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II Série — Número 5
Terça-feira, 23 de Outubro de 1984
DIÁRIO
da Assembleia da República
III LEGISLATURA
2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
ACTA DA REUNIÃO DA COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO DE 19 DE OUTUBRO DE 1984
SUMÁRIO
Acta da reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano de 22 de Outubro de 1984. (Proposta de lei n.° 87/111 — Orçamento suplementar para 1984).
O Sr. Presidente (João Salgueiro): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, dentro do método que tínhamos estabelecido de reuniões de trabalho especializadas com os superiores responsáveis dos vários departamentos ministeriais onde há maiores alterações do Orçamento do Estado para 1984 e dentro do calendário fixado, vamos abordar agora os problemas relativos ao Ministério do Trabalho e Segurança Social.
Não sei se o Sr. Ministro deseja fazer alguma intervenção introdutória ou se quer limitar-se a responder a pedidos de esclarecimento colocados pelos Srs. Deputados.
O Sr. Ministro do Trabaiho e Segurança Social
(Amândio de Azevedo): — A segunda alternativa é mais prática.
O Sr. Presidente: — Vamos, então, para a segunda alternativa.
Estão abertas as inscrições.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Como não ouvi tudo o que foi dito pelo Sr. Presidente, gostaria de saber qual a área sobre que nos iremos debruçar.
O Sr. Presidente: — Todas as áreas da responsabilidade do Ministério. Se for necessário fazermos alguma ordenação de matérias depois faremos, mas não costuma haver assim tantas inscrições que justifiquem, desde o início, estarmos a fazer separações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Uma das razões principais do acréscimo do défice orçamental tem essencialmente a ver com o aumento do défice do Orçamento da Segurança Social.
É evidente que podemos analisar o problema de um ponto de vista meramente conjuntural e, portanto, ver em que medida é que as contribuições cresceram mais ou menos, na medida em que as despesas e as pensões mais ou menos cresceram, ou podemos — e devemos — analisar o problema de um ponto de vista estrutural.
Penso que qualquer das incidências tem importância pelo que, sobre as duas, e também acerca dessa área, gostaria de fazer algumas reflexões e conjuntamente algumas perguntas aos Srs. Membros do Governo, aqui presentes.
Do ponto de vista conjuntural, pareceu-nos, na discussão na generalidade no Plenário, que havia algumas questões que mereceriam e deveriam ser melhor explicadas. Em primeiro lugar, uma surpresa e algumas perplexidades tivemos quando o Sr. Secretário de Estado do Orçamento nos veio dizer que o imposto profissional havia crescido qualquer coisa como 33 % nos últimos 8 meses deste ano, comparados com 8 meses homólogos do ano passado.
Bem, partindo do princípio de que a matéria colectável é relativamente semelhante à das contribuições para a Segurança Social, achamos bastante dilatada, mesmo agravada, a diferença para o aumento verificado nas contribuições para a Segurança Social cujo acréscimo, em termos nominais, foi apenas de 16 %, segundo dados da própria Secretaria de Estado. Portanto, a diferença de 16 °7o para 33 °7a parece-nos excessiva e, em nosso entender, haverá, com certeza, algumas razões objectivas resultantes do sistema empresarial que teve acrescidas dificuldades por esta ou aquela razão, mas também podemos levantar a dúvida quanto a saber se isso não resultará de dificuldades de alguma indefinição de política na área do sector da Segurança Social. Particularmente, posso citar o acréscimo das taxas de juro de mora e a passagem para juros compostos que, numa situação destas, nos pareceu despropositado, acabando por originar o efeito contrário daquele que se pretendia.
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De qualquer modo, gostaria de ter do Sr. Ministro ou da Sr.a Secretária de Estado alguns elementos adicionais sobre esta questão.
Pegando neste aspecto e passando para uma formulação de ideias do ponto de vista duradouro ou estrutural a médio e longo prazos, e porque me parece que o problema da Segurança Social é de tal maneira grave não só em Portugal como na maior parte dos países de sistemas sociais semelhantes, penso que vale a pena, desapaixonadamente, fazer alguma reflexão sobre esta questão.
Em primeiro lugar, em Portugal estamos a assistir a um crescimento exponencial das necessidades de abastecimento por parte do Orçamento do Estado relativamente ao Orçamento da Segurança Social, daí que, por exemplo, em 1982 tenham sido necessários cerca de 1 ou 2 milhões de contos, em 1983 tenhamos passado para cerca de 11 ou 12 milhões de contos, em 1984 vamos passar para 31 ou 32 milhões de contos e para 1985 fala-se em qualquer coisa como 50 milhões de contos. Bem, o que está aqui em causa já não é um mero problema endógeno da Segurança Social, é uma questão que põe em causa o próprio equilíbrio estável de quaisquer finanças públicas na medida em que passa a ser um factor acrescido de dificuldades e de endividamento do Estado.
Penso que a questão merece uma reflexão nacional e desapaixonada porque o que está em causa é uma série de desequilíbrios, alguns dos quais são bastante graves. Penso que o factor que mais desequilibra este sistema é, sem dúvida, o demográfico, isto é, a relação entre activos e inactivos.
Por um estudo que tive oportunidade de fazer quando essa relação for superior a uma média mais ou menos de 42 %-43 %, isto é, quando o número de inactivos for superior a 43 % do número de activos, isso implicará uma situação de falência em qualquer regime de repartições a funcionar na Segurança Social.
Isto levanta outra questão, a das expectativas. Os sistemas de repartição na Segurança Social como se praticam actualmente, não criam direitos mas geram expectativas, expectativas essas que resultam, por sua vez, de formulações de ordem sociológica e política, isto é, o segurado não tem um crédito em função das quotizações, tem uma expectativa em função de políticas formuladas e seguidas.
Portanto, um debate mais aprofundado sobre esta questão interessa não só ao financiamento ou à questão do financiamento ou dos défices do Estado, mas também aquilo que qualquer governo que esteja no poder possa definir como expectativas para os cidadãos e particularmente para os que beneficiam do sistema social.
Esta questão é tanto mais importante — e gostaria de citar aqui só um elemento para aprofundar esta questão —, uma vez que, num estudo feito há muito pouco tempo e de alguma envergadura na Europa, se chegou à conclusão de que os três factores que influenciam o crescimento das despesas sociais e particularmente das pensões se referem, por um lado, ao envelhecimento demográfico (e já anunciei que este factor é, actualmente em Portugal, extremamente gravoso), à variação das taxas de actividade por idade e à revalorização relativa dos benefícios sociais.
Bem, e se se disser que na Europa o primeiro factor, isto é, o envelhecimento demográfico, a deterio-
ração ou a gravosidade entre inactivos e activos representa apenas 12 % do aumento dos encargos, poderemos ficar com uma ideia das dificuldades acrescidas de financiamento dos sistemas de Segurança Social.
Penso que não valerá a pena desenvolver mais esta questão neste momento, quero apenas dizer que não estou tentado, pura e simplesmente, a preocupar-me com tradições conjunturais que penso terem existido na política da Segurança Social; estou mais preocupado com o equilíbrio estrutural dos sistemas de Segurança Social e penso que será um reflexão destas que crescentemente se terá de fazer.
Sobre esta questão gostaria também de ter a opinião dos Srs. Membros do Governo responsáveis por essa área.
Teria mais algumas perguntas a fazer mas, dado que já falei bastante, reservo-as para outra ocasião.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Gostaria de levantar algumas questões que penso não terem, no seu fundamento, rigorosa ou exclusivamente apenas a ver com a questão do Orçamento suplementar, penso, antes, serem questões de fundo que se colocariam já numa perspectiva não apenas de visão quanto ao Orçamento de 1985 como, porventura, tendo em vista alguns aspectos que consideraria estruturais na área da Segurança Social.
Era com essa preocupação, talvez de relançar alguns temas para diálogo entre nós e debate futuro, que gostaria de colocar algumas questões.
Um delas, penso que a todos nos preocupa, é o problema tão decantado do défice cada vez mais agravado da Segurança Social e do aumento do nível de dívidas a esta.
Temos sido informados de que essas dívidas tendem a crescer e a tomar proporções alarmantes e sabemos que tem havido um esforço por parte da Segurança Social no sentido de, junto das empresas, procurar criar formas de acordo para recuperação de muitas dessas dívidas em mora à Segurança Social.
Simplesmente, tenho ideia de que não haverá, ou se há desconheço, uma regra de coordenação que permita a todos ou a qualquer um dos centros regionais ter o mesmo comportamento perante situações semelhantes, ou seja, gostava de saber se estes acordos com as empresas em mora para com a Segurança Social se fazem casuisticamente, a partir das orientações próprias que cada Direcção do Centro Regional entenda fazer na sua área ou se, pelo contrário, há normas genéricas, a partir da Secretaria de Estado da Segurança Social com vista a definir com rigor, os parâmetros a que esse tipo de acordos deve obedecer.
Embora não disponha de informações minimamente seguras sobre esta situação, também é de admitir que muitos desses acordos, por sua vez, começam a não ser cumpridos, e importa saber qual o comportamento da Segurança Social justamente a partir do momento em que, fazendo um esforço de recuperação de dívidas em mora a partir de uma determinada fasg, se chega de novo à situação de não haver uma resposta positiva por parte daquelas mesmas entidades que se obrigaram a prestá-la em devido tempo.
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Penso que isto se prende um pouco com uma questão levantada pelo Sr. Deputado Bagão Félix e que é o problema do agravamento dos juros de mora e, também por aí, de uma curva exponencial cada vez mais significativa nessa parte.
Digamos que quanto a este aspecto gostaria de saber se há, de facto, orientações genéricas para o controle da dívida à Segurança Social ou se se tem dependido, até ao momento, das orientações próprias ao nível de cada um dos centros regionais.
Prende-se isto, também, com o seguinte aspecto: a Segurança Social tem os seus descontos em função dos mapas de vencimentos, isto é, por um lado há os descontos próprios dos trabalhadores e, por outro, os descontos da entidade patronal e a Segurança Social creio que recebe regularmente os mapas das empresas com a concretização dos níveis salariais pagos ao nível de cada empresa.
Ora, eu gostaria de saber se a Segurança Social tem alguma forma de controlar, e se tem qual é, estes mapas de pagamentos. Concretamente, pergunto se há formas de detectar com rigor se isso se faz por amostragem, se se faz por fiscalização directa em cada um dos mapas ao nível de cada empresa relativamente aos salários reais e aos salários declarados, isto é, se há efectivamente possibilidade de controlar se os salários declarados nos mapas correspondem, em rigor, aos salários efectivamente pagos.
Isto relaciona-se com uma questão que foi há tempos aflorada e que é a seguinte: em Portugal existe o salário mínimo nacional e foi sugerido — vi isso — que haveria mapas, com alguma expressão numérica, que eram entregues na Segurança Social com montantes salariais inferiores ao salário mínimo nacional.
Se isto assim é, a questão que, porventura, estará por trás disto será a de saber se realmente se pagam, no País, salários abaixo do salário mínimo nacional, o que seria uma violação clara e directa duma norma que deveria aplicar-se em toda a estrutura produtiva, ou se, pelo contrário, é uma falsa declaração a consignada nesses mapas de declaração à Segurança Social e, a ser assim, se existem formas de corrigir essas hipóteses de falsas declarações.
Outra questão é o problema da integração dos regimes especiais. Também gostaria de saber se e com que previsão de íimmings é que a Segurança Social prevê a integração no regime geral dos regimes especiais existentes e se, também por aí, a circunstância de, em vários regimes especiais, como por exemplo o caso dos rurais, os descontos para a Segurança Social serem significativamente inferiores aos descontos feitos noutros sectores, mas, entretanto, ser proporcionalmente mais significativo o conjunto das pensões recebidas por esses regimes especiais relativamente aos descontos que fazem, não é uma gravíssima distorção entre o desconto originário e o montante final recebido nas pensões por esses regimes especiais. Não haveria também aí que avalizar da necessidade de reformar profundamente esses sectores de modo a evitar essas distorções?
Uma outra questão sobre a qual julgo que valeria a pena reflectir — e deixava-a aqui apenas enunciada, não sei se esse estudo estará feito no âmbito da Segurança Social —, é a de se poder determinar o montante global pago por cada cidadão dentro de determinadas tabelas ou índices de descontos e, digamos, a pensão que, na fase final, esse cidadão tem o di-
reito de vir a receber, ou seja, saber qual o número de cidadãos no País que descontam e, em termos de solidariedade social, que descontam para outros cidadãos se poderem compensar disso.
A minha ideia é a de podermos avalizar, em termos de radiografia, se haverá ou não aqui graves distorções relativamente ao montante de descontos pagos pelo conjunto dos trabalhadores portugueses e o montante das pensões de reforma recebidas pelos portugueses e saber quem desconta mais que quem e quem recebe mais que quem, neste processo.
Imagino que esta pergunta ou esta questão não terá uma resposta evidente e fácil, exigirá um estudo profundo e gostaria de saber se a Segurança Social tem algum trabalho prospectivo à volta deste tema.
Há ainda duas coisas que gostaria de perguntar, sendo uma delas acerca do programa de informatização dos centros regionais. Sabe-se que vários centros têm serviços informatizados e que isso consistiu num avanço significativo e positivo no trabalho da Segurança Social, mas outros centros regionais há em que a informatização continua por poder fazer-se.
Naturalmente que isto tem a ver com as questões de investimento na área da Segurança Social e gostaria de saber se há perspectivas positivas de informatizar os centros regionais em que isso ainda não foi possível.
Finalmente gostaria de colocar uma questão que não é exclusiva ou não é, sequer, própria da Segurança Social ao nível do departamento, mas que é uma questão global da Segurança Social.
Assistimos, no nosso país a este problema que, em boa parte, já vinha de trás, de antes do 25 de Abril mas que depois deste tenho a impressão que tendeu para se manifestar mais explicitamente na desigualdade, sobretudo quando se tornou possível, ao nível das empresas públicas, fazer acordos colectivos por cada empresa.
Estas negociações e estes contratos colectivos por cada empresa permitiram criar, e nalguns casos reconstituir ou constituir de novo, sistemas complementares de Segurança Social, quer de segurança social quer de saúde, e diversas prestações complementares de níveis vários, o que dá determinada consequência, independentemente de podermos discutir isto do ponto de vista das desigualdades de tratamento relativamente aos cidadãos portugueses.
Por exemplo, um trabalhador com a mesma categoria profissional, com os mesmos anos de serviço numa empresa pública poderá ter uma reforma que, no seu montante final, será totalmente diferente da de um trabalhador de uma empresa privada, devido aos sistemas complementares de reforma criados ao nível das empresas públicas. Gostaria de saber se será possível, e se na área do Ministério do Trabalho e da Segurança Social já terá surgido a preocupação de procurar fazer o levantamento destas situações, embora não estritas ao departamento da Segurança Social, para podermos compreender todos, o País em geral, quanto se gasta nestes sistemas complementares de Segurança Social e se haveria, no fundo, outras formas de poder canalizar estes dinheiros. Designadamente, pergunto: será justo que, de um ponto de vista de tratamento equitativo dos trabalhadores portugueses, haja tratamentos tão desiguais para portugueses que trabalham o mesmo e que depois têm compensa-
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ções bastante diferentes, em função da estrutura produtiva em que foram colocados?
Algumas destas questões são genéricas e peço desculpa por isso, mas também não esperarei que sobre elas haja necessariamente respostas concludentes. Creio que, quanto a muitas estamos, agora, pela primeira vez, a preocupar-mo-nos com elas, mas em todo o caso gostaria de ouvir, se possível, o vosso ponto de vista sobre isto.
O Sr. Presidente: — Há dois Srs. Deputados inscritos: O Sr. Deputado Domingues Azevedo e a Sr." Deputada Zita Seabra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: A discussão na Comissão de Economia não deverá ser necessariamente a discussão da generalidade do Plenário, daí o facto de ir fazer algumas perguntas ao Sr. Ministro que se situam no âmbito dos números.
Pela leitura do Orçamento Suplementar da Segurança Social em confronto com o Orçamento do Estado, constata-se que, grosso modo, há uma diminuição de receitas de 20 761 000 contos, cuja maior incidência também aparece nas contribuições de 13 900 000 contos, no Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, de 2 280 000 contos, nos rendimentos de outras receitas, de 3 815 000 contos.
Em contrapartida, constata-se que a diminuição das despesas incidiram, fundamentalmente, sobre a área da juventude, sobre o abono de família, sobre a aleitação, sobre o subsídio de desemprego, sobre as pensões de sobrevivência e sobre os subsídios de doença e de maternidade.
É conhecido o esforço que alguns centros de segurança social têm feito no sentido da recuperação de dívidas em atraso à Segurança Social. Daí o facto de eu fazer esta primeira pergunta ao Ministro do Trabalho e Segurança Social: o que é que o Ministério do Trabalho fez no sentido de controlar — possivelmente isto não se verificou momentaneamente, é uma situação que se vem degradando — esta diminuição de 13 milhões de contos nas receitas previstas?
Relativamente a «outras receitas», houve uma diminuição de 3 815 000 contos. Gostaria de saber se seria possível o Sr. Ministro especificar onde é que fundamentalmente incide esta diminuição.
Mais de âmbito genérico, irei formular outras perguntas. A imagem que os serviços de segurança social, particularmente os centros regionais de Segurança Social, têm junto dos beneficiários é uma imagem extremamente negativa em termos de organização, de assistência... Sabe-se de casos concretos de beneficiários inscritos há mais de dois anos sem ainda terem número de beneficiário atribuído. Sabe-se de documentos entregues, quer de pensões, quer de abono, quer de subsídios de maternidade e de aleitação, há mais de dois anos, que ainda não foram deferidos. Que acção, a nível nacional, o Ministério do Trabalho pensa fazer no sentido de melhorar esta imagem dos centros regionais de segurança?
Um outro aspecto, que já foi aqui focado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão mas que não deixa de ser pertinente e, por isso, gostaria de o trazer novamente à colação, tem a ver com a declaração de salários.
O Ministério do Trabalho tem dados que consistem nos mapas anuais que as entidades patronais são obrigadas a entregar ao Ministério do Trabalho. Portanto, o Ministério tem um controle efectivo dos trabalhadores e do cumprimento ou não da legislação em vigor. No entanto, há um subterfúgio a isso, e que as entidades patronais praticam, que é o de, em vez de declararem os ordenados mensais dos trabalhadores, acabarem por declarar os ordenados diários ou horários. O que é que o Ministério do Trabalho pensa accionar no sentido de constatar esta realidade? Não sei se me fiz entender muito bem? É muito simples: se o trabalhador trabalha os 30 dias, ou seja, o mês inteiro, a entidade patronal declara 10 ou 20 dias, declara, portanto, o salário diário. Em termos da lei, está a pagar o salário que a lei estipula; no entanto, em termos de efectivos descontos para a Segurança Social, há uma fuga, há um subterfúgio.
Gostaria, também de levantar uma questão sobre a coordenação dos diversos serviços do Ministério do Trabalho. Uma entidade patronal é passível, em termos de fiscalização, de acções coerentes com o Ministério do Trabalho, ou seja, com o Fundo de Desemprego, com a Segurança Social — que poucas vezes efectua fiscalização, mas também é passível pelas fiscalizações existentes nos centros regionais de segurança — com a Inspecção de Trabalho. Qual é a realidade neste caso? Num dia aparece uma fiscalização do Fundo de Desemprego; no dia seguinte, aparece uma fiscalização para fiscalizar folhas de salários da Segurança Social e no outro dia, se for preciso, aparece uma fiscalização da Inspecção de Trabalho. O Ministério do Trabalho é sensível à coordenação possível destas três fiscalizações, que, em princípio, parecem distintas? O Fundo de Desemprego, quando vai fazer uma fiscalização, limita-se a ver os mapas e mais nada. Por que é que não se fazem fiscalizações conjuntas? Isto é, por que razão é que o Fundo de Desemprego, ao fazer a fiscalização, não faz a fiscalização da segurança social da legislação do trabalho em termos do cumprimento e dá inscrição das pessoas no regime de Segurança Social?
Um outro aspecto que gostaria de perguntar é o seguinte: o Decreto-Lei n.° 8/82 veio regulamentar o regime dos independentes. Sabemos que o número que seria abrangido pelo regime dos independentes é significativo. Se fosse possível, gostaria que o Sr. Ministro do Trabalho me cedesse elementos sobre qual é o rendimento efectivo, produzido em 1984, do regime dos independentes.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.a Deputada Zita Seabra para pedir esclarecimentos.
A Sr.8 Zita Seabra (PCP): — Sr. Ministro do Trabalho, gostaria de lhe colocar algumas questões muito concretas, no seguimento do que já foi dito por nós em Plenário.
Estamos a ver, com a maior apreensão, a situação da Segurança Social em termos económicos e financeiros e temos muitas sérias apreensões pelo panorama que se coloca. Pensamos que o Sr. Ministro não deu à Assembleia e, consequentemente, ao País a noção da gravidade desta situação que não vemos só de momento — de momento o Orçamento do Estado vai entrar com 16 milhões de contos para a Segurança Social para «tapar um buraco», já que estão tão em
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moda os «buracos» —, mas em termos de futuro. O que é que vai suceder para o ano que vem? Este ano entram 30 500 000 contos do Orçamento do Estado; para o ano, quantos milhões vão entrar, se não se põe um travão a esta situação? Creio que vale a pena discutir isto e vale a pena que as Comissões de Economia, Finanças e Plano e a de Segurança Social fiquem com pleno conhecimento dos números, sem subterfúgios.
Nesse sentido, gostaria de lhe colocar algumas perguntas que se relacionam fundamentalmente com a questão das receitas. Creio que é visível, quando se folheia o orçamento da Segurança Social, que o grande problema que se verifica é uma quebra de receitas, quebra essa muito acentuada. Lembro-lhe, Sr. Ministro, que — e estou a citar de cor — no ano passado do Orçamento do Estado para o orçamento da Segurança Social entrou qualquer coisa na ordem dos 2 milhões de contos, enquanto que este ano entraram 30 milhões de contos. Há, pois, uma subida imensa. Se compararmos com uns anos atrás, ficamos ainda mais com a dimensão desta situação.
Gostaria, pois, que o Sr. Ministro esclarecesse, de uma maneira clara, a que é que se deve essa baixa tão nítida e tão clara da receita da Segurança Social na medida em que, uns meses depois de o orçamento entrar em vigor, há uma quebra tão grande em relação às previsões. Os números de que dispomos e que constam do orçamento da Segurança Social dizem que o ano passado se recebeu de contribuições 216,5 milhões de contos; para este ano, previram receber 204 milhões de contos e agora, na revisão orçamental, apenas 191 milhões de contos, isto é, menos 25,5 milhões de contos do que em 1983.
A partir destes números, poderíamos fazer várias contas. Isto é, se este ano, tendo em conta as receitas do ano passado, se verificasse um aumento da massa salarial de cerca de 20 % — valor que estava inicialmente previsto — teríamos de ter não uma receita por parte do orçamento da Segurança Social de 191 milhões de contos, mas de 259 milhões de contos. Ou seja, se a massa salarial aumentasse 20 % a receita deveria ser não os 191 milhões de contos que estão previstos, mas de 259 milhões de contos. Mas mesmo partindo de umas contas mais pessimistas, isto é, partindo do princípio de que a massa salarial apenas subiria 17 % e partindo do princípio de que, por exemplo, o desemprego apenas aumentaria dois pontos, deveríamos ter uma receita de 253 milhões de contos, e nós temos apenas 191 milhões de contos.
Creio que é absolutamente necessário explicar isto porque, para o Orçamento de 85, não é compatível manter-se esta situação com a tendência que está aqui clara e inequivocamente desenhada, sob pena de ou haver uma ruptura na Segurança Social, ou não haver dinheiro para pagar aos reformados, mesmo já não falando em termos de despesas, mas exclusivamente nas receitas que não entram para o orçamento da Segurança Social.
A questão que me parece extremamente importante ser aqui clarificada é esta: a que é que se deve esta baixa na receita da Segurança Social? De quanto é a dívida? Em quanto é que está o aumento da massa salarial? Isto é, precisamos saber quanto é que os salários estão a subir para podermos ter uma ideia exacta de quais são as causas para o Governo vir aqui apontar para o orçamento da Segurança Social ape-
nas 191 milhões de contos de receitas. Creio que esta é uma questão relativamente à qual a Assembleia não pode ficar indiferente, sob pena de, no próximo ano, não se saber muito bem o que é que vai acontecer. De momento, creio que esta é a questão-chave. Depois colocarei outras questões.
Gostaria, pois, que, com muita clareza, o Sr. Ministro nos explicasse a que é que se deve esta baixa tão grande e tão clara das receitas da Segurança Social, tanto mais que, pelos dados oficiais, a massa salarial estará a subir na ordem dos 17 % e, portanto, não há razão nenhuma para haver uma descida tão grande: é que em vez dos 253 milhões de contos, que seria o número previsível, estamos na ordem dos 191 milhões de contos, como consta do orçamento apresentado à Assembleia.
O Sr. Presidente: — Há mais oradores inscritos. No entanto, sugeria que fizéssemos uma interrupção para o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social ou a Sr.8 Secretária de Estado dos Assuntos Sociais poderem responder a algumas das perguntas já feitas.
Se todos os Srs. Deputados estiverem de acordo, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social
(Amândio de Azevedo): — Sr. Presidente, creio que será bom método que eu próprio dê alguns esclarecimentos de ordem geral, uma vez que me compete definir, juntamente com a Sr.4 Secretária de Estado da Segurança Social, toda a política da Secretaria de Estado da Segurança Social. Foi feita uma série de perguntas mais de pormenor que, penso, com mais utilidade, serão respondidas pela Sr." Secretária da Segurança Social.
Uma questão fundamental é a de saber como é que se está a comportar o sistema da Segurança Social e quais são os dados fundamentais da sua evolução. Foram ditas coisas que não têm correspondência com a realidade. No essencial, o que se passa é o seguinte: em primeiro lugar, quanto à evolução das receitas, não é exacto que as receitas tenham sofrido uma quebra; o que é exacto é que não cresceram tanto quanto se tinha previsto. Até agora, cresceram 16,2 %.
Portanto, como já disse, não houve quebra, mas um aumento. Tinha-se previsto um acréscimo da ordem dos 20 % e, por isso, se calcularam os 204 milhões de contos de receitas para 1984. Já foi explicado que, mesmo assim, com um cálculo de receitas de 204 milhões de contos, em 1984, seria necessário, tendo em conta um erro que se cometeu na avaliação das receitas de 1983, que o acréscimo das receitas não fosse de'20 97o, mas, sim, de cerca de 23 %.
Esta é já uma certa explicação para o facto de as receitas ficarem um pouco abaixo, em 1984, segundo se prevê, dos 204 milhões de contos previstos. Por que é que isto aconteceu? Tenho a impressão de que não é possível dizer em concreto quais são as causas, pois elas são múltiplas. Em relação a algumas delas, o Governo tem, naturalmente, possibilidades de actuar até no imediato, mas em relação a outras torna-se um pouco mais difícil.
O que gostaria de dizer é que, da parte do Governo e concretamente do Ministério do Trabalho e Segurança Social, tem havido uma orientação muito clara e muito nítida de defesa das receitas da Segurança
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Social, contrariando frontalmente a ideia de que se trata de dívidas que têm de ficar para último lugar. Pelo contrário, a nossa política tem sido a de que as dívidas à Segurança Social devem estar sempre em primeiro lugar não só pela natureza das necessidades que se destinam satisfazer, mas até pela natureza das próprias dívidas.
A Banca, por exemplo, tem créditos sobre as empresas, mas escolhe os seus credores, tem um acto de vontade que está na origem desse crédito. A Segurança Social, por sua vez, não tem qualquer intervenção nas dividas que existem da parte das empresas. São dívidas que resultam da lei, nós não escolhemos os nossos devedores. Sobretudo, há um aspecto fundamental: é que a Segurança Social paga sempre e recebe eventualmente. Não é pelo facto de não serem pagas as quotizações à Segurança Social que deixamos de cumprir os nossos deveres e pagar as prestações sociais. Tudo isto aponta no sentido de que é absolutamente indispensável defender com todo o rigor as receitas da Segurança Social e não aceitar quaisquer esquemas que levem a deixar para último lugar, depois de outros credores, as dívidas da Segurança Social.
Isso tem sido patente não só nos discursos políticos, quer do Ministro do Trabalho quer da Sr.a Secretária de Estado da Segurança Social, tem sido patente nos casos concretos de viabilização de empresas, em que se tem recusado determinantemente soluções que signifiquem tratamento menos favorável das dívidas à Segurança Social relativamente àquele que é dado, por exemplo, às dívidas à Banca — e têm havido propostas nesse sentido.
