Página 3083
II Série — Número 94
Tarça-feira, 28 de Maio de 1985
DIÁRIO
da Assembleia da República
III LEGISLATURA
2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
SUMÁRIO
Conferência da Assembleia da República subordinada aos lemas do Ano Internacional da Juventude «Participaçlo», «Desenvolvimento», «Faz»
Ada da reunllo de dia 26 de Maio da 1985
O Sr. Presidente (Luís Monteiro): — Está aberta a reunião.
Eram 10 horas e 42 minutos.
O Sr. Presidente: — Em relação às inscrições para a apresentação de comunicações —volto a salientar que devem ter um tempo máximo de 15 minutos—, peço que as mesmos sejam feitas desde já.
Pausu.
Encontram-se inscritos para intervenções os seguintes Srs. Conferencistas: Paulo Mil-Homens, da Associação Livre de Objectores e Objectoras de Consciência, António Eloy, dos Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologia, e Jorge Ferreira, da Juventude Centrista.
Iremos, assim, dar início a este painel, intitulado «A paz», e aos seus 2 temas — «Os jovens e o diálogo para a paz» e «O serviço cívico e o serviço militar».
Tem a palavra o Paulo Mil-Homens.
O Sr. Paulo Mil-Homens (Associação Livre de Objectores e Objectoras de Consciência): — Antes de começar a ler o meu «trabalho de casa», não posso deixar de manifestar aqui o meu descontentamento pelos seguintes factos: primeiro, acho que é de reparar aqui a falta de repesentatividade do Governo, bem como de um representante da Presidência da República; segundo, salvo algumas excepções de deputados que passaram por aqui e que fizeram algumas intervenções em áreas do seu interesse, praticamente ninguém aqui apareceu.
E, quanto a mim, e não só quanto a mim, porque sobre o facto já comentei com algumas pessoas que
aqui estão, uma falta de consideração e de respeito para com aqueles que foram convidados a participar e a assistir. Acho que merecíamos um pouco mais de consideração e que, pelo menos, a ética deveria ditar ès consciências de quem governa este pais que poderiam estar aqui connosco e, mesmo nas conversas de corredor, nos intervalos para o almoço e para o café, trocar algumas impressões, o que seria agradável. Fica aqui, pois, o meu protesto, o qual penso ser partilhado por mais pessoas.
Em relação ao tema «Os jovens e o diálogo para a paz», direi que vivemos numa sociedade em que as relações humanas se deterioram cada vez mais.
A nossa vivência diária é uma guerra constante, originada pela competitividade crescente, pela agressividade, muitas vezes pela violência gratuita ou pela violência organizada, promovida por instituições que a legalizam.
Interrogamo-nos, pois, sobre por onde começar o diálogo e a construção da paz.
Comecemos lutando por uma maior dignificação do ser humano, pela construção de uma sociedade baseada na verdade e na justiça, pela aplicação de reformas profundas que possibilitem que, na prática, isso seja possível.
Para iniciar o diálogo para a paz, comecemos pela nossa própria casa, por uma pacificação do nosso próprio país e, paralelamente, a nível internacional.
Mas para pacificar é urgente ousar mudar, e mudar implica um empenhamento profundo por parte da juventude. Porque a juventude é o futuro e este começa-se a construir no aqui e agora.
Por isso, entendemos que para um futuro de paz a juventude terá de reivindicar cada vez mais a sua participação nesse diálogo, que hoje em dia está demasiado, senão quase totalmente, limitado aos órgãos do Poder.
Página 3084
3084
II SÉRIE — NÚMERO 94
Mas reivindicar esse direito, só por si, não chega, é necessário levar à prática, já, iniciativas nesse sentido.
Saliento aqui o papel cada vez maior e mais importante das organizações independentes, tanto do poder político como de organizações partidárias, que, não só a nível nacional mas também a nível internacional, conjuntamente com organizações congéneres, desenvolvem iniciativas comuns em prol da paz e de um maior entendimento entre os povos.
E para concluir afirmamos que a paz só é possível através de um diálogo baseado na tolerância, no saber ouvir e na tentativa sincera de compreender as opiniões e a filosofia dos outros.
E faço uma proposta muito concreta na sequência deste tema: a criação de uma estrutura, que seria, hipoteticamente, o instituto de educação para a paz.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Jorge Ferreira, da Juventude Centrista.
O Sr. IJorge Ferreira (JC): — Apesar de existirem pessoas nesta sala que se têm frequentemente insurgido contra o facto de determinados conferencistas falarem de improviso e outros preferirem preparar o trabalho com tempo, eu, apesar de tet sido sempre um pouco contra isso, vou continuar na tradição que encetei desde anteontem e correr o risco de fechar o diálogo, fixando algumas ideias no papel e reprodu-zindo-as aqui oralmente.
O crescente clima de tensão mundial e o impressionante poder destrutivo acumulado pelo desenvolvimento dos modernos arsenais bélicos têm sido de molde a confrontar a Humanidade com a possibilidade de autodestruição e têm feito crescer uma incontida aspiração dos homens à paz.
Como um suor frio ou como opção consciente para a vida do planeta, a ninguém, e por maior razão à juventude preocupada que hoje somos, serão indiferentes a necessidade e o apelo convicto a esforços autênticos dos dirigentes políticos no sentido de, consequentemente, prosseguirem a paz e o desarmamento como objectivos não só de política nacional mas, e principalmente, de projecção universal.
Mas se ser jovem e juvenilmente interveniente no debate a este respeito implica a dimensão utópica e idealista de sonhar com algo que se antevê longínquo, porventura inatingível, também exige, a nosso ver, a coragem de olhar em redor, não imitar a avestruz e apurar criticamente qual o modo mais apto a preservar a paz que, apesar de tudo, temos para evitar a catástrofe e a destruição que não queremos.
E que fique claro que para nós a paz não é um fim em si mesmo, mas sim um instrumento para uma renovada existência do homem. Este só faz sentido em liberdade, valor ôntico-social de permanente exercício, escopo teológico da paz. Donde que a luta pela paz não pode perder de vista a dimensão de afirmação de valores fundamentais para a dignidade humana: a uberdade e a democracia são exemplos desses valores. Consequentemente, é um erro, um perigoso risco mesmo, quando não uma malévola intenção, abstrair do confronto deste valores básicos com os seus conhecidos antónimos, traduzidos em blocos geo-estraté-gicos distintos, que só ganharemos em assumir e não disfarçar.
Vivemos numa época marcada pela tensão produzida pelo choque das superpotências e dos diversos interesses que lhes subjazem. A sociedade internacional vive numa convulsão provocada por constantes fricções que em concretos centros nevrálgicos vão opondo os interesses geo-estratégicos ocidentais e os da URSS. São pequenas batalhas, a que Nixon chamou «a terceira guerra», isto é, aquela que não é objecto de declaração formal, mas que evolui em confrontações parciais e indirectas.
Nesta original «terceira guerra» ocorrem duas posturas distintas entre os interesses em conflito.
Foi Khrutchev, numa reunião do Partido Comunista da União Soviética, quem disse:
A nessa política é apenas força, apenas a desorientação do inimigo. Não o podemos dizer em voz alta, mas é assim que deve ser.
A postura imperialista militar soviética caracteriza-se, por outro lado, pela instrumentalização de exércitos de outros países, como é o caso de Cuba, do Vietname e de outros países submetidos pela força. Robert Close, ex-presidente da Comissão de Defesa da Bélgica, observou, a propósito, que desde a fundação da União Soviética este país já obteve o controle directo de 3 500 000 km2 e outros 4 000 000 km2 e 130 000 000 de pessoas indirectamente dominadas.
A diferença radical de valores entre as 2 superpotências está, de resto, bem patente nos blocos militares em que se integram. Enquanto a Aliança Atlântica respeita a soberania e independência dos seus membros, o Pacto de Varsóvia constitui um bloco monolítico construído sobre a doutrina da soberania limitada. Enquanto a Aiiança Atlântica tem natureza defensiva, o Pacto de Varsóvia tem uma natureza essencialmente agressiva, desde logo para os próprios povos dos países que o integram, tendo, aliás, precedido a Aliança Atlântica no tempo. Enfim, se pretendermos aferir as diferenças em função da liberdade, basta observar a liberdade de afirmação, expressão e movimento dos grupos pcciSstas no Ocidente e a perseguição que lhes é feita no Leste.
É neste entendimento da actual situação internacional que centramos a nossa atitude face ao pacifismo. André Glucksmann proclamou lapidarmente que ao desespero pacifista do «antes vermelhos que mortos» a autêntica estratégia da única paz que vale a pena é «nem vermelhos nem mortos». Para nós, a proclamação pacifista é coincidência nos termos.
A paz é o ânimo do justo e correr o risco de frequentar o Metropolitano de Nova Iorque ou as «zonas proibidas» dos grandes centros urbanos da Europa livre não poderá jamais comparar-se ao internamento e controle das inteligências, que degradam a vida humana no mero estado vegetativo. O exercício ético-jurídico, filosófico e vivencial desta verdade rejeita, à partida, as ideologias da paz, entendida esta como a capitulação unilateral perante o terror.
Porque queremos a paz, defendemos um intransigente desamamento simultâneo, bilateral e gradual. Esta intenção naturalmente que pressupõe o estabelecimento do equilíbrio em termos de armamento, Por isso, também, não somos pacifistas. A paz só faz sentido enquanto quadro de afirmação de uma vontade de defesa legítima e justa da identidade cultural e política,
Página 3085
28 DE MAIO DE 1985
3085
se salvaguardando a eliminação de expansionismos totalitários e da ameaça que representam em termos de armamento e conquista militar.
O inimigo existe: é a ameaça representada por quem espezinha a liberdade. O pacifismo traz em si o gérmen do desarmamento ideológico dos jovens e da opinião pública em geral. Este desarmamento é o prefácio da submissão.
Quando começa a estar em causa a sobrevivencia de todos, é nossa convicção que só na defesa da liberdade, na vivência democrática e no respeito pelos direitos do homem, com a consolidação das tradições culturais dos povos livres, poderemos aspirar a ser minimamente bem sucedidos na esperança de que «paz em Uberdade» seja o caminho irreversível dos povos do Mundo.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Mário Franco, da Organização Mundial da Juventude.
O Sr. Mário Franco (Organização Mundial da Juventude) : — A Organização Mundial da Juventude irá fazer uma declaração no final dos trabalhos.
O Sr. Presidente: — Nesse caso, tem a palavra o António Eloy, dos Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas.
O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): — Desejo começar por juntar a minha palavra à do Paulo Mil-Homens no protesto contra a ausência nesta Conferência de qualquer representação do Governo, tendo sobretudo em conta que muitos dos aspectos aqui discutidos têm a ver com áreas muito concretas da política governamental. Parece-nos que foi um menosprezo total por esta Conferência a ausência de, pelo menos, uma representação mínima por parte do Conselho de Ministros. Igualmente é de lamentar a ausência de outras autoridades constituídas, numa Conferência que, apesar de lacunas è repetições discursivas que já várias vezes lamentámos, teve, quanto mais não seja, o interesse de aqui trazer uma confrontação diversa da que se assiste normalmente noutros hemiciclos e que teve o condão de dar a verificar que há, apesar de tudo, outra forma de discutir e uma maneira diferente de expor algumas ideias.
Sobre o tema referenciado no nosso programa como «Os jovens e o diálogo para a paz», que oferece um quadro bastante amplo para expressão, gostaria de começar, mais uma vez, por referir um aforismo oriental que diz que «o caminho que seguimos não é o caminho para sempre e que o nome que lhe damos não é um nome para sempre». Gostaria que tal não fosse entendido como uma intransigência em relação aos nossos princípios, mas sim, sobretudo, como a nossa capacidade de integrarmos outras ideias, outros discursos, na nossa maneira de estarmos aqui presentes; e quando digo «estarmos aqui presentes», refiro-me sobretudo à nossa maneira de reflectir e de agir.
A questão da paz é, de facto, bastante complexa; assenta no paradoxo entre a esperança e o medo. Ê em relação a esse paradoxo que temos de situar a
nossa resposta. Temos esperança na liberdade, temos esperança no mundo onde os conflitos não sejam dirimidos através da violência. E temos medo, porque pensamos que isso pode ser atingido através de uma imposição, de uma bota que nos venha calcar e uniformizar para todo o sempre, ad eternum, para 1000 anos.
Ê evidente que é em relação a este paradoxo que nós, ecologistas e pacifistas, tomamos uma posição clara. Tomamos uma posição clara pela esperança, apesar do medo.
O Jorge Ferreira toma uma posição diversa, que é a posição do seu campo político: toma a posição do medo, que é, aliás, a posição do campo político oposto. Ê face ao medo que nos inspira o adversário que a nossa esperança é mais diminuta. Temos medo, logo a nossa esperança encontra menos mecanismos de expressão. Ê curioso que o Jorge Ferreira utilize a mesma expressão «desarmamentista» que utiliza o bloco oposto. Neste caso, serão o bloco das sociedades ocidentais, que se encontram expressas num determinado tipo de organização social, e o das sociedades orientais, que têm igualmente o seu tipo específico de organização social: ambos defendem o desarmamento simultâneo bilateral, controlado, etc. Ambos o defendem nas intenções, mas, na prática, verificamos que de boas intenções está o mundo cheio e que continua a haver uma escalada progressiva pela conquista de áreas geo-estratégicas de poder e que os conflitos, em lugar de se suavizarem, em alternativa à sua acalmia e à sua aferição por métodos que seriam mais pacíficos, vão-se avolumando e vão-se agudizando as contradições entre os diferentes sistemas políticos.
Verificamos, por exemplo, que as despesas militares aumentam de ano para ano na mesma proporção em que aumentam os milhares de mortos e os milhares de carências em que este mundo vai vivendo. É este ponto que, muito concretamente, quero focar.
Como já referi ontem, é em relação às despesas militares que aqui entendemos situar um dos pontos da nossa aproximação. Obviamente que esta nossa aproximação tem a ver com os passos concretos no caminho da paz. Para nós, estes passos passam e estou de acordo com o Paulo Mil-Homens pela paz da nossa casa, pela paz connosco mesmos, a qual se traduz numa atitude não violenta que passa, nomeadamente, pela objecção à participação em instituições repressivas, tal como a instituição militar; passa igualmente, e do nosso ponto de vista, pela objecção de consciência a outro tipo de imposições.
Neste momento achamos que começa a ser altura de dar um passo diferente, através de uma campanha activa e concreta, pela diminuição das despesas militares. E esta diminuição pode e deve ser entendida como uma racionalização destas despesas. Achamos existirem sectores do aparelho militar que estão sob redimensionados, existem despesas que devem ser muito melhor auferidas se feitas noutros sectores diversos.
A nossa campanha aqui em Portugal situa-se muito concretamente em relação aos dois únicos tópicos que nos parecem passíveis do enquadramento numa perspectiva de diálogo para a paz. Ê evidente que depois, passando para uma discussão que teria mais a ver com geoestratégia e com um enquadramento mais amplo, existem outras condições, que têm a ver com política de blocos e que, sobretudo, têm a ver com
Página 3086
3086
II SÉRIE — NÚMERO 94
a aproximação diversa que queremos fazer para igualmente se chegar a uma situação de não conflito e de não violência.
Achamos, mais uma vez, que é através do diálogo que isso se consegue, de um diálogo que se ofereça como positivo. Achamos que o diálogo positivo é um passo em frente, e um passo em frente é desarmar. E para desarmar não se pode esperar que aquele que está em frente desarme.
Ê evidente que aqui estamos mais uma vez a jogar com o paradoxo: nós temos medo; se desarmamos e os outros não desarmam, vai ser o caos, porque eles vêm por aí adentro, e já sabemos o que aconteceu noutros sítios! Só que, do nosso ponto de vista, esta é uma atitude eivada de falsidade, porque, se temos consciência do nosso sistema político e social, se temos a certeza de que assumirmos o nosso espaço de liberdade é uma atitude clara, é evidente que não podemos ter medo.
Mais uma vez é um falso paradoxo a questão que o Jorge levantou de «antes vermelhos que mortos». E um falso paradoxo. «Nem vermelhos nem mortos», diria eu; só que também é um falso paradoxo porque nós queremos ser vivos no nosso espaço, queremos ser vivos podendo dispor da nossa liberdade, e poder dispor da nossa Uberdade é também recusar este paradoxo que à partida está a situar maniqueisticamente o campo da paz e da guerra, numa conceptualização que nos parece falsa.
Em relação às áreas e aos meios mais eficazes para se chegar à paz existem milhentas opções. Podem colocar-se milhentas dúvidas no caminho da paz e no caminho da guerra. Para nós isso é muito claro, pois só há uma resposta, só há uma solução. O desarmamento e a liberdade não são para nós separáveis. Para nós desarmar é a única atitude de liberdade possível.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Carlos José, da Juventude Comunista Portuguesa.
O Sr. Carlos José (JCP): — Eis-nos chegados ao ponto sobre a paz, aspiração máxima e primeira de todos os jovens, de todo o Mundo. Hoje, milhões de homens e mulheres, novos e velhos, em todo o Mundo, levantam-se e afirmam a sua firmeza inequívoca na defesa desse bem supremo. Vivemos nestes dias uma situação que podemos classificar como a mais grave desde o fim da Segunda Guerra Mundial; tal facto exige de' todos um empenhamento muito grande, mas também uma enorme responsabilidade. Independentemente das considerações políticas que se façam —e nós não nos coibiremos de as fazer— sobre a situação actual, sobre os responsáveis, pensamos que todos temos a obrigação de, sem prejuízo dessas diferenças, procurar pontos de convergência no sentido da luta pela paz.
O ano de 1985 é marcado pelas comemorações do 40." aniversário da derrota do nazi-fascismo e do militarismo japonês. Data de profundo significado histórico e humano: a Humanidade, podemos dizê-lo, viveu nesses anos os seus mais terríveis dias, mas, com coragem, determinação e confiança, conseguiu levar de vencida essa batalha contra a besta suástica. É importante que saibamos daí retirar as devidas conclusões.
