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II Série — Número 63
Quarta-feira, 7 de Dezembro de 1983
DIÁRIO
da Assembleia da República
III LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)
SUMÁRIO
ACTA DA REUNIÃO DA COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO DE 6 DE DEZEMBRO DE 1983
O Sr. Presidente (João Salgueiro):—Srs. Deputados, uma vez que temos quórum, vamos dar início aos nossos trabalhos.
Eram 10 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: — A primeira parte da nossa reunião de hoje é dedicada à discussão e votação do orçamento e despesas relativos ao Ministério da Justiça, e desde já saúdo a presença do Sr. Ministro, Rui Machete.
O Sr. Ministro irá fazer-nos uma breve exposição introdutória, à qual se seguirá um período de pedidos de esclarecimento e depois a votação.
Tem V. Ex." a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete): —Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como VV. Ex.as devem ter tido oportunidade de constatar, o orçamento do Ministério da Justiça é um dos mais limitados em volume. Em todo o caso, comparando-o com o de 1983 verificamos haver um aumento, em percentagem, da ordem dos 26 %.
Os aumentos mais significativos e mais sensíveis dizem, fundamentalmente, respeito à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, que tem sérios problemas. Devido à inflação, existe um grande peso nas despesas, na medida em que uma parte substancial delas respeita à alimentação e vestuário dos presos.
Existe também um aumento de certo significado no que concerne à Polícia Judiciária. No tocante às restantes rubricas do orçamento, não existem diferenças significativas.
Gostaria de acrescentar que, como W. Ex." saberão, uma parte dos investimentos, sobretudo os do Ministério da Justiça e também uma parte dos vencimentos pagos aos magistrados, é proveniente de verbas que não vêm do Orçamento do Estado, mas sim dos cofres, quer do dos Tribunais, quer do dos Registos t ¿0 Wtonado. Isso é que permite a reali-
zação dos investimentos programados em matéria de tribunais, conservatórias e relativos aos magistrados, que não constam deste orçamento.
Creio que será desnecessário estar a alongar-me, pois VV. Ex."5 possuem o orçamento discriminado. Estarei à vossa disposição para as perguntas que desejem colocar-me.
0 Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Após ouvir a curta exposição introdutória que nos acaba de ser feita em complemento às observações e informações prestadas à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias sobre esta matéria, ocorrem-nos desde logo dois comentários.
Primeiro, foram omitidas no discurso ministerial as reformas legislativas. As grandes reformas legislativas serão condicionadas, embora não sejam objecto directo deste debate, pelas opções orçamentais constantes da proposta do Governo.
Isso significa que terão de estar presentes neste debate, ao menos no anúncio das intenções governamentais e nas nossas críticas e observações sobre elas, sob pena de, cingindo-nos à expressão puramente financeira, estarmos a ignorar que este orçamento serve para fazer coisas ou impede a realização de coisas.
Segunda observação: é óbvio que a justiça não escapa à política de restrições. Só que elas no Ministério da Justiça significam injustiças directamente semeadas ou mantidas, o que é preocupante.
Aliás, o parecer da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias sobre esta matéria exprime uma preocupação, que é subscrita pelos próprios membros da maioria governamental, relativamente às consequências dos cortes quanto a vários domínios, desde a possibilidade de prossecução das acções de reinserção social até ao exercício das competências em matéria prisional, em matéria de garantia do acesso ao direito, de combate à droga, em reíação, enfim, às diversas
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áreas que estão na dependência do Ministério da Justiça.
É uma posição constantes de um relatório oficial de uma comissão parlamentar desta Assembleia.
Não é de estranhar que assim suceda. Quanto a nós, o relatório é insuficiente ou peca pela sua moderação. Ao contrário do que afirmou o Sr. Ministro, o orçamento não deve ser visto em termos nominais. Portanto, em vez de um crescimento nominal de 26 %, que há, de facto, se apreciarmos as verbas e se tivermos em conta apenas a taxa de inflação de 21 % do consumo público, observaremos existirem decréscimos reais ou ligeiros aumentos, nestes termos:
Gabinete do Ministro, —21%; Secretaria-Geral, —34,2%; Conselho Superior da Magistratura, —9,5%; Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, —9,2%; Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, — 9,8%;
Gabinete de Estudos e Planeamento, —21,4%; Centro de Identificação Civil e Criminal, +3,5%; Centro de Informática, +6,1%; Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, +6,4%; Serviços tutelares de menores, +1,1%; Polícia Judiciária, —1,7%; Instituto de Formação Profissional, —21%; Gabinete de Planeamento e Coordenação do Combate à Droga, —6,1 %.
Nas contas de ordem há uma subida de 25 %.
O Ministério nada tem em «Investimentos do Plano» e rio Ministério do Equipamento Social há 16 000 contos para obras em curso. Os serviços propunham 35 000 contos para pequenas obras de conservação e beneficiação, mas, tanto quanto sei, a proposta foi recusada em conselho de ministros.
É este o quadro, que é, obviamente, preocupante.
Todos nós sabemos que os ministros da Justiça são, na verdade, ministros da Justiça, mas também são ministros dos Cofres dos Tribunais e. dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça. Há, pois, uma face do orçamento, ainda não exposta, que está na disponibilidade do Ministério da Justiça e que não foi aqui colocada, como devia ter sido.
Na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias procurámos que nos fosse fornecido um exemplar dos orçamentos dos cofres—do Cofre Geral e do dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça. Tal não sucedeu. Pensamos que é indispensável fornecer-se à Câmara uma informação acerca da actual situação financeira dos cofres dos tribunais.
Assistimos nos últimos anos, em particular nas últimas gestões governamentais, a uma utilização que só posso qualificar de desmedida, para não dizer abusiva, das verbas dos cofres. Encontramos em diplomas, designadamente no Decreto-Lei n.° 215/83, observações como esta: «Os encargos respeitantes a despesas com remunerações de pessoal da Escola da Polícia Judiciária, da Direcção-Geral do Serviço Tutelar de Menores, do Centro de Estudos Judiciários e da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais são suportados até ao final do ano de 1983 pelo Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça», cujas receitas advêm, como sabem, em larga medida, das repartições de registos e notariado, não contempladas nessas distribuições.
O Decreto-Lei n.° 271/83, de 17 de Junho, reclassifica o pessoal educador e orientador social do quadro da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e no artigo 7.° lá está a disposição referindo que os encargos correm por conta dos cofres.
Como estes diplomas há outros, como, por exemplo, o diploma estruturador da Polícia Judiciária. Ê uma verdadeira sangria dos cofres. Só que estes também têm limites e finalidades próprias.
Deste modo, consideramos questão prévia e imprescindível uma informação, ainda que sucinta, sobre a situação dos cofres.
Quanto ao debate e à votação na especialidade que aqui vai decorrer, cremos que seria importante, independentemente de outras intervenções aprofundando aspectos sectoriais, que os problemas enfrentados pelo Ministério fossem aqui analisados, tendo em conta a sua expressão financeira. Portanto, é de verbas que vamos falar ou que, pelo menos, gostaríamos que se falasse neste debate.
O primeiro grupo de questões é relativo ao funcionamento do sistema judiciário. Seria importante que fosse fornecida informação à Comissão sobre as verbas previstas, as intenções governamentais relativamente às magistraturas, quanto à sua situação salarial e social, e quanto ao funcionalismo judicial. E, em relação a este último aspecto, gostaríamos de perguntar quando se concluirá a revisão global dos quadros de pessoal das secretarias e quantas admissões prevê o Ministério na sequência do concurso nacional de admissão dos quadros de oficiais de justiça.
O segundo grupo de questões respeita à organização, ordenamento, instalação e equipamento dos tribunais.
Gostaria de saber quantos dos 43 juízos criados irão ser declarados instalados. Qual a taxa de abrandamento da declaração de instalação, uma vez que o Sr. Ministro admite que terá de haver, neste aspecto, um corte, uma paralisação? Seria útil que o Sr. Ministro fosse nesta sede bastante preciso e quantificasse essa involução ou essa paralisação.
Quantos novos tribunais com competência especializada irão — se forem — ser criados? Caso nem sejam criados, que responsabilidade é assumida com isso? Para quando a nova divisão judiciária, sobre a qual o Ministério está estranhamente silencioso, sabendo-se que há abundantíssimos estudos nessa matéria? O que irá acontecer aos 5 tribunais que tinham já programas base, aos 7 com estudo prévio, aos 8 em fase de anteprojecto, aos 11 em projecto de execução e às obras adjudicadas em relação a 16 tribunais e outros estabelecimentos judiciais?
O que vai acontecer em relação a tudo isto? Creio que os interessados e também a Câmara têm direito a conhecer o que se passa com rigor e exactidão.
Ainda nesta óptica, gostaria que o Sr: Ministro dissesse que verbas existem para os centros de detenção de jovens delinquentes previstos no Decreto-Lei n.° 38/83, cuja importância dispensa comentários.
Desejo agora colocar-lhe três questões em áreas que também se nos afiguram importantes, seguindo a ordem de classificação por capítulos.
A primeira diz respeito à Direcção-Geral dos Registos e do Notariado. Todos temos conhecimento da situação das repartições. Basta lá entrarmos para constatarmos a degradação dos edifícios, as situações de
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conservação, etc., mas também sabemos que isso deriva, em parte, de leis que não são cumpridas, de procedimentos administrativos que se mantêm há uma quantidade de anos, de disparidades entre carreiras profissionais que injustamente se mantêm.
Porém, aqui não há que curar disso. Haveria antes, a nosso ver, que saber quais as intenções ministeriais em relação a questões muito concretas.
Primeiro: quais as verbas para novas instalações ou para beneficiação de instalações existentes? ê sabido que há uma degradação séria neste campo.
Segundo: como estamos em matéria de efectiva aplicação do Código do Registo Predial, publicado em Junho e que ficou dependente de portaria? Quando serão criadas condições para que as novas técnicas possam ser aplicadas e generalizadas?
Terceiro: que projectos há relativamente à revisão da Lei Orgânica desta Direcção-Geral que permitam uma resposta à situação degradada da administração central e aos problemas dos serviços externos, uma vez que há uma discrepância entre a disciplina contida no decreto-lei respectivo e no decreto regulamentar?
Quarto: que medidas há para pôr cobro às discriminações que atingem concretamente os conservadores do registo civil? O Ministério tem intenção de alterar o seu leque de competências, o que é importante para perspectivar a questão da sua remuneração e da verba despendida pelo orçamento nesta matéria?
Quinto: que medidas se irão tomar quanto à participação emolumentar dos oficiais do notariado? Esta questão tem feito correr alguma tinta e é importante para a classe profissional em causa.
Trata-se de medidas que, aparentemente, não custam dinheiro, mas que têm relevância neste quadro.
Quando é que vai ser disciplinado o processo de classificação de serviço dos funcionários dos registos e do notariado? Ê importante, como se sabe, para o funcionamento dos serviços. E já agora perguntaria: quando é que a composição do Conselho Técnico da Direcção-Geral vai ser adaptada para acolher representantes dos trabalhadores, como é de lei?
Não quero finalizar sem deixar de inquirir quando se resolve o problema levantado pelo artigo 151.° do Regulamento dos Serviços, garantindo o livre provimento dos funcionários que possuam habilitações suficientes, segundo a lei vigente, ao tempo do ingresso. Isso implica dinheiro? Qual a resposta do Ministro ou do Ministério da Justiça à petição da associação chamada Lar dos Registos e Notariado no sentido de serem fornecidos apoios em matéria de instalações? Creio que isso não custará muito ao Ministério. Tra-duz-se no aproveitamento de fogos devolutos e trata-se de algo importante para essa classe sócio-profissional, que supre uma lacuna dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça no tocante à terceira idade.
Um outro bloco de questões diz respeito à reinserção social. A meu ver, Sr. Ministro, sem reforço de dotações não. pode haver aplicação do que há de novo no Código Penal relativamente a esta matéria. Com o nível de despesas previsto —o Sr. Ministro anunciou que, além da verba que era do nosso conhecimento, havia outra de 50 000 contos, que desconhecíamos, mas que ficámos a conhecer e que, creio, sairá dos cofres—, parece-nos que os tribunais vão ficar impedidos de usar as novas medidas, designa-
damente o regime de semidetenção e de prova ou de prestação de trabalho a favor da comunidade, que exigem assistência.
.Em segundo lugar, tenderá a acentuar-se a degradação dos Serviços Sociais junto dos reclusos e dos internados em estabelecimentos de cura e de tratamento, para não falar já da assistência àqueles.
Em terceiro lugar, não é possível inimputáveisinter--nados que não sejam perigosos e que enchem os estabelecimentos psiquiátricos injustificadamente e com prejuízo do seu funcionamento normal e menos ainda criar lares, estruturas de apoio e acolhimento aos ex--reclusos, também chamados «marginalizados sociais».
Só que a questão neste momento, como já tivemos ocasião de sublinhar na Comissão, é a seguinte: sem uma cobertura razoável do País, com um número mínimo de trabalhadores sociais, as novidades do novo código não terão aplicação ou então a sua aplicação será fonte de discriminações e apenas terão acesso a esses novos regimes certos cidadãos, certas regiões, o que significa que com este orçamento o Código Penal só estará em vigor em Lisboa e na orla marítima, mas não no País, o que é, obviamente, grave.
Por isso, perguntaria ao Sr. Ministro quantas delegações deste instituto, a admitir que o Ministério entenda que deva continuar, irão ser criadas, onde e, designadamente, se irão entrar em pleno funcionamento as anunciadas delegações de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.
Penso que sem isto a ressocialização —no entanto, nem sei se ela é possível numa sociedade que fomenta o desemprego e com um Estado que tem como política oficial criar milhares e milhares de novos desempregados— confirmar-se-ia, não como a realização de uma utopia, como alguns gostam de dizer, mas como um logro bastante perigoso e discriminatório.
Não quero alongar muito mais a intervenção inicial. Teremos ocasião em outros momentos de colocar outras questões, designadamente referentes ao Instituto de Medicina Legal, ao acesso ao direito, à questão da corrupção e outras.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): — Sr. Ministro, não irei interpelar V. Ex.° sobre a política de justiça do Ministério da Justiça. No creio que seja este o lugar adequado para tal. Irei antes colocar-lhe algumas questões simples e mais atinentes ao orçamento que aqui estamos a discutir.
Na verba atinente ao Gabinete do Ministro creio estarem incluídas as verbas necessárias para o Gabinete de Direito Europeu e para o Instituto de Reinserção Social. Como há uma redução desta verba, gostaria de saber se, pelo lado do Instituto de Reinserção Social, isso significa uma redução muito acentuada do ritmo de implementação do mesmo. Relativamente ao Gabinete de Direito Europeu, gostaria de saber qual a posição que resulta desta diminuição: é a de substituição do regime actualmente vigente entre este Gabinete e o de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República, ou mantém-se o «Tratado de Tordesilhas» existente, ineficaz, ineficiente e polarizador de ambos os organismos?
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Gostaria também que o Sr. Ministro me dissesse se, em relação à Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores, pensa que a verba prevista seja suficiente para implementar a lei orgânica da Direcção-Geral, atendendo a que a reinserção social é uma forma já curativa, quando seria aqui que, em meu entender, deveria incidir o esforço essencial do investimento do Ministério da Justiça, pois trata-se da fase preventiva. Em matéria de delinquência seria bom começarmos a pensar nestes termos.
Finalmente, Sr. Ministro, e pegando num tema levantado pelo Sr. Deputado José Magalhães, pergun-tar-lhe-ia se poderíamos ter um número, pelo menos aproximado, dos encargos resultantes da manutenção para 1984, que julgo ter de se verificar, dado que o orçamento apresentado não comporta verbas para esse efeito, da atribuição' aos cofres do Ministério da Justiça das responsabilidades com aumentos e admissão de pessoal em vários serviços criados por decretos--leis anteriores.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Odete Santos.
A Sr.8 Odete Santos (PCP): — Sr. Ministro, as questões que irei colocar dizem respeito ao problema dos tribunais.
Começaria por focar a questão — já outro dia aqui tratada com o Sr. Ministro do Trabalho— dos tribunais do trabalho. Todos sabemos que o País está insuficientemente coberto por uma rede destes tribunais. Basta observarmos as estatísticas dos processos neles entrados para vermos que não dispõem nem de meios técnicos, nem humanos que lhes permitam dar resposta às questões que lhes são apresentadas.
Por exemplo, quanto ao distrito de Setúbal, que conheço razoavelmente, recolhendo dados de processos entrados numa secção dos tribunais do trabalho de Lisboa e numa secção do Tribunal do Trabalho do Barreiro — este tem apenas 2 secções —, verificámos que em Lisboa, em 1981, 1982 e até 31 de Julho de 1983, entraram numa secção 995 processos e no Barreiro, num única secção, entraram 1604.
Comparando o quadro de funcionários de uma secção, verificámos que Lisboa possui 6, enquanto uma do Barreiro tem apenas 4 e somente um juiz para 2 secções.
A situação é dramática. Impõe-se criar ali um outro tribunal do trabalho ou mais um juízo no Barreiro ou mesmo um tribunal do trabalho no Montijo.
Gostaria que o Sr. Ministro da Justiça me dissesse o que está programado a nível de criação de tribunais do trabalho e de nomeação de mais juízes por todo o País. Ê que, quando o Sr. Ministro do Trabalho respondeu a essa pergunta, disse que o problema desses tribunais se resolveria com imaginação, mas fiquei sem saber até onde chegava a imaginação do Sr. Ministro, pois certamente ele pensa que a sonhar se resolvem esses problemas! ...
Gostaria, pois, que o Sr. Ministro da Justiça respondesse a essa questão.
Mas, ainda relativamente aos tribunais, é sabido que muitos não têm quaisquer meios para funcionar devidamente. Voltando ao exemplo de Setúbal, o Tribunal Judicial funciona num edifício da Câmara, antiquíssimo, com um única sala de audiências para 4 juízes, que depois são obrigados a fazer os julga-
mentos nos seus gabinetes com todo o desprestígio que isso significa. Muitas vezes as pessoas nem têm noção de que estão a ser julgadas. Além do mais, há 2 juízes de círculo que também não podem marcar julgamentos simultaneamente, pois a única sala está impedida por um, tendo o outro que adiar a marcação de julgamentos, mesmo de réus presos, para outra oportunidade.
Perguntaria também ao Sr. Ministro o que é que pensa fazer em relação às obras que se tornam necessárias em muitos tribunais deste país, designadamente
0 caso do Supremo Tribunal Administrativo, que funciona em instalações e condições péssimas.
Em entrevista dada ao semanário O jornal, de
1 de Dezembro de 1983, o Sr. Conselheiro Simões de Oliveira diz a certo ponto que os juízes não têm gabinetes para trabalhar. Têm de levar os processos para casa. Os agentes do ministério público trabalham três no mesmo gabinete. A biblioteca é exígua. Não há bibliotecário com formação jurídica e a par disto o volume de processos entrados é assustador. Em 1982 entraram 1344 processos na Secção do Contencioso Administrativo e 148 para o tribunal pleno.
De todas estas más condições resulta um funcionamento moroso desta justiça administrativa. Há processos que se arrastam durante 4 ou 5 anos pelo Supremo Tribunal Administrativo e não têm resposta.
Assim, gostaria que o Sr. Ministro da Justiça me dissesse o que se pensa fazer nesta área de dotação da justiça, para que existam os meios necessários ao seu eficiente funcionamento.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP):—Sr. Ministro, irei continuar a desfiar o rol das desgraças, não só com convencimento de que deve conhecer grande parte delas, mas também com a ideia de dar aos Srs. Deputados que estão fora destes assuntos uma ideia do que se passa no sector da justiça. Isto para ver se se vai criando uma vontade política no sentido de se ir resolvendo certas coisas, cuja solução não é indispensável o dinheiro.
O primeiro aspecto que queria abordar diz respeito à situação de degradação, quer interna quer externa, em que se encontram os edifícios prisionais. Como o Sr. Ministro sabe, nomeadamente em edifícios onde se deram levantamentos prisionais, a situação é bastante má.
Tenho visitado vários — coisa que me desagrada bastante, pois, sempre que o faço, fico doente— e posso citar-lhe um, o de Custóias, no Porto, cuja situação interna de degradação é assustadora.
Segundo um relatório recebido pelo meu grupo parlamentar da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, houve para esse efeito em 1980 uma dotação de 79 000 contos e em 1981 uma de 150 000 contos. Pode o Sr. Ministro dizer-me que dotações iremos ter, para pelo menos vermos se podemos dar algum remédio a esta situação durante o corrente exercício?
Por outro lado, existe o problema do quadro dos guardas prisionais. Como o Sr. Ministro sabe, o quadro não está preenchido e creio até que ainda sucede o seguinte: quando abrem vagas, os concursos ficam em aberto, pois não há quem concorra. E isto em
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virtude de várias condições, nomeadamente das salariais.
"Uma outra questão: o Sr. Ministro sabe que os nossos guardas prisionais não têm nenhuma preparação especial, resultando daí muitos problemas como os que surgem nos estabelecimentos prisionais, originados precisamente pela falta de preparação que os guardas fêm para lidar com os presos.
Face a isto, perguntar-lhe-ia se pensa fazer algo neste sentido.
Há estabelecimentos prisionais, designadamente um aqui perto de Lisboa, em que, apesar de possuir uma área de 100 ha, os presos não podem trabalhar no campo, pois não há guardas que os acompanhem durante os trabalhos. Assim, o regime de «cadeia aberta» cai logo por terra.
Uma outra questão: não sei se os Srs. Deputados sabem, mas até há relativamente pouco tempo a importância destinada a cada detido para vestuário, calçado e alimentação era de 74$50 por dia. O Sr. Ministro disse-me no outro dia que esta importância tinha já sido alterada. Gostaria, então, de saber para quanto.
Há um outro ponto que gostaria de ver focado. Se é certo que alguns estabelecimentos prisionais têm rendimentos próprios derivados do trabalho dos próprios presos, outros não têm, como é o caso de Custóias, pois não há oficinas, nem terreno, nem campos onde os reclusos possam trabalhar. Aliás, trata-se de uma cadeia cuja lotação está excedida ao dobro.
Pode o Sr. Ministro dizer-me algo sobre islo?
Por outro lado, o Sr. Ministro sabe que o quadro de pessoal administrativo, educativo e de assistentes sociais não está completo. Acontece também que, quando se abrem concursos, os mesmos não são preenchidos, pois as condições são tão pouco aliciantes que as pessoas não se candidatam.
Depois falamos em educação na prisão e nesse conjunto de teorias com as quais todos concordamos. Mas a sua aplicação, na prática, deixa de fazer-se por coisas tão simples como esta: nem sequer há educadores sociais nas prisões.
Outro ponto que gostaria de realçar é a situação orgânica dos funcionários. Gostaria que me dissesse como vão as coisas nesse campo, pois, como sabe, a publicação da lei orgânica e a actualização dos vencimentos têm sido preocupação dos funcionários há já longos anos. Não sei se o Sr. Ministro sabe, mas há estabelecimentos prisionais onde o director tem um vencimento inferior ao do chefe dos guardas.
E por aqui dou a minha intervenção por terminada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Ministro, Srs. Deputados: Gostaria de começar por salientar que o relatório produzido no âmbito da Comissão dos Assuntos Constitucionais — Direitos, Liberdades e Garantias manifestava preocupações por certas áreas que no âmbito do Ministério e face às dificuldades orçamentais, não podem ter o impulso que todos desejaríamos viessem a ter.
Estas preocupações revelaram-se ser não só dos deputados como também —e é justo salientá-lo — ào WmwVto y&tiça, o qual, na reunião que teve
com a Comissão, não deixou de salientar as dificuldades com esses sectores.
E lógico, pois, que, perante uma situação de dificuldade objectiva em matéria orçamental, todos manifestemos uma preocupação, não representando isso, de modo algum, uma crítica à política do Ministro da Justiça, dado que ela é também claramente condicionada.
Aproveitaria para salientar alguns aspectos.
Em primeiro lugar, o termos podido verificar com satisfação, na reunião havida com o Sr. Ministro, que, numa área tão fundamental como a da preparação dos magistrados judiciais, tivesse sido afirmado que o Centro de Estudos Judiciários, apesar das dificuldades orçamentais, manteria o seu regular funcionamento em termos de se poder prever uma normal cobertura dos magistrados judiciais em Portugal lá para o ano de 1985.
Gostaria que o Sr. Ministro me dissesse se continua a apostar nessa data e se podemos prever que, com o normal funcionamento do Centro, teremos uma rede de cobertura dos magistrados judiciais a funcionar normalmente no País daqui a 2 anos.
Referiu também nessa oportunidade que um dos aspectos mais preocupantes com a administração da justiça era o custo dos processos. Disse mesmo que um processo, entrando no círculo normal dos tribunais, custava, qualquer que fosse a sua natureza, algo na ordem das centenas de contos.
Falou-nos na necessidade de reforma da ordem processual penal, da processual civil, dos serviços judiciários. Face a isso perguntar-lhe-ia se seria possível anunciar algumas medidas de iniciativa legislativa nesta área para o próximo ano, dada a clara ligação desta temática com as questões orçamentais e com o embaratecimento da administração judicial no País.
O Sr. Ministro referiu igualmente algumas dificuldades com a Polícia Judiciária. Pensa que, apesar dessas dificuldades, seja possível garantir, para o ano de 1984, o normal funcionamento da Escola da Polícia Judiciária e se, por essa via não deixaremos de continuar a preparar os quadros, tão necessários nessa Polícia?
Um dos problemas preocupantes é também o da assistência judiciária. Creio que existe a ideia de tentar encontrar formas de cooperação e de acordo com a Ordem dos Advogados com vista à criação de plajonds com a própria Ordem, no sentido de criar uma maior pertinência na assistência judiciária e um maior aprofundamento dos seus mecanismos.
Poderia o Sr. Ministro concretizar melhor o trabalho que está a ser desenvolvido nesta área?
Já aqui foram expressas as preocupações na zona da reinserção social, tanto no respeitante aos serviços prisionais, como aos serviços tutelares de menores e ao próprio Instituto de Reinserção Social. Como o Sr. Ministro nos disse que ele terá quase que uma vigência simbólica no ano de 1984, pedir-lhe-ia que esclarecesse se essa dotação simbólica ao Instituto não significará, na prática, o seu marasmo e, em função disso, o seu eventual definhamento, o que seria preocupante.
Relativamente ao problema do combate à droga, nas reuniões havidas com a Comissão, o Sr. Ministro falou na necessidade de repensar os mecanismos de coordenação do Gabinete. Adiantou também que seria de pensar uma outra fórmula que não a dependência total do Gabinete do Ministério da Justiça, dadas as suas características interdisciplinares. Perante isso, per-
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guntar-lhe-ia se é previsível que ainda no ano de 1984 se verifique alteração orgânica do Gabinete.
Eram estas as principais questões que gostaria de ver esclarecidas.
O Sr. Presidente: — Como não há mais inscrições, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: — As perguntas que me foram colocadas abrangeram um campo tão vasto, excedendo mesmo os aspectos puramente orçamentais, embora compreenda que lhe estejam ligados, que me será difícil responder cabalmente a tudo.
O Sr. Deputado José Magalhães referiu, em primeiro lugar, o problema de não se conhecerem as reformas legislativas a empreender em 1984 e os seus custos, o que teria repercussões no Orçamento. - A meu ver, o Sr. Deputado tem razão em teoria. Mas, no fundo, o que está pensado em termos de reformas são' alterações ao ordenamento actual que, em princípio, se traduzirão em economias, com uma excepção relativamente ao problema da reorganização judiciária. Aqui é difícil preverem-se economias. Ga-nhar-se-á em alguns casos, mas o aumento de pessoal, de magistrados e de funcionários judiciais obrigará a maiores despesas.
O que se pensa em matéria de reforma do processo civil e do processo penal, a admitir que se consiga levar esta última a cabo ainda no ano de 1984 —há já uma comissão empossada—, traduzir-será em diminuição de despesas, pelo menos, pelo aumento de produtividade dos serviços.
Em todo o caso, vai haver uma soma, que estimo na ordem dos 250 000 contos, que será, em princípio, reservada para ocorrer aos gastos com essas reformas durante o ano de 1984 e que não está prevista no Orçamento do Estado, mas sim no dos cofres.
O orçamento dos cofres ainda não foi objecto de discussão final e por isso não posso fornecer-vos neste momento números definitivos. Posso, porém, dizer que, relativamente ao de 1983, não irão registar-se alterações muito significativas. No orçamento de 1983 o total estimado, e que suponho aproximar-se do real, é de 4 509 000 contos. Para 1984 o orçamento previsto é, sensivelmente, da ordem dos 4 800 000 contos.
Desse orçamento prevê-se que 1 200 00 ou 1 500 000, consoante os casos, e a utilização da tal verba de 250 000 contos que há pouco referi sejam utilizados em despesas de investimento.
Quanto ao que se refere aos problemas das despesas deJnvestimento relacionadas com equipamento, sobretudo em matéria de construção de palácios de justiça, mobiliário, serviços e melhor equipamento dos mesmos, será basicamente essa a verba a ser gasta no ano de 1984.
Concretamente, por despacho de ontem foram aprovadas as construções de 4 palácios de justiça, em Valpaços, Resende, Montemor-o-Velho e Felgueiras, salvo erro. Mas, penso que irá ser iniciada, no ano que vem, a construção de 9 palácios e, simultaneamente, serão concluídas as construções daqueles que se encontram já numa última fase, dos quais destaco Barcelos.
Claro que não é muito, mas perante a situação de austeridade que vivemos é já alguma coisa.
Quanto ao problema do Código do Registo Predial, como o Sr. Deputado sabe, a sua eficácia ficou dependente de uma portaria, cujas condições de publicação
e eventuais alterações a introduzir, face às críticas registadas, estão a ser analisadas por uma comissão. Isso levará, provavelmente, a que alguns artigos tenham de ser modificados, de modo a garantir uma rápida exequibilidade do Código.
O mesmo acontece quanto à orgânica dos registos e notariado. Está a proceder-se à sua revisão e espero que no próximo semestre seja possível publicá-la. Dos trabalhos constam, também, os custos que essa revisão importará.
No que se refere aos problemas de ingresso de magistrados e pessoal nos tribunais e a que vários Srs. Deputados se referiram, incluindo o Sr. Dr, José Magalhães, a situação é basicamente esta: prevê-se que até fins de 1985 e com o actual ritmo de trabalho no Centro de Estudos Judiciários, ao qual foi dada uma especial prioridade na distribuição das verbas, sejam colmatadas as vagas, pelo menos, relativamente à situação existente. Evidentemente que, se houver alterações em função da reorganização judiciária a que se está a proceder, poderá aquilo que se pretende fazer em 1985 passar para o ano de 1986. Mas, apesar de tudo, a situação no final de 1985 será já francamente diferente daquela que enfrentamos neste momento.
O mesmo se diga quanto aos funcionários judiciais. Relativamente à instalação dos tribunais prevista no diploma de 1982, que preconiza a criação de 42 ou 43, faltam, neste momento, instalar 13, visto que, por despacho do final da semana passada, foi mandado instalar um novo juízo em Loures. Falta, pois, instalar, como disse há pouco, 13 tribunais, os quais se julga poderem sê-lo ao longo do ano de 1984. Mas esse problema não é apenas de ordem económica, E também de ordem técnica. Temos que ter juízes para ocupar os cargos e só passaremos a dispor dos novos elementos formados no Centro em finais de Março de 1984. Mesmo assim, isso não permitirá satisfazer de imediato todas as vagas existentes. Desse modo não valerá a pena estar a instalar novos tribunais sem se ter a possibilidade de dispor de juízes que possam acorrer a esses serviços.
Todavia, prevê-se que, pelo menos, 5 tribunais sejam instalados a partir de Março, sendo os restantes, se o número de juízes que vierem a ser formados o permitir, no final de 1984, o que permitirá o seu pleno funcionamento em 1985 quando então tivermos os novos juízes.
Já agora, gostava de dizer que não penso que o problema em matéria de tribunais —e talvez isso dê um pouco a explicação da referência à imaginação feita pelo Sr. Ministro do Trabalho— possa exclusivamente ser resolvido com o aumento do número de juízes. Teremos que proceder seriamente a uma reforma do ponto de vista processual, quer do processo civil, quer do processo penal, quer da organização judiciária.
Em matéria de organização judiciária, prevejo que seja apresentada uma proposta de lei à Assembleia da República no 1.° trimestre do próximo.ano, provavelmente no seu princípio, isto é, finais de Janeiro, princípios de Fevereiro, contendo precisamente as directrizes dessa organização judiciária, cujos trabalhos estão adiantados, mas ainda não estão concMdos, e que permitirá, assim espero, obter alguns ganhos significativos de produtividade.
Isto porque um dos problemas graves, hoje, é que uma parte importante do tempo dos juízes é passada
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na estrada, para irem formar colectivos em diversos tribunais. Vai-se tentar modificar profundamente esta situação.
Houve uma referência, ainda em matéria de instalações e de funcionamento dos tribunais —suponho que da Sr.a Deputada Odete Santos —, ao Supremo Tribunal Administrativo.
Diria que aí se prevê, já no próximo ano, que se iniciem as obras de remodelação do Supremo Tribunal Administrativo, que estavam previstas há muito, mas que só agora vão ser realizadas.
Já em relação aos gabinetes dos juízes, penso que não vale a pena prever muitos, visto que os juízes conselheiros tradicionalmente não trabalham no tribunal. Haverá obviamente — e estão previstos — alguns gabinetes. Mas a questão foi posta frontalmente e, se fôssemos arranjar gabinetes para todos os conselheiros, teriam de ser 21, que é o número deles, o que provavelmente excederia a capacidade do edifício, mesmo aumentando um piso, que é aquilo que se prevê.
Assim, não vale a pena fazê-lo. Vale a pena que a biblioteca tenha boas condições, vale a pena que os juízes que vêm do Porto ou de Coimbra aqui trabalhar disponham de vários gabinetes em que possam estudar os processos com um mínimo de condições de comodidade. Além disso e como já disse, também sabemos que os juízes não trabalham no tribunal, quer no Supremo Tribunal Administrativo, quer nas \ relações, quer no Supremo Tribunal de Justiça. De resto, mudar a situação não aumentaria a produtividade, além de que não seria possível mudar radicalmente os hábitos dos conselheiros nessa matéria.
O que está em curso, de acordo com uma alteração legislativa que foi concedida pela Assembleia da República, é também uma modificação da lei do Contencioso Administrativo e da competência dos tribunais. E, aí, o que designadamente vai acontecer é um alívio significativo, espera-se, do Supremo Tribunal Administrativo no que respeita ao número de processos entrados, na medida em que consta do projecto — e penso que será a decisão final — que o recurso dos actos definitivos e executórios praticados por delegação dos membros do Governo seja interposto nas auditorias, bem como o recurso dos actos dos órgãos dirigentes dos institutos públicos.
Quer o Sr. Deputado José Magalhães quer o Sr. Deputado Azevedo Soares —e suponho que ainda outros Srs. Deputados— puseram o problema do Instituto de Reinserção Social.
Tive já ocasião de dizer na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias que o Instituto de Reinserção Social não pode ser dotado das verbas de que gostaríamos, para que o regime de probatton, a que o próprio Instituto está também submetido, pudesse funcionar completamente. A verba e, em todo o caso, mais significativa do que aquela que foi citada, orça, em termos globais, pelos 100 000 contos.
Mas vai começar a funcionar apenas em Lisboa e no Porto e nesta última cidade ainda estamos à procura de casa. Em Lisboa as coisas já estão mais ou menos adiantadas.
Devo, aliás, saber com toda a franqueza que em relação a estes problemas das reformas penais se seguiu uma metodologia que tenho de aceitar, visto tratar-se de um facto consumado e que, portanto, não posso alterar, mas que não é muito conveniente.
Se olharmos para a experiência dos outros países, verificamos que habitualmente se não modifica uma lei penal sem se ter preparado antecipadamente as instituições que podem fazer funcionar esse novo sistema penal, que é a parte dos tribunais das execuções das penas, a parte relativa à organização penitenciária e a parte relativa à reinsersão social. Quer o Instituto de Reinsersão Social seja autónomo, quer seja integrado na Direcção dos Serviços Prisionais, não se monta, com as características inovadoras que se pretendem actualmente e que o espírito do Código exige e que naturalmente apoiamos, num prazo mínimo de 3 anos a 4 anos — foi essa a experiência britânica—, para andarmos extremamente depressa e improvisarmos algumas coisas.
Como sabem, a Lei Orgânica final do Instituto de Reinsersão Social foi publicada já depois da entrada em vigor do Código Penal e é difícil que as coisas funcionem inicialmente bem. Trata-se de um facto que temos de lamentar, mas que me parece relativamente inevitável.
Além disso, um dos problemas sérios que existem não é apenas o de falta de verbas, mas sim também o da falta de pessoal adequado, porque é esse o problema mais grave. Estamos neste momento a envidar sérios esforços no sentido de preparar esse pessoal.
Em todo o caso, não vos devo esconder que gostaria de possuir verbas mais avultadas, mas não penso que o Ministério da Justiça possa funcionar em regime de excepção em relação aos outros departamentos da Administração Pública e subtrair-se ao regime de austeridade a que, infelizmente, todos nós estamos neste momento submetidos.
O Sr. Deputado Azevedo Soares pôs o problema de nas verbas do Gabinete do Ministro da Justiça estarem incluídas as do Gabinete do Direito Europeu e algumas outras do Gabinete de Direito Comparado, o que é exacto.
Por outro lado, alguma diminuição dessas verbas resultou de se pensar que, porventura, se não justificariam certas deslocações que habitualmente se realizavam e, neste momento, a coordenação das relações internacionais do Ministério é feita pelo Gabinete do Ministro da Justiça, e não pelo Gabinete de Direito Europeu, nem pelo Gabinete do Direito Comparado.
Suponho que com a experiência que V. Ex.B tem, isso permitirá esclarecê-lo acerca do «Tratado de Tordesilhas» e da sua caducidadç.
Vários Srs. Deputados referiram o problema da Lei Orgânica do Serviço Tutelar de Menores, que se encontra neste momento em revisão, e da relativa escassez de verbas para dotação geral desse serviço.
Isso é verdade e obedece infelizmente à regra geral.
Este ano vão, todavia, funcionar os novos Centros de Faro e de Coimbra e, provavelmente no fim do ano, podemos estar em condições de pôr a funcionar o novo Centro em Lisboa.
Gostaria que pudéssemos ir mais além, mas infelizmente isso não se nos afigura possível, dada a situação financeira actual.
No que respeita aos problemas que o Sr. Deputado Lino Lima pôs, queria dizer que comungo das mesmas preocupações que o Sr. Deputado tem em relação à situação das prisões. Ela não é efectivamente uma situação agradável.
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Em todo o caso, há algumas melhorias imediatas e absolutamente indispensáveis, designadamente no que diz respeito ao aumento da capitação da verba para alimentação e vestuário dos presos, verba essa que este ano estimamos que acabará por ser da ordem dos 120$ por dia e não já dos 74S50, que era um valor que de facto existiu, mas que já se encontra ultrapassado.
Também se encontram planeados cursos de formação em matéria de guardas prisionais e espera-se lançar novos concursos p:ra o preenchimento de um certo número de vagas, -,ue ainda, não será o número total das vagas dos gua las prisionais.
De resto, está em estu. o a revisão do Estatuto dos Guardas Prisionais, que io se encontra sequer ainda na fase conclusiva por p- te do Ministério, em termos de permitir a consulta a*: 3 sindicatos, como foi solicitado, visto que naturalmente só quando o Ministério tiver uma ideia cia a sobre qual é a sua primeira opção é que se jusufica consultar os sindicatos para depois entrarmos num diálogo construtivo. Em todo o caso, no ano de 1:>84, o novo estatuto ficará concluído.
Também tem razão quando diz que o problema das educadoras e dos assistentes sociais é um problema delicado. Aliás, é delicado a vários títulos, visto que, como sabe, também aí existem problemas de formação muito graves e que não são passíveis de se resolver rapidamente.
Em todo o caso, ainda este ano se estão a ultimar, tendo dois deles já decorrido, cursos de aperfeiçoamento do pessoal dos serviços de assistência, dos assistentes sociais, uma parte do qual irá passar para o Instituto de Reinsersão Social.
Na verba dos 100 000 contos que referi há pouco, 50 000 contos destinam-se justamente ao pagamento deste pessoal, que vai transitar de um lado para o outro e que, portanto, deixará de ser pago pelos serviços prisionais para ser pago pelo Instituto de Reinsersão Social.
O Sr. Deputado Jorge Lacão referiu-se ao Centro de Estudos Judiciários. Suponho que já há pouco respondi, dizendo que efectivamente o CEJ, pela necessidade de formar magistrados judiciais e magistrados do Ministério Público, assim como, a partir do ano lectivo de 1984-1985, também conservadores e notários, constitui uma das prioridades em termos orçamentais do Ministério, visto que, se abrandarmos nesse esforço, ser-nos-ia impossível depois implementar a reorganização judiciária e melhorar as condições em que são prestados os serviços judiciários.
A Polícia Judiciária, no que respeita à sua escola, sofreu agora, como sabe, alguns prejuízos resultantes das cheias, mas eles não envolvem atrasos nos seus cursos de formação.
Esses prejuízos são da ordem dos 15 000 a 17 000 contos. Não se sabe ainda bem, porque falta apurar se alguns aparelhos estão definitivamente destruídos ou não.
No que respeita à assistência judiciária e ao acesso ao direito, está em estudo um projecto que vem alterar completamente os termos em que essa assistência judiciária é prestada e cujas linhas fundamentais, embora não estejam todas definidas, assentam nesta ideia básica fundamental: deve basear-se num es-
quema de cooperação íntima com a Ordem dos Advogados. A ideia é de se fixar um montante global a atribuir cada ano para esse tipo de serviços. Os serviços que forem prestados pela Ordem — porque outros serviços serão prestados pelo Ministério Público — serão pagos através desse fundo, que é posto à disposição dela precisamente para pagar esse tipo de serviços.
Isso envolve naturalmente uma alteração das custas judiciais. Dentro da ideia de reorganização judiciária, da reforma no processo civil e também da reforma do processo nos tribunais do trabalho — mas aí sem incidências particulares no que diz respeito à assistência judiciária —, haverá uma alteração do esquema de custas de uma parte que é precisamente subsidiada por esse fundo, para garantir que a possibilidade de acesso ao direito funcione noutros termos.
Em todo o caso, os trabalhos ainda não estão suficientemente adiantados, uma vez que a ideia básica é não se traduzir num aumento de despesas que não tenha uma contrapartida em termos de receitas. Neste momento, em termos de Orçamento, essa discussão não me parece que possa ser feita e não estamos ainda em condições de fornecer os elementos precisos sobre isso.