Por outro lado, tomou-se uma medida que era considerada como pondo cobro a um eventual interesse das empresas em deixarem o pagamento das dívidas à Segurança Social para último lugar porque a penalização que resultava do retardamento do seu pagamento poderia determinar lucros, na medida em que, de qualquer modo, os encargos seriam sempre inferiores àquelas que as empresas teriam de pagar por exemplo à Banca, se eventualmente recorressem a qualquer empréstimo.
Neste momento, o facto de não pagar pontualmente as quotizações à Segurança Social determina para as empresas encargos que pretendemos que pelo menos não sejam inferiores àqueles que as empresas têm quando resultantes de dívidas ao sistema de crédito.
Esta foi a razão da medida adoptada a que aqui já se fez referência.
No que respeita à relação entre a Segurança Social e as empresas, já tive oportunidade de fazer uma referência, embora ligeira, a este problema no debate na generalidade.
Temos de actuar com muito equilíbrio e bom senso nesta matéria. A Segurança Social não tem vantagem em arruinar empresas que têm viabilidade e por isso muitas vezes tem aceitado renunciar a alguns dos seus direitos — exactamente para que a empresa possa ser viabilizada — com a consciência de que assim acaba até por ter vantagens no futuro, na medida em que se mantêm postos de trabalho, se mantêm quotizações, e de outra maneira, relativamente a esses trabalhadores, surgiriam apenas dívidas e prestações sociais.
Temos procurado ser rigorosos para com as empresas que sem justificação absolutamente clara deixam
de pagar as quotizações à Segurança Social, tendo acções executivas em curso, cuja suspensão não é facilmente aceite, o que também é muitas vezes pedido à própria Segurança Social.
Todavia, não deixámos de dar a nossa colaboração em processos de viabilização de empresas quando efectivamente a cobrança rigorosa dos créditos da Segurança Social inviabilizava completamente esses processos. Casos concretos como o da Messa e como o da Torralta — cujo processo está em curso — demonstram que, com uma exigência rigorosa da satisfação das dívidas à Segurança Social, não é possível manter a ideia de viabilizar a própria empresa e, portanto, nestes casos temos que actuar sempre com equilíbrio, com bom senso, tendo em conta que as receitas da Segurança Social são efectivamente qualquer coisa que deve ter uma prioridade absoluta sobre quaisquer outros valores, mas também não levando a coisa longe demais, de tal modo que a cobrança das dívidas da Segurança Social pudesse determinar, quando uma empresa ainda é susceptível de ser salva, a própria falência ou o afundamento dessa empresa.
Naturalmente que a Sr.3 Secretária de Estado da Segurança Social e eu próprio temos conversado acerca da maior parte, se não mesmo da totalidade, dos problemas que foram aqui postos e que ultrapassam — creio que se deve reconhecer — o simples quadro da discussão de um Orçamento Suplementar para, no fundo, se situarem na própria avaliação profunda de todo o sistema.
Todavia, há uma coisa que importa já acentuar: aquilo que se diz por todo o mundo acerca dos sistemas de Segurança Social diz-se com menos razão no nosso país porque neste momento não se pode falar de desequilíbrios ou sequer de ruptura do sistema da Segurança Social.
Neste momento o nosso sistema tem uma base contributiva e uma base não contributiva. A Assembleia da República aprovou uma Lei Quadro do Sistema da Segurança Social que tem como regra que a parte co regime de Segurança Social que assenta em prestações que não têm atrás de si contribuições deve ser suportada pelo Orçamento do Estado, como aliás é lógico. Não está certo que sejam os trabalhadores e as empresas onde eles trabalham a suportar sozinhos a solidariedade que é devida para com cidadãos portugueses a quem a Segurança Social tem de assegurar um mínimo de subsistência, está muito mais certo que sejam todos os cidadãos a fazê-lo e não apenas os trabalhadores.
Ora, neste preciso ano de 1984, o que acontece é que de cerca de 60 milhões de contos, que é o montante atingido pelas despesas que não têm base contributiva, somente cerca de 30 milhões de contos é que são cobertos pelo Orçamento do Estado. Portanto, as alternativas são as seguintes: ou se encontram receitas para aliviar o Orçamento do Estado ou, enquanto não se encontrarem essas receitas, é perfeitamente correcto — e eu diria mesmo que é muito mais correcto — que seja o Estado a suportar essas despesas em vez dos outros trabalhadores, porque isso impede nomeadamente que possam dar-se benefícios mais adequados àqueles que descontam para a Segurança Social. No fundo, a solidariedade tem que ser nacional e não apenas de um sector da população.
Neste campo posso adiantar que temos já preparado um projecto de revisão do sistema especial dos ru-
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rais — que representa efectivamente uma divergência profunda entre as prestações pagas e as contribuições arrecadadas —, não só para melhoria da própria situação da Segurança Social dos rurais mas até para uma maior justiça, na medida em que os cidadãos activos devem ter prestações sociais relacionadas com os descontos que eles próprios fazem, pois não está certo que haja trabalhadores que são obrigados a fazer descontos e outros que os não fazem, tendo todos, no fundo, prestações sociais de certo modo equivalentes.
De acordo com o que consta do Programa do Governo, pensamos em fazer mudanças a curto prazo e elas só não serão feitas mais céleremente porque também não estamos num período favorável para um agravamento real das contribuições dos cidadãos. Mas, de qualquer maneira, este é um problema sobre o qual o Governo se debruçou, tendo já preparado um projecto de decreto-lei para alterar efectivamente esta situação; e isto com uma dupla orientação: equiparação das regalias dos rurais às dos outros trabalhadores e cidadãos portugueses e aproximação entre as contribuições efectivamente pagas pelos rurais e as contribuições pagas pelos outros trabalhadores.
Creio que em geral não necessitarei de me alongar mais sobre as questões que foram levantadas, uma vez que muitas delas se prendem com aspectos particulares e concretos da gestão da Segurança Social que, naturalmente, são muito melhor conhecidos pela Sr.8 Secretária de Estado da Segurança Social e, se necessário, serão mesmo esclarecidas por técnicos que estão presentes nesta Sala e que podem dar esclarecimentos mais pormenorizados, se isso for considerado conveniente.
Sendo assim, peço ao Sr. Presidente o favor de permitir que a Sr.a Secretária de Estado da Segurança Social dê respostas complementares às questões que abordei.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Secretária de Estado.
A Sr.a Secretária de Estado da Segurança Social
(Leonor Beleza): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão da viabilidade da Segurança Social foi aqui posta mais do ponto de vista estrutural do que do pomo de vista conjuntural.
De facto, o problema não se põe hoje em termos de saber como é que vamos viver até ao fim do ano, no próximo ano ou mesmo daqui a 2 anos, mas sim em termos de como é que o sistema de Segurança Social é viável a médio prazo e essa questão tem de começar a preocupar-nos imediatamente, sob risco de o futuro ser de facto comprometido.
Toda a gente sabe que numa situação de dificuldades económicas grandes a Segurança Social experimenta também, necessariamente, dificuldades muito grandes. Isto não é uma experiência concreta do nosso país, é uma experiência generalizada; pois, em situação de crise económica, a Segurança Social, que vive de descontos sobre salários, por um lado vê as suas receitas relativamente comprometidas, e por outro vê as suas despesas muito mais solicitadas, na medida em que as dificuldades que a população em geral experimenta se traduzem em maiores pressões sobre as despesas da Segurança Social.
Por outro lado, há muitos outros factores que têm vindo a influenciar os sistemas de segurança social,
no sentido de uma maior solicitação à despesa, nomeadamente aqueles que o Sr. Deputado Bagão Félix referiu, e outros, como sejam os factores de carácter demográfico que registam modificações substanciais e que se traduzem também numa maior solicitação à despesa, designadamente à despesa mais prolongada, que é um facto extremamente simples e fácil de compreender, pois o próprio aumento da esperança de vida faz com que as pensões se paguem por um período superior àquele que anteriormente era usual.
Esses elementos têm feito com que tenham de ser revistos os sistemas em muitos países e nalguns deles essa revisão tem conduzido, nomeadamente, a modificações ou a agravamentos no que respeita às contribuições para a Segurança Social.
Porém, do nosso ponto de vista, está totalmente excluído um agravamento das contribuições para a Segurança Social no regime geral e suponho que este é um ponto em relação ao qual haverá algum consenso. Num sistema como aquele em que estamos a viver não é possível agravar mais o custo do trabalho, pois, ao fim e ao cabo, era nisso que se traduziria: num aumento das contribuições.
Sendo assim, é preciso repensar muito daquilo com que a Segurança Social tem vivido. Há um ponto em que é extremamente importante fazê-lo e que o Sr. Ministro já referiu, que é a questão do financiamento pelo Orçamento do Estado.
Nos termos estabelecidos pela Lei da Segurança Social, o Orçamento do Estado deve financiar as despesas não contributivas, mas, também nos termos estabelecidos nessa lei, ele financiará essas despesas na medida das possibilidades do próprio Orçamento do Estado, e não era possível exigir que em 1984 ele suportasse 63 milhões de contos, que é aquilo a que efectivamente correspondem as despesas de carácter não contributivo do Orçamento da Segurança Social em 1984. Aliás, mesmo com a transferência agora prevista do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social ficámos longe de atingir uma expressão desse tipo.
Mas, por outro lado, o problema põe-se em grande parte no que respeita à viabilização do sistema e isso tem a ver com a reformulação de muitas das regras que hoje regulam o sistema de Segurança Social.
É natural que na sequência da Lei da Segurança Social, que entrou em vigor em Setembro, como os Srs. Deputados sabem, se vá produzir agora — e é nisso que estamos a trabalhar — uma profunda remodelação do sistema de Segurança Social.
Como sabem, existem hoje 14 regimes diferentes de Segurança Social e nos termos da Lei de Segurança Social esses regimes devem ser apenas dois. Penso que isto pode dar uma pequena noção da racionalização e da melhoria do sistema que necessariamente terá de ser introduzida a partir de agora.
Estamos a começar a trabalhar nessa regulamentação e julgo que é no âmbito da regulamentação da lei que melhorias sensíveis, do ponto de vista da racionalização do sistema, poderão modificar um pouco as coisas, do ponto de vista das despesas.
É evidente que é importante poupar onde se pode, mas é bom que não nos esqueçamos que 70% do valor gasto em prestações pela Segurança Social é gasto em pensões.
No nosso país a percentagem gasta em pensões é substancialmente superior àquela que é gasta em mui-
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tos outros países e, por isso, é bom que tenhamos consciência que é provavelmente neste domínio que é preciso trabalhar com mais cuidado para a reformulação do sistema, na medida em que, embora seja importante que pensemos como é que se pode poupar noutros domínios, é sobretudo no domínio das pensões que o que quer que seja tem mais significado.
É claro que não está em causa diminuir o nível das prestações. Não faria qualquer sentido que, num país como o nosso e dado o nível das prestações que temos, se diminuíssem as prestações que são pagas! Agora, aquilo em que acredito profundamente é que a racionalização do sistema, nomeadamente através da diminuição do número de regimes e do número perfeitamente exagerado de prestações diferentes que hoje são pagas, terá melhorias sensíveis do ponto de vista da possibilidade de administração e do ponto de vista de um maior equilíbrio, de uma maior justiça, nas despesas da Segurança Social.
Ainda em relação a questão do financiamento pelo Estado de determinadas despesas da Segurança Social, como sabem, os benefícios pagos pela Segurança Social vieram a ser criados a partir de um certo momento mediante uma sobrecarga das contribuições dos contribuintes do regime geral. Isto é, muitos dos benefícios que vieram a ser criados foram-no sem contrapartida do ponto de vista das receitas e, pura. e simplesmente, mediante um agravamento das receitas que já existem, ou seja, as dos contribuintes do regime geral.
É isso que causa hoje uma enorme distorção nas despesas da Segurança Social e faz com que, de facto, os contribuintes do regime geral suportem muito mais do que aquilo que eles próprios recebem — isto para responder à pergunta que o Sr. Deputado Jorge Lacào fez há momentos. Não lhe posso dizer exactamente quanto é que cada um suporta, ao fim e ao cabo, não em benefícios próprios mas em benefícios para outros, mas, por exemplo, a conta da Segurança Social de 1983 traduz, com toda a clareza, o esforço que tem vindo a ser exigido aos contribuintes do regime geral, quer para financiar os regimes especiais reduzidamente contributivos, ou até não contributivos quer para financiar, pura e simplesmente, a acção social que não tem qualquer base contributiva.
Portanto, há, de facto, um esforço muito grande que tem vindo a ser feito pelos contribuintes do regime geral que conduziu à descapitalização completa e a que, hoje, a Segurança Social seja um sistema de pura repartição.
É evidente que quando se fala em reformulação do sistema no sentido da racionalização, não está apenas em causa aquilo que já referi, ou seja, uma reformulação, nomeadamente do ponto de vista do mínimo de prestações — que, em meu entender, é excessivamente complicado e causa imensos desperdícios e dificuldades na gestão da Segurança Social — mas, também, obviamente, qual é o papel do Estado em relação à Segurança Social e o que é que esta deve proteger (nos termos da Constituição e da Lei da Segurança Social o sistema está a cargo do Estado, sendo administrado por aquele), quais são os benefícios que o Estado deve prestar e a partir de que momento é que este deve deixar que outras entidades se ocupem de outras prestações. Isso tem a ver, nomeadamente, com os esquemas complementares de Segurança Social, que, aliás, o Sr. Deputado referiu no
âmbito das empresas públicas e não em geral. Mais adiante esclarecerei este ponto.
Quanto à questão do crescimento das receitas provenientes do Imposto Profissional e do crescimento das receitas provenientes de contribuições para a Segurança Social, não gostaria de me aventurar muito neste campo — aliás, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, se for preciso, dará esclarecimentos mais pormenorizados sobre esse domínio —, no entanto, gostaria de dizer o seguinte: como todos sabem, o Imposto Profissional é progressivo; há o que se chama imposto de inflação e, naturalmente, isso não existe para as contribuições da Segurança Social que não são progressivas mas são sim sempre na mesma percentagem, seja qual for o valor do salário em causa.
No que respeita à questão dos juros compostos e, portanto, ao agravamento da situação dos devedores e ao que foi determinado por portaria que entrou em vigor em 1 de Fevereiro, penso que esse ponto específico necessita de duas ordens de explicações: por um lado, a modificação na forma de contabilizar os juros teve como objectivo evitar que às entidades patronais fosse mais fácil recorrer ao não pagamento à Segurança Social do que ao financiamento normal através do sistema bancário. Estava, de facto, a chegar-se a uma situação em que, em certas circunstâncias, podia resultar mais barato não pagar à Segurança Social, dado o sistema de juros em vigor, do que, pura e simplesmente, recorrer ao crédito normal.
Pareceu-nos, assim, ser absolutamente necessário repor a situação normal e justa, porque, efectivamente, é imoral que haja autofinanciamento através do recurso ao não pagamento à Segurança Social. Neste sentido o agravamento da situação dos devedores, neste ponto, teve por objectivo evitar que isso acontecesse.
Mas houve, também, um outro objectivo, veiculado por essa portaria, que foi o de chamar os devedores a fazer acordos com a Segurança Social e, por isso mesmo, estabeleceu-se que os acordos a fazer durante um determinado período significariam, para os contribuintes, o pagamento de juros no sistema anterior, isto é, o pagamento de juros simples e não de acordo com o sistema novo. Este ponto era, para nós, particularmente importante, porque mais grave do que dever é dever sem conversar connosco, sem estabelecer acordos, sem saber em que termos é que essa dívida poderá vir a ser paga.
De facto, deste ponto de vista, a medida surtiu efeitos. Houve um número muito importante de acordos que têm vindo a ser negociados, o que, em meu entender, é um factor extremamente positivo.
No que respeita a números que foram avançados, há aqui alguns pontos que gostaria de esclarecer, porque não são rigorosamente exactos.
Assim, a transferência do Estado para a Segurança Social foi, no ano passado, de 11 milhões e tal de contos — portanto, não foi de 2 milhões de contos —, o que coloca em termos diferentes a evolução entre 1983 e 1984. Em qualquer caso, e mesmo perante o valor da transferência deste ano, como já há momentos referi, ela é inferior a metade das despesas de carácter não contributivo do orçamento da Segurança Social.
No que respeita ainda à entrada de contribuições, de facto, os números que a Sr.a Deputada Zita Seabra indicou não são exactos. Aquilo que entrou em
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1983 de contribuições foram 166 milhões de contos — e não o número que indicou —, o que, portanto, é inferior àquilo que estava previsto no orçamento revisto de 1983 e que era 170 milhões de contos. Aquilo que estava previsto no orçamento de 1984 como contribuições para a Segurança Social era 204 milhões de contos, o que significava um acréscimo de 20% sobre o que estava no orçamento revisto de 1983. Portanto, para falar em termos exactos, como o Sr. Ministro referiu há momentos, não é verdade que tenha havido qualquer quebra. O crescimento das entradas é que foi inferior ao previsto.
Aliás, se compararmos os números nesta realidade que agora apontei, isto é, os 204 milhões de contos que constituíam a previsão para 1984 e que correspondiam a mais 20% sobre aquilo que se previa no orçamento revisto da Segurança Social para 1983 e o que, neste momento, se prevê que venha a corresponder ao montante das contribuições, isto é, os 191 milhões de contos, verificamos que em vez dos 20% que tínhamos previsto passamos para 16%, considerando o que de facto entrou em 1983 e aquilo que neste momento prevemos que entre em 1984. Este valor aproxima-se sensivelmente do número que apresentou como crescimento da massa salarial.
Portanto, aqueles números que indicou não correspondem à realidade. Não houve quebra nas receitas mas sim uma entrada de receitas num nível sensivelmente inferior ao previsto.
No que respeita aos acordos de pagamento entre as empresas e a Segurança Social e à pergunta se eles se fazem casuisticamente ou nos termos em que cada centro regional entende que os deve fazer ou não, devo dizer que esses acordos são negociados com os centros regionais quando a dívida é abaixo de um determinado montante — que neste momento é de 30 mil contos — e são negociados com o Instituto de Gestão Fianceira da Segurança Social quando a dívida é acima disso.
Há uma orientação para os acordos que, em primeiro lugar, resultam da lei que define em que termos e com que prazos é que esses acordos podem ser feitos e, por outro lado, resultam de instruções frequentes fornecidas aos centros regionais.
Este é um dos pontos em que a Secretaria de Estado tem particular cuidado no sentido de que não haja actuações diversas nos vários centros regionais. Eu próprio tenho, com muita frequência, reuniões com os centros regionais e sobre esse ponto eles têm instruções sobre como é que devem proceder. Portanto, eles não actuam casuisticamente, embora, naturalmente, uma vez que há 18 centros regionais, não possa garantir que cada um deles proceda exactamente da mesma maneira. No entanto, têm, de facto, instruções no sentido de que, dentro de balizas fundamentais, a maneira de negociar os acordos seja basicamente semelhante.
Um ponto que o Sr. Deputado referiu e que tem particular importância diz respeito à verdade das declarações que são apresentadas pelas entidades patronais à Segurança Social no que se refere aos trabalhadores ao seu serviço e às remunerações que auferem.
De facto, não basta verificarmos a diferença entre essas declarações e aquilo que é pago porque há, decerto, para além daquilo que é declarado, uma diferença que, ao fim e ao cabo, se traduz em dívidas
não pagas à Segurança Social e, porventura, não contabilizadas e ainda — o que também é grave — em direitos que esses trabalhadores não virão a adquirir na medida em que a sua situação não está regularizada.
Posso dizer-lhe, em relação a esse aspecto, que os serviços de fiscalização dos centros regionais, que começaram a funcionar apenas há alguns meses, estão, neste momento, a trabalhar em conjunto com a Inspecção do Trabalho — e isto responde a uma outra questão que tem a ver com a coordenação dos serviços de inspecção do Ministério do Trabalho — muitas vezes em missões, pura e simplesmente, conjuntas com o objectivo de descobrir a tal diferença entre o que é declarado e aquilo que é, de facto, a realidade.
Portanto, há uma preocupação muito grande neste domínio e há, do ponto de vista da Secretaria de Estado, a consciência de que, em muitos casos, aquilo que é declarado não corresponde à verdade. Aliás, temos casos concretos já averiguados na prática em que isso foi demonstrado.
Quanto à questão sobre o programa de informatização dos centros regionais, devo dizer que, neste momento, perto de metade dos centros regionais estão informatizados. De facto, o processo não avançou nos últimos meses porque quis impor um certo compasso de espera para verificar tudo aquilo que foi feito até agora e qual era o sentido mais seguro daqui para diante.
Posso dizer-lhe que tencionamos a brevíssimo trecho informatizar mais dois centros regionais. Vamos tentar uma experiência nova de compatibilização entre os equipamentos que esses centros regionais vão ter e o equipamento do Centro Nacional de Pensões. Os equipamentos são de tipo diferente, não são compatíveis — não falam entre si —, o que corresponde, na prática, a um enorme desperdício de meios.
Aquilo que tencionamos fazer a brevíssimo trecho em relação a 2 centros regionais é, portanto, iniciar uma experiência nova de informatização em que haja compatibilização entre os equipamentos do Centro Nacional de Pensões e os equipamentos desses centros regionais. A partir dos resultados dessa experiência avançaremos muito rapidamente na informatização de todos os centros regionais.
Essa é, do meu ponto de vista, uma das questões fundamentais não só pelo que permite de racionalização do trabalho como também — e isto é igualmente importante — pelo que permite de segurança na repressão da fraude quer do ponto de vista das contribuições quer dos benefícios. É, de facto, um factor fundamental e hoje a experiência de trabalho dos centros regionais informatizados e dos não informatizados é mais do que evidente no sentido de que esse é um dos caminhos a seguir imediatamente.
No que respeita aos esquemas complementares de segurança social que referiu, em relação às empresas públicas devo dizer-lhe que estamos, neste momento, nessas empresas a recolher elementos sobre esses esquemas e a Direcção-Geral da Segurança Social vai iniciar um estudo sobre eles.
Julgo que tem razão quando fala num tratamento extremamente mais favorável para muitos trabalhadores nessas condições, na medida em que, de facto, auferem benefícios que nenhuns outros trabalhadores auferem. Aliás, nos termos da Lei da Segurança Social, esses esquemas complementares devem ficar sujeitos
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a uma regulamentação — que ainda não existe hoje —, que, entre outras coisas, conduzirá a que haja obrigatoriamente contribuição por parte do trabalhador, o que, como sabe, hoje não acontece na generalidade desses esquemas complementares.
No que respeita às perguntas feitas pelo Sr. Deputado Domingues Azevedo sobre as diferenças na rubrica «entrada de contribuições e outras receitas», posso dizer-lhe o seguinte: no que respeita à rubrica «contribuições», a diferença é de 13 milhões e tal de contos. Porém, rigorosamente a diferença não é tão grande na medida em que o orçamento da Segurança Social para 1984 previa, na rubrica «outras receitas», uma parte não coberta de 3 milhões e 800 000 contos, que é aquela que o Sr. Deputado referiu também não se compreender porque é que desapareceu.
De facto, tal como o orçamento estava feito, essas receitas não tinham cobertura expressa e aquilo que se pensava é que isso poderia significar que o Orçamento do Estado teria de reforçar a contribuição para o orçamento da Segurança Social.
Portanto, do ponto de vista do Orçamento de 1984, rigorosamente a diferença na entrada de contribuições não era de 13 milhões e tal de contos, na medida em que, desde o princípio, se supunha que, no que respeita à contribuição do Orçamento do Estado, este poderá ter que entrar com mais uma parte.
É evidente que há uma diferença ainda muito grande entre essa parte com que se pensava que o Orçamento do Estado teria que entrar e a parte com que, de facto, virá a entrar se a Assembleia da República aprovar o orçamento revisto nos termos propostos pelo Governo. Essa parte tem a ver, por um lado, com a diminuição na entrada de contribuições e, por outro lado, com a amortização de empréstimos. Penso que todos os Srs. Deputados sabem disto, uma vez que possuem os elementos sobre a revisão do Orçamento.
Uma questão que foi posta aqui tem a ver com a imagem dos centros regionais ou, se quiserem, com os serviços de Segurança Social. Permito-me, Sr. Deputado, não ter a certeza de que essa imagem seja tão má (pelo menos tenho-me esforçado no sentido de que não seja). Confesso, aliás, que ignorava a existência de casos em que pessoas estão à espera 2 anos pela sua inscrição como beneficiários ou por determinados benefícios.
Aquilo que peço é que, se, de facto, há casos desse tipo os façam chegar ao conhecimento da Secretaria de Estado porque é perfeitamente escandaloso que tal possa acontecer.
A Secretaria de Estado tem-se esforçado muito no sentido de que se melhore a imagem da Segurança Social — não artificialmente mas na qualidade do serviço —, nomeadamente no sentido de que esta se abra mais parado exterior, que as pessoas passem a saber melhor quais são os seus direitos, onde se podem dirigir e que sejam melhor acolhidas nos Serviços de Segurança Social. Temos feito um grande esforço nesse sentido e espero que a imagem não seja tão má. Eu, pelo menos, julgava que ela não era tão negativa como a que o Sr. Deputado referiu.
No que respeita à coordenação de fiscalização, suponho que já respondi, pelo menos no que se relaciona com a coordenação entre a Inspecção do Trabalho e os serviços de fiscalização da Segurança Social.
Nos termos do novo regime de seguro de desemprego, aquilo que se prevê é que um dia as contribuições para o Fundo de Desemprego, que têm a ver com o financiamento do seguro de desemprego, passem para a Segurança Social na medida em que a prestação virá a ser incluída na Segurança Social. De certa maneira, este é um passo no sentido da coordenação das acções do Ministério e da simplificação do sistema.
No que respeita ao regime dos independentes e à pergunta que foi feita sobre o rendimento, presumo que o Sr. Deputado interpelante se referia às contribuições do regime dos independentes.
Confesso que não tenho aqui elementos para lhe dizer exactamente quanto é que entrou em 1983 e quanto é que vai entrar em 1984, pois não tenho o regime dos independentes em separado. O que lhe posso dizer é que os elementos de que hoje dispomos indicam que o regime dos independentes é também deficitário, o que é, de facto, extremamente grave e nos traz alguma apreensão.
Suponho, Sr. Presidente, que respondi à generalidade das questões que me foram postas.
O Sr. Presidente: — Neste momento, há 2 Srs. Deputados dos que foram interpelantes — concretamente a Sr.8 Deputada Zita Seabra e o Sr. Deputado Bagão Félix — que pediram de novo a palavra, para além de mais 2 pedidos de inscrição.
Antes, porém, gostaria de fazer um ponto de ordem. Pela maneira como os Srs. Deputados que primeiro fizeram pedidos de esclarecimento, em particular os Srs. Deputados Bagão Félix, Domingues de Azevedo e Jorge Lacão, formularam as suas perguntas, pareceu-me terem sido suscitadas questões de fundo e de médio prazo sobre a evolução do sistema da Segurança Social que, aliás, a própria Lei n.° 28/84 indica que terão de ser feitas, designadamente, através da alteração do regime de fundo e da sua regulamentação.
Não sei se esse problema foi deixado para ser discutido na reunião com o Sr. Ministro das Finanças e do Plano e com o Sr. Secretário de Estado do Orçamento ou se será também discutido agora.
É evidente que o regime fixado por esta lei, a situação financeira da Segurança Social, a situação do Orçamento do Estado e a evolução demográfica do País vão impor opções que são mais de fundo do que aquelas que até agora abordámos. Isto parece-me inevitável.
Aliás, tudo isto, em termos financeiros — esta é uma Comissão de Economia, Finanças e Plano e, portanto, não se trata só de Segurança Social —, levantados um outro tipo de interrogações. É que, da forma como a alteração do Orçamento de 1984 nos surge, temos descobertos que têm proporções dificilmente comportáveis para o País no futuro. De facto, estamos a sobrecarregar as gerações seguintes: cada 10 milhões de contos significa entre 2 e 2 milhões e meio de contos de encargos em perpetuidade para os anos seguintes, uma vez que os estamos a suportar com o recurso à dívida — e só os juros significam esses 2 milhões e meio de contos por ano.
O envelhecimento da população não deixa pressagiar que a situação de desequilíbrio agora existente venha a ser facilmente recuperável no futuro. Por ou-
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tro lado, a situação financeira do Estado, tal como está concebida, tem muito de arbitrária.
O sistema de Segurança Social não tem uma consignação das receitas das entidades patronais aos encargos presentes e futuros dos trabalhadores que trabalham nessas empresas. Não há nenhuma consignação desse tipo.
