculpa por interromper. Queria ouvi-la e não estou a conseguir. Peço silêncio, para que possa ouvir a intervenção da Sr.ª Deputada. O Sr. Pedro Pinto (CH): — É a malta do PS! Anda a passear! Pausa.

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O Sr. Presidente: — Faça favor de prosseguir, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Muito obrigada, Sr. Presidente. No que respeita à comercialização e à utilização de coleiras de choque ou coleiras estranguladoras, falamos

de coleiras que podem provocar lesões graves ou mesmo a asfixia dos animais e que deixam graves sequelas, como comportamentos agressivos, compulsivos, lesões, ansiedades e fobias, entre outros. Refiro-me a coleiras que só existem para causar dor ao animal, como forma de controlo.

Continuar a permitir a utilização destas coleiras é uma verdadeira afronta aos regimes jurídicos vigentes em matéria de proteção dos animais em geral, e dos animais de companhia em particular, matéria esta que já foi objeto de deliberação por parte da comunidade veterinária, pelo que seguir o exemplo de países como o País de Gales e aprovar a iniciativa do PAN é um imperativo de coerência jurídica.

Em quarto lugar, queremos reconhecer a figura do animal comunitário, promovendo a realização de uma campanha extraordinária de esterilização.

Trata-se de corrigir uma lacuna que persiste na nossa legislação, que não permite que uma pessoa coletiva registe o animal, mas que depois nada estabelece quanto às situações em que há animais acolhidos por escolas, associações, estabelecimentos prisionais, bombeiros voluntários ou até mesmo aqui, na Assembleia da República, com a nossa colónia parlamentar e os já bem conhecidos gatos parlamentares Tobias ou Miau Maria. O caminho que o PAN propõe é o de assegurar que estes animais deixem de ser animais de ninguém e passe a haver uma responsabilidade das comunidades que os detêm e que deles cuidam, como também nesta Casa Comum fazemos.

Em quinto e último lugar, na próxima sexta-feira traremos a votação uma iniciativa que pretende regular o acorrentamento e o alojamento de animais de companhia em varandas e garantir a implementação de um plano nacional de desacorrentamento.

Não é aceitável que continuemos a ter animais a morrer por não conseguirem fugir em caso de incêndio. Só no incêndio de Castro Marim, em 2021, foram 14 os animais que morreram por não terem hipótese de fuga. No incêndio de Palmela, em 2022, foram sete os animais mortos por não conseguirem libertar-se das correntes que lhes foram infligidas.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E em Pedrógão?! Quantos é que morreram em Pedrogão?! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Recentemente, nas cheias em Loures, foram pelo menos 10 os animais

que morreram afogados por não terem hipótese de fuga. Isto, para além dos milagres de animais que vivem uma vida inteira condenados à prisão perpétua de uma corrente da qual não se conseguem libertar.

Sr.as e Srs. Deputados, a vida política é feita de opções, de escolhas, e este Parlamento tem sido chamado por diversas vezes a contribuir para o devir civilizacional em matéria de proteção animal. A proteção animal é hoje um valor civilizacional e ético incontornável das sociedades modernas.

Para o PAN, não acompanhar iniciativas como as que aqui trazemos é posicionarmo-nos do lado errado da história. Acima de tudo, é deixar os animais e também as pessoas mais carenciadas, as associações e até as próprias vítimas de violência doméstica, na sua extrema vulnerabilidade, à mercê da crueldade humana que continua ainda a grassar.

Por isso mesmo, para concluir, em relação ao debate que hoje aqui trazemos e às iniciativas que propomos, tomo de empréstimo as palavras de Martha Nussbaum: «Sabemos que os animais não humanos são capazes de uma existência condigna.» É difícil precisar o que esta frase significa, mas é relativamente claro o que não significa. O facto de os humanos atuarem de uma forma que nega essa existência condigna aparenta ser uma questão de justiça e uma questão urgente. Pois, Sr.as e Srs. Deputados, hoje, infelizmente e mais do que nunca, é sem dúvida urgente darmos passos na proteção animal.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ninguém bate palmas?! O PS não bate palmas?! O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada tem dois pedidos de esclarecimento. Como deseja responder? Pausa.

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Tendo a Sr.ª Deputada feito sinal à Mesa de que responderá em conjunto, dou a palavra ao Sr. Deputado

Pedro Filipe Soares para formular o pedido de esclarecimento, em nome do Bloco de Esquerda. O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, trouxe-nos um debate

que vai a muitos dos pilares fundamentais do que a causa animal tem defendido no nosso País. Infelizmente… Digo «infelizmente» com algum pesar, porque sempre fui cultivando — eu e outros, incluindo

muitos Deputados e Deputadas do PAN — uma prática parlamentar de considerar que a causa animal está acima das causas partidárias. Por isso, infelizmente, de forma estranha até, porque o Bloco de Esquerda nunca teve essa atitude para com o PAN, o PAN impediu que trouxéssemos também a debate iniciativas nossas…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É verdade! E nós também! O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … para tornar mais rico o debate sobre a causa animal, restringindo com

isso o seu âmbito, transformando-o não num debate sobre a causa animal — que, isso sim, elevaria o debate parlamentar —, mas antes reduzindo-o a um debate sobre a causa partidária, como foi grande parte da sua intervenção.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem! O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É pena! É pena!… É um mau serviço à causa animal, porque nós

devemos sempre alargar mais as nossas fronteiras partidárias e não transformar isto apenas num jogo de «toma-lá-dá-cá» de argumentos políticos — muitos deles estafados e muitos dos quais não interessam à causa animal. Mas não é o caso do debate que hoje temos.

Contudo, porque transformou este debate numa causa partidária,… A Sr.ª Rita Matias (CH): — Excecionalmente bem! O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … sou obrigado a perguntar sobre as responsabilidades do PAN, em

particular no que toca à salvaguarda dos direitos dos animais. Olhamos para a Madeira e vemos que o PAN aceitou fazer um acordo parlamentar com o PSD e com o CDS.

O PSD em particular, que governa na Madeira desde o 25 de Abril, criou uma enorme crise na habitação, cumprindo todo o ideário da Madeira, ao dar autorização para a construção de tudo e mais alguma coisa. Repito, tudo e mais alguma coisa! Resultado: é proibitivo o preço da habitação na Madeira.

Protestos de Deputados do PSD. Os salários são baixíssimos e há uma enorme crise social. E nós sabemos — porque quem acompanha a

causa animal sabe — que quando há uma crise social são também os direitos dos animais que são postos em causa, porquanto disparam os números do abandono de animais de companhia.

No entanto, o que é que o PAN fez, quando poderia ter ajudado à criação de uma alternativa, pela primeira vez, no período democrático? Deu a mão ao PSD para manter a sua política de crise social.

Olhamos para os Açores e vemos exatamente o mesmo. O Governo, que tem o grande desígnio para os Açores no apoio da pecuária, que promove até as corridas de touros nos Açores, tinha o Orçamento em risco. O que é que o eleito do PAN fez? Foi a correr para o meio da praça, a dizer: «Nós cá estamos para salvar o Orçamento, se for necessário.» E eu pergunto-lhe: então onde é que ficam os direitos dos animais, a causa animal, quando, na proximidade ao poder, o PAN se entrega de mãos abertas àqueles que muitas das vezes colocam em causa o direito e a causa animal?

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, em nome do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, relativamente a este

debate, parece-me que é importante deixar uma nota prévia — porque alguém politizou claramente este debate —, dizendo que talvez seja de fazer aqui uma cura de amnésia ao Bloco de Esquerda para que este se lembre, e não posso deixar de lho dizer, que um grande autor e impulsionador da legislação dos direitos dos animais nesta Assembleia foi precisamente o PSD.

Risos da Deputada do PCP Paula Santos. Ora, é importante fazer história quando se tenta apagar e obliterar o papel importantíssimo de um partido

como o PSD nos direitos dos animais e na causa animal. Dito isto, porque me recuso a politizar este debate de forma rasteira, como acabou de fazer,… O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ah! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — … vamos ao que é, de facto importante, nesta discussão: a causa animal.

Uma causa com a qual, aliás, o PSD sempre esteve comprometido, já que é muito importante para nós. Todavia, Sr.ª Deputada, não podemos deixar de enfocar que, neste pacote legislativo, nos traz a questão da

revisão extraordinária da Constituição. E deixe-me fazer-lhe aqui um profundíssimo lamento, porque os animais também merecem mais do que demagogia barata.

Todos sabemos que está a decorrer uma revisão constitucional ordinária, onde todos os partidos se uniram, de uma forma ou outra, para a proteção da causa animal e também para a salvaguarda constitucional com que, entretanto, nos deparámos, devido às decisões que o Tribunal Constitucional veio a tomar — já são três — e com o pedido e o perigo da declaração da inconstitucionalidade geral das normas relativas à criminalização dos maus-tratos a animais. Lembro que houve um grande consenso entre os partidos para que, em sede de revisão constitucional, encontrássemos a melhor solução para que este problema fosse resolvido. Revisão constitucional que, recordo, está a correr neste momento.

Infelizmente, fruto das circunstâncias políticas que vivemos, esta é uma Assembleia cuja dissolução tem data marcada. Pelo que, a um mês da dissolução da Assembleia da República, trazer o tema da causa animal para iludir todas as pessoas que neste País se preocupam com a mesma — e acredito que será esmagadora a maioria dos portugueses — não é eticamente sério, não é responsável e é até, permita-me dizer-lhe, quase inadmissível, porque isso não se pode fazer.

O que nos interessa mesmo, neste momento, é termos tempo, sendo que, logo no início da Legislatura, nós resolveremos este problema. Isto porque as circunstâncias nos ultrapassaram.

Por isso, a questão é se a Sr.ª Deputada estará disponível para tratar da real preocupação e problemática da causa animal, que é resolvermos a situação logo no início da próxima Legislatura.

A Sr.ª Deputada sabe que é assim. E só não o diz por falta de coragem, para agradar às associações — dizendo-lhes: «Eu estou aqui! Os outros é que são malandros e não querem resolver.» — e porque, em período eleitoral, isso não lhe convém!

As pessoas merecem mais. Merecem a verdade e só a verdade. Ou seja, que lhes diga que, fruto das circunstâncias políticas, não é possível isso acontecer.

Sr.ª Deputada, está disponível para admitir que o PAN hoje fez aqui um número lá para fora, sabendo que está a enganar toda a gente?

Aplausos do PSD. O Sr. Pedro Pinto (CH): — E a Madeira? O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço desde já as questões colocadas por ambos, a Sr.ª e o Sr. Deputado.

Começo pelo Sr. Deputado Pedro Filipe Soares. Não posso deixar de referir que, em matéria de coerência, nomeadamente em relação ao sentido de voto ou às posições políticas, lamento que também nesta Casa o Bloco tenha acompanhado o PCP na proposta da descida do IVA da tauromaquia, votando favoravelmente essa iniciativa. Portanto, se estamos a falar de coerência ideológica, comecemos também pelas decisões tomadas nesta Casa.

Sabe, Sr. Deputado, para o PAN seria muito fácil sentarmo-nos à mesa com aqueles que concordam connosco e não apenas com aqueles que discordam da nossa visão. Mas se queremos, efetivamente, fazer avanços e progressos nas causas que defendemos, isso implica, muitas vezes, exigir chamar para a mesa do debate político também forças políticas que não concordam connosco, incluindo forças políticas dentro do espectro democrático,…

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não foi com a CDU (Coligação Democrática Unitária)! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … e o PAN já deixou muito claro que há uma linha vermelha que jamais

viabilizará. E não podemos confundir acordos de incidência parlamentar — tal como o próprio Bloco de Esquerda e o PCP já tiveram com o PS — com realidades que têm acordos de incidência parlamentar em regiões autónomas — e o PAN respeita também a autonomia —, onde não existem nem touradas, nem existem, por exemplo, circos com animais, porque na Madeira não existem, efetivamente, touradas nem circos, porque há muitos anos que o PAN acabou com os circos.

Protestos de Deputados do CH. Em relação à Região Autónoma dos Açores, recordo que o nosso Deputado regional continua não só a

defender a abolição da tauromaquia, pois quer numa região autónoma, quer na outra existe uma linha clara que está definida: não iremos viabilizar qualquer tipo de Orçamento que ponha em causa o que são, do ponto de vista ideológico, as linhas acordadas, quer no acordo de incidência parlamentar, quer no que o PAN defende. Portanto, somos bastante claros nessa matéria.

Em relação à questão colocada pela Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, Sr.ª Deputada, quero fazer aqui um exercício de memória. Não é a primeira vez que o PAN traz a debate um projeto de revisão extraordinária da Constituição. Não só não é a primeira vez — o primeiro foi vetado em secretaria —, como nós temos um processo de revisão ordinária, em que todas as forças políticas deram o seu consenso para que a proteção animal fosse incluída na Constituição.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Foi o Chega que começou! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Portanto, haja vontade política para que efetivamente se aprove um

projeto de revisão extraordinário e assim garantirmos, dentro de um prazo fixado na Conferência de Líderes, que todas as forças políticas possam trazer a jogo as suas propostas e consigamos proteger os animais.

O que é incompreensível é que o PS e o PSD tenham viabilizado uma proposta do Chega, uma força política da qual tantas vezes ouvimos as Sr.as e os Srs. Deputados dizer aqui que são forças políticas antidemocráticas, mas, que depois, uma força política democrática, construtiva, que traz uma proposta a este debate, seja chamada de populista, e ouvir aqui dizer que é ineficaz, quando trazemos inclusivamente outras propostas,…

Protestos de Deputados do CH e do Deputado do PS Pedro Delgado Alves. … sobre as quais a Sr.ª Deputada não se pronunciou, e que tenho a certeza absoluta de que farão o seu

caminho e que hoje sairemos daqui muito mais avançados em matéria de proteção animal. Mais: espero que o PSD honre o legado de António Maria Pereira e que não falhe, na hora da votação,

relativamente a estas iniciativas, porque o PAN cá estará, sempre disponível para, na especialidade, acolher os contributos de todas as forças políticas que poderão trazer as suas propostas de alteração.

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Também recordo que, nestes dois anos de Legislatura, todas as forças políticas e grupos parlamentares tinham poderes de agendamento e não fizeram nenhum em matéria de proteção animal. Portanto, vir criticar o PAN pelo agendamento que faz, após a vigência do Regimento, por usar o seu direito potestativo, de facto, não me parece que seja o mais oportuno neste debate, porque quem está lá fora, em casa,…

Protestos do Deputado do CH Pedro Pinto. … o que gostaria, se calhar, de saber hoje, Sr.ª Deputada, é qual é a posição do PSD em relação a todas

estas matérias. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Raquel Ferreira. A Sr.ª Raquel Ferreira (PS): — Sr. Presidente, boa tarde a todas e a todos os Deputados: O PAN veio hoje

a Plenário trazer várias iniciativas sobre o tema «proteção animal». A proteção de animais em Portugal passou a ter um maior enquadramento jurídico a partir do ano de 2017,

nos sucessivos governos do Partido Socialista, dado que foram aprovadas várias leis, leis estas relevantes para a proteção dos animais em Portugal, nomeadamente dos animais de companhia.

Cumpre salientar, desde logo, a Lei n.º 8, de 2017, que estabeleceu um novo estatuto jurídico dos animais, reconhecendo a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade, autonomizando-os enquanto objeto de relações jurídicas. Neste âmbito, a lei determina a necessidade de regulação do destino dos animais de companhia em caso de divórcio, considerando nomeadamente os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal, bem como o bem-estar animal.

Também é de recordar a Lei n.º 95/2017, que passou a regular a compra e venda de animais de companhia em estabelecimentos comerciais e através da internet, e também a Lei n.º 89/2019, que criou o Sistema de Informação de Animais de Companhia, medida importante, uma vez que permitiu contrariar o abandono e as suas consequências para a saúde, a segurança, o bem-estar animal, lei esta que, entretanto, foi também atualizada pela Lei n.º 12/2022.

