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II Série — Número 24
Sábado, 4 de Dezembro de 1982
DIÁRIO
da Assembleia da República
II LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)
SUMÁRIO
Proposta de lei n.* 136/11 (OE para 1983):
Recurso para o Plenário da decisão de admissão da proposta de lei (interposto pela ASDI).
Recurso para o Plenário
Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República:
Nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.° 2 do artigo 137.° do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados vêm interpor recurso da decisão de V. Ex.° que admitiu a proposta de lei n.° 136/11, intitulada «Orçamento Geral do Estado para 1983»;
O recurso é tempestivamente interposto, nos termos do já referido artigo 137.°, uma vez que a admissão da proposta foi por V. Ex.a comunicada à Assembleia na sessão realizada em 26 de Novembro corrente.
Na realidade, por força do artigo 130.° do Regimento da Assembleia, não podem ser admitidas as propostas de lei «que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados», bem como as «que não definam concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa».
Ora, a proposta de lei n.° 136/11 infringe a Constituição e não define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa, como seguidamente se demonstra, fundamentado o recurso.
Com efeito, não foi a proposta precedida de outra relativa às opções do Plano, na qual se integrasse, engloba pedidos de autorização legislativa não conforme com a Constituição e pelo carácter vago e genérico de alguns dos seus preceitos não é possível conhecer do sentido das alterações legislativas que pretende introduzir.
Na verdade:
1." Por força do disposto no artigo 239.° da Constituição da República, «mantêm-se em vigor», para o regime de elaboração e aprovação do Orçamento, as normas constitucionais anteriores à revisão.
Assim, .por força do n.° 2 do artigo 108.° da Constituição (texto anterior à, revisão, mas, como se refe-
riu, transitoriamente em vigor), a proposta de lei deverá conter «a discriminação das receitas e das despesas na parte respeitante às dotações globais correspondentes às funções e aos ministérios e secretarias de Estado» e «as linhas fundamentais de organização do orçamento da segurança social».
2° O artigo 93.°, alínea c), da Constituição refere, por sua vez, que «a estrutura do Plano compreende, nomeadamente, [...] plano anual, que constitui a base fundamental da actividade do Governo e deve integrar o Orçamento do Estado para esse período».
3.° A verdade é que não existe Plano para 1982, nunca tendo o Governo procedido à sua elaboração.
Está, assim, a Assembleia da República privada de apreciar o relatório de execução a que se refere a parte final do n.° 1 do artigo 93.° da Constituição.
4.° Assim sendo, como é, bem se justifica o particular cuidado e atenção da Assembleia em exigir do Governo que cumpra a Constituição.
Ora, não deu entrada na Mesa, até ao momento, qualquer proposta de lei relativa às grandes opções do plano para 1983.
5.° Que à Assembleia da República, de acordo com o disposto no artigo 94.° da Constituição, «compete aprovar», não podendo a expressão «cada Plano» — como já foi amplamente debatido e confirmado — ser entendida a não ser em conjugação com o artigo 93° e, portanto, implicando a aprovação das opções correspondentes ao plano a longo prazo, ao plano a médio prazo e ao plano anual.
6." Mas, não só se torna necessário que a Assembleia venha a aprovar as grandes opções do Plano para 1983, como tal aprovação deverá, logicamente, preceder a apreciação do Orçamento para o mesmo ano.
Não se trata, porém, e apenas, de uma precedência lógico-formal, isto é, em que o Governo pudesse, com facilidade, trocar a ordem de entrada de 2 propostas de lei.
Pelo contrário, é a própria Constituição a impor a precedência do Plano sobre o Orçamento, subordinando este àquele.
Na verdade:
7.° «A organização económica e social do País deve ser orientada, coordenada e disciplinada pelo Plano» (n.° 1 do artigo 91.°) e este tem «carácter imperativo
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para o sector público estadual» (n.° 1 do artigo 92.°), sendo ainda «obrigatório, por força de contratos-programa, para outras actividades de interesse público» (n.° 1 do artigo 92.°).
Sem definir e explicitar objectivos, inventariar recursos e canalizá-los para as aplicações adequadas, que orçamento se poderá apresentar diferente de uma continuidade do anterior?
8.° Ou pretende o Governo, por esta forma, evidenciar a sua incapacidade de definir objectivos, limitando-se, também aqui, a «tentar aguentar-se sem opções, sem projecto, sem política?
9.° A Assembleia da República tem, aliás, legítima curiosidade em verificar como actua este Governo quando não há seca e baixaram as cotações do petróleo ...
10.° Como há quase 20 anos escrevia um insuspeito economista (Xavier Pintado):
Os desperdícios que podem resultar da ausência de um plano orientador das decisões das múltiplas unidades que operam numa economia, sobretudo no que respeita ao investimento, são, porém, tais que se considera hoje praticamente indispensável — especialmente numa economia em via de desenvolvimento — a existência de um plano de investimento à escala da Nação. Os próprios planos de investimento dos empresários individualmente considerados vêem, com ele, reduzida a margem de incerteza que envolve as suas decisões de investir.