A contribuição patronal é, de facto, um imposto directo — ou indirecto, como quisermos considerar — que tem estado consignado à Segurança Social. Mas tem estado consignado à Segurança Social em termos globais e não em termos dos trabalhadores de uma determinada empresa. Poderia baixar-se a taxa deste imposto e aumentar-se a taxa de outro imposto directo.
Este é, desde logo, um problema grave. O problema do desequilíbrio entre o regime geral e os regimes especiais teria uma formulação completamente diferente se este imposto tivesse um montante também diferente.
Por outro lado, também penso — e todos nós temos abordado este problema noutras ocasiões — que estará perto o dia em que a obrigação geral da universalidade e da unidade do Orçamento imporá o fim dos Fundos Autónomos.
Nesta altura, o imposto designadamente para o Fundo de Desemprego tem sido, em parte, afectado a determinado tipo de necessidades mas, noutra parte, tem revertido para o Orçamento do Estado e para a Segurança Social. A proporção em que reverte tem sido fixada anualmente. Designadamente no Orçamento deste ano — na versão que foi aprovada na Assembleia da República — temos 16,8 milhões de contos de contribuições do Estado para a Segurança Social e temos 12,08 milhões de contos que vêm do Fundo de Desemprego para a Segurança Social.
Mas tudo isto, como disse, em termos de uma gestão financeira do Estado, é o que foi aprovado este ano.
Vamos ter que discutir esta problemática de fundo porque, realmente, o desequilíbrio das contas do Estado, provavelmente, não poderá permitir que por muitos anos se mantenha esta compartimentação de finanças. Por outro lado, o carácter da fiscalidade, tal como está repartido, implica que tenhamos, por exemplo, 3 impostos quase idênticos, embora um deles com um regime de incidência diversa, que é o imposto profissional. Mas este imposto e as contribuições patronais para a Segurança Social e para o Fundo de Desemprego têm a mesma base de apoio — uma vez que é a mesma base de rendimentos que é objecto dessa tributação — e tem finalidades que não são compartimentadas.
Daí que, depois, eu também pergunte ao Sr. Ministro e à Sra. Secretária de Estado se este é um problema que vamos abordar nesta ocasião ou a propósito do Orçamento para 1985 ou se ele pertence à área das questões estritamente de foro financeiro — e aqui talvez o Sr. Secretário de Estado do Orçamento nos possa esclarecer. Neste último caso, terá que ser abordado no último dia.
Vou dar a palavra aos 2 Srs. Deputados que pediram de novo a palavra, porque parto do princípio que pretendem intervir ainda relativamente à mesma matéria, isto é, sobre as questões que o Sr. Ministro e a Sra. Secretária de Estado abordaram até agora.
Tem a palavra a Sra. Deputada Zita Seabra.
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social e Sra. Secretária de Estado da Segurança Social: Gostaria de insistir na questão da baixa de receitas prevista. Isto é, quero perguntar a que é que se deve a necessidade de agora, em revisão orçamental, ter que se vir injectar 16,5 milhões de contos no orçamento da Segurança Social, uma vez que não vai muito longe o tempo em que o orçamento da Segurança Social era auto-suficiente.
Claro que estamos todos de acordo em que, estando onde estamos, não estando em campanha eleitoral nem em nada que se pareça, não é justo nem legítimo falarmos dos regimes não contributivos e da necessidade de o Orçamento do Estado financiar esses regimes. Mas o que se passa neste caso concreto — a Sra. Secretária de Estado sabe tão bem ou melhor do que eu — é que não há nenhuma medida positiva no sentido de que não passou a ser o Estado a financiar os regimes não contributivos para melhorar o nível desse tipo de pensões ou para que os beneficiários do regime geral tivessem uma pensão de reforma mais justa, isto é, para que os dinheiros que são descontados pelos trabalhadores revertessem em seu benefício social.
O que se passa na realidade é que há uns anos atrás o orçamento da Segurança Social era auto-suficiente, e agora deixou de o ser a um nível que este ano já ultrapassa os 30 milhões de contos, sem que isso se tenha traduzido em qualquer benefício social, tanto do regime geral, como dos regimes pouco contributivos.
Portanto, creio que não cabe aqui falar que se está a cumprir uma norma constitucional ou o desejo que todos nós formulámos, inclusive quando se debateu a Lei de Bases da Segurança Social, de o Orçamento do Estado vir financiar o regime não contributivo. O que se passa é que o Orçamento do Estado tem que vir financiar o orçamento da Segurança Social, porque há uma quebra regular de receitas, isto é, as receitas não dão para as despesas sem que, no entanto, isso se tenha traduzido num aumento dos benefícios sociais.
É esta tendência que, quanto a nós, é extremamente perigosa. Porque o princípio de financiar os regimes não contributivos ou pouco contributivos pelo Orçamento do Estado é justíssimo, mas ele seria justíssimo se isso resultasse de uma necessidade de melhorar os benefícios sociais dos cidadãos — e não resulta! Resulta que, atendendo aos mesmos benefícios sociais, ou — dizendo ainda mais — atendendo a uma descida real do poder de compra dos reformados (se é que se pode falar em poder de compra quando se trata de pensões de reforma), o orçamento da Segurança Social já não dá.
Gostaria, porque isso não foi respondido, que a Sra. Secretária de Estado ou o Sr. Ministro nos dissessem claramente quais são as razões e onde está esta quebra de receitas. É que até agora ainda não foi referido, por exemplo, em quanto vai a dívida do patronato à Segurança Social.
É óbvio que há outros factores, que todos conhecemos: o aumento do desemprego e o aumento dos salários em atraso são receitas que não entram; a descida do poder de compra e o não aumento salarial de acordo com a inflação traduz-se aqui obviamente numa quebra de receitas; etc. Mas creio que seria justo quantificar isso, porque esta situação não é pen-
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sável em termos de futuro: estamos hoje a discutir e a votar o Orçamento revisto, mas daqui a um mês ou um mês e meio estaremos a discutir o Orçamento para 1985. Na verdade, esta tendência não se pode manter.
E não venham dizer-nos que é um grande benefício o facto de o Orçamento do Estado estar a financiar os regimes não contributivos. Sê-lo-ia se a receita se mantivesse e se isso se traduzisse num aumento dos benefícios sociais, mas não se traduz. O Orçamento do Estado está a entrar já a um nível de 30 milhões de contos, quando há 2 ou 3 anos o orçamento da Segurança Social era auto-suficiente, porque as receitas não dão para as despesas, sabendo nós que as despesas e as pensões de reforma se estão a desvalorizar de ano para ano em termos reais.
Portanto, o que me parece justo perguntar é a que nível vão as dívidas do patronato, quais são as outras receitas que não entraram e em que é que elas se discriminam. Devido a esta situação, uns meses depois de aprovado o orçamento da Segurança Social, temos que estar aqui a discutir uma nova entrada do Orçamento do Estado para o orçamento da Segurança Social, já ao nível dos 16,5 milhões de contos.
Teria muito interesse o esclarecimento destas questões, porque certamente, quando discutirmos o Orçamento de 1985, vamos ter que discutir outros aspectos. Não é aceitável que o nível das pensões de reforma esteja ao nível em que se encontra actualmente. Mas, neste momento, não entramos sequer nesta discussão: gostaríamos apenas de saber e ficar perfeitamente esclarecidos a que é que se deve esta situação que hoje está em cima da mesa.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não quero prejudicar os pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados que estão inscritos há bastante tempo, mas vou dar também a palavra ao Sr. Deputado Bagão Félix, uma vez que pressuponho que também pretende intervir na sequência da intervenção que fez há pouco. De qualquer forma, peço-lhe um pouco de brevidade, para que os novos inscritos possam intervir.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social e Sr.a Secretária de Estado da Segurança Social: Vou-me referir a questões relacionadas com a discussão na especialidade do orçamento suplementar para 1984, mas aproveitaria a presença do Sr. Ministro e da Sr.a Secretária de Estado para voltar a reflectir um pouco, serenamente, sobre algumas questões estruturais ou de longo prazo do sistema.
Vou começar pelas questões directamente relativas ao orçamento suplementar. A primeira questão que voltaria a colocar com mais clareza é a das contribuições cobradas. E a primeira constatação é a de que, se formos fazer uma análise retrospectiva desde 1973 até 1984, o aumento verificado este ano, que não ultrapassa os 16%, nunca foi atingido. Diria que só em 1979 se atingiu um valor relativamente aproximado, que foi de 19%, mas, mesmo assim, uma diferença de 3 pontos percentuais daria qualquer coisa como mais 6 ou 7 milhões de contos.
Esta questão leva-me a fazer uma pergunta muito concreta: qual é o agravamento previsível para este
ano das dívidas em atraso formadas este ano relativamente ao sector da Segurança Social?
Gostaria também de saber quais foram os resultados efectivos da nova legislação e dos acordos sobre juros compostos verificados este ano, dado que constato nos mapas enviados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que, em Março, o aumento de contribuições do primeiro trimestre era de cerca de 16% e que, em Agosto, se mantém nos 16%. Portanto, desejo saber em que é que consistiu efectivamente esse benefício, que a Sra. Secretária de Estado referiu como celebração de acordos, mas que, segundo penso, obviamente implicarão a obrigação de retomar o pagamento das contribuições vincendas, tanto quanto me recordo pela legislação.
Mas gostaria de esclarecer mais claramente um aspecto que, relativamente à questão do Orçamento do Estado, faz lembrar o problema do ouro. Aqui também se tem jogado um pouco — passo a expressão — com a obrigação do Estado e da Lei n.° 28/84, relativamente ao financiamento dos regimes não contributivos, com a constatação de um défice efectivo resultante da diminuição de contribuições cobradas.
Volto a afirmar aquilo que disse no Plenário: não me parece — porque, se assim fosse, o problema colocava-se desde logo no Orçamento inicial — que este volume possa ser justificado, como foi, pela canalização para regimes não contributivos, mas sim exclusivamente porque houve de facto uma diminuição do alimento principal de um orçamento como o da Segurança Social, que são as contribuições cobradas. Dizer-se a posteriori que se trata da aplicação de um princípio é inviável, pois — que diabo! — os princípios devem-se formular nos orçamentos iniciais. Não faz sentido formular-se um princípio em Setembro ou Outubro num orçamento suplementar, sob pena de estarmos a inverter a própria filosofia de valores que norteiam um orçamento da Segurança Social como este.
Outro aspecto que importaria aqui esclarecer refere--se ao que vem na Lei da Segurança Social relativamente ao financiamento dos regimes não contributivos. A lei diz expressamente que o Orçamento do Estado financiará integralmente o regime não contributivo da Segurança Social, embora depois diga, como a Sr." Secretária de Estado bem afirmou, que se deve ter em conta uma certa gradualidde, de acordo com as possibilidades concretas do Estado.
Mas, na Lei de Bases da Segurança Social, o regime não contributivo não inclui o regime dos rurais. Este é passado para o regime geral, embora com uma disposição transitória também a introduzir graduali-dade.
O regime não contributivo tem no Orçamento de 1984 qualquer coisa como 16 a 18 milhões de contos. Portanto, mesmo com essa justificação, a contribuição do Estado para o orçamento da Segurança Social é superior em 13 a 15 milhões de contos àquilo que a própria Lei da Segurança Social impõe como limite máximo. Porque — repito — o regime dos rurais não é, em termos da Lei da Segurança Social, um regime não contributivo.
E coloco outra questão. É que o regime dos rurais foi formulado pelo anterior governo em 1983 e não foi ainda concretizado. A Sr." Secretária de Estado ou o Sr. Ministro — não me recordo qual foi — referiu aqui que ele vai ser implementado novamente e
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vai sê-lo até de uma forma que, de algum modo, me causou alguma perplexidade, quando o Sr. Ministro fala em «equiparação dos benefícios». Gostaria de dizer que a equiparação dos benefícios rurais custará, a preços de 1984, qualquer coisa como 23 milhões de contos. Pergunto ao Sr. Ministro como é que se vai fazer a incidência nas contribuições dos rurais ou noutro qualquer sistema de financiamento para justificar esta afirmação peremptória de equiparação de benefícios que o Sr. Ministro acabou de proferir e que é importante, embora, obviamente, discutível.
Ainda sobre o regime não contributivo, esta questão — obviamente já não no plano normativo, mas no plano de opções globais — terá que ser vista, para compararmos com a Europa, com a inclusão dos sistemas de saúde. Lá fora, os sistemas de saúde estão incluídos nos regimes de Segurança Social e a comparação da contribuição do Estado — isto é, da fiscalidade do imposto abstracto — para a Segurança Social ter-se-á que fazer, se quisermos fazer a comparação com Portugal, incluindo todo o sistema de saúde, que, como sabemos, é actualmente financiado quase integralmente por contribuições do Orçamento do Estado.
Quero ainda formular algumas perguntas concretas sobre os esquemas complementares. A Sra. Secretária de Estado falou em moldes com os quais concordo inteiramente. Mas, de qualquer maneira, gostaria de saber concretamente como é que, para além do levantamento que está a ser feito, a Secretaria de Estado ou o Ministério vão procurar resolver algumas das questões que aqui estão implícitas.
É que não nos podemos esquecer que a maior parte dos esquemas complementares funcionam em regime de repartição e de débito em ganhos e perdas, ou seja, a repercussão para o consumidor. Funciona, pois, em regime de pôr em cheque todo o futuro das empresas, a começar peio sistema bancário. Diria, usando uma linguagem um pouco caricata, que esta é uma forma do socialismo das viúvas e dos órfãos. Daqui a alguns anos, a maior parte das empresas que têm esquemas complementares estão nas mãos das «viúvas» e dos «órfãos», dos trabalhadores que obtiveram esquemas complementares, sem qualquer cobertura de reserva ou financeira para esses sistemas.
O problema é grave, já não é de agora, é uma preocupação de médio e longo prazo e gostaria de obter mais algumas considerações dos Srs. Membros do Governo.
Há ainda algumas questões concretas sobre a especialidade. Uma delas é a que se refere ao Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego. Penso que este Governo criou uma estrutura governamental, que, pelo menos nesse aspecto, constitui uma excelente oportunidade para fazer uma gestão financeira adequada, coerente, articulada e conjunta do desemprego e da Segurança Social.
Tem-se falado muito na criação de seguros de emprego — eu próprio já tenho visto alguns projectos —, mas penso que há uma coisa que está omissa nesses projectos, que é uma gestão financeira única desses dois fundos autónomos, se assim os quisermos considerar. Gostaria de perguntar, aliás no seguimento das palavras que o Sr. Presidente referiu, qual é a opção do Governo relativamente à interligação desses dois fundos e, por sua vez, com o Orçamento do Estado.
Aliás, sobre a questão do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, tenho uma outra questão a co-
locar mas, Sr. Presidente, não sei se a posso colocar já, embora ela não tenha directamente nada a ver com a Segurança Social, mas sim com o Departamento de Trabalho e Segurança Social, ou se V. Ex.a quer que a reserve para depois...
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Bagão Félix, peço-lhe que por agora se limite às questões mais directamente relacionadas com o assunto, porque senão estaria a retirar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram antes.
O Orador: — Certo, Sr. Presidente.
Ainda na especialidade, gostaria de perguntar qual é a actualização prevista que está nos mapas enviados pela Secretaria de Estado relativamente às pensões em Dezembro próximo, dado que houve uma diminuição de cerca de três milhões de contos na pre^ visão inicial das pensões para agora e, em contrapartida, um aumento da previsão de subsídio de doença, o que, de algum modo, é paradoxal.
Gostaria também de saber qual é o aumento do encargo resultante da implementação do chamado sistema das pensões provisórias, efectuado, salvo erro, no final do ano passado por este Governo.
Quanto à questão estrutural do problema, penso que, neste momento, termos uma visão de curto prazo da Segurança Social é, pelo menos, uma visão perigosa dos sistemas de protecção social. É perigosa porque enganadora, perigosa porque havemos de chegar a um ponto em que é necessário tomar opções.
Parece que as opções são, mais ou menos, três. Uma é continuarem com sucessivos e constantes aumentos da fiscalidade e parafiscalidade para financiar incomportáveis aumentos dos benefícios sociais, provavelmente desajustados da economia. Essa é uma questão, e a Sra. Secretária de Estado foi muito peremptória — e estou de acordo com ela — relativamente ao não aumento das quotizações. Resta saber se o acréscimo de financiamentos do Estado não é uma forma indirecta e mais anestesiada de fazer o mesmo. A segunda opção é diminuir qualitativa ou quantitativamente os benefícios. A terceira é reduzir o grau de obrigatoriedade dos esquemas de segurança social, isto é, introduzir alguma flexibilidade no sistema de universalidade desses mesmos sistemas.
É sobre isto que gostaria de ter mais algum esclarecimento dos Srs. Membros do Governo, até porque mesmo para o próximo ano, se não me enganei nas contas e se quisermos manter o valor real dos benefícios actualmente existentes na Segurança Social, as contribuições teriam de ser qualquer coisa como 35%, o que é inviável.
Portanto, o défice para o próximo ano vai ser maior, e provavelmente em 1986 vai ser ainda maior. Poderá melhorar um pouco com melhor gestão ou piorar com pior gestão, mas o problema é de facto bastante acutilante e, por isso mesmo, importaria ter presente esta dificulade, que pode comprometer um sistema. Um sistema que neste momento, quer queiramos quer não, se está a transformar claramente numa expressão de egoísmo entre gerações, na medida em que o seu equilíbrio está dependente da maior ou menor vontade de pagar das gerações futuras para pagar às gerações precedentes.
Esta é uma questão grave, até porque é uma questão que transcende a Segurança Social e que tem a
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ver até com o próprio futuro do País em termos muito estruturais.
O Sr. Pa-esidenle: — Srs. Deputados, peço-lhes que façam um esforço a fim de nos cingirmos às questões que estamos a abordar, até porque, como já se viu, há aqui problemas de tal modo graves que provavelmente terão de ser discutidos expressamente antes da aprovação do Orçamento de 1985. É evidente que seria óptimo se o Sr. Ministro ou a Sr.a Secretária de Estado quisessem avançar desde já algum esclarecimento nesse sentido, mas talvez não seja realista pensar que vamos fazê-lo inteiramente agora, na medida em que então teríamos de convocar uma nova sessão.
Penso que os Srs. Deputados estarão de acordo. Mas, se for possível, penso que talvez seja mais realista o esclarecimento em primeiro lugar das questões que nos são agora suscitadas pela alteração do Orçamento.
Peço ao Sr. Ministro ou à Sr.a Secretária de Estado que se quiserem avançar alguns esclarecimentos sobre esta matéria, o façam antes de dar a palavra a outros Srs. Deputados que também se inscreveram.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: —
Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou tentar ser muito breve, porque, pela minha parte, gostaria que esta discussão se circunscrevesse aos problemas do Orçamento Suplementar e que não antecipássemos aqui uma discussão que pode ter muito mais sentido na discussão do Orçamento para 1985.
É sempre possível colocar toda a série de questões e problemas que estão a ser colocados. Penso que temos de ser muito realista e claros no que respeita ao equilíbrio do orçamento da Segurança Social.
Esse equilíbrio consegue-se através de algumas variáveis muito concretas. Primeiro há que assegurar uma gestão rigorosa das despesas, isto é, procurar evitar fraudes, etc. Temos tido uma preocupação fundamental em caminhar para esse objectivo, com a consciência plena de que não estamos ainda hoje habilitados com meios que nos permitam garantir que não há fraudes e desperdício nas verbas da Segurança Social, mas a nossa preocupação é visível e creio que temos dado alguns passos positivos nesse sentido.
Em segundo lugar, procurar assegurar a cobrança efectiva das receitas tem sido também uma preocupação fundamental deste Governo — já há pouco o disse —, não só na nossa politica geral de defesa das receitas da Segurança Social, como na activação dos serviços de fiscalização da Segurança Social.
Depois, assegurada a cobrança rigorosa das receitas e uma aplicação rigorosa nas despesas, há um montante global das receitas e das despesas e, para conseguir o equilíbrio, das duas uma: supondo que as outras duas variáveis estão devidamente tratadas, ou se aumentam as receitas, através de um aumento de quotizações, o que nos parece francamente desadequado no actual momento da nossa situação política, económica e social, ou então reduzem-se os benefícios, medida nunca falada em Portugal e de que
penso não ser necessário falar ainda, embora todos nós leiamos os jornais e por isso saibamos ser essa a questão que efectivamente se põe em sistemas sociais de países europeus, porque se reconheceu que se atribuiram regalias nas quais são comportáveis elementos em que uma economia próspera consegue suportar todos os impactes das despesas com a Segurança Social, o que não é possível em momentos de crise. Bom, ainda não estamos na fase de ter de reduzir regalias.
Há também um aspecto que gostaria de esclarecer. O Sr. Deputado Bagão Félix pretende introduzir, aqui, um conceito de despesas não contributivas, etc. Sr. Deputado, temos de nos ater à realidade, não importa nada basearmo-nos em fórmulas. Um regime reduzidamente contributivo, na parte em que não é contributivo é não contributivo.
O que importa aqui. . .
Ó Sr.a Deputada não se ria, porque é assim mesmo!
O que importa ter em conta em termos políticos é o seguinte: há prestações que são asseguradas pela Segurança Social e que têm na sua base, dando-lhes suficiência, contribuições dos próprios beneficiários.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Dá-me licença que o interrompa Sr. Ministro?
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — É para lhe fazer uma pergunta muito concreta, Sr. Ministro. O único regime reduzidamente contributivo que está no pensamento do Sr. Ministro é o regime dos rurais. A lei de Segurança Social diz que o regime dos rurais faz parte do regime geral da Segurança Social, ou seja o regime contributivo, logo este problema não se põe como o Sr. Ministro o referiu. Está muito explícito. O regime não contributivo é exclusão do regime geral. O regime dos rurais faz parte do regime geral, logo, que diabo!...
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: — Sr. Deputado, respondo-lhe sempre da mesma maneira. Toda a minha vida me preocupei — penso que é uma boa preocupação — em jogar com realidades e não com fórmulas. E as realidades são estas: há despesas da Segurança Social que são asseguradas porque têm atrás de si contribuições dos beneficiários, como é o caso dos benefícios dados aos trabalhadores por conta de outrem e aos rurais que têm emprego permanente. Por outro lado, há prestações sociais que não têm na sua base contribuição nenhuma, ou têm uma reduzidíssima contribuição.
O que disse, e continuo a dizer, é o seguinte: é muito mais correcto que as prestações sociais que não têm na sua base contribuições — no total ou em parte, pouco importa — sejam asseguradas por todos os cidadãos e não através de contribuições de uma classe parcial desses cidadãos.
O Sr. Presidente levantou aqui um problema que se pode pôr perfeitamente. Agora, o que há sempre que perguntar é se efectivamente não há, pelo menos no público, uma ideia de que os descontos para a Segurança Social têm uma finalidade específica e se jus-
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tificam por isso mesmo, e não por outras razões, e o mesmo se passa quanto aos descontos das empresas, e não quanto às quotizações para o Fundo de Desemprego.
Evidentemente que é possível mudar-lhes a natureza e incluí-los no Orçamento Geral do Estado, que depois dá verbas à Segurança Social e ao Fundo de Desemprego. Isso é perfeitamente possível, mas há sempre o problema de se saber se é esta a melhor política fiscal e se é isto que se faz nos outros países.
Agora o que é absolutamente indesmentível é que neste momento há um volume de prestações sociais que são pagas pelo orçamento da Segurança Social, que não são cobertas pelo próprio Orçamento, que são as quotizações. Portanto, em termos rigorosos, a Segurança Social deveria pagar prestações àqueles que lhe pagam quotizações.
Para além disso, as leis vêm criando regalias que não têm quotizações por detrás, e é por isso que penso que, nessa medida, é efectivamente mais justo que seja o Orçamento do Estado a suportá-las. E tão simples como isto, e esse montante atinge realmente cerca de 60 milhões de contos.
Já agora gostaria de dizer em concreto, porque não estando de posse dos números não o disse noutra altura, que segundo os dados de que disponho relativamente ao 1.° trimestre de 1984 e ao 4." trimestre de 1983 as dívidas à Segurança Social neste último ascendiam a 56 197 229 contos, ao passo que no 1.° trimestre de 1984 essas dividas ascendem a 62 190 233 contos.
O que pode haver aqui, se pretenderem que vá ao fim de todas as explicações, é um maior número de fraudes na declaração das contribuições, é o ter-se verificado o facto de os salários não terem subido generalizadamente no País, embora a média geral seja de 19%, e é o facto de as contribuições não terem sido pagas ao mesmo ritmo.
Depois, em relação às palavras, que parecem cartesianas, do Sr. Deputado Bagão Félix — que dizia que antes do diploma as taxas de juro estavam a subir à taxa de 16% e depois do diploma continuam a subir nos mesmos 16%, concluindo que o diploma não teve nenhum efeito —, permito-me duvidar, porque resta saber o que teria acontecido se, por exemplo, o diploma não tivesse saído.
O que apenas importa acentuar aqui a este respeito, e ai é que penso que deve estar a discussão, é o seguinte: o Ministério do Trabalho e da Segurança Social tem a consciência de ter feito tudo o que estava ao seu alcance, em todas as variáveis que podem ter a ver com o orçamento de Segurança Social, de modo a que efectivamente se verificasse uma cobrança máxima de receitas, um maior rigor na aplicação das despesas e um maior benefício nas pensões. Contudo, não conseguimos com os nossos meios obter os resultados que pretendíamos, aqueles que seriam ideais.
Há uma insuficiência das receitas da Segurança Social para assegurar prestações sociais a um certo nível. Qual é a alternativa? Das duas uma: ou o Governo está disposto a socorrer o orçamento da Segurança Social com verbas do Orçamento do Estado, e nessa altura pode-se continuar a assegurar o pagamento das prestações ao nível desejável, ou pelo menos ao nível estabelecido, ou não está, e nessa altura as pensões no próximo ano não podem subir ao mesmo nível, etc, etc...
Este Governo tem-se esforçado — e aqui é que reside, penso eu, um aspecto que será de saudar por todos os Srs. Deputados que tão preocupados estão com o equilíbrio do orçamento da Segurança Social — e, apesar de ter as mesmas preocupações que os Srs. Deputados têm, tem conseguido manter o mesmo nível de anos anteriores e até melhorá-lo, porque alargou ao próprio subsídio de Natal, no aumento das pensões do ano passado, os aumentos que tinham vindo a ser praticados.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — E o abono de família!?
O Orador: — E está consciente de que enquanto não for possível resolver o problema por outros meios — e não desistimos de o fazer — é uma boa medida política que o Orçamento do Estado venha efectivamente apoiar o orçamento da Segurança Social, porque é intolerável que no nosso país se crie uma situação de desfavor para os cidadãos portugueses que lutam efectivamente com mais dificuldades. Esta tem sido a nossa linha política.
Portanto, não penso que o facto de aumentar a contribuição no Orçamento do Estado seja qualquer coisa de criticável. O que pode ser criticável, mas a esse respeito ainda não ouvi nada, é que não tenhamos sido suficientemente activos ou argutos na descoberta das medidas que é necessário implementar.
Contudo, parece-me que as políticas estão certas, aquilo que tentámos fazer era aquilo que se podia fazer, e se porventura acham que podíamos ter ido mais longe, gostaríamos que nos dLsessem o que é que devíamos ter feito. Não é responsabilizarem-nos por uma certa realidade que não está completamente nas nossas mãos, nem está nas mãos de nenhum governo.
É evidente que também posso aceitar e dizer com toda a clareza que estamos a atravessar um período de crise económica. Quer dizer, o restabelecimento de equilíbrios financeiros globais no nosso pais determinou que efectivamente as empresas tivessem de passar por dificuldades suplementares em relação às que tinham passado em anos anteriores.
O próprio Ministério do Trabalho tem consciência de que se fossem utilizados os recursos que tem no Fundo de Desemprego para socorrer — digamos assim — as empresas que estão em maiores dificuldades, sem cuidar de saber se esses socorros seriam estruturais definitivos, ou meros paliativos, pode ter a certeza que a situação nas empresas do País era um bocado melhor.
Se calhar até havia mais receitas na Segurança Social, só que este Governo — pelo menos é essa a minha claríssima consciência, pessoal e colectiva — tem procurado dar muito mais atenção à resolução concreta e real dos problemas dos Portugueses do que à manutenção de uma situação aparentemente boa.
Podemos melhorar aparentemente a situação, porventura até endividando-nos mais, deixando crescer certos problemas que se calhar até nem se dava por isso, como aconteceu no passado, só que a política tem sido a de enfrentar efectivamente os problemas mesmo que isso traga custos. Porquê? Porque a consciência é uma só. E que se não fizermos hoje — não há ninguém que seja capaz de contrariar esta afirmação —, amanhã, daqui a um mês, daqui a um ano, os custos para o País serão muito maiores.