É também de salientar a Lei n.º 39/2020, que alterou o regime sancionatório aplicável aos crimes contra animais de companhia, a nova lei que confere direitos aos animais de estimação e que cria obrigações para os detentores, como assegurar o bem-estar, a segurança e a saúde do animal.

Os animais são, efetivamente, parte da família, são seres inteligentes e sensíveis e merecem, por isso, toda a proteção jurídica.

Aplausos do PS. O Projeto de Lei n.º 412/XV/1.ª aprova o regime de faltas justificadas ao trabalho por motivo de morte ou

assistência animal de companhia. O que o PAN hoje apresenta em discussão entra no outro ramo do direito, digamos que entra no ramo do

direito do trabalho, regulado pelo Código do Trabalho e pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pretendendo, com isto, equiparar ao direito a faltas justificadas em caso de morte de um familiar próximo às faltas justificadas ao trabalho por motivo de morte ou assistência a animal de companhia. Ora, nós sabemos que as faltas por morte de familiar normalmente são concedidas para que o funcionário possa lidar com assuntos relacionados com o luto, funeral e questões legais.

A legislação portuguesa, de facto, não contempla faltas específicas para a assistência a animais de companhia. No entanto, também sabemos que já há empresas que vão implementando e que possuem políticas flexíveis, como dias de folga ou possibilidade de outras licenças médicas ou pessoais para lidar com emergências relacionadas com animais de companhia. Contudo, o Partido Socialista é sensível a esta matéria.

Não podemos deixar, no entanto, de referir que também é primordial a base humanista. É importante haver valores que têm de ser, efetivamente, enquadrados e, portanto, necessário se torna que haja uma análise mais profunda para uma maior consolidação desta questão, que deverá ser feita em sede de especialidade.

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Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada tem um pedido de esclarecimento. Para formulá-lo, tem a palavra o

Sr. Deputado Pedro Pinto, do Grupo Parlamentar do Chega. O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente de algumas bancadas, Sr.ª Deputada Raquel Ferreira, há uma

coisa que nós sabemos: o PAN e a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real enganam os seus eleitores, porque dizem que são contra a tauromaquia, dizem que querem a abolição da tauromaquia, mas o que é certo é que fazem acordos com o PSD e com o Partido Socialista, também, que, supostamente, são partidos que defendem a tauromaquia.

A pergunta que vou fazer é muito rápida. Diz-se muitas vezes que a Sr.ª Deputada do PAN traça linhas vermelhas ao Chega — eu podia perguntar-lhe porque é que não as traça ao PS ou ao PSD, mas como a pergunta é para o Partido Socialista, é diferente —, e a pergunta é a seguinte: qual é a posição — e é importante os portugueses saberem, lá em casa — do Partido Socialista em relação à tauromaquia? É que o Partido Socialista num sítio diz uma coisa, noutros sítios diz outra, e hoje temos de perceber qual a posição do Partido Socialista, Sr.ª Deputada. É porque dar a mão ao PAN quando é preciso, ou o PAN dar a mão ao Partido Socialista — aliás, o PAN está disponível para dar a mão a toda a gente — é uma coisa; agora, qual a posição do Partido Socialista?

Hoje a resposta não pode ser dúbia, hoje tem de responder, olhos nos olhos: o Partido Socialista é contra ou a favor da tauromaquia em Portugal? O Partido Socialista quer abolir ou não a tauromaquia em Portugal? Qual é a posição do Partido Socialista para com a tauromaquia em Portugal?

Aplausos do CH.Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela. A Sr.ª Presidente: — Muito boa tarde a todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados. Para responder a este pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Raquel Ferreira, do Grupo

Parlamentar do PS. A Sr.ª Raquel Ferreira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, muito obrigada pela sua questão. Sr. Deputado, a posição do Partido Socialista é muito simples: o Partido Socialista apresentou uma moção

e, portanto, cabe a cada município decidir. Enquanto isso vigorar é assim que teremos de continuar. Aplausos do PS.Protestos de Deputados do CH. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Oliveira, do

Grupo Parlamentar do PSD. O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No dia de hoje, e porque

falamos de ambiente, não poderia deixar de começar por saudar o acordo que foi conseguido no final da COP28 (Conferências das Partes) em matéria de ação relativamente às alterações climáticas. Tenho de dar nota hoje de que a transição energética passa a ter uma perspetiva de forma mais explícita, com o abandono dos combustíveis fósseis.

Apesar das dificuldades do acordo e de todas as limitações, devemos considerar que este é mais um passo concreto rumo à neutralidade carbónica que temos de atingir antes de 2050.

Em Portugal, temos de avançar com mais transparência e eficácia a nível de políticas públicas e ação climática, sem esquecer a importância de termos os cidadãos, em especial os mais jovens, como nossos aliados.

Mas, entrando na matéria em questão, saúdo naturalmente o PAN pelo agendamento desta discussão plenária sobre o tema da proteção animal, embora, como já foi dito, tenha sido da forma como foi. É, sem dúvida,

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um tema importante, mas preocupante, pois, apesar do caminho que tem sido feito nesta área, a verdade é que continuamos a demonstrar várias fragilidades nas políticas e nos instrumentos que devem garantir o bem-estar dos animais de companhia.

Este é, portanto, um momento de reflexão, de balanço político, mas também de identificação de estratégias e de propostas que nos façam evoluir enquanto sociedade, pois sabemos que há um novo ciclo político no horizonte e que os partidos devem expor as suas visões.

Com todo o respeito pelo PAN e tendo reconhecido a vossa capacidade... A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Hugo Oliveira, peço-lhe, por favor, que pare a sua

intervenção. Há perturbação aqui no Hemiciclo. Parece que há um problema, cheira a queimado. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — O Galamba está a fumar! A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Espero que não seja nenhum sinal preocupante, mas vamos fazer uma

pequena interrupção, se o Sr. Deputado não se importa, para se averiguar o que se passa. Peço aos serviços que tomem providências nesse sentido.

Sr.as e Srs. Deputados, vamos interromper a sessão por 5 minutos, para ver, em melhores condições, o que se passa.

Muito obrigada. Até já. Eram 15 horas e 49 minutos. Srs. Deputados, vamos dar continuidade aos nossos trabalhos. Eram 16 horas e 5 minutos. Os serviços de segurança da Assembleia da República já averiguaram e concluíram que não há qualquer

perigo aqui, nesta zona, portanto, vamos continuar. Peço aos serviços que reponham a totalidade do tempo do Sr. Deputado Hugo Oliveira. Muito obrigada. Sr. Deputado Hugo Oliveira, pode recomeçar a sua intervenção. Faça favor. O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — Muito obrigado, Sr.ª Presidente. Srs. Deputados, recomeçando a minha intervenção, hoje não podia deixar de falar sobre o acordo que foi

conseguido no final da COP28, em matéria de ação com as alterações climáticas. A transição energética passa a ter uma perspetiva de forma mais explícita, com o abandono dos combustíveis

fósseis. Apesar das dificuldades do acordo e de todas as limitações, devemos considerar que este é mais um passo concreto com a neutralidade carbónica que temos de atingir até 2050.

Em Portugal, temos de avançar com mais transparência e eficácia a nível das políticas públicas da ação climática, sem esquecer a importância de termos os cidadãos e, em especial, os mais jovens como nossos aliados.

Mas, sobre a matéria aqui em questão, saúdo o PAN pelo agendamento desta discussão plenária sobre o tema da proteção animal, apesar, como já aqui foi dito, da forma como foi agendado. É, sem dúvida, um tema importante, mas preocupante, pois, apesar do caminho que tem sido feito nesta área, a verdade é que continuamos a demonstrar várias fragilidades nas políticas e nos instrumentos que devem garantir o bem-estar dos animais de companhia.

Este é, portanto, um momento de reflexão, de balanço político, mas também de identificação de estratégias e de propostas que nos façam evoluir enquanto sociedade, pois sabemos que há um novo ciclo político no horizonte e os partidos devem expor as suas visões.

Com todo o respeito pelo PAN e até reconhecendo a vossa capacidade de trabalho e de iniciativa, por muito bem-intencionados que sejam, temos de vos dizer, de uma forma muito clara, que a causa do bem-estar dos animais de companhia não tem filiação partidária. Este esforço de apropriação comunicacional, que vai da causa

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dos animais aos problemas do ambiente, acaba por alimentar uma visão extremista sobre alguns assuntos, contribuindo para criar fações na sociedade e para uma polarização que, por vezes, tem efeitos contraproducentes.

Há muito para fazer e para evoluir. Sim, há. O desafio está em concretizar e não apenas em bater no peito e dizer que se é amigo dos animais e que os outros partidos não querem fazer nada nem saber destes assuntos.

O PSD, no seu programa político em 1974 já tinha um capítulo sobre a qualidade de vida e o meio ambiente. Somos, de facto, pioneiros nesta matéria. Em 1995, a Assembleia da República aprovou a primeira lei de defesa dos direitos dos animais, da autoria do Deputado António Maria Pereira, que ficou conhecido como o pai do direito dos animais em Portugal. Aliás, essa lei, na altura, até foi quase menosprezada.

Temos 50 anos de ação nestas áreas. Neste Parlamento, mesmo na oposição, para além do papel de escrutínio, temos tido iniciativas concretas. Por exemplo, a Lei de Bases do Clima foi aprovada com base no trabalho que fizemos, também com outros partidos, apesar de muitas vezes vermos o PAN, publicamente, a reivindicar para si o protagonismo desta área.

Mas centremos a discussão no assunto da proteção animal, no que é que temos feito, no que temos defendido e no que defenderemos no futuro. Recordo que, em 2014, o crime contra animais de companhia foi tipificado numa alteração do Código Penal com a iniciativa do PSD. Foi a nossa maioria parlamentar que decidiu a sua aprovação.

Fizemos ainda aprovar, em 2015, a Lei n.º 110/2015, que estabelece o quadro de penas acessórias aplicáveis a estes crimes. Foram avanços progressistas nesta matéria, acompanhando a sensibilidade da sociedade, que se foi tornando mais consciente e exigente para o bem-estar dos animais.

Contribuímos, em 2016, para a criação de uma rede de centros de recolha oficial de animais em Portugal e para a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população.

Na verdade, tem havido um consenso alargado deste Parlamento sobre a necessidade de proteger os animais de companhia e de penalizar os maus-tratos, criminalizando quem os pratica. Em nosso entendimento, esta questão estava salvaguardada e, portanto, não partilhamos da visão expressa nos acordos do Tribunal Constitucional e nas decisões sumárias que têm vindo a alegar a sua inconstitucionalidade.

Seja como for, estaremos ao lado da proteção dos animais de companhia e do reforço desta dimensão legal, mas não só. Apesar das evoluções registadas nas políticas e nos instrumentos que contribuem para a proteção dos animais e para a dissuasão de comportamentos negligentes e abusivos, a verdade é que continuamos com indicadores muito preocupantes. Por exemplo, se olharmos para os 43 600 animais recolhidos em 2021, e que inclui animais errantes, abandonados e vítimas de maus-tratos, ficamos perante uma realidade altamente perturbadora e que carece de mais e melhores respostas.

Importa também salientar que, neste domínio, existem grandes assimetrias a nível nacional, com bons e maus exemplos a nível das infraestruturas: nos casos dos centros de recolha oficial, de projetos dissuasores de abandono e de apoio às famílias, programas de captura, esterilização e devolução, centros de acolhimento temporário e de cuidados veterinários e programas de adoção, entre outros. Em muitos municípios e freguesias estas condições são ainda fracas e incipientes, havendo margem para evoluir e melhorar e onde o Estado central deve dar apoio.

Independentemente das responsabilidades e das lacunas da administração central, importa colocar um maior foco nas políticas de proximidade e no apoio ao bem-estar animal, assegurando condições para que a administração local e outras entidades possam ter uma ação mais eficaz, devendo, para isso, ter ao seu dispor recursos adequados. Ou seja, uma política para o bem-estar animal e para a mitigação do problema do abandono, que tem de se conseguir articular com eficiência em todas as dimensões e escalas de ação.

O bem-estar animal é uma preocupação da sociedade a que o PSD continuará a corresponder com medidas concretas, que penalizem os maus-tratos e o abandono de animais de companhia, assegurando, assim, respostas efetivas para os problemas que existem.

Aplausos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao

público, uma vez que há pouco não fiz esse pedido.

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Sr. Deputado, tem um pedido de esclarecimento. Para formular esse pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, muito obrigada também pela sua

intervenção. Não deixa, no entanto, de ser curioso que o Sr. Deputado tenha vindo aqui evocar a COP, cujas negociações,

bem sabemos, não só foram difíceis como estiveram na iminência do fracasso pela falsa capacidade de compromisso e maior ambição no que diz respeito à transição energética e ao fim do apoio aos combustíveis fósseis. Mas aquilo que verificámos é que o PSD, quando o PAN propôs, no Orçamento do Estado, o fim das borlas fiscais aos grandes combustíveis e poluidores, votou contra a proposta do PAN. Portanto, parece-me que há aqui algum paradoxo entre o discurso que é feito e o momento da votação.

Da mesma forma, olhamos para a proteção animal e fala-nos no legado de António Maria Pereira, naquele que tem sido o trabalho feito ao longo destes anos. Efetivamente, o que verificamos é que não só o PSD não veio a jogo no âmbito do processo de revisão constitucional, não trazendo uma proposta específica para a inclusão da proteção animal na Constituição, como também propôs a descida do IVA das touradas no âmbito do Orçamento do Estado.

Saliento as palavras que ali disse, porque não me parecem ser inocentes: falou apenas em «animais de companhia». Portanto, pergunto-lhe, Sr. Deputado, se hoje o PSD vai estar ou não do lado certo da História e se vai estar disponível para acompanhar propostas como a da alteração ao Código Penal para proteger todos os animais e não apenas alguns — recordo que, no nosso País, também temos, por exemplo, cavalos sujeitos a formas de maus-tratos absolutamente bárbaras,…

Protestos de Deputados do CH. … e temos também outras formas e manifestações de violência que não devem passar impunes —, a par de

um processo de revisão extraordinária, que deveria já ter acontecido há muito, não tivesse havido, de facto, falta de vontade política para isso.

Portanto, pergunto-lhe qual vai ser a posição do PSD hoje relativamente a todas as outras iniciativas, porque tem hoje a possibilidade de dar a mão e de corrigir a mão àquele que tem sido o percurso feito em sentido de voto ao longo deste mandato.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Oliveira. O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada, quando

evoquei aqui a COP e o acordo, é porque acho que devemos ter a noção do dia histórico que é hoje e da importância que tem, para todos os partidos aqui. Isto não é como a causa dos animais, que parece que é só do PAN. É de todos os partidos! Pela importância de esse acordo ter sido concretizado e, sendo a área do ambiente a que está a tutelar hoje este Plenário, entendi que deveria falar sobre essa matéria, pela importância que tem.

Protestos do PAN. Mas deixe-me responder à questão que colocou, de forma breve e rápida. Não voltemos a tentar confundir

os portugueses sobre as posições claras que os partidos têm e que o PSD sempre teve, e que tive o cuidado de elencar aqui, a posição que o PSD sempre teve na defesa dos animais e na defesa dos animais de companhia. Não vamos misturar as coisas, não vamos misturar as coisas.