11.° Isto é, um orçamento — e por maioria de razão o do Estado— pressupõe uma captação de recursos adequada à satisfação de certas finalidades.
O Plano, entende aliás o principal partido da coligação governamental (p. 104 do programa do PSD), «constituirá o instrumento fundamental de acção da política económica nacional». E, mais adiante:
O Plano visa não só assegurar uma programação racional de actuação do sector público na economia mas também dirigir, compatibilizar e harmonizar os planos de actuação do sector privado entre si e a sua adequação à realização do interesse nacional, dentro do princípio da subordinação do poder económico ao poder político democraticamente constituído.
12.° A denúncia e o significado político da ausência do Piano estão, assim, feitos.
O Governo é incapaz de assegurar «uma programação racional» e abre o caminho para que o poder económico se não subordine, antes comande, o poder poiítico.
A proposta de Lei n.° 136/11 não deveria, assim, ter sido admitida, por violar os princípios consignados na Constituição.
Decidindo de modo diverso, o despacho do Presidente da Assembleia da República violou a alínea a) do n.° 1 do artigo 130.° do Regimento da Assembleia da República.
13.° Ainda, por força da já citada alínea c) do artigo 93.° da Constituição da República, o «plano anual, [...] deve integrar o orçamento do Estado para esse período», pelo que, sem opções do Plano não é possível o correcto enquadramento da proposta orça-
mental, pelo que esta não é, constitucionalmente, admissível.
Acresce que a Constituição (artigos 106.° e 107.°) define objectivos do sistema fiscal que, relacionados como estão com o princípio da legalidade (artigo 107.°, n.os 2 e 3) pressupõem o planeamento.
Sem Plano não se pode falar, a não ser de modo arbitrário e atrabiliário, na «satisfação das necessidades financeiras do Estado».
Assim, a proposta de Lei n.° 136/11 não deveria ter sido admitida, por violar a Constituição [artigos 93.°, alínea c), 106.° e 107.° da Constituição], e o despacho de admissão infringiu a alínea a) do n.° 1 do artigo 130.° do Regimento.
14.° A proposta de Lei n.° 136/11 viola ainda, em vários dos seus preceitos, o n.° 2 do artigo 168.° da Constituição, na medida em que as autorizações legislativas que contém não correspondem àquele imperativo constitucional.
Tal é o caso, nomeadamente, dos seguintes artigos da proposta de Lei:
a) N.° 6 do artigo 6.°, que não define o objecto
nem o sentido de autorização pretendida;
b) Artigo 7.°, que igualmente não define o objecto
e o sentido da autorização pretendida, nem a sua extensão;
c) Alínea a) do n.° 1 do artigo 12.°, que não
define o sentido, extensão e duração da autorização pretendida;
d) Alínea b) do n.° 1 do artigo 12.°, que não
define o sentido, extensão e duração da autorização pretendida;
e) N.° 2 do artigo 13.°, que também não define
o objecto, extensão e duração da autorização;
f) Artigo 14.°, que não define o sentido, exten-
são e duração da autorização;
g) Alínea d) do n.° 1 do artigo 16.°, que igual-
mente não define o sentido e duração da autorização pretendida;
h) Alínea é) do n.° 1 do artigo 16.°, que também
não define o sentido, extensão e duração da autorização pretendida; 0 Artigo 18.°, que não define o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização solicitada;
j) Alíneas a) e g) do artigo 20.°, que não definem a duração da autorização pretendida;
/) Alíneas c), d), m) e «) do artigo 20.°, que não definem o objecto nem o sentido das autorizações;
m) Alínea a) do artigo 22.°, que igualmente não define o objecto nem o sentido das autorizações solicitadas; n) Artigos 24.°, 25.°, 26.°, 27.°, 28.°, 30.°, 31.°, 32.°, 45.°, 51.°, 52.°, 53.° e 54.°, que também não definem o objecto nem o sentido das autorizações pretendidas.
A enumeração efectuada, que não pretende ser exaustiva, é por si só reveladora de como a proposta de lei não deveria ter sido admitida, lamentando-se que a excessiva pressa com que o foi tenha impedido os grupos parlamentares — a quem só no dia 29 de Novembro, isto é, depois de um comentador de televisão a ter exibido pelos ecrãs, pôde ser distribuída.
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Assim, a proposta de lei viola o artigo 168.°, n.° 2, da Constituição, pelo que a decisão de a admitir é contrária ao disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 130.° da Constituição.
15.° De igual modo, pelo menos, todos os preceitos citados no número anterior não definem concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
O mesmo acontece com os artigos 2.°, 3.°, 4.°, 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 12.°, alíneas a), 6) e d), 13.°, n.° 2, 14.° e 18.°
Pelo que, por força da alínea b) do artigo 130.° do Regimento, a proposta não deveria ter sido admitida.
Nestes termos, requere-se a V. Ex.a que, de acordo com o n.° 3 do artigo 137.° do Regimento, seja agendada a apreciação do presente recurso.
Assembleia da Repúbbca, 30 de Novembro de 1982. — Os Deputados do Partido da Acção Social--Democrata Independente: Magalhães Mota— Vilhena de Carvalho — Braga Barroso.
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