Nos dias de hoje bem precisamos delas. Nestes dias em que o monstro estúpido da guerra sem sentido le-
vanta de novo a cabeça, é necessário que reunamos todos as nossas forças, todos as nossas potencialidades para lhe fazermos frente com êxito, ê necessário, é imperioso, que todos os jovens, independentemente do seu posicionamento político, filosófico ou religioso, amantes da liberdade e do progresso, se levantem contra este rugido da besta.
Contudo, os dias que hoje vivemos são qualitativamente diferentes dos de há 40 anos. Os apetrechamentos tecnológicos desde então verificados colocam-nos hoje nas mãos a possibilidade da autodestruição total e completa. Pouco importa que o arsenal acumulado dê para destruir 5, 10 ou 20 vezes o nosso planeta; a nós, chega-nos uma, e só por isso devemos estar preocupados, só por isso devemos lutar.
Para nós, lutar pela paz, hoje, é lutar pela cooperação internacional na base dos princípios da reciprocidade e da não ingerência nos assuntos internos de cada país; lutar pela paz, hoje, é lutar contra o clima de guerra fria, contra a desenfreada e criminosa corrida aos armamentos, enfim, lutar contra os aventureiristas, terroristas e contra a iníqua administração de Reagan. Em todo o Mundo, para além das diferenças de toda a ordem que atravessam o movimento pela paz mundial, uma certeza comum existe: o responsável primeiro e total pelo actual agravamento externo da tensão internacional é a administração a que preside o Governo dos EUA.
O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): — E não sói
O Orador: — E esta é uma verdade indesmentível. Não existem «novas linguagens», «novos discursos», que a mascarem ou que a disfarcem. A corrida aos armamentos e a chantagem nuclear, a escalada de agressão contra os povos em luta pela sua libertação, pele» progresso social e pela independência nacional, hoje„ têm um nome: «United States of America». Para nós, a situação que hoje vivemos não é algo que resulte de paranóias mais ou menos patológicas do ser humano„ ela não é, em nosso entender, fruto de uma qualquer força irrestível do destino. Como tudo o que existe, o panorama que se nos oferece registar tem causas, causas que se radicam na essência mesma do sistema social que domina os EUA. Reagan não se inibe de o dizer:
Incentivar a corrida aos armamentos é obrigar a URSS a desviar verbas preciosas e, desta forma, impedir o desenvolvimento das realidade» económicas e sociais do socialismo.
Não é por acaso que as reais e sérias propostas de paz têm vindo dos sectores democráticos e progressistas mundiais, com destaque para os países socialistas. A sua enumeração ultrapassaria largamente o tempo permitido para esta intervenção; contudo, como nos merece particular destaque — pelo seu simbolismo, diriam alguns; pela sua grande e real importância, diremos nós —, a URSS foi o primeiro país que, em seds própria, na assembleia de todos os países do Mundc, afirmou, sem quaisquer dúvidas:
Assumimos o compromisso solene, perante a Humanidade inteira, de que jamais seremos os primeiros a desencadear um ataque nuclear, jamais seremos os primeiros a utilizar armas nucleares.
Página 3087
28 DE MAIO DE 1985
3087
Afirmarão alguns que isto é demagogia. Nós dizemos: se os governos de todos os países do Mundo fizerem a mesma afirmação solene, então as armas serão desnecessárias e o caminho será, inevitavelmente, o desarmamento total.
Mas isso não acontece, e não acontece por acaso. Não acontece porque há homens, há interesses que não estão nisso interessados. A indústria de armamento é hoje uma das mais prósperas: à custa delas, governos há que, por exemplo o da Alemanha de Hitler, resolvem os seus problemas de desemprego e de crescimento económico.
Sobre esta questão da paz é frequente ouvirmos alguém dizer: eu sou independente, logo sou contra todas as superpotências, porque todas são responsáveis, já que todas têm armas.
O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação de Ecologistas): — Ê verdade!
O Orador: — A esses amigos nós dizemos: ser independente, hoje, é lutar, lutar corajosa e abnegadamente pela paz e pelo desanuviamento, e para lutarmos é necessário analisar correctamente as situações reais, definir os responsáveis e depois as acções para contrariar as suas intenções. Uma análise séria ao concreto não pode ignorar ou mascarar verdades insofismáveis atrás formuladas.
Nós, comunistas, temos em alta consideração a preservação dos valores da paz e da amizade entre os povos. Para nós, a paz e a solidariedade são coisas indissociáveis. Daí que não podemos deixar de afirmar claramente, nesta Conferência sobre a juventude, que debate as questões da paz, a nossa firme e inabalável solidariedade com todos os povos em luta contra regimes opressivos e que enfrentam com coragem as ameaças e as chantagens da administração Reagan, que agora ocupa a Casa Branca.
Não podemos deixar de referir particularmente a nossa activa solidariedade com a Nicarágua sandinista e revolucionária — aproveitando para acusar de totalmente criminoso e inaceitável o bloqueio económico decretado pelos Estados Unidos da América a este país soberano e independente— e também a solidariedade com Nelson Mandela, com todos os presos que se encontram nos cárceres do apparteid e com a luta do povo negro da Africa do Sul, assim como com o povo da Namíbia, em luta contra o regime mais iníquo que existe neste momento à face deste planeta e que é apoiado em todos os planos pelos Estados Unidos da América.
Nós, comunistas portugueses, sabemos bem o valor da solidariedade, sentimo-lo em centenas de ocasiões durante a dura luta contra o fascismo. Diz-se que são ideias velhas, linguagens e discursos ultrapassados. Diremos que se enganam rotundamente os que assim pensam; não há novos discursos ou linguagens que possam trasvestir os nossos profundos sentimentos internacionalistas.
Adivinho, nos sorrisos maliciosos que observo nesta sala, a ideia seguinte: «lá estão estes a repetir a casseite de Moscovo».
O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): — £ verdade!
O Orador: — «O que eles querem é que, em vez dos Estados Unidos, seja a URSS a mandar e a ditar os destinos do nosso país». A esses dizemos: se há aqui alguém que não tem a receber dos presentes nenhuma lição de defesa da independência nacional, esse alguém somos certamente nós. Nenhuma organização se encontra tão próximo das realidades deste país, do sentir das gentes que fazem o seu povo, da sua cultura, como nós.
O que se passa é que quem normalmente o diz atira pedras, mas tem telhados de vidro.
O Grupo Parlamentar do PCP vai ver discutido na próxima semana, aqui, na Assembleia da República, o seu projecto de lei que proíbe a instalação, trânsito e armazenamento de armas nucleares no nosso país, ao invés do que fazem os partidos no Governo. Daqui pergunto: que fizeram as organizações aqui presentes, em particular as juventudes dos partidos do Governo, para impedir o acordo insultuoso assinado recentemente acerca da utilização da Base das Lajes pelas forças dos Estados Unidos? Que posições e acções desencadearam contra a possibilidade de utilização da base de Beja pelas forças de intervenção rápida? Que fizeram essas organizações no sentido de exigir do Governo uma garantia clara e inequívoca de que não serão instaladas armas nucleares em Portugal ou de que não estarão já armazenadas tais armas em território nacional? Que acções apoiaram contra as autorizações para o trânsito de submarinos armados com mísseis nucleares no rio Tejo? Que fazem sobre a construção da estação de rastreio em Almodôvar, peça importante nos planos da chamada «guerra das estrelas»? Antes de se fazerem acusações gratuitas, pense-se e reflicta-se sobre as opiniões próprias. Não se diga que tudo isto é resultado natural dâ presença do nosso país na NATO; todos sabemos que há países pertencentes à NATO com posicionamentos e políticas bem diferentes, bem longe da actuação de dependência, de ajoelhar servil aos interesses americanos por parte do Governo Português.
O triste espectáculo dado aquando da recente visita a Portugal dô Presidente Reagan é exemplo bem evidente do que vimos dizendo. A propósito, queremos interrogar os presentes sobre se a liberdade que aos quatro ventos se apregoa é a liberdade que permite que, num país soberano e independente, jovens sejam detidos pela polícia, no exercício de direitos constitucionais claramente expressos, por estarem a propagandear as acções de protesto efectuadas aquando da dita visita.
Não é com operações de maquilhagem linguística ou discursiva que se resolvem os problemas.
Para terminar, só mais uma nota: não existem fatalidades do destino e com confiança, afirmamos: a paz é possível. O XII Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, a realizar em Moscovo no próximo Verão, e que está a ser intensa e entusiasticamente preparado pela juventude em todo o Mundo, enquanto fórum maior, mais importante e significativo jamais realizado, será, por certo, a prova disso.
Desejávamos terminar com uma mensagem de esperança e confiança. Do fundo dos cárceres de Hitler, de dentro dos mais obscuros recantos da opressão, chegaram-nos umas linhas que gostaríamos de ler aqui. São as palavras de um prisioneiro de Hitler que em 1942 foi executado poucas horas depois de as ter escrito.
Página 3088
3088
II SÉRIE — NÚMERO 94
Elas são o testemunho real de que a paz é possível se todos lutarmos por ela e a juventude em primeiro lugar:
Queridos pais e maninha:
Hoje, pego na caneta pela última vez para me despedir de vós para sempre. Quero fazê-lo de uma maneira muito simples, porque neste momento só o coração fala sinceramente com o coração. E por isso cada palavra amarrada está vazia. Se pudesse dizer-lhes tudo o que sinto e o que vivi em todo este tempo, o bom e o mau, não seriam suficientes estas duas horas que me restam e talvez não acreditassem. Mentiria se dissesse que morro com gosto. Quem é que morre de vontade, tão jovem como eu sou? Mas também não me lamento. Vou-me deste mundo com a minha convicção e uma fé enorme no futuro. O que me dói é pensar no vosso desgosto...
Desejo-lhes muitos anos de saúde e felicidade. O que o destino me roubou, que o dê a vós.
Beijoos pela última vez a todos e ofereço-lhes o meu coração.
Até sempre.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Calado Lopes, do Corpo Nacional de Escutas.
O Sr. Calado Lopes (Corpo Nacional de Escutas): — Srs. Conferencistas: Se procurarmos no dicionário o significado da palavra «paz» encontramos diversos sinónimos, tais como tranquilidade pública, cessação de hostilidades, sossego, serenidade de espírito e tantas outras.
Porém, na linguagem e no debate corrente a paz surge associada de uma forma mais estreita ao conceito da guerra, da beligerância, quer esta assuma a forma do confronto directo ou se manifeste nas formas mais discretas e sofisticadas da chamada «guerra fria».
A reflexão e a intervenção política, bem como as preocupações da comunicação social, atendem sobretudo a esta última dicotomia paz-guerra.
De resto, não será estranho que tal suceda, porquanto tal oposição prende-se a um fenómeno que, cora maior ou menor evidência, tem caracterizado a sociedade humana ao longo da sua história.
Refiro-me, naturalmente, à oposição vida-morte, que se encontra em todos os planos da actividade humana, seja ao nível da sua existência física, seja no plano intelectual ou na organização social.
Abordar a temática da paz-guerra significa interrogar-mo-nos sobre o fenómeno que se encontra na sua origem e lhe permite, infelizmente, ganhar a sua razão de ser — a violência.
Se olharmos com atenção à nossa volta, verificamos que a violência assume diversas formas e graus.
Creio que poderemos encontrar três formas peias quais a violência se nos apresenta.
A primeira é a violência recreativa. Encontramos esta forma de violência nas actividades ém que é exercida com o objectivo de exibir a perícia. Trata-se de uma violência que não é motivada pelo ódio ou pela intenção de destruir em si mesma. Encontra-se, por exemplo, em diversos jogos de actividades desportivas.
Mas uma segunda forma de violência, talvez bera mais significativa, porque mais clara, é aquela a que podemos chamar de violência reactiva.
Trata-se da violência que se emprega na defesa ou afirmação de valores ou convicções, quer eles sejam a liberdade, a propriedade, a ideologia ou quaisquer outros.
Ê um tipo de violência que, no fundo, tem as suas raízes no medo, o medo de que as nossas ideias não triunfem ou de que sejam banidas como concepções dominantes.
Mas é ainda uma violência ao serviço da vida, e não da morte, isto é, o seu objectivo é ainda preservar e não destruir.
Por último, encontraremos aquilo a que eu chamaria a violência compensatória. Trata-se de uma forma de violência que, na sua razão de ser, já não procura construir a vida, mas sim acabar com ela.
A violência surge, assim, como um fenómeno de compensação, substituindo a incapacidade pela actividade ciadora e produtiva do homem.
Ê este o sentido da guerra, entendida quer no confronto bélico directo, quer nas situações em que o homem individual se torna homicida ou delinquente. E, se procurámos atrás detectar as várias formas de violência, foi com a intenção de chamar a atenção para o facto de a violência ser hoje uma constante de qualquer sociedade, quer ela seja uma democracia, autoritária liberal ou popular.
De tal forma o fenómeno da violência hoje se encontra generalizado que ela já não surpreende — está banalizado!
Esta banalização não deixa de ter efeitos. E o mais importante de entre eles, a meu ver, é tornar quase impossível a divulgação da violência, pois esta divulgação não passará de mais uma crónica de jornal ou de mais uma notícia radiofónica.
Por outro lado, a banalização da violência faz com que ninguém se sinta responsável pela violência que cria. São os outros, nunca nós, que criam a violência.
Sendo assim os temas propostos —a paz e a guerra — não são apenas os acordos hipócritas SALT 2, o congelamento dos armamentos estratégicos, uma qualquer conferência de segurança europeia ou um diálogo Norte-Sul de protocolo.
Que fazer então para promover uma paz que pretendemos autêntica, com raízes?
Antes de mais, e seguramente, a paz é uma tarefa colectiva e individual, sem adiamentos, de todos os fazedores da paz.
E para fazer a paz é preciso sobretudo agir. Agir em três linhas de forças.
Em primeiro lugar, trata-se de agir no plano das condições sociais, criando uma sociedade mais abundante de recursos, promovendo uma repartição equilibrada da riqueza, para que cada um possa ter a liberdade de criar e de construir, a fim de ser ele próprio, admirando e aventurando-se na vida.
Num segundo nível de acção, trata-se de agir oure plano educativo em que cada jovem possa ser educado para uma nova sensibilidade e para uma atenção particular que lhe permitam localizar os fenómenos de violência, quer ela se manifeste de forma expressa, de forma discreta ou de forma sub-reptícia.
Ê preciso, ainda neste plano educativo, dar o exemplo, dar exemplos de paz, de que eu, tu e cada um de nós acreditamos na paz, de que estamos a promovê-la e queremos que outros participem desta tarefa.
Por fim, julgo que é necessário agir ao plano das instituições políticas, exigindo de cada deputado, de
Página 3089
28 DE MAIO DE 1985
3089
cada homem público, que ajam no exercício das suas funções como construtores de relações que favoreçam a integração, e não a conflituosidade, provocando junto das instituições governamentais (a Assembleia da República e o Governo) e internacionais (ONU ou o Conselho da Europa) uma pressão continuada no sentido de que o Estado Português adopte uma política, ao nível dos negócios estrangeiros, que o identifique como um país amante da paz entre as nações.
Por último, é também preciso agir tendo em conta um empenhamento das organizações não partidárias nas novas problemáticas do desarmamento, da cooperação entre os povos, da política de defesa nacional e do controle das despesas militares através da discussão interna e de uma tomada de posição pública corajosa e frontal.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista Luís Monteiro.
O Sr. Luís Monteiro [Comissão de Juventude da AR (PSD)]: — Inicialmente eu tinha intenção de me cingir estritamente àquilo que nos era sugerido em termos do debate, ou seja, a «os jovens e o diálogo para a paz» e à questão do serviço cívico e militar. No entanto, as intervenções já aqui produzidas também servem um pouco para reflectir e para que nós nos possamos enquadrar uns em relação aos outros e dizermos aquilo que de nossa justiça pensamos em relação a cada uma das matérias já abordadas.
Em primeiro lugar, parece-me que, e começando pelo fim, o Calado Lopes fez um belo esforço de síntese no sentido de equacionar algumas questões e perspectivas em termos daquilo que pode ser consideiado a violência, a luta dos homens em prol da paz e, por último, o esforço de cada um de nós no sentido de conseguirmos uma sociedade mais justa ou, pelo menos, uma sociedade mais em paz consigo própria. E parece--me que isso é sempre positivo, vindo, especialmente como vem, de uma organização que não tem como sua tarefa prioritária a necessidade de influir na tomada das decisões políticas a nível do aparelho do Estado.
A segunda intervenção já me coloca alguns problemas, o que já me aconteceu ontem. O Carlos José, mais uma vez, abusou aqui de alguns códigos referenciados, do que nunca estaria à espera da parte dele. Fiquei muito satisfeito em saber que o Carlos José ultimamente anda defensor de algumas teorias bíblicas da «derrota da besta». Ficamos sempre satisfeitos em saber que os dogmas católicos ou pergaminhos cristãos também chegam a uma organização comunista.
De qualquer das formas, há dois ou três referenciais que não poderia deixar ficar em claro, até porque com eles estamos a iludirmo-nos a nós próprios, em termos das intervenções.
Primeiro, e remontando um bocado atrás, depois de ouvir a intervenção do Carlos José, sinceramente, fiquei com a ideia de que só havia dois inimigos à paz entre os homens e dê que estes sempre tinham sido iguais, fraternos, livres, e de que nunca tinha havido guerras no Mundo. Presumo que depois da intervenção do Carlos Xavier terei que mudar a minha opinião e considerar que os dois únicos males à paz na terra — que até hoje, nesta longa existência da humanidade, existiram — foram, respectivamente, a besta hitleriana
e a administração Reagan. De qualquer das formas, acho que há duas ou três coisas a referenciar em termos prévios à própria intervenção.
Em primeiro lugar, acho que a história, como um conjunto de postulados, pode ou não ser negada, sd termos de analise, mas isso é altamente subversivo, em termos de factos. E, em termos de factos, meus caros amigos, há algumas coisas que têm que ser equacionadas.