A Sr.ª Deputada vai percebendo, com as nossas intervenções, claramente e sem dificuldade nenhuma, a nossa posição, e os portugueses, também. Desde o início deste debate, os portugueses conseguem perceber o que é que o PAN quis fazer aqui hoje e a forma como o quis fazer, o que nos deixou, de forma tão tranquila, a possibilidade de explicar que esta é uma matéria que sempre esteve acima dos partidos. O gosto e a proteção dos animais, como eu disse ali há pouco, não tem filiação partidária. Tem, sim, o interesse de cada um de nós em poder ter um animal de companhia e saber tratá-lo da melhor forma, porque ele o merece. Srs. Deputados,

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permitam-me que assim o diga: qualquer um dos Srs. Deputados que está aqui dentro terá, com certeza, este sentimento para com o seu animal, e não da forma como o PAN quer transmitir a todos os portugueses.

Aplausos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo Sousa,

do Grupo Parlamentar do Chega. O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema que hoje debatemos deve

fazer-nos a todos pôr a mão na consciência. Estaremos a proteger devidamente os nossos animais, com o enquadramento legal existente?

A pergunta é de fácil resposta: não, e a justificação está nos exemplos que nos chegam de maus-tratos a animais, que continuam a passar impunes.

Todos conhecemos a horrível história de um ex-enfermeiro que esventrou uma cadela a sangue-frio para lhe tirar os cachorros. Na sequência disso, a cadela veio a morrer, tendo os cachorros, vivos, sido colocados no lixo. Perante tal atrocidade, o juiz aplicou-lhe 16 meses de prisão pela crueldade. Esta seria, assim, a primeira pena de prisão efetiva aplicada por crimes exclusivamente praticados contra animais de companhia, tudo com base na lei que penaliza os maus-tratos a animais de companhia que entrou em vigor em 2014.

Mas a história não acaba aqui. Afinal, aquela que tinha sido considerada uma condenação histórica na justiça portuguesa, a prisão efetiva por este tipo de crimes, foi revertida pelo Tribunal da Relação.

Como esta, outras decisões têm sido revistas por tribunais superiores em benefício claro do infrator. Mas este é apenas um exemplo. A verdade é que, entre 2019 e 2022, menos de 14 % dos processos abertos pelo Ministério Público por maus-tratos a animais de companhia seguiram para acusação. Em quatro anos, houve 6657 arquivamentos em 7720 inquéritos abertos, o que demonstra que ainda há um longo caminho a percorrer.

Todos os dias há animais abandonados, animais deixados a morrer à fome, animais envenenados ou agredidos de formas absolutamente intoleráveis. A situação piorou drasticamente quando o Tribunal Constitucional, em diferentes processos, veio considerar que a lei dos maus-tratos é inconstitucional e, posteriormente, a Procuradoria-Geral da República veio pedir que ocorresse a sua declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. A decisão do Tribunal Constitucional ainda não é conhecida, mas, se é inconstitucional criminalizar os maus-tratos a animais, só temos um caminho: alterar a Constituição.

Sr.as e Srs. Deputados, foi isso mesmo que fizemos quando apresentámos o nosso projeto de revisão constitucional nesta Legislatura e é por isso que vamos continuar a propor. É o que pretendemos quando propomos uma maior proteção para a fauna e flora, referindo expressamente os animais, tal como acontece, por exemplo, na Constituição brasileira. A intenção é que estes passem a ganhar dignidade constitucional e fazer com que a Lei Fundamental do País acompanhe a evolução quanto a esta matéria, já presente no Código Civil e no Código Penal.

Temos noção da importância do exato lugar dos animais na sociedade. Sabemos, por isso, que é nossa obrigação cuidar deles. O Chega é contra a impunidade pela prática de que crime for, e a situação atual tem permitido que atos absolutamente grotescos passem em branco, o que deve ser urgentemente alterado.

Termino com uma frase de Abraham Lincoln: «Sou a favor dos direitos dos animais, bem como dos direitos humanos. Essa é a proposta de um ser humano integral.»

Aplausos do CH. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado tem um pedido de esclarecimento. Para formular esse

pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Olga Silvestre, do Grupo Parlamentar do PSD. A Sr.ª Olga Silvestre (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os animais de companhia são

importantes na vida das pessoas e funcionam muitas vezes como terapia, quer física quer mental, ajudam no combate à solidão e proporcionam, até, mais qualidade de vida. As crianças que convivem com estes animais tornam-se mais afetivas, solidárias, sensíveis e responsáveis e compreendem melhor o ciclo da vida e da morte, segundo estudo científico.

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Agora, não se pode é confundir um animal com uma pessoa e, por sua vez, com a família. Obviamente que a sua perda pode causar sofrimento ou até infelicidade, mas não se pode comparar o incomparável. Animais não são pessoas.

O projeto em causa propõe que seja aprovado o regime de faltas justificadas ao trabalho por motivo de morte ou assistência a animal de companhia. Os animais, como refere o Código Civil, são seres vivos, dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica, em virtude da sua natureza. Na ausência de lei especial, são comparáveis subsidiariamente às coisas; ora, não são equiparados às pessoas.

A mesma lei refere que os animais podem ser objeto de direito de propriedade e, ainda, que o seu proprietário deve assegurar o seu bem-estar, tendo sido o PSD o criador da lei que criminaliza os maus-tratos a animais.

Nesta matéria, os avanços já foram significativos e ainda há caminho a percorrer, mas não podemos colocar em causa o princípio da estabilidade da lei laboral pelos motivos aduzidos pelo PAN.

Nunca é demais citar o Papa Francisco, que afirmou que os animais não podem substituir as crianças, incentivando ainda os políticos a tomarem medidas que ajudem a estimular a natalidade. Também afirmou que muitos animais de estimação já estão a substituir crianças nas casas de muitas famílias.

O projeto apresentado pelo PAN não resolve nenhum problema estrutural que afeta as pessoas e as famílias. O PSD concorda com o parecer da CGTP-IN (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses — Intersindical Nacional) no âmbito desta matéria que refere, e cito: «Face a muitos problemas ainda por solucionar no domínio da conciliação, é algo prematura a criação de um regime específico de faltas para a assistência a animais de companhia.»

E quanto às faltas justificadas por motivo de morte de um animal, entendemos que há que confrontar o regime proposto com o regime de faltas por motivo de falecimento de familiares chegados, como o de avós e irmãos, em que são apenas concedidos dois dias de faltas e o PAN propõe que seja concedido um dia de falta.

Ora, parece-nos manifestamente inoportuna a proposta do PAN. Podíamos enumerar várias razões, mas cingimo-nos àquelas que são centrais neste tempo e na vida das pessoas, tais como o combate à pobreza, o incentivo à natalidade, a erradicação das pessoas sem-abrigo, o incentivo à criação de habitação, o acesso a cuidados de saúde dignos.

Este é o verdadeiro tempo de apoiar as pessoas e as famílias; este é o ADN (ácido desoxirribonucleico) do PSD, é a sua missão. E a pergunta que se impõe é a seguinte: será que este projeto resolve algum problema maior que, verdadeiramente, afeta os portugueses?

Aplausos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo Sousa. Faça

favor. O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Olga Silvestre, apesar de não ter percebido

muito bem a pergunta,… Risos do Deputado do CH Bruno Nunes. … porque houve uma intervenção bastante longa antes de ser feita qualquer pergunta, é óbvio que, para o

Chega, o ser humano estará sempre em primeiro lugar. Mas isso não impede, obviamente, de tratarmos condignamente os nossos animais.

Relativamente às propostas apresentadas pelo PAN, consideramos que a primeira proposta, de cinco dias de falta devido ao falecimento de um animal, é obviamente exagerada e não tem qualquer sentido nem qualquer lógica. Mas, de toda a maneira, consideramos que devem ser feitas alterações à lei no sentido de defender os animais, especialmente quando são tratados com crueldade excessiva e sem qualquer sentido. E, nesse sentido, iremos continuar a defender esta posição.

Aplausos do CH.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real está a pedir a palavra para fazer uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, era para uma intervenção, no seguimento da

intervenção que foi feita, mas como se tratou de uma pergunta do PSD ao Chega terei de aguardar pela minha vez.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Como sabe, os pedidos de esclarecimento têm de ser requeridos durante

a intervenção do orador. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, do Grupo Parlamentar da

Iniciativa Liberal. Faça favor. O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutem-se hoje, por

iniciativa do PAN, um conjunto de diplomas relacionados com a proteção e bem-estar animais, e alguns vão ver nesta uma boa ocasião para reacender a discussão recente sobre uma suposta dicotomia entre humanismo e animalismo, este último entendido na aceção, que é errada do ponto de vista ontológico e filosófico, da existência de uma equivalência moral entre os direitos dos seres humanos e os direitos dos animais.

Não é neste plano que a Iniciativa Liberal se coloca nem é nesta discussão que nos queremos focar. Para nós, aliás, a discussão é simples e deveria ser curta, porque o ideal liberal é tributário das ideias humanistas do Iluminismo.

Por isso, é para nós claro que a proteção suprema da dignidade humana, a tal que está consagrada com destaque na nossa própria Constituição, implica necessariamente a penalização da inflição de tratamentos cruéis ou danosos a outros seres sensíveis. Como já viram, esta formulação abarca os seres humanos e os outros seres sensíveis, e, por isso é com naturalidade e com convicção que a Iniciativa Liberal encara favoravelmente — embora com reparos que, em sede de especialidade, poderemos tentar resolver — a generalidade dos diplomas que aqui hoje se discutem.

Gostava de me focar, concretamente, no Projeto de Resolução n.º 945/XV/2.ª, que prevê a assunção, por este Parlamento, de poderes extraordinários de revisão constitucional, e, a este propósito, tenho de dizer que esperava mais rigor e maior sentido de oportunidade por parte do proponente.

Numa exposição de motivos, aliás, de um modo geral bem fundamentada, o PAN argumenta que existe caráter imprescindível e inadiável nas suas pretensões. Não concordamos, e passo a explicar porquê. Em primeiro lugar, a matéria em causa ainda está a ser apreciada pelo Tribunal Constitucional.

Diversas secções do Tribunal já foram chamadas a pronunciar-se, por cinco vezes, em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade da aplicação da norma da Lei n.º 69/2014, a tal que criminaliza os maus-tratos a animais de companhia. As decisões foram desfavoráveis, invocando a ausência de tutela constitucional do bem-estar animal. E, como decorre da lei, o Ministério Público desencadeou, em janeiro deste ano, um processo destinado a declarar, agora, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral dessa mesma norma.

Este caso será já decidido, não por uma secção, mas pelo plenário do Tribunal Constitucional, cuja decisão não só não se espera para breve como é bem possível que não vá no mesmo sentido das decisões anteriores.

Em segundo lugar, não é possível abrir um processo de revisão extraordinária enquanto continua aberto, como é o caso, o processo de revisão ordinária, durante o qual, aliás, a Iniciativa Liberal já manifestou a sua posição favorável à consagração do bem-estar animal como um bem constitucionalmente tutelado.

E, finalmente, o proponente sabe bem que o horizonte de dissolução desta Assembleia da República, que é o próximo dia 15 de janeiro, torna ineficaz e desprovido de qualquer utilidade prática um processo de revisão extraordinária eventualmente aberto neste momento.

Estes três argumentos, Sr.ª Deputada, são, ou deveriam ser, do seu conhecimento. Pergunta-se, então, porque é que insistiu o PAN neste agendamento, cujo efeito prático sabe ser nulo, e ainda por cima não permitindo arrastamentos. A resposta, Sr.ª Deputada, só pode ser uma: trata-se de uma sinalização de virtude — algo, já de si, pouco digno e pouco merecedor do apreço da Iniciativa Liberal e que, ainda por cima, neste caso tem evidentes motivações extra por irmos a eleições legislativas daqui a três meses, a 10 de março.

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A Iniciativa Liberal já deu provas de ser pouco recetiva e nada permeável a sinalizações de virtude, a números mediáticos ou a manobras de pré-campanha eleitoral. Não vamos mudar agora só porque vamos ter eleições. Não vamos ceder às mesmas tentações de outros.

Connosco, pode contar para contribuirmos para a defesa da proteção do bem-estar animal. Não pode contar connosco para sinalizações, números ou manobras, venham elas ou não dos sítios do costume.

Aplausos da IL. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado tem dois pedidos de esclarecimento. Pergunto-lhe como

deseja responder. O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Em conjunto, Sr.ª Presidente. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito bem. Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Cação, do Grupo

Parlamentar do PSD. Faça favor. O Sr. Carlos Cação (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, todos sabemos que é pela combinação

de medidas que podemos evoluir no sentido de garantir melhores condições de bem-estar aos animais de companhia, combatendo o flagelo do abandono. Contudo, há propostas de medidas que são bem-intencionadas, mas que podem acarretar riscos e até um agravamento dos problemas que visam mitigar se não tiverem a devida ponderação e articulação institucional.

Parece-nos que é a situação do Projeto de Lei n.º 662/XV/1.ª, que pretende reconhecer a figura do animal comunitário e alargar a abrangência dos programas de esterilização para dar resposta ao problema dos animais errantes. Mas, em primeiro lugar, importa reconhecer que têm existido progressos na sociedade a este nível.

Os animais errantes ainda existem, o que permanece um problema em algumas áreas geográficas, mas estamos longe de outros tempos. Não devemos normalizar os animais errantes, ainda que lhe possamos chamar «cães comunitários» e queiramos ter uma visão até bucólica da realidade.

As soluções, a este nível, propostas pelo PAN até podem parecer benevolentes, mas na prática não são as melhores. Implicam custos e recursos que poderiam ser mais eficazes se investidos na prevenção ou no controlo destas populações.

Dizem no projeto de lei que esta solução tem vindo a ser implementada com grande êxito no Brasil, na Argentina, no Chile e no Equador, mas não referem países europeus como Portugal, onde a realidade social, urbana, demográfica e ambiental é distinta.

É importante também salientar o parecer emitido pela Associação Nacional de Municípios, que é desfavorável ao vosso diploma.

Há muito a fazer em termos da prevenção do abandono, da fiscalização, da penalização dos infratores, da sensibilização da melhoria das condições dos centros oficiais de recolha ou dos programas de adoção. Contudo, as respostas de política pública, e em especial as leis, têm de medir os custos e os benefícios daquilo que preveem, sob pena de serem contraproducentes. Ainda que todos compreendamos que há uma realidade distinta entre as áreas urbanas e as áreas rurais, onde os animais se movimentam de forma diferente, a verdade é que uma lei tem de ser aplicada a todo o território nacional.

A iniciativa do PAN é seguramente bem-intencionada. Há casos de pessoas que tratam caridosamente das necessidades básicas de alguns animais de rua, dando-lhes de comer, e podem até existir comunidades que o fazem, mas esta não é uma solução que normalizemos por via da lei.

Portanto, Sr. Deputado, para concluir, a Associação Nacional de Municípios emitiu um parecer desfavorável a este diploma. Pergunto-lhe se concorda com as críticas feitas nesse parecer.

Aplausos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular o outro pedido de esclarecimento, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. Faça favor.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, sabemos que

temos divergências ideológicas, mas sabe também que nutro o maior respeito pelo Sr. Deputado e, portanto, indo para o debate ideológico e na base das ideias, não posso deixar de lhe referir que, de facto, não compreendo o que foi dito dessa bancada. Porque não só o PAN já apresentou esta iniciativa, do processo de revisão extraordinária, há mais de dois meses, como também sabem bem o Sr. Deputado e a sua bancada que apresentámos uma outra iniciativa que foi boicotada em secretaria e que, na altura, recorremos inclusivamente dessa decisão porque entendemos que é, de facto, urgente em face da circunstância que temos atualmente. Mais de 1000 inquéritos — repito, 1000 inquéritos! — de maus-tratos contra animais de companhia foram arquivados, erradamente, pelo Ministério Público, mesmo não tendo sido declarada força obrigatória geral, neste caso com a declaração de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, o que não só é grave do ponto de vista jurídico, como também cria insegurança a todos aqueles que quotidianamente lutam para que os animais sejam protegidos.