Quanto ao último aspecto relacionado com o combate à droga, gostaria de salientar dois pontos: o primeiro é que espero que saia finalmente esta semana o diploma que, no exercício de uma alteração legislativa concedida pela Assembleia, vem remodelar os termos da incriminação e, em certos aspectos, da investigação criminal em matéria de droga.
Por outro lado, continuo efectivamente a pensar — e será provável que consigamos fazê-lo já no 2° semestre deste ano— em modificar o esquema estrutural do Gabinete de Combate à Droga, nos termos que tive oportunidade de referir na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, isto é, de se fazerem em termos interministeriais.
O atraso resulta também da circunstância de termos de aguardar primeiro a reestruturação do Ministério da Saúde para depois estarmos em condições para proceder à reforma na parte dos centros de estudo e na parte do Gabinete, visto que as duas coisas estão intimamente inter-relacionadas.
Suponho que referi os principais pontos que me tinham sido solicitados.
O Sr. Presidente: — Antes de passarmos à votação, vamos ver se algum dos Srs. Deputados deseja ainda fazer algum comentário.
Tem a palavra o Sr. Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP):—Sr. Ministro, desculpe, mas parece-me que não respondeu à pergunta que fiz sobre que verba estaria destinada para este ano para obras nos estabelecimentos prisionais.
O Sr. Ministro da Justiça: — Tem razão, Sr. Deputado. Como disse, o orçamento dos cofres ainda não está definitivamente assente, mas em princípio a verba será de 175 000 contos.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Sr. Ministro, pretendo apenas colocar duas questões, complementares àquelas que foram suscitadas há momentos, antes que outras venham também a ser postas sobre a mesa, pelo meu camarada José Magalhães.
Aparecem-nos aqui 3000 contos para investimentos do Plano, o que me justifica uma pergunta muito sintética: a que é que pensa o Sr. Ministro dedicar uma verba tão manifestamente «elevada» como esta, uma vez que, tal como aqui aparece consignada, suponho que nem sequer para conservação de materiais e edifícios existentes bastará? Por que é que estão aqui estes 3000 contos, o que é que significa esta verba no orçamento do Ministério da Justiça, tanto mais quanto sabemos que os 35 000 contos previstos para pequenas reparações, ao nível do Ministério do Equipamento Social, foram cortados e, posteriormente, reapresentados por proposta do PCP, tendo sido nesta sede rejeitados? O que vai o Ministério da Justiça fazer com os 3000 contos em matéria de investimentos do Plano, face, designadamente, àquilo que acabo de referir?
Ponho, em seguida, uma segunda questão, que tem ainda a ver com o problema dos tribunais administrativos. Em primeiro lugar, a revisão da lei orgânica dos tribunais administrativos e fiscais implicará novas auditorias —segundo é opinião corrente e até unânime— com novas atribuições que hoje são do Supremo Tribunal Administrativo e que passariam a pertencer a essas auditorias.
Tudo isto implica verbas relativamente avultadas, e, assim, gostava de saber como vai o Ministério da Justiça fazer frente a uma tal necessidade. Ou será que vai, pura e simplesmente, meter a reforma na gaveta, bem ao contrário daquilo que urge e que consensualmente se defende?
No tocante às instalações, mais uma vez gostaríamos de ouvir o Sr. Ministro relativamente ao seguinte: o quadro que se nos depara é quase vergonhoso, para não dizer desprestigiante para a justiça administrativa, para a ideia da justiça e para a sua prática em Portugal. O palacete de São Pedro de Alcântara está nas condições que se conhecem e o imperativo da construção de mais um andar e da introdução de melhorias, de benfeitorias significativas no edifício, parece não ser muito discutível. Isto, independentemente de poderem ou não os senhores magistrados do Supremo Tribunal Administrativo gostar de trabalhar em casa, segundo aquilo que aqui se disse, embora convenhamos que há locais apropriados para se realizarem determinadas tarefas, que, neste caso, são, concretamente, os gabinetes que devem existir nos tribunais.
Por outro lado, os serviços de apoio são perfeitamente miserandos. O que se conhece em relação à biblioteca é inquietante: a inexistência de um funcionário bibliotecário com formação jurídica, independentemente do mérito de quem quer que seja, é, de facto, hoje, de colocar como uma questão central. Perguntava, assim, ao Sr. Ministro da Justiça o que é que pensa realmente fazer neste domínio. Ou seja, se vai manter este quadro verdadeiramente pantanoso ou se tem medidas no sentido de lhe pôr cobro, criando uma realidade completamente outra.
Em jeito de questionação brejeira, perguntaria se o Governo pensa diminuir substancialmente as suas violações na legáhàate administrativa, assim diminuindo
também o volume do trabalho do Supremo Tribunal Administrativo e, por essa via, criar condições para que a exiguidade de espaço diminua.
Eram estas duas questões que, para já, gostaria de colocar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP):—Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Queria pedir, propor, sugerir e contribuir, se possível, duas coisas para o aprofundamento do debate, mas também para o seu alargamento a outras matérias que estiveram ausentes até agora e que deveriam ser debatidas antes da votação, até porque creio que temos tempo disponível e devemos usá-lo utilmente.
Uma primeira observação e um comentário, se me é permitido, em relação à informação que foi fornecida quanto à situação dos cofres. Foi-nos fornecida uma informação em relação aos orçamentos mas não, infelizmente, quanto à gestão. E muito interesse teríamos, assim como o País, em conhecer a forma como foram geridos nesta fase que antecedeu e que agora vivemos ambos os cofres. Creio que essa informação devia ser prestada à Assembleia da República pela forma própria e estou em crer que não haverá da parte do Ministério da Justiça obstáculo ao envio ulterior de informação bastante sobre a gestão dos cofres e sobre o seu orçamento actual.
Isto porque a informação que foi dada chama a atenção para uma questão que me parece fundamental. Em Justiça há realmente dois orçamentos ou duas ordens de grandeza quase iguais — uma até maior do que a outra, pelos vistos— e o princípio que consta hoje da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, da universalidade do orçamento e, portanto, da gradual e progressiva integração dos orçamentos dos fundos no Orçamento, afigura-se, face a isto, cada vez mais importante. São 4 800 000 contos, segundo foi informado aqui, num orçamento que tem 4 871 000 contos com contas de ordem. Está quase ela por ela.
A segunda observação que queria fazer era a de que das informações do Sr. Ministro se desgarra também a ideia de que se vive não sei se um compasso de espera se uma situação de larga indefinição muito preocupante em relação aos rumos da inovação legislativa. Digamos que se assistiu, no período anterior, a uma explosão desigual, inovadora no bom e no mau sentido —às vezes no péssimo sentido! ...—, contando por vezes com meios que foram apressadamente procurados onde era mais fácil e onde isso implicava o desvio de finalidades próprias de instrumentos que para outras finalidades foram criados.
As consequências disso não estão totalmente à mostra, e é pena, mas a situação neste momento é relato-rialmente a seguinte: está-se a ponderar; existe uma comissão de estudo; foi emitido um despacho normativo; o Governo está a considerar; o grupo de trabalho está em bom andamento; está em projecto; está em reflexão; está tudo em observações, que traduzem porventura elaborados esforços elocubrativos, mas não ideias que possam ser discutidas com o Parlamento e com a opinião pública, o que é lamentável.
Creio que valia a pena alargar a reflexão e o debate a outros campos muito concretos.
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Primeiro, a Polícia Judiciária e as verbas inscritas este ano. Ê sabido o papel que as questões da criminalidade assumiram na campanha eleitoral e posteriormente. Eu diria, que elas têm sido, ao sabor da evolução do processo j3olítico, um tema usado para em certos casos alarmar a opinião pública e até desinformar substancialmente e noutros para promover a aprovação de legislação inquietante no que diz respeito aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Neste momento assiste-se a uma situação intermédia: ao mesmo tempo que existe um crescendo desin-formativo quanto a certos aspectos da criminalidade, em particular da criminalidade violenta, e uma irres-ponsabilíssima imputação política das causas desse suposto crescendo, assiste-se a uma involução ou, pelo menos, a uma estagnação nos meios ao serviço do combate da criminalidade e, por força da política geral do Governo, em particular de uma política económica e financeira, ao agravamento ou potenciação das causas que qualquer chã análise dos problemas de criminalidade revela estarem na origem dos acréscimos desta.
£ assim em relação à política de agravamento do custo de vida, é assim em relação à política do desemprego e relativamente à política que deixa degradar as condições habitacionais e outros factores que são consabidamente criminógenos.
Em relação à Polícia Judiciária, concretamente, creio que fica claro da análise dos números que haverá travagem no processo de gradual cobertura do território nacional pela Polícia Judiciária. Todos sabemos que ela não se podia fazer atribiliariamente, mas a travagem que se constata é obviamente perniciosa.
No entanto, parece-nos que a carga deste decréscimo se vai reflectir desigualmente entre as directorías, inspecções e subinspecções. Isso constata-se vendo as verbas que são atribuídas a umas e a outras. Elas não decorrem apenas da importância desigual, mas também de algumas opções que nos parecem questionáveis quanto à repartição das verbas.
Nós acreditávamos que seria útil que o Sr. Ministro esclareça, já que não temos aqui o orçamento da Polícia Judiciária propriamente dito, no quadro da Directoria-Geral, quais as verbas afectas à Direcção Central de Prevenção e Investigação, à chamada «Direcção Central de Combate ao Banditismo», aos Serviços de Informática e Telecomunicações e ao Laboratório de Polícia Científica. ,
Parecia-nos muito importante que a Câmara dispusesse de uma informação mínima, sem a qual, realmente, não é possível discutir nada em relação à Polícia Judiciária, a não ser alguns conceitos muito gerais, como, por exemplo, que ela existe, que tem um decreto-lei orgânico, funciona, vai funcionar — esperemos todos que sim, a bem do combate à criminalidade —, etc.
Mas creio que seria muito interessante aprofundar a repartição das verbas entre estes diversos serviços que hoje existem na Polícia Judiciária.
Além disso, seria útil que nos fosse fornecida uma informação sobre as verbas previstas para o Serviço de Registo e Tratamento de Informação Criminal. Numa altura em, que tanto se fala da problemática das informações, seria interessante saber como é que este serviço está a funcionar e quais as verbas inscritas.
Por outro lado, à Polícia Judiciária precisa, diz o Deoreto-Lei n.° 458/82 —e, porventura, douta-
mente—, «de peritos em matéria de organização e informática, finanças e contabilidade, tradução, tratamento de informação, prevenção criminal, telecomunicações, relações públicas e outras, para além das já indiscutíveis técnicas de polícia científica com apoios na investigação criminal.
Esses técnicos devem gozar, no mínimo, de possibilidades de acesso como quaisquer outros, mas deverão criar-se condições de fixação, sob pena de o investimento numa formação algo específica ser desperdiçado».
Eis o que se diz.
Creio que face às verbas que estão previstas e à situação decorrente de se acabar —aliás, não sei se se acaba, seria bom que isso fosse esclarecido — o regime transitório previsto neste decreto-lei para o suporte pelos cofres das verbas para o aumento de pessoal e outras, qual é a opinião ministerial sobre a possibilidade de cumprimento dos objectivos que presidiram à revisão do Estatuto da Polícia Judiciária e à aprovação do Deoreto-Lei n.° 458/82, nos aspectos em que correspondem a inquestionáveis necessidades?
Portanto, a questão é como é que vai ser cumprido este diploma e se o vai ser em relação a estes aspectos.
A segunda subquestão é sobre os institutos de medicina legal. Sabemos, em relação a estes institutos, dos atrasos na conclusão dos exames, dos relatórios, etc. Segundo números oficiais, em Janeiro de 1982 havia 11 470 processos judiciais pendentes devido a esses atrasos. Não sei qual era a situação em Janeiro de 1983 e talvez fosse útil uma informação sobre esse aspecto.
Conhecemos os resultados. As causas do mal também se sabe que estão na estrutura velha vinda da I República, nos quadros pequenos, nas remunerações que são desmotivadoras, na falta de equipamentos, na degradação das instalações, etc. De vez em quando rebenta um escândalo, pois desaparece um cadáver da morgue ou as famílias andam angustiadas com certas situações que se verificam nos institutos de medicina legal. Mas a questão é que foram adoptadas certas medidas para, dizia-se, arrancar não com a reforma profunda, mas ao menos com o desbloqueamento de certas alterações pontuais. Que verbas estão previstas para o ano de 1984 na sequência do Decreto-Lei n.° 169/83? Creio que é um aspecto relevante e que merecia, aqui, alguns comentários ministeriais.
Em relação à questão do acesso ao direito, creio que ela está insuficientemente tratada e valeria a pena debatê-la com um pouco mais de cuidado.
Ê aqui que a questão da inovação ou do bloqueio da inovação se situa, quanto a nós, em níveis alarmantes. Isto porque em relação a certas coisas é a degradação, dizendo-se que não há verba, que existe austeridade, os presos comem pior, os guardas prisionais esperam mais uns tempos, os juízes trabalham nos gabinetes ou em casa, o que é bastante confortável, etc.
Agora em relação a questões como o acesso à justiça, aí a degradação atinge proporções e tem consequências que são verdadeiramente dramáticas, no momento em que a violação da legalidade se intensifica e as injustiças sociais se agravam.
Ê que a situação existente no País é verdadeiramente aberrante sobre esse aspecto. Vem de muitos anos atrás, tem causas profundas, não pode ser imputada apenas a este, àquele ou aqueloutro governo, visto
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que se trata de uma responsabilidade colectiva. Mas o Governo que está tem responsabilidades.
Tal situação desdobra-se em muitos planos, isto é, não se resolve facilisticamente dizendo quanto é que o Governo vai dar à Ordem dos Advogados para fazer a assistência judiciária. Se fosse assim seria fácil e simples. Só que não o é.
A situação depois da revisão constitucional é ainda mais insustentável. Temos uma disposição constitucional exacta, correcta, justa, votada por consenso ou lar-guissimamente. A questão está em saber como é que ela se há-de começar a cumprir e como se há-de alterar a situação um pouco bárbara que existe nesta matéria.
Primeiro, o que é que o Governo prevê em relação à informação jurídica? Ou será que ela vai continuar a estar sujeita à abstenção quase completa do aparelho de Estado e ao negócio lucrativo de alguns no sector privado, atingindo os poucos que a ela têm acesso e que a podem pagar?
Segundo, o que é que o Governo prevê em matéria de consulta jurídica?
Terceiro, como é que é sustentável a manutenção do statu quo em matéria de assistência judiciária, tanto em relação aos tribunais, em geral, como aos tribunais do trabalho, em particular? Nestes, a questão é fonte de injustiças gritantes, no momento em que ainda por cima os trabalhadores são objecto de um assalto e de uma violação brutal dos seus direitos em todas e todas as frentes.
Em quarto lugar, vem o patrocínio em processo penal. Quanto tempo é que vai continuar a actual situação e como é que se vai dar cumprimento às belas disposições aprovadas na revisão constitucional, reforçando também neste ponto os direitos dos arguidos?
Lembro, por exemplo, que o relatório da Ordem dos Advogados, publicado no Boletim, n.° 18, de Setembro de 1983, diz a p. 41, o seguinte:
Funcionou quinzenalmente o Gabinete de Consultas Jurídicas gratuitas destinado a pessoas com fracas possibilidades. Foi de cerca de 120 em Portugal, no ano de 1982, o número de pessoas atendidas por apenas 5 advogados.
Este é o relatório e o balanço feito pela Ordem dos Advogados sobre o Gabinete de Consultas Jurídicas.
A questão é, Sr. Ministro, quantos mais anos pode a consulta jurídica estar nesta situação e ao preço de quê, para todos aqueles que sofrem directamente as consequências da violação da legalidade pelo patronato, assim como para os inquilinos, os moradores, etc.
Isto não se resolve sem capacidade inovadora. Creio que seria demasiado fácil dizer-se que o Estado podia renunciar às suas responsabilidades próprias e fornecer umas tantas centenas de contos à Ordem dos Advogados, para que em vez de 5 advogados houvesse 10 ou 15, ou para que se generalizasse um sistema de consulta jurídica estilo medicina convencionada aplicada à advocacia. Pareoer-nos-ia tacanho, limitado e muito grave em relação ao uso dos dinheiros públicos.
Só que as iniciativas marcam passo e isto já sem falar noutras questões em que a inovação seria necessária, como a relacionada com a indemnização por prisão ilegal, que talvez não custasse tanto dinheiro como isso ao Estado, porque seria um elemento de
dissuação das prevaricações e das violações da legalidade por parte dos serviços competentes. O mesmo se diga em relação às indemnizações por violação da responsabilidade do Estado noutras esferas, em que seriam bem necessários aperfeiçoamentos, já que a legislação existente está desactualizada. Não há aqui nenhuma capacidade inovadora, tanto quanto nos é permitido saber, salvo se o Governo tem belas intenções, que esconde para anunciar na altura própria com pompa e ostentação. Talvez nem isso aconteça, infelizmente, sendo a situação bem páor.
Apresentámos algumas propostas de reforço de verbas em relação a áreas que nos parecem não poder prescindir delas.
A maioria governamental tem estado silenciosa sobre se pretende ou não, como tem sucedido em relação a outros ministérios, contemplar o Ministério da Justiça com um reforço que vem sendo tradicionalmente muito magro de verbas. Em nossa opinião, esse reforço devia existir para as áreas prisional, de reinserção social, de alimentação de menores e também na actualização do orçamento da Polícia Judiciária, para que não seja, pelo menos, degradado mais do que decorre da inflação.
Estas propostas deviam, quanto a nós, merecer algum debate. Deixámos para outro quadro as propostas sobre o combate à droga e à corrupção, que é em parte da competência do Ministério da Justiça. Seria interessante que a matéria fosse abordada, uma vez que o País vive, sob esse aspecto, uma situação verdadeiramente insólita: há um governo que toma posse aos berros pelo combate à corrupção, e tem desde há meses indigitado um cidadão para o exercício de altas funções nessa matéria, não tendo, que se saiba, verbas, serviços, instalações ou o que quer que seja, marcando passo —já não digo com desprestígio do Governo, mas da própria ideia do combate à corrupção como tal —, para além de termos paralisadas várias iniciativas, algumas até no plano parlamentar —responda, por isso, a maioria — também nesta esfera.
Seria interessante que o Sr. Ministro da Justiça se prounciasse sobre estas matérias.
Resta acrescentar que apresentaremos propostas no quadro do debate no Ministério das Finanças para reforço das dotações necessárias à actualização salarial dos magistrados, funcionários judiciais e de outros trabalhadores, designadamente guardas prisionais.
Agora não é possível que este debate finde sem que o Ministro da Justiça exprima, em relação à situação dos magistrados, o mínimo sobre as intenções governamentais, por um lado em relação às remunerações, mas também em relação a certos problemas para que os magistrados vêm chamando a atenção, tanto os do ministério público como os magistrados judiciais no seu recente congresso. As conclusões deste, a ter em conta as observações ministeriais, são bons desejos, não para o Natal de 1983 e para o ano de 1984, mas porventura para 'o ano de 1985 ou de 1986, dadas as verbas e a atitude ministerial nesta matéria. E isto numa perspectiva optimista, segundo me lembra um camarada meu.
Mas seria muito importante que o Governo não deixasse submeter à votação estas propostas sem pelo menos formular algumas observações informativas sobre estas questões.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): —Sr. Ministro, V. Ex.a referiu a minha experiência sobre estas matérias e talvez por isso me sinta um pouco inibido para tratar das questões respeitantes ao orçamento do Ministério da Justiça.
De qualquer forma, não gostaria de deixar de realçar que este orçamento traduz de alguma forma uma perigosa continuidade, uma vez que nada de substancial me parece ter alterado no Ministério da Justiça, para além de ura esforço que admito que se verifique em termos de contenção de despesa, mas sempre sobre a mesma lógica de redução percentual, nalguns casos.
Vejo que V. Ex.a chamou a si — e muito bem — a responsabilidade pela representação internacional do Ministério da Justiça e do Governo em alguns aspectos relacionados com estas matérias, mas continuo a ver no orçamento do Ministério da Justiça a existência desses dois departamentos que referi, a atribuição de verbas de investimento para o Gabinete de Direito Europeu, de 1900 000 contos e para o Gabinete de Documentação e Direito Comparado, de 1 600 000 contos. Ora, o que pergunto é a razão da atribuição de tais verbas. Não haverá uma melhor forma de as optimizar?
Quanto à reorganização judiciária, permita-me Sr. Ministro que lhe diga que não acredito que vá fazer nada de substancial nessa matéria. Poderá melhorar um pouco a actual situação, mas a questão é de fundo, e se V. Ex.a disser que vai rever profundamente toda a nossa organização judiciária por forma a que não existam juízes como há neste momento —que têm o serviço totalmente em dia trabalhando apenas 2 dias por semana e outros que trabalham 15 dias por semana e têm o serviço atrasado 4 meses ou mais —, aí eu esperarei para ver.
Ê que este estado de coisas não é resultante do mérito de uns ou do demérito de outros, mas sim da absurda organização judiciária por que nos regemos. Ora, não se pode pôr cobro a esta situação apenas com algumas cosméticas ou com algumas melhorias, evitando que os juízes andem tanto na estrada como andam até agora.
Confesso que fiquei preocupado com a referência que V. Ex.a fez de que em relação aos cofres apenas 1 200 000 contos se destinam a investimentos, o que altera profundamente o sentido dos próprios cofres. Não tenho notícia de que caiba a V. Ex.° qualquer responsabilidade nesta situação, mas gostaria de saber se tenciona inverter substancialmente este perigoso caminho em relação aos cofres do Ministério da Jlis-tiça.
Mas há também outras questões relacionadas com a construção do Palácio da Justiça e que me parece que correspondem também a uma certa euforia que nos últimos anos se tem vivido em Portugal, sem se procurar outro tipo de soluções que, com muito menores custos, consigam responde* às mesmas necessidades. Julgo que há mesmo no Ministério da Justiça algumas experiências nesse sentido, em que, não optando pela construção de raiz de palácios de justiça, mas recuperando edifícios aqui e ali, com investimentos muito menores, se tem conseguido instalações condignas, com a dignidade que a justiça merece, e, portanto, sem toda aquela plêiade de caminhos que normalmente se seguem para a construção de palácios de justiça
de raiz e onde é muito difícil ao Ministro da Justiça poder controlar muitas outras coisas que por isso acabam por passar. Talvez por isso, construindo menos palácios de justiça mas reconstruindo mais outros edifícios, se pudessem com mais economias alcançar melhores resultados.
Havia ainda uma última questão que gostaria de ver mais esclarecida e que diz respeito ao Código de Registo Predial.
Não a coloco em termos de filosofia política da sua orientação, já que eu tenho a minha, podendo V. Ex." ter, com certeza, algumas orientações diferentes. O que me preocupa é a demora com que o Código está a ser implementado. Isto tem a sua incidência orçamental, não só no Ministério da Justiça, mas no próprio Ministério das Finanças, porque se for eliminada uma pequena introdução, feita bastante tardiamente nesse Código, de manutenção do regime de preparos —ou seja, portanto, se for eliminado esse sistema do regime de preparos—, cria-se uma celeridade no registo e uma quase obrigatoriedade geral de registo, que não só irá aumentar substancialmente as receitas dos cofres, mas acima de tudo irá actualizar muito substancialmente a matéria colectável para efeito de contribuição predial. O Ministério das Finanças não tem sido muito sensível a este argumento e espero que V. Ex.° tenha melhor sucesso que acções anteriores nesses domínios. E que, em consequência do actual sistema, até a própria justiça fiscal se encontra totalmente distorcida.
Desta maneira, um regime que seja menos ambicioso, mas que seja mais eficaz, como aquele que está previsto no Código e que permite, segundo creio, caminhar mais rapidamente para fórmulas de registo obrigatório ou quase obrigatório, na prática, em todo o País. Deste modo," ter-se-á por um lado, uma possibilidade de conhecimento real de qual é a situação do nosso património habitacional e de propriedade e aumentar-se-ão substancialmente as receitas, quer ao nível do notariado, quer ao nível do registo predial. Além disso, irá permitir ainda ao Ministério das Finanças, quando este se dignar ser mais colaborante com os outros departamentos do Governo e menos fiscalizador, ter um aumento substancial da sua própria receita fiscal, através de um conhecimento muito mais concreto e real de qual é a verdadeira matéria colectável em sede de contribuição predial.
Durante esta intervenção, assumiu a presidência o Vice-Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, Almerindo Margues.
O Sr. Presidente (Almerindo Marques):—Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: — Era para dar mais alguns rápidos esclarecimentos complementares.
No que respeita aos investimentos do Plano, a verba de 3000 contos é uma verba posta essencialmente pro memoria e para que o Ministério da Justiça não fique completamente esquecido nessa matéria de planeamento. Embora a verba se destine fundamentalmente a trabalhos relacionados com projectos de informática, é evidente que, só por si, não permitiria sequer levar a efeito um desses trabalhos, que dizem respeito à informatização da parte do registo criminal.
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Quanto ao problema das auditorias e do Supremo Tribunal Administrativo, já há pouco tive ocasião de dizer que em relação às obras deste se vai celebrar o contrato com o projectista, presumo que ainda este mês. Essas obras vão permitir resolver de uma maneira aceitável a situação de instalação do Supremo Tribunal Administrativo, na medida em que vão permitir que a biblioteca se instale convenientemente, que o ministério público também e que haja um serviço de apoio e de documentação indispensável para que um tribunal como este possa funcionar em condições de eficiência mínima.
Também terá alguns gabinetes para os conselheiros, mas em relação a isso não valerá a pena estar a reproduzir aquilo que há pouco referi.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP):—Sr. Ministro, gostaria que dissesse, se possível, qual o montante concreto da verba prevista para esse tipo de projecto a que está a aludir.
O Orador: — A verba prevista oscila, salvo erro, entre 42 000 contos e 52 000 ou 55 000 contos, não lhe posso precisar com rigor. O motivo desta oscilação é que existem duas soluções possíveis e os elementos que tenho ainda não me permitiram optar por uma delas. Há uma mais barata e outra mais cara, e, portanto, existe áí uma divergência que não me torna possível dar-lhe neste momento uma informação exacta.
Em relação à Auditoria de Lisboa, ela está instalada neste momento nas Escadinhas de São Crispim. O edifício é muito grande, tem uma zona muito degradada, mas tem outra que está perfeitamente bem. Estive noutro dia a visitar o edifício e pude verificar isso por testemunho pessoal.
Há, todavia, algumas obras de reparação exterior que vão ser feitas e que estão orçadas, juntamente com a recuperação de algumas salas mais, que permitirão à Auditoria funcionar em condições de albergar os novos juízes, em qualquer coisa da ordem dos 3000 contos.
Neste caso, trata-se justamente da recuperação de um edifício, como há pouco dizia o Sr. Deputado Azevedo Soares.
Estão previstas as verbas necessárias no orçamento dos cofres em preparação para poderem funcionar as Auditorias de Lisboa, Porto e Coimbra, com o número de juízes suficiente e permitir a reforma.
O problema ainda não está cabalmente resolvido. No Porto já há algumas ideias para melhorar as instalações, através da ocupação de um novo edifício a partir do momento em que houver transferência dos tribunais de polícia.
No que respeita a Coimbra, o problema ainda não se encontra resolvido em termos de edifício, mas sê--lo-á.
Ê óbvio, como V. Ex.° sabe, que a diminuição do número de processos não resulta de uma preocupação ou recta intenção do Governo em não cometer ilegalidades, mas de outro tipo de factores.
Gostaria, aliás, de referir que este debate é a propósito do orçamento e não a propósito da política geral do Ministério que não tenha repercussões orçamentais. Desta forma, dispenso-me de cometer as observações do Sr. Deputado fase Magalhães acerca
da capacidade ou incapacidade de pensar novas e inovadoras fórmulas legislativas.
Penso, aliás, que nessa matéria mais vale pensar demoradamente do que tomarem-se medidas precipitadas e ficar-se depois com situações complicadas em que lemos de voltar atrás.
No que diz respeito à Polícia Judiciária, V. Ex.° pode ver no orçamento que distribuí aquando da sessão na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias uma discriminação das verbas relativas à Polícia Judiciária, onde também se encontra uma referência às verbas que são distribuídas pelas diversas direcções regionais desta Polícia.
O Sr. Deputado tem razão quando diz que vai haver uma certa lentidão na cobertura do País. Mas, já agora, gostava de lhe dizer que esse problema não é apenas um problema financeiro, embora também o seja, mas um problema relacionado com a preparação de funcionários. Neste momento estamos com dificuldades de preencher, num mínimo que permita o funcionamento com suficiente eficácia, algumas delegações da Polícia Judiciária, justamente porque o out-put da Escola não nos permite fazê-lo neste momento.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Dá-me Jicença, Sr. Ministro?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Permita-me que lhe peça o aprofundamento de uma informação.
O que eu perguntei não foi tanto a distribuição regional, pelas inspecções e subinspecções, uma vez que temos o orçamento desenvolvido, mas a repartição de verbas na Directoria Central entre estruturas como a Direcção Central de Combate ao Banditismo, a estrutura responsável pela investigação criminal, a de telecomunicações e informática e outras. A questão é a da repartição das verbas na Directoria Central, pois é essa a única para a qual o Ministério da Justiça não forneceu elementos que permitam ao Parlamento ter uma imagem da grandeza relativa das verbas distribuídas.
O Orador: — Não tenho, neste momento, aqui elementos mais discriminados do que esses que V. Ex.a também possui. No entanto, poderei fornecê-los ulteriormente.
No que se refere aos institutos de medicina legal, está em curso, em Lisboa, uma operação de recuperação dos processos atrasados com uma task force, mas o problema carece, efectivamente, de uma medida bastante mais profunda.
Encontra-se igualmente em estudo e numa fase bastante adiantada uma reestruturação dos institutos de medicina legal, em particular o de Lisboa. Na verdade, as suas estruturas actuais remontam, em grande parte, às estruturas do início da República. Basta dizer, por exemplo, que só se previa nessa altura a existência de uma escola médica em Lisboa e hoje existem mais. Portanto, certos aspectos do próprio funcionamento do Instituto têm de ser revistos e estão a sê-lo..
Igualmente, em matéria de pessoal foram recentemente aplicadas determinadas normas legais para resolver algumas situações de injustiça resultantes da não aplicação dessas normas.
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No que se refere ao acesso ao direito, gostaria de referir que, como há pouco tive ocasião de mencionar, o debate sobre essa matéria no seio do próprio Ministério da Justiça não está terminado. Há pouco mencionei apenas o ponto que aqui interessava, que era o de que o funcionamento do acesso ao direito não acarreta, neste momento, nem aumento de despesas nem de receitas em relação às que estão aqui previstas, embora se tenha de prever novas receitas e novas despesas. Não é possível nesta fase dar nenhuma indicação estimada e, portanto, essa discussão não é útil neste momento. Obviamente que, tratando-se de uma matéria extremamente importante, o Parlamento terá ocasião de a debater na altura oportuna.
Quanto à reorganização da Polícia Judiciária, o que se pretende é uma reforma de fundo. Falta saber se ^teremos possibilidade de a fazer. Não pretendo presumir das forças do Ministério.
Em todo o üaso, a situação é, como V. Ex." conhece, uma situação bastante difícil, que, pela própria situação em que se encontram os serviços judiciários, exige, necessariamente, que se façam algumas reformas bastante mais profundas do que uma simples cosmética. Aliás, não penso que se devam fazer reformas por simples cosmética.
Estou de acordo com o Sr. Deputado no que diz respeito aos palácios de justiça. Há alguns problemas de construção de obras que têm de ser modificados, designadamente quanto à competência respectiva e quanto aos esquemas de garantia da imparcialidade da administração nessa matéria. Penso que em Janeiro sairá um diploma que vai regular, de uma maneira diversa, esse problema. Sem ter a ilusão de pensar que poderemos erradicar completamente algumas práticas que estão profundamente enraizadas em alguns serviços públicos, penso, no entanto, que se poderá dar um passo significativo nesse capítulo.
O que acontece é que, em muitos casos, não há edifícios para irecuperar e, portanto, tem de se construir de raiz. Mas, quando for possível a recuperação de edifícios, penso que essa é uma medida preferível à construção de raiz, pois é bastante mais barata e mais rápida. Como sabe, em alguns casos tem sido feita essa opção e continuará a sê-lo.
No que se refere ao problema da guerra entre os diversos gabinetes — digamos assim —, estamos nuna fase que ainda não permitiu ultrapassar todos esses aspectos, mas em que, pelo menos, as decisões são tomadas, não por um dos gabinetes, mas ao nível dos gabinetes do Ministro e dos seus adjuntos. Portanto, faz-se a coordenação entre os dois e distribuem-se as verbas em função das tarefas que estão repartidas entre os dois. Está a fazer-se uma involução em relação à situação anterior, com a necessária cautela para não criar frustrações relativamente a alguns trabalhos que estavam a ser desenvolvidos.
No que diz respeito ao Código do Registo Predial, penso que aquilo a que se está a proceder é precisamente a um reexame, em função das várias críticas que foram feitas pelas associações dos notários e pelos próprios serviços. Estamos a fazer uma ponderação dessas críticas para verificar se elas são ou não fundadas. Julgo que não levará muito tempo a fazer certos p&qufcnOS ajustamentos que V. Ex.a referiu que se tornava necessário proceder. Mais uma vez, penso que no princípio do próximo ano teremos ...
O Sr. Azevedo Soares (CDS): —Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Crador: — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Azevedo Soares (CDS):—Compreendo as cautelas que V. Ex.a tem nessa matéria. Eu tenho um ano e tal de experiência de críticas feitas por essas associações e pelo sindicato sobre as soluções apontadas e é evidente que essas críticas foram diminuindo com o decurso do tempo e julgo que a sua natureza não terá evoluído muito. Terão, quando muito, de ser retomadas por condições mais favoráveis. Penso que elas assentam essencialmente na protecção de situações adquiridas ou de hábitos arreigados e que no fundo acabam, de alguma forma, por paralisar a renovação profunda do registo predial que, a meu ver, é o nó górdio de toda a questão dos registos de notariado, porque é por aí que se bloqueiam e se potenciam todas as situações anómalas que se passam ao nível do notariado.
Confesso que estou um pouco céptico quanto à pertinência dessas críticas, que fui constatando serem cada vez mais enfraquecidas e que, de alguma forma, acabaram por ter apenas alguma consagração — embora coníra a minha vontade — no que diz respeito à introdução de novo do sistema de preparos, que é mais aquela zona cinzenta onde tudo é possível fazer sem que haja responsabilidade de ninguém e que é o momento em que se encontra justificação para todas as demoras, para todos os processos nas gavetas, para toda a paralisia do próprio sistema.
E evidente que há dificuldades dè execução do Código — não tenho dúvidas quanto a isso —, nomeadamente em função das instalações existentes. Contudo, julgo que — e porque estamos a discutir isto em sede puramente de orçamento e é só neste plano que eu gostaria de colocar estas questões— é ai, em todos aqueles planos que referi, que o investimento era altamente rentável. Parece-me que a execução rápida e acelerada do próprio Código poderia vir desbloquear muitas das dificuldades financeiras e orçamentais do próprio Ministério, nomeadamente dos cofres onde, como disse, me preocupa a existência de 75 % das suas receitas afectas a verbas que não são próprias desse mesmo Código. Sendo despesas que vêm de situações anteriores — que necessariamente V. Ex." vai ter que continuar a afectar em 1984, e, portanto, renovar todas aquelas disposições dos numerosos decre-tos-leis que têm sempre um artigo final atribuindo para 1983 as verbas aos cofres e é donde vem, julgo eu, a parte substancial destes 75 % —, a inversão disto não poderá estar desligada da recuperação financeira e, portanto, da possibilidade de o Orçamento do Estado poder assumir responsabilidades que são suas e não dos cofres. A implementação rápida do Código do Registo Predial poderia, de alguma forma, vir a contribuir pana uma resolução desse problema ao nível dos próprios cofres do Ministério da Justiça.
O Orador: — Como disse, estamos a proceder a esse exame.
O Sr. ÍPresidente: — Não havendo mais ninguém inscrito, vamos passar à votação.
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Encontra-se na Mesa uma proposta de alteração ao orçamento do Ministério da Justiça, apresentada pelo PCP, que é do seguinte teor:
Proposta de alteração 08 — Ministério da Justiça
Para além das propostas oportunamente apresentadas com vista ao reforço das dotações para a recuperação, conservação, beneficiação de instalações judiciárias e medidas a propor no quadro do Ministério das Finanças e do Plano para reforço da dotação provisional tendente a assegurar a actualização salarial dos magistrados, funcionários judiciais e outros trabalhadores dependentes do Ministério da Justiça, os deputados abaixo assi-dos apresentam as seguintes propostas de reforço de dotações:
a) 01 — Gabinete do Ministro--h 45 800
contos, com vista ao acréscimo dos meios necessários à efectiva aplicação das disposições legais em matéria de «reinserção social»;
b) 02 — Secretaria-Geral--h 250 000 con-
tos, com vista ao acréscimo das verbas disponíveis, designadamente para os instituto de medicina legal;
c) 09 — Direcção-Geral dos Serviços Prisio-
nais --1- 100 000 contos, para reforço
da verba destinada a alimentação, roupa e calçado dos estabelecimentos prisionais;
d) 10 — Direcção-Geral dos Serviços Tute-
lares de Menores--(- 25 000 contos;
é) 11 — Polícia Judiciária--h 80 000 contos.
Apresentadas serão ainda, na sede própria, propostas tendentes a dar resposta às necessidades em matéria de combate à droga e à corrupção.
O Sr. José Magalhães (PCP):—Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Queria pedir que a votação fosse feita ponto por ponto.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado. Vamos, pois, passar à votação da alínea a) da proposta de alteração apresentada pelo PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos a fovor do PCP e votos contra do PS, do PSD, do CDS e da UEDS.
O Sr. Presidente: — Passemos à votação da alínea b) da mesma proposta de alteração.
Submetida à votação, foi rejeitada, com 'votos a favor do PCP e votos contra do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: — Vamos passar à votação da alínea c) da proposta de alteração.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos a favor do PCP e da UEDS e votos contra do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: ■— Segue-se a votação da alínea d) da proposta de alteração.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos a favor do PCP e votos contra do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: — Finalmente, a votação da alínea e) da mesma proposta de alteração.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos a favor do PCP e votos contra do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: — Vamos passar à votação global do orçamento do Ministério da Justiça.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e a abstenção do CDS.
O Sr. Presidente: — Segundo a agenda fixada, terminámos os nossos trabalhos relativos ao Ministério da Justiça, pelo que suspendo a sessão até às 15 horas, hora para a qual está agendada a discussão relativa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, seguida da do Ministério da Defesa, às 17 horas.
Está, pois, suspensa a sessão.
Eram 12 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: — Vamos iniciar os nossos trabalhos com a discussão e votação do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Vou dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Cooperação para fazer uma exposição inicial.
Tem V. Ex.a a palavra, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado da Cooperação (Gaspar da Silva): —Sr. Presidente, Srs. Deputados: £ com grande prazer que o Ministério da Justiça vem à Assembleia da República para este encontro com os deputados, na medida em que o encontro de membros do Executivo com membros do parlamento é, na opinião do Ministério, sempre produtivo, pois há aí a grande oportunidade, não só de uma explicação e de uma clarificação das políticas sectoriais que os departamentos do Executivo exercem e levam a fim, mas também, como neste caso, de explicar, discutir e esclarecer as verbas que estão inscritas no Orçamento do Estado para 1984.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros tem a consciência de que a diplomacia portuguesa é, inegavelmente, dos serviços que, numa perspectiva absoluta, são mais caros para o contribuinte português. Porém,
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razões de outra ordem que não uma análise unicamente nas perspectivas dos valores portugueses, dão
imediatamente a explicação de certas verbas inscritas
no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O que é fundamental é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros consiga através da sua acção na política externa tornar os seus serviços rentáveis. Essa é, de facto, a política do Ministério dos Negócios Estrangeiros no sentido de tornar altamente rentável o dinheiro que o contribuinte português paga aos embaixadores, aos conselheiros, aos secretários, aos adjuntos e aos conselheiros comerciais. Tudo isto, no englobamento geral da política externa portuguesa, que tem prima facie exclusivamente um sentido de pura representação nalguns postos e noutros, que são os mais importantes, uma acção fortemente eficaz para os interesses do Estado.
Se repararem no conjunto do Orçamento do Estado, as verbas atribuídas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros não são de tal maneira gravosas. Elas representam uma percentagem que, comparada com outros departamentos, é mínima.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros fez este ano, por razões de todos conhecidas, um esforço de adaptabilidade, num plafond mínimo — aquele mínimo indispensável para manter uma rentabilidade e uma acção eficaz da política externa do Estado—, às condições gravosas e difíceis que o Estado Português atravessa.
Acreditem que este orçamento é o mínimo que podia ser atribuído ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, para que este possa, efectivamente, e repito, de uma maneira eficaz, representar na ordem externa os interesses do Estado Português.
Há 2 vectores importantes neste orçamento: o vector cooperação e o vector emigração.
Quanto ao vector emigração, ele foi estudado e' adaptado às exigências normais daquilo que hoje pode representar e que a Sr." Secretária de Estado da Emigração entendeu por bem inscrever no orçamento para dar resposta a esse tipo de desafios.
Quanto à cooperação, inscreveu-se no orçamento uma verba, que foi quase que estudada ao tostão, cujo valor global foi determinado por 2 vectores fundamentais, que são: a verba destinada aos cooperantes e a verba destinada aos bolseiros.
Tudo o resto decorre de obrigações do Estado Português — por exemplo o porto da Praia e a possibilidade de termos de pagar a utilização do Aeroporto de São Tomé—, pensando que a diplomacia portuguesa é capaz de, num desafio consciente, concreto e muito claro, ir procurar meios de financiamento, em cooperação tripartida, para poder colmatar áreas importantes para as quais, neste momento, o Estado Português não dispõe de verbas.
Eu próprio e os meus colaboradores do Ministério dos Negócios Estrangeiros estamos, a partir deste momento, inteiramente à disposição dos Srs. Deputados para responder a eventuais pedidos de esclarecimento sobre esta matéria..
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda para pedidos de esclarecimento.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): — Sr. Secretário de Estado da Cooperação, após ouvirmos a sua breve introdução à questão do orçamento do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, naturalmente que entenderá que temos bastantes questões a colocar-lhe, face a
este orçamento extremamente restrito que é apresentado.
Entendemos que se trata de um ministério com um papel da maior importância não só como representante do Estado Português fora do nosso país, mas, inclusivamente, pelo papel que tem junto dos nossos emigrantes e também ao nível da cooperação, particularmente com os novos países independentes de expressão oficial portuguesa. Ê nesse sentido que o Sr. Secretário de Estado deverá entender as nossas preocupações face às verbas que aqui são apresentadas.