Em primeiro lugar, há dias, quando se colocou a questão na Assembleia da República da derrota sobre a besta hitleriana, foi abordada a problemática da participação de cada um nessa mesma derrota. É óbvio que, pessoalmente, não participei nela, pois, felizmente, ainda não tinha nascido, mas alguns jovens portugueses certamente terão participado no seu tempo, como jovens. No entanto, os jovens Bento Gonçalves e Álvaro Cunhal, na altura do estabelecimento do pacto Hitler-Estaline, não tomaram essa mesma posição; assumiram a posição da luta contra a democracia burguesa, da sobrevivência necessária do nacionalismo soviético contra o expansionismo capitalista e imperialista, logicamente, assumindo, de todo, a necessidade de fazer em Portugal a defesa do pacto germano-soviético, por um lado, e do reequacionamento das forças político--sociais da democracia na luta contra o capitalismo, inclusive em Portugal, quando então tínhamos entre nós o célebre governo ditador fascista, nazista, etc, de António de Oliveira Salazar. Este é, pois, o primeiro código referencial!
O segundo dizia também respeito a um conjunto de afirmações que aqui foram produzidas sobre a pretensão à paz.
Ê óbvio que considero que todos nós, jovens, temos pretensão à paz. Poderemos considerar que a paz é para cada um de nós uma coisa diferente ou que poderá assumir conotações diferenciadas. Penso, no entanto, que há uma coisa que merece aqui ser dita: a paz para nós é também o estarmos bem com nós próprios, e não estaria bem comigo próprio se não referenciasse, para além de tudo aquilo que aqui foi dito sobre a guerra do Vietname, sobre as sabotagens que são feitas na Nicarágua, aquilo que aconteceu na Hungria em 1956, na Checoslováquia, posteriormente no Afeganistão, no Chile e em muitos outros países.
Penso que a história, podendo ser analisada — e o nosso amigo Carlos José sabe perfeitamente que as análises da história dependem de cada um de nós e dos nossos próprios postulados ideológicos —, tem também uma determinada carga factual, que não pode ser negada nem iludida em relação aos restantes.
Iria então tentar entrar na temática em jogo: a questão, por um lado, do diálogo para a paz e a da nossa participação, enquanto actores de um determinado jogo social, nesse mesmo diálogo, e numa questão mais concreta que se nos oferece, que é a questão do serviço cívico e do serviço militar e da sua interpenetração ou da inter-relação que pode ter na participação na paz.
Foram já aqui feitas algumas afirmações sobre a questão do diálogo para a paz. Salientava, por um lado, a intervenção dô Calado Lopes, que não aludia indirectamente a isso — faz alusão a esse referenciai — e as intervenções do Paulo Mil-Homens e do António Eloy. Parece-me que não há muito mais por onde nos alongarmos, exceptuando considerar que cada um de nós, à sua maneira, por um lado, pretende a paz
Página 3090
3090
II SÉRIE — NÚMERO 94
e, por outro lado, pretende dialogar — e a prova disso é que aqui estamosl E, mais que isso, penso que cada um de nós pretende participar e contribuir para que o diálogo para a paz seja uma constante e, por outro lado, que ele se possa estabelecer a nível da humanidade.
Como é que isso se pode fazer?
Esse é outro tipo de problemaI
Não iria retomar aqui o discurso do Rousseau — que todos os homens são bons e que as circunstâncias é que os fazem maus — nem ajudar a iludir alguns problemas que hoje se põem sobre a questão de como é que nós próprios podemos participar nessa construção da paz.
Penso que partirmos para essas premissas significa que cada um de nós, logo à partida, tem a noção de que a paz pode ser construída. Sem essa necessidade de nos afirmarmos a nós próprios em relação à paz, penso que qualquer outra manifestação — seja ela um tratado entre países, seja um acordo estabelecido a nível de diversos conjuntos comunitários — nunca poderá dar resultados produtivos, precisamente, porque, à partida, as regras do jogo estão viciadas, já que aqueles que as estabelecem não vão fazer a paz consigo próprios, pois estão na tentativa de iludir os outros em relação àquilo que eles próprios pretendem.
Uma terceira questão diz respeito à forma de em Portugal caminharmos nesse diálogo para a paz. E aí entrava já na questão do serviço cívico e do serviço militar.
Desde há longo tempo que todos nós vimos fazendo sentir, a nível de organizações partidárias e não partidárias, o nosso sentimento de insatisfação face a uma determinada instituição que, a nosso ver, por razões diversas, não serve a democracia, no sentido da concepção democrática que nós próprios temos de defesa nacional. Não serve porque, como já alguns o referenciaram, é uma instituição anquilosada, que saiu de uma guerra colonial e manteve, em termos de estrutura orgânica, o mesmo tipo de funcionamento. Não serve porque frustra os interesses e os anseios dos jovens e não serve porque muitas vezes não dá garantias de eles próprios se tornarem homens, homens com dignidade.
Algumas soluções foram apontadas por grupos diversos: uns falaram na necessidade de, internamente, se redefinirem normas de funcionamento, que dignificassem a própria função do soldado ou do militar; outros disseram que era um problema mais grave e mais profundo, que se prendia com a própria existência da instituição militar, portanto, rejeitam-na liminarmente, e outros disseram ainda que o que é necessário é reformular a estrutura por dentro, impondo novas regras de funcionamento.
Parece-me que está na altura de dizer qual é a posição da nossa organização, embora presuma que todos vós já a conheceis. Sempre dissemos ao longo do tempo que, em nosso entender, o serviço militar obrigatório não serve o país que temos, não serve a sociedade portuguesa que queremos e, acima de tudo, não serve os jovens que a ele são obrigados como um contributo para a defesa nacional.
Dissemo-lo com convicção. Continuamo-lo a dizer hoje! Infelizmente, as próprias circunstâncias políticas impedem-nos que as nossas propostas sejam assumidas pelo todo colectivo. Estamos, no entanto, convencidos
de que muitos jovens pensarão como nós e é nessa certeza que fazemos também a nossa luta e a sua continuação.
Mas quais são as tarefas imediatas? Aqui parece-me que podemos chegar a um relativo consenso: para a semana, em princípio, a Assembleia da República debaterá a proposta de lei sobre o serviço militar obrigatório, que, ao contrário das promessas estabelecidas a nível dos parceiros do Governo, não reduz o tempo da sua prestação.
Parece-me que a nossa única missão neste caso concreto — e falo em nome dos jovens deputados sociais--democratas membros da JSD — será, por um lado, lutar para que essa solução não passe e, por outro lado, lutar contra a proposta de lei, se as instituições governamentais a mantiverem na sua forma inicial.
Outra questão que há tempos se levantou, a nível da Assembleia da República, foi a problemática da objecção de consciência.
Já muitos debateram este problema, e, infelizmente, tenho vindo a assistir ao facto de em alguns órgãos informativos certas organizações partidárias de juventude referenciarem a legalização da objecção de consciência, a nível de direito constitucional e de normativo jurídico, como uma mera necessidade, fruto da existência de dezenas de milhares de jovens que querem fugir ao serviço militar obrigatório e, assim, usam e abusam da inexistência de legislação nesse sentido.
Parece-me que este problema é bem mais profundo, e penso que dizer isto é subverter, em si, a própria lógica e a ideia do que é um objector de consciência.
Quando se começou a debater a problemática da objecção de consciência, se não me engano, em 1978 — já então com projectos de um governo que era bastante mais restritivo do que o actual —, os objectores de consciência eram poucos: alguns milhares, que não excediam a dezena. Hoje fala-se em cerca de 50 000 a 60 000 objectores de consciência.
O problema, meus caros amigos, não está em escamotearmos a questão; não é dizer que há regras oj que há redes de contrabando ou de mercenarização da insatisfação dos jovens e do seu desinteresse em cumprir um serviço militar obrigatório e que desta forma só se consegue fazer com que esses largos milhares de jovens passem a ficar na situação híbrida e ambígua de não saberem aquilo que se irá passar em termos do seu futuro. O problema é mais profundo do que isso.
Na própria sociedade portuguesa, ao contrário do que alguns possam dizer, estes problemas prendem-se com uma estrutura anquilosada das Forças Armadas, que não tem em conta os valores profissionais dos j> vens, as suas aspirações imediatas, cu a longo prazo, que não tem em conta as próprias realidades da sociedade portuguesa, que se alterou depois de 1974, nem tem em conta os novos códigos referenciais dos jovens portugueses, em que o medo da guerra, a sensação de individualismo face aos outros, eventualmente a questão da ausência de nacionalismo, a sensação de insatisfação face a um serviço militar, que, nas suas próprias palavras, é uma perca de tempo, levam a que muitos destes problemas tenham que ser equacionados.
Não basta que se diga que é por existirem redes de tráfico de objecção de consciência que a objecção de consciência existe. A objecção de consciência é um problema muito mais profundo, que tem a ver, por
Página 3091
28 DE MAIO DE 1985
3091
um lado, com muito do próprio pensamento pacífico dos jovens portugueses —e é sempre bom referenciá-lo —, por outro lado, com a insatisfação desses jovens em relação a uma determinada sociedade que não lhes oferece perspectivas de vida em determinadas áreas, e, por outro lado ainda, com a sua recusa em assumirem-se como mais um conjunto de jovens que deixam andar as instituições ao acaso do destino e vão cumprindo aquilo a que os obriga a sociedade, os nossos próprios códigos nacionais e muitas vezes as próprias obrigações constitucionais.
A nossa posição em relação à objecção de consciência é a de que a lei, sendo melhor, dado que anteriormente não havia nenhuma, não é ainda perfeita. Pensamos que é desdignificante que um jovem que se declare pacifista seja obrigado a provar em tribunal essa condição quando muitas vezes o direito à violência é incentivado a nível dos mass media ou de outras instituições. Achamos negativo que os jovens que se aproveitaram, bem ou mal, de uma situação anterior sejam agora obrigados, embora de forma mitigada, a prestar novamente a sua forma justificativa de objecção de consciência.
Por agora não tenho mais tempo disponível, mas gostaria depois, em termos de debate, de abordar a problemática do serviço cívico. De qualquer forma, e para já, deixava que o debate prosseguisse.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista João Paulo Gaspar, da Juventude Monárquica.
O Sr. João Paulo Gaspar (Juventude Monárquica): — Antes de mais, gostava de subscrever a proposta feita pelo Paulo Mil-Homens acerca da ausência de membros do Governo ou de qualquer outra organização estatal nesta Conferência.
Em segundo lugar, subscrevo também, a título meramente pessoal, as conclusões que o Fernando Calado Lopes fez acerca da violência, principalmente em virtude de ontem à noite eu ter sido assaltado quando ia para casa. A violência não é só uma coisa teórica; torna-se bastante palpável nos dias de hoje.
Em relação ao que tenho para dizer, peço-vos desculpa se for, eventualmente, um pouco desconexo, dado que vou falar, em grande parte, de improviso.
A forma como pensámos propor aqui o tema da paz parte de uma análise, talvez mais internacionalista do que nacionalista, que põe o problema da paz era termos de diplomacia.
A diplomacia, por definição, é o estado de guerra quando as nações não estão em guerra, ou seja é a maneira de os grupos, neste caso as nações, discutirem os seus problemas, discutirem as suas divergências e atingirem soluções mais de consenso, mais ou menos de cedência, para resolverem os problemas entre si.
Não nos podemos esquecer de que a agressividade nos grupos, a agressividade do indivíduo, é um processo e é uma característica biológica. É, de certa maneira, um pouco irrealista pretender-se uma negação total da agressividade humana, porque ela é uma característica biológica que vem desde os tempos mais remotos da evolução. O que há, sim, são formas educativas de diminuir a intervenção dessa agressividade nas relações correntes.
Outra confusão que muitas vezes se faz é a confusão entre o pacifismo e o desarmamento. Algumas pessoas que se intitulam adeptas do pacifismo julgam que devem subscrever automaticamente o desarma-mentismo pelo menos do ponto de vista pessoal, ou seja, unilateral. Mas nós não concordamos com essa teoria.
Pacifismo é, sim, uma forma de estar no Mundo, que não pressupõe, de maneira nenhuma, que uma pessoa esteja no Mundo completamente indefesa e de mãos a abanar. Não nos podemos esquecer, por exemplo, do caso da Suíça, que é um país considerado, internacionalmente, como um modelo de neutralidade e de atitudes pacíficas e onde estão instituídas a maior parte das instituições de auxílio mútuo, como, per exemplo, a Cruz Vermelha, e que, no entanto, teca um dos mais eficientes sistemas militares defensivos da Europa, para não dizer mesmo do Mundo.
Constata-se que hoje em dia o Mundo está dividido em dois grandes blocos: o chamado «bloco ocidental» e o chamado «bloco oriental» ou de «leste». Houve tentativas de surgimento de pequenos blocos, como contraponto a estes, como foi, por exemplo, o caso do Movimento dos não Alinhados. Porém, sabe-ss que, apesar das boas intenções com que partiram, encontram-se hoje subvertidos, não sendo mais do que uma forma encapotada de falar sobre os interesses de cada um dos blocos.
Chega-se, assim, à constatação de que, actualmente, a Europa está indefesa. A Europa apostou, em certa medida, num dos blocos, e contra isso não temos nada, em particular, a dizer. £ uma constatação de facto que estamos integrados na NATO.
Somos é um pouco contra a noção de que estamos na NATO e é tudo o que temos a fazer. Não concordamos com a ideia de que, estando nós sob o «guarda--chuva» nuclear americano, podemos ficar felizes e contentes no nosso cantinho, sem nenhumas preocupações, de vez em quando com alguns discursos mais ou menos apoiantes ou desapoiantes, com mais ou menos querelas internas, mas, fundamentalmente, estando apoiados por uma instituição, por uma organização, em que a maior força reside nos Estados Unidos.
Penso que esta situação é um pouco perigosa. Ena 1938, por exemplo, a Checoslaváquia tinha um exército relativamente pequeno e a sua posição internacional estava dependente da boa vontade das nações, numa complexa rede de pactos europeus de não agressão, de defesa e de amizade, que não foram actuantes quando se falou no desmembramento da Checoslováquia que, como todos sabem, conduziu è paz de Munique.
Portanto, e rebatendo a mesma ideia, considerei errado que a Europa permaneça confiante numa protecção que não venha da própria Europa. A Europa é um espaço cultural muito bem definido, é um espaço que tem obrigações a nível internacional e não pode abdicar dessa sua posição. A Europa tem um papei importante, tanto mais que nos dias que correm se fala cada vez mais de integração europeia.
Até aqui, convenhamos, a imagem que a Europa tenx dado não tem sido uma imagem perfeitamente amigável. Nota-se, a nível dos países que compõem a Comunidade Económica Europeia e que estão integrados, por exemplo, na NATO, que se utilizam muito mais os momentos de discussão para se fazerem yaier posições meramente pessoais e, de certa maneira, opor-
Página 3092
3092
II SÉRIE — NÚMERO 94
tunistas de determinados grupos de interesses do que para se debater o problema global e integrado da defesa europeia. Continua-se a deixar a defesa europeia ao cuidado dos Estados Unidos e, em certa medida, teima-se em recusar assumir esta posição: se queremos defender a nossa casa, quem o deve fazer somos nós e não devemos ficar à espera que sejam os outros a terem o trabalho todo. Tudo isso é muito bonito até ao dia em que os outros precisem da nossa casa, pois nessa altura correremos o risco de sermos postos na
TU£.
Hoje em dia é praticamente impensável a hipótese de uma guerra europeia. De vez em quando esse fantasma alastra nalgumas situações, fala-se de que um determinado país tem um contencioso contra outro, imas, no meu entender, isso não passa de uma forma emotiva de se tentar bloquear soluções e consensos. Tenta-se agitar certos nacionalismos, certas forças internas que podem perturbar a ordem dos trabalhos.
Mas, atenção, isto não quer dizer que se seja apologista de uma integração europeia plena, no sentido da perda de identidade nacional. E, quanto a isso, a rainha organização tem uma posição extraordinariamente particular: somos a favor de uma integração europeia, somos a favor de uma Europa supranacional, em que a identidade nacional seja mantida — e, no nosso entender, a melhor forma de a manter é através da monarquia.
Em relação à democracia, que é aquilo que, penso, nos distingue, em termos europeus, do resto do Mundo, somos uma das regiões do Mundo onde de há anos para cá mais se fala em democracia. Neste momento a democracia europeia talvez seja uma das mais ricas, mas ao mesmo tempo uma das mais frágeis. Isto porque, ao contrário do que acontece naquele país que é considerado por alguns o baluarte da democracia, nos próprios Estados Unidos, embora a democracia funcione, funciona entre dois grandes blocos que são o grupo republicano e o grupo democrático.
Ora, na Europa isso não aconteceu, salvo nn1g^m«n excepções, como é o caso da Inglaterra, onde também existem dois grandes partidos, verificando-se, contudo, que do ponto de vista europeu os partidos são muito mais fragmentados, em termos de implantação, o que torna mais problemáticos os problemas governativos, mas muito mais ricas as discussões, porque há muito mais vozes e muito mais opiniões a serem transmitidas.
Em virtude dessas capacidades, dessa fragilidade própria da democracia, que permite a intervenção individual — e o fim da democracia deve ser a democracia plena, deve ser a possibilidade de todos os indivíduos participarem nas decisões—, a Europa está, em meu entender, mais próxima disso do que as outras regiões do Mundo, o que tem como grave desvantagem a fragilidade que causa ao sistema, porque permite às próprias pessoas que querem subverter o sistema utilizarem-no para esse fim.
A solução residirá talvez num consenso. A Europa precisa de ser defendida e uma posição fraca nunca conduz a resultados pautáveis. De um modo geral, sempre que uma organização vai para a mesa de negociações com as cartas dadas o priori, ou seja, quando se fazem concessões à partida para se permitir a própria realização de um qualquer encontro, essa organização que faz as concessões, á partida, vai numa posição de inferioridade.
Ora, em termos de conjunto das nações, em termos de conjunto de poderes —porque não nos podemos esquecer de que o Mundo funciona em termos de poderes—, é preciso partir-se sempre de uma posição de igualdade. Não deverá haver nem superiores, nem inferiores; deverá haver, sim, pessoas, entidades ou organizações em igualdade de circunstâncias.