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Isto não quer dizer que tenhamos remédio para tudo. Mas em relação a determinadas empresas temos tido a coragem de dizer que das duas uma: ou são viáveis, e então há que viabilizá-las — e sou o primeiro a penitenciar-me por não termos podido fazê--lo há mais tempo, em relação a algumas delas —, ou, se não são viáveis, temos de aceitar esse facto que é doloroso.
Agora, o que não é de maneira nenhuma aceitável é que se vão alimentando situações com paliativos, adiando a resolução dos problemas e sobretudo projectando para o futuro encargos bem mais pesados do que aqueles que resultam das consequências, derivadas das dificuldades por que efectivamente as empresas passam neste momento.
Penso que este tipo de argumentação não será muito própria de um Orçamento Suplementar mas, na medida em que os Srs. Deputados quiseram puxar um bocadinho para aqui a questão, mal ficaria ao Governo se não desse também uma resposta adequada, até por respeito pelos Srs. Deputados, às questões que colocaram.
Penso que agora a Sr.a Secretária de Estado da Segurança Social quererá responder mais em pormenor a alguns aspectos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Secretária de Estado da Segurança Social.
A Sr." Secretária de Estado da Segurança Social: — Em relação a uma questão que foi posta sobre a eficácia que teria tido a portaria dos juros compostos e dos acordos, tendo em conta que em Março a média de aumento de receitas era de 16% e que essa continua a ser a média, há um ponto importante: é que nos termos dessa portaria, modificada mais tarde por uma outra, e no que respeita aos acordos, o regime dos juros simples era aplicável a acordos que fossem propostos à Segurança Social até 15 de Junho.
Como sabe, a própria negociação dos acordos leva algum tempo e isso faz com que não seja possível neste momento dizer-lhe sequer que a generalidade desses acordos já estão celebrados. Quando dizia que a portaria teve uma eficácia segura, positiva, referia--me ao facto de pela primeira vez ter aparecido um número muito grande de empresas a solicitarem a celebração de um acordo. Mas, do meu ponto de vista, é ainda cedo demais para medir em números essa eficácia.
Por outro lado, há um ponto que em todo o caso tem algum interesse: os Srs. Deputados dispõem dos números mensais relacionados com o aumento de contribuições de 1984 sobre 1983, e a verdade é que há alguma melhoria a partir de Maio. Contudo, o Sr. Deputado referiu-se à média até ao mês de Março, e essa média, de certa maneira, beneficiava de um aumento extraordinário no mês de Fevereiro, cuja explicação aliás não tenho, mas a verdade é que até ao fim de Abril a média era sensivelmente abaixo de 16%, e foi sobretudo a partir de Maio que subiu. Mas a verdade é que não tenho neste momento dados concretos para lhe responder à pergunta, tal qual ma formulou.
Em relação à questão do princípio inserto na lei da Segurança Social de que o Estado deve financiar os regimes não contributivos, ter-me-ei explicado mal se alguma vez disse que esta modificação que o Governo
agora propõe ao Orçamento do Estado de 1984 era a aplicação do princípio.
O que acontece é que, de facto, essa proposta resulta basicamente de um aumento inferior no domínio das receitas do que aquele que prevíamos, mas se fosse a aplicação do princípio, naturalmente teria sido posta noutros termos.
Só que, perante o princípio estabelecido menos explicitamente na Constituição e na lei, a verdade é que, do meu ponto de vista, estamos ainda longe daquilo que seria, ou deveria ser, a contribuição do Orçamento do Estado.
É claro que aí o Sr. Deputado Bagão Félix fez algumas reflexões sobre o regime dos rurais que, em teoria, é um regime contributivo. A lei aponta para a inserção desse regime no regime geral, mas a verdade é que na prática é um regime não contributivo.
Hoje as contribuições provenientes desse regime não pagam sequer o subsídio de doença do próprio regime. Tudo o resto é pago por transferências de outros. Na prática é um regime não contributivo; é só uma questão de nome.
É evidente que o que é normal é que esse regime venha a aproximar-se do regime geral, não só nos benefícios mas também — e isto é um ponto que é extremamente importante que fique claro — ao nível das contribuições, aliás, se mais não fosse, por uma simples razão de moralização do regime.
É claro que há um decreto-lei do governo anterior que ensaia essa aproximação do regime dos rurais ao regime geral, mas como se sabe esse decreto-lei não chegou a ser regulamentado e sem isso ele não podia, de facto, entrar em vigor, porque dependia das regras que regulamentassem esse diploma, nomeadamente o regime de contribuições, e, portanto, ele não veio a entrar em vigor.
A intenção do Governo é não só regulamentar a lei como reformular o decreto-lei nalguns pontos, mas basicamente o que falta é a regulamentação, só que havemos de convir que a regulamentação é tão importante que sem ela não é sequer possível que, na prática, esse decreto-lei entre em vigor.
No que respeita às suas considerações sobre os custos de saúde que nalguns países estão a cargo da Segurança Social, devo dizer que aqui em Portugal não estão.
Quanto ao regime dos rurais, ser, ou não, um regime contributivo, isso leva-nos a que, ao fim e ao cabo, a Segurança Social, se calhar há muito mais tempo, teria tido de socorrer-se do Orçamento do Estado para financiar determinado tipo de benefícios. Onde é que não teríamos chegado se as receitas da Segurança Social pagassem integralmente o regime dos rurais mais as despesas de saúde?
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Dá-me licença que a interrompa Sr.a Secretária de Estado?
A Sr.8 Secretária de Estado da Segurança Social: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — No fundo, o que quis concluir é que se caminha, directa ou indirectamente, para uma verdadeira fiscalização do Orçamento da Segurança Social. Então vale a pena enfrentar o problema.
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Não vale ou não a pena estarmos a dizer que metemos de um lado e sai do outro. Não, . . . vamos enfrentar o problema: vale ou não a pena fiscalizar no sentido de ser aumentada, pelo sistema fiscal, a Segurança Social? Esta é que é a questão e foi só por isso que fui buscar a saúde. Não tinha outro tipo de intenção, Sr." Secretária de Estado.
A Sr." Secretária de Estado da Segurança Social: — Bom, entendi que também tinha a ver com isso, mas, de qualquer maneira, a verdade é que se o sistema continuar tal como está haverá um momento em que nem sequer as despesas de carácter contributivo as receitas da Segurança Social estariam em termos de cobrir. É bom que enfrentemos que, no fundo, é isso que está em causa.
No que respeita aos esquemas complementares que referiu, como o Sr. Deputado sabe, eles até são na generalidade ilegais. Nos termos da lei em vigor, esses esquemas são muitas vezes pura e simplesmente nulos e nos termos da Lei da Segurança Social esses esquemas virão a ser regulamentados por aquilo que for estabelecido em execução da lei, se se vierem a adequar àquilo que essa própria regulamentação virá a estabelecer.
Mas não há à partida nenhuma obrigação de tornar legal e viável aquilo que hoje é perfeitamente nulo e não tem, de facto, cobertura legal suficiente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: — É só para acrescentar uma observação, no sentido de que terei aqui dito alguma coisa que não foi bem interpretada pelo Sr. Deputado Bagão Félix.
Relativamente ao regime dos rurais, a ideia que queria exprimir — pode ser que o tenha feito erradamente — era a de que se pretende modificar o regime no sentido da equiparação não só dos benefícios,mas também das quotizações. E não disse seguramente, até porque o diploma que está em apreciação e as soluções finais hão-de ser discutidas a outro nível e porventura com os parceiros sociais interessados.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.8 Deputada Luísa Daniel.
A Sr.8 Luisa Daniel (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.a Secretária de Estado: Parte das questões que inicialmente pretendia colocar ao Sr. Ministro já foram praticamente respondidas na sua primeira intervenção.
Portanto, limitar-me-ei a abordar duas questões. Francamente, a primeira não tem muito a ver, nem está directamente ligada, com a questão do orçamento suplementar, mas permita-me que lhe ponha a questão porque ela sintetiza algumas das preocupações que ultimamente nos têm sido colocadas.
Embora entenda o princípio seguido pelo Sr. Ministro quando defende que a contribuição do trabalhador à Segurança Social terá de ser garantida, quer esse trabalhador seja cooperante ou não, permita-me chamar-lhe a atenção para o problema das CERCIS. As CERCIS, como sabe, são unidades cooperativas
de assistência e educação a crianças deficientes e inadaptadas.
Na sua grande maioria, estas crianças são originárias de estratos sociais economicamente carenciados e dependem, na sua assistência, quase exclusivamente destas casas.
Dado que as referidas cooperativas enfermam de enormes dificuldades e dificilmente poderão fazer face aos compromissos das dívidas à previdência, gostaria que o Sr. Ministro e a Sr.8 Secretária de Estado me dissessem se pensam haver possibilidades de, num futuro próximo, melhorar as contribuições a estas unidades por forma a minorar os défices de gestão, ou se se pretende implementar algum esquema que ultrapasse estas dificuldades com que actualmente se debatem, por forma, também, a não prejudicar a assistência que é prestada a estas crianças.
A segunda e última questão, muito rapidamente, é a seguinte: gostaria que me dissessem, se for possível, qual o número ou percentagem actual dos pensionistas, relativamente à população activa.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.8 Deputada.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): — Sr. Ministro, Sr." Secretária de Estado, quero colocar algumas breves questões.
A primeira tem a ver com o problema levantado pela Sr.8 Deputada do PS e é precisamente esta: qual a percentagem da população não activa recebendo benefícios sociais diversos?
A segunda, que, para mim, não está clara ou talvez não tivesse percebido bem aquilo que aqui foi dito, é a seguinte: os 16,5 milhões de contos de agravamento podem situar-se, quase exclusivamente, numa diminuição das receitas? No caso negativo, se não foi com base na diminuição das receitas mas sim no aumento das despesas — reformas, pensões e outros benefícios sociais — porque é que não tinham sido inicialmente previstos? A terceira pergunta refere-se a uma questão que parece importante, que é o problema do subsídio de desemprego: qual tem sido a evolução dos valores do subsídio de desemprego atribuído, em termos de ano e em termos de 1984 em concreto? Que controlo ex-ceptivo é que tem sido exercido sobre a atribuição desse subsídio de desemprego? E isto porque a ideia corrente que existe é a de que há milhares de trabalhadores — que não são trabalhadores porque não estão a trabalhar, estão desempregados — que recebem um subsídio de desemprego e trabalham em actividades diversas.
É uma situação de que se tem falado em todos os governos e, portanto, não tem nada a ver com este governo em concreto, mas com uma situação real. Sempre se falou em tomar medidas, até muito duras, mas o que é facto é que as coisas parecem continuar rigorosamente na mesma. É uma preocupação social e até económica: as pessoas deixaram de pretender empregar-se preferindo fazer o chamado «gancho», que lhes dá muito mais, conjuntamente com o subsídio de desemprego.
Quarta questão, e com a brevidade que a hora exige: pretende-se equiparar, em termos de quotizações, os rurais aos demais cidadãos que descontam para a
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Segurança Social? Bom, eu penso que essa é uma operação extremamente complexa. Efectivamente há uma percentagem da população rural que poderá ter condições para suportar quotizações de valor idêntico aos demais cidadãos, mas julgo que se trata de uma percentagem mínima.
Pergunta-se como é que essa questão irá ter lugar designadamente em termos duma distinção que reside entre os trabalhadores por conta de outrem e aqueles que, embora trabalhando por conta própria, são, na prática, não assalariados pois ninguém lhes paga, não se podendo considerar como sendo propriamente empresários, têm a sua pequena courela e vão-na tratando.
Portanto, quando oiço falar em equiparação de posições para os rurais, fico sempre um pouco alarmado e, aliás, esta questão é, socialmente, muito importante, muito grave e muito preocupante. Por um lado, porque já se sabe que, em virtude de todas as estruturas sociais, económicas e até de funcionamento do próprio Estado, o cidadão que trabalha na agricultura acaba, por natureza, por ser vítima do mau funcionamento de todo o sistema — este é um dado real efectivo — e por isto ser altamente preocupante é que, sempre que se fala nisto, das duas uma: ou não se fala ou, se se falar, então terá de se falar com uma grande clareza. E não é clareza dizendo «equiparação de posições mais benefícios», é em termos de destrinça, se possível, das situações que, efectivamente, não poderão, de modo nenhum, aceitar-se em termos de equiparação de quotizações.
Um último aspecto que tem interesse e tem a ver com o funcionamento e rentabilidade do Estado em geral — que se passa pela forma administrativa julgo que passa também pelo Ministério do Trabalho — é a questão da assiduidade e do controle da assiduidade.
Os escândalos continuam: sabe-se que há uma percentagem razoável de funcionários que ou não vão aos empregos, ou vão e saiem, ou apresentam atestados médicos sem terem qualquer doença. Esta é uma situação que se mantém. Houve uma tentativa séria nesse sentido mas que, enfim, por razões diversas, não foi por diante, houve recuos. Efectivamente, o que se pretende em termos de prazo não tem a ver também, em concreto, com este Governo; é uma reflexão que estamos aqui a fazer — e é a vantagem destas reuniões da Comissão — no sentido de ver como é que se pensa resolver esta doença que pode matar a própria dignidade do Estado e a sua eficácia e rentabilidade.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (PS): — Eu fui sensível ao pedido de nos circunscrevermos nas nossas intervenções aos aspectos concretos mas, mesmo assim, não resisto a voltar a falar do Fundo de Desemprego.
Na realidade, e analisando a proposta de alteração do Orçamento em comparação com o Orçamento inicial, de facto, as alterações de verbas são tão significativas que quase de outro Orçamento se trata. Nota--se, aliás, um aspecto, aqui, que é o de não ter sido considerado no orçamento inicial uma movimentação de activos e passivos financeiros, cujo saldo final é de 1,6 milhões de contos, ou seja, pedem-se empres-
tados 5,5 milhões de contos e amortizam-se 7,1 milhões. Ora, isto não estava no Orçamento inicial.
Mas, deixando este aspecto, concluo que, no fundo, o que se pede de reforço por parte do Estado pode, de grosso modo — diria eu — corresponder à diminuição de receitas mais diminuição de contribuição do Fundo de Desemprego. Isto tudo somado dá 15,2, depois há os ferroviários, enfim. Mas, de qualquer modo, a questão de fundo é esta: como já aqui foi referido, não há possibilidade de analisar estas coisas em termos separados: de um lado o Fundo de Desemprego e do outro lado a Segurança Social.
Muito concretamente, a pergunta que faço é esta: naturalmente que o facto de se reduzir o Fundo de Desemprego em 2,2 milhões de contos no seu contributo para a Segurança Social foi uma opção política. Eu gostaria de saber a base dessa opção e, concretamente, até gostaria de saber desde já quais serão esses apoios para, na altura própria, na altura em que discutirmos o Orçamento de 1985, ser habilitado com elementos que têm a ver, mais ou menos, com a realização do Fundo de Desemprego deste ano e, nomeadamente, em áreas tais como a da composição de verbas do Instituto de Emprego e Formação Profissional. Que acções concretas é que justificam até Junho 4,3 milhões de contos e depois, para criação e manutenção de postos de trabalho, 2 milhões de contos? E, finalmente, gostaria de ser esclarecido quanto à questão dos compromissos dos anos anteriores mas, naturalmente, a seu tempo. No entanto, desde já recordava que não me parece conveniente ver globalmente estas questões.
Eu terminaria brevemente fazendo só mais uma consideração. De facto, analisando o orçamento da Segurança Social neste projecto de alteração, constata--se esta dura realidade: as contribuições diminuem e os benefícios também diminuem. O problema é que nós não melhorámos o apoio aos beneficiários e acabámos por ter aqui um défice em mais de 6 milhões de contos quando há poucos anos não havia sequer contributo do orçamento para a Segurança Social.
E este é que é o problema preocupante, que já foi posto de outra maneira, com a ideia mais básica de equacionar toda a estrutura de funcionamento destes serviços.
O Sr. Presidente: — Também o Sr. Deputado levantou questões imediatas e outras que serão talvez melhor discutidas a propósito do Orçamento de 1985, se bem que alguns dos aspectos que levantou tenham realmente incidência já no Orçamento de 1984.
Tem a palavra o Sr. Deputado Domingues de Azevedo.
O Sr. Domingos de Azevedo (PS): — Sr.a Secretária de Estado, não me convenceram as justificações que deu para a descoordenação das diversas fiscalizações existentes no Ministério do Trabalho. E não me convenceu porque deu-me a sensação de que não há uma leitura exacta de pôr estas fiscalizações a trabalhar em coordenadas e elas serem capazes de render. É que o entendimento que faço é que o não crescimento, nos termos do previsto, das receitas da Segurança Social pode ter, e acredito que tenha, uma parte de realidade, de verdadeiras dificuldades — como dizia o Sr. Ministro — e pode não arrastar,
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necessariamente, empresas à falência, mas uma percentagem muito grande tem também muito a ver com a consciência que os nossos industriais, na sua grande parte, tomaram da descoordenação dos serviços do Estado.
Este é um aspecto extremamente importante porque se há factos concretos, se há factos verdadeiros — e acredito que os haja, sendo extremamente agradável ouvirmos o Sr. Ministro dizer que está preocupado com esta situação de não ser o Ministério do Trabalho ou a Segurança Social a arrastar as empresas à falência —, há também uma percentagem muito grande, talvez mais elevada, de industriais que se servem precisamente desta descoordenação dos diversos serviços do Ministério do Trabalho para abusarem, para não cumprirem com as suas obrigações.
Poderia até frisar alguma legislação não cumprida; por exemplo, as disposições emanentes do Decreto-Lei n.° 103/80, nomeadamente com o próprio sistema bancário, que não acciona no que respeita à concessão de créditos, pois o decreto-lei obriga à apresentação da certidão de dívida ou da situação regularizada perante a Segurança Social; há o caso das empresas públicas que não podem efectuar pagamentos de montantes superiores a 100 contos. Efectivamente, esta legislação não está, em grande parte, a ser cumprida.
No entanto, surpreendeu-me a resposta que a Sr.a Secretária de Estado deu — e estou também perfeitamente de acordo quando o Sr. Ministro diz que o défice do Orçamento do Estado terá de ser subsidiado pelo orçamento da Segurança Social. Faltará saber agora, aliás, como o Sr. Presidente referiu, se o orçamento pode ou não pode subsidiar. O que me levantou dúvidas foi a afirmação da Sr.8 Secretária de Estado de que o regime dos independentes já é deficitário. Este regime sofreu uma reestruturação, foi implementado em 1976 através de uma portaria de que não me recorda o número, sofreu uma reestruturação através do Decreto-Lei n.° 8/82 e hoje já é deficitário. Em termos do número de contribuintes, dá-me a sensação que talvez nem 40% dos contribuintes estejam inscritos neste regime e, por um outro lado, aceito que haja uma situação de deferência para com o regime dos independentes, mas não consigo entender muito bem, por exemplo, o Despacho n.° 88/84, se a memória não me está a falhar, em que o Sr. Ministro reduz a base de incidência deste regime. Ora, o global das contribuições do regime geral é 29% e, nos termos deste despacho, há aqui situações de contribuintes que pagam percentagens muito inferiores no regime dos independentes.
Eram estas as questões que gostaria de pôr à Sr.8 Secretária de Estado ou ao Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: —
Procurando ser muito breve, gostaria de dar apenas alguns esclarecimentos, nomeadamente em relação ao problema das transferências do Fundo de Desemprego para a Segurança Social.
A situação é a seguinte: a Segurança Social é uma mera pagadora de encargos do Fundo de Desemprego; portanto, recebe tanto quanto paga. O que se verifica é que a alteração do Orçamento teve como con-
sequência a evolução do próprio montante de subsídios pagos pela Segurança Social e se a Segurança Social receber mais do que efectivamente pagou no fim do ano tem de haver um acerto de contas. Assim tem sido sempre e assim continua a ser. Pretendemos que deixe de ser assim com o novo regime de seguro de desemprego, que está já agendado em Conselho de Ministros, na medida em que se calculará uma determinada parte das quotizações pagas pelo Fundo de Desemprego, que irá directamente para a Segurança Social, que suportará, nessa base, todas as prestações com o Fundo de Desemprego.
Eu não sei se será altura de responder relativamente a questões do Fundo de Desemprego, de composição de despesas, de apoios financeiros, etc.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Almerindo Marques não está neste momento presente. Ele vai regressar à sala dentro de instantes.
O Orador: — Então talvez seja melhor abordar isso depois.
Quanto à coordenação, devo dizer-lhe que desde a primeira hora em que assumi funções no Ministério do Trabalho tenho procurado chegar exactamente à melhor coordenação possível de todos os serviços, nomeadamente na área da fiscalização; foi uma das primeiras coisas que discutimos nas reuniões semanais que costumo fazer com os Secretários de Estado. Não é só com uma orientação política que isso se consegue, porque as técnicas de fiscalização são diferentes e a preparação dos funcionários não permite que, de um momento para o outro, só com uma simples alteração da lei ou da orientação pudessem funcionar já a fiscalizar, quer as receitas do Fundo de Desemprego quer da Segurança Social, quer o próprio cumprimento das leis de trabalho.
No entanto, e a propósito das considerações que fez, devo dizer-lhe, por exemplo, o seguinte: nós já interviemos para que não fosse pago um determinado apoio financeiro, um subsídio, a uma determinada empresa pública, sem estarem asseguradas, efectivamente, as contribuições da Segurança Social. Não concordámos com isso e o Sr. Secretário de Estado do Orçamento sabe-o. Por exemplo, de certo modo pusemos objecções a que fosse aprovado um decreto-lei que aumentava o mínimo da importância que é paga aos agricultores sem necessidade de comprovar a sua situação perante a Segurança Social, atendendo a que, efectivamente, se se aumentasse um bocado esse mínimo, a maior parte desses agricultores poderia não cumprir as suas obrigações para com a Segurança Social e poder vender o trigo à EPAC.
Portanto, a nosso política tem sido sempre a de fazer com que a lei, efectivamente, se cumpra. Agora, o que lhe posso dizer é o seguinte: a situação hoje não estará inteiramente correcta — e não está com certeza, porque nós somos os primeiros a considerar que não foi possível ainda fazer tudo o que nós queríamos —, mas que está muito melhor do que estava quando iniciámos funções, isso penso que não há ninguém que seja capaz de duvidar, porque já entraram em funcionamento os serviços de fiscalização, até no que respeita à própria organização dos serviços. Os serviços do Fundo de Desemprego estão a informatizar-se, a Segurança Social está a dar passos signifi-
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cativos na informatização porque, com universos tão grandes de pessoas, não é possível fazer fiscalização eficaz e só quando houver um tratamento informático dos dados é que conseguiremos detectar fraudes e combatê-las atempadamente.
O Sr. Domingues de Azevedo (PS): — Sr. Ministro, eu não sou especialista em Segurança Social, mas passei por lá, venho de lá; sei o caminho todo.
Eu já fui operário e quando trabalhava nas empresas (nos anos 60) uma das coisas que nos faziam, aos «moços», — a gente chamávamos-lhes «moços», que eram os mais pequenos — era pôr-nos a correr pela fábrica fora quando apareciam as inspecções de trabalho.
Pois hoje o que não se vê é as inspecções de trabalho entrar nas empresas.
A Sr." Ilda Figueiredo (PCP): — Muito bem!
O Sr. Domingues de Azevedo (PS): — Isto é que é extremamente preocupante: é a dinâmica que se consegue imprimir — e deu-me a sensação que expus a questão há pouco, mas fi-lo de forma diferente, era quando as pessoas tomavam consciência desta falta de coordenação.
Ó Sr. Ministro não está em questão o esforço que o Sr. Ministro está a desempenhar. Sabemos que o Sr. Ministro e os seus colaboradores estão, efectivamente, a despender um esforço grande, mas é necessário é que esse esforço seja de tal forma que dinamize a máquina totalmente, porque estou convencido que só o esforço do Sr. Ministro, do seu gabinete e dos seus colaboradores não chega e as questões continuarão a permanecer na mesma.
O Orador: — Mas é exactamente nesse campo que foram já implementados os serviços de fiscalização dos centros regionais de Segurança Social que não estavam a funcionar.
Quanto à Inspecção do Trabalho, ela luta com várias dificuldades; tem havido um esforço muito grande, e que está a ter resultados práticos, no sentido de ela ser muito mais actuante e este ano vai ser feito um grande esforço para que no próximo ano possa actuar ainda com mais eficácia. Mas não se pode dizer que a Inspecção do Trabalho não vá às empresas; vai, seguramente, mais do que ia em 1983, porque lhe foram reforçadas as verbas, porque houve até acções de problemas com salários em atraso e a Inspecção do Trabalho já visitou, pelo menos umas quatro vezes, cada uma das empresas que se encontra na situação de salários em atraso.
Portanto, se tenho esses dados, se há relatórios sobre cada uma das empresas, é inequívoco que a Inspecção do Trabalho vai às empresas. Agora, pode é haver dificuldades e imperfeições de vária ordem. Acredito que sim e sou o primeiro a ter consciência de que elas existem, no entanto, não desistiremos de as combater.
Agora, com realismo, tenho a consciência plena de que não vale a pena proclamar publicamente que estamos em condições de combater todas as fraudes, de conhecer tudo aquilo que está errado, porque não te-
mos os meios adequados e antes de os ter não farei, com certeza, uma declaração pública nesse sentido.
De qualquer modo, devo também dizer-lhe o seguinte: não há fiscalização nenhuma, por mais eficaz que seja, que consiga suprir a falta de predisposição das pessoas para cumprirem pontualmente os seus deveres e para serem sérias e honestas. O Estado pode controlar uma percentagem de criminosos, uma percentagem de pessoas que cometem fraudes, mas não controla todo o País, se em todo o País houver fraudes e criminosos. E o que acontece — e isso é um problema que ultrapassa o Governo, é um problema cultural — é o seguinte: infelizmente, no nosso país há demasiadas pessoas que têm pouca consideração por valores que têm a ver com a honestidade, julgando que não têm nada que ver com isso e, muitas vezes, os cidadãos comuns, aqueles que mais se queixam, são os primeiros a colaborar, porque os cidadãos que se queixam de fraudes e corrupções colaboram, muitas vezes, nessas fraudes, os empresários a mesma coisa e o Governo e os serviços a quem compete, naturalmente, pôr cobro a essas situações não podem actuar a não ser na base das informações e conhecimentos que têm.
O que é patente, também, nomeadamente no Ministério do Trabalho e Segurança Social, é que não tem havido uma única situação irregular ou fraudulenta que não tenha sido pronta e claramente combatida pelos actuais responsáveis. Agora, que nós temos muito que melhorar, pois com certeza e agradecia a todos que quisessem dar alguma contribuição nesse sentido que nos dessem essa contribuição porque nós somos os primeiros interessados.
O Sr. Presidente: — Não sei se o Sr. Ministro ainda quer acrescentar alguma coisa em relação ao Sr. Deputado Almerindo Marques, pois ele está novamente presente. Se o desejar fazer, tem a palavra.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: — Há pouco não estava aqui. Era só para lhe dizer que as transferências do orçamento do Fundo de Dezem-prego para o da Segurança Social, no que respeita ao pagamento do subsídio de desemprego, correspondem exactamente ao montante dos subsídios pagos pela Segurança Social. A Segurança Social presta, no fundo, um serviço ao Fundo de Desemprego. Portanto, as transferências têm de ser sempre correspondentes aos subsídios exactamente pagos e, se assim não for, tem de haver acertos no final do ano.
Portanto, a correcção que houve no orçamento do Fundo de Desemprego a esse respeito deriva do facto de não se ter gasto tanto em subsídios de desemprego quanto se tinha previsto e de ter sido possível reduzir, salvo erro, 2 milhões de contos nessa verba. Aliás, isso resulta um pouco — já o disse também — do facto de o novo regime do Seguro de Desemprego não ter entrado ainda em vigor sendo previsível que entrasse, nomeadamente no ano de 1984.
Também já disse que esse atraso se deve, essencialmente, ao facto de o respectivo diploma ter tido de passar pelo Conselho Permanente da Concertação Social. E nisto não há evidentemente, qualquer crítica a este Conselho porque o facto de se introduzir um novo passo leva, evidentemente, tempo e eu considero que o Conselho Permanente da Concertação Social foi
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um passo extremamente positivo na tentativa de resolver os problemas sociais o mais possível em diálogo, mas o que é facto é que os diplomas deram entrada no Conselho Permanente da Concertação Social e estiveram lá alguns meses até obterem parecer e, antes do parecer, não pude apresentar, naturalmente, o projecto em Conselho de Ministros. Dado o parecer, o projecto foi ultimado em prazo relativamente curto — 2 ou 3 semanas — e encontra-se já em Conselho de Ministros para ser submetido a discussão e votação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (PS): — Sr. Ministro, desculpar-me-á, mas gostava de lhe pedir mais um esclarecimento complementar.