Recordo que as associações de proteção animal têm neste momento a seu cargo milhares de animais apreendidos ao abrigo de processos-crime — nomeadamente o da Serra da Agrela, em que os animais viviam em condições absolutamente deploráveis; o dos animais do cavaleiro João Moura; o de animais de agressores, como este caso da cadela Pantufa — que, caso caia o regime da tutela penal, vão ter de ser devolvidos aos seus agressores, constituindo assim uma dupla violência. E nós não sabemos se o consenso que se reuniu no âmbito da discussão do processo ordinário será o consenso que vai existir na próxima Legislatura.

Por isso, Sr. Deputado, para o PAN, isto não é uma questão de populismo nem de oportunismo, é uma questão de oportunidade política de salvarmos aquilo que podemos salvar a este tempo. Porque, de facto, preferimos gastar o tempo que temos até ao final da Legislatura a garantir que não teremos um retrocesso de 10 anos e que as associações não vão ter de entregar os animais aos agressores, vendo impunes estes casos, do que dar efetivamente um passo atrás.

E mais, Sr. Deputado, já aqui vimos a Iniciativa Liberal trazer-nos simplexes para tudo, desde o simplex do bidé a tantas outras medidas, que confesso que foram caricatas e, honestamente, acompanho essa simplificação. No caso da simplificação do procedimento da revisão extraordinária, não só não prejudica uma revisão ordinária, como, querendo e havendo vontade política, é perfeitamente fazível, tendo em conta o consenso que se gerou, estipular-se um prazo para que todos possam apresentar as suas propostas e para que num mês esteja concluído o processo de revisão extraordinária.

Pergunto-lhe se não está disponível para simplificar e, de facto, garantirmos que a proteção animal saia a ganhar no final desta Legislatura.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo.

Faça favor. O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, serei rápido, porque a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz

irá responder a algumas das questões que foram indiretamente colocadas. Concretamente, Sr. Deputado Carlos Cação, cuja pergunta agradeço, sim, concordamos com a parte das

apreciações da Associação Nacional de Municípios, mas concordamos ainda mais com alguns dos propósitos do diploma que foi apresentado. Portanto, a nossa postura vai ser de viabilizá-lo, para tentar melhorar, em sede de especialidade, alguns dos aspetos que a própria Associação Nacional de Municípios menciona.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, também muito rapidamente, o respeito que nutrimos um pelo outro tem a ver, entre outras coisas, com concordarmos no diagnóstico. Há, de facto, muita coisa a fazer para a real proteção do bem-estar animal, mas, depois, divergimos naquilo que hoje me parece evidente e que é a impossibilidade prática de termos este processo concluído a tempo.

Foi por isso que mencionei que, nas últimas sessões plenárias desta Legislatura, insistir em iniciar um processo de revisão extraordinária que sabemos que, por muito que a Sr.ª Deputada queira, não poderá ter conclusão prática até 15 de janeiro é que achei que deveria questionar porque é que o trouxe.

No resto, estamos de acordo e havemos de ter certamente consenso, na próxima Legislatura também, para fazer o processo dessa forma.

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Relativamente ao Tribunal Constitucional, acho que ele vai acabar por ver acolhidas boa parte das posições que a nossa revisão constitucional queria fazer, mas teremos de esperar para ver.

Aplausos da IL. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do

Grupo Parlamentar do PCP. Faça favor. O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estão hoje em discussão quatro

iniciativas do PAN sobre matéria de proteção ambiental. A proteção do bem-estar animal, o respeito e a convivência harmoniosa entre os seres humanos e os

restantes animais da natureza, em especial no que se refere aos animais de companhia, são uma preocupação justa que requer uma mais determinada intervenção do Estado.

O PCP orgulha-se do seu património de intervenção nesta área. Desde logo, com a lei dos centros de recolha oficial de animais, da iniciativa do PCP, que representou um enorme avanço,…

O Sr. João Dias (PCP): — É verdade! É verdade! O Sr. Duarte Alves (PCP): — … consagrando o fim do abate indiscriminado de animais errantes. Mas, se essa lei foi um enorme avanço, a verdade é que continuam a faltar meios e não foi por falta de

iniciativa e de proposta do PCP. Ainda agora, no Orçamento do Estado para 2024, o PCP propôs o reforço de meios para o reconhecimento

de médicos veterinários municipais como autoridades sanitárias, bem como o reforço de verbas para os centros de recolha oficial e para as campanhas de esterilização.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso mesmo! O Sr. Duarte Alves (PCP): — Propúnhamos uma verba de 35 milhões de euros em vez dos 13 milhões de

euros que constavam da proposta e que assim ficaram na versão final, após a rejeição da proposta do PCP. No mesmo artigo do Orçamento, o PAN fez aprovar propostas que alargam os destinos dos programas, mas

mantêm as verbas na mesma. Ora, a mesma verba que já era escassa, a dividir por mais programas, significa menos dinheiro para cada um deles. Significa ainda manter a falsa expectativa, junto das populações, junto das autarquias, junto das associações de apoio aos animais, de que existirão apoios para determinados fins, quando, depois, as verbas são tão poucas e, a dividir por tantos programas, não sobra nada para quem está no terreno.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Claro! O Sr. Duarte Alves (PCP): — É caso para dizer: «Bonito serviço à causa animal!» Bonito serviço quando o

Orçamento do Estado para 2024 mantém verbas insignificantes. Veja-se o caso mais caricato da alínea d) do n.º 1 do artigo 127.º da proposta de lei do Orçamento, que define uma verba de 100 000 € — 100 000 €! — para apoiar todas as associações zoófilas do País com produtos veterinários. Ou quando se coloca uma verba de 2 milhões de euros destinada a comparticipar serviços veterinários, a criar hospitais veterinários públicos, a comparticipar a alimentação e ainda a criar um banco alimentar. Tudo isto com 2 milhões de euros! Ou, ainda, quando, com esta proposta, o PAN cortou quase 2 milhões de euros para o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) com o Programa Nacional de Adoção de Animais de Companhia e, depois, ainda alarga o âmbito desse mesmo programa.

A isso chama-se enganar as pessoas, enganar as associações,… O Sr. João Dias (PCP): — Isso mesmo!

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O Sr. Duarte Alves (PCP): — … porque as verbas do artigo 127.º não aumentaram nem 1 €, mas, ainda assim, o PAN, que marca este debate para procurar mostrar que dá centralidade a esta causa, abstém-se no Orçamento do Estado, a troco de zero, como aliás faz na Madeira, quando se junta ao PSD e até ao CDS-PP.

Sr.as e Srs. Deputados, este aspeto dos meios de Orçamento do Estado não está de maneira nenhuma desligado da análise às iniciativas hoje em apreço. Desde logo no que diz respeito à questão da criminalização e à proposta de assunção de poderes de revisão constitucional.

Quando esta matéria foi discutida em 2014, a petição que propunha esta e outras matérias referia importantes aspetos como a responsabilidade do Estado, das autarquias, perante a fiscalização e a garantia dos direitos dos animais. Afirmou na altura ao PCP, e cito, que «infelizmente, aqueles partidos que limitaram a possibilidade de as autarquias poderem contratar trabalhadores, que impõem cortes no financiamento das autarquias, cortaram meios do ICNF e da GNR (Guarda Nacional Republicana), e que, sistematicamente, degradam a capacidade do Estado de intervir do ponto de vista da prevenção e da fiscalização, são os mesmos partidos que, da proposta da Associação Animal, apenas retiram a parte mais simples, que é a da penalização.»

Reafirmamos hoje: a penalização — entendamo-la como o uso do poder coercivo do Estado para mandar pessoas para a cadeia — é o último recurso da intervenção para a proteção de bens jurídicos fundamentais consolidados. Não aceitamos que um Estado que em matéria de bem-estar animal, e devido a opções políticas, falha na prevenção e falha na fiscalização, queira substituir os seus falhanços através da criminalização, como se isso resolvesse os problemas.

O Sr. João Dias (PCP): — Isso mesmo! O Sr. Duarte Alves (PCP): — O equilíbrio e o pendor progressista do direito penal português é um bem a

preservar, é aliás uma das mais importantes batalhas do nosso tempo, verdadeira fronteira entre o progresso e o obscurantismo punitivo, a que se tem chamado populismo penal.

Criar novos tipos de crime, aumentar a moldura penal dos crimes já existentes não resolve os problemas, pelo contrário, como é sabido, são os países com maiores molduras penais aqueles em que ocorrem mais crimes.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É verdade! O Sr. Duarte Alves (PCP): — Da nossa parte, insistiremos que a solução progressista para os problemas

sérios, como os maus-tratos a animais, é mais investimento na prevenção, no controlo, na fiscalização e, em última análise, a resolução dos problemas sociais que lhe dão origem.

Em 2014, alertávamos ainda para a possível inconstitucionalidade da lei que se estava a aprovar. Veio a comprovar-se o acerto desse alerta e, porque não se quis ir para uma solução de bom senso, o resultado acabou por ser a impunidade para os maus-tratos a animais. Consideramos que há um caminho legislativo para retomar e, por isso, o PCP apresentou um projeto de lei para a criação de um regime sancionatório contraordenacional para os maus-tratos a animais. Esta é a solução imediata para acabar com a impunidade dos maus-tratos, sem violar a Constituição e sem insistir em fazer uma alteração ao Código Penal que, como a vida já demonstrou, é uma insistência inglória que não resolve problema nenhum.

Quanto a outras iniciativas em apreço, a sobrepopulação e os animais errantes são um problema real. O PCP tem vindo a alertar para a necessidade de uma alargada campanha nacional de esterilização de animais que permita controlar as populações de animais errantes e evitar o seu contínuo crescimento com a correspondente sobrecarga sobre as estruturas de recolha oficial de animais. Foi por isso que, por diversas vezes, o PCP propôs planos generalizados de esterilização, não só para animais errantes, mas também para animais com detentor e de forma gratuita. Estamos, portanto, de acordo com o projeto do PAN no que diz respeito à necessidade de alargar as campanhas de esterilização.

Mas, nesta mesma iniciativa, o PAN pretende ainda criar a figura do animal comunitário, incluindo também cães, e colocar novas obrigações às câmaras municipais e juntas de freguesia relativamente à sua alimentação e mesmo quanto à sua supervisão, ficando as autarquias como responsáveis pelos animais no seu registo, com tudo o que isso implica do ponto de vista de responsabilização. O que procurando resolver o problema dos cuidadores pode criar outros problemas e até mesmo desincentivar a CED (captura, esterilização e devolução).

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Quanto aos parques de matilhas, reconhecemos iniciativas, como é o caso de Sintra, que temos acompanhado de perto. O problema é que o País não é todo igual, nem todas as autarquias têm os mesmos meios que a autarquia de Sintra, por exemplo, nem todas as situações locais por esse País fora se comparecem com uma uniformização de procedimentos e de expectativas que são criadas com uma legislação que não é acompanhada dos recursos financeiros necessários.

Quanto à iniciativa que pretende instaurar um regime de faltas justificadas ao trabalho, para assistência ou por morte de animal de companhia, não a acompanharemos, porque, embora compreendamos os argumentos e o sofrimento de quem perde o seu animal de companhia, consideramos que o regime proposto, quando enquadrado no regime de faltas atualmente existente, por motivo de falecimento de familiares chegados, como é o caso de avós ou irmãos, em que são concedidos apenas dois dias de falta justificada, introduz-se um desequilíbrio que seria difícil de aceitar.

Acompanharemos, por outro lado, a iniciativa do PAN sobre coleiras de choque e estrangulamento, sendo eventualmente necessário trabalhar em sede de especialidade, concordando que a total desregulamentação do comércio de produtos que causam danos físicos aos animais é profundamente atentatória do bem-estar animal. Mas não deixaremos também de insistir que, para o cumprimento desta lei que esperamos que possa ser aprovada, é necessário o reforço dos meios de fiscalização e de prevenção e, para isso, é fundamental o reforço dos meios financeiros para que o Estado possa ter esse papel, também na fiscalização desta lei, que esperamos que possa ser aprovada.

Aplausos do PCP. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, a Mesa registou a inscrição, para um pedido de

esclarecimento, da Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. Faça favor, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, desde já, agradeço a intervenção do Sr. Deputado,

sendo que há, no entanto, uma divergência de visão entre o PAN e o PCP naquilo que diz respeito ao regime a aplicar aos maus-tratos.

Para o PCP, claramente, casos como o da Pantufa, que foi esventrada e deixada a morrer, bem como as suas crias, resolvem-se com uma mera coima aplicada ao seu detentor,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso é na Rua do Século que tem de tratar, não é no Tribunal Constitucional! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … cujo efeito dissuasor e preventivo bem sabemos que é

completamente distinto daquele que tem um código penal e até mesmo em termos de intervenção. O PAN não se esquece que, por exemplo, quando a DGAV (Direção-Geral de Alimentação e Veterinária)

deixou prescrever 500 processos por contraordenação, a consequência foi zero, e, no entanto, se os processos por crime não forem tramitados, existe uma consequência jurídica que é o crime de obstrução à justiça.

Portanto, certamente teremos muito mais confiança no sistema penal que intervém do que no sistema contraordenacional, pelo que não compreendemos a insistência do PCP em, de alguma forma, ter uma mão tão ligeira com estes crimes tão cruéis que são praticados contra seres completamente indefesos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não nos ouviram quando quisemos avançar! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mas, Sr. Deputado, pergunto-lhe se acha que é indiferente para as

associações terem passado a beneficiar do IVA zero para a doação de alimentos, quando, neste momento, o que mais escasseia e o que mais nos dizem é que faltam donativos, nomeadamente em alimentação para os animais.

Pergunto-lhe também se acha que é indiferente para as associações passarem a ter de pagar zero — o valor é zero! — de IVA a partir do dia 1 de janeiro de 2024, quando forem adquirir a ração para alimentação, ou quando mencionou a norma da proteção animal e as alterações. Sugeria que olhasse um pouco mais atentamente, porque os valores que mencionou são valores que o Governo tinha estipulado no Orçamento e o

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PAN, sim, mexeu na norma e alterou-a, porque não nos faz qualquer tipo de sentido termos uma norma ambígua que previa e esgotava toda a verba num programa que não existe e que não tem qualquer base ainda regulamentar, ao invés de canalizarmos esta verba para os apoios diretos às associações e aos cuidados dos animais. Por isso, pergunto-lhe, Sr. Deputado, se acha que tudo isto é indiferente para quem está no terreno e passa tantas dificuldades.

Por fim, quanto aos direitos dos trabalhadores, muito me espanta que não acompanhem o PAN no direito ao luto pela morte de um animal de companhia. O PAN acompanha o entendimento de que é manifestamente desproporcional que a perda de um irmão tenha apenas o direito a dois dias, mas não é menos justo que uma pessoa que perde um animal de companhia, que tantas vezes é a única companhia que tem dentro do seu lar, tenha de tirar um dia de férias, um dia do seu descanso, para poder faltar justificadamente ao trabalho. E há o caso das pessoas mais vulneráveis e fragilizadas do ponto de vista carencial, que são forçadas a ir trabalhar quando perdem muitas vezes um companheiro de uma vida. Pergunto-lhe se acha isto justo e como é que não acompanham o PAN numa medida da mais elementar justiça laboral, quer para as pessoas, quer para os animais. Caso contrário, entramos no contraditório: temos uma lei que criminaliza os maus-tratos e a ausência de prestação de cuidados médico-veterinários, mas, depois, não se pode faltar justificadamente para levar o animal ao veterinário. Não me parece muito coerente e esperamos que o PCP nos acompanhe e mude a sua posição em relação a esta iniciativa.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Demagogia mistificatória! A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves. O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, a verdade é que o PAN

também tem de ser confrontado com o resultado dessa obstinação, que teve em 2014, apesar dos alertas que fizeram: o resultado foi impunidade. Neste momento, o que existe é impunidade. Como foi considerada inconstitucional a lei que os senhores quiseram aprovar, o resultado objetivo é o de que, hoje, temos uma situação de impunidade…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Claro! O Sr. Duarte Alves (PCP): — … e por isso é necessário inverter essa situação e resolver esse problema. Aquilo que dizemos é que o direito penal não serve para alterar consciências. O direito penal é o último

recurso de um Estado… O Sr. Bruno Dias (PCP): — Devia saber isso! O Sr. Duarte Alves (PCP): — … e nós não aceitamos que um Estado que falha na parte da prevenção, que

falha na parte da fiscalização, depois só esteja lá no momento de punir. O Sr. Bruno Dias (PCP): — Tem obrigação de saber isso! O Sr. Duarte Alves (PCP): — Essa é uma visão de Estado que, de facto, não partilhamos, e não é só

relativamente a este aspeto, é em relação a um conjunto muito mais alargado de aspetos. Consideramos que esta é uma batalha muito importante para o futuro e para a defesa do direito democrático.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua. O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, concluo, apenas dizendo que é indisfarçável o embaraço do

PAN com aquela proposta de Orçamento em que acabou por se abster, porque a verdade é que a verba para a proteção animal ficou exatamente na mesma. Nem 1 € a mais houve para essa verba de proteção animal, ao contrário daquilo que propunha o PCP, que reforçava essa verba.