Tem-se falado muito aqui de paz, mas até agora poucas propostas concretas foram apresentadas.
Partindo do princípio de que a integração europeia é, neste momento, para Portugal, um dado concreto, um dado, em certa medida, irreversível, temos uma proposta a apresentar, isto é, a de que Portugal passe a ser um membro activo na implementação de uma verdadeira comunidade europeia de defesa, que será orientada segundo dois grandes vectores, um dos quais é a existência de um exército europeu integrado, supranacional, constituído por voluntários. Haverá, sim, um comando militar integrado europeu, evitando-se assim um duplicação de estruturas que, no nosso entender, desviam verbas que podiam ser melhor aproveitadas noutros campos, unificado não só em termos de estruturas de comando, mas também em termos de material utilizado, evitando a dispersão por não sei quantos materiais bélicos, que tornam difíceis as situações de guerra. £ preciso ver-se que hoje em dia, mesmo em termos da NATO, a existência dê diferentes parques de armamento faz com que numa situação de guerra, por exemplo, a França não possa fornecer, em peças sobresselentes, a Alemanha ou qualquer outro país, se tal for necessário.
Ê necessário que esta situação termine e que passe a haver compatibilidade de equipamento para evitar despesas supérfluas.
Outro vector extraordinariamente importante será o vector de defesa civil nacional, que passará por um serviço cívico, em que terão lugar, em nosso entender, todos os objectores de consciência e todas as pessoas que tiverem problemas em pegar em armas. O exército deverá ser voluntário, o serviço cívico, o serviço e os -cursos de defesa civil deverão ser obrigatórios. Tal passa-se nalguns países, nomeadamente na Suécia e na Suíça.
Em relação ao papel dos jovens, que até agora foi relativamente pouco focado, direi que os jovens são, por natureza e de certa maneira, por definição — isto é um pouco estereotípico, mas talvez não esteja completamente errado—, idealistas. São pessoas que, de uma maneira geral, estão dispostas a vencer fronteiras, a lutar contra um status quo instituído. São pessoas que têm à frente uma vida e que têm melhor oportunidade de criar organizações novas e de criar estruturas movas que lhes permitam um melhor desenvolvimento das suas capacidades.
Propomos, portanto, aos jovens que se interessem sobre estes pontos e que, em vez de tomarem atitudes puramente emotivas, pensem activamente no que devem fazer e que participem activamente.
Em relação a isto, e só para terminar, gostava — já que o tema é a paz — de ler umas breves linhas que Demóstenes escreveu nas Filípicas — uma série áe cartas ao povo ateniense durante a ascensão ao poder de Filipe da Macedónia, o pai de Alexandre Magno:
£ preciso ser-se insensato para se considerar como um estado de paz uma situação que penei-
Página 3093
28 DE MAIO DE 1985
3093
tira a Filipe, quando tiver tomado tudo o resto, vir-nos atacar a nós. Isto é para ele, sem dúvida, a paz, mas nunca para nós.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Alfredo Abreu, da INTERCULTURA.
O Sr. Alfredo Abreu (INTERCULTURA): — Antes de abordar o tema «paz» do ponto de vista da minha organização, e uma vez que a paz é um dos objectivos por que nós existimos, quero, mais uma vez — já que é a terceira vez que falo convosco —, chamar a atenção para o facto de me sentir inconfortável com o método de trabalho que foi adoptado para esta Conferencia. Não posso deixar de dizê-lo porque o sinto na pele e sinto que não produzi praticamente nada durante estes 3 dias, porque a maneira como as coisas foram organizadas não o permitiu.
Nas nossas organizações temos objectivos bem delimitados, e, portanto, é-nos difícil falar da paz, do desenvolvimento ou da educação em termos gerais, abordando todos os pontos, porque, quando muito, o que nós temos é um ponto de vista pessoal, e não de organização sobre esses assuntos.
Faço também parte da geração do 25 de Abril, sou um daqueles jovens que, quando ele aconteceu, passaram muitas horas nas associações de estudantes dos liceus a falar, muitas vezes sem o objectivo concreto, mas a falar porque tínhamos a oportunidade de o fazer. Só que, passados 11 anos, já não estamos — e falo por aqueles que quiserem aceitar isto — com a disponibilidade, ou com a vontade sequer, de falarmos das coisas só por falar, de darmos os nossos pontos de vista baseados naquilo que ouvimos e que sabemos.
Tenho notado, particularmente em relação aos jovens da minha organização, que eles estão interessados em fazer alguma coisa de concreto. Quando lhes dizemos que um dos objectivos da INTERCULTURA é lutar pela paz e pela compreensão entre os homens, eles põem-se numa posição de cepticismo e riem-se. Acham que «muito bem, está bem, isso é bom para o papel, mas nós não podemos fazer nada».
Já quando lhes propomos um programa concreto em que a paz acabe por sair minimamente focada e tocada pelas pessoas, então sim, eles vêm participar. Ê uma questão de disponibilidade. E as pessoas agora têm disponibilidade para fazer alguma coisa de concreto, de útil, e é muito difícil para mim, já neste ambiente e com esta prática diária com as pessoas da minha organização, ficar aqui três dias a falar de temas de uma maneira muito geral. É claro que há aqui pessoas — e mais uma vez vou-me referir às organizações político-partidarias que aqui estão— que têm como função chegarem a conclusões, chegarem a delimitar as suas ideias sobre a sua posição em relação a estes assuntos que aqui temos focado. Mas, repito, uma vez que para as organizações não partidárias isso não constitui o seu dia-a-dia, a nossa participação aqui não foi nada facilitada.
Teria sido talvez mais fácil se pudéssemos falar uns com os outros, não de assuntos gerais, mas dar a nossa opinião mais em estilo de conversa, facilitando mais o diálogo. De qualquer das maneiras devo dizer
que achei de qualquer modo útil vir aqui, não só porque vos conheci, mas também porque acho que foi a primeira vez que isto aconteceu e penso que poderá servir de base ou de partida para outras iniciativas, porventura mais concretas, da nossa parte.
Aplausos.
Pausa.
Desculpem este tempo, mas prefiro citar literalmente a base da comunicação que vos vou fazer. Ê que nos objectivos da minha organização —a INTERCULTURA — enquadra-se o que vou citar: «Ê objectivo da INTERCULTURA — isso consta dos estatutos e é o que tentamos fazer todos os dias — contribuir para a compreensão e paz entre os povos. Consideramos que a compreensão será conseguida pela interacção humana directa e entende-se por paz o estado dinâmico em que os conflitos e a agressividade existentes entre e dentro dos homens e dos povos são resolvidos não violente-mente».
Ora, queria falar-vos de três coisas concretas qws fazemos na nossa organização: uma delas é um programa que está a acontecer, neste momento, em Portugal.
Trouxemos do Luxemburgo uma turma de alunos do ensino preparatório —que, portanto, podem se? considerados ainda como crianças—, constituída metade (10) por filhos de luxemburgueses e outra metade por filhos de cidadãos portugueses que estão a trabalhar no Luxemburgo. A razão por que os trazemos a Portugal é a dificuldade ou a falta de identidade que sentem as crianças portuguesas que lá vivem, peio facto de não conhecerem bem a sua cultura e também por estarem num meio que lhes é estranho e às vezes até adverso; calculamos que vindo a Portugal e conhecendo os seus laços culturais, elas possam sentir-se mais seguras de si e dar uma contribuição melhor para a comunidade em que estão inseridas neste momento.
Em relação às crianças luxemburguesas —que reflectem o ponto de vista dos pais, que é o de sobre os emigrantes terem a ideia do muito pobre, já que eles são geralmente uma faixa social muito estrita das comunidades que os enviam—, queremos que essas crianças tenham a oportunidade de conhecer o nosso país, de saberem que os colegas também têm uma cultura, têm carros, televisões e escolas. Ê muito importante que as crianças saibam isso.
Estas crianças estão agora em Coimbra durante 15 dias. Estão a viver, cada uma delas, com uma fasoí-lia portuguesa e estão a frequentar a escola preparatória todos os dias, fazendo visitas a Contmôriga, as Portugal dos Pequeninos e às fábricas de cerveja.
Risos.
Estão a conhecer a sociedade portuguesa no seu todo, estão a conhecer aquilo que existe no nosso país.
Durante este tempo serão as crianças portuguesas filhas de emigrantes que terão o papel de liderar, de guiar ou de proteger e servir de intérpretes às crianças luxemburguesas. Há, portanto, uma iaversãos uma troca de papéis entre aqueles que geralmente mandam, que têm o poder e que tomam conta das ioiciaíivas e„ neste momento, as coisas vão acontecer de maneira diferente.
Página 3094
3094]
II SÉRIE — NÚMERO 94
Esperamos que, depois, com a divulgação doe resultados desta iniciativa, não só as outras crianças e os professores da escola do Luxemburgo tenham a oportunidade de tomar conhecimento destes resultados, mas que também em Portugal eles possam ser divulgados pelos meios de comunicação social.
Esta é uma das maneiras concretas como nós pensamos ou queremos trabalhar o tema da paz. £ através do diálogo, através do conhecimento das pessoas.
Vocês, com certeza, conhecem bem um programa — que já é muito antigo cá em Portugal, já tem cerca de 30 anos — em que jovens do ensino secundário vão, durante um ano, estudar num país estrangeiro, seja na Jugoslávia, seja no Chile, seja nos Estados Unidos da América. Durante um ano eles vivem com uma família desse país, frequentam uma escola e participam na vida comunitária.
Através destes programas, que são acompanhados de uma grande fase de preparação antes da partida e depois da chegada, para que as pessoas tenham a oportunidade de conhecer profundamente as alterações que se deram neles, através destes programas, disse, tentamos colocar pessoas em situações muito diferentes, em situações em que vai haver conflito, porque as culturas têm de, forçosamente, funcionar de maneira diferente, e é através desses conflitos, mas dentro da família, que eles têm possibilidade de os resolver de um modo não violento. Esta é também uma maneira que temos de contribuir para a paz, o que fazemos de modo muito concreto.
For último, quero citar-vos um testemunho pessoal: também participei num desses programas, também vivi um ano num país estrangeiro, e, no fim dessa estada, jovens de 32 países, que comigo participavam nesse programa, viajavam em conjunto, e um dia, apesar de estar frio na altura, fomos a uma praia, firamos 33, de 33 países diferentes, em que havia desde israelitas e palestinianos a chilenos e argentinos — que ne altura tinham um problema de conflito de fronteiras bastante acentuado—, de neo-zelandeses a australianos, povos com ligações pouco simpáticas, às vezes. Havia, assim, representantes de países que se davam melhor e outros que se davam menos bem. Mas, na altura, lembro-me que me dirigi à praia e, olhando para a água, vi 32 pessoas da minha idade que, embora vindos de culturas diferentes, algumas mesmo em conflito, estavam, naquele momento, a brincar dentro de água como se fossem todos da mesma família.
Aquilo influenciou-me — na altura tinha 18 anos —, é uma imagem que não vou nunca esquecer, pois sei, desde então, que afinal as diferenças podem ser ultrapassadas quando as pessoas se conhecem melhor e quando elas dialogam entre si.
£ assim que contribuímos para a paz. Não vos posso falar de como se constrói a paz a nível mundial porque não é para isso que está vocacionada a minha organização. Nós estamos vocacionados para dar um contributo concreto e definido em várias áreas, mas é algo em que participamos individualmente, em que começamos por obter paz dentro de nós próprios primeiro, e depois, em diálogo com os outros, tentamos fabricá-la também a nível intercultural.
Era, pois, esta a comunicação que queria fazer, já que não posso falar do desarmamento ou de coisas maiores, pois não nos dedicamos a isso na nossa orga-
nização. Mas ia acabar com uma citação — e tem de haver uma citação sobre a paz, é mesmo forçoso que tenha de haver uma, pois há muitos anos que as pessoas falam sobre isto — que encontrei hoje, de manhã, quando lia a Bíblia. Antes, porém, devo dizer-lhes que a minha organização não tem qualquer tipo de filiações político-partidárias ou religiosas. No entanto, trata-se de um testemunho pessoal que quero dar de uma parte que encontrei na Biblia e que diz assim:
Aqueles que trabalham pela paz vão lançando a semente que lhes dará uma colheita de justiça e de paz.
Falarmos menos dela, talvez, e começarmos nós próprios a praticá-la mais, de um modo ou de outro, acho que seria um bom princípio.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Depois de o Alfredo Abreu nos ter feito passar um calafrio pela espinha, pensando na sugestão de tomar banho em Dezembro nas praias do Tejo, passo a palavra à Margarida Marques.
A Sr.0 Margarida Marques [Comissão de Juventude da Assembleia da República. (PS)]: — A minha intervenção é um pouco suscitada por uma afirmação que ouvi há pouco e que vou transcrever, ou melhor, vou repetir:
A corrida aos armamentos dos EBtados Unido3 da América leva a União Soviética a transferir verbas que deveriam ser canalizadas para a assistência social.
De facto, como não aceito tão facilmente este espírito de sacrifício que nos foi aqui apresentado por parte da União Soviética, gostava de vos ler algumas referências de uma declaração sobre a paz que subscrevi há uns tempos atrás, que continuam a ser actuais e que respondem, de alguma maneira —embora não sejam só uma resposta —, a esta questão.
Em primeiro lugar, a afirmação de que a paz é uma condição essencial da transformação social e um elemento necessariamente presente numa sociedade socialista, democrática e autogestionária. A paz permite e é fruto da participação contra a passividade e a submissão. A paz é a força de uma sociedade libertada das suas dominações ancestrais. A paz é uma exigência da nova ordem internacional, mais justa e mais solidária nos planos económico e político.
A guerra é a expressão das injustiças e da exploração, ao nível internacional, exercendo-se contra os mais débeis e em benefício dos interessados das grandes potências.
A corrida aos armamentos a que continuamos a assistir é eticamente condenável e imoral, já que desperdiça recursos humanos, matérias-primas, solo, potencial industrial e conhecimentos científicos que, objectivamente, são roubados aos povos subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.
O milhão de dólares gasto por minuto em armamento em todo o mundo —dados das Nações Unidas — é um insulto aos povos carenciados alimentar-mente, bem como em condições sanitárias, sociais e culturais.
Página 3095
28 DE MAIO DE 1985
3095
06 primeiros responsáveis por esta situação imoral, por esse insulto, são as duas superpotências: a União Soviética e os Estados Unidos da América, já que se comportam como donos do Mundo, impondo o medo e a .penúria dos outros como pilares do seu próprio poderio e dominação. A responsabilidade dos Estados Unidos da América e da União Soviética nesta matéria é ainda maior quando sabemos que a corrida aos armamentos é uma exportação dos elementos mais perversos de cada um dos sistemas: o capitalismo estado--unidense submete a paz aos interesses do seu complexo militar industrial. O comunismo soviético e os seus satélites cada vez mais funcionam segundo os princípios iníquos dos seus aparelhos militares, policiais e burocráticos.
O desarmamento global simultâneo e controlado é condição indispensável à vitória da paz.
O equilíbrio no poderio militar deve ser procurado e encontrado a níveis progressivamente mais babeos. Procurar o equilíbrio aumentando os arsenais é uma burla e uma hipocrisia dos senhores da guerra.
Adoptar uma atitude pacifista militante no sentido em que inserimos a luta pela paz entre os nossos objectivos mais nobres, no respeito e nos termos anunciados anteriormente.
Condenamos toda a pressão e repressão exercida sobre os movimentos autenticamente pacifistas, afirmando uma indignação pela educação militarizante a que é submetida a juventude em alguns países — nomeadamente nos países comunistas do Leste Europeu—, pela prisão a que são condenados cidadãos pacifistas dos países do Pacto de Varsóvia, pelos apelos militaristas de dirigentes comunistas aos jovens dos seus países, e condenamos também a política de loucura e suicídio do presidente Reagan dos Estados Unidos da América e a política agressiva da NATO.
Consideramos ainda negativa a manipulação e a utilização abusiva do conceito e dos movimentos pacifistas por partidários de um dos blocos e consideramos ser isso um dos piores serviços que se podem prestar à paz.
Finalmente, gostava de apresentar ainda algumas propostas concretas ou algumas reivindicações que, parece-me, devem estar presentes em todos nós.
Em primeiro lugar, a necessidade da participação de todos os países europeus nas negociações sobre redução de armas nucleares estratégicas ou tácticas na Europa, as quais, até agora, têm lugar apenas entre os Estados Unidos e a União Soviética. Isto, sim, é o reconhecimento de que todos existem no mundo e de que não existem só dois blocos que dominam os restantes países.
Em segundo lugar, a necessidade da intensificação de políticas de desenvolvimento para o Terceiro Mundo e o aumento da ajuda ao desenvolvimento em 7 % do produto nacional bruto de cada país, como pede a ONU, através de uma redução de 10 % nos orçamentos da defesa.
Verificamos a necessidade de uma verdadeira educação para a paz nas escolas e o desenvolvimento de conceitos alternativos de defesa, de acordo com os interesses e a situação europeia.
Eram estas as questões que gostaria de colocar aqui na Conferência.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Carlos Miguel Coelho.
O Sr. Carlos Miguel Coelho [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PSD)]: ■— Tenho a impressão de que seria bom começar por dizer que não vale a pena iludirmos as questões.
O mundo está dividido em 2 blocos, 2 blocos de interesses político-militares. Nós fazemos parte de um bloco, por razões culturais, por razões históricas, e não renegamos essa herança cultural e histórica do espaço geofísico e geo-estratégico em que nos integramos.
Isso não significa, contudo, que nos devamos subordinar às lideranças do bloco a que pertencemos, es se há razão pela qual os soclais-democratas sempre luraram por uma Europa unida, política e institucionalmente, essa é a de a Europa, no bloco ocidental, não ter que se submeter àquilo que a estratégia americana, em cada caso e em cada momento, pretende levar a cabo.