Em termos reais, o orçamento do Ministério sofre um decréscimo da ordem dos 19 % relativamente ao do ano passado e, naturalmente, isto traz consequências. ê neste sentido que gostaria de lhe colocar algumas questões muitos concretas.
Seguindo a sequência das verbas que aparecem no orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a primeira verba que nos merece alguma reflexão e sobre a qual gostaríamos de obter uma melhor explicitação, refere-se à questão dos Serviços Diplomáticos e Consulares em que há um acréscimo, nomeadamente em termos nominais, relativamente acentuado, se tivermos em conta o global do orçamento deste Ministério. E aqui coloca-se esta questão: o que é que o Ministério pretende com este aumento? Tão-só repor uma actualização das despesas, que são normais, com as nossas representações diplomáticas e consulares no estrangeiro? Ou seguir uma política diferente em termos de abertura de novas representações?
Por outro lado, gostaríamos também de obter uma explicitação, esta da dependência do Ministro dos Negócios Estrangeiros, sobre o decréscimo em termos nominais e em termos reais que se verifica ao nível da Direcção-Geral das Relações Culturais Externas. Na verdade, em 1983 estava inscrito no Orçamento uma verba de 56 900 contos, verificando-se este ano um decréscimo em termos nominais para 55 000 contos. Qual é o destino que se pensa dar a estes 55 000 contos? O que é que se estava a fazer em 1983 que não se vai fazer em 1984? Porque, na verdade, se há um decréscimo em termos não só reais, mas mesmo nominais, naturalmente que algumas das iniciativas que estavam a ser tomadas neste campo não poderão prosseguir no próximo ano. Esta era uma questão que gostaríamos de ver clarificada.
As outras 2 questões que gostaríamos de colocar revelam-se, para nós, da maior importância.
Em primeiro lugar, no que respeita à Secretaria de Estado da Cooperação existe também aqui — aliás, como é tónica quase geral, com excepção dos Serviços Diplomáticos e Consulares — um decréscimo de verba em termos reais bastante acentuado. Ora, tanto quanto sabemos —e o Sr. Secretário de Estado também o referiu—, este valor, que em termos absolutos é um valor bastante elevado tendo em conta que se destina a um gabinete de um secretário de Estado, destina-se no fundamental à cooperação, nomeadamente com países independentes de expressão oficial portuguesa e também a questões de bolseiros e cooperantes.
A questão que colocamos é esta: como é que vamos desenvolver e incrementar as nossas relações e a cooperação com os países de expressão oficial portuguesa,
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com uma redução real de verbas no montante que está previsto? Ou, talvez melhor, vamos ou não diminuir esta coperação com as verbas que aqui estão orçamentadas?
De resto, penso que não será descabido dizer que, tanto quanto sabemos — e o Sr. Secretário de Estado já teve oportunidade de o referir na reunião anterior em que eu não estive presente, mas em que esteve um dos meus camaradas —, as pretensões do Ministério em termos orçamentais eram bastante mais elevadas do que aquelas que foi possível obter do Ministério das Finanças. Daí que nós perguntemos como é que, com esta redução real de verbas, vamos incrementar as nossas relações em termos de cooperação, nomeadamente com os países independentes de expressão oficial portuguesa.
Por último, uma questão que tem a ver com a Secretaria de Estado da Emigração e, naturalmente, com os nossos emigrantes. Também aqui se verifica uma redução acentuada em termos reais das verbas. Tanto quanto sabemos, este valor inscrito no Gabinete do Secretário de Estado da Emigração destina-se, em grande parte, ao Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas, nomeadamente para várias acções de apoio aos emigrantes — de apoio nalguns casos noutros casos não será tanto. Mas, globalmente, vamos admitir que as verbas destinadas ao Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas tem, de facto, um papel de apoio aos nossos emigrantes.
Com a diminuição real desta verba, a questão que se coloca é a mesma, isto é: que apoio pode ser possível dar, a partir de agora, aos nossos emigrantes, sabendo nós as dificuldades e as carências que a todos os níveis já existem hoje? Nomeadamente, gostaria de colocar algumas questões concretas: por exemplo, qual a verba destinada no ano passado a bolsas de estudo para filhos de emigrantes e qual vai ser a verba destinada este ano? Qual a verba destinada no ano passado a colónias de férias para filhos de emigrantes e qual vai ser este ano a verba destinada para esse efeito? Qual a verba destinada no ano passado a jornais para emigrantes, nomeadamente para o subsídio de transporte para esses mesmos jornais, e qual vai ser essa verba para este ano?
Outra questão que é também da maior importância, quanto a nós, é à seguinte: qual foi o apoio dado às associações de emigrantes no ano passado e qual vai ser o apoio que se pretende dar a essas associações em 1984?
Estas são algumas questões primeiras que queríamos colocar e para as quais gostaríamos de obter res-pontas bastante objectivas, porque, neste momento, do que tratamos é, evidentemente, também da nossa política externa, mas sobretudo e objectivamente das verbas com que vamos levar por diante uma determinada política externa.
Era sobre essas verbas e estas questões que gostaríamos que o Sr. Secretário de Estado nos desse informações bastante concretas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): —Sr. Secretário de Estado da Coarctação, eu começaria por lamentar a
ausência de um representante do Ministério das Finanças e do Plano, na medida em que esta discussão, pelo que conheço da prática que tem havido dos cortes orçamentais e das resistências que o Ministério das Finanças e do Plano oferece ao aumento de verbas dos vários ministérios, pode resultar numa conversa de surdos, porque as propostas que eventualmente surjam e as anuências que o Ministério dos Negócios Estrangeiros poderia dar a essas propostas têm pouca utilidade prática não estando presente ninguém do Ministério das Finanças e do Plano. Infelizmente é uma prática corrente — pela qual se calhar também enveredarei um dia, porque a isso serei obrigado — a maioria depender mais do Governo do que o Governo da maioria.
A questão que eu queria colocar é a seguinte: o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem anunciado movimentações diplomáticas no corpo de representantes de Portugal no estrangeiro que poderão vir a ser afectadas, creio eu, pelos cortes que já foram aqui enunciados pelo Sr. Deputado Joaquim Miranda a que V. Ex." anuiu com um gesto afirmativo de cabeça. Julgo que esse movimento diplomático se destinava a tornar mais operacional, mais efectiva e mais eficaz a presença de Portugal no Mundo, em ordem a satisfazer os objectivos globais da política externa definidos pelo Governo. Sendo assim, em que é que vai ficar esse tal movimento diplomático, face aos cortes e reduções previstos? Em que medida é que esse movimento diplomático pode vir a ser só parcialmente concretizado —e eu não sei se ele depende apenas das questões orçamentais ou de mais alguma coisa — e, por via disso, serem afectados os objectivos que o Ministério dos Negócios Estrangeiros se propunha globalmente assegurar com este mesmo movimento diplomático?
Era esta a questão que eu queria colocar a V. Ex.a
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Lencastre.
O Sr. João Lencastre (CDS):—Sr. Secretário de Estado, a pergunta que lhe quero fazer é a seguinte: ao analisar o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, saltaram-me à vista duas verbas que são as que se referem à Secretaria de Estado da Cooperação e à Secretaria de Estado da Emigração, respectivamente de cerca de 830 000 contos e de 573 000 contos.
Evidentemente, são ambas áreas importantes das nossas relações exteriores. Mas, o que eu lhe pergunto é se, de facto, não deveria ser invertida a sua prioridade, dado que os emigrantes contribuem para a nossa pobre balança de pagamentos com cerca de 2 biliões de dólares por ano, enquanto que quanto à cooperação não sei se há alguma contribuição ou se há esperanças de ela existir. Bem sei que o aspecto económico não é o único que importa, mas acho que ele é muito importante. Por outras palavras, gostaria que me explicasse um pouco melhor o porquê destas prioridades, isto é, primeiro a cooperação e depois a emigração.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): — Sr. Secretário de Estado, quanto ao orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o que me salta à vista é &
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verba destinada ao Gabinete do Ministro. Em comparação com as verbas de outros ministérios, parece-me que esta verba é extremamente baixa. Quase todos os outros ministérios apontam para uma verba do Gabinete do Ministro da ordem das centenas de milhares de contos, se não mesmo de 1 milhão de contos. Neste caso, está inscrita uma verba irrisória de 5700 contos e não sei se ela chegará para cobrir as despesas do Gabinete do Ministro.
Em princípio, e isto insere-se na minha segunda pergunta, entendemos que, de acordo com os novos preceitos constitucionais e a nova lei do enquadramento, o orçamento deve ser o mais específico possível para que a Assembleia da República que está corres-ponsabilizada na aprovação ou não do próprio orçamento, possa ter um mínimo de controle sobre as despesas — e também as receitas, mas neste caso estamos a tratar das despesas— que o Estado irá fazer. Portanto, no campo dos princípios parece-me certo que a verba destinada ao Gabinete do Ministro seja a essencialmente necessária para as despesas correntes do Gabinete e que não se faça como noutros ministérios, em que é através da verba do Gabinete do Ministro que 'Se vão implementar outras acções a bel-prazer, ou conforme as opções políticas do próprio Ministro, sem controle por parte da Assembleia da República.
Dentro desta tónica, o que ressalta desproporcionado é que o Gabinete do Ministro tem uma verba de 5700 contos, enquanto que os Gabinetes dos Secretários de Estado, quer da Cooperação, quer da Emigração, têm verbas da ordem das centenas de milhares de contos. Poder-me-ão dizer que, por exemplo, quanto à Secretaria de Estado da Emigração a única verba que existe é a verba do Gabinete do Secretário de Estado. Mas, o que eu pergunto é se não deveriam ser mais discriminadas e desenvolvidas as verbas desta Secretaria de Estado, para que os deputados saibam para onde vão esses dinheiros.
Já tem acontecido ser feita esta pergunta em relação a outros ministérios e, nesses casos, o ministro da pasta respectiva ou o secretário de Estado, pelo menos têm tentado dizer aqui na Comissão em que é que pensam utilizar essa determinada verba. Ê um critério que não me parece ser o melhor. De qualquer modo, o Sr. Secretário de Estado já referiu mais ou menos para que se destina a verba de 784 000 contos da Secretaria de Estado da Cooperação, mas quanto à Secretaria de Estado da Emigração, e até por que é a verba única, eu gostava de saber com um pouco mais de pormenor para onde ela vai.
A segunda pergunta que lhe queria fazer relaciona--se com os Serviços Diplomáticos e Consulares. É certo que, em termos gerais, a verba dotada para estes serviços pode parecer muito grande. Contudo, ela não o é, dados os serviços que existem espalhados pelo estrangeiro e que são absolutamente necessários para a política externa portuguesa. O problema que eu ponho — de resto, já tem sido levantado por variadíssimas pessoas — é se o Ministério pretende ou não, dentro deste clima de austeridade, ir para a frente com projectos que têm sido aventados no sentido de concenttaT ma\s os Serviços Diplomáticos. Estou a pensar, por exemplo, nos 4 embaixadores que existem sediados em Paris, nos 2 embaixadores sediados em Bruxelas, etc. ... Gostaria de saber se é ou não possível, através de uma concentração de serviços, sem
prejuízo, evidentemente, da acção diplomática, fazer qualquer contenção de verbas neste sentido.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben Raposo.
O Sr. Ruben Raposo (ASDI):—Sr. Secretário de Estado, este orçamento proposto é, como tem sido discutido e analisado, um orçamento de grande austeridade e de grande rigor, nomeadamente em relação à pasta que está em apreço, isto é, a pasta do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Gostaríamos de colocar 2 questões, uma relacionada com os postos diplomáticos e a outra com a cooperação.
Sabendo que há restrições e, portanto, uma política de austeridade que, em termos financeiros, também se traduz no Ministério dos Negócios Estrangeiros, gostaríamos de saber que postos diplomáticos vão ser fechados no próximo ano e quais os que irão ser atrasados em termos da sua abertura.
Constatamos que as despesas com a cooperação não cresceram do ano anterior para este ano de 1984. Por outro lado, é conhecida, e bem, a posição da política externa portuguesa no sentido de aprofundar as relações com os países de expressão oficial portuguesa. O Sr. Secretário de Estado referiu que as despesas de cooperação não iriam muito para além de pagar aos bolseiros, aos cooperantes e, enfim, cumprir algumas obrigações que o Estado português tem com alguns países de expressão oficial portuguesa. Referiu, contudo, que haveria outras fontes de financiamento que iriam ser procuradas em termos de cooperação tripartida.
Era sobre esses projectos e em termos de cooperação tripartida que gostaríamos de ouvir o Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): —Ainda bem que chegou o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, porque, de facto, os aspectos essenciais desta matéria têm de ser discutidos com o Ministério das Finanças, pois é este Ministério que tem poder de decisão.
Já tivemos oportunidade de fazer uma longa discussão com o Sr. Secretário de Estado na Comissão dos Negócios Estrangeiros, a que tenho a honra de presidir, e o que eu gostaria de assinalar é que houve uma preocupação comum, 'isto é, um consenso, relativamente às verbas extremamente baixas dotadas para a política de cooperação e de emigração.
Sendo o política de cooperação uma prioridade da política externa portuguesa e um imperativo nacional, não vemos como é que é possível incrementar e desenvolver esta política, com a dotação orçamental que aqui está prevista. Sabemos, ou ficámos a saber pela exposição que então fez o Sr. Secretário de Estado, que vários projectos de cooperação estão bloqueados e que outros ficam em banho-maria.
Gostaria, como presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros — e também como deputado — de exprimir aquilo que foi uma preocupação comum e de fazer sentir ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento o problema da necessidade que me parece obedecer a um imperativo nacional, de se fazer um
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esforço para corrigir e reforçar estas 2 verbas, mas sobretudo a da política de cooperação, porque não vejo como é que com uma dotação orçamental desta natureza, que não chega ao milhão de contos, o Estado português, que já tem muitas carências nessa matéria —já temos perdido muitas oportunidades e muitos projectos têm ficado por concretizar porque não temos nem infra-estruturas, nem quadros, nem meios financeiros capazes de responder a esse desafio histórico que é a política de cooperação—, pode realizar na prática essa política de cooperação como uma prioridade nacional. Gostaria de exprimir esta preocupação ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento, porque me parece que é, de facto, um imperativo da política nacional, reforçar a dotação orçamental em relação à política de cooperação.
O Sr. Presidente: — Não sei se o Sr. Deputado César Oliveira ou algum dos Srs. Deputados quer aproveitar a presença do Sr. Secretário de Estado do Orçamento para acrescentar mais alguma coisa.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — A reunião não vai acabar já e, portanto, fá-lo-ei oportunamente.
O Sr. Presidente: — Nesse caso, dou a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Cooperação, para prestar alguns esclarecimentos, relativamente às questões que foram levantadas.
O Sr. Secretário de Estado da Cooperação: — Penso que tenho de ter mais cuidado e de ouvir mais a Assembleia para não acenar afirmativamente com a cabeça. Creio que me vão desculpar a minha inexperiência parlamentar, mas ainda bem que me chamaram a atenção para esse facto, por que a partir deste momento estarei «mudo e quedo que nem um penedo», como se diz lá na minha Beira. Obrigado pela chamada de atenção. É mais uma experiência que fico a dever à Assembleia da República.
Senhores deputados, penso que por uma questão metodológica e uma vez que há certas áreas comuns nas intervenções dos senhores deputados, se estiverem de acordo, em vez de responder a cada pergunta separadamente, englobaria todas as respostas numa única que tentaria que fosse o mais abrangente possível.
Se não ficarem satisfeitos com as respostas, estarei evidentemente à vossa disposição para posteriores esclarecimentos.
Quanto às verbas inscritas no orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros respeitantes à parte diplomática e consular, devo dizer que fizemos — acreditem— uma larga reflexão sobre o problema de fechar ou abrir postos. Temos neste momento um Vector que é altamente importante da política externa portuguesa — o vector Europa — que, a partir de hoje e de há horas, parece-me, temos de repensá-lo na medida em que a Conferência de Atenas não foi aquilo que se esperava que fosse. De maneira que há que repensar seriamente o problema do vector Europa em relação à nossa política externa. Há o vector africano — um vector altamente importante — e o vector da América Latina. Como devem ter reparado, no enunciado que fiz ficou de fora o Extremo Oriente. E talvez comece por esse, porque ê o mais fácil.
Nós temos ligações históricas com o Extremo Oriente que só por si justificariam o esforço do Estado Português de uma representação de Portugal nessas áreas. Evidentemente que isso é impossível, completamente impossível. Nós temos uma representação de uma cobertura no Extremo Oriente, pensando essa representação numa perspectiva exclusivamente de representatividade de bandeira, como se diz em direito internacional. Reparem que no Extremo Oriente temos embaixadas exclusivamente no Japão, na China, na Tailândia e nada mais.
Acontece que no subcontinente indiano temos embaixadas de embaixadores residentes em Nova Deli, que cobrem as áreas do Afganistão, do Nepal, do Bangladesh e do Sri Lanka e temos ainda uma embaixada marginal em Islamabad.
Numa análise de interesses, chegou-se à conclusão de que podíamos fechar a embaixada de Portugal em Islamabad para abrirmos uma em Singapura. E porquê em Singapura? Porque Singapura é neste momento um centro altamente importante do comércio internacional daquela área que permite uma larga penetração naquela zona. Simplesmente, razões orçamentais não permitem, neste momento, ao Estado Português esse tipo de acção.
Quanto à Africa, pensámos que seria possível fazer aquilo que os Ingleses chamam um roving ambassador e estudarmos pontos estratégicos para estabelecermos embaixadas completamente bem estabelecidas, bem equipadas e bem municiadas.
Simplesmente, o vector africano da política externa portuguesa tem o acento tónico nas antigas colónias e, mais uma vez, razões orçamentais impedem o Estado Português de pensar em aberturas de embaixadas em pontos altamente estratégicos e importantes para nós, como é o caso, por exemplo, da Mauritânia e da República Centro-Africana. Porquê? Porque os países dessa área estão insistentemente pedindo a colaboração e cooperação portuguesas, não só para estudos de carácter agrícola — estudos de solos — como para estudos de prospecção mineira. O Estado Português, sobretudo o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a breve trecho, tem de se preocupar com a reabertura de embaixadas.
Fala-se no fecho de embaixadas, mas as possíveis oportunidades e as possíveis políticas do Estado Português apontam não para o fecho de embaixadas, mas para a abertura de embaixadas. O Ministério dos Negócios Estrangeiros tem, pois, de pensar essencialmente numa resposta a esta pergunta.
Quando propomos ao Ministério das Finanças e dó Plano a abertura de embaixadas, temos de demonstrar, de uma maneira clara e concreta, a rentabilidade das mesmas.
Neste momento estamos, em relação a esses países, a tentar uma contracção '.pontual partindo de bases de .apoio, como 'é o caso de Dacar ou de Rabat, para podermos ter uma visão clara e concreta das possibilidades desses países. Nós não podemos, de maneira nenhuma —é lugar-comum dizê-lo—, estar a tentar políticas de penetração em mercados que não conhecemos muito bem e fazer tentativas de investimentos que poderão ser completamente falaciosos. Só podemos avançar e dar um passo em frente quando tivermos a certeza de que aquilo que neste momento estamos a fazer na República Centro-Africana tem a sua razão de ser. E aquilo que estamos a fazer na Mauritânia e
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em Benim tem também a sua razão de ser. Isto quer dizer, de uma maneira pragmática, que vamos ganhar dinheiro e retirar dinheiro desse tipo de penetração. Logo, mais uma vez, no continente africano aponta-se não para o fecho de embaixadas, mas para a abertura de embaixadas.
Quanto à América Latina, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não tem nenhuma visão clara e concreta do que vai ser a nossa acção nessa zona, na medida em que as preocupações se centraram no vector africano. Só a partir de Janeiro ou Fevereiro é que nós, dentro dos planos do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama, começamos a pensar seriamente numa tentativa de estudo da nossa .penetração na América Latina. Vsrbi gratia com a possível ou não possível colaboração com o Brasil, isso dependerá do resultado dos estudos que fizermos para se chegar à conclusão se é ou não de colaborar com o Brasil numa penetração africana ou até propriamente num joint venture em mercados da América Latina.
Como vêem, o conspecto normal de uma análise rápida dos interesses e das oportunidades portuguesas no mundo apontam não para fecho de embaixadas, mas para abertura de embaixadas. O mesmo se passa quanto aos consulados.
A diáspora portuguesa é de tal maneira que os consulados cobrem áreas muitas vezes maiores do que a do Alentejo, algumas delas maiores do que a dos 2 Alentejos, obrigando o cônsul e os próprios funcionários consulares a desdobrarem-se em trabalho e serviço para cobrirem milhares e milhares dé pessoas, sem terem a possibilidade de terem ao seu serviço e disposição mecanismos e meios próprios para uma resposta eficaz, ao fim e ao cabo aquilo que os nossos emigrantes merecem e aquilo que o Estado Português lhes deve.
A racionalização dos consulados tem sido feita no sentido de fazer a contenção dos consulados em pontos estratégicos, cobrindo, na medida do possível, o lugar geométrico das densidades demográficas portuguesas no mundo.
Também aí a política do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi a de pensar no fecho de alguns consulados. Fechámos alguns: um, politicamente, que foi o consulado em Berlim; outro, em Zurique, na Suíça. . Quanto ao consulado em Berlim temos tido uma série de pressões e não direi queixas, mas desgosto da República Democrática Alemã por termos fechado o consulado. E, meus senhores, o consulado de Berlim representava, no conspecto total do Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma verba completamente insignificante. Quanto ao consulado de Zurique, o mesmo se passa.
Eu sei que um deputado da bancada do Partido Comunista foi emigrante na Suíça, eu tive ocasião de falar com ele e estivemos de acordo quanto à dispersão completa da diáspora portuguesa na Suíça. Fechou-se o consulado na Suíça por razões de austeridade, no entanto temos tido pressões totais de toda a nossa emigração na Suíça para que o consulado seja reaberto.
Acresce ainda que o consulado de Zurique tem um vector que não cobre só a emigração, mas um tipo de ligação com a banca suíça que a embaixada de Berna normalmente não tem possibilidade de ter.
Como vêem, numa análise rápida e concreta de todas as possibilidades que neste momento Portugal tem no
mundo, a política aponta não para fecho de embaixadas e consulados mas para abertura de embaixadas e de consulados.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros, completamente consciente do grave problema que o País atravessa, não expôs estas razões ao Ministério das Finanças e do Plano; vai e está a fazer um esforço para que os seus serviços, não só aqui como no exterior, possam responder de uma maneira clara e concreta às necessidades do Estado Português.
Quanto à resposta concreta das verbas inscritas no orçamento da parte diplomática e consular, pedia ao meu colega embaixador Cunha Matos, director-geral dos Serviços Centrais, o homem que maneja os números lá na casa. o favor — porque para tal está mais apto do que eu — de dar uma resposta concreta às perguntas da bancada do Partido Português.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Embaixador Cunha Matos.
O Sr. Director-Geral dos Serviços Centrais do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Embaixador Cunha Matos): — Relativamente >à observação feita quanto à exiguidade da verba atribuída à emigração, em contraste com a verba atribuída às embaixadas e consulados, convinha ter presente o seguinte: quando se fala em protecção da comunidade portuguesa, essa protecção não é exercida exclusivamente pelo pessoal ligado à Secretaria de Estado da Emigração, mas fundamentalmente pelos consulados e pelas embaixadas através das suas secções consulares. Em números, isto traduz o seguinte: temos cerca de 2000 funcionários nas embaixadas e consulados e 90 funcionários especificamente da emigração.
A cobertura da comunidade portuguesa é feita pelo conjunto dos consulados, secções consulares e serviços específicos da emigração. Como o pagamento da quase totalidade desse pessoal é feito pela alínea referente a embaixadas e consulados, isto significa que a verba atribuída especificamente à emigração se destina principalmente a acções de emigração e não propriamente ao pagamento das despesas gerais de funcionamento.
Relativamente à verba das embaixadas e consulados, ela tem um acréscimo praticamente obrigatório atendendo a dois factores: primeiro, ao facto de 85 % de os encargos com o Ministério dos Negócios Estrangeiros serem em divisas, das quais 42,5 % são em dólares, e portanto temos que entrar em linha de conta com a valorização dessas moedas em relação ao escudo; segundo, aos índices locais de inflação.
Suponho que se torna relativamente claro que o acréscimo da verba «embaixadas e consulados» também se reflecte na acção de protecção das comunidades portuguesas.
Aproveito a oportunidade para esclarecer mais dois ou três pontos que foram levantados.
Relativamente ao problema cultural, a verba para as acções culturais também não tem um acréscimo significativo ou não tem mesmo nenhum acréscimo. Simplesmente, esta verba é de uma direcção-geral que entrou este ano em funcionamento. O facto de a verba não aumentar no ano de 1984 não significa necessariamente que haja uma diminuição de acções culturais. Para 1983 houve uma previsão do que seria necessário; em 1984 já se conta com a experiência do ano ante-
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rior. Algumas dessas previsões para 1983 ter-se-iam revelado excessivas e talvez a verba para 1984 seja mais realista.
Quanto à exiguidade da verba do Gabinete do Ministro, em contraste com a de outros gabinetes — um ponto que o Sr. Deputado António Taborda levantou —, devo ddzer-lhe que a resposta já foi dada. Enquanto que, em relação ao Gabinete do Ministro, a verba destina-se exclusivamente ao funcionamento do Gabinete e não a qualquer outra acção, em relação ao Gabinete do Sr. Secretário de Estado da Emigração a verba inclui uma dotação para o Instituto da Emigração & em relação ao Gabinete do Sr. Secretário de Estado da Cooperação a verba contempla as acções de cooperação.
Ainda quanto à protecção da comunidade portuguesa, gostaria de tornar a lembrar aos senhores deputados que estiveram na anterior reunião que o consulado em Zurique se encerrou por motivo de austeridade num momento em que a emigração para a Suíça •seguia a ritmo normal. Neste momento verificai-se uma situação singular: enquanto o ritmo migratório para a maior parte dos países de emigração portuguesa está a diminuir, para a Suíça está a aumentar. Por isso estão a ser feitos estudos para a reabertura do consulado português em Zurique. Simplesmente, tratando-se de um país com um nível de vida elevado e atendendo às razões orçamentais, a abertura de um consulado num país como a Suíça, dentro dos nossos limites, implicará o encerramento de um ou outro consulado, e isso só pode ser feito mediante uma reorganização da rede consular em certos países, pois inós verificamos que há postos com um elevadíssimo movimento e outros com um movimento restrito. De maneara que supomos que vai ser possível chegar a um saldo suficiente para a reabertura do Consulado em Zurique, redistribuindo as áreas consulares noutros países.
De momento, são estas as informações que posso prestar.
O Sr. Secretário de Estado da Cooperação: —
Sr. Presidente, dá-me licença que continue a usar da palavra?
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Secretário de Estado da Cooperação. Tem a palavra.
O Sr. Secretário de Estado da Cooperação: — Gostaria de continuar as explicações no que se refere à parte das verbas da política cultural externa.
O meu colega embaixador Cunha Matos já deu um primeiro avanço de explicação. Falta referir o sentido de cooperação que o Ministério dos Negócios Estrangeiros está a ter com o Ministério da Cultura.
Temos rido reuniões com representantes do Ministério da Cultura no sentido de definir dois vectores. A política cultural externa do Estado Português, por razões constitucionais e normais de novação externa do Estado, pertence, como é óbvio, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Simplesmente, esta política externa não pode ser definida assim; tem que ser, como é óbvio, definida em conformidade e em colaboração com o Ministério da Cultura.
Assim, o Ministério dos Negócios Estrangeiros juntamente com o Ministério da Cultura vai tentar fazer
uma revisão da lei que criou a Direcção-Geral das Relações Culturais Externas, que está dentro do meu Ministério, pois pensamos que é um articulado demasiadamente empolado. Vamos tentar resolver esse problema propondo ao Governo um outro articulado, possivelmente um instituto, onde as verbas dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Cultura serão juntas. De maneira que vamos apresentar-nos perante a novação externa, não em ordem dispersa mas em ordem unida.
Assim, com políticas culturais e com objectivos bem definidos e pondo em comum os meios de que dispomos, estamos convencidos de que neste período de austeridade para 1984 somos capazes de manter o dinamismo da acção cultural externa do Estado sem quebra significativa de representação. Basta citar o que neste momento estamos a fazer em Espanha: a exposição do intelectual português Almada Negreiros só foi possível porque tanto o meu Ministério como o Ministério da Cultura puseram os seus mecanismos e os seus departamentos em comum para «arrancar» numa acção que é, a todos os títulos, eficaz sob o ponto de vista da difusão do pensamento vivo português.
Quando, com razão, o Sr. Deputado faz uma chamada de atenção para uma possível diminuição das verbas da Direcção-Geral das Relações Culturais Externas, tem como primeira fase de resposta aquela que o meu colega Cunha Matos deu e como segunda a possibilidade que os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Cultura têm no sentido de porem em comum os seus meios para um «arranque» de acção comum na difusão do pensamento vivo português no domínio externo.
Quanto à observação que fez das verbas da Secretaria de Estado da Cooperação, parece-me que é altura de lhe dar a seguinte informação: das conversas que temos tido com os responsáveis dos países de expressão oficial portuguesa ressalta inegavelmente uma vontade política desses países de terem uma cooperação connosco. Conclusão: é portanto este o momento óptimo, excelente, para nos relacionarmos, com um maior dinamismo, com esses países. Esses países estão conscientes, plenamente conscientes, das dificuldades que Portugal atravessa, assim como também estão conscientes de que eles próprios têm que assumir a responsabilidade da sua própria independência. Que dizer, Portugal não pode, de uma maneira completa, total e contínua, manter linhas de crédito para esses países sem que haja da parte deles um pagamento atempado dessas linhas de crédito.
Saiba o Sr. Deputado que neste momento qualquer coisa como 48 milhões de contos estão em dívida em linhas de crédito que o Estado Português abriu para as antigas colónias. O Estado Português propôs e obteve desses países soluções possíveis para uma nova política de cooperação. E é essa política que estamos e vamos tentar implementar: a de o Estado Português criar com eles e nesses países uma «coisa» a que nós chamamos «projectos produtivos». O Estado Português vai pôr a sua tecnologia, os seus arquivos, o seu know-how, o seu conhecimento, à disposição desses Estados para um «arranque» eficaz de projectos que criem riqueza, riqueza essa que vem, primeiro, dar a disponibilidade a esses Estados de moeda forte para poderem fazer face aos seus problemas de íesouraria;
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segundo, fazer, aquilo depois em negociação podemos fazer com percentagens a estudar, a apresentação normal para o pagamento desse investimento; um possível terceiro vector que será aplicado para o pagamento dessas linhas de crédito. Aqui inserem-se, sobretudo com países como Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, experiências de cooperação tripartida da qual Portugal ainda não tem um pleno conhecimento de como serão esses mecanismos, de como se desenvolverá esse tipo de cooperação. Estamos a reflectir a forma como esse tipo de cooperação vai ser feita, mas o que é certo é que há países, tais como a Finlândia, a França e a Bélgica, que estão interessados nesse tipo de cooperação. Ultimamente o próprio Banco Mundial ofereceu-nos também esse tipo de cooperação. Como é óbvio, nós só podemos «arrancar» com este tipo de acção se houver a vontade desses países.
Portanto, neste momento o que é que há que fazer? Há que diplomaticamente entrar em contacto com as autoridades da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de São Tomé e Princípe e propor-lhes este tipo de acção. Tudo indica que essas autoridades estão dispostas a colaborar connosco e com esses países terceiros quanto a este tipo de cooperação e portanto todos esses investimentos vão colmatar os hiatos que o Sr. Deputado encontra na possível exiguidade das verbas de cooperação. Estas verbas de cooperação têm que ser empregues hoje de uma maneira diferente: temos que aumentar e já aumentámos, as bolsas aos bolseiros que estão em Portugal e vamos tentar empregar todo o remanescente em projectos produtivos, de acordo com esses países, projectos esses que criem riqueza e que, portanto, se paguem a si próprios e que criem a possibilidade de meter esses produtos no circuito do mercado internacional com vantagens para ambas as partes.
Quanto à emigação, pedia ao representante da Secretaria de Estado da Emigação o favor de responder à bancada do Partido Comunista Português, depois, evidentemente, de o Sr. Presidente dar autorização.
O Sr. Presidente: — Se o Sr. Director dos Serviços Financeiros da Secretaria de Estado da Emigração quiser responder já, tem a palavra.
O Sr. Director dos Serviços Financeiros da Secretaria de Estado da Emigração (Simões Bento): — Responderei a uma pergunta colocada pelo Sr. Deputado António Taborda, concretizando, aliás, aquilo que já foi respondido pelo Sr. Embaixador Cunha Matos.
No Gabinete do Secretário de Estado da Emigração está inscrita uma verba de 573 000 contos dos quais só 14 000 contos são para despesas do Gabinete do Secretário de Estado, portanto para despesas administrativas, para despesas do pessoal. Não há outro tipo de acções no Gabinete do Secretário de Estado. 559 000 contos são destinados ao Instituto de Emigração, portanto trata-se de uma transferência para o Instituto, constituindo essa verba a sua receita e que vai apoiar todas as actividades do Instituto. Naturalmente que essa verba está discriminada no orçamento privativo do Instituto, que também, em devido tempo, foi remetido ao Ministério das Finanças e do Plano.
Ao Sr. Deputado Joaquim Miranda direi que é talvez mais fácil responder quanto é que este ano foi orçamentado e está a ser gasto com determinadas acções
que colocou. Já não é tão fácil responder quanto é que está projectado para o próximo ano pelas razões que adiante direi.
Ora bem, nas bolsas de estudo para filhos de emigrantes, para o ano lectivo de 1982-1983, foram gastos 7600 contos, incluindo os vários níveis de estudo básico, secundário e superior; nas colónias de férias para filhos de emigrantes gastaram-se 5200 contos; com o apoio em subsídio de transporte aos semanários, os números apontam para 12 000 contos durante este ano.
Os subsídios às associações podem dividir-se em dois tipos principais: através de subsídios financeiros, subsídios concedidos em dinheiro às associações para apoio a acções de natureza cultural ou outras que as mesmas desenvolvem, e este ano ficámos pelos 10 000 contos —poderei referir que, em 1982, atingiram-se à volta de 70 000 contos em subsídios às associações — e através do material cultural ou outro que é concedido. No corrente ano, a verba que se gastou ou que está em vias de se gastar atinge os 20 000 contos.
Quanto às verbas orçamentadas para este mesmo tipo de acções, para o próximo ano, como há pouco disse, não é muito fácil responder a esta questão. E não é fácil responder porque o nosso primeiro projecto de orçamento apontava para acções ao mesmo nível daquelas que tínhamos realizado este ano e isto porque tínhamos instruções rigorosas no sentido de nos con-termos dentro das verbas que este ano dispúnhamos e portanto apontámos para o mesmo nível de acções. Claro que não contávamos com a inflação que vinha a verificar-se. O que acontece é que o nosso projecto de orçamento foi reduzido e neste momento ainda não o refizemos. Naturalmente que se ele for reduzido teremos, sem dúvida, de garantir pagamentos que não podem deixar de ser feitos, pagamentos com pessoal e outros encargos certos que temos. Grande parte são encargos que se traduzem no estrangeiro e que são pagos em divisas, o que nos sai mais caro.
Concretamente, em relação às nossas delegações no estrangeiro que absorveu uma parte substancial do nosso orçamento, a verba foi uma das que foi reduzida de acordo com o Ministério das Finanças. Naturalmente que ela não poderá ser reduzida ao ponto que neste momento está; teremos de dotá-la com verba suficiente para suportar os encargos certos. Mas onde buscar esse dinheiro? Naturalmente que às dotações que estavam destinadas a este tipo de acções.
É com certeza do conhecimento do Sr. Deputado loaquim Miranda que a Sr.a Secretária de Estado da Emigração' já anunciou que, em relação aos apoios financeiros às associações, eles irão ser reduzidos. Não haverá possibilidade de os manter.
Poderei também dizer que está a ser repensado outro tipo de acções no sentido de libertar verbas desses projectos para compensar as dificuldades que temos noutros sectores onde não podemos deixar de ter dotação para suportar as despesas.
O Sr. Secretário de Estado da Cooperação: — Sr. Presidente, peço a palavra para concluir a minha exposição.
O Sr Presidente: — Tem a palavra, Sr. Secreíário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado da Cooperação: _
O Sr. Deputado João Lencastre levantou o problema
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das vantagens da cooperação. Remeto-o para as estatísticas do Banco de Portugal e para a nossa balança de transacções correntes e aí verá todas as vantagens a nível de comércio que temos tido com as antigas colónias. Sem falar da possibilidade de que temos um investimento a médio prazo de manter com as antigas colónias certo tipo de relações preferenciais altamente importantes para Portugal em vários domínios: no do petróleo, no das minas, no do algodão, no dos carvões. Daí a razão deste acento tónico e desse esforço que o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem feito quanto à cooperação.
O Sr. Deputado António Taborda falou na coincidência de 4 embaixadores em Paris e de 4 embaixadores em Bruxelas. Como este é um problema que preocupa altamente o Ministério dos Negócios Estrangeiros, fomos ver o que é que acontecia noutros países da dimensão de Portugal com obrigações idênticas ao Estado Português sob o ponto de vista internacional, e chegámos à conclusão de que só a Finlândia é que tinha reduzido as suas representações diplomáticas em Paris porque verificou que era altamente gravoso para o Estado Finlandês a concentração num embaixador em Paris, durante largos anos, a representação diplomática junto do Quai d'Orsay, a representação diplomática junto da UNESCO e da OCDE.
Hoje, a Embaixada da Finlândia em Paris representa exclusivamente o Estado Finlandês junto do Quai d'Orsay, tem uma embaixada que cobre ao mesmo tempo a UNESCO e a OCDE. Das conversas que tivemos há dias com o ministro finlandês sentimos que a Finlândia está mais ou menos pensando, dadas as situações que consideram que não cobrem totalmente os interesses do Estado Finlandês, fazer novamente a dicotomia entre a embaixada na OCDE e a embaixada na UNESCO.
Quanto às embaixadas em Bruxelas, elas são de tal maneira específicas que é completamente impossível concentrarmos todas as embaixadas numa só. Repare que cada missão é específica: uma de problemas militares, outra de problemas económicos e outra de problemas políticos. A menos que a embaixada tivesse um organigrama muito especial em que o embaixador fosse uma supercúpula com ministros conselheiros para cada área, o que representaria, em contas de poupança uma «coisa» mínima. No fundo, este tipo de metodologia de concentração numa só representação não se justifica.
Esta é a razão por que o Ministério dos Negócios Estrangeiros continua a ter um embaixador junto de cada missão. Uma missão é completamente específica de problemas militares, outra específica de problemas económicos e outra específica de relações bilaterais entre os dois Estados.
Depois de contas feitas, chegou-se à conclusão de que a poupança era mínima e não valia a pena este tipo de metodologia. Agora sim, não tenho mais nada para responder.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Lencastre.
O Sr. João Lencastre (CDS):—Não queria minimizar a importância da cooperação; em todo o caso, agradeço as explicações dadas pelo Sr. Secretário de Estado da Cooperação. A minha pergunta tinha como otyecX\\o %ab« a razão de ser da prioridade da coope-
ração sobre a emigração em termos monetários. É claro que esta é uma questão discutível e as explicações do Sr. Secretário de Estado não se dirigiram a esse ponto.
Tenho, no entanto, uma outra questão: dadas as notícias sobre os semi-échecs digamos assim, o problema das negociações com as Comunidades Europeias, o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem com certeza — pelo menos o Sr. Primeiro-Ministro tem — uma outra alternativa. Gostaria de saber se está prevista no orçamento alguma transferência de verba para o caso de essa outra alternativa se concretizar e se também está prevista alguma transferência de verba de Bruxelas para a outra sede de alternativa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): — Antes de fazer algumas considerações, não gostaria de deixar passar em claro a seguinte questão: desde há uns dias a está parte e já desde a semana passada, temos estado a reunir com vários ministérios e pensamos que nos temos de congratular pela forma extremamente objectiva e clara com que o Sr. Secretário de Estado da Cooperação respondeu às questões que aqui hoje lhe colocámos. Ê que quanto a nós esse não tem sido o hábito. Por isso mesmo, porque esta é uma situação positiva, gostaríamos de a deixar referida. Isto sem deixar também de dizer que em relação a muitas das questões que colocou — e é só sobre elas que irei referir-me—, não estamos de acordo ou pelo menos as explicações que foram dadas não poderão ter a nossa aceitação. No entanto, isso não quer dizer que não tivesse havido da parte do Sr. Secretário de Estado da Cooperação uma clareza e objectividade que queremos sublinhar. Passarei agora às questões.
Numa das respostas dadas pelo Sr. Embaixador Cunha Matos, subentendi que da pergunta que formulei terá perpassado uma comparação entre, por um lado, as verbas destinadas aos serviços diplomáticos e consulares e, por outro, à Secretaria de Estado da Emigração. Não fiz qualquer comparação entre essas duas verbas, mas tão-somente o que eu queria saber, e gostaria de uma explicação que aliás foi dada — e em boa hora foi dada! —, que política é que o Ministério tinha quanto à abertura ou ao fecho de embaixadas. E digo «em boa hora» porque ficou clara uma questão: é que o Ministério tem a perspectiva de abrir novas representações diplomáticas do nosso país em determinados países, contudo com este orçamento isso não é possível. Isso ficou claro e por tal facto digo que «em boa hora» coloquei esta questão.
Isto tem a ver com uma questão que para nós é da maior importância: a da diversificação das nossas relações, nomeadamente das nossas relações económicas. Hoje mais do que nunca, como o Sr. Secretário de Estado da Cooperação disse, essa questão coloca-se de uma maneira extremamente premente.
No que concerne à redução das verbas da Direcção--Geral das Relações Culturais Externas, o Sr. Secretário de Estado da Cooperação referiu-se a uma conjugação de esforços entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e o da Cultura. Pois bem, nós até podemos concordar com isso, pois é uma linha que nos parece correcta. Mas a questão que se coloca é esta: é que também o Ministério da Cultura, este ano, tem menos
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verbas do que no ano passado. Ê evidente que não se diversificando as actuações e conjugando esforços pode haver maior produtividade em termos de utilização de verbas, mas a verdade é que há uma diminuição real, não só no Ministério dós Negócios Estrangeiros como no Ministério da Cultura. A questão coloca-se ainda, pese embora essa mesma conjugação de esforços.