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O PAN não conseguiu nem 1 cêntimo para reforçar essas verbas e alargou os programas, tornando a manta ainda mais curta para os problemas que chegam,…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, tem de terminar. O Sr. Duarte Alves (PCP): — … iludindo, assim, as associações zoófilas que julgam ter ali um apoio, mas,

depois, veem que isso não chega ao terreno. Aplausos do PCP. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe

Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A marcação de eleições cria uma

dinâmica política própria e, regra geral, leva a que os partidos políticos, legitimamente, tentem vincar as diferenças face a outros partidos, mais do que vincar as ideias ou as propostas em que pode haver algum tipo de convergência.

Por isso, manda também alguma cautela política que temas que estão para lá de uma agenda puramente partidária — temas de sociedade, da forma como nos organizamos, de como valorizamos um conjunto de ideias, de valores, de emoções — não sejam objeto desse debate político, partidário e corriqueiro, que, muitas das vezes, serve apenas e só, quando isso acontece, para menosprezar e minorar o espaço de apoio que determinadas ideias poderiam ter, quer na sociedade quer no Parlamento.

Infelizmente, é isso que o PAN está a fazer com este debate. E eu parto logo, desde o início, às propostas. Nenhuma delas nos merece falta de apoio; pelo contrário, todas elas nos merecem apoio.

No entanto, o PAN não quis que outros partidos interviessem também neste debate. Porquê? Acha que tem as únicas soluções para a causa animal? Acha que a causa animal é propriedade do PAN?

Ora, a história sempre demonstrou que quem acha que tem propriedade de determinada causa está é a matar a causa e não a ajudar que ela faça maioria social, que ela faça a transformação social que é merecida.

É por isso que esse é o primeiro falhanço deste agendamento. É um agendamento que é partidário e não serve para garantir um avanço social que era necessário em temas que são fundamentais.

Faz sentido que não reconheçamos o peso emocional que é a perda de um animal de companhia, que, porventura, às vezes, é a única companhia durante dias a fio? Claro que todos nós, que temos algum pingo de humanidade, devemos reconhecer que este é um debate necessário, é profundo.

Faz sentido, por exemplo, que continuemos a aceitar que as coleiras de pico, as coleiras de choque, as coleiras estranguladoras, que já se provou serem nefastas para os animais e nefastas para o propósito para que dizem que elas foram criadas — que é para educar os animais —, prejudiquem essa integração e essa inclusão dos animais numa vida social plena? Faz sentido que não discutamos se elas devem ser proibidas? Faz sentido que as discutamos. Faz sentido até que as proibamos.

No entanto, quando transformamos isto não num debate essencial, mas na retórica parlamentar, no confronto para atirar a outros partidos, estamos a desvalorizar estes debates.

Faz sentido que discutamos a figura do animal comunitário, as políticas públicas para realizar em campanha de esterilização, as formas de garantir que o Estado cumpra a sua obrigação — como tantas vezes não está a cumprir, e não é só numa questão orçamental, é nas responsabilidades do Estado, das autarquias.

A esterilização de animais deveria ser uma responsabilidade pública, deveria haver uma preocupação com os animais errantes, que atualmente não existe, que está muito aquém do que a lei até prevê, e esse debate era fundamental, mas infelizmente é mau se o tivermos numa lógica de arremesso contra outras forças políticas, porque aí ficamos cada qual na sua quinta, cada qual a defender o seu partidozinho e, na prática, cada um de nós a atacar a causa, em vez de valorizar a causa animal. E esse é que é o problema deste debate, esse é que é o problema da forma como ele foi marcado.

Poderíamos estar aqui a discorrer com mais exemplos, mas até a própria argumentação da Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, quando usou a tauromaquia para atacar o Bloco de Esquerda, prova exatamente o exemplo de todo o argumento que estou a referir.

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O único grupo parlamentar que o PAN pode dizer que foi sempre seu aliado, em todas as medidas, com vista a proibir a tauromaquia, foi usado para ser atacado, em nome de quê? Em nome da campanha eleitoral.

É por isso que manda alguma cautela política que temas que são maiores que nós próprios e causas que são maiores que apenas um determinado partido sejam tratados com essa seriedade e que não fiquemos a cavar as trincheiras das diferenças, mas, sim, a construir as pontes, para resolvermos, de facto, os problemas.

Infelizmente, este não é o dia para isso, mas, quanto a isso, é o PAN que terá de assumir publicamente as suas responsabilidades.

Aplausos do BE. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado também tem um pedido de esclarecimento. Para o

formular, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, o Sr. Deputado mencionou aqui, mais

uma vez, por um lado, o posicionamento do PAN relativamente a opções políticas que respeitam a autonomia. Recordo que o PAN respeita a autonomia regional e que, efetivamente, não deixam de ser curiosas as palavras que ouvimos, ainda recentemente, a dizer que o PAN, no fundo, veio atacar o único aliado que tem na causa animal, quando o Bloco de Esquerda é que trouxe a terreiro, aqui, opções políticas que passam por respeitar a autonomia regional.

Por outro lado, pergunto-lhe — porque não esclareceu na sua intervenção — se o Bloco mudou a sua posição relativamente ao sentido de voto que teve no Orçamento. Eu gostaria que esclarecesse efetivamente, porque acredito que só possa ter sido um lapso, tendo em conta o histórico e a luta, nesta Casa, pela abolição da tauromaquia, porque é manifestamente incoerente esse sentido de voto e não queremos que efetivamente haja um retrocesso.

O retrocesso de que eu falava há pouco e o receio de que não venhamos a ter consensos políticos numa próxima legislatura não podem passar por passos como aqueles a que temos assistido em algumas intervenções, seja no domínio do Código Penal, num dia, seja no domínio da revisão constitucional, no outro, ou menos ainda em matérias tão fraturantes e em que já somos tão poucos, como é o caso da tauromaquia.

Portanto, sem qualquer tipo de partidarismos, pergunto-lhe — porque tem mais do que uma oportunidade para o esclarecer e o PAN não tem nada a beneficiar sequer em fazer esta pergunta — se, de facto, foi uma votação que não deveria ter ocorrido e se não é essa a posição do Bloco de Esquerda em relação à descida do IVA da tauromaquia.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares. O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa de Real, participei em

muitas manifestações contra as touradas. Aliás, o Sr. Deputado Pedro Pinto, que agora deve estar a tomar café, que não está aqui, acusa-me disso constantemente.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Mas estamos onde?! O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Tomar café?! Olha, olha! E onde está a Mariana Mortágua?! A Sr.ª Rita Matias (CH): — Está a ganhar o segundo salário?! O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Eu creio que, do ponto de vista da minha conduta pessoal e da conduta

do partido no combate à tauromaquia, não temos nenhum esclarecimento a dar. No que toca às votações sobre a tauromaquia, eu digo com todas as letras: o Bloco de Esquerda é contra a

tauromaquia,… O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Onde é que está a Mariana?

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A Sr.ª Rita Matias (CH): — A Mariana Mortágua?! O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … tudo fará para que a tauromaquia seja passado no nosso País e não

faça parte do futuro. E faremos tudo mesmo — disso podem ter a certeza —, é o compromisso que individualmente eu tenho, e

já tinha até antes de pertencer ao Bloco de Esquerda, e é o compromisso que coletivamente o Bloco de Esquerda tem.

E nunca duvidamos de quem são os nossos aliados nessa matéria. Não rejeitamos o papel que o PAN tem nessa matéria, e é por isso que estranho este cavar de trincheiras neste momento, sobre este ponto.

Houve uma questão que lhe fiz logo no início, que foi sobre o porquê de impedirem que outros partidos trouxessem também iniciativas a debate. E eu faço-lhe a pergunta, porque ainda tem tempo para responder: quando é que o Bloco de Esquerda alguma vez impediu o PAN, com uma única Deputada, de vir a debate para arrastar iniciativas com iniciativas do Bloco de Esquerda? Quando? É que aí se vê esta abertura para o debate daqueles que consideramos que podem acrescentar propostas ou este fechamento partidário, que, em período eleitoral, pode ser interessante, mas creio que, para a causa animal, acaba por prejudicar mais do que valorizar.

Aplausos do BE. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do

Livre. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — E a Mariana e o Soeiro, onde é que estão? Diz lá! A tomar café?

A fumar? O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste debate há a questão de fundo, há a

questão de método, há a questão da oportunidade política… A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Lá vem ele dar aulas! O Sr. Rui Tavares (L): — … e, depois, há outra questão, que é saber como é que vou falar disto tudo num

minuto só. Na questão de fundo estamos de acordo. Podemos optar por uma terminologia baseada nos direitos dos

animais ou, como fazemos no Livre, mais baseada na proteção e no bem-estar animal, uma vez que, do ponto de vista filosófico, os direitos dependem de uma reciprocidade, ao menos potencial, entre quem partilha esses mesmos direitos.

Mas essa não é a questão principal. A questão principal é que acompanharemos as medidas aqui apresentadas pelo PAN e que, passando elas à especialidade, procuraremos melhorá-las.

A questão de método tem a ver com o PAN não ter permitido — não foi o único partido, há outros partidos que, neste fim de Legislatura, fazem o mesmo — que os demais partidos representados na Assembleia da República trouxessem iniciativas a debate, nos agendamentos que fazem. É legítimo, mas é pena. Não é isso que o Livre fará no agendamento que terá, no próximo dia 19, porque isso, precisamente, empobrece o debate democrático.

Agora, a questão da oportunidade… O Sr. Filipe Melo (CH): — Agora é que vais começar a exposição do tema?! O Sr. Rui Tavares (L): — … tem a ver com o PAN desejar que esta Assembleia da República assuma

poderes constitucionais extraordinários por uma causa que compreendemos que é legítima e que até acompanhamos, mas veja-se isto: este Parlamento está numa situação de pré-dissolução. Neste momento, está com um processo de revisão constitucional em curso. Não é só ser materialmente possível ou «imprático» chegar ao fim.

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Vozes do CH: — Já acabou o tempo! A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado. O Sr. Rui Tavares (L): — Concluo, Sr.ª Presidente. Imagine-se que PS e PSD, que têm dois terços e podem mudar a Constituição, decidiam mudar a

Constituição em causas que achassem urgentes e legítimas a poucas semanas de uma eleição. Seria evidentemente antidemocrático.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Não ouviste a Presidente? Não respeita ninguém! O Sr. Rui Tavares (L): — Termino, embora seja difícil, porque durante o tempo todo houve interrupções e

algazarra, como de costume, da bancada do Chega. Protestos do CH. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço às Sr.as e aos Srs. Deputados que criem condições para que o

orador se faça ouvir e peço ao orador que conclua. Protestos do CH. O Sr. Rui Tavares (L): — Sim, uma frase final. Precisamente nas causas que mais amamos, mais obrigação

temos de respeitar os procedimentos devidos, democráticos e constitucionais. Querer que este Parlamento mude a Constituição à última da hora, antes de ser dissolvido, não é certamente sério.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Cunha, do

Grupo Parlamentar do PS. O Sr. Diogo Cunha (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate em torno da adoção de

medidas necessárias à proteção do bem-estar animal tem vindo a recolher cada vez mais consenso. É essencial promover a proteção animal de atos de crueldade, maus-tratos generalizados e abandono.

Portugal, o País em que os animais de companhia fazem parte de um grande número de agregados familiares, conta com mais de 4 milhões de animais de companhia registados. Urge, então, discutir abertamente este tema, promovendo um tratamento reforçado destas matérias, para que promovamos uma melhoria na qualidade das políticas públicas de bem-estar animal.

Portugal deve seguir também uma linha consentânea com as melhores práticas internacionais, mas também seguir mais além e ser precursor de políticas públicas que inspirem outras sociedades a seguirem o mesmo exemplo.

Em 25 de março de 2021, o Conselho de Ministros promoveu uma transferência de competências em matéria de bem-estar animal para o Ministério do Ambiente e Ação Climática, promovendo, de igual forma, uma resolução que aprovou o Programa Nacional para os Animais de Companhia.

Cientes daquele que tem sido o nosso trabalho nesta matéria, e porque entendemos a promoção do bem-estar animal como um desígnio da sociedade portuguesa, este projeto de lei do PAN merece a nossa atenção e discussão. Contudo, merece também uma reflexão mais abrangente.

Os métodos coercivos do treino animal são, desde há muito tempo, analisados e debatidos. O exemplo inglês permitiu estimular um debate generalizado sobre esta matéria, num desafio que se revelou extenso.

A partir de 1 de fevereiro de 2024, após uma campanha de 10 anos, a utilização das chamadas e-collars será banida no Reino Unido. Em França, foram banidas em janeiro de 2023 e, em Portugal, deverá também caminhar-se nesse sentido. Contudo, com um debate mais aprofundado.

É importante entender que os animais de companhia representam também, para muitos portugueses, um apoio essencial à sua vida, autoestima e mitigação do isolamento e solidão.

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Nesse âmbito, importa referir que não existe, em Portugal, legislação que regule o treino de animais nem o uso de ferramentas coercivas de treino, tal como as coleiras estranguladoras e de picos, que são usadas por treinadores, detentores, elementos de forças policiais e mesmo no treino de cães de terapia e assistência. Estes dispositivos podem, por isso, ser adquiridos em lojas físicas ou através de lojas online, sem qualquer controlo de venda, sem qualquer controlo sobre a respetiva utilização.

Os efeitos destas coleiras podem ser diversos e estão comprovados como potencialmente prejudiciais para os cães, tendo sido diversas as entidades internacionais oficiais que publicaram estudos científicos sobre o assunto, expondo os efeitos destas coleiras e desaconselhando fortemente a sua utilização.

A bibliografia e a investigação nas áreas do comportamento animal são claras: não há indícios de eficácia destes dispositivos no controlo do comportamento animal. Pelo contrário, as coleiras eletrónicas destinam-se a ser utilizadas como dispositivos de treino controlados remotamente, que podem também ter a forma de sistemas de cercas eletrónicas ou até dispositivos antilatidos.

As evidências recentemente publicadas confirmam, em vários graus, a pouca eficácia da supressão dos comportamentos indesejados. No entanto, também existem claras preocupações potenciais de bem-estar com a utilização destes dispositivos. São elas: a necessidade inerente de administrar estímulos elétricos ao animal, que, provavelmente, causarão vários graus de desconforto ou dor; e o potencial para o uso indevido ou abuso, podendo este último levar à administração de estimulação elétrica excessiva e/ou estímulos mal cronometrados, que poderiam causar sofrimento adicional a um animal se fosse incapaz de vincular os estímulos a um comportamento específico.