Muitas vezes, nós — nós no sentido lato de demo cretas europeus— batemo-nos contra a liderança e contra a estratégia norte-americanas. Ainda agora, de forma que eu não subscrevia, a Sr.' Deputada Margarida Marques trouxe a este debate uma crítica contundente à administração Reagan.
Essa forma de ver a nossa inserção no bloco ocidental não significa, no entanto, que reneguemos esse passado Mstórico-oiltural e político-militar.
Bom, nós também somos pela paz e pelo desarma* mento. Mas a paz e o desarmamento pressupõem uma reciprocidade. Paz sim, capitulação nãol Ê impensável que só uma das partes, por livre iniciativa, deponha as armas, o que significaria, tão-só, um gesto inútil.
Quando se fala em desarmamento, não deixamos de acentuar que o desarmamento tem de ser simultâneo e controlado. Sabemos também que é mais fácil no mundo ocidental verificar o cumprimento dos acordos, onde as sociedades são livres, onde as pessoas podem circular livremente, do que no bloco onde estas circunstâncias não se verificam.
De qualquer forma, a intervenção do Alfredo Abreu não deixou de me tocar particularmente. Não deixa de ser significativo que nesta Assembleia, neste momento^ a propósito da paz e da guerra, a maior parte das intervenções se tenha debruçado sobre estas questões da geo-estratégia mundial. Quase que diríamos que é da nossa vontade e da nossa palavra que irão depender os caminhos da luta entre as superpotências.
Há facetas da paz e da guerra que tocam mais de perto os jovens em Portugal, e é sobre essas que eu. gostaria de me debruçar. Julgo que o meu colega Luís Monteiro trouxe um contributo importante para este debate, quando levantou algumas delas. Por exemplo» não vale a pena nós dicutirmos a paz e a guerra e olharmos para a URSS e para os EUA quando temos o exemplo das Forças Armadas portuguesas aqui ao nosso lado.
Devemos perguntar se nós, que somos tão ávidos em defender a paz, consentimos na estrutura que as Forças Armadas têm, e perguntar se elas estão formadas e estruturadas para servir a paz ou para servir s. guerra. Se se dissesse que elas estavam estruturadas para servir apenas a independência nacional, diríamos que elas estavam a cumprir a sua função de defesa da Pátria. Mas o que parece é que as Forças Armadas portuguesas, que não alteraram a sua estrutura depoio
Página 3096
3096
II SÉRIE — NÚMERO 94
do 25 de Abril, parecem estar preparadas para uma guerra colonial —fora de época—, que felizmente, para todos nós, já acabou.
Essa deveria ser, talvez, uma das principais preocupações que deveríamos trazer a este debate. Qual é a nossa contribuição como cidadãos portugueses e como jovens, nesta questão da paz e da guerra, perante a estrutura das Forças Armadas que temos e perante a função que um jovem tem face às Forças Armadas?
Q serviço militar obrigatório vai ser discutido
— como o Luís Monteiro aqui salientou, e muito bem— na próxima semana, na Assembleia da República. Qs partidos que estão no Governo, o PS e o PSD, defenderam a redução do tempo do serviço militar obrigatório. Algumas, para não dizer a grande maioria, das organizações de juventude defenderam posições em relação ao serviço militar obrigatório que apontam para a redução do tempo. Nós aí somos um bocadinho mais radicais, pois entendemos que ele não deve ser obrigatório — presumo que a JSD é a única organização política de juventude a defendê-lo —, mas em relação ao tempo de prestação, a grande maioria das organizações de juventude defendeu a sua redução por mais de uma vez.
Que é que a Assembleia da República vai fazer para a semana, que reflexão é que nós hoje trazemos aqui em relação a essa questão concreta que afecta o quotidiano dos jovens portugueses?
A nossa posição é clara. Temos que manter os compromissos que assumimos na altura da campanha eleitoral e iremos lutar para que o serviço militar obrigatório seja reduzido significativamente. Se o Governo o não quiser fazer, se não tiver a coragem de cumprir os compromissos e as promessas eleitorais que fez, nós estamos dispostos a, no terreno parlamentar, votar enquanto deputados jovens e da maioria —não podemos dissociar essas duas condições — contra a proposta de iei do Governo.
Estamos dispostos a enfrentar a disciplina partidária. Gostaria de perguntar, aqui, aos comunistas quantas vezes é que tiveram que violar a disciplina, quantas vezes é que demonstraram, por actos concretos, que, quando é necessário, estão numa posição diferente
— mais jovem, mais irreverente— das posições do seu partido.
O Sr. Carlos José (PCP): — Não é necessário!
O Orador: — Falarei agora na objecção de consciência e com isto terminarei a minha curta contribuição.
Voz inaudível na gravação.
Q Orador: — Há verdades difíceis de ouvir, não é?
Ê um facto que se conseguiu, no terreno parlamentar, legalizar a objecção de consciência. Mas aquilo que se fez não basta, e não basta por três razões essenciais.
Primeiro porque a objecção de consciência só foi garantida, na regulamentação legal, aos cidadãos que ainda não estavam na idade de cumprir o serviço militar obrigatório. A Assembleia da República não regulamentou a circunstância de haver cidadãos que, depois de cumprirem o serviço militar obrigatório, podem
querer obter o estatuto de objector de consciência ou de haver cidadãos que no cumprimento do serviço militar obrigatório são compelidos, por razões religiosas ou filosóficas, a proceder à obtenção desse estatuto.
Uma segunda razão pela qual a objecção de consciência não serve, ou melhor, não é suficiente é a de o objector de consciência parecer ficar numa situação diferente daquela que, em nosso entender, lhe deve ser atribuída. O objector de consciência não é um cidadão que foge ao cumprimento do dever patriótico de defender a independência nacional. É um cidadão que cumpre esse dever perante a Pátria, embora de outra forma. Fá-lo sem uma arma nas mãos. Esta noção de não fuga àquilo que é uma exigência constitucional e dever de cidadania devia ter sido mais explícita na definição de serviço cívico. Para isso lutámos no terreno parlamentar. Não o conseguimos, mas também não direi que a solução encontrada foi a oposta. Contudo, entendemos que temos de encontrar um estatuto de dignidade para esses cidadãos, pois têm todo o direito a tomar uma atitude diferente, a considerar que a defesa da Pátria não é motivo suficiente para matar um seu semelhante.
Em terceiro lugar, entendemos que esse estatuto de dignidade deve ser concedido, não permitindo que o serviço cívico —que é um dos temas deste nosso seminário— seja apenas uma instituição que aglutine os cidadãos que requereram o estatuto de objector de consciência. Por isso, lutamos para que outros cidadãos que não estão em condições de cumprir o serviço militar ou que não são compelidos a prestar serviço militar obrigatório —como, por exemplo, as mulheres, que têm iguais direitos e deveres perante a Constituição e a lei — possam ser abrangidos por esse serviço.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Paulo Mil-Homens, da ALOOC.
O Sr. Paulo Mil-Homens (Associação Livre dos Objectores e Objectoras de Consciência):—Em relação ao serviço cívico e ao serviço militar, começamos por perguntar: o serviço militar ao serviço de quem?
A publicidade vende ao público, entre muitas a variadas coisas, segurança emocional a pessoas fracas de espírito, autoconfiança a quem se acha inútil, satisfação do seu ego a pessoas inseguras, perspectivas interessantes de vida a quem as não tem, sensação de poder a quem o não tem e imortalidade a quem receia a morte.
Ê nesta base que actuam os militaristas, os ambiciosos do poder e os fabricantes de armamento.
Acenando com a abstracção a que chamam de pátria, com uma bandeira manchada de sangue inocente, um hino guerreiro em que se procura a coragem que se não tem, ou com uma religião alienante, ou ainda com a imagem de um inimigo hipotético que ameaça entrar em casa de cada um a cada instante, legalizando desta forma a violência organizada, alienando e fanatizando os povos, cuitivando-os na ignorância, na intolerância e na incompreensão dos outros.
Recusamos o serviço militar, não só pelas condições degradantes em que se vive, não só pelo pré ser um pagamento ridículo ou por falta de ocupação dos tempos livres, como já alguém o começou a afirmar.
Página 3097
28 DE MAIO DE 1985
3097
Recusamos o serviço militar também e principalmente por todo o substrato cultural, económico e social que o suportam.
A defesa de uma nação implica, acima de tudo, o respeito integral pela dignidade dos seus cidadãos, a construção de uma sociedade baseada numa justiça económica, numa produção-consumo equilibrados, na preservação e desenvolvimento da sua cultura própria, na criação de estruturas não militarizadas e na educação da população para uma defesa efectiva e activa não violenta que possibilite a resistência e a não submissão a um hipotético invasor que atente contra e não respeite a dignidade humana, a independência cultural e económica dos cidadãos dessa nação.
Na sequência da abordagem, que aqui não pode deixar de ser superficial, da nossa filosofia, não poderemos deixar de frisar a falta de compreensão por parte da grande maioria dos legisladores que elaboraram e aprovaram o Estatuto do Objector de Consciência. Sendo ura acontecimento importante na história legislativa do nosso país, não deixa, no entanto, de traduzir a intolerância e incompreensão que estão subjacentes à aprovação desta lei.
0 Sr. Carlos Miguel Coelho [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PSD)]: — Muito bem!
O Orador: — Perfilhamos os ideais da ONU, em que a desmilitarização progressiva da sociedade deveria começar já; daí também a nossa recusa de participação em qualquer estrutura militar. A propósito, transcrevemos o que Einstein um dia disse:
Os pioneiros de um mundo sem guerra são aqueles que recusam o serviço militar.
Mas recusar implica muitas vezes, ou sempre, a opção por uma alternativa. K
A nossa opção é a realização de um serviço cívico, generalizado aos cidadãos de ambos os sexos, o que traria a possibilidade de uma maior compreensão da nossa sociedade. Seria o gérmen da mudança, para o início da construção de uma sociedade diferente baseada na dignidade, justiça e verdade.
Serviço cívico que estaria também em estreita ligação com o serviço cívico internacional, para maior intercâmbio cultural e facilitar uma maior compreensão dos outros povos, começando assim a construir-se uma verdadeira paz entre as nações.
Aproveitamos desde já para as possibilidades que existem da utilização dos objectores como mão-de-obra barata por parte do Estado e para a banalização do serviço cívico, tornando-o num instrumento de controle puro e simples da juventude rebelde.
Sugerimos também que seja adoptado um sistema em que, para além das instituições do Estado, sejam reconhecidas outras entidades empregadoras, tal como já acontece noutros países, como, por exemplo, na Alemanha e na Bélgica.
Para terminar, reafirmamos: desmilitarização progressiva no imediato e uma estruturação digna para um serviço cívico digno.
Mas queria acrescentar, nesta oportunidade que tenho para falar, que, de facto, os caminhos para a paz passam — e aqui eu estou absolutamente solidário com o nosso amigo da Interculiura— por iniciativas
como o intercâmbio, cada vez maior, entre jovens de todos os países, independentemente da ideologia ou do credo religioso que professam. Ê nessas situações que nós nos compreendemos melhor e é nelas que há uma aceitação mútua muito maior.
Por outro lado, em relação —e isso já foi aqui frisado várias vezes— aos potenciais bélicos e à negociação dos armamentos, é óbvio que nós não podemos continuar a admitir que as negociações para o desarmamento continuem a ser lideradas pelas duas superpotências. Ê óbvio que nós não podemos continuar a admitir que só sejam negociadas as questões baseadas no armamento nuclear. Existem também as armas químicas, que, mais ou menos às escondidas, são empregues — e às vezes mais às claras do que se espera —, e também temos de levar em conta o seguinte factor: o dinheiro e o negócio de armamentos não conhecem fronteiras e não conhecem ideologias. É por isso que nós vemos movimentos de libertação, que têm como base a doutrina marxista-leninista, utilizarem armamento dos EUA, fornecido através da candonga, e é assim que vemos o regime da África do Sul utilizar armamento fornecido pela URSS.
Portanto, a complexidade de tudo isto é extremamente grande e quando nós criticamos tudo isto não podemos olhar nem só com o olho direito, nem só com o olho esquerdo, há que fazer uma análise profunda da questão.
Entre outras coisas também queria referir quatro ou cinco assuntos. 1
Por outro lado, um problema muito concreto que se põe neste momento aos objectores de consciência é que temos um limite para apresentar a nossa declaração e fazer comprovação, perante os DRM, de que somos objectores. Acontece que o Governo também tem um limite para formar as comissões, e, entretanto, o tempo vai passando e as comissões ainda não foram formadas. Há documentação que nós temos de arranjar, como por exemplo, o registo criminal, que tem um tempo limite, e está tudo em «águas de bacalhau» porque o Governo nunca mais decide nomear essas comissões. Isto é um problema muito concreto, pois se o Governo não cumprir os prazos pode trazer problemas extremamente graves.
Por outro lado, há uma questão muito interessante e que eu gostaria de focar, que é a questão do Hino Nacional. Por acaso, nós, os objectores, não podemos cantar o Hino Nacional. Aliás, a lei, peia forma como foi estruturada, tem implícita essa proibição. A proposta que eu faço é que seja feito um Hino Nacional novo porque é óbvio que não podemos cantar «às armas, às armas», nem «contra os canhões».
Nós, na nossa actividade para a paz e para a desmilitarização, estamos a pensar organizar um seminário sobre defesa civil não violenta em data que depois comunicaremos.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Carlos José, da JCP.
O Sr. Carlos José (JCP):—De início quero aproveitar a maré das declarações de princípios para questionar os deputados aqui presentes da JSD e da JS sobre se estão dispostos a votar favoravelmente o pro-
Página 3098
3098
II SÉRIE — NÚMERO 94
jecto que para a semana vai ser discutido sobre a não instalação e não armazenamento e trânsito de armas nucleares no nosso país.
Fico muito satisfeito por saber que a JSD defende a reestruturação das Forças Armadas, no sentido de elas defenderem, efectivamente, a independência nacional. Esperemos que essas intenções se materializem em acções concretas, no sentido de reestruturar as Forças Armadas Portuguesas, para que elas sejam, de facto, uma garantia da independência nacional e para que não continuem a ser envolvidas nos planos belicistas e armamentistas dos EUA.
Gostaria, por outro lado, de focar o seguinte aspecto: tem sido aqui muito falado que a paz e a cooperação também começam pela amizade e pelo estabelecimento de relações de fraternidade entre todos os jovens, entre todas as pessoas de todo o mundo!
Comungamos perfeitamente dessa opinião, e aproveitando isso queríamos aqui dizer que, já que estamos em maré de declarações de princípios, gostávamos de saber o que é que pensam fazer os deputados da JSD e da ¡S em relação à atitude do Governo de rescindir tcdos os acordos de cooperação que facilitem trocas de viagens e trocas de opiniões entre jovens de todos os países e porque é que, sistematicamente, se impede e dificulta quer a entrada de jovens — nomeadamente de países socialistas e de organizações reconhecidas pela ONU — no nosso país, quer,o intercâmbio, quer o turismo juvenil.
Por outro lado, queria também focar algumas coisas que aqui foram ditas. £ uma questão muito pessoal, eu não resisto, digam o que disserem. Eu esperava que esta sala, que é a Câmara dos deputados, que era a antiga Câmara dos pares, que era a câmara dos antepassados dos deputados, tivesse inspirado melhor o nosso amigo da Juventude Monárquica, ou seja, esperava que os seus antepassados o tivessem inspirado melhor, porque chamar ao Tratado de Munique a «paz de Munique» é uma coisa bastante complicada.
Por outro lado, no que respeita ao colega Luís Monteiro, que faz sempre umas intervenções com um grande background cultural —o que me apraz registar—, em relação à questão histórica, queria só relacionar a afirmação que fez com a afirmação do representante da Juventude Centrista, que conseguiu a brilhante conclusão de que o Pacto de Varsóvia foi criado antes da NATO, como se as datas se tivessem invertido e as coisas fossem ao contrário. Ora, são estes malabarismos da história que às vezes nos espantam.
O Sr. Carlos Miguel Coelho [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PSD)]: — Não respondestes ao Pacto Germano-Soviético!
O OradoT: — Essa faz parte da cassette!
Risos.
Para finalizar queria referir uma outra questão. A amiga Margarida Marques com certeza que entendeu mal aquilo que eu disse. Eu não disse que a União Soviética era obrigada a desviar verbas para armas, mas que Reagan tinha dito que a corrida aos armamentos era uma forma de enfraquecer o potenciai económico e social da União Soviética. Isto está escrito e é conhecido publicamente.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. António Eloy.
O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): — Dado que os trabalhos devem estar praticamente a findar, e por isso não voltarei a usar da palavra, gostava de começar por referir dois momentos que me sensibilizaram particularmente nesta Conferência: no primeiro dia fui obsequiado com um raminho de flores, que depositei nas estátuas destas figuras que estão por detrás de nós, hoje recebi uns livros que -bastante me agradaram, apesar da breve leitura que fiz. Assim, não resisto a ler-lhes um pequeno parágrafo de um deles:
Perante a presença dos homens entretidos na malvadez da perseguição aos pequenos animaÍB que viviam laboriosos e felizes no seu reino, os corvos mudaram-se mais para a serra, arranjaram pontos de observação nos locais mais altos e dali os avistavam ao longe ao aproximarem-se traiçoeiramente. Então, os corvos, num grasnar forte e repetido, davam o sinal de alerta que os esquilos e os castores entendiam, e ei-los que se escondiam nas tocas mais seguras.
Perante isto, devo dizer que o caminho da paz é o caminho para que nós não tenhamos que nos esconder em tocas nenhumas, e se eventualmente me apetecia mais tentar respirar um pouco do silêncio e ultrapassar um certo dilúvio de palavras que enchem este hemiciclo, gostaria também que neste momento não me estivesse a vir repetidamente à cabeça uma frase de Almada Negreiros segundo o qual «à face da terra tudo muda menos a China»
Ora, penso que, infelizmente «Chinas» há muitas e parece que coisas a mudar há muito poucas, ou melhor, há poucas ideias novas ou poucas tentativas de resolver cs problemas concretos com propostas que sejam no mnínimo exequíveis.