Sendo certo que há esse mecanismo de transferências, relacionado exclusivamente com o pagamento do Fundo de Desemprego, a primeira questão é a de saber se não podia ter sido ponderado, se é que há condições para o fazer no sentido da solidariedade do Orçamento do Estado com estes fundos, manter-se a verba para fazer com que a transferência, ou seja, o reforço por parte do Orçamento do Estado, fosse menor.
A segunda questão — naturalmente que não disponho dos dados que V. Ex." tem — traduz-se na seguinte dúvida: apesar de não ter havido aplicação de novos subsídios de desemprego ou de aperfeiçoamento que estavam previstos, a verba que está inscrita é suficiente? Como disse, não disponho desses números; daí que apenas levante a dúvida em função da página 14 do documento que me foi facultado.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: —
A resposta é simples, Sr. Deputado: temos que obedecer ao Orçamento; não podemos subsidiar o orçamento da Segurança Social se isso não estiver previsto no Orçamento do Estado aprovado pela Assembleia da República.
Transferimos 14 milhões de contos para o Orçamento do Estado, é essa a contribuição de solidariedade que o Fundo de Desemprego dá ao Orçamento do Estado, mesmo contrariando uma orientação do Programa do Governo aprovado na Assembleia da República.
Portanto, a solidariedade existe. É evidente que há princípios que devem ser mantidos com seriedade, mas não vamos, evidentemente, inverter as situações e dar prioridade aos princípios sobre a salvação do País ou sobre outros aspectos que interessem à governação do País.
Assim, a nossa solidariedde, este ano, consiste na transferência de 14 milhões de contos para o Orçamento do Estado — não está previsto que o Fundo de Desemprego subsidie a Segurança Social. Tem, portanto, de se manter o sistema de pagar tanto quanto a Segurança Social paga.
Quanto à segunda pergunta, de acordo com os nossos cálculos, os 12 milhões de contos chegam para pagar todos os subsídios de desemprego de 1984.
A Sr.a Ilda Figueredo (PCP): — São 9 milhões!
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: —
São 12. Eram 14 e agora são 12 milhões de contos.
A Sr." Secretária de Estado da Segurança Social: — Sr. Presidente, dá-me licença que explique o que se passa?
- O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.a Secretária de Estado.
A Sr.9 Secretária de Estado da Segurança Social: — A transferência total são 12 milhões de contos: uma parte está em subsídios de desemprego e a outra parte está em contribuições patronais, porque o Fundo de Desemprego não paga só os subsídios de desemprego, mas também a parte patronal que lhe corresponde.
O Sr. Presidente: — Agradecemos a sua explicação, Sr." Secretaria de Estado e, se quiser dar mais alguma explicação relativamente às questões levantadas por outros Srs. Deputados, tem a palavra.
A Sr." Secretária de Estado da Segurança Social: — A Sr.a Deputada Luísa Damião falou na questão das CERCIS e nas dificuldades que estão a enfrentar para pagarem as contribuições relativas aos trabalhadores que têm ao seu serviço. O problema não é, aliás, muito diferente do que aquele que enfrentam outras entidades. As CERCIS são cooperativas de educação especial, tal como muitas outras entidades que, não tendo fins lucrativos, se dedicam a fins semelhantes, como são por exemplo todas as instituições particulares de solidariedade social com quem coopera a Segurança Social.
Ora, o problema não é muito diferente numas e noutras. Acontece, no entanto, que é tão necessário salvaguardar os direitos dos trabalhadores ao serviço dessas instituições como os direitos de quaisquer outros trabalhadores ao serviço de quaisquer outras instituições.
As CERCIS têm um regime especial de cooperação com o Ministério da Educação; as instituições particulares de solidariedade social, em grande parte delas, cooperam com a Segurança Social através de acordos que são estabelecidos e nos termos dos quais, a Segurança Social financia parte das respectivas despesas. Justamente, as CERCIS não cooperam com a Segurança Social, mas com o Ministério da Educação e, no meu ponto de vista, é basicamente ao abrigo da cooperação entre essas entidades e o departamento do Estado com quem têm essa cooperação que deve ser assegurado a essas entidades o suficiente para que elas possam subsistir.
Não sei se se estaria ou não a referir a uma outra coisa, que é o seguinte: se bem que não haja cooperação estabelecida entre as CERCIS e a Segurança Social, o que há é que o sistema de Segurança Social paga um subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial que também é aplicado às CERCIS. Em rigor, não devia ser assim. Os problemas de subsistência dessas entidades sem fins lucrativos deviam ser resolvidos no âmbito da cooperação com os departamentos do Estado e isso é algo distorcido na medida em que, relativamente a algumas entidades
— não acontece só às CERCIS — que têm cooperação, no domínio dos deficientes, com a Segurança Social, para além da cooperação estabelecida com os departamentos do Estado, é pago às famílias um subsídio de frequência de estabelecimento de educação especial.
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Em nosso entender, isso devia ser totalmente resolvido no âmbito da cooperação e não no âmbito do pagamento desse subsídio. De facto, no que respeita às CERCIS, é apenas no âmbito desse subsídio que existe, hoje, responsabilidade pela parte da Segurança Social na medida em que se estabeleceu, de acordo com o Ministério da Educação, que, para essas entidades, haveria também lugar a pagamento de um subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial.
No que respeita à relação entre pensões e população activa — prefiro não falar em pensionistas mas em pensões, visto que sabemos quantas pensões pagamos mas não temos a certeza de quantos são os pensionistas que as recebem — essa relação é de 1 para 2, o que é, obviamente, trágico.
No que respeita à transferência do Orçamento do Estado e àquilo que ela vai financiar, para além da questão de-demissão de receitas ou da não subida de receitas, nos termos previstos, há também que fazer face à amortização de empréstimos e encargos financeiros da Segurança social, originariamente não previstos. Isso tem que ver, em parte, com 2 erros que, aliás, foram cometidos por uma entidade estranha à Segurança Social no fim do ano passado e que fizeram com que esses encargos subissem. É também isso que está em causa e não, exlusivamente, o facto de não ter havido um subida nas receitas, tal coino estava previsto.
Quanto ao subsídio de desemprego e àquilo que foi pago o ano passado e este ano como subsídio de desemprego — excluindo a parte da contribuição como entidade patronal — em 1983, 4 834 000 contos — os dados que aqui tenho são do Orçamento revisto de 1983; não tenho aqui, imediatamente, os dados do fim do ano, mas terá andado à volta deste número e aquilo que está previsto para 1984 é 9 170 000 contos.
Quanto a outros pontos que foram levantados houve, por exemplo, algumas referências a eventuais diminuições de benefícios, nomeadamente no domínio do subsídio de doença e no domínio das pensões. Ora, nesses 2 domínios, o Orçamento revisto não foi feito com base na diminuição de benefícios; foi feito com base na correcção de previsões. Portanto, não há diminuição de benefícios relativamente ao que estava previsto, isto é, no que se refere ao subsidio de doença e às pensões.
Quanto à coordenação dos serviços do Estado, nomeadamente quanto à fiscalização, fiz-me entender mal. De facto, não estou satisfeita com aquilo que aconteceu. Se dei a impressão de que está tudo a correr bem, então, exprimi-me em termos perfeitamente incorrectos porque não disse que estava satisfeita. O que disse é que começou, há muito pouco tempo, uma actuação conjunta por parte da Inspecção do Trabalho e por parte dos Serviços de Fiscalização da Segurança Social — até porque estes são muito recentes — e que julgo que é uma cooperação susceptível de trazer resultados muito positivos. Mas, repito, se dei uma impressão de que estava satisfeita e de que estava tudo resolvido, então, dei uma impressão totalmente errada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Vou ser muito rápido, mas queria fazer ainda mais uma ou duas per-
guntas que as palavras do Sr. Ministro e da Sr." Secretária de Estado me suscitaram. Uma delas — há pouco tinha até perguntado ao Sr. Presidente se era ou não oportuno colocá-la naquele momento — é relativa à questão do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego. A verba para subsídios de desemprego diminui em 2 milhões e tal ou perto de 3 milhões de contos. Desde logo, surge uma questão que, embora seja técnica, não deixa de ter algum interesse: é que, diminuindo a verba para subsídios de desemprego, aumenta, na parte das contribuições para a Segurança Social, a contribuição do Fundo de Desemprego que passa de 1 920 000 contos para 2 200 000 contos. É certo que a diferença é menor — são apenas 300 000 contos —, mas gostaria que a Sr.a Secretária de Estado me esclarecesse.
Mas, indo à questão de fundo, esses 2 300 000 contos não vão ser gastos pela Segurança Social, não vão ser transferidos para o Estado. Então vão ser gastos ou não vão ser gastos no Fundo de Desemprego. Ora, no Fundo de Desemprego, o seguro de desemprego — como o Sr. Ministro reconheceu — não vai ser implementado este ano; 1 300 000 para tay-off, pouca aplicação — creio eu — terá e, portanto, esta verba de cerca de 3 milhões de contos de saldo positivo só poderá ser utilizada:
a) Em aumento das verbas para a formação
profissional;
b) Aumento dos activos financeiros para emprés-
timos ou subsídios a fundo perdido a empresas;
c) Aumento do saldo do Gabinete de Gestão do
Fundo de Desemprego para anos seguintes.
O que queria saber é qual vai ser efectivamente o fim destes 3 milhões de contos. Gostaria de ter uma resposta muito concreta. Obviamente que tirarei as minhas ilações, mas, porque são ilações políticas, não quero, neste momento, avançar mais.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais pedidos de inscrição e como tínhamos acordado terminar a reunião de hoje às 18 horas, vamos encerrá-la com os esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Ministro ou a Sra. Secretária de Estado.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: —
Em relação ao orçamento do Fundo de Desemprego, em primeiro lugar, insisto em que as transferências para a Segurança Social correspondem exactamente ao montante dos subsídios pagos. Alheando-me de problemas técnicos, a realidade é que essas transferências estavam inicialmente previstas em 14 milhões de contos e neste momento estão previstas em 12 milhões de contos. É evidente que, se em vez de 12 milhões tiver de pagar 12 milhões e tal de contos, tem de ser feita uma nova correcção e a Segurança Social tem de ser ressarcida. Da mesma maneira, se esse valor for menor, verificar-se-á o inverso.
Tem havido um problema pendente que é o de saber quem é que suporta os encargos das despesas de administração para o pagamento do Fundo de Desemprego. Estamos exactamente a chegar a um acordo, que é facilitado pelo facto de serem 2 departamentos do mesmo Ministério, no sentido de se encontrar uma fórmula que seja equitativa de maneira a que seja
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realmente o Fundo de Desemprego a suportar os encargos que a Segurança Social agora tem que suportar para pagar estas prestações.
Quanto à outra pergunta que fez, não tenho aqui — por lapso — as alterações que o último orçamento do Fundo de Desemprego sofreu. O que lhe posso dizer a esse respeito é que, de acordo com um documento que foi enviado à Assembleia, na parte que parece interessar mais aos Srs. Deputados, está discriminado o tipo de despesas que têm sido feitas pelo Fundo de Desemprego desde 1982 até 1984 e em 1984, relativamente ao 1.° semestre, o que se verifica é que há despesas do funcionamento do Gabinete de Gestão de 300 mil contos; do Instituto de Emprego e Formação Profissional 4,3 milhões de contos; as despesas do Instituto do Emprego e Formação Profissional têm todas a ver com acções de formação profissional e, naturalmente, com os centros de emprego, mas há aí um incremento das acções de formação profissional.
Como têm verificado pela simples leitura dos jornais, tem sido muito incrementado o número de acordos e protocolos que têm sido celebrados com empresas particulares ou grupos de empresas. Isto porque se está a verificar que as acções de formação profissional postas directamente a cargo dessas entidades são muito mais rentáveis e aproximam muito mais a formação profissional das disponibilidades de emprego. Pode dizer-se mesmo que aproximaram a 100 %. Verificava-se nos centros de formação profissional estatais ou oficiais que alguns deles não estão a funcionar devidamente. Estamos a fazer um esforço nesse sentido e, muito em breve, será tirado o devido proveito da sua existência, mas com novas reformulações. É que, até aqui, as inscrições nos centros dependiam exclusivamente da vontade dos trabalhadores que se pretendiam formar sem cuidar de saber se aquela formação era ou não requerida e adequada ao mercado de emprego e tinha até a consequência de, no termo do curso de formação profissional, se o trabalhador não encontrasse emprego, passava a ter direito a subsídio de desemprego. Ora, eu considero este sistema profundamente errado.
Em primeiro lugar, as acções de formação profissional devem ser orientadas para os empregos disponíveis e estarem em consonância com o mercado de emprego, sendo, portanto, necessário que haja uma garantia suficientemente prática e sólida de que a formação profissional conduz ao desempenho de determinado posto de trabalho. Por outro lado, não me parece justo que um trabalhador que já tem, digamos assim, o privilégio de obter um curso de formação profissional em relação a outro trabalhador, que não tem esse mesmo curso nem tem emprego, tenha, ainda por cima, a regalia de vir a ter direito a um subsídio de desemprego quando o outro trabalhador o não tem.
Portanto, está a ser operada toda uma transformação, neste domínio, mas sobretudo no que respeita a questões orçamentais o que há é um desenvolvimento e um aumento muito substancial de acordos que têm que ver com a formação profissional, com empresas, com instituições privadas, etc, que têm aumentado as despesas neste domínio.
Aliás, isto constitui uma politica de preparação do nosso país para a entrada nas Comunidades Europeias. Como sabem, o Fundo Social Europeu permi-
te obter um financiamento, normalmente de 50 % — nós pretendemos até que seja mais nos primeiros anos —, nas acções de formação profissional e só na medida em que tenhamos essas acções de formação profissional Financiadas oficialmente é que poderemos, naturalmente, obter o apoio respectivo do Fundo Social Europeu. É nessa medida que estamos a trabalhar para estarmos habilitados a obter os recursos que as Comunidades Europeias podem transferir para o nosso país a seguir à entrada de Portugal no Mercado Comum.
No que respeita aos apoios para a criação e manutenção dos postos de trabalho que, no 1.° semestre, foram no valor de 2 milhões de contos, o que há que anotar é o seguinte: há verbas — a de 1,3 milhões de contos, por exemplo — que aqui estão mencionadas, que respeitam ao Orçamento de 1983, mas que foram processadas em 1984, e daí, que, em boa verdade, pertençam ao Orçamento de 1983. Acontece que o Secretário de Estado de Emprego, com a minha inteira concordância, quando assumiu funções entendeu que não deveria despachar qualquer pedido de apoio financeiro sem ter uma ideia geral dos pedidos existentes e sem definir previamente os critérios que deveriam presidir a essas decisões. Por isso mesmo, foram estudados todos os pedidos existentes, foi feita uma triagem, foram afastados uma série deles que estavam já ultrapassados, foram postos de lado outros que não obedeciam aos requisitos necessários, depois, foram considerados aqueles cujo despacho podia ser encarado favoravelmente e, no final do ano, para aproveitamento das verbas de 1983, foram concedidos uma série de apoios financeiros que, exactamente por só terem sido processados em 1984, constam do Orçamento e das contas de 1984.
Creio que são estas as respostas que tinha a dar. Posso ainda dizer — de acordo com o que já disse no Plenário da Assembleia da República — que nesta matéria procurámos sempre ter a possibilidade de tomar decisões que fossem fundamentadas em critérios objectivos e uniformes. Para isso é necessário, em primeiro lugar, reduzir o universo das empresas que podem recorrer ao Fundo de Desemprego. É que ele não tem recursos que lhe permitam ser uma entidade financeira equiparada a qualquer instituição bancária. Portanto, tem uma verba da ordem dos 4,5 ou 6 milhões de contos que dá para atender a certos casos especiais, mas não dá para atender a casos gerais.
O que é que se verificava até aqui? É que todas as empresas pediam financiamentos e, muitas vezes, eram até as próprias instituições financeiras que encaminhavam as empresas para o Fundo de Desemprego. Não é possível! Assim teria que ser num totobola! Não é possível tomar uma decisão que tenha que ser a mesma relativamente a todos os casos que são submetidos ao Fundo de Desemprego. O que fizemos foi reduzir o universo das empresas que recorrem ao Fundo de Desemprego. Como? Acabando com os subsídios a fundo perdido — foi logo uma decisão que permitiu reduzir os casos a estudar —; em segundo lugar, estabelecendo como orientação politica que o Fundo de Desemprego só apoiaria empresas que tivessem em curso um projecto de viabilização e perante a demonstração de que, com aquele apoio financeiro, a empresa seria viável. Sem essa demonstração, não houve, com este Governo, concessão de qualquer apoio financeiro a qualquer empresa. Mas, ainda as-
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sim, verifica-se que não temos recursos suficientes para atender a todos os casos com o mesmo critério.
A nossa evolução, pelo menos a proposta que o Ministério do Trabalho e da Segurança Social vai fazer é a de estabelecer como critério que o Fundo de Desemprego só tem vocação para apoiar acções específicas de criação de novos postos de trabalho ou de manutenção desses postos, mas em operações que impliquem reconversões ou novos investimentos.
Portanto, não é para apoiar gestões eventualmente erradas, quer dizer, sem haver modificações estruturais nas empresas, mas só quando houver modificações estruturais em sectores industriais ou em empresas que o Fundo de Desemprego deve intervir para apoiar e para tornar viáveis essas reconversões. Assim, estamos efectivamente a diminuir consideravelmente o número das empresas que podem recorrer ao Fundo de Desemprego e estamos a manter a nossa determinação no sentido de as decisões tomadas neste domínio, que é susceptível de levantar sempre as maiores suspeições — e o que sobretudo me espanta é que as suspeições se levantam exactamente no momento em que se está a fazer um esforço a nível governamental superior àquele que algum dia se fez no sentido de actuar com inteira transparência, clarividência, limpidez e com base em critérios objectivos e publicamente anunciados — sejam devidamente ponderadas.
De qualquer modo, creio que está perfeitamente claro qual é a política do Ministério, qual é o sentido da actuação do Ministério. Posso responder perante os Srs. Deputados — avançando qualquer caso particular que tenham em vista — perante o cumprimento na medida em que são do conhecimento dos membros do Governo estes critérios que há pouco enunciei. As verbas para este fim tendem a reduzir-se mas não é exacto que as verbas de que dispõe o Fundo de Desemprego sejam excessivas. Devo dizer que aquele Fundo tem uma receita que se pode prever para 1985 da ordem dos 52 milhões de contos. E para usar o exemplo de um país que é análogo ao nosso, refiro que a Irlanda, só em acções de formação profissional, gastou em 1984 60 milhões de contos, indo naturalmente buscar outra verba equivalente, ou pelo menos metade, ao Fundo Social Europeu.
Necessariamente, pelo Fundo de Desemprego ou por qualquer outra via, nós temos de fazer despesas de investimento nas áreas que são susceptíveis de alterar a situação real do nosso país.
A minha convicção é de que não podemos continuar como estamos. E mais uma vez digo que não sou perito nestas matérias — não me custa nada reconhecê-lo —, mas sei o suficiente, pelo menos, para fazer as afirmações que ouso fazer. Nós temos uma outra estrutura de peso excessivo em despesas de consumo e de peso muito pouco significativo de despesas que permitam preparar o nosso futuro. Aqui é que reside, a meu ver, o problema vital do nosso país em questões orçamentais e em questões de política.
Temos efectivamente de melhorar o nosso sistema produtivo, ter verbas disponíveis para reformular completamente o sistema produtivo, no sentido de reorganizar os vários sectores comerciais e industriais, sob pena de a nossa economia não ter um grau de competitividade suficiente para sustentar, a um nível aceitável, as condições de vida do nosso país, que todos queremos melhorar.
Da parte do Ministério do Trabalho há consciência disso. Temos a tendência para reduzir o montante dos apoios financeiros, e, de acordo com o que foi anunciado, temos de aumentar as verbas para a protecção dos trabalhadores desempregados. Esse aumento terá de ser significativo para cobrir os encargos que resultam do novo regime já discutido no Conselho de Concertação Social e que ai obteve um parecer favorável, temos de aumentar as despesas com acções de formação profissional e temos, nomeadamente, de dotar o País com uma rede de centros de formação profissional, na linha de um programa que, aliás, já foi delineado pelo anterior Governo, e estas são despesas que efectivamente valem a pena ser feitas através do Fundo de Desemprego. Porque, se ao Ministério do Trabalho compete dar um contributo para a melhoria da situação do emprego no nosso pais, isso terá de ser por estas vias e não dando subsídios e coisas do estilo, que não modificam em nada a situação e que apenas servem para disfarçar um pouco o mal--estar e as dificuldades por que passam os agentes económicos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, tínhamos decidido que iniciaríamos a segunda parte da reunião por volta das 18 horas.
De qualquer modo, tem a palavra a Sra. Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.a nda Figueiredo (PCP): — Nos mapas, a que se referiu o Sr. Ministro, do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, podemos verificar que no 1.° semestre deste ano há um saldo de 6 milhões de contos. Ora, parece um bocado excessivo haver em meio ano um saldo positivo, no momento em que a situação do pais é a que todos conhecemos, e gostaria de saber a que se deve isso. Agora, outra questão que gostaria de colocar: o Sr. Ministro disse que têm sido anunciados os critérios com base nos quais têm sido atribuídos subsídios às diferentes empresas. Simplesmente, acho que uma coisa é anunciar critérios e outra é divulgar a lista das empresas e todos os elementos que têm a ver com a atribuição desses subsídios. E sobre isso, até ao momento, apesar de diversas vezes o termos solicitado, não nos foi fornecido nada sobre o assunto. Quanto aos critérios de atribuição, sim, mas, como bem sabe, há uma grande diferença entre enunciar critérios e concretizá-los. Acho, portanto, que não basta ficar-se por aí.
Ainda uma outra questão que gostaria de pôr. Tendo em conta, por um lado, este saldo que aparece de 6 milhões de contos e, por outro, o reforço que agora, de alguma forma, aparece por diminuição das verbas que são transferidas para pagamentos de subsídios de desemprego — volto a repetir, em relação à diminuição dos trabalhadores desempregados, que desce de 11 370 000 para 9 170 000 — pergunto, com tudo o que isto significa de reforço efectivo da verba do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, como é que num curto espaço de tempo vai ser distribuído um volume tão elevado de dinheiro por empresas que podem vir a receber tais subsídios.
O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao Sr. Ministro do Trabalho para responder, mas vamos considerar que não há mais inscrições. Se for necessário mais alguma sessão de esclarecimento pediremos a co-
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laboração do Governo, mas temos também que manter o calendario, porque se não a reunião seguinte ficará prejudicada.
Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: —
Vou tentar responder rapidamente.
Esse saldo será meramente contabilístico, mas não tenho as contas em relação ao semestre. No entanto, devo dizer-lhe que em termos do Orçamento revisto se mantêm 766 000 contos para funcionamento do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego, 11 118 000 contos para o Instituto de Emprego e 12 milhões de contos para a Segurança Social. Insisto que essas verbas têm a ver com as empresas e o que me interessa é a verba global.
O orçamento do Fundo de Desemprego vai transferir, de acordo com a última versão, 12 milhões de contos para a Segurança Social. Para a suspensão de contratos de trabalho, 1 300 000 contos e, depois, há verbas menores como 5 050 000 contos para apoios financeiros a empresas. Temos 14 milhões de contos para o Orçamento do Estado e 2 305 000 contos para compromissos de anos anteriores.
Este é o Orçamento do Fundo de Desemprego. Evidentemente que não há para distribuir todos esses milhões de contos que a Sr." Deputada julga. Posso dizer-lhe até que o orçamento do Fundo de Desemprego está a ser gerido por duodécimos e que todas as verbas disponíveis em cada duodécimo . . .
A Sr.a Ilda Figueiredo (PCP): — (...)
O Orador: — Isso é um orçamento de semestre e não sei como é organizado. Não sou contabilista, sou político e o que lhe posso dizer é a realidade, a qual não sei se está traduzida e se deve estar . . .
A Sr." Ilda Figueiredo (PCP): — (...)
O Orador: — Sr.a Deputada, uma coisa é responder a pedidos que se fazem para saber qual é a situação no 1.° semestre e outra coisa é dizer politicamente qual é a situação do Fundo de Desemprego. Estou a dizer-lhe — e respondo por isso — que têm sido concedidos apoios financeiros às empresas, por duodécimos, de acordo com a gestão orçamental, e naturalmente têm sido utilizadas as verbas disponíveis para esse efeito.
No que respeita ao outro problema das listas de empresas, a situação é a seguinte: não tenho qualquer dificuldade própria em divulgar listas de todas as empresas que têm apoios financeiros da parte do Governo. Aliás, esses apoios financeiros são objecto de publicação no Boletim de Trabalho e Emprego. Mas não o faço publicamente por uma simples razão, que é a de entender — e até ao momento não me convenci do contrário — que não é favorável para uma empresa dar dados, publicamente, que denotem os seus financiamentos, sobretudo quando eles pressupõem dificuldades económicas e financeiras. Não creio que os Srs. Deputados peçam à Banca para divulgar a lista dos financiamentos que são feitos. A este respeito, embora a situação seja um pouco diferente, nem oito nem oitenta.
O Conselho Permanente de Concertação Social, que é um órgão de participação dos parceiros sociais mais
restrito e que não faz correr riscos no que respeita à situação das empresas, tem a relação completa de todos os apoios financeiros concedidos, mas não penso que se deva fazer uma grande divulgação desses apoios financeiros, porque é expor excessivamente a vida das empresas e, porventura, sujeitá-las a prejuízos graves pelo facto de ser conhecida a sua situação. Esta é a única razão que me tem levado a não divulgar nem mandar para os Srs. Deputados as listas completas de subsídios de apoios financeiros concedidos às empresas.
Devo dizer que os trabalhadores têm conhecimento dos apoios financeiros, bem como a Inspecção do Trabalho. Isto não é, portanto, nada que se meta dentro de uma caixinha e que ninguém pode saber. Mas uma coisa é isso e outra é permitir que se faça a divulgação, comentários, etc, e que ponha a nu a situação e a vida económica de cada uma das empresas. Penso que isto é qualquer coisa que contraria — pelo menos segundo a minha formação — as regras que devem presidir à gestão de uma empresa.
Agora, não é tão secreto como isso qualquer apoio que se tenha concedido a uma empresa, até porque, infelizmente, esses documentos que se entende não deverem ser divulgados são, às vezes, objecto de fugas e toda a gente tem essas informações. Mas uma coisa é isso, saber-se através de fugas, e outra é saber--se através de um acto voluntário e consciente de quem tem as responsabilidades de não contribuir para situações com inconvenientes no domínio da nossa economia.
De qualquer maneira, se os Srs. Deputados fizerem alguma pergunta a respeito de todo e qualquer apoio financeiro que seja concedido a uma empresa, serão imediatamente informados.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluímos agora esta parte da reunião. Creio que o seu objectivo não é o de esclarecer todas as dúvidas que temos, mas só aquelas que foram suscitadas e na medida em que parece ser necessário para a votação.
Do decorrer dos trabalhos já se viu que a ocasião melhor para se discutirem alguns problemas de fundo será a propósito do Orçamento para 1985 e não agora.
Antes de finalizar esta parte da reunião queria agradecer ao Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social e à Sr.a Secretária de Estado da Segurança Social o seu esforço e empenhamento nesta sessão, que foi muito longa, bem como todos os esclarecimentos que foram prestados aos Srs. Deputados e à comissão.
Está suspensa a reunião.
Eram 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a reunião. Eram ¡8 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Ministro da Saúde vai fazer uma exposição inicial e depois faríamos um período de pedidos de esclarecimento.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. Bagão Félix (CDS): — É uma questão processual. Como é que vão ser feitas as votações na especialidade?
O Sr. Presidente: — Temos de combinar isso em comissão, porque não há precedentes. Nós tínhamos o texto completo do Orçamento quando foi feito para 1984, mas neste momento não temos e estamos a concluí-lo. Penso que podemos voltar ao sistema de votar capítulo a capítulo, mas temos que discutir isso.
Só não lhes coloquei o problema, em relação ao Orçamento anterior, porque alguns Srs. Deputados tinham algumas dúvidas e queriam obter ainda elementos adicionais, não se considerando em condições de votar. Designadamente, foram solicitados elementos sobre a execução orçamental deste ano e algumas rubricas.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro da Saúde (Maldonado Gonelha): — Nesta primeira parte procuraria dar os elementos mais característicos da necessidade deste reforço orçamental.