Relativamente à questão da cooperação, não posso deixar de fazer um pequeno comentário àquilo que foi referido pelo CDS: é que me parece que o CDS não estará tanto interessado no aumento das verbas da emigração, mas mais num pôr fim a uma cooperação que nós, em nosso entender, pensamos que deve ser reforçada. Essa é que é a questão. A cooperação não se põe ao nível do Ministério dos Negócios Estrangeiros; terá de se pôr, em termos de prioridades, a nível governamental e global, e não apenas em termos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Nós pensamos que a cooperação deve ser reforçada e também neste momento com a maior premência.
Quanto às verbas que estão orçamentadas elas não têm nada a ver com a questão das linhas de crédito. Essa é outra questão que podemos discutir, mas o que aqui está em causa é, pura e simplesmente, cooperação. Entenda-se o que é a cooperação porque senão estaremos a deturpar o seu significado exacto. Penso que o Sr. Secretário de Estado entenderá que cooperação não pode ser, tal como todos nós entendemos, identificada com outras perspectivas que não vou agora aqui adiantar.
O Sr. Secretário de Estado fala também na possibilidade da cooperação tripartida, a que se irá colocar, nomeadamente, a Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Em relação a isso passo adiante, deixando no entanto claro que Portugal não pode demitir-se do papel fundamental que tem na cooperação com esses países e também da sua própria responsabilidade. O Sr. Secretário de Estado disse que os novos Estados Independentes de expressão oficial portuguesa devem assumir a sua própria responsabilidade que advém da sua própria independência ... mas nós também temos de assumir a nossa responsabilidade de termos sido durante séculos um país colonizador. Por isso mesmo essa responsabilidade também a temos e pensamos que não devemos deixar de não a assumir completamente.
Uma outra questão refere-se à Secretaria de Estado da Emigração e às verbas que lhe são destinadas. Pelos números que foram avançados, aqui mais do que em qualquer outra rubrica, as questões ficaram extremamente claras. Sabendo nós até pelos valores que nos foram avançados relativamente às verbas despendidas em 1983 para apoio à emigração e sabendo nós que o ano passado essa verba era da ordem dos 541 000 contos, temos de ter presente, antes de mais, que a verba para salários e serviços desses 541 000 contos deverão ter sido da ordem dos 560 000 contos e o remanescente, esse sim, foi para apoio efectivo a emigrantes, associações, bolsas, etc. Penso que ficou completamente claro isto: a verba que neste momento está inscrita destina-se exclusivamente a salários e serviços.
Para apoio efectivo aos emigrantes, para bolsas, para colónias de férias, para jornais e para o subsídio de transportes não vai ficar quase nada. Ora isto, em nosso entender, é extremamente grave.
Apresentámos na Mesa duas propostas de alteração ao Orçamento Geral do Estado para o Ministério dos
Negócios Estrangeiros. Em primeiro lugar, essas propostas, a serem classificadas, poderiam sê-lo como extremamente irrisórias e pobres para as grandes necessidades que temos, quer ao nível da cooperação, quer ao nível da emigração. Elas estão longe de chegar àquilo que eram os mínimos propósitos dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
No entanto, pensamos que essas duas propostas de alteração que fazemos, uma na ordem dos 170 000 contos para reforço das iniciativas de cooperação, e outra de reforço de 100 000 contos para a actividade da Secretaria de Estado da Emigração junto dos emigrantes, é a verba mínima que se poderá avançar para, pelo menos, manter o nível de actividade que tínhamos até este momento. E dizemos isto porque tão-só tivemos a preocupação de actualizar aquilo que eram as verbas despendidas em 1983. Não fomos além disso.
Vários senhores ministros têm-nos dito que este é um orçamento de manutenção. Porém, nós temos dito que não é um orçamento de manutenção, mas sim de regressão e de forte regressão. Contudo, neste caso ao menos que seja um orçamento de manutenção, e para isso eram pelo menos necessárias estas verbas que aqui apontamos.
Por isso mesmo formalizámos estas duas propostas de alteração e pensamos que elas devem ser aprovar das pela importância que têm junto dos nossos emigrantes e junto dos países independentes de expressão oficial portuguesa. Quanto a nós, são verbas relativamente irrisórias, mas pensamos que podem demonstrar, por parte desta Comissão e da Assembleia da República, um esforço mínimo no sentido de até dignificar as nossas relações externas e o nosso papel junto das nossas comunidades e junto de países que foram antigas colónias portuguesas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): — Sr. Secretário de Estado da Cooperação, gostaria de assinalar a clareza com que V. Ex.° e os seus colaboradores responderam às duas perguntas fundamentais que coloquei.
Quando referi o problema dos embaixadores em Paris e em Bruxelas fi-lo mais no sentido da concentração de serviços, embora me pareça que, de facto, possa e deva haver um funcionário com a categoria de embaixador vocacionado para cada uma das missões que referi.
Gostaria de aludir aqui uma experiência que tive no sentido de uma maior eficiência dos próprios meios de que dispõe o Ministério: em Julho passado, em missão de um comité europeu, estive na Turquia e, por uma amabilidade do Sr. Embaixador Cunha Matos, foi comunicada a minha ida para a Embaixada de Portugal em Ankara, onde tive ocasião de estar com o nosso embaixador, que me fez várias «queixas» da dificuldade que tinhai era desempenhar o seu mandato porque a embaixada só tinha um embaixador e um secretário, e este há mais de 6 meses que tinha saído e não tinha sido substituído. Portanto, o embaixador estava absolutamente sozinho e não tinha ninguém que o auxiliasse na missão diplomática — a não ser uma secretária e um motorista. Assim, dizia-me ele que tinha de ser ele próprio quem tinha que ler a imprensa turca para dar as informações necessárias
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para o Ministério em Lisboa e, portanto, não tinha possibilidade de se aperceber de toda a realidade que não fosse a vinculada pelos meios oficiais e, além disso, estava isolado na cidade. Acrescentou que teria muito gosto em me dar apoio e assistência, mas que se encontrava sozinho.
Portanto, é necessária uma maior eficiência dos próprios serviços que existem. Neste caso concreto não seria de aproveitar que, num ponto estratégico como é a Turquia e dado que em alguns países limítrofes onde nós não temos embaixadas, este pudesse ser o vector das missões diplomáticas desses países? Isto, para dizer que em alguns pontos muitas vezes não se aproveita integralmente aquilo de que se dispõe.
Parece-me, pois, que o Ministério dos Negócios Estrangeiros é, por um lado, um Ministério chave para a imagem de Portugal no Mundo e, por outro lado, tem um importante papel que me parece que, apesar de tudo, Portugal pode desempenhar no contexto dos países mundiais.
Gostaria de manifestar aqui a minha estranheza não em relação ao Governo mas sim à maioria, pois ao contrário do que tem acontecido em outros ministérios ainda não vi aqui uma proposta de lei de mais de 100 000 contos, tirando o Ministério da Agricultura, que tem sido a verba que tem vindo a propor para os outros ministérios, do tal aumento do PIDDAC de 3 milhões de contos que o Sr. Ministro anunciou. De resto, este é dos pouquíssimos ministérios que não tem uma verba específica para o plano de investimento, e parece-me que também haveria aqui investimentos a fazer.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamo-nos aproximando da fase da votação e convinha que não excedêssemos em muito o tempo de que dispomos, uma vez que ainda temos ou outro departamento para analisar à tarde e outro à noite.
De qualquer modo, creio que o Sr. Secretário de Estado da Cooperação gostará de prestar alguns esclarecimentos, pelo que lhe concedo a palavra.
O Sr. Secretário de Estado da Cooperação: —
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como a bancada do Partido Comunista colocou cinco questões, vou responder em primeiro lugar às questões colocadas pelo CDS, que são apenas duas.
Ao Sr. Deputado Toão Lencastre responderei de uma forma muito clara: é muito mais fácil «fechar» uma embaixada do que «abrir» uma embaixada. Portanto, se se coloca a questão de «fechar» a embaixada em Bruxelas, o Ministério das Finanças e do Plano ficaria completamente encantado com esse facto. «Abrir» é que é difícil.
Risos.
Quanto ao problema de fundo, que não admite nem comporta a mais pequena galhofa, quero dizer que Adenas «fechou» há muito poucas horas e ainda não tivemos tempo de reflectir nas consequências graves que advirão de uma possível evolução quanto à CEE. Sei que SS. Ex.as, o Primeiro-Ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, hoje no Conselho de Ministros, elaboraram uma declaração que possivelmente aparecerá nos vespertinos, àa tarde.
Ora, este é o problema em relação ao qual o Governo Português tem de se debruçar e reflectir seriamente porque diz respeito a algo de muito importante que é inegavelmente uma opção política do Estado Português e que depende de toda uma série de vantagens políticas que dependem dessa opção. Portanto, vamos esperar calmamente o que é que SS. Ex.°s, o Primeiro-Ministro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o próprio Governo, vão reflectir e dizer ao País —e possivelmente ao Parlamento— quanto a este problema.
Estou completamente de acordo com aquilo que o Sr. Deputado António Taborda disse, pois sentimos uma grande dificuldade nos nossos meios. Tragicamente — e emprego esta palavra sem empol amentos e com a responsabildade completa daquilo que ela quer dizer—, o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem neste momento 18 missões sem secretários. E tragicamente porque desde muito novo, desde o 3.° ano de Direito —e peço desculpa por trazer aqui o meu caso pessoal, mas as vivências pessoais são algo de importante— resolvi tentar a carreira diplomática como meio para me realizar, e desde muito novo senti este problema grave no Ministério dos Negócios Estrangeiros perante o Estado Português e perante o contribuinte português, que é aquilo a que chamo a rentabilidade da diplomacia portuguesa.
Ora, há que dar ao Ministério dos Negócios Estrangeiros os meios para, de uma maneira eficaz, representar Portugal, mas há também que exigir ao Ministério dos Negócios Estrangeiros essa representatividade. Não podemos dar-nos ao luxo de termos no Norte, no Sul, no Este e no Oeste uma embaixada aberta para ter lá um embaixador unicamente com a bandeira. Isso não é rentável! Temos que transformar a nossa diplomacia em algo de muito concreto e de muito rentável. Para isso precisamos de meios, e os meios implicam responsabilidade.
Quanto à concentração de serviços, ainda não tivemos ocasião de reflectir nisso. Recordo-me de apenas duas vezes, e de uma forma muito vaga, ter falado com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, diálogo esse sobretudo provocado por apreciações que apareceram nos meios de comunicação social quanto à disparidade e diversidade dos embaixadores portugueses em Paris e em Bruxelas. Portanto, foi uma conversa muito rápida que nem sequer se pode referir como reflexão; foi en passant. Contudo, devo dizer que é da minha preocupação falar ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros na possibilidade —na linha que o Sr. Deputado acabou de referir — de concentrar os serviços portugueses num único bloco, tal como acontece em outros países, e então seremos capazes de ter uma maior eficácia. Quer dizer, em vez de termos em Paris quatro casas, teríamos uma só; em vez de termos em Bruxelas seis casas, teríamos uma só. E isto, porque não se compreende que um país que, neste momento, atravessa gravíssimos problemas de tesouraria e económico-financeiros pague rendas de 1700 contos.
Temos de provocar aos responsáveis do nosso país, e sobretudo ao Parlamento, a consciência destes problemas no sentido de darem a possibilidade ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de comprar casas. No fundo, estamos numa política de austeridade e este tipo de dação é uma política que vai fatalmente ser óptima para o Estado Português, porque é única-
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mente uma questão de papel e lápis: multiplica-se 1700 contos por 12.
Por isso, temos de «convencer» o Ministério das Finanças e do Plano — e são os Srs. Deputados que representam uma Nação e que têm responsabilidades desse tipo que devem lembrar ao Parlamento este tipo de situação, pois desde há muitos anos o Ministério dos Negócios Estrangeiros interrompeu de uma maneira inexplicável a sua compra de casas. Nós hoje temos um acervo patrimonial no estrangeiro que vale milhões de contos. Não o continuámos, mas devemos continuá-lo porque, no fundo, é uma poupança.
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Joaquim Miranda quanto às verbas, responder-lhe-ei que em matemática aprendi que «menos com menos dá mais».
Risos.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): — Só às vezes!
O Orador: — No entanto, isto não é resposta que se dê, e espero que o Sr. Deputado me perdoe e me releve este tipo de liguagem, mas de vez em quando é bom para descontrair.
Como toda a gente sabe — e até é desnecessário di-zê-lo—, nós atravessamos um período gravíssimo do ponto de vista económico-financeiro. Acredite, Sr. Deputado, que os Ministros Coimbra Martins, Jaime Gama e eu próprio fizemos — e peço que me desculpem a terminologia que vou usar porque é pretensiosa, mas é verdadeira— uma análise profunda e penso que exaustiva das prioridades do Estado Português no campo cultural. Assim, com as verbas dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Cultura, vamos tentar executar uma política —evidentemente que é uma perda de inércia— de manutenção de um dinamismo nas áreas que consideramos importantes para a manutenção da imagem do Estado Português que neste momento é necessária.
Portanto, vamos abandonar certo tipo de acções em Estados longínquos que vamos guardar para um período melhor, como é, por exemplo, o caso do Japão, da China, da índia —este último está num estado gravíssimo e temos que desenvolver lá uma política cultural—, para concentrar a imagem de Portugal junto dos Estados onde há grande concentração demográfica portuguesa. E isto porquê? Porque pensamos —e julgo que a bancada do PCP também estará de acordo— que, na medida em que o Estado Português fizer uma melhor difusão daquilo que é o pensamento vivo português, do que é a realidade cultural portuguesa, levando aos outros países as coisas concretas e válidas, isso irá ajudar nesses países a melhorar também a situação do emigrante. Assim, na perspectiva das pessoas que virem essas manifestações, que assistirem a esses actos culturais e que visitarem essas exposições, os emigrantes passarão a ser vistos como representantes de uma mesologia que pensa e que é válida. Portanto, vamos juntar os nossos meios para conseguir manter um certo dinamismo naquilo que estes dois Ministérios pensam que é prioritário.
Ê evidente que outras áreas ficarão por colmatar. No entanto, neste momento, dada a situação econó-mico-financeira do País é impossível fazê-lo, mas fá-lo--emos com calma e segurança nos anos vindouros.
Quanto às linhas de crédito, vou propor uma resposta para ver se a bancada do PCP aceita: a cooperação deve ser pensada como algo de complementar do comércio e da indústria de Portugal. Assim, a cooperação deve dinamizar e criar as condições possíveis para que essas linhas de crédito possam ser actuantes, benéficas e ter o reflexo e o refluxo do seu pagamento para o Estado Português. Este é um conceito complementar de cooperação que pensamos ser efectivo e que iremos pôr em acto.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP):—Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): — Sr. Secretário de Estado, a questão que se coloca é a seguinte: com as verbas que possuímos não temos cooperação. Podemos ter linhas de crédito, podemos desenvolver todo um trabalho nesse sentido, mas não temos cooperação.
C Orador: — Quanto a isso, Sr. Deputado, há todo um reformular de uma política de cooperação. Vamos deixar de ter certo tipo de acções que são importantes e necessárias para as concentrar em projectos da maior profundidade e que poderão ter, a muito curto prazo, resultados mais positivos. E vou dar-lhe um exemplo: suponha que o Estado Português gasta x num envio de n professores para as antigas colónias. Ora, se lançarmos — como estamos a pensar fazer— um projecto de formação de formadores de português, vamos gastar muito menos e iremos obter um resultado muito mais positivo. Quer dizer, em vez de agarrarmos em n professores e dispersá-los por Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Gvüué-Bissau, chamamos a nós este tipó de professores locais com um nível académico que pode ser até ao 7.° ano, formamo-los aqui em formação de formadores e vamos lançar nesses países uma semente que é muito mais importante e efectiva do que estarmos a gastar dinheiro em professores de Matemática, de Geometria, de Filosofia ou de Química.
Ora, é possível que o Sr. Deputado me diga que esses também são necessários. Quanto a isso estou de acordo, mas, neste momento, a prioridade é a defesa, a penetração e a divulgação do português, em sintonia com os desejos desses Estados. Se o Sr. Deputado fizer as contas —e com isto não estou de maneira nenhuma a dizer que esta verba é suficiente; é unicamente uma adaptabilidade às circunstâncias com imaginação e, se possível, com um certo tipo de eficácia —, acredite que o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Secretaria de Estado terão imenso gosto e enorme prazer em pôr à disposição da bancada do PCP estes estudos de planos para vossa análise e apreciação.
Quanto às vantagens políticas, Portugal nunca será nem o intérprete nem o fornecedor da força de trabalho. A bancada do PCP pode ficar completamente descansada, pois Portugal nunca será nem o intérprete nem o fornecedor da força de trabalho.
As negociações que temos feito com esses países têm sido sempre no sentido de Portugal liderar e fornecer o nosso know-how que será pago em estudos percentuais vantajosos para o nosso país.
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Quanto às questões colocadas acerca da emigração, peço ao representante do sector da emigração o favor de responder.
O Sr. Presidente: — Entretanto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Como já tive ocasião de dizer aquando da minha intervenção inicial, entendo que há que fazer um esforço para reforçar as dotações previstas, quer para a cooperação, quer para a emigração. Não sei se os números contidos nas propostas de alteração apresentadas pelo Partido Comunista são ou não viáveis e possíveis. No entanto, insisto na necessidade de se fazer um esforço par reforçar essas dotações, ainda que com prejuízo de dotações para outros ministérios, dado que, de facto, se trata de prioridades da política externa e de imperativos da política nacional.
Nesse sentido, estou de acordo com o espírito das propostas de alteração que são apresentadas pelo PCP, e faço um apelo ao bom senso e a um esforço concertado dos Srs. Secretários de Estado do Orçamento e da Emigração para que se encontre uma maneira de se resolver este probelma, ainda que com prejuízo de outras verbas.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, se mais ninguém pretende usar da palavra, poderíamos passar à votação.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado pretende apresentar as propostas de alteração?
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): — Sr. Presidente, em nome do meu grupo parlamentar, gostaria de dizer o seguinte: no seguimento daquilo que agora foi referido pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, é evidente que estamos completamente abertos ao facto de haver uma possibilidade de reformulação das verbas que inscrevemos. Parece-nos que essas seriam as mais indicadas, na medida em que vêm no sentido da actualização das verbas anteriormente inscritas para os efeitos referidos. No entanto, estamos completamente abertos a qualquer outra proposta desde que não altere substancialmente as propostas apresentadas. Assim, desde que não alterem o espírito e a intenção das propostas, estamos completamente abertos a uma reformulação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. Amónio Taborda (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Gostaria apenas de fazer uma rectificação, pois o Sr. Secretário de Estado da Cooperação disse, no início da sua intervenção, que, antes de responder à bancada do Partido Comunista, iria responder a duas perguntas do CDS. Na realidade, respondeu a uma pergunta formulada pelo Sr. Deputado João Lencastre que efectivamente é do CDS, e depois respondeu a uma outra questão que eu tinha colocado, só que eu não sou do CDS, mas sim do MDP/CDE.
Risos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (?S):—Sr. Presidente, Srs. Deputados: TaJ como aconteceu com outros Ministérios e se calhar em circunstâncias similares, todos nós gostaríamos de ver reforçadas as verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado. Contudo, a realidade que se nos apresenta é a de que temos um défice orçamental que não podemos ultrapassar. As verbas que têm vindo a ser reforçadas dentro do que foi possível em discussão com o Governo têm sido na área dos investimentos, na área do plano. Portanto, em relação a estas propostas de alteração apresentadas pelo Partido Comunista, temos de tomar a posição que se integra na política geral do Governo, isto é, da contenção das despesas. Ora, isto quer dizer que não damos aceitação a estas propostas.
Tal como o que acontece em relação a outras verbas destinadas para outros ministérios, compreendemos que se elas viessem a ser inscritas no orçamento se faria mais. Porém, a nossa filosofia neste momento não pode escapar desta, realidade: escassez de recursos e exigência de gastar bem esses recursos. Com isto não quero dizer que devemos fazer o mais com a verba menos, mas fazer o mais com a verba possível.
Neste sentido, não vamos dar acolhimento a esta proposta de reforço de verbas. Compreendemos muito bem a intenção — aliás, como compreendemos em outras circunstâncias —, mas a política geral que estamos a prosseguir não pode, de modo algum, ser posta em causa num ministério específico e numa circunstância que não tem a ver muito concretamente com as questões essenciais da situação económico--financeira do País.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Alípio Dias):—Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com muita atenção todas as intervenções que aqui foram feitas no sentido de reforçar as verbas destinadas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, designadamente verbas atinentes à cooperação.
Todavia, gostaria de salientar que do ponto de vista do Ministério das Finanças, o orçamento destinado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros foi um orçamento que, apesar de tudo e naquelas áreas mais sensíveis, como na área das embaixadas e consulados teve o crescimento de 30 %. Noutras áreas, como em algumas missões e delegações no estrangeiro, teve o crescimento de 33 % a 34 %; na área dos serviços centrais teve um crescimento de 27 %.
Ê evidente que, se o Ministério dos Negócios Estrangeiros — aliás, como qualquer outro ministério — pudesse dispor de dotações orçamentais mais elevadas, veria a sua acção robustecida. Na área da cooperação percebemos e é de notar que esta dotação orçamental conheceu nos últimos anos acréscimos substanciais e poder-se-ia fazer umai política mais intensa de cooperação.
Todavia, do nosso ponto de vista, o momento não é propício a reforços da dotação orçamental, e pensamos que um pouco de engenho e de situações como aquelas que foram aqui descritas pelo Sr. Secretário de Estado da Cooperação no sentido de os diversos
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ministérios entre si conjugarem esforços e racionalizarem a despesa poderão, por esta via, potenciar as acções que podem impender com as verbas de que se dispõe.
Portanto, embora compreendendo as razões que foram postas nesta reunião da Comissão, entendemos que o orçamento destinado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros não deverá ser modificado.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado loaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que quer a intervenção do Sr. Deputado Almerindo Marques quer a intervenção do Sr. Secretário de Estado do Orçamento são, em nosso entender, inadmissíveis.
Assim, começo por fazer um apelo à inteligência, nomeadamente à inteligência técnica dos que aqui se encontram. Gostaria que me explicassem qual é a diferença entre um défice de 175,6 milhões de contos, e de 175,9 milhões de contos, porque é esta a diferença que há; é uma diferença de duzentos e tal mil contos. E isto com implicações extremamente sérias ao nível da emigração e da cooperação.
Ora, isto não pode ser completamente escamoteado. O Sr. Secretário de Estado diz que é possível fazer qualquer coisa no sentido de ultrapassar estas difidencias ao nível da cooperação. Mas então eu pergunto: o que é que fica para apoio à emigração? Não fica um tostão, Sr. Secretário de Estado! Tirando os aumentos para salários e serviços não fica um tostão para apoio à emigração em termos de bolsas de estudo, de colónias, de imprensa, subsídios de transportes, etc. Nada disto pode ser implementado daqui para a frente.
E, quer o Sr. Secretário de Estado queira ou não admitir neste momento, vai ser necessária uma revisão orçamental dentro de pouco tempo. Ou se «corta» completamente o apoio à emigração ou então teremos de ter uma revisão orçamental dentro de pouco tempo. Ê para aí que queremos apontar? É para a desresponsabilização da Assembleia da República e do próprio Governo? Não será preferível corrigirmos neste momento um erro crasso que não tem qualquer explicação possível se não for corrigido?
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: — Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: — Gostaria de lembrar que o Governo está na disposição de fazer cumprir a lei de enquadramento e, salvo erro, o artigo 18.ü refere que a dotação orçamental é o limite máximo da despesa.
Sr. Deputado, nós vamos iniciar o Orçamento do Estado para 1984 na certeza de que, realmente, as dotações orçamentais são o limite máximo da despesa. Seria bom que todos nós, quer o Governo, quer a Assembleia da República, entrássemos em 1984 com esta certeza.
O Orador: — A opção que neste momento é colocada pelo Sr. Secretário de Estado em relação à emigração é a seguinte: ou temos revisão do orçamento
ou não temos apoio para a emigração. Ê isto, e agora vamos decidir.
Nesta questão, gostaria de chamar a atenção para o seguinte: é que me parece —e isso até perpassou da intervenção do Sr. Deputado Almerindo Marques — que tudo isto tem sido feito em colaboração com o Governo; tudo isto tem sido estudado em colaboração com o Governo.
É bom que se entenda que estamos num órgão de soberania e que o que sai daqui é uma lei da Assembleia da República. Ora, isto tem de ser entendido, e a responsabilidade primeira vai ser dos deputados que vão aprovar este Orçamento. Não vai ser sequer do Governo, que apresentou uma proposta de lei, mas sim dos deputados que a apoiam, que a votam e que a transformam em lei. A responsabilidade primeira é da Assembleia da República, e nós não estamos aqui apenas para dizer um ámen àquilo que o Governo nos diz, pois temos cabeça para pensar. Portanto, se temos cabeça para pensar, assumamos as nossas responsabilidades e ultrapassemos os erros que aqui nos são apresentados pelo Governo. E o Governo que também não tenha preconceitos em assumir os seus próprios erros, porque até lhe ficaria bem se assumisse alguns dos erros que está a cometer!
Que critérios foram seguidos para a distribuição dos 3 milhões de contos que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, num acto de bondade, entendeu distribuir por alguns ministérios? Porque não se atribuiu a verba de 270 000 contos para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, nomeadamente para os nossos emigrantes? Então só nos lembramos dos nossos emigrantes quando é para lhes pedir mais e mais remessas? Ê só para isso que eles servem? Então não conseguimos encontrar agora aqui 100 000 contos para conseguir manter um nível de actividade igual àquele que temos tido até agora e que é manifestamente insuficiente?
Pela nossa parte mantemos, e nem sequer fazemos um apelo, uma referência àquilo que temos feito relativamente a outras propostas, ê que, quando foi do início destes debates na especialidade, apresentámos uma proposta de aumento de despesas, mas também de aumento de receitas. Podem não concordar com ela — e não vamos agora entrar nesta questão —, mas a verdade é que, neste caso concreto, em que se trata de uma verba tão irrisória, penso que é desprestigiante para esta Comissão, para esta Assembleia e para os deputados não aprovarmos estas propostas que aqui apresentámos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o que aqui se está a passar é de algum modo grave. E isto porque, aquando da minha intervenção, em que o Sr. Secretário de Estado não estava presente, comecei por lamentar a ausência de V. Ex.° ou a de alguém da equipa do Ministério das Finanças e do Plano, porque me parecia que essa ausência redundaria para os trabalhos desta Comissão numa conversa de surdos. Desculpar-me-á a franqueza com que digo isto, mas a verdade é que tanto vale V. Ex.a estar ou não presente. A resposta e a posição rígida e fixista do Ministério das Finanças e do Plano é sempre a mesma. Ora, isto
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faz com que eu me comece a lembrar tragicamente — e devo dizê-lo com uma certa amargura — de algo semelhante nos anos trinta em Portugal, em que havia um ministro das Finanças também com a mesma rigidez, com os mesmos critérios fixos, e o resultado foi aquilo que se viu — podíamos estar aqui a discutir durante muito tempo a posição política desse ministro das Finanças, que VV. Ex.as certamente sabem quem foi ...
O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): — Quem foi?
O Orador: — Foi o Dr. Oliveira Salazar, que, pelos vistos, continua a ter grandes candidatos a imitarem-no em 1983, 10 anos depois do 25 de Abril, salvo as devidas proporções de categoria.
O Sr. Secretário de Estado repetiu insistentemente, ontem, na televisão, que a austeridade era para o desenvolvimento. Porém, não vejo qual é a política que perspectiva tal austeridade em função de um tal desenvolvimento.
Em qualquer país normal, qualquer ministro ou qualquer partido que chegasse ao Poder deveria levar uma perspectiva de desenvolvimento em carteira, para que, passado pouco tempo, a pudesse apresentar ao País. No entanto, isso não aconteceu até agora.
Queria saudar o Sr. Secretário de Estado da Cooperação, pois é pela primeira vez que vejo um membro do Governo estar aqui a falar desassombrada e correctamente, sem meias-palavras e sem discurso político simulado, acerca da problemática do seu Ministério. Portanto, os meus parabéns, Sr. Secretário de Estado — aliás, é apanágio do Ministério dos Negócios Estrangeiros deste govemo.
O Sr. Secretário de Estado referiu as consequências graves que adviriam para o País das conclusões da cimeira de Atenas, há pouco tempo concluída. Ora, quer-me parecer que uma das vias possíveis de desenvolvimento em Portugal assenta nas acções a desencadear pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros como esboço de uma alternativa em relação às consequências graves que advêm das posições tomadas em Atenas. Portanto, com que desfaçatez é que o Sr. Secretário de Estado se permite ignorar que o reforço da verba para o Ministério dos Negócios Estrangeiros pode ser um contributo para contrabalançar as consequências graves, negativas e nefastas que advêm para o País das posições assumidas pela cimeira de Atenas?
Por outro lado, a questão fundamental é e continua a ser — retomando uma expressão feliz do Sr. Deputado Mário Adegas — a da hierarquização dos sacrifícios. É isso o que está em causa. O negócio do Sr. Secretário de Estado pode ser números, mas o meu não é; é para isso que o senhor aqui está e é por isso que eu aqui estou, e devo lembrar a todas VV. Ex." que é o Governo que depende dos deputados, e não os deputados que dependem do Governo. Isto tem de ficar claro, sob pena de invertermos completamente de valores sobre os quais acenta a lógica do Estado democrático em Portugal. É V. Ex.a — e perdoe-me o narcisismo — que depende de mim, e não eu de V. Ex.a Portanto, gostaria que me dissesse como é que explica os critérios, as hierarquias e os sacrifícios de não ao aumento de dotação recorrente dos 3 milhões de contos atribuídos como reforço ao PI DD AC. Por que é que não pode Viavet um plano de investimentos
no Ministério dos Negócios Estrangeiros como alavanca para a construção das alternativas que, pelos vistos, vão ser necessárias?
São estas as questões fundamentais a que V. Ex." tem de responder aos deputados, e sem evasivas, porque de evasivas estamos todos fartos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As comparações históricas são tentadoras, mas, por vezes, arriscadas ou despropositadas. Não partilho dos temores do meu amigo César Oliveira e penso que a comparação foi excessiva, abusiva e despropositada.
Todos nós sabemos que o País se encontra numa gravíssima situação económico-financeira, todos temos conhecimento da escassez dos recursos. Ora, eu, que não sou um especialista da matéria, não sei como foram distribuídos os 3 milhões de contos do PIDDAC. Sei que tem de haver também uma hierarquia nos sacrifícios e nos investimentos, e em certas matérias tem de haver critérios que não podem ser apenas os critérios dos números ou critérios estritamente financistas.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tem dito repetidas vezes que Portugal não é uma grande e uma média potência. Qual é o capital e a força de Portugal? Penso que é um capital histórico, cultural, moral, uma presença singular no Mundo. Ora bem, a defesa e o investimento dessa posição, que é histórica, cultural e que é uma força moral, tem os seus custos nacionais. Penso, pois, que é desse ponto de vista e nessa perspectiva que este problema deveria ser encarado, porque com certeza que o reforço da verba para a política de cooperação e para a emigração, de um ponto de vista nacional e à luz de um critério histórico-cultural e da posição de Portugal no Mundo, é certamente prioritário e tem vantagem em relação ao reforço de outras verbas.
Portanto, mantenho aquilo que já tive ocasião de dizer por duas vezes: não me fixando nos números que constam destas propostas de alteração, apoio o seu espírito, por me parecer que elas são correctas e que correspondem ao reforço de. verbas em sectores que são prioritários na política do Estado Português.
Assim, apoio o espírito dessas propostas e faço agora um apelo ao Sr. Secretário de Estado, não só à sua inteligência técnica, mas também política, à adopção de um critério político e de um critério nacional para que este problema seja resolvido. Não sei como foram distribuídos os 3 milhões do PIDDAC, mas com certeza que a política de cooperação e a política de emigração terão necessariamente prevalência, mais urgência e certamente mais importância do que outros sectores que já viram as suas verbas reforçadas.
Portanto, faço um apelo a uma reflexão, a uma reconsideração do problema, um apelo à habilidade técnica, mas um apelo à inteligência política e à prevalência de um critério de política nacional nesta matéria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, para prestar mais alguns esclarecimentos.
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O Sr. Secretário ¿e Estedo do Orçamento: —
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de protestar contra a forma como o Sr. Deputado César Oliveira apresentou a questão. De facto, penso que o Sr. Deputado, ao estabelecer uma analogia entre o Ministro das Finanças de Portugal dos anos trinta e o actual Ministro das Finanças, foi longe de mais, porque o que se pretende com a actuação do Sr. Ministro das Finanças e deste Governo é exactamente evitar que daqui a alguns meses ou daqui a alguns anos este país possa ter um ministro das Finanças como teve nos anos trinta. Gostaria de deixar isto muito claro.
E para que o Sr. Deputado continue a ter de facto governos seus subordinados e às suas ordens, esta política é realmente necessária; não é aquela que o Governo gostaria de praticar, mas é aquela que o Governo se sente obrigado a praticar, tendo em atenção as condições económicas e financeiras deste país.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Esta era a primeira nota que eu gostaria de deixar aqui bem salientada.
Segundo aspecto: este Orçamento, antes de ser presente à Câmara —e a Câmara é que o vai aprovar, alterar e modificar, como muito bem entender—, foi aprovado pelo Governo. E gostaria de salientar que em relação à verba solicitada inicialmente pela Sr.a Secretária de Estado da Emigração, antes de qualquer tipo de negociação, ao nível, pois, do orçamento bruto, há uma diferença na casa dos 50 000 contos, se a memória não me falha. Portanto, penso que a Secretaria de Estado da Emigração percebeu exactamente o momento que o País estava a atravessar, conseguiu fazer os seus planos de actuação e comprimir, naquilo que inicialmente tinha solicitado, cerca de 50 000 contos.
Penso que, de algum modo, esta informação poderá também contribuir para tranquilizar a Câmara quanto às possibilidades de actuação da Secretaria de Estado da Emigração, porque eu penso que não há nenhum membro do Governo responsável que, numa fase de negociação —os orçamentos têm sempre uma fase de negociação, como é sabido—, tenha conseguido adequar o seu plano de actuação cortando 50 000 contos. Gostava de deixar bem clara esta informação.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Acabámos de ouvir há pouco o que é que aconteceu!
O Orador: — Sr. Deputado, tenho o maior respeito pela informação que aqui foi prestada; simplesmente, a Sr.a Secretária de Estado da Emigração não está aqui, e penso que ela poderia talvez esclarecer se é ou não capaz de poder adaptar o seu plano de actuação à dotação orçamental que aqui tem. Penso que isto é que é realmente importante.
Esta proposta de orçamento foi aprovada em Con-' selho de Ministros e penso que nãó houve votos em contrário. Portanto, o membro do Governo em questão viu que era possível levar a efeito o seu plano de actuação, as suas linhas de acção, com este Orçamento.
Relativamente à questão que aqui foi levantada, quer pelo Sr. Deputado do PCP, quer pelo Sr. Deputado César Oliveira, do reforço, que, no conjunto, poderá somar 3 milhões de contos, obviamente que
supõem que os Srs. Deputados da maioria que apoiam o Governo tiveram o cuidado e a preocupação de fazer incidir esses reforços naquelas áreas mais sensíveis, no sentido de preservar o investimento e de manter intacto o aparelho produtivo da nossa economia.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Muito rapidamente, apenas para me explicar bem.
Talvez há pouco tenha exagerado, talvez as comparações históricas que fiz sejam abusivas. Mas devo dizer — e não quero dar lições de História a ninguém — que, quando o Dr. Oliveira Salazar entrou para o Poder, em 27 de Abril de 1928, não estava definido —e só ficou definido a partir de Janeiro de 1930 e de 1931 — qual era o destino do regime, qual era o regime político que deveria suceder à ditadura militar. Mais: estavam em equação várias perspectivas, uma das quais era o retorno à democracia e a regeneração dos partidos republicanos. Se V. Ex.a quiser, poder-lhe-ei fornecer abundantíssima documentação que prova isso.
Mas, na verdade, o que estava em prática entre 1928, 1929 e 1930 era uma política financeira e económica e de despesa pública que passava pelos cordelinhos que o Dr. Oliveira Salazar tinha na mão, uma política fixa, de rigidez, de teimosia até, que, de1 facto, transformou o Sr. Ministro das Finanças da altura num poder dentro de um poder, que acabou por controlar o poder global que existia.
É evidente que isso não vai acontecer agora, até pela diferença de estatura que separa, porventura, as duas pessoas e até talvez de pensamento político, admito. Portanto, era neste sentido, contra as posições fixas e contra a rigidez que eu me rebelei, talvez abusando das comparações históricas.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado concluiu o seu pensamento. Fez a análise do Executivo da época, mas não fez a do legislativo.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): — Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: Há pouco eu tinha pedido a palavra para um protesto. De qualquer forma, gostaria de o fazer da mesma maneira.
Quero, pois, protestar, em nome do PSD, contra a* forma como o Sr. Deputado César Oliveira comparou a actuação e a política do Sr. Ministro das Finanças e do Plano com a forma de actuação do Sr. Dr. Oliveira Salazar. A diferença é clara e evidente para todos nós, deputados da Assembleia da República. A diferença é entre a autocracia e a liberdade e a democracia.
O Sr. Presidente: — Penso que os Srs. Deputados estarão neste momento em condições de votar. Vamos, pois, proceder à votação.
Temos duas propostas de alteração apresentadas pelo PCP para votar e depois teremos de proceder à
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votação global do orçamento respeitante ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
De qualquer modo, penso que todas as considerações que foram produzidas neste debate ficam registadas e constituem, portanto, um esclarecimento que, com certeza, será tomado em conta pelo Executivo na condução da sua política orçamental.
Vamos votar a primeira proposta de alteração do PCP, que visa um reforço de 170 000 contos destinado ao Gabinete do Sr. Secretário de Estado da Cooperação.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos a favor do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do Sr. Deputado Manuel Alegre (PS).
Ê a seguinte:
Proposta de lei- n.* 7/111 09 — Ministério dos Negócios Estrangeiros 04 — Gabinete do Secretário de Estado da Cooperação
Propõe-se o reforço da dotação prevista na proposta de lei de Orçamento de Estado para 1984 em 170 000 contos, com o objectivo de garantir e desenvolver a cooperação com os novos Estados independentes de expressão oficial portuguesa.
O Sr. Presidente: — Vamos votar a segunda proposta de alteração do PCP, que visa um reforço de 100 000 contos proposto para a verba orçamentada destinada ao Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e da ASDI e votos a favor do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e do Sr. Deputado Manuel Alegre (PS).
É a seguinte:
Proposta de lei n.* 47/111 09 — Ministério dos Negócios Estrangeiros 08 — Gabinete do Secretário de Estado da Emigração
Propõe-se o reforço da dotação prevista na proposta de lei de Orçamento de Estado para 1984 em 100 000 contos, com vista a dotar o Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas com as verbas indispensáveis à prossecução de um apoio mínimo aos emigrantes e suas associações.
Tal reforço resulta da actualização das verbas orçamentadas em 1983 e visa o necessário acréscimo das verbas destinadas, nomeadamente, a: bolsas de estudo e colónias de férias para filhos de emigrantes; apoio às associações de emigrantes; assinaturas de jornais e respectivo subsídio de transporte.
O Sr. Manuel Alegre (PS): — Dá-me licença, Sr. Presidente'?
O Sr. Presidente: — Para que deseja a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Alegre (PS): —É para uma breve declaração de voto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Alegre (PS): — Não vou repetir os argumentos que já tive aqui ocasião de produzir, mas queria dizer que apoio o espírito da proposta, e não propriamente os números que nela estão contidos. Na ausência de outra proposta, apoio o espírito da proposta de alteração.
O Sr. Presidente: — Vamos agora proceder à votação final global do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e da ASDI, votos contra do PCP, do CDS, e da UEDS e as abstenções do MDP/CDE e do Sr. Deputado Manuel Alegre (PS).
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estão concluídos os trabalhos relativos ao orçamento de despesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Quero agradecer a presença do Sr. Secretário de Estado do Orçamento e da sua equipa pelos esclarecimentos que nos deram.
Não sei se antes do intervalo algum dos senhores deputados deseja fazer alguma declaração de voto.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP):—Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não me irei alongar, até porque as razões dos nossos votos, quer os favoráveis às nossas propostas de alteração, quer os contrários à proposta de orçamento para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, aqui apresentada já foram explicitadas nas nossas intervenções anteriores. De qualquer forma, queremos deixar uma nota em relação às votações a que acabámos de assistir, particularmente quanto às votações sobre as propostas de alteração que aqui fizemos.
Em nosso entender, esta votação a que assistimos — particularmente no que respeita às propostas de alteração que apresentámos — significa uma subalternização completa desta Assembleia relativamente ao Governo. Isto, quanto a nós, é extremamente grave e mesmo completamente inadmissível. Estavam em causa verbas irrisórias, mas estavam em causa simultaneamente questões da maior importância para c nosso país e, particularmente, para o nosso povo. Por isso, nós pensamos que- ao votarem contra estas propostas de alteração, os deputados, quer do PS — com excepção do deputado que votou favoravelmente — quer do PSD, quer da ASDI, assumiram um papel extremamente grave e negativo para o prestígio da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
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O Sr. Almerindo Marques (PS): — Numa breve declaração de voto, para além da justificação já feita numa intervenção anterior relativamente à posição que tomámos, acresce dizer que não há legitimidade para qualquer equívoco. Esta Assembleia, esta Comissão de especialidade, vota as propostas que entende dever votar; não há subordinações de qualquer deputado à orientação do Governo no que diz respeito à posição do Grupo Parlamentar do PS.
Acresce, entretanto, dizer mais uma coisa: se há intenção de criar equívocos, de estabelecer confusão entre funções e respectivos órgãos, ela jamais parte do PS. Esta Comissão de especialidade vota livremente o que entende votar.
Vozes do PCP: — Não é verdade!
O Orador: — O que não seria coerente era votar um acréscimo de despesas correntes num ministério, quando temos feito aqui esforços importantes para aumentar as despesas de capital noutros ministérios. Isso é que não seria coerente. Cada um que faça as interpretações dos equívocos que entender, mas que fique claro que nós votamos livremente; não subvertemos nem regras nem funções.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): — Abstive-mo-nos em relação ao orçamentado apresentado para este ministério porque entendemos que as verbas são insuficientes para uma verdadeira e digna representação portuguesa no estrangeiro.
Votámos a favor do reforço de verbas das duas propostas de alteração do PCP por entendermos ser necessário que tanto a cooperação como a emigração se desenvolvam num ritmo mais acelerado e também porque estranhamos que a maioria desta vez não tenha apresentado uma proposta, como disse na minha intervenção, pelo menos de 100 000 contos para reforço das dotações deste Ministério. Ficámos assim a saber que para a própria maioria há uns ministérios que são filhos e outros que são enteados.
O Sr. Presidente: — Está suspensa a reunião.
Eram 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: — Está aberta a reunião.