O peso das palavras, a verdade que nós queremos dar às palavras, tem no fundo uma grande ambiguidade e, embora não queira entrar em polémica, eu diria que para nós, ecologistas, infelizmente, a besta suástica ainda não foi derrotada — aliás, devo dizer que não adsquo minimamente esta terminologia à minha linguagem. Mas, como dizia, penso que a besta suástica ainda continua viva, porque é alta e é a divisão do Mundo no silêncio e também porque continuam a ouvir-se discursos de hipocrisia, discursos estes que vêm tanto de um lado como do outro.
Foi-nos aqui dito que o Primeiro-Ministro ou o Ss-cretáric-Gerâí do Partido Comunista Soviético disse que nunca seria a União Soviética a realizar o primeiro ataque com armas nucleares. Ora, independentemente de o primeiro ataque ser com armas nucleares ou sem elas, ele é sempre um primeiro ataque, e devo d5zer que acho estranho que, tendo feitas estas declarações, não as adeqúe depois à realidade. De facto, os mísseis continuam instalados em silos não transferíveis e, como tal, são mísseis de primeiro ataque que estão instalados no solo da Checoslováquia e da República Democrática Alemã.
Por outro lado, devo ainda esclarecer que não nos preocupa muito que o Mundo possa ser destruído cinco vezes ou uma vez, pois o Mundo será destruído sempre só uma vez. Preocupa-nos, sim, que continuem
Página 3099
28 DE MAIO DE 1985
3099
crescentemente a ser feitas despesas militares, que são improdutivas e que não vão para áreas sociais onde poderiam resolver ou minorar grande parte dos problemas mundiais.
O Sr. Carlos Miguel Coelho [Comissão da Juventude da Assembleia da República (PSD)]: — Muito bem!
O Orador: — Temos, como aqui disse, propostas concretas, que felizmente foram subscritas por algumas organizações de juventude, mas que infelizmente não o foram por outras. Devo dizer que uma das propostas concretas que referi está adequada ao que nos parece que deve ser a regulamentação do serviço cívico alternativo ao serviço militar, ou seja, nós defendemos que os objectores de consciência devem fazer um serviço social preferencialmente na área da educação para a paz. Nomeadamente, creio que a proposta que o Paulo Mil-Homens fez da criação de um instituto que tenha a ver com a defesa civil não violenta seria um passo extremamente positivo para adequar, neste momento, aquilo que é o conceito genérico global de defesa nacional a um conceito mais eficaz e que tivesse a ver com a nossa realidade, que respondesse às dúvidas das pessoas que, por razões éticas, morais, políticas ou económicas, recusam cumprir o serviço militar obrigatório.
Parece-nos que o actual diploma relativo à objecção de consciência —e devo registar com grande agrado a posição da JSD em relação a ele— é um diploma que tem lacunas, e apraz-me que, nomeadamente o Luís Monteiro e também o Carlos Miguel Coelho, tenham registado o que nos parece serem as principais lacunas desse documento.
Creio que se trata de dois passos concretos que nós damos no sentido de paz; penso que a paz não se consegue com declarações abstractas, mas com cometimento individual em relação ao mundo em que estamos e à sociedade em que vivemos. Devo, aliás, dizer que não considero que haja por parte de certas pessoas, que vestindo a capa da pomba, têm, no fundo, um coração de abutre ...
Risos.
... nenhuma autoridade para falar da paz, nem sequer para invocar o movimento pacifista que constantemente falseiam e desvirtuam. Aliás, podia aqui lembrar que há 2 anos, num festival em Tróia, que se dizia ser pela paz, fui agredido, e eu e os elementos dos Amigos da Terra fomos expulsos quando nos atrevemos a falar da paz, da objecção de consciência e da não violência.
O Sr. Carlos Miguel Coelho [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PSD)]: — Muito bem!
O Orador: — Podia igualmente referir outros pontos polémicos em outras reuniões supostas pela paz, onde participei e onde fui acolhido com grandes silêncios, senão vaias ou mesmo ostracismo. Estamos disponíveis para falar de paz com toda a gente, estamos disponíveis par falar de tudo com toda a gente, achamos é que sob o peso das palavras não se deve esconder hipocrisia e, ao fim ao cabo, coisas que nelas não <&ãíò escritas.
Finalmente, queria dizer que esta Conferência, apesar de tudo, permitiu alguns contactos agradáveis e, além daqueles dois factos já referidos que me sensibilizaram, podia dizer que me sensibilizou igualmente o facto de estar com todos vós e aqui discutir alguns pontos e trazer-vos algumas das nossas reflexões.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Fernando Paes Afonso.
O Sr. Fernando Paes Afonso (Juventude Centrista) : — Era primeiro lugar, queria manifestar o meu regozijo mas não sei se percebi bem por um dos nossos colegas da Juventude Comunista Portuguesa ter afirmado que a JCP está solidária com todos os povos em luta. É que é a primeira vez que ouço a JCP criticar abertamente a União Soviética, é a primeira vez que vejo a JCP estar solidária com o povo do Afeganistão, com o povo polaco ...
Aplausos.
Devo, pois, dar-vos os parabéns por estarem realmente a melhorar na luta pela paz.
Queria agora fazer alguns comentários àquilo que ouvi no que diz respeito a este importante tema. Trata-se de um tema importante porque por ser uma constante da juventude e isso é de salientar — a juventude é pela paz, a juventude é em si a paz. Aliás, todos nós queremos a paz, ardorosa e ardentemente, simplesmente a paz não é fácil. Assim, aquilo que nos diferencia muitas vezes é a metodologia para atingir a paz, isto é, o modo como se chega lá, é isso que está em questão.
Não está em causa defender ou ser contra a paz, isso nem sequer está em causa, o que discutimos aqui é como se chega lá, e aí não posso deixar de subscrever aquilo que aqui ouvi, nomeadamente ao Carlos Miguel Coelho, no que diz respeito ao desarmamento simultâneo. Isso é que está em questão.
Os Soviéticos e o globo de Leste, habilmente, adoptaram para si aquela máxima chinesa que diz que o melhor guerreiro é aquele que vence a batalha sem disparar um tiro. Essa é a vontade do bloco de Leste, ou seja, o desarme ideológico do Ocidente da forma o mais fácil possível, no sentido de depois vencerem a guerra sem dispararem um tiro. Ê de facto isso que aqui está em causa, essa é a verdadeira discussão, pois todos somos pela paz da mesma forma e com o mesmo ardor, mas não podemos ter ilusão nenhuma que ser pela paz é ser, por exemplo, pelo desarmamento bilateral e simultâneo.
Por outro lado, há coisas que aqui ouvi que não posso subscrever. Essa luta pela paz tem obviamente manifestações concretas aqui no País e nas posições das diversas organizações políticas ou não políticas de juventude. E quero aqui abrir um perên teses para dizer que me pareceu haver uma confusão entre alguns protagonistas dos partidos políticos e a instituição Assembleia da República em si. Houve aqui uma confusão que começa a ser perigosa, sobretudo nesta conversa sobre a paz; a paz faz-se em democracia, não conheço paz sem ser em democracia e isso pode-se ver muito bem no Animal's Farm (Triunfo dos Porcos), de George Orwell, que de alguma maneira ilustra isto que agora disse.
Página 3100
3100
II SÉRIE — NÚMERO 94
Mas, como dizia, a posição mais fácil perante a juventude portuguesa no que diz respeito ao serviço militar — e isso é uma concretização da luta pela paz no nosso país— é sem dúvida nenhuma a posição defendida pela JSD: o serviço militar deve ser voluntário. Esta é a posição mais fácil e mais popular, mas o Sr. Carlos Miguel Coelho vai-me permitir que faça algumas observações.
A primeira é a de que um serviço militar voluntário implica um exército profissionalizado, implica que aqueles que vão prestar o serviço militar e que entram nas fileiras do Exército sejam remunerados de forma a serem captados, a serem, no fundo, aliciados para o cumprimento do serviço militar, para a adesão às fileiras do Exército, e isso, Sr. Carlos Miguel Coelho, é manifestamente irrealizável neste momento em Portugal. Não há dinheiro, não é possível ter um exército profissionalizado em Portugal, não é possível ter um regime de voluntariado em Portugal, e isso é algo que não pode ser desmentido.
É por isso que o serviço militar obrigatório, tendo como base a prestação gratuita —essa prestação descomprometida de um serviço à Pátria por parte dos jovens—, é de facto uma posição muito mais difícil de defender, muito mais impopular, mas muito menos demagógica.
Aliás, a Juventude Centrista reconhece o direito à objecção de consciência porque defende o serviço militar obrigatório; agora, não faz sentido é defender as duas coisas ao mesmo tempo. Porque quem é objector de consciência num regime de voluntariado não precisa de declarar a sua objecção de consciência e é óbvio que, em termos sociais, uma pessoa que não vá prestar o serviço militar gosta tanto do País como outra.
Em suma, em termos jurídicos, em termos legais, é evidente que defender as duas coisas é um contra--senso: quem defende o serviço militar obrigatório tem que defender o direito à objecção de consciência; quem não defende o serviço militar obrigatório não precisa de defender o direito à objecção de consciência. Aliás, o direito à objecção de consciência é algo que não se defende para os outros porque o direito de objectar interiormente é da liberdade de cada um e ninguém o pode negar ou impor seja a quem for, ao contrário do direito de fazer prova que tem de estar expresso na lei.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. José Mário Mil-Homens.
O Sr. José Mário Mil-Homens (Associação Livre de Objectores e Objectoras de Consciência): — Iniciaria a minha intervenção pegando na última afirmação que o nosso amigo acabou de fazer e diria que a objecção, independentemente de se defender um serviço militar obrigatório ou voluntário, tem sempre cabimento, na medida em que não pode ser só circunscrita à prestação de um serviço militar, mas deve-se também encarar a função que esse serviço pode ter dentro do todo social.
Assim, não podemos compartimentar demasiado as coisas, dizendo que o serviço militar está separado da existência e da forma de desenvolvimento social, e por esse facto gostaria de frisar aqui a função que as Forças Armadas têm como grupo de pressão para o desenvolvimento e em toda a dinâmica sócio-política dentro de um país.
Tem-se falado aqui em várias coisas, nomeadamente que o desarmamento leva à submissão, que a agressividade humana é uma característica biológica. Concordo com isso, ou seja, que a agressividade humana seja uma característica biológica e que o ser humano, como ser racional que é, tem a capacidade intelectual de estabelecer estratégias que consigam superar esses instintos biológicos — que não direi que são de violência, mas que manifestam uma certa agressividade—, precisamente para a manutenção da sua existência.
Estas técnicas —penso que posso chamar-lhe técnicas— existem e são de fácil acesso para quem se preocupar minimamente com o seu enriquecimento interior. Acho que este é um aspecto bastante interessante e dos mais importantes quando discutimos o problema da paz, porque ao falar-se de paz acaba por se esvaziar o conteúdo que o termo encerra.
Acho bastante importante que cada um, dentro de si próprio, se preocupe com a sua atitude mental, com a sua atitude na prática, na coexistência com as outras pessoas, e é neste sentido que vou também utilizar uma cábula — pelos vistos foi característico hoje trazermos o «livro» de casa.
Assim, vou ler aqui uma passagem do Tao The King, em que o autor, Lao Tse, afirma:
Nada é mais flexível e fraco do que a água, mas para vencer o que é duro e forte nada a ultrapassa e nada poderia substituí-la. A fraqueza vence a força, a flexibilidade vence a dureza, todos o sabem mas ninguém o consegue pôr em prática.
O que quero dizer com esta passagem é que aparentemente as tomadas de força são a única hipótese de conseguirmos levar a bom termo aquilo que defendemos. No entanto, julgo que não é esta a única via. Por outro lado, a expressão «a flexibilidade vence a dureza» não quer dizer que uma pessoa em termos corporais e físicos seja bastante flexível, mas tenha antes uma flexibilidade mental de perceber os outros e fundamentalmente de se perceber a si próprio, de saber aquilo que quer, de saber perspectivar a sua existência dentro de um «todo». E o «todo» não é só uma nação, mas o planeta onde vivemos e temos de coexistir, quer queiramos quer não. Neste sentido, não devemos estar com intenções de dizer que somos os únicos portadores da verdade, que os outros são mentirosos, que não têm o direito de falar também das suas ideias.
Outro aspecto que gostaria igualmente de referir prende-se com o facto de se ter vindo a verificar nas nossas escolas, nos estabelecimentos de ensino secundário, o incremento da propaganda militarista. Julgo ser importante alertar para o facto de, se queremos fomentar a paz e envidar todos os esforços para a busca de um entendimento entre as pessoas —temos falado aqui bastante na «educação para a paz» —, como é que é possível manter-se esta situação de propaganda militarista e do serviço militar dentro dos nossos estabelecimentos de ensino?
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Pedro Passos Coelho, da JSD.
O Sr. Pedro Passos Coelho (JSD): — Sr. Presidente, depois do realismo das intervenções desta manhã, per-
Página 3101
28 DE MAIO DE 1985
3101
mitam-me que faça uma pequenina e breve fantasia. Compreenderão com certeza que nessa «pequenina e breve fantasia» não vou naturalmente arrastar a organização a que pertenço.
A paz, segundo penso, é um conceito definitivamente polémico. Saber de que lado é que ela está, se está do lado dos mortos, se está do lado dos vivos, já de si é polémico. Saber se ela está do lado da guerra, se está do lado do edifício social ou ocidental ou qualquer outro, também é polémico.
A única coisa de que me recordo é que normalmente a paz de uns é uma grande preocupação para outros. Lembro-me, por exemplo, da paz romana. Esta ultima, ou seja, a paz dos cidadãos romanos, era um problema para todos aqueles que foram submetidos. Por que é que os outros povos não haviam de aceitar a paz romana?
Risos.
Era uma coisa estúpida! Pois se a paz romana era o maior dom que qualquer homem, na altura, poderia alcançar, a paz romana deveria ter-se estendido a todo o planeta.
No entanto, parece-me que nem toda a gente estava de acordo com os romanos e parece que nem toda a gente queria a paz.
Os dinossauros também tinham a sua paz e, não obstante, isso provocava preocupações em muitos animais!
Risos.
O que seria de nós se os animais tivessem hoje armas! Com certeza que a nossa paz para eles não é assim tão pacífica nem tão frutuosa.
Contudo, a paz também pode ser a paz de espírito. Esta, normalmente, para mim, é a estagnação. As pessoas que estão em paz de espírito são os homens acabados. Não percebo como isso é possível quando o homem, por natureza, é um ser inconformado, incon-formista, lutador, expansivo, imperialista, que, antes de tudo, tem de buscar um espaço de afirmação, de o resguardar, de o preservar e de o aumentar e vive, ao fim e ao cabo, numa luta terrível pela morte. Enfim, temos de considerar que a paz para o homem deve ser, antes de mais, um paradoxo de difícil solução, porque nós aqui lutamos pela paz e, pessoalmente, eu seria estúpido se dissesse que não gosto de viver em paz.
Contudo, o viver em paz para mim tem uma conotação um pouco diferente: eu, em minha casa, também tenho facas e, de vez em quando, também mato uns coelhos, embora os não coma porque não gosto! ...
O Sr. Carlos Máguel Coelho [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PSD)]:—Essa é uma afirmação pouco feliz! ...
O Orador: — Eu gosto muito da família! ... Ris.os.
Enfim, se devergimos nas metodologias para a paz, julgo que poderíamos encontrar algumas respostas se tivéssemos mais atenção a toda a história. Lembra-mo-nos da paz quando estamos em guerra e desta quando estamos em paz. Parece-me que fomentar o
efeito contrário lembrando-nos de uma das partes às vezes não é uma má ideia. Isto é, se queremos a paz, façamos a guerra e com esta se alcança a paz.
No entanto, se, durante muito tempo, guerrearmos a paz com certeza que também teremos um bom clima de guerra e, nesta dualidade, nesta dicotomia entre paz e guerra, vamos vivendo e morrendo.
Julgo que a história é diversificada e curiosa e não é pelo facto de sermos muito amantes da paz e da guerra que a vamos deixar de viver.
Em todo o caso — e já agora é só mais uma ligeira incursão na questão da paz — queria abordar a questão da defesa, não da defesa nacional mas da defesa em si. Já, há pouco, disse que o homem era um ser que precisava de se afirmar num espaço físico. Tal como a lei da natureza assim o impõe, os mais fracos juntam-se aos mais fortes e isso tem contrapartidas. Portugal também se junta à Aliança Atlântica, pois somos mais fracos, há quem seja mais forte. Isto não é um bem nem um mal, mas antes uma situação em que as pessoas têm de escolher dentro das leis da sobrevivência e do bom senso.
No entanto, acima de tudo, penso que é inegável que qualquer comunidade precisa de se defender e quanto mais fraca é mais necessidade tem de se defender. Uma comunidade não é por estar armada até aos dentes que é forte; ela é poderosa quando tem um território bem delimitado pela sua cultura, quando as instituições sociais funcionam plenamente, quando os homens se entendem e se desentendem, quando os homens lutam e são dinâmicos.
Normalmente as sociedades têm mais necessidade de defesa quando as instituições não funcionam, quando a cultura não vence, quando o território não se identifica com nada, quando eles precisam de «pôr a mão» naquilo que ninguém aceita que lhes pertença.
Julgo que Israel é bem um exemplo de um espaço que precisa de ser defendido por algumas destas razões.
Gostaria apenas de vos deixar esta questão para reflectirem, já que não vou dar nenhuma resposta: o que diremos do nosso país? O que diremos deste pequeno rectângulo a que pertence uma variedade e diversidade de folclore a que normalmente estão subjacentes culturas diversas? Quais serão as nossas necessidades de defesa nesta unidade nacional, nesta cultura portuguesa, neste território, em que nem sempre as instituições funcionam? Por um lado, de defesa externa, face ao mundo que está à nossa volta, face à Espanha, por exemplo, em termos de fronteira, face à ameaça dos blocos, e, por outro, quais serão as nossas necessidades de defesa interna?