A primeira explicação que vou dar talvez seja redundante, mas serve para nos situarmos. Como sabem, podemos dizer que o orçamento do Ministério da Saúde é dividido em 2 grandes fatias. Tem os departamentos do Estado, como todo e qualquer outro Ministério, ou sejam, as suas direcções-gerais, e tem depois o orçamento do chamado Serviço Nacional de Saúde.
No que se refere à primeira parcela, que é muito pequena — é talvez o Ministério que tem o orçamento mais baixo —, não houve qualquer necessidade de reforço. Pelo contrário, até se ganhou alguma coisa. Estas, portanto, são as despesas que o titular da pasta pode directamente comandar e dicidir. Já as despesas do Serviço Nacional de Saúde se dividem, elas próprias, em dois grupos. Umas em que o ministro, ainda que indirectamente, pode influir e outras em que não tem qualquer tipo de influência. Isto porque o Serviço Nacional de Saúde é caracterizado por um conjunto de estabelecimentos que gozam de autonomia administrativa e financeira. São, por um lado, os hospitais e, por outro, as administrações regionais de saúde.
No que diz respeito às despesas em que o ministro pode ter alguma influência, são medidas indirectas, do género de montar indicadores de gestão, controle de gestão, difusão dessa informação de gestão, metas a atingir, etc.
As outras despesas dependem meramente dos consumos feitos pelos cidadãos que se apresentam nesses estabelecimentos.
Foi aqui que tivemos este ano problemas agravados, os quais deixei bem claro na reunião que aqui tive com a Comissão de Saúde, Segurança Social e Família, dizendo que o Orçamento tinha sido feito, segundo indicação do Ministério das Finanças, na perspectiva de que os preços evoluíram apenas cerca de 22 %, em média. E as contas foram feitas nessa base. j
Acontece, porém, que os preços evoluíram acima desse valor.
Como sabem, no Ministério da Saúde não há medidores de indicadores de preços, havendo, contudo, uma maneira indirecta de os apreciarmos, porquanto havia na Secretaria-Geral um departamento de apro-
visionamento que fazia concursos para os hospitais. Aliás, tenho vindo a incrementar a participação desse departamento nos concursos porque, se eles forem feitos, permite ganhar importantes economias de escala. Foi através desses concursos que verifiquei a evolução dos preços. Os preços que registámos são diferentes daqueles que se apontavam no. índice do Instituto Nacional de Estatística. Como sabem, no sector Saúde há esse índice e os preços aí registados foram mais baixos. E isso tem uma explicação: é que são concursos nacionais em que os fornecedores, por grandes quantidades, fornecem a preços mais baixos.
De qualquer maneira, devido às dívidas acumuladas, que todos os anos têm transitado, o espaço de manobra desses concursos é cada vez mais pequeno.
Nos índices, a evolução que registámos foi a seguinte: alimentação, mais 36,1 % (nos hospitais fornecemos cerca de 20 milhões de refeições por ano), e nos medicamentos, cerca de 38 %. Não vou alongar-me, mas a média dos preços em consumos hospitalares evoluiu entre os 38 % e 40 %. Isto foi medido entre Dezembro de 1983 até finais de Julho, e em alguns casos Agosto, de 1984.
Assim, foi previsto que a factura dos medicamentos andasse à volta dos 14,5 milhões de contos, que era aquele valor que aqui referimos.
Posso explicar-vos como as contas foram feitas. A multiplicação sucessiva é simples de fazer. Em 1983 o volume total de vendas de medicamentos em Portugal foi de cerca de 38 milhões de contos, e o Serviço Nacional de Saúde é responsável por cerca de dois terços de consumo nesta matéria. Portanto, dá 38 milhões de contos vezes 0,66. O sistema de comparticipações, que agora foi criado, prevê uma comparticipação média de 52 °7o. Portanto, será isto vezes 0,52. Multiplicando por 1,22, que seria o agravamento de preços, encontrávamos qualquer coisa à volta dos 14,3. Daí se terem escrito 14,5 com uma tolerância para 15.
Ora, acontece que realmente estamos a caminho de uma factura mensal média de 1,5 milhões de contos, o que atira para cerca de 18,5 milhões de contos. Se fizerem as mesmas contas substituindo agora 1,22 por 1,38 encontram, exactamente, os 18,5 milhões ou à volta disso.
Por outro lado, a factura será um pouco mais elevada que os 18,5 milhões de contos, mas pouco, na medida em que o novo sistema de comparticipações só entrou em vigor em 1 de Março de 1984. Não entrou em 1 de Janeiro porque houve que acertar com a ADSE e isso levou mais tempo. Isso é importante, na medida em que, pelo seu próprio regime, a ADSE constitui um factor de pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde. Isto é, no Ministério da Saúde, um factor de preocupação, e para o Orçamento de 1985 poderemos discutir mais a evolução do Serviço Nacional de Saúde relativamente ao PIB e ao Orçamento do Estado.
Grosso modo, posso dizer que o orçamento do Serviço Nacional de Saúde já atingiu cerca de 4 %, um pouco mais, do PIB e que nos últimos anos tem vindo a cair, tendo representado em 1983 cerca de 3,1 % e atingindo em 1984 à volta de 3 % do PIB.
Por outro lado, o Orçamento do Estado de 1973 a 1977 evoluiu mais ou menos 539,8 %, quase 540 %, enquanto que o orçamento do Serviço Nacional de Saúde evoluiu apenas 322 %. Isto quer dizer que tem
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havido um gasto menor nas despesas com a Saúde. Em termos reais pode dizer-se que desde 1982 o valor real do orçamento do Serviço Nacional de Saúde tem vindo a ser negativo. Até 1982 ele cresceu. Posso dizer que em 1978 foi de 0,6 °7o, em termos reais do valor constante do dinheiro, depois de deflaciona-do, com o índice de preços na Saúde e não o índice de preços geral. Em 1979 cresceu 18,5 %; em 1980, 12,8 % e em 1981 19,1 %. Já em 1982 foi menos 8,3 "/o; em 1983 foi menos 4,1 °?o e em 1984 foi qualquer coisa da mesma ordem de grandeza.
Isto é um panorama que nos dá um pouco a evolução da situação das receitas da Saúde.
Obviamente que no Ministério da Saúde houve mais despesas em 1983 e 1984, particularmente neste último ano, dada a entrada em funcionamento em pleno de 2 novos hospitais e de outros estabelecimentos de saúde. Por vezes não se faz contas a isso, mas o facto de se construírem novos estabelecimentos de saúde quer dizer que quando entram em exploração vão custar mais dinheiro.
Em termos hospitalares, as médias que temos encontrado são deste género: a exploração de um hospital custa por ano cerca de um terço do valor do seu investimento.
Dir-se-á então que 7,5 milhões de contos é pouco para tudo isso. De facto, os aumentos de encargos foram mais altos do que esta verba. Simplesmente, ganhou-se nas tais medidas indirectas que estão ao alcance de quem está neste lugar. E quais foram elas? Particularmente foram em pessoal e também em racionalização de consumos. Em pessoal conseguiu-se uma coisa que não se esperava que fosse tão elevada. Tínhamos aqui falado que as horas extraordinárias eram brutais no Ministério da Saúde. Em 1983 representavam cerca de 30,2 % do vencimento base e neste momento representam apenas 8,56 %. Os tarefeiros do Ministério da Saúde chegaram a ser cerca de 9000 e tal neste momento são à volta de 6000.
Alguns bloqueios de lentidão da máquina burocrática na aprovação de concursos têm levado em muitos casos ao recurso da figura de tarefeiros para médicos, para enfermeiros e para técnicos paramédicos. Simplesmente, com o pretexto das necessidades destes técnicos, verificou-se que se metiam pessoas que eram menos necessárias ou até desnecessárias. Não era por acaso que havia um quadro enorme de escriturários, dactilógrafos e auxiliares de saúde, portanto serventes, que eram desnecessários.
Ora, esse facto é preocupante na área da Saúde e esses quadros têm que ir sendo progressivamente corrigidos. Como já referi, atingimos resultados que não esperava, mas ainda é necessário continuar a procurá--los, na medida em que no campo da saúde os encargos de pessoal chegaram a atingir cerca de 60 °7o do orçamento, neste momento estão em cerca de 52 % e, no Orçamento para 1985, estimo que fiquem à volta dos 45 °/o.
Daí perceber-se-á por que é que os ganhos que se obtiveram num lado foram absorvidos e não chegaram para cobrir o aumento de encargos, sobretudo devido ao aumento de preços. É evidente que também houve aumento de consumo porque houve 2 hospitais que entraram em serviço e houve a colocação de médicos na periferia do concurso dos então P4 e agora P5. Portanto, tal facto levou a que apareçam consumos, particularmente em receituário.
Gostava de, mais uma vez, deixar aqui sublinhado que o sistema do não pagamento atempado aos fornecedores é algo de perigoso, na medida em que se criam tensões sérias, mas sobretudo em cadeia, porque os fornecedores que não são pagos ficam a dever à Previdência e aos seus próprios fornecedores. Portanto, tal facto leva a repercussões muito sérias.
Contudo, pior do que isso é que esse sistema pode levar, por um lado, a que haja um excesso de consumo para fazer factura e, por outro lado, leva necessariamente a uma situação que é a de pagar mais caro aquilo que se compra, na medida em que o fornecedor se defende nos preços e cada vez é menor a gama de fornecedores dispostos a responder aos concursos. Verifiquei isso há dias numa situação simples, que foi num concurso para aquisição de disketes para o serviço de informática que entretanto foi relançado, em que o concorrente que ganhava apresentava um preço na ordem de 760 e tal escudos por diskete enquanto que se formos ao mercado com o dinheiro na mão, o seu valor é de 450$ ou 470$. Bem, como o volume do dinheiro não era muito grande e ainda tínhamos balanço do dinheiro da tesouraria, foi pago a pronto e então conseguiu-se pagar um preço mais baixo. No entanto, a resposta do fornecedor tinha sentido, na medida em que ele dizia «tenho que me defender porque os senhores só pagam daqui a 7 ou 8 meses».
Os atrasos de pagamentos que se encontravam no campo da saúde quando lá cheguei eram à volta dos 5 meses. Neste momento e em alguns casos, os atrasos de pagamentos não chegam a atingir 4 meses. As dívidas que transitaram de 1983 para 1984 foram da ordem dos 12 milhões de contos, sem contar com as Misericórdias, e neste momento, com este Orçamento suplementar, vamos passar o ano com dívidas na ordem de 10,8 milhões de contos.
Apesar de a situação ter por vezes características dramáticas, e não quero empolar a palavra, porquanto em alguns dos casos os preços foram ajustados em 1977, 1978, 1979, 1980 — vide o caso da hemodiálise —, começa a ser muito difícil estar a pagar com preços estimados com esta diferença de anos e, ao mesmo tempo, com dívidas acumuladas de 3 ou 4 meses.
A situação das dívidas tem que ser encarada de outra maneira, porque neste sector não se pode ter dívidas. As dívidas pagam-se caro em termos de gestão, mas também se pagam caro em termos de prestação de serviço. Essa será uma discussão a ter depois, mas o apontamento fica aqui.
Portanto, em síntese, a situação é esta.
O Sr. Presidente: — Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Vidigal Amaro, Zita Seabra e Bagão Félix.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): — Sr. Ministro, há quase 1 ano tivemos nesta sala uma conversa sobre o Orçamento. Já nessa altura dissemos que o dinheiro não chegava.
Hoje o Sr. Ministro referiu-se a 2 pontos: racionalizar e economizar. Ora, com este Orçamento Suplementar verifica-se que esses 2 pontos não foram atingidos.
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Uma das coisas que foi muito falada e que o Sr. Ministro se prontificou a desenvolver no seu Ministério foi a melhoria do equipamento instalado, ou seja, pôr a funcionar os equipamentos existentes.
Falou-se que havia alguns milhões que iam para o sector privado porque o sector público não funcionava. Para citar 2 casos, lembro-me, por exemplo, do problema das radiografias e o das análises clínicas.
Concretamente, Sr. Ministro, gostaria que dissesse quanto dinheiro foi para o sector privado para análises e para raio X — e isto, para não falar nem na fisioterapia nem na hemodiálise — por os serviços públicos não funcionarem. Como se tem verificado, recorre-se aos serviços privados porque nos serviços públicos há esperas de meses ou funcionam muito pouco — por exemplo, só se fazem meia dúzia de raio X por dia. Por conseguinte, tem que se recorrer mais ao sector privado.
Outro problema que também foi muito falado é o que diz respeito ao pessoal e, principalmente, à colocação dos médicos saldos dos concursos. Neste aspecto estamos muito pior do que há 1 ano atrás. Os médicos continuam sem ser colocados, continuam a acotovelar-se dentro dos hospitais centrais. O Sr. Ministro sabe tão bem como eu que há médicos que vão aos hospitais apenas para assinar a folha de presenças e nem sequer o fazem todos os dias porque não é necessário eles lá irem todos os dias, porque estão a mais, porque estão à espera de colocação, porque há sempre médicos a mais nos serviços. Portanto, eles apenas vão assinar para receberem o dinheiro no fim do mês, mas a verdade é que na periferia se continua a notar cada vez mais a falta desses especialistas.
Em relação aos próprios clínicos gerais não se verificou nem sequer uma colocação na periferia. Ora, isto é constatado por todos nós! Basta lermos no Diário da Assembleia da República os requerimentos feitos por deputados de todos os grupos parlamentares, em que dizem que nas suas vilas alguns serviços deixaram de funcionar, que há menos médicos, que fecharam alguns postos médicos precisamente porque os médicos não só não são colocados, como os que lá se encontram são transferidos. Chega-se ao cúmulo de um médico que esteja colocado numa vila, por conseguinte num concelho, ser colocado noutro lado e ser substituído por outros 2 médicos a quem se paga os transportes para fazer a consulta, ou seja, a Caixa que se fazia antigamente. Ora, isto continua a verificar--se. Para quando a colocação dos especialistas? Para quando a realização dos concursos?
Uma outra questão que também foi muito falada foi a dos paramédicos. O Sr. Ministro disse que era necessário dar aos monitores um estatuto condigno. Para quando, Sr. Ministro? Para quando abrir mais escolas de enfermagem? E em relação às que existem, quando é que é aumentado o seu número, ou seja, em vez de funcionarem com 25 inscrições funcionarem com mais pessoal?
Para já, nesta primeira fase, gostaria apenas de me referir ao problema dos medicamentos, que é um problema grave. E é um problema grave porquanto — tal como o Sr. Ministro disse — estavam previstos 14,5 milhões de contos e atingiu-se 18,5 milhões. E a questão não é aumentando a comparticipação dos utentes.
A comparticipação dos utentes aumentou, mas é escandaloso que em Portugal os medicamentos tenham
aumentado 37,8 %, que o material para pensos tenha aumentado 45,6%, que o material para pace-makers tenha aumentado 56,2 %, que os desinfectantes tenham aumentado 51 %, que os produtos lácteos para pediatria tenham aumentado 42,3 %. Isto não pode ser, Sr. Ministro! Isto bate todos os records de inflação!
O Sr. Ministro da Saúde: — Leu a minha carta!?
Vozes do PCP: — O Sr. Ministro deu-nos os números!
O Orador: — O Sr. Ministro diz que não tem culpa. Então o Governo também não tem culpa? Quem é que autoriza estes aumentos de preços? Não só os serviços pioraram como os utentes, além de terem piores serviços, pagam mais e o Estado ainda paga mais.
Quem é que lucra com estes aumentos? Para onde é que vão estes 7,5 milhões de contos? Vão para as multinacionais. As multinacionais das indústrias farmacêuticas põem cá os produtos, aumentam-nos praticando os preços que querem. Paga o Estado uma parte e o utente paga a outra — aqueles que podem pagar porque há muita gente que hoje em dia já não consome medicamentos receitados pelos médicos porque chegam à farmácia e perguntam qual é o mais barato para a doença deles e é esse que compram.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro prefere responder já ou no fim a todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Ministro da Saúde: — É indiferente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Nesse caso, tem a palavra a Sr." Deputada Zita Seabra.
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Sr. Ministro, em primeiro lugar quero esclarecer que não conhecemos a carta escrita por V. Ex.a para o Sr. Secretário de Estado do Orçamento e temos pena, pois talvez ficássemos a saber algo mais sobre as finanças e a situação económica do seu Ministério. Apenas conhecemos os números que foram dados para fundamentar este reforço de verba de 7,5 milhões de contos.
Sr. Ministro, tenho pena que V. Ex." não tenha vindo à Comissão de Saúde porque seria possível discutir um pouco a política de Saúde. Porém, não é agora a altura indicada para isso, pois estamos na Comissão de Economia, Finanças e Plano a discutir única e simplesmente a revisão orçamental e, portanto, vou-me restringir apenas às questões relacionadas com isso e não ao muito que terámos para dizer sobre a política de Saúde do seu Ministério. Já que estamos nesta sede, parece-me que o justo é abordar fundamentalmente a questão da revisão orçamental.
Assim, gostaria de me referir a duas questões fundamentais, sendo a primeira a dos medicamentos. Sr. Ministro, há um aumento da despesa com os medicamentos, ao mesmo tempo que sobe a comparticipação do utente. Isto é, quando há uns meses atrás era previsível que houvesse uma previsão de uma verba que viesse diminuir a despesa com medicamentos, a situação é inversa porque o preço dos medicamentos aumenta.
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Ao longo de vários anos e sempre que discutimos o Orçamento da Saúde, o meu partido tem dito quais são as medidas políticas que preconiza para pôr um travão a este aumento brutal de medicamentos. Ora, essas medidas políticas não passam pelo prejuízo do utente nem pelo aumento da comparticipação do utente. Passam, clara e inequivocamente, por uma série de medidas — que, aliás, são simples e estão em vigor noutros países, até em países que têm meios muito mais ricos do que o nosso — que há anos vimos preconizando, que todos os ministros quando tomam conta da Pasta dizem que vão fazer, mas que depois não fazem. E o que é certo é que a despesa com os medicamentos vai aumentando de ano para ano.
Em relação a isso vou apenas citar alguns exemplos que temos referido, como seja, desde uma aplicação rigorosa e séria de um formulário nacional, até ao uso da unidose, até aos concursos nacionais para os hospitais feitos a tempo e horas para o fornecimento de medicamentos, até ao controle efectivo dos preços dos medicamentos, até à diminuição do número de drogas com o mesmo efeito que têm os nomes e os preços mais variados, enfim, há uma multiplicidade que não vale a pena estar a referir mais.
Porém, o que é certo é que até hoje — e esta é uma questão de politica central — as únicas medidas que têm sido tomadas são as de pôr os utentes a comparticipar mais e a ir buscar mais dinheiro ao Orçamento do Estado. Ora, as multinacionais, essas, estão impávidas e serenas buscando claramente os seus lucros num pais que tem dificuldades económicas tão grandes como as nossas.
Quanto a nós, isto não pode continuar. Não é aceitável que haja medicamentos que duplicam ou triplicam o preço ao longo do ano. Aliás, este ano temos vários exemplos de medicamentos que subiram três vezes de preço sem nenhum controle efectivo por parte do Governo no seu conjunto — não só do Ministério a que V. Ex.a pertence como também do Ministério do Comércio e Turismo. Ora, esta responsabilidade é clara e inequívoca por parte do Governo, que não faz aquilo que fazem outros países desenvolvidos que batem o pé às multinacionais e que não as deixam actuar como actuam em Portugal.
O Ministério a que o Sr. Ministro pertence vem pedir um reforço de 7,5 milhões de contos, sem que tal se traduza em nenhum benefício do utente. Isto é, não temos melhor serviço de saúde, mas sim pior; a situação nos hospitais é de degradação e não de melhoria; a situação nos centros de saúde e em todos os outros serviços públicos de saúde é de agravamento das condições em que o utente é tratado. Apesar de tudo isto, as despesas aumentam, nomeadamente as verbas que se desviam do serviço público para o sector privado — portanto, as convenções, as radiografias, as análises, etc. — e a situação dos medicamentos.
Ora, isto é verdadeiramente inaceitável. Pensamos que este Governo ou outro qualquer que o venha substituir, se quer ter uma política efectiva de Saúde em defesa do utente mas também em defesa do Orçamento do Estado e das finanças públicas, deve começar por definir uma politica de medicamentos que acabe com isto. E, por isso mesmo, tem que preconizar uma série de medidas.
Sabemos que isso é difícil para um Governo como este que tem determinados pressupostos políticos. O
Secretário de Estado que esteve na área da Saúde antes do actual ministro chegou à Comissão de Saúde e disse «vamos imediatamente tomar medidas em relação ao consumo de medicamentos», mas hoje estamos exactamente como estávamos há 4 ou 5 anos atrás.
Daí eu perguntar ao Sr. Ministro o que é que pensa fazer para pôr uma restrição a esta verba que está a ser desviada em relação aos medicamentos. Se hoje a verba é de 14 para 18,5 milhões de contos, para o ano que vem ela vai ser maior se não se põe um travão. Portanto, o que é que o seu Ministério pensa fazer, Sr. Ministro? Vir aqui com o Orçamento de 1985 propor mais uns milhões de contos para as multinacionais, ou tomar medidas claras de um formulário nacional de unidose nos hospitais, etc. todas essas medidas que temos preconizado e que aquando do Orçamento Geral do Estado iremos novamente repetir, só para que se torne claro — e é por isso que as apresentamos sempre — que esta despesa e esta verba não é inevitável? Isto é, não estamos obrigados a todos os anos aumentar em alguns milhões de contos a despesa que vai com os medicamentos. Isto tem uma razão claramente de política de Saúde e, por isso mesmo, iremos repeti-la. No entanto, gostaríamos de saber se o Ministério da Saúde não pensa tomar nenhuma medida neste campo.
A segunda questão que gostaria de lhe colocar já foi aflorada pelo meu camarada Vidigal Amaro e é, para nós, uma questão inaceitável. Aliás, devo dizer que já fiz um requerimento sobre o assunto, mas até hoje ainda não obtive resposta.
O Ministério da Saúde tem formados diversos assistentes hospitalares — muitos, não se sabe quantos — que estão à espera de colocação. Os hospitais distritais estão em muitos casos com serviços paralisados por esses médicos não estarem lá.
Ora, é verdadeiramente inaceitável em todos os aspectos económicos, financeiros, política de Saúde e defesa do utente, que existam nos hospitais centrais de Lisboa, do Porto e de Coimbra largas centenas de especialistas, já com o grau de especialistas, formados pelo Estado e reconhecidos pela Ordem dos Médicos para serem colocados e que não são. Estão a receber o seu vencimento — aliás, estão a receber abaixo da letra que deviam — sem produzir trabalho. Há uma imensa maioria que não está a trabalhar, fazendo muita falta nos hospitais distritais onde deviam estar.
Estão descontentes — e têm razões para isso — os médicos que pertencem ao grupo etário dos 30 e 40 anos, os quais não gostam de estar sem trabalhar porque até lhes é prejudicial em termos pessoais e curriculares. No entanto, saiu já em Setembro o decreto-lei que regulamenta o concurso dos assistentes hospitalares, mas até hoje ainda não foi aberto concurso. Isto significa que em muitos casos há serviços dos hospitais distritais que existem, estão equipados, mas que não estão a funcionar porque não têm lá especialistas.
Mais, isto traduz-se depois num aumento das despesas públicas, pois os doentes que poderiam ser tratados nesses hospitais, acabam por não o ser e vêm de urgência de ambulância para Lisboa para os hospitais centrais. Vêem depois as urgências, o hospital de S. José, o de St.3 Maria, no estado em que estão. Ora, tudo isto está errado.
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Penso não haver nenhuma razão que justifique que, tendo saído o decreto-lei com um atraso enorme sobre a colocação destes médicos, eles não estejam ainda colocados, nem para que essa sua colocação não se avizinhe, bem como para que não se saiba já quando é que se realizam os tais concursos e se resolverem os problemas gravíssimos que entretanto têm os hospitais distritais.
Tenho visitado alguns destes hospitais, que têm serviços completamente parados porque não têm anestesistas, quando os há em Lisboa sem ter que fazer. E quem diz anestesistas, refere muitas outras especialidades que estão também nesta situação.
Gostaria de saber, Sr. Ministro, o que é que nesta matéria realmente se passa. A justificação que há dias vários destes médicos me davam — a de que o Ministério não os coloca porque não tem verba para depois lhes pagar os vencimentos —, é o que se pode chamar de «contas de mercearia» e daquelas mercearias com muito más contas. E isto porque as despesas que neste momento, utentes e serviços acarretam, estando estes no estado em que estão, com as pessoas a terem de se deslocar para os hospitais centrais — e com todas as consequências que trazem consigo —, são com certeza maiores do que a despesa que adviria para o Estado em colocar esses médicos junto dos utentes, nos respectivos serviços, com uma muito maior rentabilização e hierarquização de serviços, que é uma coisa de que também muito se tem falado e no sentido da qual se tem dado muito poucos passos.
Uma última questão prende-se ao facto do Sr. Ministro ter referido que havia do ano passado uma dívida de 12 milhões de contos . . .
O Sr. Ministro da Saúde (Maldonado Gonelha): — Sem as misericórdias!
A Oradora: — Sim, sem as misericórdias. Referiu também que este ano a dívida seria de 10 milhões. Não entendi bem, da sua intervenção, se esse montante é o que se verifica já neste momento ou se é o montante previsto para transitar para o ano que vem.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Sr. Ministro, gostaria de lhe colocar algumas questões. Penso que a exposição que fez foi de algum modo esclarecedora para a Comissão, nalguns aspectos — aliás, permita-me que refira e registe esta situação, tanto mais que temos lido alguns exercícios palavrosos —, evitando naturalmente algumas perguntas, concretamente que eu iria fazer. De qualquer modo, gostaria de lhe colocar mais algumas questões para ficar com a consciência plena de algumas opções tomadas.
Assim, e no que se refere aos medicamentos — o que se poderia pôr em termos mais genéricos —, das palavras do Sr. Ministro quase se pode inferir que a falência principal foi da política do Ministério do Comércio e Turismo e do Ministério das Finanças e do Plano, os quais não controlaram a inflação face aos valores previstos nas Grandes Opções do Plano, atingindo-se valores que não estavam previstos no
orçamento da Saúde. Esta uma primeira conclusão que se poderá eventualmente extrair.
V. Ex." falou, no entanto, que o Serviço Nacional de Saúde consumia cerca de dois terços dos medicamentos objecto de transacção comercial. Gostaria de saber se esta percentagem variou ou ficou na mesma face ao novo sistema de comparticipação da autoria do Sr. Ministro.
Para melhor elucidação, gostaria de saber também se os 52 % que referiu como sendo a comparticipação média actual são um valor superior ou inferior — creio ser inferior — aos anteriormente praticados.
Finalmente, gostaria de saber como é que se traduziram as relações entre o Serviço Nacional de Saúde e os subsistemas de Saúde, em particular a ADSE. Está presente o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, que poderá também e eventualmente ajudar-nos no esclarecimento do assunto, pois gostaria de saber se a ADSE teve um comportamento diferente ou não do Serviço Nacional de Saúde, face às variáveis citadas pelo Sr. Ministro, porque normalmente as situações não têm ido a par — e a meu entender erradamente.
Já noutro plano colocar-lhe-ia mais 3 questões.
Primeiro, houve ou não aumento de pessoal nos últimos 12 meses no Ministério da Saúde? Se o houve em que categorias funcionais de prestação de serviços desse Ministério?
A segunda questão prende-se com o chamado «Plano de Regionalização» — enfim, não se designará assim — ou a um esboço daquele que o Sr. Ministro teve a amabilidade de enviar para a Comissão da Saúde e Segurança Social, o qual teria a meu ver aspectos positivos e negativos. Seria essencialmente um esforço de racionalização por parte do Ministério da Saúde no plano de apetrechamento e funcionamento hospitalar, o qual, ao longo do tempo, parece ter-se perdido num imenso nevoeiro, pelo que gostaria de saber o que se passa sobre o assunto.
A terceira e última questão — e que é simultaneamente uma pergunta e uma preocupação muito grande — refere-se às Misericórdias. O Sr. Ministro teve oportunidade de há alguns meses atrás ter dado uma entrevista, a um jornal do Norte, na qual se refere a este problema. Numa das suas afirmações refere que as avaliações do cálculo de indemnização e rendas das Misericórdias foram «empoladas». Gostaria que explicitasse melhor o que pretende dizer com rendas e indemnizações «empoladas». Esta é a razão principal por que estes pagamentos têm sido protelados, atrasados e preteridos?