A seguir ao intervalo assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Almerindo Marques.
Eram 18 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos analisar e seguidamente votar o orçamento relativo ao Ministério da Defesa Nacional e seus departamentos.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional deseja fazer uma exposição inicial?
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes): —Sr. Presidente, eu preferia responder a algumas dúvidas que fossem colocadas pelos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: — Nesse caso, passamos de imediato aos pedidos de esclarecimento.
Srs. Deputados, peço-vos, portanto, que se inscrevam.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): —Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, começo por lhe perguntar o seguinte: por que é que, sendo esta a primeira vez que a Assembleia da República discute, ou discutiria, com algum pormenor e detalhe o orçamento do Ministério da Defesa Nacional, V. Ex." entende dispensar-se de nos explicar o detalhe e pormenorização do dito orçamento?
Porém, outras questões terão de colocar-se. Por exemplo: que critérios levam a dotar o Exército, a Marinha, a Força Aérea, etc, com as verbas com que são dotados? Por que é que ainda não é visível neste orçamento uma clara opção em termos de assegurar uma vigilância e protecção o mais possível intensiva, com os parcos meios de que poderíamos dispor, na zona económica exclusiva?
Obviamente que há toda uma série de discussões que se podiam travar no âmbito do Ministério da Defesa Nacional e que não podemos fazer aqui — não é esta a sede própria —, mas que têm a ver, por exemplo, com a repartição das despesas pelos 3 ramos das Forças Armadas. Posso perguntar, por exemplo: em que medida é que elas participam ou não do conceito estratégico de defesa nacional?
Há toda uma outra série de questões que, infelizmente, vão tardando a ser discutidas por esta Assembleia. A título de exemplo: há dias, o Conselho Superior do Exército indicou 3 ilustres generais das Forças Armadas Portuguesas para Chefe do Estado-Maior do Exército e a verdade é que, pela Lei de Defesa Nacional, como o Sr. Secretário de Estado saberá, há um conjunto de membros eleitos pelas Forças Armadas em todos os seus órgãos, e não está excluído, se a memória não me falha, nenhum órgão, tal como é o caso do Conselho Superior do Exército.
São estas questões que têm vindo sistematicamente a ser adiadas. Aliás, já deviam estar na Assembleia da República, para serem discutidos em tempo útil, 7 diplomas de legislação complementar do Ministério da Defesa Nacional no que toca à Lei da Defesa Nacional. O Governo ainda tem mais 18 meses para apresentar outros 7 diplomas. Não vemos sinais nem traço desses diplomas e, de facto, o Ministério da Defesa Nacional teria de implementar uma série de medidas, de dispositivos, de definições e até de diplomas legais que nos permitiriam, sim, discutir o orçamento deste Ministério com propriedade, exaustão e extensão.
Enquanto essa legislação complementar e as definições de que nós carecemos em política de defesa nacional não forem tomadas, a repartição tradicional ' das verbas mantém-se e tudo continua na mesma. Eu até me pergunto: para que é que certos dirigentes políticos, entre os quais o responsável máximo pelo Ministério das Finanças, andaram a clamar tanto tempo pelo fim da tutela militar sobre a democracia portuguesa, para, ao fim e ao cabo, acabarem por reproduzir um
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orçamento em matéria de defesa nacional completamente tradicional e que tanto podia ser feito pelo Ministério da Defesa Nacional como pelo Conselho da Revolução? Afinal, em matéria de defesa, a extinção do Conselho da Revolução não teve efeitos nenhuns; tudo continua na mesma.
Para já, eram estas as questões que eu queria colocar.
I O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ipão Amaral.
O Sr. |cão Amaral (PCP): —Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, tive algum receio por ter chegado atrasado, porque julguei que iria fazer uma detalhada exposição do orçamento em debate, nos seus 4 capítulos. Tanto mais que será de lamentar o facto de não ter havido oportunidade de, em sede de comissão, fazer a exposição que se impunha.
Devo dizer que não será culpa principal do Sr. Secretário de Estado, ou nem terá aí eventualmente qualquer culpa, a menos que se entenda que, apesar de tudo, seria bom que também o Governo se esforçasse, em sede de comissão, por explicitar o sentido das propostas orçamentais. Mas a verdade é que, se houve culpa, ela foi da Comissão. Talvez que, verificando-se as ausências qus neste momento se verificam, se compreenda por que é que esta matéria está tão maltratada. Portanto, eu esperaria uma exposição mais detalhada, que não teve oportunidade de fazer na Comissão, em que entendeu não fazer. Ficam-me algumas perguntas relativamente simples que aqui passo a colocar-lhe.
No ponto 02.03 — Encargos especiais da Defesa Nacional: Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Orçamento para 1983 previa 1 700 000 contos; o Orçamento para 1984 prevê 2 900 000 contos. Ê um saldo de 1 200 000 contos, que sobe 1 700 000 contos representa qualquer coisa como 70 %. Invocam-se os Decretos-Leis n.os 41 575, 44 894 e 45 875, sobre as despesas com infra-estruturas comuns da NATO em Portugal e sobre o Acordo com a República Francesa relativa aos Açores. O que eu lhe pergunto é o seguinte, Sr. Secretário de Estado: porquê este aumento tão grande?
Nos outros encargos especiais da defesa nacional, no ponto 02.05, referente a despesas militares em harmonia com compromissos tomados internacionalmente, o Orçamento em 1983 foi de 781 000 contos; este ano c de 1 140 000 contos. Isto significa um aumento que renda os 400 000 contos, que sobre 781 000 contos representa também um aumento de 60 % ou 70 %. Eu pergunto ao Sr. Secretário de Estado: quais são esses compromissos que implicam um aumento tão substancial?
Quanto aos orçamentos privativos da defesa nacional, Estado-Maior-General das Forças Armadas, não é culpa do Sr. Secretário de Estado que não existe na proposta de orçamento uma descrição rigorosa do conteúdo dos orçamentos privativos. Ê culpa de quem votou a lei de enquadramento do Orçamento do Estado em termos tais que eles não existem. De qualquer forma, Sr. Secretário de Estado, faço-lhe uma pergunta muito concreta: tanto quanto eu sei, não houve desafec-tação do Ministério da Defesa Nacional do Serviço Nacional de Protecção Civil. E o que lhe pergunto í %t a que está prevista para o Serviço Nacional
de Protecção Civil — não no Orçamento do Estado, porque aí não está, mas no orçamento respectivo — c suficiente e se o Sr. Secretário de Estado e o referido Serviço estão satisfeitos com essa verba.
Ainda quanto aos orçamentos privativos, no que respeita à desagregação do orçamento da Marinha, quero perguntar-lhe o seguinte: quais são as verbas previstas para a Fábrica Nacional de Coordoaria? E, particularmente, considerando, apesar de todas as dificuldades, certo tipo de funções que podem ser exer cidas pela Marinha, quero perguntar-lhe se as verbas previstas para o Instituto de Socorros a Náufragos.e para o Instituto Hidrográfico são suficientes e quais são em concreto.
Eram estas as questões que essencialmente, neste momento, lhe queria colocar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.
O Sr. Morais Leitão (CDS): — Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, não lhe faço nenhuma pergunta enquanto o Sr. Secretário de Estado não cumprir aquilo que eu considero ser um dever que é o de esclarecer esta Comissão das razões, dos fundamentos e dos critérios que presidiram à elaboração desta proposta de orçamento.
Xodós estamos de acordo em que este orçamento é o orçamento da Assembleia, e não do Governo. Esta Comissão reúne em sessão pública para prestigiar a discussão do orçamento. Ora, o que se passa em matéria de defesa nacional é a manutenção de tabus. Com a Lei da Defesa Nacional o orçamento da defesa nacional deixou, felizmente, de ser um tabu para os órgãos de soberania. Não houve reunião prévia da Comissão de Defesa Nacional antes do plenário. No plenário o Sr. Ministro da Defesa Nacional disse generalidades e remeteu para a discussão na especialidade a discussão dos critérios — recordo-me que da minha bancada foram feitas propostas que oportunamente se discutiriam —, e agora chegamos aqui e o Sr. Secretário de Estado diz que não tem esclarecimentos a prestar, mas que responde a perguntas. Eu agradecia que prestasse os esclarecimentos para depois formularmos as perguntas que nos merecerem os seus esclarecimentos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): —Subscrevo inteiramente e congratulo-me com a intervenção do Sr. Deputado Morais Leitão, que faço minha — se ele me autorizar. Mas como não sou, talvez, tão exigente como o Sr. Deputado Morais Leitão e tenho ainda alguma esperança na resposta do Sr. Secretário de Estado, dada a ausência do Sr. Ministro da Defesa Nacional, quero colocar-lhe algumas questões concretas.
A dotação orçamental para a Marinha é de 16 461 000 contos; a dotação para a Força Aérea é de 16 475 000 contos. Por que é que se verifica esta prevalência, ainda que pequena e reduzida, da Força Aérea sobre a Marinha? Por que é que os investimentos do Plano para a Força Aérea são de 60 000 contos e para a Marinha só são de 39 000 contos, quando deveria set. porventura, ao contrário, na óptica que eu defendo? Por que é que só são atribuídos à investigação e ao
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fomento marítimo cerca de 340 000 contos? Por que é que estão aqui verbas — que eu considero exageradíssimas, a não ser que tenham uma justificação — relativas ao Estado-Maior-General das Forças Armadas c ainda com encargos especiais da Defesa Nacional, Estado-Maior-General das Forças Armadas, o que totaliza, aproximadamente, 6 milhões de contos?
São estas explicações simples que eu gostaria de ver prestadas pelo Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Presidente: — Para prestar os esclarecimentos que entender oportunos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: —
Em primeiro lugar gostaria de esclarecer que me pareceu importante, acima de tudo, conhecer as dúvidas que se colocavam aos senhores deputados relativamente ao orçamento da defesa nacional.
Devo dizer que, efectivamente, o Sr. Deputado Cesar Oliveira tem razão quando diz que o orçamento das forças armadas não reflecte ainda este ano as concepções de política de defesa nacional que estão patentes na Lei da Defesa Nacional. E não o faz por uma razão muito clara e óbvia: é que quando o Governo tomou posse tinham já decorrido 6 meses sobre o início da entrada em vigor da Lei da Defesa Nacional e aproximava-se, a passos largos, o período da execução dos trabalhos preparatórios para a elaboração do orçamento. E não havia a mínima possibilidade de ter, desde logo e espontaneamente, concluídos os grandes conceitos a que a Lei da Defesa Nacional se refere, que estão em estudo e que vão, de modo lógico e ordenado, nos termos aliás que =a própria Lei da Defesa Nacional muito claramente estabelece, condicionar a elaboração do orçamento das Forças Armadas no próximo ano.
Portanto, em primeiro lugar, o orçamento deste ano obedeceu à política orçamental definida pelo Governo em termos gerais para todos os departamentos do Estado. Em segundo lugar, obedeceu a uma preocupação dc responder eficazmente às grandes necessidades que sc colocavam de modo imediato às Forças Armadas, sobretudo impedindo que programas que estivessem eventualmente em curso pudessem ser interceptados ou interrompidos sem que houvesse ainda uma definição clara de novos parâmetros e de nova programação a que deveriam obedecer possíveis modificações.
Creio que a explicação é muito cara, e tudo aquilo que se possa dizer neste momento além disto será, provavelmente, antecipar discussões que o Parlamento virá a ter muito brevemente, quando o Ministério da Defesa Nacional e o Governo apresentarem as bases gerais do conceito estratégico de defesa nacional e quando apresentarmos os projectos de propostas de lei relativos à reestruturação das Forças Armadas.
Penso que isto é uma explicação que poderá também servir de resposta ao Sr. Deputado Morais Leitão.
Em face desta situação o Ministro da Defesa Nacional procedeu a uma análise criteriosa das propostas que foram apresentadas pelos ramos das Forças Armadas, procurando, como disse, na medida do possível e dentro do enquadramento da política orçamental — que já foi suficientemente esclarecida e que não vou agora repetir —, inscrever as verbas que se consideravam indispensáveis.
Penso, portanto, que o Sr. Deputado César Oliveira terá razão ao reconhecer que, de certo modo. ainda estamos perante um orçamento das Forças Armadas tradicional. Não poderia ser de outra maneira, e gostaria que os senhorec deputados nos explicassem como é que o poderia ser com os prazos a que temos de obedecer, prazos esses que eram desde logo condicionados pela necessidade de cumprir o prazo da própria apresentação da proposta de lei do Orçamento para 1984.
Vou passar agora a responder às perguntas concretas de natureza quantitativa — e penso que, nesse sentido, as perguntas foram feitas principalmente pelo Sr. Deputado João Amaral.
Uma primeira pergunta é a relativa à explicação da verba referente a compromissos internacionais. Trata-se de despesas inscritas no orçamento que têm contrapartida em receita, que são fundamentalmente resultantes do funcionamento dos acordos com a NATO e de outros acordos militares e que se relacionam com infra-estruturas. E trata-se de despesas que são compensadas em receitas no âmbito desses mesmos acordos. Não se trata de que tenha havido o alargamento desses acordos; trata-se, pelo contrário, de actualização de despesas face ao natural crescimento dos en cargos.
O Sr. João Amaral (PCP): — Dá-me licença, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): —Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, nós temos a verba 03 «Encargos especiais de defesa nacional: Estado-Maior-General das Forças Armadas» e a verba 05 «Outros encargos especiais de defesa nacional». O Sr. Secretário de Estado disse uma coisa que me parece importante, que é a de terem contrapartida em receita. O Sr. Secretário de Estado refere-se à verba de 3,4 milhões de contos que aparece em receita?
Uma segunda questão é a seguinte: porquê este aumento? Porquê um aumento de 1 200 000 contos nas verbas decorrentes da execução das infra-estruturas da NATO em território nacional e porquê o aumento de 400 0Ü0 contos sobre 700 000 contos no que se refere às despesas militares de harmonia com compromissos tomados internacionalmente? O que é que sc passa no território nacional que este orçamento de alguma forma descobre? Ê altura de nos explicar. Sr. Secretário de Estado.
O Orador: — Posso dizer-lhe que se trata de cumprimento de programas de obras, de infra-estruturas, em território nacional.
O Sr. João Amaral (PCP): — Não são novas obras?
O Orador: — Não são novas obras. São obras que estavam planeadas para se desenvolverem no ano a que se refere o orçamento.
Havia também uma questão relacionada com o Serviço Naciona) de Protecção Civil. Devo dizer ao Sr. Deputado que este Serviço deixou de ser encargo do Ministério da Defesa Nacional, passando para o Ministério da Administração Interna. Portanto, eu não posso responder à sua pergunta.
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Quanto às verbas para os estabelecimentos fabris, qi;e era unia outra qucstüo, julgo que terei possibilidade dc dar algv.ns t'.e:n'.hes sobre essas verbas. Trata sc de orçamentos privativos que estão detalhados nestes termos: para 1984 a Fábrica Nacional de Cordoaria tem inscrüa uma verba de 212 000 contos, o Instituto de Socorros a Náufragos, de 72 000 contos, o Instituto Hidrográfico tem inscrita uma verba de 160 075 contos, o Aquário de Vasco da Gama, de 10 900 contos. Trata-se de verbas fundamentalmente orientadas para o cumprimento de obrigações em curso. Também aqui não houve, dc facto, grandes inovações.
Os investimentos do Plano relativos à diferença entre a Marinha e a Força Aérea também têm uma explicação, que poderia ser dada tecnicamente, até pela forma como são distribuídas as verbas para investimentos. Como sabe, há dificuldades de ordem técnica para inscrever verbas no PIDDAC destinadas às Forças Armadas.
E conseguiu-se, no entanto, admitir a possibilidade de inscrever verbas para as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, que são as verbas que constam na rubrica da Força Aérea, no valor de 60 250 contos.
Em relação à Marinha é um programa distribuído pelo Instituto Hidrográfico, onde há um investimento dc 6500 contos, pela Direcção de Faróis, com um investimento de 32 500 contos, e ainda pelo Aquário de Vasco da Gama, cujo investimento é de 750 contos. Este é o detalhe das verbas destinadas à Marinha nos investimento do Plano.
Julgo ter respondido, de uma maneira geral, a todas as questões, embora posteriormente as possa complementar. Se. no entanto, deixei em claro alguma pergunta, peço desde já desculpa, ficando, como é natural, ã disposição para responder numa outra intervenção.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado
César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Secretário de Estado, uma primeira nota curiosa é a de que o Ministério da Defesa Nacional tem verbas atribuídas pelo PIDDAC. enquanto que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não teve. Isto não deixa de ser curioso e deve ser até uma das originalidades portuguesas. O meu pai costumava dizer que para um grave problema havia quatro soluções: a boa, a má, a que não lembra ao diabo e a portuguesa! Aqui temos mais um exemplo.
Compreendo as razões que V. Ex.a invoca para que tudo continue na mesma, mas há aqui uma questão que, segundo julgo, constitui mais uma originalidade portuguesa: constituem-se governos, há ministros novos, há secretários de Estado, há todo um pessoal político que vai para os ministérios e cada ministeriável pode ocupar não importa que lugar porque oferece sempre todas as garantias de competência para qualquer ps)ouro (isto não é piada para ninguém!).
O que quero dizer com isto é que, num qualquer país europeu, quando as pessoas vão para o governo sabem minimamente o que vão fazer: têm ideias, programas e concepções que, de facto, devem aplicar o mais rapidamente possível. O que receio é que em Portugal se continue, mais uma vez, a adoptar o sistema de as pessoas irem para o governo e só depois é que começam a surgir as ideias, as concepções, e errtão os> aVcasos são muito maiores, como é óbvio. •
V. Ex.3 falou, por exemplo, nas Bases Gerais do Conceito Estratégico de Defesa e na reestruturação das Forças Armadas. São 2 coisas previstas na Lei da Defesa Nacional e que têm óbvias incidências no Orçamento do Estado.
Ora, como o Orçamento do Estado continuou a ser tradicional (e note-se que o meu negócio não são números e mal sei fazer o meu orçamento quanto mais o do Estado), é natural que haja uma lógica política que me leva a perguntar o seguinte: então quando estas Bases Gerais do Conceito Estratégico — e outros diplomas — ca reestruturação das Foiças Armadas começarem a produzir efeitos o que é que vai acontecer a este orçamento do Ministério da Defesa Nacional? Haverá um orçamento suplementar? Haverá transferência de verbas? O que é que vai acontecer a este orçamento quando forem implementadas, pelo menos, estas 2 linhas directivas, que são as bases gerais da reestruturação das Forças Armadas? A não ser que tais diplomas sejam — e eu não acredito nisso — meros exercícios académicos ou governamentais para não terem execução! Como não acredito nesta última hipótese, eles devem ter alguma incidência.
Julgo que em Portugal corremos o risco de continuarmos a ter medo, receio — para não utilizar outras expressões— de tocar nas Forças Armadas e nos assuntos militares. E note-se que isto que acabo de dizer tem muito a ver com o Orçamento. Esta é uma questão fundamental, porque senão veja-se, por exemplo, o que se passa em relação à Força Aérea.
V. Ex." sabe, com certeza melhor do que eu, que a vigilância marítima a cargo da Força Aérea era feita por uns aviões do tipo P2V5, que estão hoje, segundo creio, altamente ultrapassados e que se destinavam apenas à detecção submarina. Pergunto-me quanto destas verbas inscritas na rubrica da Força Aérea não está destinado, num momento de austeridade em que temos de revalorizar as potencialidades económicas portuguesas — e essas potencialidades económicas assentam, em boa medida, na riqueza da nossa zona económica exclusiva e da nossa zona costeira que, penso, é das poucas zonas marítimas europeias que apresenta índices de poluição e de existência de espécies satisfatórias, em comparação, por exemplo, cem a Europa da CEE —, a ser aplicado em material, compras, etc, que nada têm a ver nem com a austeridade, por um lado, nem com a utilização dos nossos recursos da zona económica exclusiva, por outro.
Ora, dado que o controle do poder político sobre as Forças Armadas consiste nisto e não em qualquer outra coisa, então pergunto-me sc nós temos necessidade de ter esquadrilha de caça em vez de termos, por exemplo, meios aéreos que, conjugados com a Marinha, possam detectar as infracções cometidas na nessa zona económica exclusiva.
O controle do poder político sobre as Forças Armadas significa isto e só isto: que os representantes eleitos pelo povo devem controlar onde e com que objectivos é aplicado o dinheiro dos contribuintes. Ê isto que o Ministério da Defesa Nacional deveria dizer aqui. mas que, de facto, não diz.
Aceito a austeridade, o rigor e as contenções de despesas, mas já não posso aceitar que, por exemplo, a Força Aérea se disponha —e utilizo esta expressão com a plena responsabilidade do que ela possa envolver— a brincar com meia dúzia de aviões de caça quando, se calhar, o dinheiro e o investimento -era
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muito útil em aviões que, conjugados com a Marinha, pudessem zelar eficazmente peio património da ::üssu zona económica exclusiva.
ê isto que a Assembleia da República tem que fazer e é isto que significa o controle político. Se calhai o controle político até significa mais isto do que fazer pirraça na nomeação de um qualquer chefe de estado--maior de um dos ramos das Forças Armadas.
Aos costumes o Ministério da Defesa Nacional disse nada! Às vezes é bom dizer nada aos costumes; neste caso é mau!
Por outro lado,' isto tem a ver com as dotações das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, em Alverca, a não ser que se pense, por exemplo, em preparar as bases militares da Ota e de Alverca para suprir as carências decorrentes da grande densidade de tráfico e dos perigos para Lisboa que derivam dc uma utilização intensiva do Aeroporto da Portela. Aqui está uma outra coisa sobre a qual nos devemos pronunciar.
Falou o Sr. Secretário de Estado nas indústrias militares portuguesas. Gostava de saber, em termos do Orçamento do Estado, o volume das receitas obtidas com a produção das indústrias militares portuguesas, para que países se destina essa produção, qual o seu montante, quais os organismos que estão a controlar a produção dessas indústrias e como é que elas estão inscritas no Orçamento do Estado.
Para já, e só para já, são estas as questões que desejava colocar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. )oão Amaral (PCP): — Sr. Secretário de Estado naturalmente que o facto de não ter feito uma exposição inicial poderá ter a ver também com uma certa realidade subjacente a toda esta discussão.
Temos 4 orçamentos que somam qualquer coisa como 60 milhões de contos, dos quais o Gabinete do Sr. Ministro, onde o Sr. Secretário de Estado se integra, tem 237 000 contos, portanto uma fracção bastante reduzida O resto distribui-se pelo Estado-Maior--General das Forças Armadas, com 5 milhões de contos, pela Marinha, com 14 milhões de contos, pelo Exército, com 25 mühões de contos, pela Força Aérea, com 14 milhões de contos.
Bem se compreenderá, pois, a dificuldade que terão o Sr. Secretário de Estado e o Sr. Ministro em explicar todo este orçamento e também como a ausência dos responsáveis por estes departamentos pesa nas insuficiências das explicações deste debate Isto tem a ver também com a própria estrutura da Lei da Defesa Nacional e, embora não seja a altura de discutir esta matéria, gostaríamos de deixar aqui este sublinhado.
Sr. Secretário de Estado, vou colocar-lhe uma questão concreta. O que diz o relatório da proposta de orçamento, na p. 29, é o seguinte:
(,..J Por sua vez, o capítulo «Transferências correntes» engloba principalmente receitas consignadas aos departamentos militares, de harmonia com compromissos assumidos na ordem internacional, e avaliadas em 3,4 milhões de contos [...]
Ora, não consigo encontrar uma soma que dê 3,4 •milhões de contos em receitas consignadas, pelo que pedia ao Sr. Secretário de Estado que me explicasse
como é que, concretamente, atingimos estes 3,4 milhões de contos e onde é que está a consignação.
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, é óbvio que ectáo feitas algumas opções neste orçamento. Por exemplo, cita feita uma opção, segundo a previsão que é feita, em termos do tempo do serviço militar, é cabido — até por alertas levantados por responsáveis ao mais alto nível das estruturas militares — que qt.ifl.qi-er dim-nuiç3c do tempo de serviço militar implicaria um encarecimento do serviço militar obrigatório. A opção parece, assim, clara: não encurtar o tempo de serviço militar. É isso, Sr. Secretário de Estado?
Outra quentão, ainda no âmbito das opções feitas: r.ão conhecida: as questões colocadas a largas zonas da população portuguesa no que toca aos níveis dc vencimento que süo atribuídos àqueles que, no cumprimento de obrigações con3'iíucionais, prestam serviço militar obrigatório, sendo feitas alguma: críticas no sentido de oori?-:'d»rnr esse nível de vencimento como insuficiente, nomeadamente em cases de famílias já constituídas. Com as verbas que aqui estão fico com a ideia de que também neste ponto o Governo fez uma opção — a de manter esse nível de vencimento. Confirma isto, Sr. Secretário de Estado?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): — É esta a primeira vez que é, ou devia ser, discutido, pormenorizadamente, nesta Assembleia da República, em consonância com a revisão constitucional, o orçamento das Forças Armadas. Nessa medida, seria curial que o Ministério desse as explicações das opções que tomou para apresentar este orçamento.
Desconheço oficialmente os motivos pelos quais aqui não está o Sr. Ministro, apesar de o calendário dos nossos trabalhos ter sido feito em colaboração entre a Assembleia e o Governo, o que teria permitido a marcação de outro dia para a presença do Sr. Ministro. Isto é já, quanto a mim, um modo de enfocagem pelo Govemo, ou pelo menos por este Ministério, nas re-laçõcs com esta Assembleia e particularmente num momento em que se discute pela primeira vez o orçamento das Forças Armadas.
O Sr. Secretário de Estado acabou de dizer que este orçnmento praticamente não tinha sido elaborado pelo Ministério da Defesa Nacional, antes tinha recolhido as propostas de orçamento feitas, quer pelo Estado--Maior-General das Forças Armadas, quer pelos es-tados-maiores dos vários ramos.
De qualquer maneira, o Ministério da Defesa Nacional, para apresentar este orçamento e perante tais propostas, teve que tomar opções. Cada ramo ou o Estado-Maior-General das Forças Armadas apresentou, possivelmente — isto são meras deduções —, orçamentos superiores àquela que está aqui hoje em discussão.
O que nós queríamos saber era quais as opções que o Ministério da Defesa Nacional teve de fazer aos orçamentos que lhe foram apresentados pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas e pelos esta-dos-maiores dos diversos ramos, ou de outra forma, o que é que, dentro do período de austeridade que atravessamos, o Ministério da Defesa Nacional entendeu ser necessário cortar no Estado-Maior-General das
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Forças Armadas, no Exército, na Armada, na Força Aérea.
Ê evidente que esses cortes têm uma implicação no conceito de defesa e na política de defesa nacional. Não é por acaso que se, por hipótese, a Força Aérea tivesse necessidade de comprar mais x aviões o Ministério da Defesa Nacional lhe tivesse que. dizer que não se poderia comprar x mas apenas x menos y ou até que não se poderia comprar nenhum.
É necessário saber se há — e tinha que haver para fazer determinadas opções — um critério mínimo de estratégica de defesa nacional, isto é, saber, por exemplo, se se entende que a defesa do território nacional deve ser feita com os meios próprios das nossa Forças Armadas cu se, na totalidade ou em parte, a defesa nacional está a cargo das alianças em que Portugal está integrado.
Ê também necessário saber, noutro exemplo, se em relação ao problema, já aqui aflorado, do serviço militar obrigatório foi prevista a possibilidade de encurtar ou não esse serviço, se foi ou não prevista a hipótese de manter um serviço militar obrigatório como o que existe ou se se aponta, por hipótese, para uma profissionalização das Forças Armadas tal como existe noutros países.
Por último: foi referido pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, em discurso feito no Plenário durante a discussão na generalidade desta proposta de orçamento, que uma das funções das Forças Armadas era o apoio, digamos assim, à sociedade civil em reterminados campos — já aqui foi referido o campo da Força Aérea na zona económica exclusiva, mas eu acrescentaria, por exemplo, o caso recente das catástrofes. Gostaria de saber se isto foi previsto, em que condições e onde se integra neste orçamento.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.
O Sr. Morais Leitão (CDS): — Sr. Secretário de Estado, pela consideração que tenho para consigo não queria deixar de eventualmente insistir no ponto que referi e que suponho não ter sido bem percebido.
Não critiquei, nem ninguém criticou, o facto de o orçamento aqui apresentado não ter sido apresentado já na base das concepções derivadas da nova Lei da Defesa Nacional, e até compreendo perfeitamente que este orçamento seja um orçamento proveniente da forma tradicional das propostas dos diversos ramos das Forças Armadas. Mas também sei que, desde sempre, mesmo no tempo em que havia Conselho da Revolução, os representantes das Forças Armadas transmitiam ao Governo as suas opções em matéria de elaboração orçamental.
Creio que não vale a pena nós querermos prestigiar a democracia dizendo mal da Assembleia da República e escamoteando os elementos, quando ela funciona tentativamente bem. Foi nesse sentido que reclamei uma intervenção, e não apenas respostas a perguntas. Mas já que o Sr. Secretário de Estado não o fez — lamento e protesto que não o tenha feito —. queria pôr-lhe 5 perguntas concretas.
Em primeiro lugar: qual é neste orçamento o reflexo do eventual acordo sobre a utilização da base das Lajes e, em concreto, o que é que se passa com a negociação desse acordo, que foi anunciado como sendo assinado na próxima semana, tendo depois sur-
gido na impiensa afirmações de que o Ministério da Defesa Nacional entendia que as negociações não garantiam as necessidades das Forças Armadas? Ê que faz parte dessa tentativa de acordo uma verba de auxílio e empréstimo para o rearmamento das Forças Armadas. Terá ou não essa verba alguma repercussão no orçamento?
Segundo: o que é que se passa, em termos de orçamento das Forças Armadas, com a previsão da construção de 4 novas fragatas para a marinha portuguesa?
Terceiro: tendo o Estado participação em 2 empresas de armamento —a INDEP e, segundo me parece, a Explosivos da Trafaria, que está a ser gerida de uma forma autónoma—, qual é a política deste Governo em matéria de intervenção nessas empresas, uma delas pública e a outra participada?
Quarto: não compreendo —e até esperava uma justificação da sua.parte— a existência no orçamento de uma diferenciação de rubricas: enquanto no Ministério da Defesa Nacional, na parte referente À Força Aérea, a rubrica principal surge em «Despesas gerais da Nação», já na Marinha surge em «Encargos gerais da Marinha» e no Exército surge rateado por departamentos. Tem isso algo significado volitivo ou é apenas um puro reflexo da forma tradicional da construção do orçamento?
Quinto, e mais importante: as opções que o Governo poderia ajudar a tomar em face da austeridade permitiria inflectir-se em muitos aspectos (lembro-me até de tal já ter acontecido), nomeadamente porque a grande parte das despesas do Exército resulta do volume do número da incorporação de mancebos previstos para cada ano. Qual é, em concreto, para 1984 a incorporação de mancebos prevista para o Exército? Terá essa incorporação prevista alguma redução, aumento ou será igual à dos anos anteriores?
Era com as respostas a estas perguntas, e a outras já formuladas por alguns Srs. Deputados, que teríamos evitado este questionário tão colectivo. Neste sentido se pode medir o interesse que teria tido uma intervenção inicial da sua parte, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): —Sr. Secretário de Estado, já esta tarde aqui se falou do Dr. Oliveira Salazar —mais precisamente aquando da reunião com responsáveis de outro ministério— e vou continuar' a falar dele, agora no sentido de extrair algumas lições úteis da sua política orçamental e financeira.
Uma das medidas que o Dr. Oliveira Salazar tomou em 1930, ou 1931, no sentido do rigor e da austeridade no orçamento e contas gerais do Estado foi a eliminação — como, aliás, o Sr. Deputado Morais Leitão aflorou há pouco — de uma ou duas recrutas num dado ano, tendo em vista libertar verbas que poderiam ser aplicadas noutras áreas.
Acabei de entregar na mesa uma proposta de eliminação de 436 000 contos da rubrica «Instrução do Exército» para a poder afectar — já não pode ser .ao Ministério dos Negócios Estrangeiros— à segurança social, cujo orçamento julgo estar também muito carecido.
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Ê uma operação fácil: basta anular a última recruta de 1984. Aliás, já foi praticada em Portugal depois do 25 de Abril pelo general Garcia dos Santos, pelo que não haverá dificuldades. Basta transferir a recruta, adiá-la por 6 ou 7 meses, o que permitirá poupar algo equivalente, se os meus conhecimentos militares não me enganam, a essa verba que proponho seja abatida daquela rubrica.
Isto não envolve quebra de austeridade, quebra de rigor, não envolve o aumento das despesas, razão pela qual fico ansiosamente à espera da resposta do Sr. Secretário de Estado do Orçamento c da maioria em relação a esta proposta.
O Sr. Presidente: — Como não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito, vou dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado para, se desejar, dar os esclarecimentos que achar convenientes.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: —
Creio que, em primeiro lugar, haveria que fazer uma declaração muito clara e que respeita a todas as intervenções produzidas.
Na realidade, o orçamento da defesa nacional sofreu um corte em termos reais. Isto é, o aumento que ele apresenta, da ordem dos 13 %, significa uma clara redução em relação àquilo que foram os encargos em 1983.
Isto vai ter repercussões por duas razões. Em primeiro lugar porque há níveis de funcionamento e de operacionalidade que têm de ser cumpridos, não podendo as Forças Armadas, sob pena de se correr o risco de entrarem numa situação de perfeita degradação, deixar de cumprir esses programas mínimos de operacionalidade. Em segundo lugar porque os grandes encargos das Forças Armadas são ainda com o pessoal, razão por que nós não temos dúvidas de que, por efeito des\a redução, as incorporações de 1984 terão provavelmente de sofrer algumas reduções.
Isto responde à proposta de corte de verbas no «Departamento de instrução», tendo em vista a redução das incorporações, porque ela é perfeitamente inaceitável do nosso ponto de vista. Inaceitável porque já teve de ser levada em conta, para assegurar um mínimo de funcionamento e de manutenção do Exército, uma eventual redução nessas incorporações. Há, portanto, uma situação que condiciona muitas outras coisas.
Já tive oportunidade de dizer que este orçamento é de sobrevivência, como, aliás, também já foi referido pelo Sr. Ministro da Defesa.
Aproveito esta oportunidade para esclarecer — e só o faço agora porque julguei ser este facto do conhecimento público e, em particular, desta Comissão — que o Sr. Ministro se encontra em missão oficial no estrangeiro a participar na reunião anual da NATO, na qual Portugal não podia deixar de se fazer representar pelo seu Ministro da Defesa. Daí a impossibilidade de estar presente.
Como o Sr. Ministro disse no Plenário, estamos perante um orçamento de sobrevivência em que as grandes opções foram, de certo modo, as opções do mínimo possível para manter as nossas Forças Armadas com aquilo que é indispensável, para que possam cumprir as missões fundamentais que constituem o seu fim.
Daí que este ano não haja outras opções que não as muito pragmáticas, de manutenção, de sobrevivência, e que se traduzem no respeito que o País deve às
suas Forças Armadas, mantendo-as com um mínimo de operacionalidade.
Nós estamos de acordo — e repito isto uma vez mais para responder às considerações do Sr. Deputado César Oliveira — em como o orçamento do próximo ano vai ser profundamente condicionado pelas grandes opções que venham a ser tomadas no domínio legislativo, no domínio dos conceitos estratégicos de defesa nacional, do conceito estratégico militar, do novo sistema de forças e dos regimes e leis de programação militar que a Lei da Defesa Nacional nos impõe. Tudo isto está a ser objecto de estudo no Ministério da Defesa.
Neste aspecto, pensamos cumprir o último prazo estabelecido rir. Lei da Defesa Nacional, isto é, em Junho de 1934 teremos concluído toda a legislação e todos os documentos estratégicos estipulados naquela lei.
Tal significa, desde logo, que não é difícil adivinhar que todo o ano de 1984 vai, em termos orçamentais, funcionar com este mesmo orçamento. Isto porque a partir de Junho, se tivermos, como espero, as bases da lei de programação militar e todos os conceitos que já referi, nomeadamente o do sistema de forças — e aqui respondo àquela problemática entre a Foiça Aérea e Marinha, porquê mais para a Força Aérea e menos para a Marinha —, vai ser cumprido o objectivo da definição do novo sistema de forças que há-de resultar do conceito estratégico de defesa nacional que o Parlamento vier a aprovar para o nosso país.
O que neste momento está em causa com este orçamento é, fundamentalmente, a aprovação das condições mínimas para que as Forças Armadas funcionem e, mesmo assim, com grandes sacrifícios, com grandes deficiências, com grandes dificuldadaes, porque os recursos são poucos, o que torna muito difícil assegurar o objectivo de uma sobrevivência com dignidade e com um mínimo de performance que é exigido às Forças Armadas.
Concluindo, devo dizer desde já, em nome do Ministério da Defesa, que consideramos inaceitável a proposta do Sr. Deputado César Oliveira, no sentido do abate de 436 000 contos na verba consignada nesta rubrica. Em todo o caso a Assembleia é soberana e decidirá como entender.
O Sr. Deputado João Amaral fez algumas referências concretas à consignação de 3,4 milhões de contos de receita, e sobre isso pergunta qual a sua distribuição em termos de despesas consignadas..
Posso dizer-lhe que há um conjunto de comissões que constituem as entidades que asseguram a realização, pela parte portuguesa, dos acordos internacionais, e que são: a CEIOTAN, que é uma comissão executiva de infra-estruturas da NATO, cuja verba prevista í 2 *35 500 contos; uma comissão de infra-estruturas, que tem 524 350 contos; a comissão luso-francesa, que tem 188 000 contos; os programas AWAC, que têm 72 262 contos; a comissão luso-alemã, que tem 460 000 contos. Isto totaliza 3 380 112 contos.
O Sr. João Amaral (PCP): — Posso interrompê-lo, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: — Faça favor.
O Sr. João Amaral (PCP): — Os elementos que forneceu ficam registados no Diário da Assembleia da
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República, mas, de qualquer modo, gostaria de saber se lhe seria possível fornecer uma fotocopia de todos esses elementos que tem.
O Orador: — Estes elementos constam, se não me engano, da discriminação feita no Orçamento de Estado, no grupo da classificação económica. Estãc inec.-itos nos mapas do Orçamento de Estado, Sr. Deputado.
Relativamente à pergunta que me fez sobre se iria ser considerada a hipótese de redução do serviço militar neste orçamento, creio que já está respondida: não consideramos nenhuma inovação nestes domínios. É, portanto, um orçamento que prevê a situação actual e que responde a ela. Aliás, este problema, posto igualmente por outro senhor deputado, será objecto de discussão na Assembleia da República durante o mês de Janeiro, assim espero na medida em que é nossa intenção de nas próximas semanas já termos os pareceres que estão a ser recolhidos em várias instituições que a própria Lei da Defesa Nacional impõe relativos a um anteprojecto já elaborado pelo Ministério da Defesa, sendo de imediato submetido a Conselho de Ministros.
Creio, por conseguinte, que será essa a melhor altura para discutir a problemática do serviço militar.
Em relação à pergunta sobre o nível de vencimentos do serviço militar obrigatório, também não há modificação alguma, maniéndose a situação actual.
O Sr. Deputado António Taborda fez-me perguntas muito concretas relativamente aos cortes. Devo dizer-lhe que estes cortes poderão ter, designadamente no domínio do Exército, algumas implicações quanto às incorporações, tal como há pouco referi.
O Ministério da Defesa procurou transmitir às che fias militares uma directiva no sentido de uma austeridade no campo da preparação do orçamento e vai prosseguir, na sua execução e dentro do âmbito restrito da competência que lhe é atribuída pela Lei de Defesa Nacional, corn um cuidado acompanhamento do controle da execução deste orçamento.
Os cortes foram efectuados em alguns programas que, assim tiveram de ser transferidos para anos posteriores, e cm alguns objectivos prioritários que as Forças Armadas desejavam conseguir já no próximo ano — posso citar, a título de exemplo, uma renovação de veículos automóveis— também terão de ficar, senão totalmente, pelo.menos em grande parte, para outros anos.
Gostaria também de aproveitar a oportunidade — e estou igualmente a responder a algumas das preocupações dos senhores deputados — para dizer que a grande fatia de modernização das Forças Armadas em meios pesados — aviões, fragatas, etc. — não está contemplada neste orçamento pela simples razão de que se trata de programas que são negociados a nível multilateral no âmbito da NATO, através de um grupo ad hoc que existe para esse efeito e no qual Portugal tem apresentado as suas prioridades. Esse é o caso concreto das fragatas e esperamos que, no âmbito desse grupo ad hoc, se estabeleçam esquemas de financiamento que venham apoiar o grande objectivo da nossa Marinha de se reapetrechar com novas fragatas em termos que correspondam às enormes dificuldades de carácter financeiro que Portugal atravessa. Provavelmente as comparticipações do lado português terão de ser negociadas mais tarde, isto é, só depois da clara
definição do âmbito de contributos que os países membros da NATO vão atribuir a este objectivo.
Em relação aos aviões passa-se uma situação semelhante. Há, de facto, acordos militares com os EUA que contemplam programas de reapetrechamento, sobretudo de uma nova esquadra A7 para a Força Aérea. Não está, portanto, contemplada neste orçamento nenhuma verba destinada a estas finalidades — nem ás fragatas, nem aos aviões.
O Sr. João Amaral (PCP). —Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: — Peço desculpa, mas vou já concluir.
Passaria agora a referir-me ao problema do apoio das Forças Armadas à sociedade civil. Ê evidente que as Forças Armadas sempre têm estado na primeira linha de apoio à sociedade civil, naquelas áreas em que esse apoio é solicitado ou em que há compatibilização com os seus próprios meios. Acontece isso com a Marinha em relação à fiscalização da Zona Económica Exclusiva, assim como acontece com a Força Aérea no apoio que dá, por exemplo, à fotografia aérea e a algumas acções de vigilância da mesma ZEE. Trata-se de programas que estão em curso e que vão prosseguir porque a Força Aérea continuará a contemplar esse tipo de apoios, do mesmo modo que é conhecido o esforço e os apoios importantes que as Forças Armadas deram e estão ainda a dar, aos sinistrados das recentes catástrofes. A propósito, posso dizer-lhes que continuam ainda neste momento algumas centenas de pessoas desalojadas, abrigadas e alimentadas em unidades ou estabelecimentos militares.
Não prevemos, portanto, também neste caso, grandes modificações relativamente ao impacte que essas acções possam vir a sofrer em consequência do orçamento.