Perguntaria ainda se nos tempos de hoje a defesa é sobretudo militar. Como ontem aqui tanto se disse lutar-se por uma economia saudável não é lutar pela defesa nacional? Lutar pelo melhoramento das condições de vida, pela condição dos homens, não será também, mais do que um acto de defesa passiva, lutar pela defesa da comunidade e do interesse nacional?
Vou concluir, dizendo o seguinte: de certa forma, poderia ter dado a impressão de que estou absolutamente conformado com esta natureza humana, com a natureza do homem que tanto é racional como é irracional, do homem que tanto consegue pensar seriamente e sem se excitar, como do homem que se excita, como aquele que fisicamente se manifesta da forma mais exuberante e daquele que comete o excesso e o erro.
Página 3102
3102
II SÉRIE — NÚMERO 94
Poderia ter dado a impressão de que estou absolutamente conformado com esta luta e esta dualidade do homem, mas queria recordar uma frase que comecei por dizer: «o homem é, por natureza, também, um inconformista e um inconformado».
Por mim, não estou nem do lado do medo, nem do lado da paz nem do lado da guerra, mas estou do lado dos homens.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem, em seguida, a palavra a Sr." Deputada Margarida Marques.
A Sr. Margarida Marques [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PS)]: —Em primeiro lugar, gostaria de juntar a minha voz àqueles que defendem o serviço militar obrigatório, mas apenas para isto: de facto, defendo o serviço militar obrigatório, mas numa perspectiva substancialmente diferente daquela que defendeu o representante da Juventude Centrista.
E defendo o serviço militar obrigatório entendido como garante da democratização das Forças Armadas, na medida em que penso que estas últimas não devem ser profissionalizadas, devem ser democráticas e, por isso, não deve haver um critério de selecção, que será necessariamente de cariz político e que colocará em causa o papel das Forças Armadas como estrutura democrática que deve existir num país como o nosso.
O que entendo é que é fundamental alterar as condições de prestação do serviço militar e, sobretudo, neste momento, reduzir o tempo de prestação do dito serviço, que é de facto extremamente longo, pois continua ainda dominante na hierarquia das Forças Armadas o espírito que existia quando Portugal tinha uma guerra colonial.
. Uma segunda questão prende-se com o Estatuto do Objector de Consciência e o documento que foi aprovado na Assembleia da República e em relação ao qual subscrevo grande parte das considerações feitas pelo Carlos Miguel Coelho.
A este propósito queria referir três questões.
A primeira é a seguinte: quem vai definir o serviço cívico? O diploma refere que «deve ser o Governo». Eu entendo que na definição do serviço cívico devem ter um papel activo quer as associações de objectores de consciência quer os sindicatos. E refiro estes últimos porque me parece uma questão fundamental o facto de o serviço cívico não vir a concorrer com o mercado de trabalho, dado que as condições de prestação do dito serviço são idênticas às do serviço militar e todos sabemos que os prés são de facto muito baixos e como a prestação de qualquer trabalho no serviço cívico será remunerada com valores muito baixos os postos de trabalho que seriam ocupados por cidadãos no mercado de trabalho poderiam ser motivo de exploração dos jovens que estão a prestar o serviço cívico.
Uma segunda questão prende-se com a diferença de tratamento que existe no Estatuto de Objecção de Consciência aprovado nas disposições transitórias, isto é, ho que se refere, por exemplo, a um jovem com 28 anos de idade que apresentou a sua declaração de objecção de consciência após o dia 31 de Dezembro de 1984, as ditas comissões de análise vão considerar que ele não é objector e fica livre do serviço militar.
Se essas mesmas comissões o reconhecerem como objector de consciência terá de prestar serviço cívico. É uma situação de clara diferença.
Uma terceira questão que também me parece importante, traduzida num espírito que pairou já em algumas intervenções ao longo destes 3 dias, consubstancia-se na ideia de que é muito fácil aprovar leis, mas que estas são depois muito difíceis de aplicar na prática e algumas nem sequer são aplicadas.
Penso que o Estatuto do Objector de Consciência nos levanta uma questão, onde penso que as organizações de juventude devem ter um papel muito importante de informação e divulgação.
Porque o que acontece com algumas das pessoas que requereram o estatuto de objector de consciência é que foram confrontadas com uma situação em que o advogado lá da terra lhes disse: olha se quiseres livro-te da tropa. E a forma como eles ficaram «livres da tropa» foi terem sido declarados nos DRM como objectores de consciência.
No entanto, alguns deles desconhecem a presente situação, embora para isso tenham pago verbas avultadíssimas, pensam que estão livres da tropa e que não têm de fazer qualquer diligência neste momento. Ora, eu penso que as organizações de juventude devem ter um papel extremamente importante na divulgação pública da necessidade que todas as pessoas que estão nesta situação têm de, no prazo que for definido pelo Governo, se dirigirem às comissões regionais que irão analisar a situação das pessoas que apresentaram objecção de consciência.
Uma terceira questão tem sido a do apelo feito aqui pelos nossos camaradas da JCP à indisciplina na votação das leis militares e do projecto de lei do PCP que vai ser discutido na próxima semana.
De facto, e aqui falo em nome pessoal, este apelo soa-me mal pelo que não o aceito. E isto porque relativamente à Base das Lajes a minha atitude na Assembleia foi diferente da atitude do meu grupo parlamentar, que votou favoravelmente ao passo que eu me abstive na votação da ratificação do acordo.
Também relativamente à Lei de Segurança Interna votei contra quando o meu partido a votou favoravelmente e, de facto, nunca vi nenhum deputado do PCP ou os deputados da JCP na Assembleia não seguirem regularmente a disciplina que lhes é imposta pelo partido e pelo seu grupo parlamentar.
O Sr. Carlos José (JCP): — Não é preciso!
O Sr. Presidente:—Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Coelho.
O Sr. Carlos Miguel Coelho [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PSD)]:—Sr. Presidente, Srs. Conferencistas: Julgo que este debate está a ser instrutivo. Ficámos a saber algumas coisas, pelo menos que o Pedro Passos Coelho gosta de matar coelhos que não sejam da família ...
Risos.
Não queria deixar de sublinhar a intervenção que o secretário-geral da JSD aqui trouxe até porque corro o grave risco de, depois da visão enquadradora que ele aqui nos trouxe, e que gostaria de subscrever, limitar a minha última contribuição neste debate a coi-
Página 3103
28 DE MAIO DE 1985
3103
sas mais concretas que com certeza destoarão da elevação que ele trouxe a este debate.
Gostaria de começar por responder à Sr. Deputada Margarida Marques, agradecendo a solidariedade expressa em relação a algumas questões de objecção de consciência, e trocar algumas reflexões convosco sobre o carácter democrático das Forças Armadas.
Muitas vezes ouço dizer que as Forças Armadas são democráticas se houver voluntariado e que não são democráticas se tivermos umas Forças Armadas profissionalizadas.
Gostaria de tentar desmistificar o carácter democrático das Forças Armadas. As Forças Armadas no seu interior não são democráticas, não podem ser. Têm uma hierarquia, uma disciplina e algumas limitações a direitos constitucionais que são consensualmente admitidas. Não é previsível que num acto de guerra os tropas se reúnam em assembleia para decidir se vão pela esquerda ou pela direita!
O que é importante é concebermos a instituição subordinada à legalidade democrática e ao poder civil dos órgãos de soberania. Isto é que define o posicionamento das Forças Armadas perante o regime democrático. Isto, no meu modesto entender —provavelmente a Sr. Deputada Margarida Marques terá outra interpretação— não depende da forma de recrutamento das suas praças. Depende sim da sua estrutura, da forma como eles são inseridos, da sua relação com os poderes do Estado.
Em relação ao Sr. Conferencista Fernando Paes Afonso, da Juventude Centrista, que muito prezo e que tenho na conta de pessoa inteligente e moderada, gostaria de lhe responder a duas coisas. Estou convencido de que em relação a uma delas concordará comigo e que em relação à outra não concordará, porventura porque sou mais imponderado do que V. Ex.a
Quando lhe acenei que não com a cabeça em relação à incompatibilidade entre defender a objecção de consciência e a não obrigatoriedade do serviço militar, foi porque julgo que não é nada incompatível. Ê óbvio que defendemos a objecção de consciência perante a situação constitucional que temos, que aponta para a obrigatoriedade. E essa era uma exigência imediata.
Mas não creio que seja incompatível, pelo contrário, que num sistema em que o serviço militar não é obrigatório haja regulamentação legal de objecção de consciência. Dir-me-á o Fernando Paes Afonso: bom, isso não tem um significado útil porque o indivíduo vai ao Estado dizer o quê? Só para conseguir um estatuto social de objector de consciência? O que é que isso significa?
Bem, de facto nada significa nessa conjuntura, mas significa que ele num determinado momento perante o Estado assumiu um posicionamento diferente em relação à forma como há-de prestar o seu contributo para a defesa nacional. Que será importante, se, em qualquer momento, o Estado declarar a guerra. Porque numa situação de guerra o recrutamento do objector de consciência não é o mesmo daquele que não tem esse estatuto.
E é só pela eventualidade de guerra que é importante, mesmo em clima de paz e mesmo numa situação em que o serviço militar não é obrigatório, que esteja regulamentada a objecção para que —se me permite a expressão— o objector, por não ter acesso numa situação diferente à interposição desse estatuto,
fique, numa situação de guerra, «de calças na mão». E com certeza não queremos que ele fique nessa situação. Até porque é indecorosa! ...
Em relação à questão do voluntariado e do serviço militar obrigatório, o Fernando Paes Afonso diz que a nossa atitude é demagógica, porque é a mais popular e a mais fácil. Não sei se é mais popular ou se é mais fácil, julgo é que, se enfrentarmos as coisas com alguma franqueza, se vamos falar aos jovens deste país, é capaz de ser mais popular, porque as jovens gerações de Portugal não têm do serviço militar uma outra ideia que não a de um sítio onde se perde tempo e onde se ganha muito pouco. Ganha-se muito pouco, não só em termos de pré, mas em termos de riqueza para a sua formação.
A ideia que se tem do serviço militar obrigatório é a de que ele é um intervalo na vida de cada um. Enfim, o Sr. Conferencista Fernando Paes Afonso dir--me-á que então o que é preciso é alterar a fórmula de prestação de serviço militar. De qualquer modo, se defendemos esta atitude, não é porque ela seja mais popular e mais fácil, mas porque estamos convencidos que num espírito de paz não temos necessidade dos contingentes que temos e isto também dá resposta à objecção de que assim é mais caro.
Se se disser que as Forças Armadas profissionalizadas são mais dispendiosas, isso é uma verdade se mantivermos os contingentes que temos. Mas a primeira pergunta que temos de fazer, em termos da estrutura das Forças Armadas, é se o Portugal que temos carace desses contingentes e mesmo se os nossos compromissos com a NATO são susceptíveis de serem respondidos com o exército que temos.
A minha organização de juventude crê que deveria ser feito um investimento fundamental na Força Aérea e na Armada, até porque precisamos de cobrir a Zona Económica Exclusiva, que está completamente abandonada em termos de fiscalização enquanto estão outros a pescar nas nossas águas.
Mas, em termos de unidades terrestres móveis, precisamos de brigadas especializadas que reduziriam significativa e substancialmente o contingente do Exército, e então teríamos de fazer contas. Em todo o caso não creio que umas Forças Armadas profissionalizadas fossem mais caras, se fizéssemos a redução dos contingentes que, em nosso entender, as Forças Armadas necessitam.
Terminaria respondendo ao Carlos José, da JCP, que nos fez uma pergunta directa e porque não gostamos de deixar as perguntas em aberto, sobretudo quando vêm de pessoas que, com alguma coragem e destemor, defendem as suas posições com as quais não concordamos, embora isso não tenha nada a ver com a forma como dialogamos. Julgo que isso é fundamental e se houve coisa que temos aprendido é a dialogar, o que é importante. Uma das vantagens destas acções é a da continuação do diálogo que temos mantido no CNJ. Enfim, é um espírito diferente de fazer política em relação ao que as gerações que nos antecederam nos têm habituado.
A JCP pergunta qual é a nossa posição em relação à votação do projecto de lei n.° 28/111, apresentado pelo PCP em 8 de Junho de 1983, que proíbe a instalação, armazenamento, estacionamento ou trânsito de armas nucleares em Portugal.
A nossa resposta é que este ou outro diploma que limite a capacidade ou mobilidade da Aliança Atlân-
Página 3104
3104
II SÉRIE — NÚMERO 94
tica em que nos inserimos não é susceptível de ser tomado por gesto unilateral. Não existe diferença entre este projecto de lei e um que dissesse que Portugal, num espírito de paz, deita todas as suas armas ao rio Tejo, ou ao oceano Atlântico que é capaz de ter um fundo mais compatível com esse dejecto de armas. Ê uma capitulação.
Não defendemos que Portugal deva ter arsenal nuclear, mas enquanto a Polónia, a Checoslováquia, a Hungria, a Roménia e a URSS e todos os outros países do Pacto de Varsóvia não tomarem atitudes semelhantes, achamos que nenhum país da NATO deve aprovar leis que limitem a capacidade de mobilidade das tropas da Aliança Atlântica.
Enquanto as superpotências não tiverem a sensação, a consciência e a coragem de proceder ao desarmamento global, ou pelo menos ao desarmamento nuclear, estamos confrontados com uma situação que é o equilíbrio do terror, que tem de existir dos dois lados, porque se houver só de um não sabemos o que será do mundo.
Aplausos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista Fernando Paes Afonso, da Juventude Centrista.
O Sr. Fernando Paes Afonso (JC): — Na minha intervenção anterior, por uma questão de economia de tempo, apenas pretendi discordar da posição da JSD no que diz respeito ao serviço militar, centrando-me no aspecto económico.
É evidente que concordo com uma pequena parte das observações da Sr.0 Deputada Margarida Marques, no sentido de que a Juventude Centrista defende o serviço militar obrigatório por muito mais razões do que a razão económica. Essa é só uma delas. A razão económica é uma razão de ordem objectiva, é uma razão que eventualmente limita a escolha do serviço militar voluntário.
Mas não é só por essa razão. Há razões, nomeadamente pedagógicas, que, no nosso entender, subjazem à consciência nacional e que nos levam a defender o serviço militar obrigatório. E isto porque entendemos que é uma forma de participar na vida do País e ate de conviver.
Mas também estou de acordo com uma observação que a Sr.a Deputada fez. O que não podemos aceitar, sem discutir, é a actual forma de prestar esse serviço militar obrigatório. E isso parece-me ser até um ponto razoavelmente consensual entre as organizações de juventude.
É necessário alterar o conteúdo da prestação do serviço militar no sentido de que os jovens que são incorporados acabem o serviço militar com a sensação de que, de facto, prestaram um serviço útil à sociedade e que essa entrega generosa valeu a pena. Não podem é sair como saem hoje com a sensação de que realmente houve um ano e tal de intervalo nas suas vidas.
Por fim, queria aceitar com alguma humildade uma objecção do Sr. Carlos Miguel Coelho e concordar com ele quando diz que é necessário, mesmo com o serviço militar voluntário, a existência da objecção de consciência, até para prever os casos de guerra.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista João Paulo Gaspar, da Juventude Monárquica.
O Sr. João Paulo Gaspar (JM):—Algumas das questões que ia levantar já aqui foram abordadas brilhantemente pelo Sr. Carlos Miguel Coelho. Refiro-me ao caso de o serviço militar obrigatório não impedir a existência do estatuto de objector de consciência, exactamente pelas mesmas razões que ele apontou e à dúvida acerca da democraticidade das Forças Armadas e de como era isso compatível com uma organização militar.
Quanto à questão levantada pelo Sr. Conferencista da JCP referente à paz de Munique, devo dizer que essas palavras são de Chamberlain, o Primeiro-Minis-tro inglês que assinou essa paz e que hoje em dia, com o distanciamento histórico que temos, podemos dizer se foi ou não paz e se tinha ou não aspas.
Para terminar — e tornando a chamar a brasa à sardinha da minha intervenção—, se o problema das Forças Armadas em termos de custos é tão importante porque não tentamos estudar o processo da criação das forças armadas europeias?
O Sr. Presidente: — A Mesa não tem mais inscrições, pelo que iríamos suspender os nossos trabalhos com o encerramento deste painel e, nos termos do programa que nos foi distribuído, da parte da tarde, pelas 16 horas, proceder-se-á à sessão de encerramento.
Está suspensa a reunião.
Eram 13 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: — Srs. Conferencistas, está reaberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: — Considerando que durante estes dias fomos lendo todo o material que ia chegando à Mesa sobre o desenrolar da Conferência, vou passar à leitura de uma mensagem que nos chegou do Sr. Mário Fernandes, chefe do Gabinete de Imprensa da OMJ, que é do seguinte teor:
1 — Sabendo-se que para falar é necessária uma pré-inscrição e sabendo-se que nenhum dos delegados da OMJ se inscreveu para falar, não faremos nenhuma declaração.
2 — Tal facto deve-se principalmente a questões internas da nossa organização que ocasionaram dificuldades na preparação de material para esta Conferência.
Tem a palavra o Sr. Presidente da Comissão Parlamentar de Juventude.
O Sr. Presidente da Comissão Parlamentar de Juventude (Jorge Goes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Conferencistas, Srs. Convidados: Estamos prestes a ultimar os trabalhos desta Conferência promovida pela Assembleia da República, subordinada ao lema «Participação, desenvolvimento e paz», no âmbito do Ano Internacional da Juventude. E as minhas primeiras palavras são para saudar todos aqueles que nela participaram e as organizações e movimentos de juventude que representam. A sua presença, o seu empenhamento, a sua participação estiveram, em larga medida, na base da ideia que presidiu à realização desta Conferência.
Página 3105
28 DE MAIO DE 1985
3105
E só por isso esta Conferência e os trabalhos que se desenrolaram ao longo destes 3 dias apresentam o balanço positivo de terem permitido, no seio do Parlamento, fomentar o diálogo e a troca de experiência e de pontos de vista entre um leque tão alargado de organizações, de carácter político-partidário e, simultaneamente, de outras naturezas.