É claro, então, que, na esmagadora maioria das circunstâncias, as abordagens alternativas, suportadas no reforço positivo, evitam a necessidade de estímulos abusivos e severos e são tão ou mais eficazes do que as coleiras eletrónicas.

À luz do atual conhecimento científico, o uso destes materiais revela-se obsoleto e, em muitos casos, perigoso, embora a utilização destas coleiras seja ainda uma prática utilizada também em Portugal, com a justificação de minimização do risco de extravio do cão de caça ou dos cães detidos por forças policiais.

No entanto, o Partido Socialista sabe que em muitas atividades, como a caça e outras, utilizam-se dispositivos que podemos designar de coleiras que interagem com o animal de forma totalmente inofensiva, mas que utilizam um sinal sonoro ou vibratório para poderem ajudar a melhorar a relação entre o animal e o seu dono.

Aplausos do PS. Uma das questões que motivou mais debate no Reino Unido foi a discussão sobre se estas regras se

deveriam aplicar aos cães que integram os contingentes das Forças Armadas e policiais, tendo esta matéria sido debatida como matéria de defesa nacional. Todavia, o PAN nada refere sobre esta matéria.

Neste sentido, a bancada parlamentar do Partido Socialista não discorda do sentido geral do projeto do PAN, contudo, questionamo-nos sobre se o Projeto de Lei n.º 456/XV/1.ª constitui uma resposta necessária e robusta no âmbito desta matéria.

Entendemos que este projeto de lei não se apresenta com a clareza jurídica necessária, não promovendo um debate profundo e não contemplando, por exemplo, a correspondente contraordenação.

Face ao exposto e pelos fundamentos acima referidos, consideramos que o Projeto de Lei n.º 456/XV/1.ª não merecerá o voto favorável do Partido Socialista. Contudo, existe matéria para que seja objeto de uma proposta legislativa.

Aplausos do PS. Entretanto, reassumiu a presidência o Presidente, Augusto Santos Silva. O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem um pedido de esclarecimento. Para o formular, em nome da

bancada parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado João Marques.

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O Sr. João Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o PSD tem história, tem currículo, nestas matérias de defesa do bem-estar animal e dos seus direitos, e continuará a fazê-lo, distinguindo bem a dimensão e a natureza humana da animal.

Posto isto, centro-me, exclusivamente, no Projeto de Lei n.º 456/XV/1.ª, do PAN — aliás, são projetos de lei do PAN que estão, neste momento, em discussão e não de qualquer outro partido —, que prevê vedar a comercialização de coleiras de choque e de coleiras estranguladoras. Compreendemos as preocupações em causa, ainda que a iniciativa nos suscite algumas dúvidas, que trazemos para debate, esperando, naturalmente, que o Sr. Deputado Diogo Cunha nos acompanhe.

Existem, de facto, situações distintas quanto às coleiras de contenção. Não são todas iguais e, no caso das coleiras de choque, há, efetivamente, uma tendência para restringir a sua utilização e comercialização em vários países europeus, face aos riscos que acarretam.

A proliferação destes dispositivos eletrónicos e a sua utilização desregrada acarreta riscos crescentes para os animais de companhia, podendo provocar e proporcionar atos de crueldade injustificados, pelo que os Estados têm vindo a reagir através de restrições ao seu uso.

Estes dispositivos podem perfeitamente ser dispensáveis na nossa relação com os animais de companhia, e a sua utilização generalizada colide mesmo com a legislação que aprovámos de combate aos maus-tratos, pelo que devemos ser coerentes e vedar ou, pelo menos, controlar a sua utilização.

Aplausos do PSD. De acordo com muitos especialistas, treinar animais de companhia, especialmente cães, através da indução

sistemática de estímulos dolorosos por via de choques ou picadas, pode gerar impactos negativos no seu comportamento psicológico e fisiológico, sendo até contraproducente face aos efeitos pretendidos, defendendo que os treinos com base em técnicas de reforço positivo são muito mais eficazes.

Ora, sobre as chamadas coleiras de estrangulamento, existem casos muito dispares: há as que podem provocar danos graves aos animais, mas também há coleiras mais inofensivas, que apertam sem ferir, que são adotadas e usadas para garantir a segurança das pessoas.

De facto, fica no ar a interrogação sobre o procedimento relativamente a animais violentos, de grande porte, força e agressividade, cujos ataques repetidamente vemos na comunicação social. Estes atacam indiscriminada e aleatoriamente os seus donos, crianças ou meros transeuntes, pelo que pergunto: o que fazer, Sr. Deputado do PS e Sr.ª Deputada do PAN, nestas situações? As técnicas de reforço positivo são suficientes? Ou, nestes casos, as coleiras de contenção, sem picos e sem choques elétricos, justificam-se face à indubitável superioridade do valor da saúde e integridade física das pessoas, dos humanos?

Sr.as e Srs. Deputados, banir estas coleiras sem a devida ponderação pode, eventualmente, ser contraproducente.

Ora, havendo uma grande diversidade de situações, faria sentido uma adequada consideração e análise de todos os fatores, acautelando, de modo a podermos evoluir, o bem-estar animal, mas também a segurança das pessoas.

Apesar do tempo escasso nesta sessão legislativa, entendemos que este processo ainda pode beneficiar de uma reflexão na especialidade, recebendo alguns contributos de entidades que nos permitam melhorar o projeto de lei e suprir as lacunas legais que possam existir.

O Sr. Deputado comunga dessas preocupações? Concorda com esta metodologia? Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Cunha. O Sr. Diogo Cunha (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Marques, ao longo

do seu pedido de esclarecimento estive à espera de uma pergunta,… O Sr. João Marques (PSD): — Fiz meia dúzia delas!

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O Sr. Diogo Cunha (PS): — … mas acho que foi mais uma intervenção do que uma pergunta. Quero dizer-lhe que a sua pergunta foi ao encontro da minha intervenção e que partilhamos as preocupações

relativamente às coleiras de choque. Em relação às coleiras de contenção, elas devem ser limitadas, pois elas devem ser compatíveis com o bem-

estar e dignidade dos animais. Relativamente à nossa posição sobre este projeto de lei, esperemos que, na especialidade, se possa

aperfeiçoar esta redação. Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o

Sr. Deputado Pedro Frazão. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Ex.mo Sr. Presidente de só alguns Deputados e por pouco tempo,… Vozes do PS: — Oh…! O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — … Ex.mos Srs. Deputados: Uma sociedade que não sabe cuidar

dos seus animais é uma sociedade que também não sabe cuidar dos seus cidadãos. Protestos do PS. Não nos podemos esquecer que um animal não é uma pessoa e, como médico veterinário, afirmo que quem

coloca ao mesmo nível de dignidade, a pessoa e o animal… Protestos do PS. O Sr. Presidente: — Peço silêncio aos Srs. Deputados. Não é preciso responder à má educação com outra

má educação. Aplausos do PS. O Sr. Deputado pode prosseguir. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr. Presidente, o próprio Sr. Presidente tem declarações públicas

dizendo que era uma nódoa no seu currículo ser reconhecido como Presidente por esta bancada, por isso nós insistimos nesta denominação de «Sr. Presidente de algumas bancadas».

Não nos podemos esquecer de que um animal não é uma pessoa e, como médico veterinário, afirmo que quem coloca ao mesmo nível de dignidade a pessoa e o animal comete uma violência tanto para com o animal como para com a pessoa.

Há uma ordem natural e, quando essa ordem natural é trocada e invertida, todos ficamos a perder enquanto sociedade. Mas também ninguém pode esperar que um Estado e que partidos que não respeitam as pessoas e que as querem matar por eutanásia, nomeadamente as mais vulneráveis e as mais doentes, respeitem os animais.

Ninguém aqui, entre estes 230 Deputados, gosta mais de animais do que eu,… Risos de Deputados do PS e do PCP. … por isso, decidi ser médico veterinário e, durante anos, dediquei a minha vida académica e profissional a

cuidar de animais, na investigação, na prevenção, no tratamento e, por isso, não aceito lições de nenhum animalista aqui sentado.

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Srs. Deputados, os animais não são pessoas, mas são nossos amigos, e, infelizmente, há alguns que ainda os tratam sem respeito e sem compaixão. Infelizmente, também para os animais, há alguns que se dizem muito seus amigos e até rasgam as vestes e fazem juras de amor, mas são os mesmos responsáveis pela perpetuação dos maus-tratos e do mal-estar animal sistémico.

É que, em nome dos animais e da natureza, viabilizam Orçamentos e suportam Governos em troca de benefícios que chegam a quase todos, mas nunca chegam aos animais que mais precisam.

Tem sido assim nos últimos oito anos. Felizmente, os tempos mudaram e, no próximo 10 de março, o povo vai votar e vai colocar o Chega no Governo de Portugal.

Vozes do PS: — Oh…! O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Os inimigos dos animais nesta Assembleia são os mesmos inimigos

dos portugueses comuns. Ocupam as bancadas do PS, do Bloco de Esquerda, do PAN e do Livre. Digo isto porque de nada vale propor e aprovar a vossa legislação, que tenta proteger os animais, se depois não criam as condições para a sua aplicação.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Srs. Deputados, aproveitem a dissolução da Assembleia da

República e, entre janeiro e março, saiam do Palácio de São Bento e percorram o País real. Vão visitar as associações, vão visitar os municípios e vejam aquilo que se passa no terreno: vejam a falta de médicos veterinários na DGAV e nos municípios; vejam a falta de meios que os polícias e o Ministério Público têm para fazer cumprir a legislação; vejam a falta de técnicos e de tratadores; vejam como criaram a Provedoria do Animal, mas, depois, não lhe deram meios para proceder e desenvolver a sua missão.

É uma autêntica vergonha, Srs. Deputados. Todos os dias, 120 cães e gatos são abandonados. São mais de 40 000 por ano. Aumentam todos os anos, tal como aumenta a pobreza neste País desgovernado.

Aplausos do CH. Os portugueses sabem bem que o socialismo é o seu inimigo e que as suas muletas os querem diminuir.

São o pior inimigo dos portugueses, das pessoas e são também o pior inimigo dos animais. Aplausos do CH. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Patrícia Gilvaz. A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O mundo contemporâneo tem sofrido

uma evolução do ponto de vista da consagração de direitos, e não só no que se refere às pessoas. Os animais também têm assumido a preocupação das novas gerações, que tratam os seus animais de

estimação com cuidados acrescidos e como mais um membro de família. São já vários os estudos que comprovam os benefícios dos animais de estimação na vida das pessoas,

nomeadamente a nível da saúde mental. A Iniciativa Liberal acompanha estas preocupações e reconhece a importância que os animais de estimação

assumem no dia a dia dos portugueses, pelo que não pode deixar de vincar que os maus-tratos e a crueldade intencional e gratuita para com os animais não é admissível num país como Portugal, signatário da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, desde 1987.

Na convenção prevê-se que «ninguém deve inutilmente causar dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia» e acrescenta também que «ninguém deve abandonar um animal de companhia». A noção de responsabilidade em relação ao tratamento dos animais não é nova. A noção de responsabilidade acrescida das pessoas que decidem ter a seu cargo animais de companhia também não o é.

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Uma vida animal não é uma vida humana, mas é, em todo o caso, uma vida; uma vida a cargo e ao cuidado de uma pessoa responsável. Por outro lado, é verdade que a reprodução de animais sem qualquer controlo pode rapidamente tornar-se um problema de saúde pública e de grande contribuição para o aumento de animais errantes.

Porém, Sr.as e Srs. Deputados, não devemos misturar temas. A proposta do PAN versa, e bem, sobre a necessidade de existir uma campanha de esterilização, mas cria também obrigações e figuras jurídicas com as quais não podemos concordar, como a do cão e do gato comunitário.

Não iremos inviabilizar a iniciativa do PAN sobre os animais errantes, pois parece-nos que esta é uma questão relativa ao bem-estar dos próprios e, simultaneamente, uma questão de saúde pública, mas lamentamos que, mais uma vez, se misturem temas distintos num único projeto de lei.

Lamentamos também que não se façam propostas sem a devida atenção à proporcionalidade das medidas e, neste caso, referimo-nos ao projeto que cria um regime de faltas justificadas para a assistência ao animal de companhia ou em caso de sua morte. Isto quer dizer que, apesar de reconhecermos e defendermos a importância de existirem direitos dos animais e direitos associados aos animais, não compreendemos projetos que não tenham por base um critério de proporcionalidade.

Desde logo, este regime de faltas justificadas aplica-se a todos os animais de companhia ou apenas àqueles que estão registados? A todos os animais ou só aos que têm chip? Existirá ou não um limite do número de dias de faltas justificadas por ano?

Sabemos que os animais de companhia são considerados por várias pessoas como membros da sua família, compreendemos também que o luto de um animal de companhia pode ser pesado e devastador para quem o sente — eu tenho um cão, o Nico, e não quero pensar nesse dia! —, mas, para que o regime de faltas por morte ou assistência de um animal de companhia seja impermeável a abusos, têm de se prever determinados critérios.

O PAN não faz uma análise das consequências da proposta, a nível de custos, a nível da possibilidade de abusos, não prevê um teto para o número de faltas que se possa dar. Deve também ser demonstrado um laço emocional efetivo com o animal, que depende também da espécie e das suas características.

Sr.as e Srs. Deputados, do nosso ponto de vista, a nossa sociedade deve ter estas preocupações, mas o PAN é useiro e vezeiro em apresentar iniciativas cujos títulos e conteúdos apontam para um determinado sentido, mas que não são devidamente aprofundadas para que saibamos qual é o impacto concreto que essas medidas vão ter na nossa sociedade.

Uma vez mais, Sr.ª Deputada, é o «PANpulismo» a que nos habituou. Aplausos da IL. O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada tem um pedido de esclarecimento. Para formulá-lo, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, com todo o respeito, tenho de lhe

perguntar se leu a iniciativa ou se apenas leu a preparação desta intervenção. É que na iniciativa diz, de forma clara, no n.º 1 do artigo 252.º-A, que só é considerada, para efeitos de faltas, a morte de animal de companhia que se encontre registado no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC).

Animais de companhia no SIAC são o cão e o gato, e não outras espécies, sendo que a própria lei tem um limite de animais que pode ser detido, o que responde também às suas perguntas, nomeadamente sobre proporcionalidade.

A iniciativa também prevê que o trabalhador tenha direito apenas à falta de um dia, mais uma vez, em relação aos animais registados no SIAC, e que tem de juntar um comprovativo da entidade competente, como é o caso do médico veterinário que prestou assistência ao animal.

Portanto, só tenho uma pergunta para lhe fazer: a Sr.ª Deputada leu? O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Leu! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — É que aquilo que fez ou foi um ato de demagogia pura ou então não

leu a iniciativa.

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O Sr. Presidente: — Como a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz não tem tempo para responder, passamos à

intervenção da Sr.ª Deputada Bárbara Dias, em nome do Grupo Parlamentar do PS. Agradeço aos Srs. Deputados que queiram estar na Sala do Plenário o favor de se sentarem. Os

Srs. Deputados que quiserem assistir aos trabalhos no Plenário devem fazê-lo sentados. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — São uns mal-educados! O Sr. Presidente: — E agradeço silêncio para a oradora poder ser ouvida. Faça favor, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Bárbara Dias (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há um ano, adotei o Belchior. Partilho

este facto pessoal, pois o meu gato é um produto do projeto CED — Captura, Esterilização e Devolução à Comunidade. Bem, no caso do Belchior, foi captura, esterilização e adoção.

Srs. Deputados, tal como os seus tutores, o meu gato é socialista. Aplausos do PS. Risos do CH. Felizmente, o Belchior foi capturado por pessoas que entenderam que as suas características

comportamentais não se adaptavam a uma vida em colónia e decidiram fazer um apelo para a sua adoção responsável. Mas quantos gatos não têm esta sorte? E porque é que os cães ainda não estão integrados neste programa? Aliás, a partir de 1 de janeiro de 2024, estarão, graças a uma proposta de alteração do Partido Socialista ao Orçamento do Estado para 2024.