O Sr. Deputado Morais Leitão fez-me algumas perguntas directas e a primeira referia-se ao problema das negociações da Base das Lajes. Nãc há neste orçamento nenhum reflexo destas negociações, nem poderia haver, pela simples razão de que este acordo não está ainda concluído, não estando, por isso, nele prevista nenhuma verba originária desse acordo. Posso informá-lo de que as negociações estão a correr em bom ritmo e que existe, obviamente da parte das Forças Armadas, tratando-se de um acordo militar, um grande desejo dc que nele fique muito claro o tipo de apoio que os EUA virão a dar à sua modernização, nomeadamente através d:i a^unção de alguns compromissos relativamente a programas concretos dc modernização.
Estamos esperançados que nos próximos dias surjam condições para esse acordo c, de resto, algumas dificuldades que havia estão a ser ne^te momento ultrapassadas, pelo esforço que está a ser desenvolvido dc um lado e de outro das comissões de negociação.
Quando se fala de problemas levantados pelas Forças Armadas, não se pode querer inferir que haja qualquer obstrução ou oposição da parte delas à celebração do acordo no prazo previsto. Há, sim, um desejo muito grande, quer das chefias militares, quer do próprio Ministério da Defesa Nacional, de que o acordo, em termos muito claros, contemple estas preocupações das nossas Forças Armadas, que são, de resto, preocupações nacionais louváveis e que devem ser apoiadas por todos nós.
Já me referi às verbas de rearmamento e às construções de fragatas em termos de que, fundamentalmente.
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se tratam de apoios bilaterais estabelecidos com países amigos e que não estão contemplados no Orçamento.
Em relação particularmente à INDEP, temos consciência de que é necessário desenvolver e melhorar a intervenção do Governo e da política de defesa no seu âmbito, /ulgamos que, sobretudo, é preciso —e é neste sentido que o Ministério está a desenvolver algumai acções-— promover as realizações para que a INDEP esteja em condições de cada vez mais responder às necessidades concretas de armamento e de munições das nossas próprias Forças Armadas para que elas comprem cada vez menos ao estrangeiro e para que comecem a condicionar e a estimular a produção nas nossas fábricas de armamento. De qualquer maneira a INDEP tem excedentes de produção que não são consumidos pelas nossas Forças Armadas e que, como é do conhecimento geral, são vendidos no mercado em termos normais, sem qualquer política de encobrimento ou de reserva.
Trata-se de transacções perfeitamente normais e nas quais, de acordo com as disposições legais, intervêm o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que emite a sua opinião quanto ao efeito político ou relativo à estabilidade de uma determinada operação de venda de armamento, e o Ministério da Defesa Nacional, que se pronuncia na óptica do interesse das próprias Forças Armadas, isto é, segundo a óptica militar. Portanto, é na conjugação destas duas análises que as operações concretas se estabelecem. Daí que todas as operações de venda de armamento ao estrangeiro passem previamente por uma análise casuística, na qual são contemplados estes dois factores: os factores de política externa e os de interesse nacional das nossas próprias Forças Armadas.
Desculpar-me-ão se porventura omiti qualquer outro esclarecimento, mas se o fiz foi apenas porque não terei tomado a devida nota.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado João Amaral, presumo que V. Ex.° pediu a palavra apenas para um esclarecimento, não é verdade?
O Sr. João Amaral (PCP): — Sim, Sr. Presidente, só para um pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): — O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional referiu quanto ao reequi-pamento, concretamente até da Força Aérea, que a verba não estava no Orçamento e que corresponderia a acordos bilaterais. Bom, de qualquer forma fazia-lhe uma pergunta.
O ponto 0.2 do orçamento do Ministério da Defesa Nacional — Estado-Maior-General das Forças Armadas, capítulo 05, refere «Outros encargos especiais da Defesa Nacional». A descrição deste capítulo, em termos do Orçamento do Estado, é «despesas militares em harmonia com os compromissos tomados internacionalmente» e, noutro ponto, «Reequipamento extraordinário do Exército e da Aeronáutica». Perguntava, pois, ao Sr. Secretário de Estado se, concretamente, o que posso deduzir das suas palavras é que o aumento de 1983 para 1984, de 731,3 milhares de contos para I 140 000 contos, é só para «Despesas militares em harmonia com compromissos tomados internacional-
mente» e nada para «reequipamento extraordinário do exército e da aeronáutica».
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: —
Não sei de onde consta ...
O Orador: — Posso dizer-lhe, Sr. Secretário de Estado: no Orçamento ...
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: —
Existia em 1982, salvo erro, mas não aparece em 1983.
O Orador: — Não aparece em 83?!
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: — Posso dizer-lhe claramente em resposta à sua pergunta, que essas verbas com a referência «Despesas militares de harmonia com compromissos tomados internacionalmente» não contemplam esses programas de reequipamento. Trata-se de compromissos que Portugal assumiu de criação de determinadas infra-estruturas no território nacional — nada, portanto, sobre reequipamento — e que, por força desses acordos, são pagas a posteriori pela Organização do Tratado do Atlântico Norte. Daí que se trate de despesas com contrapartida em receitas e rigorosamente equilibradas, como há pouco tive ocasião de dizer com todo o pormenor.
O Orador: — Uma segunda e muito breve questão, Sr. Secretário de Estado, é sobre o que V. Ex.a referiu a propósito da consignação dos 3,4 milhões de contos, como constando dos elementos fornecidos à Assembleia. Acontece que não podemos confirmar isso porque eles não nos foram fornecidos. Agradecia que o Sr. Secretário de Estado providenciasse a distribuição desses dados que aí tem a fim de que a Assembleia possa dispor dos elementos necessários.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado João Amaral fez um pedido de esclarecimento um pouco longo, mas está feito. Pediria agora licença ao Sr. Deputado Manuel Queiró para alterar a sua ordem de inscrição, visto que é o Sr. Deputado que figura a seguir na lista das intervenções. Acontece que o Sr. Deputado Cesar Oliveira quer fazer uma pequena aclaração com o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, que está com urgência de sair.
O Sr. Deputado Manuel Queiró dá-me licença que o faça?
O Sr. Manuel Queiró (CDS): — Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:—Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem pois, a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, muito obrigado!
Um brevíssimo comentário: uma coisa é a compra de aviões, outra é a sua manutenção, os sobresselentes. etc. ... — isso se calhar está no Orçamento do Estado?! Ah, bem! Portanto, o aumento do número dos aparelhos de caça vai-se repercutir, quer que/ramos, quer não, no Orçamento do Estado!
A questão que queria pôr ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento era a seguinte! V. Ex.a tem-se batido,
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ao longo das discussões a que tenho assistido, pela sua «dama», que é o rigor e a austeridade, e lamenta — assim como todos nós — as indisponibilidades orçamentais e financeiras para reforço de verbas onde o Governo — e «dou de barato» essa boa intenção do Governo— pretenderá reforçar sectores orçamentais mais carenciados.
A minha proposta de abate de 436 000 contos na verba consignada ao Departamento de Instrução prende--se com esta questão. As incorporações de mancebos na recruta fazem-se, como é sabido, por fases e por etapas, pelo que bastaria adiar a última incorporação em 3 ou 4 meses para que ela recaísse no 1.° trimestre de 1985. Neste período, segundo a óptica e as promessas reiteradas do Governo, teria já terminado a política económica e financeira de emergência, o que, portanto, faria com que não fosse tão aflitivo sobrecarregar a primeira recruta de 1985 com um acréscimo de homens. Assim, não estando nós então já na fase da política económica e financeira de emergência, o abate dessa verba de 436 000 contos — que poderá ser outra, pois aceito discutir o montante com tranquilidade — não iria afectar o Exército, ou melhor, as Forças Armadas.
A minha proposta não visa colocar -em melindre nem é resultado de qualquer pirraça em relação ao Sr. Ministro da Defesa Nacional. Por isso não quero que pensem, nem sequer que possam sonhar, que a minha proposta visa atacar, ainda que muito indirectamente, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro, da Defesa Nacional.
Com efeito, eu afectaria essa verba ou ao P1DDAC da Segurança Social — que tem uma verba de 250 000 contos — ou ao orçamento da Segurança Social, ou ainda para acrescer aos 3 milhões de contos de reforço ao PIDDAC, e, nesse caso, estes 436 000 contos significariam um acréscimo de um sexto a esses 3 milhões de contos que se obtiveram à custa, do OE, portanto negativamente.
Assim creio que, embora não sendo técnico, encontrei uma forma de, com relativa facilidade, obter esse reforço sem aumentar as despesas orçamentais.
Portanto, queria saber com é que o Sr. Secretário de Estado do Orçamento vê esta operação que me parece simples, perguntando-lhe quais são os sentimentos do Governo — e já agora estendo a minha pergunta à maioria — e como é que pensam que em alternativa se poderiam reforçar verbas destinadas a melhorar as condições de sectores populacionais que vão ser exactamente os mais afectados pela política de austeridade, de rigor e de contenção das despesas públicas.
Acho que esta verba, traduzindo-se, como disse, salvo errp, em um sexto da verba atribuída ao Departamento de Instrução, poderia ser obtida com a redução dessa última incorporação a transferir para 1985. Assim encontraríamos uma verba, que não faço questão de apontar onde vai ser afectada, deixando esse encargo à maioria e ao Governo que a afectariam onde a julgassem mais necessária e mais conveniente.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente (João Salgueiro).
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: —
Começaria por rapidamente dar uma resposta parcial ao Sr. Deputado João Amaral. Se bem entendi, na sua interpelação, dirigida ao Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, V. Ex.a levantava a questão de saber qual o capítulo no Orçamento das receitas onde estavam realmente considerados os 3,4 milhões de contos. Foi isso?
O Sr. João Amaral (PCP): — Qual a correspondência de despesa?
O Orador: — Ah, na despesa! Ê que realmente na receita indicar-lhe-ia que era no capítulo 1.05 das transferências. Mas não é esse o aspecto, peço desculpa!
O Sr. João Amaral (PCP): — Isso é fácil!
O Orador: — Interpretei mal! Ficará então sem efeito o esclarecimento que gostaria de lhe dar.
O Sr. João Amaral (PCP): — Fica o esforço, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: — Ao Sr. Deputado César Oliveira queria dizer que o orçamento das Forças Armadas foi muito discutido no Conselho de Ministros, e não apenas nessa sede mas também com as próprias Forças Armadas, como, de resto, está estipulado na própria Lei de Defesa Nacional. De facto houve uma redução substancial, pelo que a resposta que lhe foi dada pelo Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional é aquela que compartilho. É óbvio que se pudéssemos retirar daqui montantes para fomentar mais habitação, saúde, segurança social, o faríamos! O Sr. Deputado, faça-nos a justiça, a nós, ao Governo e a esta Câmara, de acreditar que todos ficaríamos muito satisfeitos se pudéssemos fazê-lo! Mas pensamos que as Forças Armadas são um dos vectores importantes da sociedade portuguesa e obviamente que lhes têm de ser concedidos aqueles meios indispensáveis para que possam, realmente, funcionar, embora dentro do tal clima de austeridade e de rigor, também com a dignidade e eficácia que todos nós, Portugueses, desejamos que as nossas Forças Armadas tenham.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Não quero prolongar de mais a reunião, mas o Sr. Secretário de Estado acha que o adiamento de uma incorporação iria reduzir a viabilidade e afastar o normal exercício das Forças Armadas?
O Orador: — O Sr. Deputado, é que, se bem entendi o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, e por aquilo que ouvi na reunião preparatória do Orçamento juntamente com os comandos das Forças Armadas, isso já está implícito neste Orçamento. Portanto, penso que para além disso já se iria colidir com o tal objectivo de dar um mínimo de eficácia ao funcionamento das Forças Armadas. Ê este o entendimento que me ficou das reuniões preparatórias. em que participei.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: —
Em relação a este problema do corte no capítulo do departamento de instrução, gostava de dizer que ele contempla muita coisa. Se reparar, para a incorporação estão previstos apenas 1 200 000 contos, e se a isso vai cortar 436 000 contos não percebo o que é que se iria fazer! No fundo, seria impraticável e estaríamos a r.nular a incorporação militar no próximo ano.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Dá-me licença que o interrompa de novo?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr César Oliveira (UEDS):—O Sr. Secretário de Estado do Orçamento e V. Ex.3 referiram há pouco que o Departamento de Instrução e a recruta já tinham sofrido cortes. Queria, por isso, perguntar-lhe o seguinte: poderá dar-me dados comparativos dos números de mancebos incorporados em 1983 e os previstos para 1984?
O Orador: — Posso apenas dizer-lhe que em 1983 foram incorporados por volta de 30 000 mancebos — e devo esclarecer que não são números rigorosos, são aproximações— e em 1984 é provável que tenha de haver um corte na ordem dos 20 %. Esta matéria não está, obviamente, fixada, mas está condicionada à partida pelas verbas inscritas no Orçamento. Se fôssemos cortar novas verbas, esses 20 % passariam para 60 % ...
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Não é certo que haja corte de 20 %, portanto não está ainda definitivamente estabelecido!
O Orador: — Não, mas o que vai haver de certeza c cortes no número de 30 000, porque não há possibilidade dc se incorporar agora o mesmo contingente que se incorporou este ano.
Em relação ao Sr. Deputado João Amaral — e já que esteu no uso da palavra penso que o Sr. Presidente me permitirá esclarecer também esse Sr. Deputado —, gostava dc dizer que as verbas de que falávamos há pouco estão consignadas em termos muito claros no capítulo 03, rubrica 01 ...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Ê que nós não
lemos esse orçamento!
O Orador: — Bom, julgava que este orçamento estava distribuído, pois trata-se do Orçamento para 1984, com o pormenor que todos os departamentos do Estado o requerem.
Bom, então nesse caso posso passar a lê-los. Tudo isto está subordinado a uma rubrica que se chama «Infra-Estruturas Comuns da NATO», tem um primeiro grupo de despesas nos termos do Decreto-Lei n." 41 575, de 1 de Abril de 1958 —e este decreto-lei esclarece no seu texto as obrigações do Estado Português e refere-se exactamente a CEIOTAN, de que falei há bocado, isto é, a Comissão Executiva de Infra--Estruturas da Organização do Tratado do Atlântico Norte, que é a Comissão encarregada de construir
instalações da NATO; o outro Decreto-Lei é o n.° 44 894, de 21 de Fevereiro de 1973 ... não quer que continue? Creio que não poderia ser mais claro!
O Sr. João AmaraE (PCP): — £ que não temos esses elementos. É só mandar tirar uma fotocópia. Não é possível?
O Orador: — Por mim é, não sei se o Sr. Secretário de Estado do Orçamento vê algum inconveniente, nem percebo porque é que não poderá tirar.
O Sr. Presidente: — Mais alguns Srs. Deputados desejam foíocép.as? Vai ser, portanto, tirado um exemplar para cada grupo parlamentar.
O Sr. Secretário de Estado quer continuar no uso da palavra?
O Orador: — Não, muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: De facto, hão se prevê qualquer redução do tempo de serviço militar obrigatório nestas dotações, dado que o Sr. Secretário de Estado afirmou que tal seria prematuro. Em todo o caso, julgo saber — até porque não é segredo e tem sido divulgado nos órgãos de comunicação social — que a verdadeira razão está em que o tal anteprojecto de que falou não prevê, de facto, nenhuma redução desse mesmo serviço, anteprojecto esse que, segundo essas mesmas notícias que não foram desmentidas, teria sido já discutido com as Forças Armadas. Não estou aqui a antecipar qualquer posição do meu grupo parlamentar, como é óbvio, mas apenas a sublinhar este facto.
Posto isto, vou passar a exprimir aqui algumas preocupações no que concerne à Marinha porque, na necessária reformulação dos conceitos estratégicos de defesa naconal e das funções dos diferentes ramos das Forças Armadas, será porventura aquele ramo com que no futuro esta Assembleia terá de se preocupar mais. Nas múltiplas funções que estão a título provisório definidas para este ramo das Forças Armadas, há várias que se destacam, e, entre elas, a vigilância das nossas costas para além da fiscalização da Zona Económica Exclusiva, as nossas obrigações internacionais, que sc traduzem na participação nas forças e nas manobras da NATO e ainda as nossas obrigações internacionais do serviço search and reseve. Falo nisto só para dizer que para estas três funções a Marinha tem mater.il inadequado, e ela sabe-o, assim como o Governo o saberá também. Não tem, porventura, falta de material, o que tem é o material errado. E isto por razões históricas que ainda não foram vencidas. Basta dizer que fazemos muita fiscalização costeira com barcos de fabricação nacional próprios para fiscalização fluvial, fazemos search and reseve com corvetas e participamos nas manobras da NATO com fragatas antiquadas, sendo este, aliás, o ponto mais conhecido do público, assim como fazemos vigilância da ZEE com corvetas, o que é manifestamente inadequado.
A pergunta que faria em primeiro lugar ao Sr. Secretário de Estado seria a de saber qual é a incidênc-a
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que pode ter nas preocupações governamentais a renovação da nossa frota — e quando falo de renovação não falo só da aquisição ou construção de novo material, falo de uma política de vendas, dado que, como c do conhecimento público, já teve na ordem do dia há alguns anos a venda de corvetas, e não eram uma nem duas. Perguntava-lhe, portanto, em que ponto está esse problema.
Quanto à construção é sabido que existe alguma capacidade cm Portugal com níveis de incorporação de material importado que, para os pequenos navios dc fiscalização cor.tcira, talvez não seja tão elevado como isso, e sc o será nos sistemas electrónicos talvez não o seja tanto no que toca aos sistemas de armamento, fá agora, fazendo um pequeno parêntesis, aproveitava para lhe Dcr.nuntar, em relação ao fornecimento das nossas Forças Armadas, nomeadamente por empresas em dificuldades, como c que está o fornecimento de veículos motorizados ao Exército pela Metalúrgica Duarte Ferreira.
Finalmente, voltando à Marinha queria fazer-Ihe uma pergunta concreta sobre o Arsenal do Alfeite, que aparece com uma dotação de 1 938 400 contos, porque suponho que esta verba se refere aos pagamentos diversos de manutenção de todos os nav.;os que são aí reparados. Esta verba é suficiente para os gastos que se prevêm ou é a verba que é possível consignar?
E fazia lhe de seguida uma segunda pergunta: qual foi a verba efectivamente paga ao Arsenal do Alfeite nos 2 últimos anos? Esta verba não irá originar outros encargos diferidos no futuro para a Marinha e para o Estado?
Este problema do Arsenal tem alguma importância para nós, CDS, porque aqui insere-se um problema de produtividade — que não sei se é conhecido pelos Srs. Deputados, mas com certeza que o será. Nas marinhas estrangeiras considera-se que existe uma produtividade da manutenção quando existem 2 navios no mar por cada um no estaleiro, enquanto em Portugal é prática desde há muitos anos —e não é de agora — que se tem um navio no mar por 2 no estaleiro. Existe, portanto, um problema de produtividade, problema esse que não sei como é que o Governo vai solucionar, daí que a minha pergunta seja no sentido de saber se o Governo está sensibilizado para a sua solução.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): —Embora o Sr. Deputado Manuel Queiró tenha terminado por colocar algumas perguntas ao Sr. Secretário de Estado, vou enxertar aqui algumas perguntas para melhor esclarecer até o seu sentido. Eram duas e muito simples.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado referiu que o anteprojecto do Governo sobre a Lei do Serviço Milhar não era segredo para a Assembleia. Bom, provavelmente por lapso meu, não recebi cópia desse anteprojecto ou então chegou à Assembleia por outra via que não a da Comissão. A primeira pergunta que fazia ao Sr. Deputado era: qual é a via para eu poder também ter acesso a esse anteprojecto?
A segunda pergunta relaciona-se com o facto de o Sr. Deputado ter referido a verba que está inscrita para o Arsenal do Míeite, enquanto nos documentos
sobre o Orçamento fornecidos à Assembleia não vem essa verba ou então, por lapso meu, não a consegui encontrar. Gostaria, por isso, que o Sr. Deputado me dissesse qual era a rubrica em relação a esta verba para ficar esclarecido.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): — Em relação à segunda pergunta, é rápido: rubrica 03/10. Relativamente à primeira também é rápido: o Sr. Deputado talvez não tenha ouvido, ou então fui eu que me esqueci de dizer —mas creio que não—, que isso tinha sido referido em órgãos de comunicação social e que não tinha sido desmentido. Foi o que eu disse.
O Sr. Presidente: — Para responder às perguntas que lhe foram dirigidas, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: — Em relação à intervenção do Sr. Deputado Manuel Queiró gostaria de dizer que, na realidade, a proposta de lei do serviço militar não contempla neste anteprojecto a redução do tempo do serviço militar. É, no entanto, uma proposta que está em apreciação e em debate e para a qual o Governo tem uma grande abertura relativamente aos contributos que possam vir dos mais diversos sectores, uma vez que se trata de uma lei que ;nteressa a todos os cidadãos portugueses.
Espero, portanto, que, no decurso desta apreciação e do debate que se irá desenvolver, se possa concluir sobre o que mais convém ao interesse nacional e aos cidadãos particularmente visados: se a manutenção, se a redução do serv;,ço militar, e no caso de redução qual a sua medida e quais os efeitos de ordem económica que poderão dela resultar. Em relação a tudo isso o Governo está disponívej para discutir, embora tenha partido de uma proposta inicial que não contempla, de facto, a redução. Trata-se, contudo, neste momento, de um anteprojecto.
No que respeita ao material da Marinha temos reconhecido — e todo o País o faz — que este ramo, e de um modo geral as nossas Forças Armadas, não foi equipado, a não ser no período da guerra colonial, em que o equipamento tinha uma certa condicionante, que era a adequação às emissões que estavam naquele momento conferidas às Forças Armadas.
Neste momento, portanto, podemos concluir que a Marinha, e provavelmente também o Exército e a força Aérea, tem carências de modernização, ou seja, de adequação do seu equipamento e dos seus meios às novas missões que lhe são confiadas, quer no âmbito da defesa nacional em sentido restrito, quer no âmbito das obrigações no quadro da NATO.
Temos um programa que vem já de há longos anos e que gostaríamos de ver concluído de uma forma que pudesse o mais possível satisfazer os interesses da Marinha e do País. Esse programa refere-se à obtenção de 3 fragatas e discute-se, neste momento, o problema do financiamento deste equipamento. Como disse há pouco, temos como única contrapartida — e embora seja um detalhe de ordem técnica, é um esclarecimento que tenho muito gosto em dar aqui — a venda de corvetas e com o produto dessa venda haveria uma comparticipação no financiamento do novo projecto de aquisição das fragatas. Dentro deste pro-
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jecto, uma das alternativas que o Governo apoia e que estuda com muito interesse seria a construção de fragatas em estaleiros portugueses. Daí que se pudesse encarar com toda a disponibilidade essa hipótese, particularmente pensando que parte dessas fragatas poderiam ser construídas nos nossos estaleiros. Tudo isto sc encontra, neste momento, numa fase activa de apreciação que está em curso, através de grupos formados com os nossos parce:ros da Aliança Atlântica, nomeadamente os EUA, o Reino Unido, a Holanda e a RFA.
: Esperamos que dentro de 2, 3 meses, possamos atingir uma fase de tomada de decisão, mas ela será profundamente condicionada pela capacidade de financiamento que venha a ser posta à nossa disposição por estes países.
I Relativamente a uma outra pergunta muito concreta sobre a aqu:,sição de veículos militares ou de viaturas tácticas para o Exército queria dizer que esse é também um projecto que este Governo encontrou numa fase muito adiantada, numa fase de decisão, e em relação ao qual temos desenvolvido todos os esforços no sentido de apoiar o máximo possível a indústria nacional. Infelizmente ela não está ainda apetrechada para responder a estas carências das nossas Forças Armadas, e a esse propósito dir-lhe-ia que existe da parte da Metalúrgica Duarte Ferreira um projecto de construção de uma viatura que está ainda na fase de protótipo e que representa ainda algumas dificuldades para que se possa nesse protótipo investir uma larga soma de dinheiro.
O programa de aquisição dessas viaturas prevê 1300 unidades e pensamos, neste momento, estudar a possibilidade de adquirir uma quota-parte de apenas 300. A dificuldade da tomada de decisão está exactamente na dificuldade que estamos a encontrar pelo lado da indústria nacional em responder com a eficácia c a adequação que desejávamos à satisfação destas necessidades do Exército.
Portanto, e concretamente, está ainda em aberto o problema da aquisição dessas viaturas. Se elas forem adquiridas, terão com certeza em conta uma máxima participação possível dá indústria nacional e isso implica, neste momento, que terão de contemplar, para além da montagem em Portugal, uma forte incorporação de componentes fabricados no nosso país. Isso está a ser objecto de estudo, através de um grupo misto com o Ministério da Indústria, Energia e Exportação e com a participação das próprias empresas nacionais do sector.
Em relação ao Arsenal do Alfeite há de facto', uma verba para este ano que tem uma diferença relativamente pequena por comparação à verba de 1983. Nesse ano estavam previstos 1 722 540 contos; este ano terá 1 938 420 contos. Portanto, e em relação ao orçamento deste sector, não se contempla qualquer incidência de carácter reestruturante ou reorganizativo — tanto quanto eu saiba —, mas há antes a preocupação, da parte dos responsáveis, de obter o máximo de produtividade das verbas que lhes são atribuídas. Devo dizer-lhes que o Arsenal prevê para este ano valores de exportação na ordem dos 100 000 contos, o que significa que há já aqui uma perspectiva programada em relação à própria produtividade do Arsenal em termos de prestação de serviços para o exterior.
O Sr. Presâdemte: — O Sr. Secretário de Estado concluiu?
O Orador:—Concluí, Sr. Presidente. Muito obrigado.
O Sr. Presidente:— Como nenhum dos Srs. Deputados pediu a palavra, vamos passar à votação de uma proposta de alteração do orçamento de despesas do Ministério da Defesa Nacional, apresentada pelo Sr. Deputado César Oliveira, do agrupamento parlamentar da UEDS, referindo-se à rubrica 0.5 desse orçamento.
£ a seguinte:
Proposta
0.4 — Ministério da Defesa Nacional — Exército
CS — Departamento de Instrução
Propõe-se o abate de 436 000 contos na verba consignada na rubrica acima mencionada.
Srs. Deputados, vamos passar à votação.
Submetida à votação, foi rejeitada, com os votos contra do PS, do PSD. do PCP e da ASDI, com os votos favoráveis da UEDS, e com as abstenções do do CDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: — Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): — Obviamente que votei a favor da minha proposta e registo que era a única alternativa que apareceu em relação ao orçamento da defesa nacional.
Talvez esse facto testemunhe quão longe estamos do controle efectivo do poder político sobre as Forças Armadas.
O Sr. Presidente: — Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP):—Votámos contra esta proposta de alteração no mesmo quadro em que iremos votar contra o orçamento deste sector na sua globalidade. Consideramos que as explicações foram insuficientes e que no quadro global das propostas efectuadas, nomeadamente o conjunto do Orçamento, não há justificação sufiVente para o que foi adiantado.
Quanto à proposta de alteração em concreto, ela não teve nenhuma base objectiva de consideração e a referência a uma alteração no contingente é mera suposição do Sr. Deputado, que terá todo o direito de a fazer, mas que de mane:ra nenhuma poderia aqui ser votada de uma forma responsável. Daí o noaso voto contra.
O Sr. Presidente: — Para o mesmo efeito, tem a palavra.o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): — Votámos contra esta proposta, na medida em que pelas explicações já dadas pelo Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, e também no âmbito da Comissão de Defesa Nacional, pelas explicações que nos foram dadas pelos Srs. Chefe e
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Vice-Chefe do Estado-Ma:or do Exército, há da nossa parte a perfeita consciência de que foi feito o máximo possível em matéria de reduções e que o Exército, muito particularmente no campo da instrução, já só com muita imaginação e empenhamento pôde fazer estas, reduções que, mesmo assim, produzirão alguns prejuízos na própria actividade de instrução.
O próprio comando do Estado-Maior do Exército foi muito claro no contacto que teve com a Comissão de Defesa Nacional por altura da visita por esta efectuada aquando dos exercícios ORION acerca das dificuldades que já encontra na actividade de instrução.
Portanto, só com grande esforço foi possível fazer a redução que está patente neste Orçamento. Neste sentido, uma redução de 436 000 contos no departamento de instrução iria, em nosso entender, comprometer o esforço nesse sector necessário às Forças Armadas.
O Sr. Presidente: — Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja produzir declarações de voto, vamos passar à votação final global do orçamento de despesa do Ministério da Defesa Nacional.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e da ASDI, com votos contra do PCP, do MDP/CDE e da UEDS e com a abstenção do CDS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, com excepção das despesas relativas ao Ministério das Finanças e do Plano e também dos Encargos Gerais da Nação, que serão discutidos amanhã, concluímos a análise e votação dos orçamentos de despesas dos diferentes ministérios.
Suponho que o sentimento de todos os Srs. Deputados é o de que se avançou no esclarecimento. Não há, certamente, um processo final — a experiência tem algumas falhas, como todos também sentimos — e, não sendo minha incumbência interpretar os sentidos de voto nem da maioria, nem das oposições, queria apenas salientar que é uma experiência que a Assembleia iniciou em colaboração com o Governo e que o acompanhamento da execução foi também facilitado pelo esclarecimento que os Srs. Ministros e Secretários de Estado aqui deixaram registados em acta e que ao longo do ano a Assembleia da República poderá e deverá acompanhar.
Temos esta noite marcada a discussão e votação do orçamento relativo à segurança social e julgo que poderíamos fixar o início dos nossos trabalhos para as 9 horas e 30 minutos.
Como estão de acordo, reiniciaremos os nossos trabalhos a essa hora e amanhã teremos o dia integralmente dedicado à discussão dos aspectos relacionados com a actividade do Ministério das Finanças e do Plano — quer do Orçamento de despesas respectivo, quer da própria lei e outras rubricas integradas na política orçamental, e cuja primeira responsabilidade compete a esse Ministério. Haverá também que proceder à votação, uma vez que a discussão já teve lugar, dos aspectos relativos às finanças locais. Dos contactos estabelecidos com o Sr. Ministro da Administração Interna concluímos que essa discussão poderá ter lugar por volta das 17 horas de amanhã, sujeita, no entanto, a confirmação, dado que o Sr. Mi-n\%Vto «s>vmí tada q dia ausente de Lisboa.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — E só para esclarecer a questão relativa ao Ministério da Administração Interna. O Sr. Presidente falou apenas na votação da Lei das Finanças Locais, mas subsiste o problema da discussão do orçamento desse Ministério, já que na discussão havida, e que foi suspensa, apenas se entrou na parte da Lei das Finanças Locais, tendo tudo o resto ficado por ser analisado. E os Encargos Gerais, é evidente.
O Sr. Presidente: — Esses, sim, estão previstos, uma vez que isso será interpretado dentro da reunião que teremos com os representantes do Ministério das Finanças e do Plano.
Se os Srs. Deputados não querem acrescentar mais nada por agora, vamos suspender a reunião.
Está, pois, suspensa.
Eram 20 horas.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 5 minutos.
Depois do intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Almerindo Marques.
Encontravam-se presentes a Sr." Secretária de Estado da Segurança Social (Leonor Beleza) e o Sr. Presidente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (Fernando Maia).
O Sr. Presidente (Almerindo Marques):—Srs. Deputados, já temos quórum de funcionamento, pelo que vamos reatar os nossos trabalhos, apesar da ausência da UEDS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): —Sr. Presidente, pedi a palavra porque me parece conveniente marcar1 .mos, desde já, uma hora para o termo dos nossos trabalhos desta noite. Evidentemente, se todos estivermos de acordo neste sentido.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, agradeço o seu contributo, pois, e em primeiro lugar, a meia-note é, de facto, uma hora essencial para os Portugueses terminarem as suas actividades.
Em segundo lugar, a Sr.a Secretária de Estado já me manifestou a necessidade de partir a esse hora para estar presente fora de Lisboa, pelo que, também para ela, a meia-noite é a hora essencial de encerrarmos os trabalhos.
Portanto, se todos estiverem de acordo, encerraremos o debate à meia-noite.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): — Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP):—Sr. Presidente, queria dizer que, em princípio, não estamos em desa-
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t ordo com a ideia de terminarmos os trabalhos à meia-noite. Simplesmente, parece-me que se deveria tentar fazer coincidir a intenção de terminarmos os trabalhos à meia-noite com o terminar do debate também à meia-noite.
Na realidade, a questão que se coloca é a seguinte: atendendo à matéria que ainda temos para discutir, amanhã, se não terminarmos hoje a discussão destes pontos da nossa agenda os problemas começarão a avolumar se.
Portanto, do nosso ponto de vista, a questão que se cclcca é saber se terminamos os trabalhos à meia--noite, com uma tolerância de alguns minutos, mas tentando simultaneamente terminar o debate sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: — Naturalmente que sim. Estamos todos de acordo em relação à questão que coloca, mas isso exige de todos nós uma certa disciplina de actuação. Se essa disciplina de actuação for seguida, poderemos apontar como fim da sessão a meia-noite.
Quanto a isto, penso que estamos todos de acordo, Sr. Deputado.
Sendo assim, dou a palavra à Sr.° Secretária de Estado da Segurança Social, que irá abrir este debate sobre o orçamento da segurança social.
A Sr." Secretária de Estado da Segurança Social
(Leonor Beleza):—Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como estarão recordados, o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social dedicou a intervenção que fez no Plenário, aquando da discussão do Orçamento na generalidade, justamente ao orçamento da segurança social.
Como também estarão recordados, na quarta-feira, quando foi iniciado o debate do orçamento do Ministério do Trabalho e Segurança Social, o Sr. Ministro dedicou também uma parte da intervenção inicial que aqui fez ao orçamento da segurança social.
Considero, pois, que nestas circunstâncias não valerá a pena voltar a fazer aqui uma introdução geral.
Assim sendo, estou à disposição dos Srs. Deputados para prestar os esclarecimentos que entendam necessários. Terei muito gosto em responder-lhes, como, aliás, já o fiz na Comissão Parlamentar da Segurança Social.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estão abertas us inscrições.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado )osé Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): —Sr. Presidente, pedi a palavra para, atentas estas condições, solicitar, em nome do meu partido, a interrupção desta reunião, durante alguns minutos.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado. Está suspensa a reunião.
Eram 22 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está reaberta
u sessão.
Eram 22 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.a Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.a «da Figueiredo (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvimos há pouco a Sr.a Secretária de Estado fazer uma muito breve introdução ao debate — eu quase diria que não chegou a fazer uma intervenção sobre o debate!
Naturalmente que estávamos à espera que a Sr.a Secretária de Estado fizesse uma intervenção sobre este assunto e juC.ificaosc minimamente o orçamento da segurança social. É que isso que estamos a discutir neste memento e é disso que se trata.
Como todos sabemos —os que estivemos presentes aquando da vinda a esta Comissão do Sr. Ministro do Trabalho c Segurança Social —, o Sr. Ministro remeteu para a Sr.:' Secretária de Estado e para o debate que travamos neste momento a discussão do orçamento da segurança social e a justificação desse mesmo orçamento. Naturalmente que era disso que estávamos à espera e lamentamos que tal não tenha acontecido. De qualquer modo, vamos colocar à Sr.a Secretária de Estado algumas questões que gostaríamos fossem esclarecidas. Questões essas a que, nem aqui, aquando da intervenção do Sr. Ministro, nem no Plenário foi dada resposta.
Assim, gostaríamos de ouvir da Sr.° Secretária de Estado uma justificação mínima das grandes Vinhas de orientação do Governo quanto a este orçamento da segurança social.
Gostaríamos também de saber o que se passa neste momento com as dívidas do patronato à segurança social. Qual é, neste momento, o montante dessa dívida? O que pensa o Ministério fazer em relação ao próximo ano para a recuperação dessas dívidas? Qual a verba que está orçamentada relativamente à recuperação?
E também gostaríamos de saber, no seu conjunto, qual a justificação que apresenta para as verbas inscritas no orçamento, admitindo que nem de longe nem de perto têm em conta as previsões do Governo quanto ao índice de preços no consumidor para 1984.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Zita Seabra.
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Sr.a Secretária de Estado, Srs. Deputados: )á tivemos oportunidade de colocar na Comissão algumas questões à Sr.a Secretária de Estado e de colocar em Plenário algumas questões ao Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
No entanto, creio que este orçamento da segurança social traduz acima de tudo uma situação que não é, sequer, de manutenção dos benefícios e dos direitos dos beneficiários de segurança social. Particularmente em relação aos reformados, vai traduzir-se numa baixa significativa do seu poder de compra. E é particularmente sensível em relação aos reformados do regime rural, mas também é em relação aos reformados do regime geral, uma vez que a taxa oficial de inflação se situa na ordem dos 24 % e o aumento das pensões de que trata o Governo se situa na ordem dos 19 % para o regime geral e 17 % para o regime dos reformados rurais.
Acerca disto, eu gostaria de colocar à Sr.a Secretária de Estado duas questões.
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Foi afirmado pelo Sr. Ministro, aquando do debate em Plenário do orçamento da segurança social, que era orientação do Governo aproximar o regime dos rurais do regime geral de segurança social. Ora, o aumento que está orçamentado vai no sentido inverso: afasta mais ainda o valor das pensões mínimas nos dois regimes. A que é que se deve essa situação?
Em segundo lugar, não está o Governo preocupado com a baixa do poder de compra de um sector que já tem um poder de compra tão baixo, como é o dos reformados, nomeadamente por não terem sequer um aumento que seja aproximado do valor da taxa de inflação?
Qual é a razão de ser disto, e que verbas implicaria se esse ai/mento fosse decretado de acordo com a taxa de inflação?
Isto é, pelas contas que pudemos fazer, o Governo não orçamenta qualquer recuperação de dívidas da parte das entidades patronais à segurança social. E, como não orçamenta qualquer recuperação de dívidas, partindo imediatamente do pressuposto —quando faz os cálculos para o montante das contribuições da massa salarial — de que vai haver um aumento do desemprego e uma não subida dos salários de acordo com a própria taxa de inflação, o Governo decreta um aumento das pensões de reforma que significa essa tal baixa real.
Mas, Sr.a Secretária de Estado, se fossem feitas as contas, que esforço teria o Governo de fazer para recuperar as dívidas, de tal modo que permitisse fazer frente, já não digo a uma melhoria das condições de vida dos reformados, mas pelo menos para que ficassem numa situação de poderem manter, digamos assim, o seu poder de compra, se é que se pode falar em poder de compra quando se trata de falar em pensões de reforma?
A segunda ordem de questões que eu quero colocar--Ihe diz respeito à situação das doenças profissionais.
É sabido que foi aumentada a taxa de desconto das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho. Acontece que essa verba não está orçamentada em termos de significar uma melhoria da situação dos acidentados de trabalho.
Esta questão continua a estar englobada nas companhias de seguros que, como também é sabido, cobrem ramos deficitários do seguro — como é o caso do «Ramo automóvel»— à custa dos acidentes de trabalho.
O Programa de Governo diz: integração dos acidentados de trabalho no regime geral da segurança social. O Sr. Ministro também o afirmou. No entanto, no orçamento nada consta que possa levar a este entendimento. Pelo contrário, o excesso de verba que não é gasto com as doenças profissionais é transferido para outros regimes contributivos. Eu gostaria de saber que verba, que montante, é que vem das doenças profissionais e não é aplicado directamente, por exemplo, em programas de higiene e segurança no trabalho — que é um dos problemas que, concretamente, mais aflige alguns dos sectores profissionais.
Queria ainda colocar-lhe outra questão respeitante a alguns regimes de segurança social que têm reivindicações concretas e são colocadas há vários anos, as quais não têm vindo a ser contempladas. Assim, gostaria de saber se neste orçamento está prevista alguma coisa que diga respeito a esses sectores, nomeadamente aos mineiros e aos pescadores.
Ê sabido que nesta Assembleia da República já votámos por duas ou três vezes o abaixamento da idade de reforma dos pescadores. As então maiorias governamentais foram sempre rejeitando essa proposta, dizendo que estava pronta uma portaria de sentido idêntico ao do projecto de lei do PCP, projecto que não é mais nem menos do que o cumprimento das convenções da OIT sobre esses sectores de trabalhadores. Os projectos de lei apresentados pelo PCP foram sempre rejeitados com esse pretexto. Mas, o que é certo, é que essas portarias nunca saíram.
Eu gostaria de saber se, no concreto, o Governo tem previsto alguma medida em relação aos mineiros e em relação aos pescadores.
Uma última pergunta, Sr.a Secretária de Estado, diz respeito à maternidade, que está seriamente desprotegida no País. A Sr.a Secretária de Estado é particularmente sensível a esta questão e, por isso, penso que todos nós aguardávamos que fossem tomadas algumas medidas de protecção, particularmente da mulher trabalhadora.
Ora, o que hoje está a verificar-se nas empresas é que alguns dos direitos já consagrados na lei não são respeitados nem cumpridos pelas entidades patronais, e dou-lhe alguns exemplos: o acompanhamento dos filhos ao médico, situação em que a entidade patronal deve pagar o salário e que não está a ser cumprida, ou as horas a que as trabalhadoras têm direito para amamentação.
Eu gostaria de saber se relativamente a este assunto está prevista alguma medida, se está orçamentada e, em caso afirmativo que verba é. A que montante ascende essa verba de protecção e defesa da maternidade e, concretamente, da mulher trabalhadora, quando se encontra na situação de ser mãe e de ter de conciliar a sua função de mãe com a função de trabalhadora.
São estas as questões que eu pretendia colocar-lhe, Sr.a Secretária de Estado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Eu também tenho algumas questões a pôr à Sr.a Secretária de Estado. Provavelmente, algumas delas já terão sido cobradas nas reuniões da Comissão ou até, porventura, no Plenário. Todavia, suponho que carecem de um esclarecimento nesta sede e neste momento.
Uma delas relaciona-se com o que já aqui foi dito sobre o problema das receitas. Prevê-se um crescimento dns receitas da ordem dos 17,7 %. Isso significa que, desde 1974, é este o 2° ano em que há um crescimento de receitas inferior a 20 %. O que é que isso significará na realidade? Significará um abrandamento da campanha de cobrança das dívidas? Significa que o orçamento da segurança social vai ser um orçamento de concordância com o movimento das empresas no sentido da falta de pagamento das dívidas à Previdência? Será que não se pretende continuar a inverter esta tendência e recuperar o dinheiro das contribuições?
Esta era uma primeira questão que eu lhe queria colocar, Sr.a Secretária de Estado.
Outra questão diz respeito à receita e refere-se ao problema das outras receitas, das receitas correntes.
Qual a explicação para este crescimento, Sr.a Secretária de Estado: de 1 740 000 contos passa-se para
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5 655 000 contos? Qual é a proveniência destas outras receitas, deste crescimento de 4 milhões de contos? Isto significa que realmente apresentámos um défice no orçamento da segurança social de 4 milhões de contos? Repito, qual é a proveniência destas receitas? Serão contribuições do Orçamento do Estado?
Uma outra questão que queria cojccarihe, Sr.° Secretária de Estado, relaciona-se com a saúde.