Finalmente, na verba de reforço orçamental de 7,5 milhões de contos está prevista alguma verba para encurtar o débito que neste momento existe em relação a estas entidades?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.
O Sr. Almerindo Marques (PS): — Sr. Ministro, em função dos esclarecimentos que prestou, ficou-se-me uma dúvida que gostaria que me ajudasse a ultrapassar.
Nesta questão dos reforços a ênfase foi dada ao evoluir dos preços. Mas este «evoluir» não esperado, pois caso contrário teria sido considerado no Orçamento, quando é que foi notado e que medidas foram tomadas — se é que era possível tomá-las — para
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que a evolução fosse mais ajustada, por hipótese a nivelação a uma taxa média da evolução dos preços. Gostaria de saber se foram feitas diligências, bem como quais os resultados práticos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Domingos de Azevedo.
O Sr. Domingues de Azevedo (PS): — Sr. Ministro, muito embora o tema já tivesse sido aflorado pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro, gostaria de lhe formular uma pergunta que respeita aos meios de diagnóstico, concretamente às análises clínicas e aos serviços de radiologia.
É sabido que no ano de 1983 com estes serviços de diagnóstico, especialmente as análises, o Estado gastou 14 milhões de contos, se não me falha a memória.
O Sr. Ministro da Saúde: — Não, Sr. Deputado! Não se gastaram 14 milhões de contos!
O Orador: — Sabido é — e sabe-o bem quem lida de perto com isto — que neste domínio existem imensos contratos firmados entre os laboratórios de análises clínicas e um grande número de médicos. Sabido é também, e quem analisar um boletim de requisição de análises apercerber-se-á do facto, que os médicos preenchem praticamente esses mesmos boletins, o que se traduz depois num preço de facturação dos serviços médico-sociais de custo elevado.
No entanto, também é sabido que grande número de análises, particularmente aquelas mais fáceis — como sejam da ureia —, são precisamente as análises rentáveis, em termos de custo. O Serviço Nacional de Saúde e o Ministério da Saúde pensa implementar alguma acção no sentido de tornar obrigatória a realização destas análises mais fáceis nos hospitais, e assim obrigar a que este tipo de análises extremamente dispendiosas para os serviços de saúde seja realizado nos estabelecimentos do Estado?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra A Sr.8 Deputada Luísa Daniel.
A Sr.a Luísa Daniel (PS): — Sr. Ministro, desejo colocar apenas 2 questões muito concretas. Primeiro, haverá dados ou estatísticas que nos possibilitem saber quanto custa em média a assistência por beneficiário?
Segundo, no último ano o consumo de medicamentos estabilizou ou, pelo contrário, aumentou?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Américo Salteiro.
O Sr. Américo Salteiro (PS): — Sr. Ministro, sabendo, como se sabe, que a maioria das verbas são gastas em medicamentos, e que na maior parte das vezes não são utilizadas as embalagens totalmente, o Ministério de V. Ex." previu alguma coisa para que sejam criadas embalagens de tipo mais reduzido? Tanto assim que até nas ruas é fácil ver-se caixas com mais de metade dos respectivos medicamentos.
Por outro lado, ainda em relação aos exames auxiliares de diagnóstico, especialmente as análises clínicas mais fáceis, não seria aconselhável que as pró-
prias administrações regionais de saúde, que gastam milhares de contos nessas análises, tivessem um laboratório próprio?
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): — Elas têm, mas não funcionam!
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro da Saúde (Maldonado Gonelha): — Vou tentar responder pela ordem das intervenções a algumas questões que foram anteriormente colocadas, que assim acabam por ficar respondidas.
O Sr. Deputado Vidigal Amaro levantou a questão — e eu aqui bem tinha afirmado — do racionalizar e economizar.
Na minha intervenção não quis, numa introdução do debate, estar como que a fazer o relatório daquilo que tenho feito até aqui — o que faria se viesse a propósito nas respostas às questões que me colocaram.
Muito sinteticamente, quero-lhe dizer que não constitui surpresa para as pessoas que conheceram e conhecem o Ministério da Saúde — volto a dizê-lo em público e sem qualquer desprestígio para os funcionários do mesmo — que a sua situação vem já de antes do 25 de Abril. Pessoalmente nunca vi na minha experiência pessoal de vida nada tão mau, desorganizado e carente de meios de gestão. O Ministério da Saúde não tinha indicadores de gestão e os poucos que começou a ter — faço questão de o dizer aqui com toda a imparcialidade — foram introduzidos pelo Sr. ex-Ministro Morais Leitão, que foi o primeiro que se apercebeu da importância do Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde.
A propósito deste departamento, também me sinto obrigado a dizer em público alguma coisa. Diz-se muito mal da máquina do Estado, da sua burocracia. Devo dizer que se não fosse este departamento que o Ministério da Saúde possui, não tinham conseguido atingir os resultados de gestão que já se atingiram. É um departamento operacional, muito pequeno — funciona com 31 funcionários —, e conseguiu fazer-se a transformação dos indicadores de gestão do Ministério e a informatização deste. Se assim não fosse, neste momento o orçamento da Saúde era uma verba no Serviço Nacional de Saúde. Hoje o orçamento e a proposta orçamental podem discutir-se rubrica a rubrica, dividindo despesas de pessoal pelos diferentes departamentos — quando digo departamentos, refiro-me ao que se despende no ambulatório, nos hospitais, seja o que se gasta nos centrais ou nos concelhios, etc. Mais, no Ministério da Saúde não se sabia quantos funcionários existiam nem onde estavam, como é do conhecimento dos que estão ligados à Saúde. Daí se ter atrasado um pouco concursos para os quais não se sabia quantas vagas havia para abrir nem quantos concorrentes havia e onde estavam.
Só quem tem experiência de gestão de pessoal é que pode imaginar o que é que significa numa casa como esta — onde ao chegar deparei com números que oscilavam entre os 70 000 e os 90 000, pois a imprecisão era só esta — montar um sistema já informatizado, que levou a que neste momento se saiba quantas pessoas há e onde se encontram. Mais: quando cheguei ao Ministério pedi as contas dos estabeleci-
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mentos naquele momento e a mais recente tinha 9 meses. Portanto, o Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde recebia as informações das contas com 9 meses de atraso, na melhor das hipóteses. Neste momento recebo-as na minha mão a 45 dias. Tenho aqui as contas de todos os hospitais do País relativas a 30 de Junho e com data de 1 de Agosto, vindos por computador. Isto foi possível devido exactamente a este esforço de racionalização, que implicou naturalmente montar minicomputadores nas administrações regionais de saúde, ou seja, montar um sistema coerente. Ainda há pouco ouvi a Sr." Secretária de Estado da Segurança Social aqui dizer que um dos esforços que estão a fazer na Segurança Social é tornar coerente os serviços centrais com os periféricos. Conseguimo-lo apenas pela instalação de microcomputadores nos serviços periféricos.
Portanto, neste momento e relativamente à gestão corrente e previsional de pessoal — para além de ser uma casa com uma gestão muito difícil, pois todos os dias estão a entrar requerimentos para autorizar a saída por requisição de serviço ou passagem para algum sítio, ou para passar licença ilimitada, não podendo ser precisa a unidade que se pretende saber, a não ser relativamente ao momento em que a informação chega e isto acontece aos 30 dias —, sabe-se quantas pessoas há, onde estão e o que fazem. Isto no que diz respeito a racionalização de gestão.
Quanto aos indicadores, ainda não os temos todos os que penso que deveríamos ter. Mas hoje já sabemos, com alguma precisão, indicadores fundamentais. Por exemplo, na aplicação do Decreto-Lei n.° 62/79, relativo às horas extraordinárias e tempos nocturnos, e de que detinhamos apenas num montante global, sabemos agora quanto é que é despendido em cada uma dessas rubricas. Posso dizer ainda o seguinte: nas despesas de pessoal a racionalização levou a que as horas extraordinárias, que eram de 30,2 %, baixassem para 8,6 %. Mais: os encargos com pessoal, dos quais só os vencimentos por si subiram 17 % — para além de que o Ministério da Saúde tem de admitir para complemento de formação os médicos que saem das faculdades, e só neste ano foram 1159 jovens médicos a fazer o internato geral, cerca de 971 enfermeiros, 300 paramédicos, num total rondando as 3000 pessoas —, subiram em média cerca de 11 Quer dizer, os encargos gerais de pessoal tiveram apenas um aumento de 11 <7o, quando só os ordenados subiram 17 %. Tal deveu-se precisamente a estas economias, a esta racionalização e isto sem prejuízo das pessoas, pois a prova é que não houve qualquer agitação. O grande problema que tem havido em termos de pessoal é a colocação dos médicos, dos enfermeiros e paramédicos.
Não me vou alongar nesta matéria de racionalizar/economizar. Contudo, há pouco referiu-se aqui que os médicos preenchem o boletim de requisição de análise. Essa foi uma das coisas que transformei. A requisição que existia dantes, que procurava facilitar o seu preenchimento pelo médico, era uma requisição que tinha o nome das análises colocando-se as cruzes nas pretendidas. Esse sistema acabou desde Março, voltando-se infelizmente às requisições manuscritas, tendo o médico de clínica geral de o fazer. O que é certo é que isto levou a uma quebra significativa de requisições.
Para entrar nas questões concretas que me colocaram, ou seja, quanto se gasta por não se fazer as análises nos hospitais ou nos laboratórios do Estado, honestamente devo dizer que não sei exactamente. O que sei é que os laboratórios, particularmente os das administrações regionais de saúde, estão mal aproveitados. A prova é que se está a caminhar para o seu melhor aproveitamento. Ainda há dias alguém se queixava do efeito destas medidas. Por exemplo, em Santarém, foi determinado que em cada centro as primeiras 25 análises são encaminhadas para o seu respectivo laboratório, porque foi considerado pelos quadros do pessoal desse mesmo laboratório que as primeiras 25 análises eram com certeza satisfeitas, o que se está a tentar melhorar ainda. A queixa que evocaram é a de que numa pequena terra alguém que tinha montado um laboratório afirmava que se lhe tirassem as primeiras 25 análises ficaria com 2 ou 3, o que já não daria para viver. A queixa foi posta, salvo erro, ao Dr. Ferraz de Abreu que até respondeu que era necessário que se entendesse que não pode haver equipamentos parados no Estado e estarmos a fazer requisições.
Portanto, também vos digo claramente que a politica não é ir agora apetrechar o Estado com investimentos vultosos para anular os laboratórios e consultórios de radiologia que estão aí a funcionar. É antes para tirar o maior partido possível do equipamento existente e daquele que é considerado indispensável.
Aqui também se punha uma situação, que comigo não acontecerá, consistente em o Estado ficar sujeito a uma chantagem: ao ficar sem equipamento, se lhe cortarem por qualquer razão um fornecimento, ficaria sem capacidade de resposta. Isso também não!
Alguém disse que os hospitais pioraram. Em relação a este ponto queria dizer que não se devem confundir três coisas a que me passarei a referir.
Temos um parque hospitalar verdadeiramente degradado, mas isso deve-se à política de investimentos que já vem desde há muitos anos, talvez desde há 20! Investiu-se excessivamente e sobretudo em hospitais distritais, por vezes autênticos palácios, descurando--se completamente as áreas metropolitanas de Lisboa
e do Porto. Basta pensar que o último hospital feito em Lisboa foi o de Santa Maria há 32 anos e no Porto foi o de S. João há 25 anos. Temos assim neste parque hospitalar condições de hotelaria muito degradadas, dando isso por vezes e naturalmente uma má imagem dos hospitais.
Não confundamos, no entanto, essa imagem degradada de hotelaria com qualidade de serviço. Felizmente, algumas qualidades têm aumentado.
Ainda explicando a recionalização, devo dizer-lhes que os números que já conseguimos este ano nos hospitais distritais, e já se trata de índices com alguma segurança, revelam que aumentámos em 5 % o número de doentes tratados. Em contrapartida, os dias de internamento baixaram 4,5 %. Quem está dentro dos problemas dos hospitais sabe que isto quer dizer que o doente não esteve acamado à espera de ir fazer análises, radiologia, etc, e portanto que o equipamento hospitalar entrou a funcionar com maior racionalidade e rapidez e, obviamente, com maior produtividade. De tal maneira que os custos hospitalares de requisições ao exterior têm vindo a diminuir, salvo
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carências de equipamento. Em relação a este último problema, tenho vindo a tentar explorar duas linhas de crédito, que são bastante vantajosas. Posso dizer que se trata de créditos a 25 anos, com 5 anos de período de carência e a 4,5 % de juros, sendo, portanto, bastante benéficos para o nosso país. Só que infelizmente ainda não foi encontrado o mecanismo jurídico que permita a utilização destas verbas. Ele é realmente burocrático, mas existe. O mecanismo existente obriga o Ministério da Saúde a inscrever o seu PIDDAC o valor total da aquisição desse equipamento no momento em que ele é entregue. Como estão a ver, esta situação conduz a que se o volume do equipamento for, por exemplo, 2 milhões de contos, ainda que o pague em 25 anos não é a parcela do pagamento que é afectada ao PIDDAC, mas sim a totalidade do investimento. Esta situação estoira com qualquer PIDDAC, não se podendo fazer mais nada no ano em que isso se inscrevesse. Como é que o PIDDAC da Saúde, que o ano passado foram 900 000 contos, podia ir suportar um volume desta ordem de grandeza? As linhas de crédito que estão em causa são da ordem de grandeza de cerca de 2 milhões de contos.
Por outro lado, a demora média nos hospitais distritais baixou 9 °Io e o doente de cama aumentou 5,7 %. Nos hospitais centrais, que eram também os que estavam mais apertados e racionalizados, mesmo assim o número de doentes tratados melhorou 6,6 % o dia de internamento diminuiu 1 %, a demora média menos 6 % e o doente de cama mais 6,5 %.
Há, portanto, aqui valores que demonstram ter havido uma melhoria na actuação hospitalar, que não é obviamente aquela que é necessária. Mas tem que se atender ao estado de degradação em que estavam as coisas. Disse uma vez, salvo erro em Matosinhos, que aquilo que às vezes oiço faz-me pensar que tudo estava no melhor dos mundos e que no último ano foi a degradação completa. De facto, não é assim e as pessoas sabem que a situação chegou a níveis de degradação muito grandes.
Entrava agora nas questões concretas e começava pela da colocação dos médicos.
Foram implementados os sistemas de gestão de pessoal na gestão corrente e na previsional. No que toca, por exemplo, a assistentes sei até de cor o número de assistentes hospitalares especialistas que estão por colocar: 974. Isto é de facto um desperdício, na medida em que estas pessoas fizeram a sua especialidade nos hospitais do Estado, há vagas na província, sendo ao todo 1004 dos quadros aprovados e daí o ter-se aberto o concurso para assistentes hospitalares. Há também cerca de 1800 lugares de clínicos gerais ainda por colocar. Havia o internato complementar .. .
A Sr". Zita Seabra (PCP): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: — Faça favor, Sr.a Deputada.
A Sr.3 Zita Seabra (PCP): — Sr. Ministro, era apenas para esclarecer os números de vagas que referiu.
O Sr. Ministro falou de 1004 vagas, sem mexer nos quadros. Mas falou depois em abertura de um concurso e tanto quanto eu sei ele ainda não abriu.
O Orador: — Sim. Foi feito o primeiro aviso e ainda não veio o que seria lógico que viesse a seguir, que são o número e os locais das vagas.
A Sr." Zita Seabra (PCP): — Não há, portanto, ainda data de concurso?
O Orador: — Já irei explicar porquê.
Há, portanto, clínicos gerais por colocar. Quer isto dizer que os actuais P4, P3 e P2, que são 4059, têm de uma maneira geral colocação no internato complementar de clínica geral, nos diversos internatos complementares das especialidades e, pela primeira vez, num internato de Saúde Pública que também se vai abrir. Neste último internato, como sabem, estamos condicionados à capacidade de formação da Escola de Saúde Pública. Apesar disso houve aí um esforço grande, visto que a previsão de capacidade era de cerca de 60 a 70 e foi para cerca de 220.
Além disso, foi-se também ver toda a questão das necessidades de evolução das especialidades. Isto aqui prende-se um pouco com o equipamento e tem um significado que vou explicar. O planeamento no Ministério da Saúde era feito para o ano seguinte. Ora, face às discussões que houve — e isto é já uma resposta ao Sr. Deputado Bagão Félix quanto à carta hospitalar — estamos a elaborar a segunda versão, que está quase pronta. Seria, no entanto, absurdo elaborar segunda versão estando simultaneamente a trabalhar numa coisa que me parecia indispensável no Ministério da Saúde, que era o planeamento a médio prazo. Este, como sabe, era feito a 1 ano.
Ora, neste momento, já temos um plano e posso dizer que entreguei nas Obras Públicas o nosso planeamento a 5 anos, que vai até 1990. Vou ver se fazemos ainda, durante este ano e no ano que vem, o planeamento de mais 10 anos, o que daria 15 anos. Isto porque um hospital leva 7 ou 8 anos a fazer e cobríamos assim duas gerações hospitalares.
O plano feito a 5 anos permitiu, portanto, ver a evolução das necessidades de especialistas nesse parque hospitalar crescente. O motivo porque os concursos ainda não abriram prende-se com o seguinte: até Fevereiro eles eram feitos por portaria exclusiva do Ministério da Saúde. Em Fevereiro saíram diplomas gerais de função pública, designadamente o Decreto--Lei n.° 41/74, que obriga a que os diferentes ministérios, designadamente o da Saúde, não possa abrir concursos sozinho. Portanto, o Ministério da Saúde pôs a circular em Julho as propostas de abertura de concurso, pelas quais estes só podem ser abertos com despachos conjuntos do Ministro da Saúde, do Secretário de Estado da Administração Pública e do Ministério das Finanças e do Plano. Esses diplomas estão portanto em trânsito, tendo saído do Ministério da Saúde em Julho. Por isso, assim que estiverem assinados e publicados, os concursos serão abertos.
Neste momento, subscrevo que é um desperdício termos especialistas em hospitais centrais, onde não fazem falta e se atropelam, havendo carências e vagas, mas sobretudo estas, já de quadros aprovados, nos hospitais distritais. Isto significa que há trabalho médico a fazer nesses hospitais que não é feito porque não têm lá esses especialistas. Foi por essa razão que se atacou em cheio o problema dos concursos. Estes não se podem abrir — e era isso que às vezes se fazia — sem se saber quantos eram os concorren-
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tes, quais as vagas existentes e a sua localização. Neste momento isso não acontece porque responde pelas vagas e sei exactamente quantas são. Tenho, de resto, aqui comigo a cópia dessa portaria.
No que diz respeito aos concursos de paramédicos e de enfermagem a situação é também diferente. Como sabem, havia que fazer a estimativa dos quadros de enfermagem e de paramédicos dos hospitais, bem como as respectivas portarias ou decretos-leis de quadros. E aí a situação era muito delicada, na medida em que a grande parte dos hospitais e sobretudo das administrações regionais de saúde ainda estavam em regime de comissão instaladora. É isso que tem vindo a tentar-se alterar, estando grande parte dos quadros em trânsito, para se poder abrir o concurso e colocar as pessoas.
Em relação ao problema de retribuições dos monitores, dentro ainda do caso dos paramédicos, essa situação só se resolverá quando o ensino de enfermagem for integrado no ensino oficial, para que o seu corpo docente seja devidamente reconhecido como tal, ou seja, como corpo docente de um determinado estabelecimento que presta um ensino que está integrado num dos graus do ensino oficial.
Neste momento, como sabem, o ensino de enfermagem e o dos paramédicos não tem qualquer equivalência no ensino oficial, o que leva a que o corpo docente desses cursos sejam pessoas do métier dos hospitais, que vão às escolas. E o que acontece é que um enfermeiro que é docente de uma escola de enfermagem acaba por ganhar menos do que se estiver dentro do hospital. Este tem sempre tempo completo prolongado, não tem horas nem contas, etc, acabando portanto por receber mais do que se estiver simplesmente na escola. Esta situação só tem uma solução: não se pode criar um estatuto de docente para estas escolas que seja desjigado disso.
Nesse sentido, está a funcionar um grupo de trabalho do Ministério da Saúde com a Secretaria de Estado do Ensino Superior, grupo de trabalho esse que já entregou um primeiro documento. E estou a contar que no ano lectivo de 1985-86 já o ensino de enfermagem esteja reconhecido e integrado no ensino oficial. Isto não significa que as escolas de enfermagem passem para a educação. O que quer dizer é que aquele curso que ali é ministrado corresponde a um determinado grau de ensino oficial. O mesmo se aplica aos técnicos paramédicos.
Entretanto e até vir essa oficialização, vamos ver se conseguimos fazer um estatuto intermediário para o corpo docente nessa perspectiva. Iremos com esse fim discutir em primeira linha com a Secretaria de Estado da Administração Pública e depois também com a Secretaria de Estado do Orçamento.
Em relação à subida de preço dos medicamentos, afirmou-se que ela deu-se apesar de os beneficiários pagarem mais. Isto é realmente uma forma de dizer. De facto, os beneficiários pagaram mais.
Respondo agora à pergunta que visava saber se 52 <% de comparticipação média é igual, superior ou inferior à comparticipação anterior. A resposta é que ela é inferior. A comparticipação média anterior oscilou — e assumo publicamente dizê-Io — à volta dos 69 <7o.
Vamos no entanto ver tudo, que isso é que é importante. Em minha opinião, a comparticipação anterior era cega, desumana e injusta. Os medicamen-
tos tinham dois tipos de comparticipação, de 75 % ou 60 %, consoante a origem do produto. Se este era nacional ou dito nacional tinha 75 "Io de comparticipação; se o medicamento era de origem estrangeira tinha 60 %.
A razão por que digo que a comparticipação era cega, desumana e injusta está no seguinte: os medicamentos indispensáveis, por vezes, para manter a vida de uma pessoa eram de uma maneira geral estrangeiros porque são muito caros. São os citostáticos, a insulina, etc. Ora, as pessoas que têm essas doenças e que têm de tomar esses medicamentos sob pena de morrerem tinham de pagar 40 % de comparticipação. Enquanto que um indivíduo que tomasse uma aspirina tinha apenas 25 % para pagar. Isto significa que os placebos tinham tanta comparticipação, na melhor das hipóteses, como um medicamento indispensável. Um dos segmentos de pressão do aumento de consumos foi esta situação.
Não digo que o novo sistema esteja já certo. Mas que é mais humano e justo é. Isto porque os medicamentos indispensáveis à vida são totalmente gratuitos. Um diabético já não morre. Basta ir à farmácia com a receita e levanta a insulina. Uma pessoa que tem um cancro tem citostáticos de graça. Um tuberculoso, um epiléptico, um hemofílico, todos eles têm medicamentos de graça.
Dir-se-á que foi isto que foi responsável pela componente do aumento dos consumos. Mas não foi, porque os médicos, sobretudo, sabem que não é possível desviar receituário deste para outros fins e uma pessoa que não tenha uma doença destas não pode tomar um medicamento destes porque tem efeitos secundários gravíssimos. Por outro lado, criou-se um escalão de 80 % em que entrou o grosso dos medicamentos necessários para tratar das doenças graves e sérias. Estão lá inclusive os antibióticos.
Baixou-se nos 50 % e nos 35 %, que são os outros dois escalões para aqueles produtos que são mesmo necessários.
Eu próprio reconheci na altura, e continuo a reconhecer, que há 2 tipos de produtos que estão nos 58 % e talvez devessem estar nos 80 %. Mas as complicações de desvio de receituário e de efeitos secundários são muitas e tenho consultado imensa gente, desde professores de farmacologia a professores de farmácia, farmacêuticos hospitalares, etc, não se tendo conseguido, ainda hoje, chegar a uma conclusão. Esses dois produtos a que me refiro são os antiulce-rosos e os anti-reumáticos.
Os problemas mais sérios que surgem têm a ver com o facto de haver antiulcerosos que são mesmo antiulcerosos e necessários. Mas há outros que, embora o sendo também, servem igualmente para outras coisas. E se se fazem antiulcerosos de 80 % e outros de 50 % podemos criar aí um mecanismo. Por outro lado, se vão todos para os 80 % podemos fazer desvios também de receituário. É aí que se está a tentar acertar e avançar, mas não é nada fácil, como o Sr. Deputado Vidigal Amaro, que é médico, bem saberá.
Onde houve agravamento de participações foi nesta gama dos 50 % e nos 35 %. Mas nestes estão sobretudo placebos, que eram os medicamentos mais vendidos em Portugal. Houve um para com o qual existiu uma certa transigência social, destinado sobretudo a pessoas de idade — sabem a qual me estou
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a referir — e que ficou nos 50 %, porque me vieram convencer, tendo-o de alguma maneira conseguido, que há um certo cerimonial psicológico à sua volta. Mas isso também começou a cair quando o medicamento deixou de ser em gotas e passou a ser em comprimidos. Ora esse placebo — e digo-o não porque seja médico, mas porque já sei que o é —, esse vasodilatador periférico e 3 tipos destes placebos gastaram à Saúde, em 1983, 1 800 000 contos. Se compararmos com citostáticos veremos que, em 1983, se gastou com 8 deles «apenas» 260 000 contos.
Se vos disser que um centro de saúde custa 60 000 contos e um hospital de 500 camas custa cerca de 4 milhões de contos, constataremos que com 2 anos de placebos temos um novo hospital.
É preciso, portanto, ter cuidado quando se diz que a comparticipação baixou e que os cidadãos passaram a pagar mais. Eles passaram a pagar mais naquilo que menos necessitam. O sistema é mais justo e mais humano. Se o País tiver capacidade para suportar mais, as comparticipações podem melhorar.
Há um outro aspecto que foi posto e que considero bastante importante. Ele consiste em saber o que é que foi feito em termos de formulário nacional em número de medicamentos.
Como sabe, foi criada a Direcção-Geral dos Assuntos Farmacêuticos, tendo começado imediatamente a trabalhar duas comissões, uma de formulário nacional, a outra da farmacopeia nacional, para integrar na farmacopeia europeia. Ao mesmo tempo, a subdirectora-geral, que é chefe dos Serviços de Farmácia Hospitalar de Santa Maria, está a preparar o formulário hospitalar para o fazer também corresponder ao formulário nacional. Mas mesmo neste último, devo dizer que neste momento dos 26 000 títulos, ou como «isso» se chama — desculpem-me a expressão —, de produtos farmacêuticos à venda, só são comparticipados não chega a 2400. E temos como meta cair à volta de 900.
Digo, contudo, que, destes 2400, os de longe mais vendidos são à volta de 400. Por exemplo, em antibióticos temos uma gama imensa, mas há um que é o quarto medicamento mais vendido (e toda a gente sabe qual é).
No que diz respeito à unidose, temos de saber do que se trata. É da unidose hospitalar? Bom, essa já existe, na medida em que, em princípio, para os hospitais compram-se os frascos de medicamentos e, portanto, são receitados à peça. Quer dizer, são tantos comprimidos disto e tantos daquilo. Os medicamentos não são, portanto, salvo casos pontuais, receitados à caixa.
Agora, quero deixar aqui claro — para que não haja equívocos — que esta factura de medicamentos não é a factura total, mas apenas a do ambulatório. Não está, portanto, incluído aqui o consumo hospitalar de medicamentos, mas só o do ambultório. E é neste que está a grande fatia porque nos hopitais os medicamentos são mais ou menos controlados. Não digo que sejam totalmente controlados, mas o facto é que a factura não tem comparação. Se fizer o índice de comparação . . .
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: — Faça favor, Sr.a Deputada.
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Sr. Ministro, ainda há pouco tempo li um estudo feito para a Organização Mundial de Saúde sobre a infecção hospitalar em Portugal, no qual é referido o uso dos antibióticos. Não é por acaso que somos o País da Europa onde há nos hospitais um maior uso de antibióticos por utente.
Portanto, não acredito em nada do que o Sr. Ministro acaba de dizer, isto é que nos hospitais o consumo de medicamentos está controlado.
O Orador: — A Sr.a Deputada não prestou atenção ao que eu disse. O que eu disse foi que nos hospitais, em comparação com o ambulatório, o consumo de medicamentos, está muito mais controlado. É que não tem comparação! Se a Sr. Deputada comparar o índice de consumo de medicamentos no ambulatório com o índice de consumo de medicamentos nos hospitais, verificará que o primeiro é muito mais elevado. Não estou a dizer que o consumo nos hospitais seja correcto, mas o facto é que no ambulatório a situação ainda é pior.