Aplausos do PS. Quantos animais não têm a sorte de se cruzarem com pessoas que veem no bem-estar animal uma causa a

defender? A estas pessoas devemos agradecer todo o trabalho meritório e abnegado em prol da proteção animal e do

combate ao abandono animal. Este trabalho é, por excelência, em rede. A estas pessoas, às associações de defesa e proteção animal, às câmaras municipais e juntas de freguesia, o nosso maior obrigado, porque são eles, que estão no terreno e conhecem a realidade, os nossos maiores parceiros nesta causa.

Aplausos do PS. Nós, o Partido Socialista, temos muitos autarcas eleitos nas câmaras municipais e nas juntas de freguesia,

portanto, sim, conhecemos a realidade deste País, e por isso é que fazemos propostas que beneficiam a causa animal. Nem todos os animais se integram devidamente em habitações ou espaços confinados; também existem animais que se adaptam à vida de rua.

É comum haver instituições, associações, grupos de moradores que adotam informalmente animais, quer sejam gatos ou cães, e que os acarinham como um membro daquela organização. Aliás, o Tobias e o Jeremias,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — São socialistas?! A Sr.ª Bárbara Dias (PS): — … os mais famosos gatos parlamentares, são os casos mais próximos que

conhecemos. Questiona-se mesmo como é que estarão registados. Está mais que estudada a influência positiva que os animais de companhia têm junto das famílias, dos

trabalhadores ou mesmo das pessoas com doenças de foro mental. Os animais são cada vez mais vistos como

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membros da família. Sobre esta temática, há que recordar o caminho que o Governo socialista tem percorrido, no sentido de promover o bem-estar animal e de combater o abandono e fenómenos dos animais errantes.

Desde logo, o Orçamento do Estado para 2024 tem como prioridade a execução do Programa Nacional de Adoção de Animais de Companhia e da Estratégia Nacional para os Animais Errantes. Esta estratégia nasce da necessidade de reforçar o trabalho realizado no combate ao abandono animal e define um novo modelo assente numa verdadeira rede nacional de respostas políticas e organizacionais às problemáticas que se sentem a nível nacional, como por exemplo o abandono de animais de companhia e o aumento de animais errantes.

Em 2024, prosseguem vários apoios, nomeadamente o apoio aos centros de recolha oficial (CRO), e às associações zoófilas no processo de esterilização de animais, no âmbito de uma campanha nacional de esterilização. Continua o apoio para a construção e modernização dos centros de recolha oficial e das instalações das associações zoófilas e aos serviços veterinários a animais nos centros de recolha oficial, em famílias carenciadas, associações zoófilas ou que integrem colónias registadas nos programas de captura, esterilização e devolução; está prevista a comparticipação na prestação de serviços veterinários de assistência a animais de companhia tidos por famílias carenciadas, representando uma consolidação da rede de serviços públicos veterinários; bem como a comparticipação nas despesas das associações zoófilas com a aquisição de produtos do uso veterinário.

Prossegue o apoio à identificação eletrónica e registo de animais de companhia. Quanto a esta medida, realça-se o investimento na divulgação do Sistema de Informação de Animais de Companhia, que tem resultado num aumento expressivo no registo de cães, gatos e furões, estando prevista uma campanha de sensibilização, a lançar em 2024, com o objetivo de alertar para a identificação de animais de companhia e também para a responsabilidade em não os abandonar.

Caros Deputados, o controlo das populações não se pode limitar à obrigação de colocar os animais em ambientes completamente inóspitos que, na maior parte das vezes, causam uma maior frustração aos animais. Muito menos a resposta pode ser o abate dos animais por falta de espaço ou de boxes. A esterilização é, sem dúvida, uma boa resposta, no entanto, existem outras que promovem inclusivamente o seu bem-estar e dignidade.

Pelo exposto, acompanhamos o diploma que reconhece a figura do animal comunitário e promove a realização de uma campanha extraordinária de esterilização de animais errantes, por considerarmos que, enquanto legisladores, temos de ter a criatividade de inspirar as nossas políticas em outros bons exemplos por este mundo fora, que complementam as suas estratégias com outras medidas eficientes de combate ao abandono animal, como é exemplo a figura do animal comunitário.

Efetivamente, trabalhamos para que, no futuro próximo, não haja urgência ou necessidade de implementação destas respostas e para que os nossos animais tenham dignidade, porque, no final do dia, é isto que está em causa: dignidade.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Rita Matias. A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr. Presidente de algumas bancadas, Srs. Deputados: Laurentina Pedroso e

Miguel Ângelo Carmo trouxeram a público este ano dados assustadores sobre violência contra crianças, violência doméstica e violência contra animais. Ao contrário do que podemos pensar e do que fomos debatendo nesta Casa, ao longo desta Legislatura, e neste debate em concreto, na maioria dos casos estes atentados não acontecem de forma isolada.

A verdade é que em 90 % dos casos de crianças sinalizadas por queixas de abuso ou negligência existiam também indicadores de maus-tratos aos seus animais. Estes ciclos de violência são contagiantes.

No que toca à violência doméstica, 35 % das vítimas que viram os seus animais serem maltratados em frente às suas crianças, viram os seus filhos começarem a replicar o comportamento dos agressores; 70 % das pessoas que foram acusadas de crimes de maus-tratos e violência contra animais já estavam referenciadas e sinalizadas por crimes de maus-tratos e violência contra pessoas e alguns até homicídios.

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! A Sr.ª Rita Matias (CH): — Falamos de uma forma muito perversa de violência, desde logo, pela violência

em si mesma contra o animal, mas também pela violência psicológica que pode ser exercida sobre as vítimas quando veem o seu animal sofrer e o mesmo é utilizado para as atingir. Isto exige respostas concertadas.

É inconcebível que, no século XXI, serviços médicos veterinários, por exemplo, não contactem com serviços sociais e não comuniquem entre si e sinalizem estes casos que podem ser comuns.

Aplausos do CH. Quantas crianças e quantas mulheres podiam ser salvas da sua situação de violência se os maus-tratos ao

seu animal tivessem sido identificados num sistema comum? Quantos animais têm ficado para trás quando uma vítima foge do seu agressor? Quantas vítimas não sabem o que fazer ao seu animal e por isso permanecem junto do seu agressor?

Desde 2022, o Chega pede nesta Casa que as casas de abrigo estejam preparadas para receber animais. A nossa proposta primeiro foi chumbada, depois, copiada e ainda hoje carece de uma implementação em todo o território nacional. Quanto tempo é que temos perdido no apoio e nas respostas às vítimas enquanto tentam traçar linhas vermelhas ao partido Chega?

O combate à violência tem de ser, de facto, em todas as formas. Todas as vítimas humanas ou animais devem ser protegidas. E, neste combate, quem prefere olhar aos partidos em vez de proteger as vítimas não dignifica Portugal, não dignifica os portugueses e não merece estar aqui sentado.

Aplausos do CH. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem agora a palavra

a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira. A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos num debate que vai longo

— e grande parte dele perdido, se me permitem a expressão —, a falar sobre agendas dos direitos dos animais, mas cada um vendendo aquela que é a sua posição. Parece que nos esquecemos do que devia ser o verdadeiro desiderato deste debate, e é isso que pretendo fazer durante esta intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PSD.

É importante que centralizemos o que, realmente, nos devia congregar, hoje e ao longo dos tempos, que é o bem-estar animal e os direitos de proteção dos animais.

Protestos do PS. O PSD, nessa matéria — ao contrário do que se tentou dizer durante este debate —, sempre esteve na linha

da frente na proteção e salvaguarda dos direitos dos animais e fê-lo aos mais diversos níveis, mas sem populismo, sem demagogia e sem esquecer o respeito por todos os modos de vida que existem em Portugal.

Para nós, sempre foi muito clara a divisão entre animais de companhia, que têm de ter uma tutela especial; e animais de produção, para a qual, ao contrário do que se tenta vender aqui muitas vezes, já existe legislação abundantíssima, nomeadamente da União Europeia, sobre boas práticas no maneio dos animais — e que, portanto, têm de ter um regime.

Ao mesmo tempo, para nós é fundamental salvaguardar as tradições e o mundo rural, nomeadamente a atividade venatória, a caça, e salvaguardar também as nossas atividades tradicionais, como é o caso da tourada, da Vaca das Cordas, de Ponte de Lima — que me é tão querida —, e de todas estas atividades que fazem a nossa portugalidade.

Aplausos do PSD.

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Não vimos a este debate hoje para agradar, a uns ou a outros, com esta demagogia e populismo de «os animais acima de tudo» ou «nós é que somos os grandes protetores». Sabem porquê, Sr.as e Srs. Deputados — e também para os portugueses? Porque para nós, animais são todos, independentemente do seu uso e da sua função na sociedade. Não confundimos pessoas com animais: pessoas são pessoas, animais são animais.

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Muito bem! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Cada animal tem o seu escopo, a sua finalidade, e uma delas é para a

alimentação humana. Temos sempre de pensar nisso. Não podemos falar em fome e, ao mesmo tempo, não proteger a alimentação humana. Para nós isso é importante.

Por outro lado, há aqueles animais que também fazem parte do próprio controlo de espécies. Basta pensarmos no javali: tanta proteção ao javali e hoje é uma verdadeira praga. Para nós é fundamental que se faça o controlo cinegético dessa espécie.

Esta é uma visão global que temos do território e do lugar dos animais nesse território. Parece-me que é importante que não corramos à procura de uma revisão constitucional, que sabemos que é impossível, para ver quem é que proíbe mais, quem limita mais, quem dá mais direitos aos animais.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, quando houve a primeira declaração de inconstitucionalidade em Portugal, estava aqui a Sr.ª Deputada a defender o aumento das penas para a criminalização dos maus-tratos a animais e eu, deste mesmo sítio, disse-lhe: «Sr.ª Deputada, preocupe-se não em apertar cada vez mais a malha, mas sim com a questão da constitucionalidade.»

Protestos do Deputado do CH Filipe Melo. Não se preocupou, preocupou-se hoje, quando sabe que estamos a 15 dias do fim da Legislatura. Essa devia

ter sido a preocupação central e não foi — e isto vale para todos. No PSD não corremos à procura do primeiro foco, em período pré-eleitoral. Um partido responsável protege

tudo e todos, de acordo com a sua função, e a cada momento, não só quando dá mais jeito. Esta é uma nota que me parece fundamental.

Também não posso deixar que este debate acabe sem que fique bem claro: se hoje há uma lei de criminalização dos maus-tratos a animais, foi porque, em 2014, o PSD a aprovou, porque tinha uma maioria absoluta nesta Câmara. Se não fôssemos nós, ela não existiria.

Aplausos do PSD. Ouvir, hoje, vários grupos parlamentares falarem da data a partir de 2016, como se não houvesse um longo

caminho percorrido até aí, foi, no mínimo, uma demonstração de má-fé ou de puro desconhecimento. Escolham, porque para nós é claro quem fez o quê a cada momento.

A verdade é que, em todas as propostas, em todas as soluções equilibradas de bem-estar animal e do que é fundamental para os portugueses — tratar bem os seus animais —, o PSD sempre esteve na linha da frente, presente, a acompanhar com propostas, mas sempre, sempre, sempre tendo em vista o equilíbrio na legislação e não a ver quem corre mais depressa para o holofote, porque esse não é o interesse nem de Portugal, nem dos portugueses, e nem sequer dos animais.

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada tem um pedido de esclarecimento, mas não tem tempo para responder.

Pergunto à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real se mantém o pedido de esclarecimento. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem a palavra.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente… O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço desculpa pela interrupção. Corrijo: houve uma transferência de tempo do PS para o PSD, portanto, a Sr.ª Deputada terá 1 minuto para

responder. Vozes do CH: — Ah!… O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN, para um pedido

de esclarecimento. O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Isso é que é generosidade! O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Estão a estudar a aliança! A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Arrependem-se! Protestos do Deputado do PS Miguel Matos. O Sr. Presidente: — Peço silêncio, por favor. Sr.ª Deputada, faça favor. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, não posso deixar de

lhe colocar esta questão. Ao longo deste debate, não nos espanta que haja aqui forças políticas que venham com a narrativa de

estarmos a querer comparar os direitos dos animais aos direitos humanos, como se isso fosse alguma menorização. Tendo em conta a base formativa, espanta-nos que, de alguma forma, haja aqui um claro desconhecimento da Declaração de Cambridge sobre a Consciência, que reconhece que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade, pelo que deveria prevalecer uma narrativa que reconhecesse efetivamente a sua capacidade de sofrimento e, assim, pôr em causa, até, atividades como a tauromaquia.

Espanta-nos a intervenção do PSD nesta matéria, que não só vem invocar matérias completamente laterais, que não estão aqui em debate hoje, como vem considerar animais, como os javalis, como pragas quando a nossa lei, nomeadamente o Código Civil, reconhece todos os animais como seres vivos dotados de sensibilidade. O debate que deve ser feito é o do ressarcimento dos danos causados, de como é que podemos controlar, de forma ética e humanitária, as populações, sem termos necessariamente de estar a estigmatizar os animais.

Mas, em relação ao que a Sr.ª Deputada veio defender, da tourada à corda,… O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não é tourada à corda, aprende! É Vaca das Cordas! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … é bom que os portugueses saiam deste debate a saber de que lado

é que se posiciona cada um dos partidos. O PSD, que tantas vezes aqui evocou António Maria Pereira, que na sua lei de proteção aos animais protegia

todos os animais e não apenas alguns — não protegia apenas os animais de companhia —, ainda não deixou claro de que lado se vai posicionar numa próxima legislatura — tendo em conta que já aqui asseverou que não vai acompanhar o PAN no projeto de revisão extraordinária para garantir a proteção animal. De facto, tem sido muito ambíguo, não veio a jogo com uma proposta própria para a revisão constitucional, também não tem sido claro quanto às suas opções políticas para uma futura legislatura, e lá fora as associações de proteção animal e as famílias que têm animais a seu cargo — e que, tantas vezes, por contexto de violência doméstica, ficam vulneráveis ou até veem os animais serem utilizados como uma arma de arremesso, de agressão e de maus-tratos — não sabem qual é a vossa posição.

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Era importante que o PSD clarificasse onde é que se vai posicionar na próxima legislatura e se, efetivamente, vai estar ao lado de uma revisão constitucional que proteja todos os animais,…

Protestos do PS. … ou se vai estar ao lado dos lobbies e interesses que até aqui têm grassado e têm tido o seu statu quo

sentado nesta Assembleia da República, como é o caso dos lobbies da caça ou da tauromaquia,… Protestos do PS. O Sr. Pedro Pinto (CH): — Respondam aí atrás! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … e que têm procurado impedir o progresso civilizacional do nosso

País e a proteção efetiva dos animais. Protestos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão. Portanto, com que PSD é que os portugueses vão contar? Neste momento, o Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão acenou com um lenço branco. Com o vosso discurso, para o PAN, isso está claro, mas se calhar importava que lá fora fosse efetivamente

clarificado, porque maltratar um animal… O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Pedro Frazão, é capaz de se comportar na Assembleia da República e

respeitar os seus colegas, em particular a sua colega Inês de Sousa Real? Aplausos do PS e do Deputado do BE José Moura Soeiro.Protestos do CH. É que há limites que não podem ser ultrapassados. Sr.ª Deputada, faça o favor de concluir. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Perfilhamos os dois da mesma doutrina: há coisas que no currículo partilhamos e, de facto, há uma linha que

nos separa de certas forças antidemocráticas e populistas e, portanto, mais vale ignorar e passarmos à frente neste debate.