Prevê-se um crescimento de 26,7 % na despesa com o subsídio de doença. Associando isto ao movimento dc descida doG salários reais que nos tem sido repetidamente anunciado peio Governo, eu pergunto-lhe se ta! não :..'.giüfica também que se aceita passivamente uma quebra da luta contra o absentismo, com significativo aicance no domínio da despesa da segurança social e, porventura, com fortes injustiças em relação ao mundo do trabalho e à sociedade portuguesa em gerai.
Finalmente, tenho uma questão a co!ocar-íhe relacionada com as despesas de administração. As despesas de administração crescem 22 % e há, talvez pela primeira vez nos últimos anos, um crescimento das despesas de administração em relação às despesas com as prestações e com a acção social.
O que é que isso significa, Sr." Secretária de Estado? Significa que o Governo vai continuar a aceitar a máquina burocrática e o crescimento dessa máquina burocrática da segurança social? Não há medidas tomadas no sentido de uma maior produtividade dessa máquina? O orescimenlo de 22 % na despesa e, fundamentalmente, o desequilíbrio em relação ao conjunto da despesa/segurança é preocupante neste domínio.
Eram estas as questões que, de momento, tinha para lhe colocar, Sr.a Secretária de Estado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben Raposo.
O Sr. Ruben Raposo (ASDI): — Sr.a Secretária de Estado, tenho também algumas questões a eolecãrihe.
O Governo anunciou — e bem — o lançamento do seguro de desemprego. Anunciou o lançamento do seguro de desemprego para vigorar já no ano de 1984 e articulado cm termos de segurança social.
Naturalmente que gostaríamos de saber algumas coi sas relacionadas com o seguro de desemprego, nomeadamente se este seguro vai abranger todos os trabalhadores, se a protecção vai ser limitada ou ilimitada, se os candidatos ao primeiro emprego também vão ser abrangidos por este seguro.
Sobretudo, gostaríamos de saber se no orçamento da segurança social que nos é presente se encontra prevista essa transformação qualitativa do subsídio do desemprego em seguro de desemprego.
A segunda questão que gostaríamos de lhe colocar é a seguinte: constatámos que há uma transferência por parte do Orçamento do Estado para a segurança social de grosso modo, 30 milhões de contos. Temos ideia de que essa comparticipação por parte do Estado, em termos de segurança social, representa —e não andamos longe da verdade — entre 7 % a 10 % do produto interno bruto. Temos também ideia de que na Europa a percentagem da segurança social que é coberta pelo orçamento do Estado ronda os 20 %. E há mesmo países, como é o caso da Holanda e da Alemanha, em que o esforço contributivo por parte do Estado é de 25 %.
Gostaríamos, pois, de lhe perguntar se, em termos futuros, se prevê um acréscimo da contribuição por parte do Estado em termos de transferências para o orçamento da segurança social.
A terceira questão que gostaríamos de lhe colocar é esta: temos ideia de que na década de 70 a reiação existente entre o número de trabalhadores reformados e os trabalhadores activos era de 1 para 2,2. Temos ideia de que actualmente essa relação está perfeitamente alterada.
Gostaríamos de saber, se fosse possível, qual é essa petequação, qual é essa relação.
A última questão prende-se com afirmações já produzidas nesta Comissão e tem a ver com as receitas. As receitas do orçamento da segurança social vêm fun-dam-ôniaímeníe dc contribuições, quer dos trabalhadores, quer por parte das empresas.
Gostaríamos de saber qual é a política da Secretaria de Estado e do Ministério em termos de cobrança das dívidas das empresas e se prevê que, a curto prazo, essa cobrança possa ter êxito.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): — Sr.a Secretária de Estado, para já, e nesta altura da discussão, pretendo esclarecer-me sobre um ponto muito específico acerca do regime não contributivo.
Sabe-se que dentro da justiça social que se pretende fazer e que tem nesta Secretaria de Estado da Segurança Social — parece-me — um dos vectores principais, o regime não contributivo deveria ser, em princípio, totalmente suportado pelo Orçamento do Estado, De facto, não há razão para que, peio menos teoricamente, sejam penalizados as pesosas e os trabalhadores que descontam sobre os seus ordenados e depois vêem essa mesma contribuição ser levada ainda para o regime não contributivo.
Verifico, através do orçamento apresentado, a existência de uma transferência do Ministério das Finanças e do Plano de 14 milhões de contos. Gostaria que a Sr.° Secretária de Estado me esclarecesse se esta verba é toda ela para o regime não contributivo, como parece deduzir-se do orçamento discriminado que V. hx.a nos eni.egou aquando da discussão na Comissão. E também gostaria de saber se, efectivamente, esta verba está correcta em comparação com a de 1983 — que me parece ser de cerca de 5 milhões de contos.
Por outro lado, gostaria de saber qual é a intenção dó Govemo nesta matéria. Ou seja, por um lado e em primeiro lugar, qual é o total do regime não contributivo, no qual se integrariam, em princípio, esses 14 milhões de contos? Em segundo lugar gostava que me esclarecesse se o Governo entende que se deve ou não caminhar progressivamente para que este regime não contributivo seja totalmente financiado pelo Orçamento do Estado.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições para pedidos de esclarecimento, dou a palavra à Sr." Secretária de Estado.
A Sr.3 Secretária de Estado da Segurança Social: —
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando usei da palavra no início desta reunião não tive qualquer intenção de fazer uma intervenção, nem lhe chamei assim. Pelo
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contrário, remeti-me sempre para intervenções feitas anteriormente pelo Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
Como é evidente, não tenho qualquer problema de agora e em brevíssimas linhas traçar os pontos fundamentais subjacentes ao orçamento, quer no que respeita às receitas, quer no que toca às despesas.
Suponho mesmo que talvez seja útil, pois permite-me responder, desde já, a algumas das questões que. me foram colocadas.
No que respeita às receitas correntes, a previsão do orçamento é de 239,9 milhões de contos, o que significa, em relação a 1983, um crescimento de 29,4 %.
No que respeita às contribuições, o crescimento previsto é de 20 %, orçamento de 1984 sobre execução orçamental de 1983. É por isso que a percentagem citada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito é mais alta, pois citou uma percentagem de diferença orçamento sobre orçamento.
Naturalmente que na preparação do orçamento para 1984 funcionámos com os dados resultantes da execução orçamental de 1983 e aquilo que esta execução orçamental demonstra é que a previsão foi claramente optimista em relação àquilo que aconteceu.
Portanto, no que respeita à previsão para 1984, aquela que nos parece ser realista e não traduz qualquer abrandamento da nossa parte na pressão para que as contribuições devidas sejam pagas, é a dc haver um crescimento de 20 %, representando tais contribuições um pouco mais de 85 % das receitas correntes.
No que respeita à comparticipação do Orçamento do Estado — e já foi aqui referido algumas vezes por vários Srs. Deputados—, eu gostaria de fazer notar que essa comparticipação assume no orçamento de 1984 uma expressão que não tem paralelo nos orçamentos anteriores. O Governo reconheceu —e é a primeira vez que um governo* o faz claramente — que as despesas não contributivas da segurança social devem ser pagas pelo Orçamento do Estado. Ê evidente que em 1984 o Orçamento do Estado não está em condições de assumir totalmente o pagamento dessas despesas, que estão muito perto dos 60 milhões de contos — são mais de 59 milhões de contos.
O montante que o Orçamento do Estado vai financiar, nos termos previstos no orçamento da segurança •social é de 14 milhões de contos. Este montante representa uma percentagem abaixo de 25 %, que está longe daquilo que seria desejável. Todavia, verifica-se um aumento de 114 % em relação à situação de 1983.
Parece-me que deve ser mostrado claramento que isto significa, no momento presente, um grande esforço por parte do Orçamento do Estado quanto ao financiamento das despesas da segurança social e que se deve à consciência de que essas despesas têm uma tradução imediata nas condições de vida das pessoas que vivem com mais dificuldades. Ê isso que justifica o acréscimo de comparticipação já em 1983, destinado ao financiamento dos aumentos das pensões que, como sabem, teve lugar a partir do dia 1 de Dezembro passado e que abrange também o subsídio de Natal, o que não aconteceu com o aumento verificado em 1982.
No que respeita às despesas as despesas correntes ascendem a 2393 mnnões de contos, um acréscimo
de 24,9% em relação a 1983, superior à previsão de aumento de contribuições que só é possível em virtude do aumento da comparticipação do Orçamento de Estado, como já referi.
As despesas com prestações atingem 226,3 milhões de contos, isto é, 94,3 % das despesas correntes totais — há, portanto, uma percentagem brutal das despesas com prestação no total das despesas correntes —. e são superiores aos 83,55 milhões de contos. Entre as despesas com prestações, 70 % destinam-se a pensões, isto é, 158 milhões de contos.
O esforço financeiro relacionado com o aumento de pensões — que entrou, portanto, em vigor no dia 1 de Dezembro— traduz-se em 29 milhões de contos, o que é um aumento médio, como sabem, de 19 % no valor das pensões, ou seja um aumento anual superior a 19 %, dado que, como já referi, o aumento atinge não só a mensalidade do próprio mês de Dezembro, como também o subsídio de Natal, o que não aconteceu no ano de 1982.
Quanto às despesas de administração — sei que o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social teve já ocasião de o referir aqui na quarta-feira —, não é verdade que o crescimento das despesas de administração assuma a percentagem aqui referida pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, pois que elas crescem em relação a 1983 21,2 % tal como está referido globalmente nos números que os Srs. Deputados têm a vossa disposição. No entanto, esse número previsto inclui a previsão dos encargos financeiros dos empréstimos que a segurança social vai ter de pagar em 1984, sendo a primeira vez que o orçamento prevê as despesas com esses encargos financeiros, apesar de eles já terem existido antes.
Se não contarmos os encargos financeiros, a percentagem de aumento é de 19,4 %.
Interessa também referir — e este número é, porventura, mais importante do que percentagens globais — que em percentagem das despesas correntes totais em 1980, as despesas da administração eram 7,9 %, em 1982, 6,7 %, a previsão para 1984 é de 5,7 % e parece-me que este número é mais significativo do que os números totais relacionados com as despesas de administração. Em todo o caso, pela primeira vez o orçamento da segurança social prevê, com clareza, os encargos financeiros dos empréstimos que tem de pagar e é essa verba, que orça no ano de 1984 850 000 contos, que aparece aí incluída na verba de despesas de administração.
Passarei a responder às várias questões que aqui foram postas.
A Sr.a Deputada Zita Seabra referiu-se, de um modo geral, às verbas previstas com encargos com pensões. O que me parece importante que aqui fique claro é que as verbas destinadas às pensões são o máximo que é possível no contexto actual de receitas que vamos ter.
Como referiu, as pensões do regime geral e as pensões do regime dos rurais, em particular, encontram-se distanciadas no seu montante. Isso acontece porque as despesas do regime geral são despesas de origem contributiva ou financiadas através de receitas de carácter contributivo — são, portanto, pagas a beneficiários que ao longo da sua vida activa contribuíram para o sistema e adquiriram, por essa via, o direito a receber uma pensão — e as despesas com o regime
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regulamentar dos rurais são despesas que só numa parte ínfima são financiadas pelas receites desse regime.
Suponho que a Sr.a Deputada se referia às despesas com o regime regulamentar dos rurais e não às despesas com financiamentos pura e simplesmente não contributivos. Em todo o caso, posso referir essas pensões também. São as pensões do regime transitório dos rurais e da pensão social ambos regimes não contributivos, isto é, financiados por receitas provenientes ou daqueles que descontam para os outros regimes ou de receitas vindas do Orçamento do Estado.
A diferença muito substancial que há entre as pensões dos regimes não contributivos e as dos regimes contributivos radica neste próprio facto: é que nuns casos os beneficiários adquiriram o direito às pensões através dos descontos, nos outre* casos isso não aconteceu ou aconteceu numa percentagem insignificante em relação às despesas dos próprios regimes. Queria lembrar que em relação ao regime regulamentar dos rurais, as receitas provenientes desses regimes não chegam sequer para as prestações da doença desse regime. Portanto, nem o subsídio de doença não é pago pelas receitas provenientes desse regime e o esforço é, portanto, quase totalmente feito pelos contribuintes do regime geral e em parte, como sabem, pelo Orçamento do Estado.
Há uma diferença entre o regime regulamentar dos rurais e o regime transitório dos rurais e a pensão social, que radica justamente no facto de um ser escassamente contributivo e o outro ser totalmente não contributivo. Mas parece-nos que é necessário fazer um esforço de dignificação das prestações atribuídas àqueles que adquiriram o direito a essas prestações mediante descontos. É isso que justifica a distância entre um regime e os outros, distância que, de certa maneira, foi também marcada com o facto de ■a pensão mínima do regime geral ter sido significativamente mais aumentada do que a percentagem média de aumento das pensões no regime geral.
A Sr.'' Deputada perguntou que verba custaria aumentar as pensões a um nível mais alto. Posso dizer-lhe que, em números redondos, um aumento de J % nas pensões se traduz num esforço superior a 1 milhão de contos por ano. Isto poderá dar uma ideia do esforço financeiro que significa aumentar as pensões.
Por outro lado, pôs-me uma pergunta em relação à recuperação de dívidas e em que medida, através da recuperação de dívidas, seria possível financiar aumentos de pensões. A verba prevista para 1984 proveniente do esforço de recuperação de dívidas situa-se entre 7 e 11 milhões de contos.
Em relação à questão das doenças profissionais e ao regime dos acidentes de trabalho, posso dizer que as doenças profissionais estão incluídas nas verbas respectivas do orçamento da segurança social, mas o mesmo não acontece em relação aos acidentes de trabalho. O programa do Governo anuncia o compromisso de inclusão do regime de acidentes de trabalho na segurança social e o plano da segurança social para 1984 prevê que o início dessa medida se verifique já nesse mesmo ano.
No que respeita às despesas com a higiene e a segurança no trabalho, lembro a Sr.a Deputada que elas provêm de verbas do Ministério do Trabalho e Segurança Social e não de verbas do orçamento da segurança
social. Portanto, não é no orçamento da segurança social que estão previstas verbas para o financiamento dessas despesas.
No que concerne ao regime dos mineiros, que foi aqui referido, ele está neste momento a ser estudado no âmbito da Secretaria de Estado.
Sobre o regime dos pescadores, eles beneficiam, já hoje, de especialidades notáveis em relação ao regime geral. Quanto a estes, existe um regime diferente para os pescadores do mar alto —aqueles que de facto têm um regime de trabalho mais penoso—, que se traduz em benefícios, nomeadamente ao nível de idade de reforma.
Fez-me também uma pergunta relacionada com a maternidade e com a protecção da maternidade. Res-ponder-lhe-ia que, em relação a essas questões, o problema é de regime de trabalho e não propriamente de regime de segurança social, nomeadamente aquilo que referiu relacionado com o acompanhamento de filhos ao médico ou de horas destinadas à amamentação — questões que estão reguladas na lei geral do trabalho ou em convenções colectivas. Portanto, não se trata de pontos que estejam até agora financiados pela segurança social.
Gostaria de dizer que é intenção nossa alargar à adopção — e suponho que este é um ponto extremamente importante, o Governo está muito interessado em beneficiar ou incentivar a odopção — o regime de protecção da maternidade nos pontos em que ele é aplicável, inclusivamente benefícios complementares do abono de família, que não estão ainda alargados à adopção. Isto tem óbvia relação com a protecção da maternidade.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito pôs uma questão relacionada com a rubrica «Outras receitas», prevista no total de 5 655 000 contos. Respondo-lhe que essa verba inclui 1 050 000 contos provenientes de rendimentos, 800 000 contos provenientes de outras receitas várias e 5 805 000 contos que correspondem ao défice previsto do orçamento da segurança social em 1984. Essa verba é, pois, de 3 805 000 contos. Não é o total da verba, que, como lhe disse, noutros pontos corresponde a rendimentos e outras receitas de expressão menor que, se quiser, poderão ser especificadas.
Em relação ao subsídio de doença, em que referiu um aumento de 26,7 %, suponho que também aqui, como em relação ao crescimento das receitas e às despesas de administração, se refere a despesas de orçamento sobre orçamento o crescimento que está previsto é de 20 % no Orçamento de 1984 sobre execução orçamental de 1983. Não é de facto 26,7 %.
Não haverá qualquer quebra, como o Sr. Deputado referiu, na luta contra o absentismo. Pelo contrário, temos consciência de que este é um dos domínios onde certamente as despesas vão para além daquilo que corresponde às necessidades efectivas. A luta contra o absentismo continuará, como continuará, com certeza, a luta contra a fraude na obtenção deste benefício. Em todo o caso, a previsão é de 20 % no Orçamento de 1984 sobre execução orçamental de 1983.
Foi posta uma questão pelo Sr. Deputado Ruben Raposo em relação ao seguro de desemprego. Não estou ainda em condições de dar muitos pormenores sobre o futuro regime que está a ser neste momento estudado no âmbito das Secretarias de Estado da Formação Profissional e Emprego e da Segurança
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Social. Posso dizer, em todo o caso, que a intenção do Governo é, a brevíssimo trecho, instituir um verdadeiro regime de seguro, inicialmente ainda da responsabilidade da Secretaria de Estado do Emprego, mas, numa fase posterior e já em 1984, totalmente integrado no regime da segurança social. Ê esse o nosso objectivo, mas não é possível legislar com muita rapidez em domínios particularmente complexos. Entendemos que a integração total no regime da segurança social é um trabalho complicado e moroso. Isso não obstará a que num primeiro passo haja uma melhoria substancial da prestação e, nomeadamente, da instauração de um verdadeiro regime de seguro, em que a prestação tenha uma legislação com os rendimentos auferidos do trabalho, que, como sabe, hoje não acontece. Está nas nossas intenções fazer isso a brevíssimo trecho.
Quanto ao acréscimo referido, como sabe, o número inscrito no orçamento da segurança social é o mesmo que consta do orçamento do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego — são as verbas previsíveis para o ano de 1984.
Fez ainda uma pergunta no que respeita à relação entre reformados e activos. Essa relação que referiu para 1970 não é exacta. A relação exacta é de 19 activos para um reformado nesse ano; em 1982, essa relação é de 2,6 activos por 1 reformado. Há, pois, uma notável evolução nesta relação.
O Sr. Deputado António Taborda colocou uma questão em relação, mais uma vez, ao regime não contributivo e ao financiamento pelo Orçamento do Estado desse regime. Como disse há momento, foi reconhecido expressamente pelo Governo que deve ser o Orçamento do Estado a financiar as despesas de carácter não contributivo da segurança social. Hoje esse financiamento está, de facto, longe de cobrir a totalidade dessas despesas, mas representa um enorme esforço em relação aquilo que vinha sendo praticado para trás. Há, portanto, um aumento de 114 % nesse financiamento em relação a 1983.
Posso, aliás, dar uma ideia do aumento muito significativo que as despesas de carácter não contributivo do orçamento da segurança social têm tido ao longo dos anos. Assim, a previsão para 1984 é, como referi, de 59.4 milhões de contos; em 1983, essa despesa é de 49,9 milhões de contos; em 1978, era de 10,5 milhões de contos. De facto, tem havido um aumento muitíssimo acentuado dessas despesas e a intenção é aumentar progressivamente, na medida do possível, o financiamento dessas despesas através do Orçamento do Estado.
A verba de 14 milhões de contos que referiu destina-se totalmente ao financiamento das despesas não contributivas e não chega!
O resto que está previsto destes 17,7 milhões de contos que constam das verbas globais, diz respeito ao financiamento do regime dos ferroviários, que, como os Srs. Deputados sabem, é totalmente financiado por transferências do Orçamento do Estado para o orçamento da segurança social.
A intenção é, portanto, progressivamente a assunção pelo Orçamento do Estado das despesas não contributivas, na medida das possibilidades do próprio Orçamento do Estado.
Suponho, Sr. Presidente, que respondi às questões que me fotam colocadas.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.a Secretária de Estado.
Dou a palavra seguidamente à Sr.a Deputada Zita Seabra.
A Sr.a Zita Seabra (PCP):—Sr:' Secretária de Estado, gostaria de lhe colocar a seguinte questão: a Sr.a Secretária de Estado, tal como o Sr. Ministro, quando há dias falou em plenário, considerou um aspecto muito positivo deste orçamento da segurança social o facto de o Orçamento do Estado contribuir — como nunca até aqui — para o orçamento da segurança social. De facto, é verdade. Creio que nos podíamos todos congratular seriamente se isso significasse um aumento dos benefícios ou dos direitos sociais dos trabalhadores, facto que seria altamente positivo se implicasse da parte do Governo — num momento de crise económica tão grave e em que a degradação das condições de vida das pessoas é real — uma atenção muito particular para que essa situação não atingisse as camadas mais desprotegidas da população, nomeadamente os reformados, os desempregados, etc.
Isso, simplesmente, não se verifica, Sr.a Secretária de Estado. O que se passa é que o Orçamento do Estado entra com uma verba maior do que até aqui, não porque isso se traduza numa melhoria dos direitos sociais dos cidadãos, mas porque há uma quebra das receitas!
Penso que isto não é habilidade nenhuma. Antes pelo contrário! Isto é, o Governo automaticamente aqui, neste orçamento, vem meter mais uns milhões de contos do Orçamento do Estado para o financiamento do orçamento da segurança social porque não consegue cobrar as receitas, porque aumenta as dívidas do patronato e aceita esse aumento de dívida — a Sr.a Secretária de Estado ainda não nos disse quanto é que está orçamentado por conta da recuperação de dívidas. Isto traduz-se por exemplo, em relação ao poder de compra dos reformados, numa baixa real do seu poder de compra. Como também não há nenhum alargamento de benefícios, isto significa que o Governo prevê aqui e que isto é reflexo da política do Governo. Nem sequer podemos dizer que é uma manutenção da situação dos reformados ou dos outros beneficiários. Não é! É uma descida real da sua situação!
Se a taxa de inflação é de 24 % e se a média das pensões do regime geral é de 19 %, portanto significa que há uns pontos abaixo, isto é, que os reformados, com a sua pensão, não vão fazer face sequer ao agravamento das condições de vida. E os reformados rurais, mais ainda.
Eu creio, portanto, que é importante partirmos para a discussão deste orçamento, mas dizendo que o Governo não faz aqui habilidade nenhuma, pelo con-tário, que o Governo vem financiar mais o orçamento da segurança social porque admite que há uma quebra de receitas e isto pressupõe vários aspectos graves: o aumento das dívidas, o aumento do desemprego, o aumento dos salários em atraso —logo que entram, há uma quebra de receitas —, e não que o Governo preveja, através de um esforço que faz para financiar o orçamento de segurança social, como está escrito na Constituição, melhorar os benefícios sociais dos cidadãos.
Creio que este é o primeiro ponto que devemos clarificar quando estamos a discutir os números que estão em cima da mesa.
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A segunda questão é esta: a St." -Secretária de Estado fala no regime contributivo e nos regimes não contributivos. Isto é, procura justificar o facto de o Governo ter decretado um aumento para os rurais inferior, em percentagem, ao aumento do regime geral pelo facto de esse regime ser menos contributivo.
Todos nós sabemos que esse regime é menos contributivo. Mas também é uma verdade, Sr." Secretária de Estado, que em todos os programas de Governo e em todas as campanhas eleitorais — porque os camponeses votam e o seu voto conta — se promete aproximar o regime rural do regime geral. Isso consta do Programa deste Governo e foi dito, aliás, na intervenção do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social quando há dias, dizendo que o Governo fazia um sério esforço para aproximar o regime dos rurais do regime geral de segurança social.
O que estes números traduzem é o inverso. Mesmo olhando para a percentagem de aumento, há um afastamento entre a situação dos reformados rurais do regime geral, que já de st também não é boa.
Penso que isto é importante dizer-se, porque tenho ouvido este Governo dizer várias vezes aqui na Assembleia da República que «coitadinhas das populações do interior e coitadinhos dos camponeses, que estão lá a penar pela cintura industrial de Lisboa e pelos operários desta cintura e da do Porto ...» Ainda há pouco tempo ouvimos dizer isso, por exemplo, ao Ministro da Administração Interna, quando aqui discutimos a taxa municipal dos transportes. O que é verdade é que o regime contributivo, isto é, os trabalhadores activos da fábrica, das cinturas industriais de Lisboa, do Porto ou de outras zonas industriais contribuem seriamente para este regime não contributivo. Mas isto é feito em nome dos princípios da segurança social, cm nome do princípio da solidariedade que, quanto a nós, está certo. Este regime dos rurais é e foi ao longo dos anos muito pouco contributivo, não por culpa dos rurais, mas sim por culta do sistema, que durante muitos anos não lhe cobrou qualquer verba. Não podem ser hoje —homens que trabalharam na terra de sol a sol — penalizados por isso e ter uma pensão de reforma muito inferior a pessoas que trabalharam na fábrica. Essas pessoas não têm culpa nenhuma de não lhes terem sido feitos os descontos, de esse desconto ser extremamente reduzido e de não terem poder de compra para poderem descontar mais.
Eu creio que o que aí está errado não é o regime contributivo, é o sistema em que estamos integrados, é a própria sociedade. O que há que corrigir aí é a contribuição do Orçamento do Estado, que tem que ser maior para estes sectores. E tem que ser maior para financiar particularmente o regime dos rurais e os outros regimes não ou muito pouco contributivos.
Aí chegamos, sim, a um princípio de solidariedade social e poderemos falar em justiça social.
Não é isso que este orçamento traduz. Este orçamento traduz uma degradação das condições reais de vida destas camadas da população, que já de si vivem muito mal e fazem com muita dificuldade frente à situação presente e ao seu agravamento.
Uma última questão, Sr.° Secretária de Estado. Em relação à maternidade, é positivo o que disse em relação à adopção. É muito positivo se essa medida for tomada por parte do Governo e é uma das tais medidas
que em verbas deve ser muito pequena, mas que no aspecto social tem um significado muito grande e penso que é positivo se o Governo levar para a frente essa medida.
Mais uma questão ainda. O PIDDAC da segurança social é extremamente reduzido — já tivemos oportunidade de falar sobre isso na Comissão — e eu gostaria de saber o que é que isso significa em termos de construção de creches e de construções de jardins--escolas.
Penso que a Sr." Secretária de Estado — e não será certamente abusivo da minha parte dizer — também ficou, pelo menos, com os cabelos em pé quando ouviu as declarações do Sr. Ministro da Educação, dizendo que não preciso construir mais jardins-escolas porque isso até é uma forma de ocupar as mulheres que estão no desemprego. Ele disse issó na Comissão, disse isso numa entrevista que publicou num jornal e ontem repetiu isso aqui. O Sr. Ministro salientava que num momento de crise não há jardins-escolas e que isso até é bom para as mulheres que estão desempregadas, pois sempre se ocupam dos filhos lá em casa.
Eu não direi que subscreve essas palavras, evidentemente, mas, em termos de verbas, que é que isto significa, em termos desta verba global que temos aqui para o PIDDAC e que é extremamente reduzida? Que significa em termos de construção de novas creches e de acabamento de obras de creches já em curso? E que significa em termos de construções de lares para a terceira idade? Num país em crise como o nosso, se não criamos estruturas sociais, daqui a uns anos estamos piores, degrada-se a situação social dos reformados. Comparando com outros países, nós temos grandes carências em termos de estruturas sociais.
Creio que esta deve ser uma política a muito curtíssimo prazo, e só olharmos para o imediato e não olharmos para o futuro em termos de criação de estruturas sociais que permitam antever um pouco o que vai ser o futuro da infância e dos velhos deste país.
Aí estou inteiramente de acordo com uma recomendação da ONU que no ano passado foi publicada e que terminava chamando a atenção de todos os políticos, dizendo isto: hoje são políticos, amanhã serão velhos e lembrem-se que nessa altura têm que ter em conta as estruturas sociais que criaram agora que são políticos e que têm — eu diria neste momento — as verbas na mão.
Creio que devemos pensar no envelhecimento que se está a verificar na nossa população, no regresso dos emigrantes e ver quais as medidas que estão a ser tomadas em termos de estruturas sociais, pois penso que a descida do PIDDAC é alarmante.
Eu gostaria de dizer que o PCP apresenta várias propostas para o orçamento da segurança social. Essas propostas são, quanto a nós, o mínimo que se pode propor em termos realistas. Isto é, nós pensamos que é legítimo pedir ou exigir a este Governo que tome algumas medidas para não deixar agravar as dívidas à segurança social e para não deixar aumentar o défice resultante das dívidas das entidades patronais à segurança social.
Nesse sentido, fizemos uma proposta e fizemos as contas para que, se as pensões de reforma e velhice fossem aumentadas de acordo com a taxa de inflação, isto é, 24 % — não somos sequer idealistas, temos em conta a situação real do País — e chegámos à conclusão de que nos vários regimes, sem aumento do
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défice e sem exigir ao Orçamento do Estado uma verba maior, bastava ao Governo recuperar 8 650 000 contos dos cerca de 60 milhões que hoje o patronato deve à Previdência. Creio que não é exagero dizermos que neste momento devem-se cerca de 60 milhões. Se o Governo recuperasse esses 8 650 000 contos, permitir-se-ia que durante este ano os reformados mantivessem, pelo menos, o seu poder de compra, de acordo com a taxa oficial de inflação. Não é, pois, um esforço muito grande que se pede ao Governo. Pede-se só que cumpra minimamente a legislação que já está produzida e que tome algumas medidas sérias para impedir o agravamento da situação, recuperando algumas das dívidas que se verificam e que são, quanto a nós, alarmantes, pois significam que há numerosas entidades patronais que desviam dinheiro descontado aos trabalhadores para autofinanciamentos, porque o juro está caro ...
Em termos monetários, a nossa proposta significaria o seguinte: a pensão mínima do regime geral passaria para 5600$; as restantes pensões superiores à mínima aumentariam 24 %; o regime dos rurais, segundo o princípio que deve ser seguido, aumentaria numa percentagem de 25 %, para arredondar, ou seja 4250$; o regime transitório para 4100$, ou seja, 24 % de aumento; a pensão social teria uma percentagem idêntica e passaria para 4100$; as pensões de sobrevivência aumentariam de acordo com a taxa de inflação 24 %; o suplemento de grande inválido do regime geral invalidez-velhice, 3100$, portanto um aumento de 24 %; a de sobrevivência 1900$ um aumento, para arredondar, de 26 %; o regime especial de previdência dos rurais, também invalidez-velhice e sobrevivência, respectivamente, 2750$ e 1900$, o complemento por cônjuge, 1500$, ou seja, 24 % de aumento.
Isto significaria em termos de encargos, única e simplesmente, uma recuperação das dívidas na ordem dos 8 650 000 contos ao longo de todo o próximo ano de 1984.
Creio, pois, que é uma proposta realista, que tem como objectivo o seguinte: que numa situação de crise, subida de preços e degradação das condições de vida, os reformados possam ter, pelo menos, a manutenção do seu poder de compra.
No mesmo sentido da nossa proposta, a Intersindical e as organizações internacionais o que propõem neste campo não é nada que se aproxime disto, é a pensão mínima indexada em, pelo menos, metade do salário mínimo nacional. Isso seria minimamente justo, porque, na verdade, o salário mínimo nacional já é calculado pelo mínimo de sobrevivência. Mas nós não vamos sequer tão longe — atendendo à situação que neste momento se atravessa—, mas vamos,.pelo menos, a isto que propomos. Neste sentido apelamos para que a maioria nesta Câmara compreenda o realismo destas propostas, para que, pelo menos, os reformados não percam o seu poder de compra e possam durante este ano viver, pelo menos, tão mal como viveram durante o ano de 1983.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Gostaria de esclarecer a Comissão do seguinte: estabelecemos como ponto final dos nossos trabalhos a meia-noite e isso não significa, naturalmente, qual-<\uw fevtoção da discussão. Não obstante, a única
coisa que tenho legitimidade de pedir é rigor, síntese e eficácia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — No que respeita a comparações, a Sr." Secretária de Estado compreenderá que as façamos relativamente ao valor orçamentado, visto que não detemos outros elementos em relação ao valor realizado em 1983.
A Sr.° Secretária de Estado da Segurança Social: —
Temos, temos!
O Orador: — Se tem, peço desculpa!
Não posso, no entanto, deixar de fazer uma breve referência, que constitui uma explicação para muitos deputados que no Plenário fizeram essa mesma interpelação. É que se fizeram algumas referências sobre o financiamento dos regimes não contributivos e contributivos, e expressamente se desejou que os regimes não contributivos fossem exclusivamente financiados pelo Orçamento do Estado e não pesassem sobre os contribuintes. Isto permitir-nos-ia, aliás, variar de modo muito diverso algumas das prestações de que aqui falamos e alguns dos esquemas de que aqui tratamos.
Queria, pois, apenas dizer que essa era, desde logo, uma consequência prática da aprovação da nossa lei de bases da segurança social, na qual se previa, com efeito, que os regimes não contributivos fossem financiados por receitas do Orçamento do Estado, o que permitia reservar para os regimes contributivos as contribuições de empresas e trabalhadores. E digo que essa era uma consequência prática porque houve quem pusesse em dúvida que a aprovação da lei de bases pudesse ter algum significado prático.
Agora, Sr.° Secretária de Estado, pedia-lhe o favor de me dar alguns esclarecimentos complementares. No que respeita às despesas de administração, traçou uma evolução precentual respeitante ao peso das despesas de administração, não sei bem se em relação ao orçamento geral de despesa se às despesas sociais. Se não se importasse, pedia-lhe o favor de repetir a evolução das despesas de administração nos últimos anos porque elas tinham um peso decrescente e a ideia que tenho é de que este orçamento consagra realmente um peso Crescente, isto é, desequilibra a percentagem das despesas de administração em relação às despesas sociais do orçamento da segurança social.
No que respeita a esta magna questão, que constitui a chave da proposta do Partido Comunista Português, e que é o problema da recuperação das dívidas, temos elementos que neste momento nos permitem concluir que em 1982 houve uma recuperação das dívidas de cobrança em cerca de 118 % das cobradas em 1979, o que permitiu que em 1982 o peso das dívidas em relação ao total das receitas da Previdência tivesse descido de 47 % para 25 %. Pergunto à Sr.3 Secretária de Estado se há previsão no que respeita à recuperação das dívidas em 1984, e isto para avaliarmos esta proposta em consciência, porque estamos aqui para a votar. Em relação a 1983, passar-se-á uma variação positiva ou negativa? Quais as razões que se darão para uma ou outra das variações?
Sr.° Secretária de Estado, uma outra questão que lhe quero colocar é respeitante ao desemprego. Não sou tão optimista como a Sr.a Secretária de Estado, como o Sr. Ministro do Trabalho e como o Sr. Secre-
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tário de Estado do Emprego, pois estou em crer que VV. Ex.a> não vão poder criar o seguro de desemprego em 1984, e isto porque o levam a crer o orçamento do Fundo de Desemprego e o orçamento da segurança social. Há, no entanto, aqui alguma coisa que me parece carecida de esclarecimento: é que há uma diferença de montantes. Assim, no orçamento da segurança social prevê-se para subsídios de desemprego 11 360 000 contos, mas a variação das transferências do Fundo de Desemprego é superior a 12 milhões de contos, como se pode verificar pelo orçamento deste último. Será isto uma disparidade, ou terá uma explicação perfeitamente racional que estarei disposto a aceitar? Por agora é tudo.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.a Secretária de Estado, são 3 pequenas questões complementares as que quero colocar.
A primeira tem uma incidência indirecta nesta questão orçamental da segurança social e que é da integração dos regimes especiais no regime geral. Sabemos todos que por vezes há resistência de certos sectores em integrarem-se no regime geral porque os regimes especiais de que usufruem são quantitativamente superiores àquilo que usufruiriam sob o regime geral. A Sr.° Secretária de Estado disse há pouco — e já outro dia no Plenário o Sr. Ministro o afirmou — que, por exemplo, o regime geral dos ferroviários era totalmente suportado pelo Orçamento do Estado, não deixando de.ser efectivamente um regime especial. Claro que é difícil, em tempos de austeridade, caminhar-se para uma situação como esta. Contudo, no regime dos ferroviários há urna característica importante, que é a de nela já não se tratar de indexação — pelo menos para alguns dos reformados ferroviários, designadamente aqueles que ainda foram funcionários dos caminhos de ferro do Estado e que portanto foram abrangidos pelo regulamento de 1927 —, mas sim o direito a 100 % do ordenado da categoria, isto é, receberem exactamente o mesmo que os funcionários ao serviço.
È evidente que é difícil de transplantar este regime especial para o regime gera! e daí uma certa resistência para a sua concretização. No entanto, há outros, como é o caso, por exemplo, do sector bancário, que não têm qualquer regime. Têm, através de contrato colectivo, um seguro social suportado em parte pelos trabalhadores bancários e em parte pela entidade patronal, mas não têm qualquer integração no regime da segurança social. Gostaria de saber, portanto, e se fosse possível, qual a filosofia política do Governo face à integração destes regimes especiais no regime geral.
Um outro ponto que gostaria que me fosse esclarecido era o seguinte: todas as previsões desde as realizadas pelo Governo às elaboradas pelas associações patronais e sindicais apontam para que com este orçamento vá haver, seguramente, um aumento do desemprego que nos casos mais optimistas se cifrará em mais 200 000 a 250 000 desempregados. Numa população activa de 4 milhões de indivíduos o número de desempregados orçaria então os 750 000 ou mais. O que eu queria então saber era se esta situação tinha
sido ponderada como não contributiva para a segurança social pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social. Portanto, estando desempregados, não podem contribuir e, por outro lado, serão um peso ao usufruírem dos benefícios do Fundo de Desemprego. Está este ponto articulado dentro do orçamento previsto?
Um terceiro e último pedido de esclarecimento refere-se ao montante exacto das contribuições em dívida à segurança social. Segundo a proposta do PCP, estas contribuições rondariam 60 milhões de contos.
A Sr.3 Zita Seabra (PCP): — Perdão, a nossa proposta é de 8 milhões de contas a recuperar de dívidas do patronato!
O Orador: — Ê o que eu digo. A dívida em si rondaria os 60 milhões de contos. Segundo um orçamento discriminado, e entregue na Comissão pelo Ministério, pela Sr.a Secretária de Estado, as várias parcelas dariam, em 30 de Dezembro de 1982, 40 369 000 contos e, em 31 dc Agosto de 1983, 48 171 000 contos. Gostaria de saber se de Agosto a Dezembro se prevê um crescimento desta dívida deste montante para os cerca dos 60 milhões de contos. Por outro lado, sobre a questão também colocada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito gostaria de saber quais as possibilidades reais de recuperação de parte destas contribuições em dívida, dado que, segundo as palavras do Sr. Ministro do Trabalho, teria sido quase espectacular a recuperação da parte dessa dívida em 1983.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Hendel de Oliveira.
O Sr. Hendel de Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Também nós, Partido Socialista, desejaríamos ver um orçamento da segurança social muito mais ambicioso. Somos realistas e sabemos que no momento isso não é possível. No entanto, não deixaremos de referir que alguns pontos ainda não foram suficientemente esclarecidos, como um que, por exemplo, se me suscita. A Sr.a Secretária de Estado naturalmente sabe que há um número significativo de empresas que adopta um sistema de seguro de grupo, complementar da reforma ou da própria pensão ou subsídio de doença, quando efectivamente os seus trabalhadores estão nestas circunstâncias. Desejaria, pois, perguntar-lhe se tem nos seus planos o desenvolvimento de alguma acção que venha a incentivar a dinamização de processos deste tipo, nomeadamente com alguns estímulos que poderão ser criados no âmbito da Secretaria de Estado, situações estas que, para além de muito gratas aos trabalhadores, são necessárias num país como o nosso que tem ainda fracos recursos na área da segurança social.
Apesar dos lamentos que temos ouvido — e nós próprios também partilhamos de algumas preocupações, pois reconhecemos que a situação é difícil —, não queríamos deixar de nos felicitar pelo facto de estarem previstas acções como a que, por exemplo, foi já desencadeada no presente mês, do aumento das pensões de reforma — e quem tem a responsabilidade de governar também precisa que na altura própria haja quem os felicite pelos actos positivos —, bem como a intenção de implementar o seguro de desemprego.
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A própria transferência do Orçamento Oeral do Estado para os regimes não contributivos é também uma atitude extremamente positiva pela qual nos congratulamos. No entanto, desejaríamos, como disse inicialmente, ver um orçamento mais ambicioso se realmente fosse possível, porque não é só o Partido Comunista e o CDS que gostariam de ver um maior apoio à terceira idade, mais creches, pensões de reforma mais elevadas, etc.
Quanto à proposta que o Partido Comunista apresenta, no seu conjunto os valores de pensões e subsídios merecem o nosso apoio. Desejaríamos ter a oportunidade de propor até percentagens mais elevadas. Quem é que não deseja manifestar aos Portugueses, aqueles que no fundo representamos, a vontade de melhorar as suas condições de vida? Estou convencido de que ninguém no meio de todos nós ambiciona outra atitude que não essa. O que é certo é que neste momento ela nos parece completamente impossível.
O Partido Comunista lança a proposta de uma verba de 8 milhões de contos como recuperação da dívida do patronato à segurança social. Está referida essa verba- como poderiam estar 8 499 900 contos — é um número que naturalmente não é baseado em nenhum estudo criterioso. No entanto, entendemos que, embora seja ...
A Sr.a Ilda Figueiredo (PCP): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: — Faça favor.
A Sr.a Ilda Figueiredo (PCP): — Não sei se o Sr. Deputado ouviu há pouco a Sr.° Secretária de Estado dizer que seria possível no próximo ano registar-se uma recuperação da dívida da ordem entre os
7 e 11 milhões de contos. A proposta que fazemos está incluída naquilo que a Sr.° Secretária de Estado referiu, quanto à possibilidade de recuperação de dívidas para o próximo ano.
O Orador: — Sr." Deputada, posso então concluir que tenho razão e de que entre os 7 e os 11 milhões escolheu os 8 650 000 contos como podia ter escolhido
8 499 000 contos.
A Sr.a Ilda Figueiredo (PCP): —Não, não, Sr. Deputado. Esse montante resulta depois das contas feitas ...
O Orador:—Desculpe, mas a interrupção acabou. Portanto, se efectivamente for possível recuperar 8 650 000 contos, congratulamo-nos por isso. Ainda fazemos mais: sugeríamos à Sr." Secretária de Estado, e naturalmente não precisamos de o fazer, que sejam desenvolvidas acções no sentido de recuperar 48 mi-íhões de contos, que parece ser, efectivamente, o montante da dívida.
Mas temos de ser cautelosos nisso, Sr." Deputada lida Figueiredo; todos os esforços, todas as démarches necessárias à recuperação da dívida têm de ser feitos de uma forma tão cautelosa quanto o necessário para manter a viabilidade das empresas. Quer dizer, isso tem de ser feito de uma forma coordenada e concertada para que, ao resolvermos um problema, não se crie outro.