Mas, então, como é que isso se controla? Vai controlar-se, obviamente, com certos registos que não existiam. Neste momento, com o sistema de informação de gestão hospitalar que foi lançado pelo Departamento de Gestão Financeira — o que está a ser feito por um técnico da gestão financeira que estava parado e que comigo arrancou —, já podemos comparar serviço a serviço. Por exemplo, posso comparar o serviço de medicina interna do hospital X com o mesmo serviço do hospital Y e verificar, se o grupo etário dos internados for equivalente e as patologias, naturalmente porque o serviço é o mesmo, forem também equivalentes, por que é que num se gasta mais certo tipo de consumos hospitalares e noutro menos. E são exactamente, esses indicadores de comparação que podem levar-nos a reduzir essas situações.
Por outro lado, esta questão também tem a ver em larga escala com a formação contínua dos médicos. Devo dizer-lhe que a conclusão a que cheguei sobre a razão por que este antibiótico no ambulatório é o mais gasto é esta: é que quando uma pessoa tem uma constipação «pelo sim pelo não, para não voltares cá levas o dito antibiótico», podendo, eventualmente, o doente evitar de o tomar.
Portanto, este problema tem a ver um pouco com a formação contínua de médicos.
Pergunta-me, já no que diz respeito ao controle de preços, o que é que foi feito.
No que respeita ao controle de preços — e com isto respondo também ao Sr. Deputado Almerindo Marques — o Ministério da Saúde não é chamado, nem legalmente nem sem ser legalmente, para a formação dos preços.
Trabalhei nesse sentido com o Sr. Ministro do Comércio e Turismo e lancei a ideia, que foi aceite e que tem vindo a ser trabalhada, de a formação dos preços passar a ser feita, sobretudo, com base no valor acrescentado em termos nacionais, o que me parecia ser muito mais correcto, na medida em que iria permitir o estimular do investimento interno. É que os preços, tal como têm sido formulados até agora, o que estimulam é apenas, na melhor das hipóteses, que a embalagem seja feita cá dentro.
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Penso que, de facto, vamos caminhar para esse sistema do valor acrescentado e também para uma certa audição do Ministério da Saúde.
Contudo, não quis pôr aqui em causa o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, a quem alertei continuamente para este problema. Simplesmente, ele não pôde controlar que o dólar tenha subido 40 e tal por cento relativamente ao escudo. Ora, como sabem, embora se fale muito em indústria farmacêutica nacional, infelizmente a quase totalidade das substâncias químicas de base dos produtos farmacêuticos são importadas e pagas em dólares.
Pergunta-me, ainda, se aumentaram as margens de lucro em relação aos medicamentos. Francamente, não sei. Só o Sr. Ministro do Comércio e Turismo o poderá dizer. De qualquer forma, penso que não foi por esse motivo que aumentaram os preços. Os preços aumentaram, sobretudo, pelo aumento do custo das matérias-primas importadas. O próprio dólar subiu, salvo erro, 47,6
Há, portanto, que ver a maneira como são formados os preços: há que ter em conta, os factores de custo de produção e como é que eles incidem nesse aumento de preços.
De facto, o Ministério da Saúde nunca teve intervenção nesta matéria e continua a não ter.
Quanto ao consumo de medicamentos, pergunta-me se ele subiu ou se estacionou. De facto, ele estacionou, embora contasse que, eventualmente, pudesse haver uma quebra de consumos no ambulatório. Mas, por enquanto, não houve . . .
Contudo, penso que algumas medidas subsequentes são em parte controlar os consumos, quer de meios auxiliares de diagnóstico, quer de medicamentos.
Já agora, posso aqui explicar rapidamente qual será o sistema. Claro que não é fácil montá-lo rapidamente, mas penso que já no fim do ano terei grande parte operacional.
Já viram que os medicamentos têm uma etiqueta com um código de barras para ser lido. Então, com a futura receita ou futura requisição de meios oficiais de diagnóstico, o que vai passar a ter é o seguinte: a etiqueta do código de barras do medicamento, ou a etiqueta do código de barras do fornecedor, seja ele laboratório, centro de diálise, raios X, etc.
Por outro lado, o médico que prescreveu tem um rolo com etiquetas que põe o seu código de barras. O centro de saúde respectivo tem o seu código de barras, o utente do Serviço Nacional de Saúde, infelizmente, é outra coisa que ainda não sei bem o que é, porque a sensação que tenho é que o cidadão maximiza os sistemas em que está abrangido. Se um dos cônjuges é funcionário público e o outro não é, se um é bancário e o outro não é, bem, isto é da ordem natural das coisas . . .
Portanto, os utentes do Serviço Nacional de Saúde vão passar a ter um cartão, sem fotografia, como este que tenho aqui, sejam eles descendentes ou ascendentes. Quer dizer, cada individuo, cada criança inclusive, terá o seu cartão e com ele é que vai ao meio auxiliar de diagnóstico, ou à farmácia e depois a factura só é paga com estes 4 sistemas.
Isto vai permitir, como calculam, uma ordenação estatística por todos os critérios. Desde o indivíduo que possa estar a fazer excesso de utilização de meios, até a um médico que está a prescrever determinadas coisas, ou o analista, radiologista que está a fazer
uma série de facturas — digamos — sobre um dado centro, ou uma dada administração regional de Saúde.
Por outro lado, ainda, vai permitir o controle e a evolução dos preços para leitura do código de barras dos produtos.
Simplesmente, vejam que para isto acontecer é preciso que haja as pessoas a rodar. É isto que estamos a fazer, e até estou admirado de termos chegado ao ponto a que chegámos. Isso deve-se — como referi há pouco — quase exclusivamente ao empenhamento que no Gabinete de Gestão Financeira e no Serviço de Informática de Saúde se tem feito neste sentido.
Quanto às embalagens e à sua dimensão, uma das coisas que queria ver conseguida com a formação dos preços dos medicamentos era também, simultaneamente, o reordenamento da definição das embalagens.
Não é um trabalho fácil, porque não acredito que seja possível implementar em Portugal um sistema como o que há em Inglaterra, de um indivíduo ir à farmácia comprar só uma dose, 1 ou 2 comprimidos uma ou 2 ou 3 ampolas.
Isso, existe em Inglaterra, porque o ordenamento penal é muito alto. Um farmacêutico que adultere uma cápsula está inclusive sujeito a ser intencionalmente acusado quase até à pena de morte, e em Portugal passa por um mixordeiro, e teria 2 anos de pena suspensa. Portanto, isto tem também a ver com o ordenamento jurídico, no que diz respeito à ordenação das penas e à penalização.
Agora, o que já é possível é reduzir as embalagens à dose média mínima necessária, que não é a mesma para todos os medicamentos, e é um trabalho que já está em curso. Vamos a ver se vamos conseguir, simultaneamente com os preços, fazer isso. Portanto, aparecerá a dose média mínima de clínica.
Há muita gente a ser ouvida para poder influir nisto, e queria ver se com a nova formação dos preços — por valor acrescentado também aí então a comparticipação estaria ajustada, e não haveria pelo menos desperdícios.
No caso das Misericórdias, o problema é este. Efectivamente, preciso a ideia do que é que foi empolado. A avaliação, talvez pela rapidez com que foi feita levou a que se esteja a pagar de rendas a Misericórdias indemnizações de equipamento que o Estado instalou, de obras que o Estado fez. Isto é, numa dada Misericórdia havia um pequeno hospital concelhio, o Estado fez um pavilhão ao lado, montou o bloco operatório, etc, e agora a renda está estimada como se todo este património fosse feito pela Misericórdia e fosse dela.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro da Saúde?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Bagão Félix (CDS): — Sr. Ministro da Saúde, tanto quanto sei, pelo menos através do despacho na altura do Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, esses valores — investimentos do Estado — eram deduzidos no cálculo do valor da renda de indemnizações.
O Orador — Não foram! Quer dizer, não digo que não tenham sido em alguns, mas não foram. Só para lhe dar uma ideia, dou-lhe alguns números. Sabe
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quanto é que se paga de renda pelo Santo António do Porto? Pagam-se 56 000 contos por ano! Sabe quanto é que se paga pelo Conde Ferreira? Pagam--se 36 000 contos por ano!
Nessa altura, logo no arranque do Governo, o Ministério das Finanças, de acordo com o Ministério da Saúde, suspendeu o pagamento às Misericórdias e criou um grupo de trabalho com a Segurança Social — portanto, um grupo de trabalho de Segurança Social, Finanças e Saúde — para fazer o ponto da situação. Este grupo de trabalho trabalhou, isto foi entregue em 1 de Agosto de 1984, despachei para os outros dois meus colegas do Governo e estou agora à espera da apreciação.
Realmente, o estudo em síntese vai bastante longe, desde antes do 25 de Abril — e, como sabe, já nessa altura se estava a encarar uma solução para os hospitais nas Misericórdias —, e termina no sentido de que se faça a reavaliação das rendas e de que então, já justas, essas rendas sejam aquelas que se passam a pagar.
Entretanto, o que acontece — e devo dizer que é uma situação delicada e preocupante — é que muitas Misericórdias, contando com este rendimento, se meteram a fazer obras noutros sectores, como por exerce pio a 3.a idade e a infância, e estão neste momento engasgadas — desculpem o termo — porque não tiveram esta entrada de dinheiro das rendas e indemnizações com que contavam, estando agora a dever a esses fornecedores.
Embora — é claro — o Sr. Ministro das Finanças e do Plano tenha andado ocupado, conto que, na sequência do despacho a dar sobre isto, se encontre imediatamente uma forma de desbloquear, de tal maneira que possamos começar a fazer face de alguma maneira à situação. Tudo isto para dizer que isto está neste pé.
Coloca-se também neste pé o problema da Prelada, porque o acordo celebrado foi reconhecido pelo Gabinete Jurídico do Ministério das Finanças e Plano como não legal. De maneira que está suspenso, mas temos que encontrar uma solução para a Prelada, pois não é pensável termos ali aquele investimento já feito e não ser aproveitado, tanto mais que o Rodrigues Smith está incapaz ou pouco capaz — é o mínimo que posso dizer.
Penso que respondi a tudo.
O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados que, dentro do possível, tentem ser breves. Tem a palavra a Sra. Deputada Zita Seabra.
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Sr. Ministro da Saúde, quero ainda colocar-lhe algumas questões relacionadas com as perguntas que lhe fiz inicialmente.
Em relação à situação dos hospitais e à não colocação dos assistentes e especialistas hospitalares nos respectivos locais, continuo a pensar que é inaceitável e a justificação do Sr. Ministro não me convence, quando me diz que a portaria está pronta desde Julho — creio que foi o que disse — e que, portanto, leva desde Julho até hoje, fins de Outubro, para que outros dois ministros assinem essa portaria conjunta, se bem entendi a sua resposta.
Quanto a mim, isto é verdadeiramente inaceitável, pois não se pode admitir que haja hospitais distritais que têm serviços completamente fechados, bloqueados
ou a funcionar com tarefeiros. Ainda há pouco tempo estive num hospital distrital, no qual me disseram que estão a contratar tarefeiros para irem assegurar os bancos dos hospitais e o Ministério só os autoriza a que eles recebam vinte contos por mês, pelo que não há médico que aceite.
Tudo isto são remendos inaceitáveis e para nós, quando o Sr. Ministro nos diz que, por exemplo, a situação dos hospitais centrais de Lisboa é grave, que há condições hospitalares más, que estão degradados, mas a grande solução não é construir novos hospitais em Lisboa — e temo-lo dito muitas vezes. Exceptuam-se as maternidades: aí sim, parece-nos mais que justa a construção de novas maternidades.
O Sr. Ministro da Saúde: — O caso da Magalhães Coutinho!
A Oradora: — E, por exemplo, o caso do Conselho de Loures.
O Sr. Ministro da Saúde: — E temos que fazer os da Amadora, de Almada, de Matosinhos, de Gondomar, de Valongo, melhorar Vila Nova de Gaia . . .
A Oradora: — Certo, Sr. Ministro.
Excluindo a situação das maternidades, que quanto a nós nos parecem absolutamente necessárias, os problemas dos hospitais centrais resolvem-se fundamentalmente se se puserem os hospitais distritais a funcionar e se estes assistentes ou especialistas hospitalares forem colocados lá, o que evita a deslocação de utentes, tudo isto, toda esta situação que temos referido.
Mas o Sr. Ministro referiu-se também às vagas existentes — teria 974 assistentes hospitalares para colocar em 1004 vagas, sem mexer nos quadros. Quanto a nós — e temo-lo dito já muitas vezes —, os quadros têm que ser mexidos nalguns casos. Não estou a dizer em todos, estou a dizer nalguns casos.
Há hospitais centrais, Sr. Ministro, que não mexem nos quadros há 30 anos . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — Exacto!
A Oradora: — . . . e, portanto, têm lá médicos. Eu dou-lhe um exemplo . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — Dá-me licença, Sr.a Deputada?
A Oradora: — Faz favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Saúde: — Eu estou inteiramente de acordo. Simplesmente, há que reconhecer o seguinte: se neste momento — vamos lá falar assim, muito claramente — também fosse mexer nos quadros dos hospitais centrais, o problema atrasava-se muito mais por um lado; por outro eram menos pessoas que iam para a província, onde há carências muito mais altas. Quer dizer, apesar de tudo, apesar de os quadros dos hospitais centrais precisarem de ser corrigidos, eles, se se lhes aliviar a pressão daqueles que entram de fora, ainda se aguentam e, portanto, há é que colocar estes médicos na periferia; há é que dotar primeiro os quadros dos hospitais distritais.
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A Oradora: — Sr. Ministro, dou-lhe já dois exemplos que mostram que a questão não pode ser equacionada assim.
Por exemplo, o Hospital de Vila Nova de Gaia passou a hospital central, tem o quadro de hospital distrital, passou a abarcar um concelho, do distrito por onde sou eleita — concelho de Vila da Feira — que é um concelho altamente populoso. Ora o que se passa é que, hoje, o Hospital de Vila Nova de Gaia que nós visitámos — visitou-o a Sr.a Deputada Ilda Figueiredo e eu — tem um movimento de banco idêntico ao Hospital de St.0 António, com um quadro de 200 médicos. Isto é, tem menos de um terço dos médicos que tem o Hospital de St.0 António e não tem um quadro actualizado.
Há hospitais aqui, em Lisboa, que, por exemplo, têm especialistas que não existem nos quadros — que entretanto não existiam há 30 anos — e que os médicos estão colocados no Hospital de Vila Franca de Xira e estão a trabalhar no Hospital Egas Moniz . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — Dá-me licença, Sr.a Deputada?
A Oradora: — Faz favor.
O Sr. Ministro da Saúde: — Nesses casos pontuais, foram feitas propostas de adição de serviço. Estou a pensar em alguns serviços de St.a Maria, estou a pensar em Vila Nova de Gaia, mesmo alguns serviços de S. João. Mas quando falava de revisão dos quadros, estava a pensar na revisão global de quadros. Não este adicionar ou corrigir serviço ou outro, pois isso está feito.
A Oradora: — Ainda bem que é assim, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Saúde: — E os próprios sabem--no!
A Oradora: — Como?
O Sr. Ministro da Saúde: — Os próprios sabem-no. Quer dizer, os casos interessados sabem-no!
A Oradora: — Oh Sr. Ministro, como lhe disse, ainda há pouco tempo visitámos o Hospital de Vila Nova de Gaia e esta é . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — Pois é. Não estou a dizer que não é assim como diz. O que estou a dizer é que eles próprios sabem que, mesmo deste concurso, vão beneficiar já nalguns lugares.
A Oradora: — Não sei se os assistentes hospitalares sabem ou não, o que eu sei que eles sabem . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — Não, são os serviços hospitalares.
A Oradora: — Nem os serviços. É que nos colocaram claramente esta questão, por exemplo o caso de Vila Nova de Gaia, em que se juntou o Concelho de Vila da Feira e o caso, por exemplo . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — Dá-me licença, Sr.a Deputada?
A (Oradora: — Faz favor.
O Sr. Ministro da Saúde: — Mas sabe que isso foi uma das racionalizações, foi criar as áreas de influência das urgências para descongestionar os bancos lá em cima, no Norte. Aqui em baixo foi aumentar as camas. Portanto, neste momento, já estão afectas às urgências camas do Pulido Valente, do Egas Moniz e por aí fora.
A Oradora: — Voltando à questão, esta portaria tem de sair rapidamente. Até por uma razão muito simples: é que se o Sr. Ministro e os outros ministros que têm de assinar a portaria não a assinam rapidamente, estão a prejudicar os utentes, estão a prejudicar os serviços, estão a gastar dinheiro mal gasto. Mais do que isso: em Janeiro este problema aumenta, porque têm mais assistentes hospitalares que acabam de ser formados, que acabam assim o concurso de especialidade e, portanto, isto não é quanto a nós aceitável.
Sr. Ministro, eu dou-lhe um outro exemplo dum hospital que visitei e que colocou esta questão com muita força, que é o Hospital de Beja, em que têm uma falta de anestesistas, que estavam a ser emprestados por Lisboa . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — E continuam! Desculpe interrompê-la, mas estou a ver o tempo a passar e quero dar as minhas respostas.
O caso de Beja foi o caso que eu logo encontrei quando cheguei ao Ministério e conta-se assim: foi feito um concurso anterior para duas vagas de anestesistas. Apareceram-nos dois anestesistas; um pediu transferência e eles deram-lhe, o outro pediu licença sem vencimentos e eles deram-lhe. Quando cheguei ao Ministério não havia nenhum.
Desde então, a acabar este concurso estão pessoas do Serviço de Anestesiologia de S. José que estão a ser emprestados. E com este concurso fica resolvido.
A Oradora: — Com esse concurso ficará resolvido quando o concurso for feito. Simplesmente, a questão é esta: é que, neste momento, os prórios médicos do Hospital de S. José, com que tive oportunidade de estar, dizem quem não aceitam mais essa situação de serem emprestados ao mês.
O Sr. Ministro da Saúde: — Sr.a Deputada, ponha--se no meu lugar e diga-me como é que resolveria o problema. Abrindo o concurso . . .
A Oradora: — É isso mesmo, abrindo o concurso, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Saúde: — Mas eu só podia abrir o concurso depois de saber quantas pessoas e quantas vagas havia. E garanto-lhe, sob palavra, que no Ministério da Saúde não se sabia — cada unidade sabia — mas, ao nível de serviços centrais os recursos humanos e a Direcão-Geral dos Hospitais não se sabia, quando eu cheguei ao Ministério, quantas pessoas havia nem quantas vagas havia. Garanto-lhe que é verdade.
A Sr.a ZMs Seabra (PCP): — Sr. Ministro, acredito no que acaba de dizer; que não conhecia esses núme-
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ros. Mas também lhe posso dizer que posso dar-lhe a fotocópia das vagas que havia em Fevereiro — de Fevereiro até hoje já lá vão uns meses —, correspondentes a cada especialidade e a cada hospital com os quadros por preencher.
O Sr. Ministro da Saúde: — Pois, foi quando . . .
O Sr. Presídeaiile: — O Sr. Ministro desculpe, mas agora tenho de fazer um ponto de ordem. É que isto já nem é esclarecimento nem . . .
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Apesar de tudo, é!
O Sr. Presidente: — Não é, pois trata-se de um problema que pode tratar directamente com o Sr. Ministro. É que temos limitações de tempo e há ainda mais um Sr. Deputado inscrito.
A Sr.a Zita Seabra (PCP): — Deixo então esta questão que é importante, pois não é pouco importante a situação criada em muitos hospitais distritais que estão numa situação de reivindicação e . . .
O Sr. Presidente: — Não foi isso que quis dizer, mas sim, que esse problema já tinha sido discutido. É evidente que o problema é importante.
A Oradora: — Sr. Ministro, passo então a outra questão que abordou: a dos medicamentos.
Creio que não vale a pena repetir a discussão havida, mas queria dizer que a perspectiva, do ponto de vista do Ministério da Saúde, não pode ser sempre de responsabilizar o médico ou de responsabilizar o utente. O que está errado são os serviços, o que está errado é a forma como o preço dos medicamentos é fixado, como o formulário é feito, como as embalagens são apresentadas. Basta dizer que não há uma embalagem que acerte com a prescrição: ou com-i pramos pastilhas a mais ou compramos a menos! E há muitos países que já racionalizaram tudo isto. Aqui, no nosso país, o que se verifica é que numa situação como esta, em que se poderia interferir no sentido de baixar consideravelmente a verba que se gasta com medicamentos, aí nada é feito e continuamos exactamente ao mesmo nível do discurso que aqui era feito há 4 anos, há 5, há 3, há 2 ou há 1 ano. Portanto, creio que, neste campo, o que se exige e rapidamente são medidas.
Pelo nosso lado, temo-las referido muitas vezes e vamos fazê-lo novamente apontando quais as soluções que, em nosso entender, são necessárias para reduzir esta verba. Não é aceitável que se gastem tantos milhões de contos para transferência directa para as multinacionais ou para a «privada» das análises e das radiografias. Creio que era útil — uma vez que o Sr. Ministro disse que dispõe dos dados — fornecer, aos deputados, particularmente aos da Comissão, os números gastos — não estou a pensar no Orçamento revisto mas no Orçamento para 1985 — com as convenções, com as radiografias, com as análises, isto é,' com as contas da Saúde. Tal como se conhecem as da Segurança Social, que se dêm também as contas da Saúde aos deputados que aqui se encontram.
O Sr. Ministro da Saúde: — Já dei a indicação para que fossem enviadas. Já em Julho disse à Gestão Fi-
nanceira — e estranho porque o Dr. Mantas é rigoroso nisto — que mandasse um exemplar para cada um dos Srs. Deputados da Comissão da Saúde, Segurança Social e Família.
A Oradora: — É de facto muito importante para a preparação e discussão do Orçamento da Saúde.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): — Dadas as limitações de tempo que toda a gente conhece, eu queria falar em primeiro lugar do problema, por exemplo, das horas extraordinárias, relativamente ao qual o Sr. Ministro diz que não houve prejuízo para os doentes. Mas houve! Houve, por exemplo, muitos serviços de urgência nos hospitais concelhios que fecharam. Muitos, muitos!
O Sr. Ministro da Saúde: — Ó Sr. Deputado fechavam para atender um doente e fechavam quando havia médicos de prevenção que tinham obrigação de lá ir, se residissem no concelho como declararam que residiam.
O Orador: — Ó Sr. Ministro, o que se passa, nesta altura, é que ou vão ao privado ou . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Deputado, desculpe, eu não gosto de dar exemplos pessoais mas, como sabem, trabalhei 17 anos a manter a luz acesa e nunca ganhei horas extraordinárias por trabalhar de noite.
De repente, descobri na Saúde que para ter um serviço aberto durante 24 horas se têm de pagar horas extraordinárias. Não, fazem-se turnos ou faz-se prevenção. Como sabe, hoje, as subestações da EDP não têm lá ninguém. Mas julga que, se houver um disparo, não vai lá alguém? Vai, toca-lhe o alarme em casa, mete-se no carro, vai lá e passados 5 minutos liga a luz. E não nos falta a luz!
Eu não percebo por que é que um hospital concelhio, em que os custos são altíssimos — o custo por doente tratado num hospital concelhio chega a atingir 5 vezes o custo do hospital de Santa Maria ou de São João — porque se traduzem no tratamento de meia dúzia de pessoas. É isto. Ora, ter um serviço de 24 horas de Banco aberto, para atender eventualmente uma pessoa . . .
Ora bem, o que se tem vindo a fazer e são as indicações dada às ARS's é que se mantenham médicos de prevenção e se façam escalas de prevenção. O que acontece, infelizmente, é que a colocação dos clínicos gerais levou algumas pessoas a fazerem declarações de residência que não são autênticas — como sabe — e, portanto, vão lá e vêm e depois não há prevenção. Mas, nesses casos, a ARS que actue disciplinarmente. Não posso ser eu, que não sei . . .
O Orador: — Sr. Ministro, mas são esses casos: a prevenção não funciona, os hospitais estão fechados e encontra-se um papel à porta a dizer: «Hoje não há médico.» Então, aos fins de semana, é sempre assim, não há médico.
O Sr. Ministro da Saúde: — Isso não è verdade, "orno sabe. E o facto passa pelas direcções dos cen-
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II SÉRIE — NÚMERO 5
tros da saúde, pelas ARS's, que têm autonomia administrativa e financeira.
Posso, mesmo, em forma de desabafo, dizer-lhe que, na Saúde, tenho a sensação de que a autonomia administrativa e financeira é para se fazer o que se quer e a responsabilidade é de quem está por cima.
O Orador: — Agarrando só nesse ponto, acho que podemos fazer a sugestão útil — já falei com o Sr. Presidente — ao Sr. Ministro no sentido de se combinar e ter a coragem de falar . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — Sabem perfeitamente que estou sempre aberto!
O Orador: — Faria então essa sugestão. Até prefiro porque muitas das coisas que hoje aqui foram apresentadas à Mesa podiam ter sido faladas lá, com muito mais utilidade.
O que não pode ser falado hoje, visto que o Sr. Ministro está com pressa, é precisamente o problema das Administrações Regionais de Saúde, como a sua independência, autodeterminação e responsabilidade. Parece que muitas das Administrações Regionais de Saúde não têm essa tal responsabilidade. Ou, pelo menos, se a têm não a usam, e criam problemas a nível dos concelhos.
Refiro, por exemplo, o problema das horas extraordinárias. Já fiz há muito tempo um requerimento ao Sr. Ministro, que nunca teve resposta, onde se pergunta quanto é que ganha um médico. Porque realmente não pode ser. A receber centenas de contos por mês sem fazer serviço . . .
O Sr. Ministro da Saúde: — Eu respondo a todos os requerimentos. Acontece que há duas maneiras de responder: uma resposta sucinta e outra detalhada. Acontece que a resposta ao seu requerimento é bastante longa.
O Orador: — Mas a pergunta deve ter sido útil, porque, realmente, receber centenas de contos por mês sem fazer serviço . . .
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Ministro da Saúde está a dizer-me que estará disponível se houver necessidade de qualquer esclarecimento adicional para a votação do Orçamento.
Não é o facto de se deixar de esclarecer qualquer ponto importante, mas sim de deixar para outra altura questões que melhor sejam tratadas noutra comissão especializada. Se em relação à votação da alteração ao Orçamento quiserem marcar mais alguma sessão para fazer pedidos de esclarecimento, podemos convencionar a sua realização.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. ROraistro da Saúde: — Tenho a impressão que respondi a todas as questões aqui postas, e só queria dizer que, se a Comissão entender que é necesário vir cá, eu o farei.
Se a Comissão de Saúde, Segurança Social e Família, quiser, ela própria, ter alguma reunião comigo antes da votação deste documento, o Sr. Presidente e os Srs. Deputados dirão.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados depois transmitir-me-ão o que houver.
Amanhã a nossa reunião começará às 15 horas e serão tratados os problemas da Educação.
Penso que até lá — porque em princípio o calendário fixa o termo dos trabalhos da Comissão na quarta-feira — se verá a necessidade de se fixar mais alguma sessão de esclarecimento com mais algum membro do Governo.
Por agora, agradecia ao Sr. Ministro o empenhamento que pôs nos esclarecimentos que deu, e se mais algum for necessário, nós transmitiremos.
Está encerrada a reunião.
Eram 20 horas e 5 minutos.
Estavam presentes os seguintes membros da Comissão:
João Maurício Fernandes Salgueiro (PSD).
Almerindo da Silva Marques (PS).
Octávio Augusto Teixeira (PCP).
João Carlos Dias Monteiro C. Lencastre (CDS).
Jorge Lacão Costa (PS).
Américo Albino da Silva Salteiro (PS).
António Domingues de Azevedo (PS).
António Jorge Duarte Rebelo Sousa (PS).
Francisco Sá Morais Rodrigues (PS).
Maria da Conceição Pegado Quintas (PS).
Maria Luísa Banha Modas Daniel (PS).
António José dos Santos Meira (PS).
Cecília Pita Catarino (PSD).
António Lacerda de Queiroz (PSD).
José Adriano Gago Vitorino (PSD).
Adérito Soares Carulos (PSD).
Mário Martins Adegas (PSD).
Manuel Maria Moreira (PSD).
Joaquim António Miranda da Silva (PCP).
Maria Ilda da Costa Figueiredo (PCP).
António José Vidigal Amaro (PCP).
António Bagão Félix (CDS).
João Gomes de Abreu Lima (CDS).
José Carlos Queiroz Pinheiro Henriques (MDP).
Joel Eduardo N. Hasse Ferreira (UEDS).
Ruben José de Almeida M. Raposo (ASDI).
Os Redactores: — Cacilda Nordeste e Carlos Pinto da Cruz.
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