Tal facto encerra em si mesmo um carácter positivo e inovador, e só por isso entendemos haver razões para nos congratularmos.
É certo que não estiveram presentes todas as associações e movimentos de juventude existentes. Ê verdade que o associativismo estudantil se não fez participar a título de voz activa —e aproveitava para saudar calorosamente os dirigentes associativos que a título de convidados têm assistido aos trabalhos—, não por qualquer critério menos consentâneo com a real expressão que esse associativismo estudantil assume no quadro geral do associativismo juvenil, mas tão--somente porque, não fazendo parte do processo de constituição do Conselho Nacional de Juventude, não ficou ao abrigo do critério que presidiu à escolha das organizações representadas, e esse facto deve-se à inexistência de estruturas federativas que, de alguma maneira, impede e prejudica a participação das associações de jovens estudantes num debate entre associações de âmbito nacional. Mas apesar de todos estes aspectos e insuficiências, o certo é que o leque de organizações presentes goza de um estatuto de representatividade e cobre, se bem que de forma não exaustiva e total, a realidade da juventude portuguesa.
E por isso mesmo fazemos votos para que, entre todos, seja possível resolver rapidamente as últimas questões pendentes no processo de constituição do Conselho Nacional de Juventude, dotando as novas gerações portuguesas de uma estrutura que articule todas as associações e movimentos juvenis como que constituindo uma voz do povo novo português e à semelhança do que se verifica em vários países europeus.
Esta Conferência apresenta, pois, um saldo positivo por se ter realizado, por ter permitido a confraternização e o convívio entre tanto jovens, pelo que significa e traduz de atenção do Parlamento às questões, tantas e tão graves, que se colocam hoje à juventude em Portugal.
Poder-se-á afirmar que apesar de tudo não há, em termos formais e definitivos, conclusões extraídas ao longo dos debates aqui travados, até pela salutar diversidade das perspectivas e pontos de vista formulados.
Mas o objectivo pretendido não era, propriamente, o de tentar dar respostas absolutas em jeito de quem detém a verdade sobre tudo. Pretendeu-se, e penso que se conseguiu, forjar um espaço de debate, sabendo-se que a primeira resposta hoje é, antes de mais, a capacidade para questionar, para levantar dúvidas, para pôr em causa os pretensos dogmas estabelecidos.
Um traço comum parece, todavia, ter resultado evidente: o facto de todos ou quase todos, apesar dos respectivos posicionamentos e pontos de vista, estarmos de acordo quanto à necessidade de assegurar e fundamentalmente de aprofundar um sistema aberto centrado nos valores da liberdade e da democracia. Ainda recentemente, e nesta mesma Casa, um estadista
convidado nos recordou oportunamente a animação
de Winston Churchill, segundo a qual a democracia é a pior forma de governo, excepto em relação a todas as outras.
E é por isso mesmo que é importante ter presente, nomeadamente à luz dos debates aqui produzidos, que ao criticarmos aspectos concretos que a prática política tem vindo a assumir no nosso país, estamos a questionar, de uma forma salutar e exigentemente, a forma, os métodos, sem pôr em causa os valores da liberdade e da democracia e da necessidade de existirem partidos como entidades intermediárias entre a opinião pública e o Estado.
É grave a situação com que se defronta actualmente a juventude em Portugal. Do ensino à habitação, passando pelo mercado de trabalho e por tantos outros sectores e áreas da sociedade portuguesa.
E se há grande confluência de pontos de vista quanto ao diagnóstico, necessariamente que as divergências surgem quanto às soluções, no tocante aos remédios e às necessárias terapêuticas.
No fundo, o que está em causa, aqui como um pouco por todo o mundo livre moderno, é saber se o futuro poderá ser melhor acautelado mais na base do Estado ou pela acção criativa dos indivíduos e das entidades intermédias da sociedade.
A resposta a todas estas questões cabe naturalmente aos cidadãos, no nosso caso aos próprios jovens, e é também nesta perspectiva que a participação juvenil é hoje e cada vez mais uma exigência dos tempos que vão correndo, para fazermos todos o muito que há a fazer, para combater a indiferença, a apatia e a descrença que vão perigosamente alastrando.
Reconstruir a esperança, preparar o futuro, fomentar a modernidade sem pôr em causa tudo aquilo que é essencial no legado das gerações anteriores, tudo isso são tarefas urgentes e que nos dizem grandemente respeito.
Oxalá que estes debates possam, de algum modo, ter contribuído para tais objectivos.
Aplausos.
O Sr. Presidente da Assembleia da República em exercício (Basílio Horta): — Srs. Conferencistas, peço--vos o obséquio de me darem 5 minutos do vosso tempo para poder também, de uma forma modesta e descomprometida, participar nas conclusões do que foram os vossos trabalhos.
Antes de mais, diria que o êxito desta Conferência ficou visível pela possibilidade de jovens de diferentes ideologias, com diferentes conceitos da sociedade e do modelo político e económico, poderem encontrar-se e criarem este espaço de debate.
A necessidade de dialogar e de chegar aos consensos mínimos em relação ao País, que é de todos, é um exemplo salutar que deve ser assumido e sobre o qual todos devemos meditar.
É óbvio que desta Conferência não se poderiam extrair conclusões liminares; no entanto, penso que os temas que foram debatidos, aliás na sequência da deliberação da Assembleia Geral das Nações Unidas que os indicou, se aplicam quase como uma luva a Portugal: «participar», «desenvolver o tema da paz», ao qual vocês acrescentaram — e muito bem — «a situação dos jovens em Portugal».
Suponho que a análise de cada um destes temas, pela forma como cettam&tvte foi feita, deve ser um
Página 3106
3106
II SÉRIE — NÚMERO 94
utilíssimo contributo, deve ser um bom ponto de partida para aprofundamentos futuros e para novas iniciativas, que certamente irão seguir-se.
Com efeito, neste momento, a situação dos jovens em Portugal tem manifestamente aspectos positivos e negativos e, se me permitem, falo-vos quase como um convidado que, como comecei por dizer, gostaria de participar um pouco nos vossos trabalhos.
Os aspectos positivos têm a ver com a democracia e com a paz. Sem dúvida que é positivo Portugal viver em democracia e em liberdade, sem dúvida que é positivo os jovens em Portugal viverem em paz e não estarem sujeitos aos sacrifícios que tantas gerações de outros jovens tiveram de fazer. Só quem passou por esses momentos pode adivinhar hoje o que é não existir essa espada de Dâmocles permanente a pesar sobre o presente e o futuro da juventude portuguesa!
Também não há dúvida de que há um aspecto negativo, e penso que há apenas um único: a ausência de esperança concreta, não apenas nos modelos de desenvolvimento, mas a esperança concreta.
O jovem não tem hoje, em Portugal, esperança concreta na escola que frequenta, não tem esperança concreta na família onde se integra, não tem esperança concreta no trabalho onde desenvolve a sua actividade profissional, em suma, não tem esperança concreta na sua própria vida, quando decide optar por decisões marcadamente individuais.
O facto desta ausência de esperança concreta, que se sente a todos os níveis —e qualquer observador pode manifestamente identificar —, é um aspecto grave em termos nacionais, diria que é um aspecto decisivo, se não for modificado no futuro do nosso país.
O problema está em saber como encarar esta ausência de esperança e o que fazer para a tornar em esperança concreta. Aqui, como é óbvio, há caminhos diferentes, como tem vindo a ser ressaltado, mas penso também que é útil apontar algumas pistas que possam servir de base de partida, uma vez que o País já está suficientemente dividido para que as ideologias se não transformem num fosso capaz de transformar os homens em adversários, quando não em inimigos permanentes.
O Sr. Carlos Miguel Coelho [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PSD)]: — Muito bem!
O Orador: — Em primeiro lugar, sem dúvida nenhuma que o primeiro aspecto fundamental é o da participação. Mas participar em quê? Não chega dizer que os jovens têm de participar. Têm de participar na construção de quê? Aqui está a ausência que temos sentido de um modelo económico, de um modelo político e de um modelo social. Mas pergunta-se: que modelo político, que modelo económico, que modelo social?
Em primeiro lugar, em relação ao modelo político, penso que hoje não há dúvidas para ninguém de que o modelo político que deve empenhar a juventude portuguesa, e não só a juventude portuguesa mas todos os cidadãos de Portugal, é o do aperfeiçoamento da democracia, garantindo mais liberdade, sem dúvida, mas também garantindo uma maior responsabilidade e assegurando uma maior autoridade.
Penso que liberdade, responsabilidade e autoridade são conviventes íntimos sem os quais a democracia
pode não passar de uma simples desculpa e pode mesmo ser objecto de culpas, que não são assacáveis. Portanto, este trabalho de aperfeiçoamento dos mecanismos democráticos está longe de estar acabado.
Penso que a experiência dos últimos 11 anos aponta-nos várias pistas neste domínio e é óbvio que os jovens não podem ser indiferentes a esta construção, porque, se se não constrói o Estado, dificilmente se pode construir a sociedade.
Em relação ao modelo económico, penso que a resposta também não nos deve afastar muito. O modelo económico é o da modernidade. O que é que isto significa? Significa que Portugal é um velho país, é uma velha nação que se sente já velha.
Pois bem, é necessário, é imprescindível pôr uma velha nação a construir um país novo, não apenas por necessidade — e, quando se diz isto, quer dizer-se necessidade literária — ou por um aspecto puramente político, mas porque isso significa a realidade imprescindível que temos de fazer. A nossa identidade nacional aponta para a necessidade urgente de nos modernizarmos para conseguirmos manter a nossa cultura e a nossa própria identidade nacional.
Não são apenas as pessoas que envelhecem, os países envelhecem e as próprias nações envelhecem e chegam a morrer. A Portugal não vai, certamente, acontecer isso, mas é importante saber a necessidade urgente de rejuvenescimento que a todos deve preocupar.
Finalmente, pergunta-se: que modelo social? Sob o ponto de vista particularmente pessoal, não tenho dúvida de que esse modelo se constrói na base da solidariedade, na base da verdadeira solidariedade nacional, solidariedade nacional que se exprime, não apenas em palavras nem na sublimação dos conflitos que necessariamente existem, mas na sua resolução positiva, não fazendo, como eu há pouco dizia, das ideologias a a base do combate permanente, não transformando as ideologias em fossos que separam as regiões, que separam os indivíduos, em suma, que nos impedem o diálogo, que nos impedem a procura de soluções e que fazem deste pequeno país uma multiplicidade quase indiscrítível de pequenos núcleos incapazes de se entenderem minimamente e construírem positivamente aquilo que tem e deve ser construído.
Há, portanto, a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de diálogo, de entendimento, de conciliação, e não se pede às pessoas que deixem de ser o que são ou que deixem de pensar como pensam, mas há a necessidade de dizer às pessoas que, para além delas, daquilo que representam e da ideologia que defendem, há um país onde vivem, há um futuro que têm de construir e que, necessariamente, tem de ser construído com todos, sem que ninguém possa ser excluído dessas responsabilidades. Dizendo isto, temos praticamente apontado o modelo de desenvolvimento.
Aqui bastaria dizer: desenvolver o quê? Em primeiro lugar, e dirijo-me aos jovens, o sistema educativo. No entanto, penso que é extremamente difícil erigir um sistema educativo ágil, e, quando digo «ágil», quero dizer capaz de criar profissionais competentes e não apenas burocratas que vivem do Estado e para o Estado. Aliás, há a sensação de que o nosso sistema educativo tem investido excessivamente na formação desses burocratas.
Página 3107
28 DE MAIO DE 1985
3107
Como estava a dizer, é preciso erigir um sistema educativo que crie profissionais competentes capazes de chegarem a um mercado de emprego assegurado e capazes, consequentemente, de terem competitividade nesse mercado de emprego.
Para que esse sistema educativo possa ser útil e eficazmente erigido, é necessário sabermos qual é o modelo de desenvolvimento económico que o País deve ter. O sistema educativo não pode construir-se no vazio; tem de ser articulado com esse mesmo modelo de desenvolvimento económico e penso que Portugal tem, neste momento, uma oportunidade única de construir um modelo de desenvolvimento económico autónomo.
Temos capacidades não aproveitadas, temos uma experiência secular não aproveitada e temos agora a perspectiva da adesão ao Mercado Comum visto como um espaço de modernidade, como um espaço de competitividade.
Se conseguirmos assegurar estas nossas capacidades e aproveitar ao máximo essas possibilidades, em meu entender podemos erigir um sistema económico que se paute fundamentalmente pelas seguintes premissas: em primeiro lugar, assegurar a independência nacional.
O facto de se aderir a um espaço económico diferente não significa que a independência nacional deva ser minimizada; pelo contrário, podem aproveitar-se essas potencialidades para aumentar a independência nacional, para a assegurar de uma maneira mais forte, para vincar um perfil nacional mais intenso e mais claro. Essa deve ser uma prioridade de qualquer modelo de desenvolvimento económico.
Mas, em meu entender, há uma segunda prioridade: a de pensarmos mais na qualidade do que na quantidade do desenvolvimento.
Por vezes, pensamos muito nas contas das balanças de pagamento comerciais e pensamos que está tudo correcto e bem. Não é certo que assim seja. Portugal é um país que necessita de um desenvolvimento que reduza o fosso entre as regiões, que reduza o fosso entre as classes, que reduza o fosso entre as oportunidades que se colocam aos vários indivíduos. Sem esse tipo de desenvolvimento, podemos ter um crescimento aparente, mas não temos um crescimento continuado; podemos ter um crescimento mais apressado, mas não temos um crescimento em paz, e já vamos ver por que razão assim é.
Deve ser na base deste modelo de desenvolvimento, que pode ser mais lento mas é certamente mais seguro, que se devem formar os profissionais que o sirvam e sejam capazes de o desenvolver e executar.
Finalmente, é preciso um modelo de desenvolvimento que não seja alheio à cultura portuguesa, porque sem cultura portuguesa não pode haver uma nova era em Portugal. A cultura é a fonte dinamizadora do progresso e do desenvolvimento económico. Por vezes, a nossa cultura dá a imagem e a ideia de ser uma cultura que se vai habituando à mediocridade.
Pois bem, essa nova cultura deve ser a nova cultura correspondente a esta nova era de adesão à CEE e, simultaneamente, a uma nova era de afirmação diferente da personalidade nacional. Ê óbvio que, findo o sonho do império, a construção da própria identidade nacional é cultural e os jovens têm uma necessidade urgente de participar nela, porque, se a juventude aí não participar, é óbvio que essa construção cultural
nasce à partida velha por si própria, durará o tempo das rosas e não será ela própria o motor permanente dessa nova era portuguesa.
Quanto à paz, e tal como tive oportunidade de dizer, a frase de Paulo VI «O desenvolvimento é o novo nome da paz» é oportuna. Em meu entender, neste tema há que distinguir três perspectivas: aqueles qúè usam a paz para justificar a dominação ideológica de nações por outras nações; aqueles que usam a bandeira da paz para que essa dominação permaneça, quer pela ideologia quer mesmo pela força das armas, e aqueles que acreditam verdadeiramente na paz universal.
Ora, essa paz universal exige necessariamente a convivência com a liberdade e com os direitos do homem. Não há uma paz universal enquanto houver homens oprimidos por outros homens...
O Sr. Carlos Miguel Coelho [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PSD)]: — Muito bem!
O Orador: — enquanto houver trabalhadores que não podem assegurar o seu direito à diferença nem reivindicar aquilo que legitimamente possa ser a sua própria função sindical.
Não há paz verdadeira enquanto houver homens oprimidos e sacrificados por dizerem aquilo que pensam, seja na Polónia, seja no Chile de Pinochet. Este é o contributo que todos temos que dar à paz e aqueles que só vêem um lado e não vêem o outro não têm nada a ver com a paz, mas sim com a guerra, porque há formas de pacifismo que conduzem à guerra e não à paz verdadeira e universal.
Aplausos.
Creio que em Portugal podemos dizer que vivemos em paz, mas dificilmente podemos dizer que nos sentimos em paz. Com efeito, vivemos em paz e em tranquilidade, mas creio que será difícil podermos dizer que nos sentimos em paz, a não ser numa visão bastante egoísta dos homens que vivem apenas sobre si próprios.
É difícil dizer que vivemos em paz quando vemos tantos desempregados, cujo número cresce e não diminui; quando vemos pessoas que trabalham e não recebem os seus salários; quando vemos a nossa economia a distanciar-se progressivamente de outras economias que há bem pouco tempo estavam atrás de nós; quando vemos o fosso a crescer entre as várias regiões do País, em que não tem sido suficientemente articulado o desenvolvimento regional. Em suma, quando vemos e detectamos tantas injustiças, é difícil sentírmo-nos em paz
Daí que para todos, e fundamentalmente para os jovens, a luta pela paz em Portugal seja manifestamente a luta pela participação como instrumento da luta do desenvolvimento e da modernidade. E esta é realmente uma simbiose perfeita porque a paz tem a ver com esse sentir que as injustiças se estão a atenuar, que Portugal está manifestamente a sentir-se tranquilo consigo próprio e que as oportunidades despontam de igual forma para todos os cidadãos, independentemente da cor da sua pele, dos meios materiais com que nasceram, em suma, independentemente da sua ideologia e daquilo que pensam:
Página 3108
3108
II SÉRIE — NÚMERO 94
Meus amigos, antes de terminar a minha intervenção gostaria de referir o quão interessante foi esta vossa iniciativa. Faço sinceros votos para que dos vossos trabalhos não saia apenas mais nítido aquilo que vos separa, mas para que saia também igualmente nítido aquilo que vos pode unir, fundamentalmente aquilo que vos pode unir na construção do vosso futuro, do futuro da juventude portuguesa, porque falar no futuro
da juventude portuguesa é falar no futuro da nossa Pátria, é falar no futuro de Portugal.
Aplausos.
Estão encerrados os nossos trabalhos. Eram 16 horas e 55 minutos.
Depósito legal n.° 8819/85
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, E. P.
PREÇO DESTE NÚMERO 78$00