De uma forma geral, e em resumo, fica expresso o apoio e a solidariedade do Partido Socialista ao
orçamento apresentado pelo Governo. Fica aqui também expressa a nossa vontade de que, se efectivamente for possível recuperar a dívida nos 8 650 000 contos, ou nos 10, 15 ou 20 milhões, sejam também —a todo o tempo é oportuno — actualizadas as prestações da própria segurança social.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bento Gonçalves.
O Sr. Bento Gonçalves (PSD): — É evidente que o meu partido não deixará de apoiar este orçamento, que consideramos de austeridade, embora não seja este o orçamento que gostaríamos de aqui aprovar para a segurança social. É para nós muito penoso ter de aprovar este orçamento na linha daquilo que o País está a enfrentar, e portanto nesta área tão sensível e que a todos preocupa.
O PSD gostaria, portanto, de aprovar a proposta do PCP porque ela, efectivamente, também colhe o nosso apoio no reforço que propõe. E eu congratulo-me por o PCP ter vindo a moderar as suas propostas de aumento das despesas do OGE, como é o caso da proposta que, com um certo realismo, acabou de apresentar, porque a grande maioria daquelas que temos ouvido aqui desfilar não são mais do que pura demagogia e nada realistas.
É evidente que, em contrapartida, para com esta despesa o Partido Comunista coloca a questão da recuperação das dívidas à previdência. E uma situação delicada e penso que o Governo não deixará de procurar cobrar essas dívidas na medida das suas possibilidades.
Aqui lica também o apelo do meu partido ao Governo para que, com essas receitas, vá de encontro ao reforço das verbas das diversas pensões que aqui estão previstas. Estamos confiantes em como assim irá acontecer.
Também penso que muitas das empresas que têm dívidas para com a previdência talvez se encontrem naquele círculo vicioso, isto é, se porventura pagarem à previdência por certo irão despedir empregados.
Algumas destas empresas, como todos nós, estão à espera de melhores dias e não devem só contribuições à previdência, como também devem ao próprio Estado o pagamento de impostos.
Por consequência, e para concluir, o PSD irá dar o apoio à proposta do Governo tal como está formulada e lamenta não poder aprovar a proposta realista do PCP, mas a escassez de verbas e o orçamento de austeridade ussim o impõem.
O Sr. Presidente: — Parece-me que não há mais •inscrições e vou, portanto, dar a palavra à Sr." Secretária de Estado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS):—Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, V. Ex." está a anarquizar um pouco o debate. Mas, faça favor, Sr. Deputado.
\.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Peço desculpa, mas, na realidade, era para articular a minha pergunta com a resposta de há pouco da Sr." Secretária de Estado.
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V. Ex.^ falou, realmente, na possibilidade de recuperação de 7 a 11 milhões de contos. Só lhe pergunto, e é este o sentido da minha pergunta, se esses 7 a 11 milhões de contos que o Governo prevê que se possam adicionar às receitas têm alguma coisa a ver com o défice e com a recuperação dos 4 milhões, ou se estão incluídos nas receitas e contribuições, já que isso é uma maneira de o contabilizar.
Se pudesse orientar a sua resposta neste sentido, eu agradecia-lhe, porque, se pudermos todos votar favoravelmente a proposta do PCP. fá-lo-emos com muita satisfação.
O Sr. Presidente: — Estão agora criadas as condições, espero, para passar a palavra à Sr.a Secretária de Estado e permito-me pedir-lhe um esforço, que será favorável tanto a si como a todos nós, de síntese para as respostas e esclarecimentos que tem a dar de modo a que cumpramos o nosso horário honrando-nos a nós próprios, isto é, cumprindo aquilo que nós próprios nos impomos.
Com este meu abuso de pedido dou a palavra à Sr." Secretária de Estado.
A Sr.3 Secretária de Estado da Segurança Social: —
Muito obrigada, Sr. Presidente.
Farei por ser breve, mas os Srs. Deputados compreenderão que, com o interesse que VV. Ex.as demonstraram por este orçamento, terei alguma dificuldade em resumir muito. Mas enfim ...
Começaria por dizer que, como todos sabem, a segurança social é uma instituição a cargo da economia e é esse, de certa maneira, o drama.
É justamente quando a economia conhece maiores dificuldades que há necessidades sociais acrescidas e simultaneamente maior dificuldade em ocorrer a essas necessidades. Isso é uma situação em que hoje, muito particularmente, nos encontramos.
Portanto, não é possível colocar estas questões da segurança social e do montante das receitas e das despesas ignorando que a segurança social está incluída num determinado mundo com certas regras e que, naturalmente, não poderá deixar de sofrer os efeitos quando eles são de carácter negativo.
Em todo o caso há um ponto em que o Governo fez questão na preparação deste orçamento, cumprindo, aliás, rigorosamente aquilo que constava do seu Programa e que é a transparência com que as despesas e as receitas foram previstas.
Quer no que respeita às receitas, quer no que respeita às despesas, não fomos para além daquilo que era razoável supor que aconteceria. Não prometemos mais do que aquilo que supomos poder cumprir e não escondemos nada daquilo que são despesas que a segurança social terá de fazer durante o ano de 1984. Prometemos transparência e, na minha concepção, este orçamento corresponde àquilo que foi prometido pelo Governo.
Nomeadamente no que respeita à previsão de receitas, os Srs. Deputados compreenderão que nos era muito mais- agradável poder prever que as receitas iriam ser mais do que aquilo que está previsto e que, naturalmente, nos era muito mais agradável, também, que essa previsão correspondesse à realidade.
Só que, perante- a execução orçamental de 1983 e perante uma série de dados que traduzem a tal inserção da segurança social numa economia com deter-
minadas características, não entendemos que não era realista supor que o crescimento das receitas durante o ano de 1984 fosse superior a 20%.
ê a isso que corresponde esse número, e não a qualquer ideia de abrandar o esforço de cobrança de contribuições. Pelo contrário, é no pressuposto e na certeza de que esse esforço se dobrará durante o ano de 1984. Temos perfeita consciência da necessidade de o fazer, não houve nem haverá nenhum abrandamento — como foi dito pelo Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social— e, naturalmente, esse esforço será feito.
Foi dito que o facto de o Orçamento ter aumentado em 114 % a comparticipação nas despesas da segurança social não significaria uma grande melhoria.
Srs. Deputados, se esse aumento não se tivesse verificado, as circunstâncias seriam muito piores do que aquelas em que hoje nos encontramos. Ê preciso ser realista. Não é possível fazer mais com aquilo de que dispomos, ê preciso ser realista nas previsões e nós não prometemos mais do que aquilo que estamos certos que podemos cumprir. Prometemos transparência e seguiremos rigorosamente nessa linha.
Alguns Srs. Deputados não me ouviram há momentos quando disse que a previsão das receitas supõe já recuperação de dívidas entre 7 e 11 milhões de contos.
A Sr.a Deputada Ilda Figueiredo deu-me há bocado uma ajuda quando disse que, de facto, eu já tinha referido esses valores que estão incluídos na previsão de receitas que está perante os Srs. Deputados.
Naturalmente que, se nós previmos que isso possa acontecer, o incluímos na previsão de receitas. Portanto, não faz nenhum sentido dizer agora que não foi previsto e que seriam possíveis aumentos para além daquilo que esses números realistas, que estão no orçamento, podem fazer supor que pode haver.
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Dá-me licença que a interrompa Sr.a Secretária de Estado?
A Oradora: — Faça favor, Sr.a Deputada.
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Sr.° Secretária de Estado, se isso está orçamentado, só gostaria de saber o seguinte: são 7 ou 11 milhões de contos?
Não percebo como é que se pode orçamentar entre 7 e 11.
Se me diz que está orçamentada uma verba, não se pode dizer que ela é de 7 a 11.
A Oradora: — Sr.a Deputada, posso responder-lhe com toda a precisão: nós previmos 11, isto é, previmos a situação mais realista. 7 é o número que admitimos que possa acontecer, mas aquilo que consta da previsão de receitas é 11 e, portanto, fizemos aí a previsão que corresponde ao maior esforço que consideramos possível de recuperação de dívidas.
Gostaria também de dizer, nesta linha, que estamos a trabalhar neste momento nos centros regionais de segurança social na montagem de serviços de fiscalização dos próprios centros regionais. Consideramos isso um esforço extremamente importante 'no sentido de garantir uma cobrança mais eficaz das contribuições.
No que respeita à diferença entre regime contributivo e regime não contributivo, é evidente que reconhecemos que houve injustiças no passado, mas há
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também que reconhecre que os atrasos acumulados em dezenas de anos de desprotecção social não podem ser resolvidos só num ano.
Não é possível exigir que aquilo que não se fez em muitos anos se faça agora unicamente em 1984.
Ê óbvio que a segurança social se baseia num princípio de solidariedade que existe, aliás, dentro do próprio regime geral, como sabem, e, muito em particular, do regime geral para os outros.
Ninguém nega que esse princípio de solidariedade não seja correcto, não exista ou não deva existir. Só que há limites para aquilo que é razoável exigir, e aquilo que entendemos é que o esforço que está a ser exigido aos contribuintes do regime geral no financiamento das despesas não contributivas da segurança social é muito grande. Não quer isto dizer que não reconheçamos que um princípio de solidariedade deva estar subjacente ao funcionamento da segurança social.
No que respeita à passagem dos rurais para o regime geral, estamos a trabalhar na reformulação do regime dos rurais, mas é bom que tenhamos todos presente que a passagem dos rurais para o regime geral significa, não apenas um acréscimo de benefícios mas também um acréscimo de contribuições.
Não podemos, portanto, ignorar o lado oneroso que terá para os contribuintes a passagem para o regime geral e funcionar como se apenas se tratasse de um acréscimo de benefícios.
Em relação às dívidas foi ainda perguntado — e peço desculpa de não ter respondido há momentos — qual era o montante exacto da dívida. Ela é neste momento de 45 561 000 contos, mais 7 684 000 titulados por letras. Portanto, não titulados, 45 561 000 contos, e titulados, 7 684 000 contos.
Foi aqui também levantada a questão das verbas do P1DDAC atribuídas a equipamentos sociais. No que respeita a equipamentos para idosos, a previsão para gastos de 1984 é de 791 500 contos. No que respeita a gastos com equipamentos e serviços para a primeira e segunda infâncias, a previsão é de 458 500 contos, dos quais 100 000 contos destinados a equipamentos novos.
Não tenho qualquer problema em reconhecer que as necessidades seriam mais do que isso, só que não é possível satisfazê-las com o djnheiro que não temos e, portanto, aquilo que está prometido é aquilo que sabemos podermos cumprir, é aquilo para que sabemos haver dinheiro.
Gostava, aliás, de dizer, em relação a esta questão dos equipamentos, que não é apenas em equipamentos (e, se quiserem, em equipamentos de carácter mais ou menos tradicional) que estão as respostas possíveis às necessidades de protecção das crianças e dos idosos em particular. Há outros tipos de resposta que não só são menos onerosos, do ponto de vista financeiro, como em certas circunstâncias podem ser mais correctos.
Não tenho qualquer problema em reconhecer que temos grandes responsabilidades em assegurar que durante o trabalho dos pais as crianças se encontrem em condições perfeitas de segurança. Isso é um valor essencial que temos, a todo o custo, que assegurar. Não é apenas através das respostas tradicionais que se pode resolver esse problema.
Estamos neste momento a trabalhar activamente na última fase de um diploma relacionado com as amas, isto é, com uma solução diferente das creches tradicionais, í. uma outra solução de guarda das crianças,
que salvaguarda a sua segurança, que JJies garante, de certa maneira, um meio mais familiar do que é o meio das creches, que é menos oneroso e que neste momento é particularmente aconselhável pelas grandes dificuldades de carácter financeiro em que nos encontramos. Estamos, pois, a trabalhar activamente no lançamento de campanhas desse tipo.
No que respeita aos idosos, há também outras soluções, para além dos lares tradicionais fechados, como os centros de dia e o apoio domiciliário. Estamos a trabalhar nisso e há alguma acção já importante nesse domínio em certos centros regionais. Estamos a trabalhar no incentivar dessas acções, que garantem ao idoso, na medida do possível, a manutenção no meio familiar e comunitário em que vive e uma maior autonomia e independência.
Encaramos os lares como uma última solução, em muitos casos necessária, mas não são, necessariamente, a única solução, e estamos a trabalhar em outras soluções alternativas, que não tenho dúvidas de que são, em muitos casos, mais correctas.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito referiu-se à falta de elementos dos senhores deputados em relação à execução orçamental. Devo dizer-lhe que, na sequência da reunião da Comissão Parlamentar dé Segurança Social, foram enviados a todos os grupos parlamentares os elementos que lhe foram pedidos, nomeadamente a revisão do orçamento da segurança social para 1983.
O Sr. Deputado disse que o regime de financiamento das despesas não contributivas que eu aqui referi é reconhecido pelo Governo como o regime que deve ser e que constava do projecto de lei do CDS sobre a lei de segurança social. Sei muito bem que era, aliás, um dos pouquíssimos pontos em que esse projecto de lei se afastava da proposta de lei apresentada nessa matéria pelo governo anterior.
Há coisas, Sr. Deputado, que é mais fácil, às vezes, reconhecer na oposição do que quando se está no Governo!
Pela primeira vez o Governo, um governo, reconheceu que essas despesas deviam ser financiadas pelo Orçamento do Estado.
No que respeita às despesas de administração, Sr. Deputado, é com muito gosto que volto a explicar-lhe o nosso entendimento, fá algumas vezes o Governo foi interrogado pelo CDS nesse sentido — aconteceu aqui na quarta-feira — e não tenho qualquer problema em lhe voltar a dizer que, em relação às despesas de administração, aquelas percentagens que referi e que descem referem-se às percentagens de despesas de administração sobre despesas correntes totais.
Portanto, é essa a percentagem que aqui foi referida.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Dá-me licença que a interrompa, Sr.a Secretária de Estado?
A Oradora: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): —Sr." Secretária de Estado, o método de cálculo que utiliza é ilegítimo. O método correcto de cálculo é, realmente, apreciar o peso da despesa de administração sobre as despesas sociais, e não sobre o total das despesas correntes, porque a despesa de administração é também uma despesa corrente.
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A Oradora: — Sr. Deputado, com certeza que as despesas de administração são despesas correntes, só que, quando se compara a percentagem das despesas de administração sobre as despesas correntes, o resto são as despesas sociais.
A outra percentagem é a das despesas sociais.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Dá-me licença, Sr." Secretária de Estado?
A Oradora: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS):—Sr." Secretária de Estado, repare que, se fizer a comparação em relação às despesas sociais, se isolar nas despesas correntes os dois tipos de despesas, verifica que a evolução é diferente.
A Oradora: — Sr. Deputado, as despesas correntes são despesas de administração mais despesas sociais. Se o peso das despesas de administração nas despesas correntes totais decresce, é porque aumenta o peso das despesas com pensões. Não percebo qual é o problema da ilegitimidade da forma de cálculo.
Para mais despesas sociais há menos despesas de administração, se me permite. Esse é, aliás, um indicador que é internacionalmente usado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — O indicador internacionalmente usado é despesa de administração sobre despesa social, Sr.* Secretária de Estado. Por sinal, é esse o indicador internacionalmente usado.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço desculpa, mas penso que seria mais vantajoso deixar terminar a intervenção da Sr.a Secretária de Estado, e se houver depois razão plausível para voltarmos à questão, fá-lo-emos naturalmente.
Jncumprimos os nossos próprios compromissos, mas incumprimos mesmo.
Preferia que deixassem terminar a Sr." Secretária de Estado.
A Oradora: — Muito obrigada, Sr. Presidente.
Em relação às diferenças de montantes no seguro de desemprego, a verba total prevista das transferências do Gabinete do Seguro de Desemprego para o orçamento da segurança social é de 14 milhões de contos em 1984.
Quero lembrar aqui que será transferido para o orçamento da segurança social exactamente aquilo que corresponde às despesas com o financiamento do regime. Ele é financiado totalmente através de transferência; portanto, isto é uma previsão e, se os montantes forem diversos, a transferência será também diversa.
Agora, em relação à não coincidência de montantes, no nosso orçamento figura sobre transferências do Fundo de Desemprego aquilo que financiará as prestações de desemprego e uma outra parte está incluída nas contribuições e tem a ver com o pagamento que, nos termos legais, é feito pelo Fundo de Desemprego da parte patronal em relação aos indivíduos desempregados que estão a contribuir com prestações.
Aquilo que está, portanto, incluído, para esse efeito, em contribuições é 1 920 000 contos. É, portanto, aquilo que corresponde à contribuição patronal em
relação aos indivíduos que estão a receber subsídio de desemprego. As verbas estão, pois, colocadas em pontos diferentes no orçamento da segurança social.
No que respeita à existência de regimes especiais e a um regime diferente em geral, posso dizer que este regime dos ferroviários corresponde, grosso modo, ao regime dos funcionários públicos, que também têm um regime diferente do que é o regime geral da segurança social.
Em relação aos bancários, em particular, gostaria de dizer que na sua convenção colectiva de trabalho as próprias partes reconhecem que haverá que integrar, no futuro, o respectivo regime no regime geral da segurança social e, nos termos desse acordo; terá mesmo sido constituída uma comissão para efeitos de estudo dessa integração.
No que respeita aos liberais, o seu regime tem a ver com o regime dos independentes, pelo que, em certa medida, é um regime que será sempre diferente do regime geral ou, pelo menos, terá sempre determinadas especialidades, como não pode deixar de ser, pela própria natureza das condições em que o trabalho é prestado.
Foi posta uma questão em relação a seguros complementares de reforma ou de doença, ou seja em relação a benefícios complementares existentes ao nível de empresa ou a nível da contratação colectiva. Hoje esses regimes não têm nada a ver com a segurança social enquanto sistema; são benefícios complementares pelas partes ou pelas empresas. A nossa ideia é a de que é necessário que haja, por um lado, disciplina desses regimes, por outro, estímulo a que eles existam, na medida em que são realistas, pelo que consta no nosso plano para 1984 a elaboração de um projecto de diploma nesse sentido. A experiência até agora não tem, em muitos casos, sido muito boa, porque, não tendo a segurança social nada a ver com a existência desses regimes e com a respectiva criação, quando por vezes surgem dificuldades no respectivo pagamento, há uma certa tendência para que sejam apontadas à segurança social e lhe seja pedido o financiamento, o que, obviamente, não é possível.
Em relação a este orçamento e, portanto, à ideia que, no fundo, todos temos de que, se fosse possível fazer melhor, seria bom que assim fosse, gostaria apenas de relembrar um ponto que o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social aqui colocou na quarta-feira passada e que tem a ver com o facto de pela primeira vez o conselho de gestão do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ter dado um parecer favorável a este orçamento sem atitudes críticas de fundo. Houve uma crítica relacionada com o prazo de apresentação do orçamento do próprio conselho de gestão, mas não houve nenhuma atitude crítica de fundo em relação ao respectivo texto, e é com gosto que o Governo refere que assim foi.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que eram estas as questões fundamentais que importava abordar. Peço desculpa por ter ido mais longe no tempo do que aquilo que seria razoável, mas não me foi possível intervir de outra maneira.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr." Secretária de Estado, sobretudo pelo esforço de síntese que fez, porque as perguntas era muitas e as respostas penso
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que suficientes, ou quase que suficientes, visto que a Sr.3 Deputada Ilda Figueiredo pede a palavra para um pedido de esclarecimento.
Caso não queire rescindir, tem, pois, a palavra a Sr.'' Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.3 Ilda Figueiredo (PCP): — Não prescindo, Sr. Presidente, visto que, de facto, ainda existem algumas dúvidas por esclarecer.
O Sr. Presidente: — Nesse caso, tem a palavra a Sr.3 Deputada.
A Oradora: — Obrigada, Sr. Presidente.
A Sr.'1 Secretária de Estado há pouco referiu que o aumento das contribuições para 1984 era de 20 %. Não sei se se estava a referir ao valor orçamentado em 1983, se ao valor executado.
A Sr.a Secretária de Estado da Segurança Social: —
Referia-me ao valor executado!
A Oradora: — Ao executado?! É porque em relação ao orçamentado aquele aumento é de 16,7 %, como sabe, o que, aliás, tem uma certa lógica dentro das previsões que o Governo faz para o crescimento da massa salarial para o próximo ano, que anda próximo desse valor, rondando os 16,5 %.
Ora, assim sendo lógico seria também que, independentemente dos comentários que isso me possa suscitar sobre um outro ponto de vista, aqui houvesse igualmente um crescimento da mesma ordem em relação ao orçamentado para 1983.
Nesse sentido, e fazendo as contas, vemos que nas previsões que aqui aparecem não estão incluídos os U milhões de contos que a Sr.3 Secretária de Estado há pouco referiu como sendo a possibilidade de recuperação das dívidas à segurança social.
É este esclarecimento que peço seja dado, porque daí creio depender a posição de voto dos senhores deputados.
E a questão coloca-se porque, de acordo com os números que nos foram fornecidos com o orçamento da segurança social, não há qualquer referência e discriminação quanto à possibilidade de recuperação de dívidas de 11 milhões de contos. Volto também a referir .que o aumento previsto de 17,7 % em relação ao orçamentado de 1983 e àquilo que o Governo prevê em relação ao crescimento da massa salarial para o próximo ano leva. a parecer lógico que o valor seja este, e não aquele que a Sr.a Secretária de Estado acaba de referir, descontando-lhe 11 milhões de contos.
Daí este esclarecimento se impor ainda antes da votação da nossa proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Secretária de Estado, visto desejar responder ao esclarecimento pedido.
A Sr." Secretária de Estado da Segurança Social: —
Sr." Deputada, o que eu disse é que a previsão para 1984 corresponde a um aumento de 20 % sobre a execução orçamental de 1983.
Os 11 milhões de contos de recuperação de dívidas são contribuições, portanto, estão incluídos na verba global respeitante a contribuintes. E, independente-
mente da validade dos pressupostos daquilo que agora disse, o que me parece é que a sua posição levaria à conclusão lógica, o que não é propriamente aquilo que decorreu do discurso anterior, de que, afinal, estamos a fazer mais do que aquilo que seria razoável.
A Sr.a Ilda Figueiredo (PCP):—Não, não é isso!
O que estou a referir é que na verba orçamentada para 1984 está apenas incluído um crescimento das contribuições de acordo com o crescimento da massa salarial prevista para 1984, e não a recuperação de 11 milhões de contos, que, essa, não está aqui prevista.
Sendo assim, a nossa proposta tem inteira razão de ser, porque fica num valor inferior à recuperação de dívidas que a própria Sr.3 Secretária de Estado admite que é possível no próximo ano.
O Sr. Presidente: — Se a Sr.3 Secretária de Estado deseja continuar a esclarecer a Sr.3 Deputada, tem a palavra.
A Sr." Secretária de Estado da Segurança Social: —
Sr. Presidente, suponho que não há muito mais a esclarecer. Aquilo que acontece é que a verba global que aí está corresponde a uma previsão, naturalmente baseada no crescimento da massa salarial mais a recuperação de dívidas.
O Sr. Presidente: — Penso que a pergunta foi feita, a resposta foi dada, e penso que em relação à pergunta e à resposta não há dúvidas. No caso de as haver, façam o favor de as colocar, mas peço-lhes que nos poupem, a nós e aos trabalhadores da Assembleia que estão a apoiar-nos.
A Sr." Ilda Figueiredo (PCP): — Sr. Presidente, dá--me licença que o interrompa?
De facto, não estou aqui na tentativa de fazer passar tempo nem estamos interessados nisso. Agora estamos interessados, sim, em que nós, bem como os senhores deputados que têm de votar uma proposta que apresentamos, estejam devidamente esclarecidos acerca deste problema.
Os 11 milhões de contos estão ou não incluídos na proposta do orçamento da segurança social? Na minha opinião, não estão, nem podem estar, porque isso então significa que se está a partir do princípio de que no próximo ano vai haver novo agravamento das dívidas patronais à segurança social e, embora recuperando, mais 11 milhões irão continuar em dívida nos montantes a pagar pelas entidades patronais no próximo ano, e isso então é gravíssimo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Antes de passar a palavra à Sr." Secretária de Estado, que deseja, com certeza, continuar a responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues para colocar um ponto de ordem à Mesa.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD). —Sr. Presidente, uma vez que este assunto foi já exaustivamente discutido, propunha que passássemos de imediato à votação.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Não obstante, penso que a Sr.3 Secretária de Estado quererá dar um esclarecimento complementar em fun-
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cão desta intervenção da Sr.° Deputada Ilda Figueiredo.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS):—Tenho muita pena de estar em desacordo com os meus amigos do PSD, mas o ponto não está rigorosamente esclarecido e ele é básico e fundamental, para além das horas a que possamos sair daqui. Confesso-lhe, francamente, que preferiria não ter estado aqui esta noite, Sr. Presidente, mas, na realidade, sairemos à hora a que tivermos de sair, de modo que votemos esta proposta em consciência, porque não vejo que estejamos esclarecidos nesta matéria.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, ninguém pensa de outra maneira como é óbvio e, por isso mesmo, ia dar a palavra à Sr.° Secretária de Estado para clarificar esta questão, se é que ainda não está clarificada.
Faça favor, Sr." Secretária de Estado.
A Sr.3 Secretária de Estado da Segurança Social: —
Eu disse, e volto a dizer, que a recuperação de 11 milhões de contos está incluída nessa verba orçamental com receita.
Não compreendo a questão posta pela Sr.8 Deputada lida Figueiredo, porque aquilo que me parece é que, a serem correctos os pressupostos que ela própria colocou, o número que nós aqui apontamos é para além daquilo que seria realista.
Pessoalmente, não compreendo a questão como ela é posta, mas repito: aquilo que está previsto aí como entrada de contribuições inclui a verba que prevemos de recuperação de dívidas de 11 milhões de contos.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Sr. Presidente, peçe a palavra.
O Sr. Presidente: — Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Há bocado afirmei que desde 1974 só num ano houve uma progressão de receitas inferior a 20 %, e suponho que as contas que tenho são comparações de valores orçamentados com valores orçamentados.
Repare, Sr.° Secretária de Estado, que eu não sigo completamente a lógica — e por isso é que não me considero esclarecido— do Partido Comunista Português, mas, se nesta matéria formos comparar • valores executados com valores orçamentados, estamos sempre a conceder qualquer coisa à dívida. O problema é esse.
Quer dizer, se nós fizermos a comparação sistemática de valores orçamentados com valores executados, estamos a fazer sempre uma concessão à dívida. Ê claro que não compreendo que sejam 11 milhões a mais ou 8 a mais. Não compreendo isso inteiramente assim, mas tenho a impressão de que temos de nos fixar num critério quanto a esta matéria, e o critério que tenho até aqui é o de que a comparação do crescimento das contribuições tem sido feita entre valores
orçamentados sobre valores orçamentados. Por isso é que disse há pouco que o crescimento de 16,7%, 17 % em percentagens redondas, era, realmente, um dos crescimentos mais baixos previstos desde 1974.
Isto, na realidade, somando-lhe a recuperação das dívidas ou a previsão de um enormíssimo desemprego em 1984 —que é um valor em relação ao qual nunca tivemos aqui informações correctas —, é uma previsão muito pessimista de recuperação.
Ora, a Sr.a Secretária de Estado fala-me de 11 milhões e eu gostaria de ter a comparação de números absolutos!
O que é que se recuperou, em números absolutos, em 1983? E em 1982? Foram 11 milhões? Foi menos? Foram 8?
Na realidade, Sr.3 Secretária de Estado, tenho a impressão de que valia a pena esclarecermos um bocadinho melhor esta questão.
A Sr." Ilda Figueiredo (PCP):—Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.° Deputada.
A Sr." Ilda Figueiredo (PCP):—Creio que estão lançados na mesa os principais problemas que continuam a persistir e que não estão esclarecidos. Um deles tem a ver com o seguinte: há um valor orçamentado em 1983 e há um valor executado que a Sr." Secretária de Estado prevê. Aliás, não tenho aqui esse valor neste momento, mas agradecia que me informasse sobre ele, Sr." Secretária de Estado.
Agradecia também que me informasse sobre o que significa, em relação ao valor orçamentado e ao valor executado, o aumento da dívida em 1983 à segurança social, porque isso é fundamental.
O aumento das contribuições em 1984 deve ser calculado a partir da seguinte base: valor executado mais aumento da dívida em 1983.
Só assim é que a Sr. Secretária de Estado não está a partir de um aumento da dívida em 1984. Se não está, é por isso que não aceito a resposta que deu há bocado em relação aos 11 milhões de contos e é por isso que lhe disse que considero que então, à partida, já está a contar com um aumento da dívida a segurança social em 1984, o que acho inadmissível.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Secretária de Estado para prestar esclarecimentos.
A Sr.a Secretária de Estado da Segurança Social: —
Em relação ao facto de se dever comparar orçamento, sobre orçamento ou orçamento sobre execução orçamental, quero dizer que, quando é feito um.orçamento, pode-se lá pôr, naturalmente, um valor ou outro.
Ora bem, aquilo que foi previsto em relação ao orçamento de 1983 foi um crescimento das contribuições da ordem dos 23 %. A realidade demonstrou que essa previsão estava clarissimamente acima daquilo que podia ser cumprido. Foi-me perguntado qual é a previsão neste momento para 1983, e eu respondo que a previsão é de 20 % em relação a 1982. Portanto, aquilo que, com toda a probabilidade, se vai consumar no ano de 1983 é uma execução orçamental claramente abaixo daquilo que foi previsto.
Não vejo como possa ser razoável fazer as previsões sobre .aquilo que foi orçamentado. O razoável, o rea-
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lista, é fazer as prev;fiões sobre aquilo que a realidade demonstrou que era possível fazer.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Dá-me licença que a interrompa, Sr." Secretária de Estado?
A Oradora: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS):—Sr." Secretária de Estado, gostaria que me esclarecesse se os 23 % de 1983 eram em relação a valores executados ou orçamentados.
Isso pode modificar completamente a questão, é que, se eram em relação a valores orçamentados, é uma coisa, se não, é outra.
A Oradora: — Era sobre executados. É sobre valores executados de 1982 que o exercício de 1983 nos faz prever que até ao fim do ano o aumento não será mais do que 20 %.
O orçamento de 1983 sobre a execução de 1982 previa um aumento de 23 %, e a realidade demonstrou que foi uma previsão acima daquilo que era possível.
Eu disse e mantenho que a nossa previsão é aquilo que julgamos que é realista. Não é razoável supor que se vai cobrar mais do que aquilo que julgamos estar em condições de cobrar. E aquilo que julgamos estar em condições de cobrar é um aumento de 20 % em relação àquilo que foi cobrado em 1983.
A Sr.a IWb Figueiredo (PCP): — Dá-me licença, Sr.a Secretária de Estado?
A Oradora: — Faça favor, Sr.a Deputada.
A Sr." Ilda Figueiredo (PCP):—Ao falar nesse montante de 20 % do executado, a Sr." Secretária de Estado inclui aí as dívidas do patronato ou não?
A Oradora: — Sr." Deputada, se é o executado, é aquilo que foi cobrado, de facto, em 1983.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos ver se podemos ter um pouco de disciplina nesta discussão final.
Se estabelecermos diálogo entre os extremos deste ângulo, vamos, com certeza, ter mais dificuldades.
A questão que se põe é que neste momento a Sr.a Secretária de Estado está a esclarecer, a evolução das verbas em termos de orçamentado e realizado. Esclarecido este ponto, ficará, penso, esclarecida a dúvida que foi levantada.
Permitam-me, pois, que vos peça que deixem a Sr.a Secretária de Estado explicar até ao fim esta questão, e, se, eventualmente, ainda existirem dúvidas, voltaremos a elas.
Queira ter a bondade de terminar a sua intervenção, Sr.° Secretária de Estado.
A Oradora: — Sr. Presidente, não vejo que possa acrescentar muito mais àquilo que já disse.
Aquilo que está previsto em termos de receitas correntes (239 712 000 contos) corresponde a um aumento de 20 % sobre aquilo que nós prevemos que será cobrado até ao fim do ano de 1983, incluindo aquilo que julgamos que será possível fazer no domínio da recuperação da dívida.
O Sr. Presidente: — Creio que está dada a resposta e, portanto, pedia-vos que entrássemos agora na fase seguinte.
Srs. Deputados, tenhamos disciplina!
A Sr.a Ilda Figueiredo (PCP):—Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr." Deputada.
A Sr.a Ilda Figueiredo (PCP): —Sr." Secretária de Estado, para nós a questão continua por esclarecer, pois continuamos sem saber qual é a previsão existente quanto ao aumento das dívidas em 1983. E isso é importante, porque só assim é que é possível saber se os 11 milhões que a Sr.a Secretária de Estado diz estarem incluídos estão ou não incluídos em relação à recuperação do orçamento de 1984.
Portanto, Srs. Deputados, esta questão continua por esclarecer. Se os senhores deputados quiserem votar mesmo sem esta questão estar esclarecida, o problema será vosso.
O Sr. Presidente: — Sr." Secretária de Estado, se ainda quiser voltar a esta questão para prestar mais algum esclarecimento, tem a palavra.
A Sr.a Secretária de Estado da Segurança Social: —
Sr. Presidente, Srs. Deputados: julgo que dos elementos até agora apresentados para discussão pode, eventualmente, fazer-se algum cálculo acerca do que vai acontecer a nível das dívidas em 1984. Com os elementos fornecidos, os Srs. Deputados poderão concluir aquilo que entenderem. O que nós julgamos que vamos cobrar em 1984 corresponde ao montante que consta da proposta de lei do orçamento. Aliás, quero pedir desculpa por há momentos ter citado o número das despesas correntes, e não o das contribuições, que é de 204 900 000 contos.
Eventualmente, será possível com esse número e com os dados existentes sobre o número de empresas, de trabalhadores e das contribuições fazer um cálculo acerca do que vai acontecer.
Srs. Deputados, é preciso ser realista. Tenho aqui os números respeitantes ao que tem sido, de facto, o crescimento da dívida nos últimos anos. Perante tudo isto e perante os dados apresentados no orçamento é possível tirar alguma ilação em relação ao que vai ocorrer em 1984. Mas eu disse e repito: o que está no orçamento da segurança social é aquilo que consideramos realista, sem mais.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, penso que os esclarecimentos estão prestados. Cada um dos senhores deputados tem os elementos que tem e será em função deles que se irá pronunciar.
Assim, vamos passar à fase seguinte, ou seja à votação.
Srs. Deputados, vão ser votadas 2 propostas de alteração apresentadas pelo Partido Comunista. Uma delas tem a ver com o facto de o Governo se comprometer a recuperar 8 650 000 contos, cuja atribuição seria a constante do texto da proposta já distribuída. A outra proposta respeita a uma reestruturação, digamos assim, do próprio orçamento da segurança social, que, contemplando a alteração contida na proposta referida anteriormente, contemplaria mais um reforço, de 2 milhões de contos no PIDDAC.
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II SÉRIE — NÚMERO 63
Se esta é a boa interpretação das propostas apresentadas, penso que também será boa orientação votarmos da seguinte maneira: em primeiro lugar, votaríamos a proposta de alteração referente aos 8 650 000 contos decorrentes da proposta que citei em primeiro lugar; a seguir, votaríamos a proposta que referi em segundo lugar.
Srs. Deputados, vamos votar a 1." proposta, que se refere ao compromisso que o Governo tomará, se for aprovada, de recuperar 8 650 000 contos e cuja distribuição será a constante do texto da proposta que está nas vossas mãos.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e da ASD1, votos a favor do PCP, do MDP/CDE e da UEDS e a abstenção do CDS:
Era a seguinte:
Ê sabido que, presentemente, as dívidas do patronato à segurança social ascendem já a um montante que ultrapassa os 60 milhões de contos e que o Governo não prevê qualquer receita proveniente da recuperação dessa mesma dívida. Tal facto significa que o Governo consente nesse agravamento e que isso se traduz numa degradação das prestações sociais, nomeadamente do montante das reformas.
Assim sendo, o PCP considera que o mínimo exigível ao Governo é um esforço de recuperação de dívidas que permitam que a actualização das pensões acompanhe a taxa de inflação.
Assim, propõe o PCP que o Governo se comprometa a recuperar 8 650 000 contos das dívidas do patronato e que as pensões de reforma, em vez de aumentarem 17 % (regime dos rurais) e 19 % (regime geral), tenham um aumento de 24 %, de acordo com o quadro seguinte:
Pensões de invalidez ou velhice:
Regime geral:
Pensão mínima—5600$ (24,44%), Pensões superiores à mínima— variável (24 %);
Regime especial de previdência dos rurais:
Regulamentar — 4250$ (25%); Transitório —4100$ (24,24 %);
Pensão social —4100$ (24,24 %);
Pensões de sobrevivência — variável (24 %); Suplemento de grande inválido:
Regime geral:
Invalidez e velhice—3100$ (24%), Sobrevivência— 1900$ (26,67 %);
t
Regime especial de previdência dos rurais e pensão social:
Invalidez e velhice—2750$ (25 %), Sobrevivência— 1900$ (26,67 %);
Complemento por cônjuge— 1500$ (24 %);
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Händel de Oliveira.
O Sr. Händel de Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista votou contra esta proposta porque, ta! como foi aqui sobejamente esclarecido, já está prevista no orçamento da segurança social para 1984 uma recuperação de 11 milhões de contos, que excede, portanto, esta proposta do Partido Comunista.
Por outro lado, o pressuposto de que estes 8 650 000 contos seriam para além dos 11 milhões anunciados e já aqui largamente discutidos levaria, naturalmente, a aumentos irrealistas das pensões. Daí preferirmos votar contra esta proposta e recomendar ao Governo que desenvolva todas as acções ao seu dispor no sentido de tornar exequível uma melhoria ainda superior à defendida pelo Partido Comunista, porque é esse, realmente, o nosso empenhamento. E oxalá seja possível para nosso bem e de todos os portugueses.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar a segunda proposta, que, face aos resultados desta votação, se resume em estar ou não de acordo com o reforço de 2 milhões de contos do PIDDAC do orçamento da segurança social.
A Sr." Zita Seabra (PCP): — Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.° Deputada.
A Sr." Zita Seabra (PCP):—Sr. Presidente, pedia a palavra apenas para dizer que prevíamos um aumento do PIDDAC do orçamento da segurança social. Na verdade, estávamos à espera que daqueles 3 milhões de contos que têm sido distribuídos ministério a ministério coubesse qualquer coisa à segurança social. Temos estado sempre à espera de ver quando é que a maioria apresentaria aqui uma propostazinha.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): — Já acabou!
A Oradora: — Pelos vistos a segurança social teve azar. Ficou para o fim e já não apanhou sequer uns milharzinhos que dessem para qualquer coisa neste campo.
Tenho a impressão de que para o ano será necessário comerçarmos a discussão do Orçamento do Estado pelo orçamento da segurança social para vermos se o PIDDAC da segurança social apanha qualquer coisinha da parte da maioria.
Mas o que isto significa, na verdade — e na nossa proposta prevemos a devida cobertura orçamental no aspecto das receitas —, e nos preocupa, tendo em conta o que disse há momentos, é que vamos empenhar o futuro se neste momento não previrmos a criação de estruturas sociais de apoio, particularmente à infância e à terceira idade, que permitam melhorar a situação geral da nossa população, designadamente destes dois sectores mais carenciados. De ano para ano estaremos pior, até porque aumenta o número de reformados que necessitam de recorrer a essas estruturas sociais e talvez seja cada vez maior o número de crianças que têm de o fazer.
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Neste sentido, parece-me que num orçamento, mesmo restritivo, era mais que justo haver, neste campo concreto da segurança social, uma verba maior que permitisse a criação de estruturas sociais de apoio à família.
E é de salientar que aqueles que tanto falam do apoio à família agem desta maneira: quando chegam ao verbo, falam muito, mas, quando se trata de verbas, ficamos praticamente reduzidos a nada.
Daí a proposta apresentada pelo PCP.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr." Deputada. V. Ex.° fez uma boa intervenção antes da votação.
Srs. Deputados, vamos votar a segunda proposta apresentada pelo Partido Comunista Português, ou seja a respeitante ao reforço de 2 milhões de contos do PI DD AC do orçamento da segurança social.
Submetida a votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do CDS e da ASDl, votos a favor do PCP do MDP/CDE e a abstenção da UEDS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos agora votar globalmente o mapa v relativo ao orçamento da segurança social, tendo em conta as votações já efectuadas, que não o alteraram.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e da ASDl, votos contra do PCP e do CDS e a abstenção do MDP/CDE e da UEDS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bento Gonçalves.
O Sr. Bento Gonçalves (PSD):—Sr. Presidente, queria apenas fazer uma recomendação à Sr.a Secretária de Estado no sentido de o reforço do PI DD AC do orçamento do Ministério do Trabalho e Segurança Social de 100 000 contos poder vir a contemplar a segurança social, fazendo-se, assim, um pouco a vontade à Sr." Deputada Zita Seabra.
A Sr.a Zita Seabra (PCP): —São 50 000 para cada um.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, ainda antes de terminarmos os trabalhos, queria agradecer à Sr.a Secretária de Estado e aò Sr. Presidente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social os esclarecimentos que se dignaram prestar-nos.
Agradeço aos Srs. Deputados o trabalho que desenvolveram esta noite no decorrer do debate, bem como aos trabalhadores da Assembleia que se dignaram dar-nos o seu contributo para os nossos trabalhos.
Está encerrada a sessão.
Eram 0 horas e 30 minutos do dia seguinte.
Estiveram presentes os seguintes membros da Comissão:
João Maurício Fernandes Salgueiro (PSD), presidente;
Almerindo da Silva Marques (PS), vice-presidente;
Octávio Augusto Teixeira (PCP), secretário; João Carlos Dias Monteiro C. Lencastre (CDS),
secretário; Amadeu Augusto Pires (PS); Américo Albino da Silva Salteiro (PS). António Domingues de Azevedo (PS); José da Cunha e Sá (PS); Alexandre Monteiro António (PS); Jorge Lacão Costa (PS); Maria Luísa Banha Modas Daniel (PS); António José dos Santos Vieira (PS); António Sérgio Barbosa de Azevedo (PSD). Guido Orlando de Freitas Rodrigues (PSD); José Bento Gonçalves (PSD); Manuel Maria Portugal da Fonseca (PSD); Mário Martins Adegas (PSD); Pedro Paulo Carvalho Silva (PSD); Joaquim António Miranda da Silva (PCP); Lino Carvalho Lima (PCP). José Manuel Mendes (PCP); João António de Morais Leitão (CDS); António Azevedo Soares (CDS); António Monteiro Taborda (MDP); António Ferreira Vitorino (UEDS); Ruben José de Almeida Martins Raposo (ASDl).
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