Por isso, Sr.ª Deputada, o PAN gostaria de saber onde é que o PSD se vai posicionar,… A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Não faças isso! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … se vai honrar o legado de António Maria Pereira ou se vai, mais uma

vez, e lamentavelmente, aproximar-se da extrema-direita e, de alguma forma, retroceder num caminho que deveria, a este tempo, ser mais do que consensual e unânime nesta Casa comum.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira. A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, obrigada pela pergunta. Pensei que tinha sido bastante clara durante a minha intervenção, mas como não fui, agradeço-lhe a

oportunidade de esclarecer mais uma vez. O PSD vai estar onde sempre esteve.

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — E sempre esteve na proteção dos animais e na defesa dos diversos usos

dos animais e das nossas diversas tradições. Sr.ª Deputada, ouvi-la falar aqui da praga dos javalis como devendo ter uma abordagem humanizada, é

mesmo de quem nunca conheceu ou visitou o mundo rural, porque se lá tivesse estado não diria uma coisa destas.

Aplausos do PSD. Por outro lado, aquilo a que chama lobbies, aquilo a que chama o lobby da caça ou o lobby da produção

animal, para nós não é lobby, para nós são agentes fundamentais do território e do mundo rural, que sempre defendemos. Estamos aqui onde sempre estivemos e estaremos.

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Muito bem! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Na revisão constitucional, já discutimos longamente esta matéria e o PSD

disse, desde o primeiro dia — e como é um partido de palavra, estará também no mesmo sítio —, que estamos claramente preocupados e queremos que se resolva este problema que surgiu com as decisões do Tribunal Constitucional.

Sim, estaremos ao lado da solução. Pode é não ser nos termos que a Sr.ª Deputada quer: os daqueles partidos que sobrepõem os animais às pessoas. Para nós, as pessoas estarão sempre, sempre, sempre, primeiro.

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o

Sr. Deputado Pedro Delgado Alves. O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aproximamo-nos do final do

debate e penso que é uma oportunidade para fazermos um balanço não só do debate, como também do que tem sido a discussão neste Parlamento e a aprovação de medidas nesta matéria.

Começo por saudar, novamente, o PAN pelo agendamento e, já agora, aproveitava para recordar que ele também só é possível porque, no contexto de uma maioria absoluta, houve reforço das participações por parte dos Deputados únicos representantes de partido e de outras forças políticas — acho que é a prova viva de que o debate valeu a pena, porque todos tivemos a oportunidade de enriquecer esta discussão.

Aplausos do PS. A Sr.ª Deputada, Inês de Sousa Real dizia, numa das intervenções iniciais, que ninguém tratou destes temas

nesta Legislatura. Ora, não só me parece que esta afirmação é um pouco inexata, porque em vários Orçamentos do Estado

houve oportunidade de adoção de medidas neste domínio, como também é injusto, porque todos sabemos que esta Legislatura termina abruptamente e, portanto, obviamente teríamos três anos pela frente,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Ou a revisão constitucional! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — … no quadro dos quais havia várias matérias que poderiam ser

abordadas sobre este tema. Enfim, acho que não dou nenhuma notícia surpreendente a ninguém, obviamente aceleramos os calendários

em algumas matérias, precisamente porque a Legislatura vai terminar.

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Há um ponto importante neste debate, que é um consenso — não uma unanimidade, mas um consenso — muito alargado, tendencialmente transversal, no reconhecimento das matérias do bem-estar animal, evidentemente, quando este valor surge sem a reflexão que temos de fazer sobre como é que o compatibilizamos com outros valores constitucionalmente protegidos.

Este debate só se torna complicado quando, como vimos ao longo desta discussão, é necessário descobrir como é que compatibilizamos o bem-estar animal com a produção pecuária, como é que compatibilizamos o bem-estar animal com atividades culturais.

Vozes do PS: — Muito bem! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — E, seguramente, divergiremos entre nós sobre onde é que estão as

fronteiras e onde é que traçamos estes regimes. Mesmo no meu grupo parlamentar temos várias posições diferentes, por exemplo, sobre a atividade

tauromáquica. A posição do Sr. Deputado Ricardo Pinheiro nesta matéria não será, seguramente, idêntica à minha, mas partilhamos, como a Sr.ª Deputada Raquel Ferreira há pouco dizia, que esta matéria, no limite, deve ser devolvida às suas populações.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — E foi essa, aliás, a proposta que formulámos: que cada município deve

ter a autonomia para decidir se é, ou não, um município cujas tradições passam, ou não, pela atividade tauromáquica num determinado momento.

Pessoalmente, a minha posição, penso que é conhecida: oponho-me a esta prática, independente do local onde ela ocorra, mas reconheço que em alguns locais do País tem um peso, tem um impacto, tem um valor simbólico, distinto do de outras regiões.

Continuamos a achar que esta, neste momento do debate e com respeito pela posição que em vários pontos do País pode ser diferente, seria uma solução mais adequada do que aquela que temos, em que verdadeiramente ninguém consegue ganho de causa e ninguém consegue fazer o debate democrático.

Portanto, não teremos oportunidade nesta Legislatura, mas deixo esta nota: recuperemo-la em próxima oportunidade. E convido as forças políticas que a rejeitaram no passado a ponderar esta solução.

Dito isto, é importante termos presente que este debate não se faz do zero. No balanço dos últimos anos, queria sublinhar — nesta última intervenção deste debate, imagino, da parte do Partido Socialista — que nenhum dos avanços em matéria de bem-estar animal se fez contra, ou na ausência, ou sem a participação do Partido Socialista.

Muito pelo contrário: a criminalização dos maus-tratos dos animais de companhia em 2014, 2015, e revista em 2020; as alterações ao Código Civil que introduziram a natureza própria dos animais, foi também pela mão do Partido Socialista que foi alcançada; o fim dos abates nos canis; várias matérias avulsas que aqui já foram discutidas e analisadas; os animais dos circos; a compra e venda de animais; as fusões das bases de dados; a proibição do tiro ao pombo como atividade desportiva; o acesso a estabelecimentos e esplanadas por quem pretenda, quando os estabelecimentos estão de acordo; o transporte de animais de companhia em transportes públicos em determinadas circunstâncias; a matéria de revisão e de apoio aos CRO em vários momentos; medidas fiscais; a estratégia nacional contra o abandono e de promoção da adoção responsável. Tudo exemplos em que, quando convocados a equiparar, ou melhor, a equilibrar bem-estar animal com outros valores, sempre foi possível fazê-lo.

Concordámos todos com a solução no fim do dia? Seguramente que não, mas isso é da natureza do debate democrático e da forma como ele foi construído e, portanto, este debate de hoje é mais um avanço nesse sentido.

Pudemos identificar três ou quatro aspetos em que, provavelmente, a Assembleia conseguirá produzir legislação sobre a qual algum consenso mínimo existe — a matéria relativa às coleiras, que foi aqui discutida; a matéria sobre uma campanha extraordinária de esterilização; e mesmo um projeto antigo sobre o animal comunitário —, que dá instrumentos adicionais ao poder local e às associações que, no terreno, tratam o bem-estar animal para realizar a sua missão.

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Aproveito, aliás, para dar precisamente nota desses que são muitas vezes esquecidos, e são milhares, dezenas de milhares de pessoas em todo o País, que, despendendo do seu tempo voluntariamente, asseguram na linha da frente o acolhimento, o bem-estar, a recolha de alimentos e a proteção que deve ser dada. Assim, é importante que o Parlamento possa — unanimemente, diria aqui — saudar estas associações zoófilas e o trabalho que voluntariamente, todos os dias do ano, fazem em prol do bem-estar animal.

Finalmente, um último aspeto sobre o que o PAN nos traz também para a discussão e que não acompanharemos, que é a matéria da assunção extraordinária de poderes de revisão constitucional.

Muito já foi dito, mas que fique clara a posição do Partido Socialista. Na substância, não é ainda claro que seja absolutamente indispensável, para resolver os problemas que têm sido colocados perante o Tribunal Constitucional, ter de rever a Constituição.

Não sabemos ainda qual vai ser a decisão em fiscalização abstrata que o Tribunal tomará sobre esta matéria, portanto, aguardemos com prudência e paciência, sendo que até há sinais de que provavelmente não haverá uma adesão às soluções dos acórdãos anteriores e de que a resposta até pode ser positiva.

De uma outra perspetiva, de facto, na forma está em curso, ainda que a terminar, um processo de revisão constitucional. E ainda que se possa legitimamente enxertar ou criar um processo de revisão constitucional autónomo, o tempo adequado para isto já há muito passou. Ou seja, estamos na iminência de uma dissolução e, efetivamente, o debate de hoje é estritamente platónico. Mesmo que o não fosse, há ou haveria um processo de revisão constitucional onde esta matéria poderia ser resolvida e no qual — e com isto termino — a esmagadora maioria dos partidos que apresentaram projetos de revisão constitucional — e o PAN também apresentou, portanto decidimos um processo de revisão constitucional, todos contribuindo — tinha esta matéria nos seus projetos, e mesmo os que não tiveram deram nota de que iriam acompanhar as medidas nessa matéria.

Portanto, se há alguma coisa quanto à revisão constitucional que podemos retirar deste debate é que tentemos todos manter o compromisso que tínhamos identificado durante esta Legislatura. Continuemos a tentar construir equilíbrios entre matérias que, às vezes, são simples, e outras nem tanto, mas aceitando que o debate democrático, ao longo desta última década, trouxe tantas coisas e tantas vantagens civilizacionais para a República Portuguesa.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando, em 2014, se

criminalizaram os maus-tratos a animais de companhia, fizemo-lo porque a sociedade civil assim o reclamava, tendo sido apresentada uma petição, na altura, que reuniu mais de 100 000 assinaturas. E, desde lá para cá, foram registadas mais de 14 000 denúncias de maus-tratos a animais de companhia.

A lei tem sido perfeitamente aplicada? Não, não tem. Basta olharmos para casos como o de Bóris, que morreu após meses de ter sido deixado sem comida no logradouro da sua casa, bem aqui ao lado, na Penha de França, para perceber as lacunas que a lei tinha e que levaram a que também houvesse alterações legislativas ao longo dos vários anos.

Mas a Assembleia da República não pode ficar indiferente a esta realidade e à frustração de quem vê ameaçada a tutela penal e a sua manutenção, ou de quem está no terreno e todos os dias, todos os dias sem exceção, tem de lidar com casos bárbaros de maus-tratos a animais de companhia, com o abandono e com o lado pior de que o ser humano é capaz, que é maltratar um animal extremamente vulnerável.

Isto é mais do que um debate sobre a proteção animal: também é um debate sobre a proteção social, sobre as pessoas mais vulneráveis e os apoios às associações; também é um debate onde se vê a vontade política de cada uma das forças representadas nesta Assembleia; e também é um debate onde temos a oportunidade de trazer a proteção animal para o século XXI e não apenas agitá-la como uma bandeira em tempos eleitorais. Mais de 90 000 pessoas já nos pediram, lançaram o repto para que garantíssemos essa proteção.

Todos os anos, Sr.as e Srs. Deputados, mais de 42 000 animais são abandonados, só de acordo com os dados oficiais, isto sem falar sequer dos animais a cargo das associações de proteção animal. É por isso que é tão importante que se deem estes passos e não se fechem os olhos aos alertas da sociedade civil.

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Sr.as e Srs. Deputados, ouvimos aqui hoje equipará-los à dignidade da pessoa humana. Ouvimos citar as palavras do Papa Francisco para criticar as propostas como as que aqui trazemos e visam garantir uma maior proteção animal, mas também das pessoas. E, sim, hoje mais de 50 % das famílias têm animais de companhia e nutrem por eles o maior carinho e estima, e também as associações sofrem todos os dias quando veem perder um animal às mãos da injustiça ou da inaplicabilidade da lei.

O que não se pode conceder são retrocessos civilizacionais, e é por isso que, para concluir, digo: este princípio, que deve ser aqui posto em causa, deveria ter sido antes a citação do Papa Francisco, quando nos recorda, na sua encíclica Laudato Si, que é contrário à dignidade da pessoa humana fazer sofrer inutilmente os animais e dispor das suas vidas.

O debate que aqui deveríamos estar a ter era um debate mais amplo sobre a abolição de práticas anacrónicas como a tauromaquia e não sobre os retrocessos que se encontram em cima da mesa.

Hoje, temos a possibilidade de fazer avanços, e está nas nossas mãos, Sr.as e Srs. Deputados, garantir que fazemos a diferença.

O Sr. Presidente: — Assim encerramos o nosso debate e vamos dar início às votações. Recordo a todos que a última votação é eletrónica. Isto significa que, para efeitos de registo de presença, é

a votação eletrónica que conta. Faremos a verificação do quórum, naturalmente, no princípio, mas, para efeitos de registo de presença é a

votação eletrónica que conta. Peço aos serviços que façam o favor de dar início ao período de verificação do quórum. Protestos do Deputado do PS Sérgio Sousa Pinto.Peço aos serviços que encerrem o período de verificação do quórum e publicitem o resultado. Temos quórum, podemos votar. Peço silêncio, estamos em momento de votação. O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Isto é uma palhaçada! O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, peço-lhe também a si que se comporte. Está no

Plenário! Aplausos do CH. O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — É difícil, Sr. Presidente! O Sr. Presidente: — É difícil, mas há muitas coisas difíceis na vida que a gente tem de fazer. Protestos do Deputado do PS Sérgio Sousa Pinto. Vamos, então, proceder à votação. Projeto de Lei n.º 412/XV/1.ª (PAN) — Aprova o regime de faltas justificadas ao trabalho por motivo de morte

ou assistência a animal de companhia. O PAN apresentou um requerimento para que baixe à 10.ª Comissão, sem votação, por 15 dias. Vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade. O projeto baixa à 10.ª Comissão. Segue-se a votação, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 456/XV/1.ª (PAN) — Regula a contenção e treino

de animais de companhia, vedando a comercialização e utilização de «coleiras de choque» e de «coleiras estranguladoras», procedendo à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro.

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14 DE DEZEMBRO DE 2023

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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor da IL, do PCP, do BE, do PAN, do L e de 3 Deputados do PS (Alexandra Leitão, Carla Sousa e Pedro Delgado Alves) e abstenções do PS, do PSD e do CH.

Este projeto baixa à 10.ª Comissão. Segue-se a votação, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 662/XV/1.ª (PAN) — Reconhece a figura do

animal comunitário e promove a realização de uma campanha extraordinária de esterilização de animais errantes.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do BE, do PAN e do L, votos contra do PSD e

abstenções do CH, da IL, do PCP e do Deputado do PS Pedro do Carmo. Este projeto baixa à 11.ª Comissão. Procedemos agora à votação, na generalidade, do Projeto de Resolução n.º 945/XV/2.ª (PAN) — Assunção

de poderes de revisão constitucional extraordinária pela Assembleia da República para assegurar a consagração da proteção dos animais na Constituição.

É uma votação eletrónica e aproveito para referir que o Sr. Deputado Miguel Iglésias está a participar nesta votação por via remota.

Submetido à votação, não obteve a maioria de quatro quintos necessária, tendo-se registado 182 votos contra

(PS, PSD, PCP e L), 18 votos a favor (CH, BE e PAN) e 5 abstenções (IL). Sr. Deputado Rui Tavares, pede a palavra para que efeito? O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, é para anunciar a apresentação de uma declaração de voto por

escrito sobre esta última votação. O Sr. Filipe Melo (CH): — Ninguém quer saber disso! O Sr. Presidente: — A próxima sessão plenária será amanhã, sendo a ordem do dia, fixada pelo PSD, sobre

a situação dos serviços públicos. Muito obrigado e boa noite, a sessão está encerrada. Eram 18 horas e 5 minutos.

———

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação Nota: A declaração de voto anunciada pelo Deputado do L, Rui Tavares, não foi entregue no prazo previsto

no n.º 3 do artigo 87.º do Regimento da Assembleia da República.

——— Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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