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II Série — Número 2

Sexta-feira, 24 de Outubro de 1986

DIÁRIO

da Assembleia da República

IV LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

SUMÁRIO

Propostas de lei:

N.° 43/IV —Grandes Opções do Plano para 1987-1990

e Grandes Opções do Plano para 1987. N.° 44/1V — Orçamento do Estado para 1987.

Nota. — Os anexos informativos à proposta de lei n* 44/1V serão publicados em anexo a este número.

PROPOSTA DE LEI N.° 43/IV

GRANDES OPÇÕES DO PLANO PARA 1987-1990 E GRANDES OPÇÕES 00 PLANO PARA 1987

Usando da faculdade conferida pelo n.° 1 do artigo 170.° da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Anexo à proposta de lei

Grandes Opções do Plano para 1987-1990 e Grandes Opções do Plano para 1987

índice

I Parte — Enquadramento

1 — Apresentação.

2—1987-1990—Um período de charneira: um tempo do opções.

5 — Contexto geo-estratégico: a segurança na Europa e no Mundo.

4 — Contexto económico internacional.

5 — Comunidade nacional: breve caracterização:

5.1 — Demografia e implicações mais relevantes.

5.2 — Condições de vida e bem-estar.

5.3 — Economia portuguesa:

5.3.1 —Aspectos polttico-institucionais.

5.3.2 — Aspectos macroeconómicos e estrutura produtiva.

6 — A integração na CEE: principais problemas e desafios.

ARTIGO I."

1 — São aprovadas pela presente lei as grandes opções do plano a médio prazo (1987-1990) e as grandes opções do plano anual (1987).

2 — O texto anexo faz parte integrante desta lei.

ARTIGO 2."

1 — Nos termos da presente lei e demais legislação aplicável, fica o Governo autorizado a elaborar o plano a médio prazo (1987-1990) e o plano anual (1987).

2— O Governo fará publicar, por decretos-leis, os planos a que se refere o número anterior.

ARTIGO 3°

O Governo promoverá a execução do plano anual (1987) e elaborará o respectivo relatório de execução até 30 de Junho de 1988.

Presidência do Conselho de Ministros, Í5 de Outubro de 1986. — O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva. — O Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, /oaquim Fernando Nogueira.— O Ministro do Plano e da Administração do Território, Luís Francisco Valente de Oliveira.

II Parte — Grandes opções

Opção I — Língua, cultura e património.

Opção II—Afirmação das estruturas do Estado democrático.

Opção III — Valorização do papel de Portugal no Mundo.

Opção IV — Correcção dos grandes desequilíbrios estruturais.

Opção V — Reforço da economia. Combate ao desemprego.

Opção VI — Novo conceito de empresa.

Opção VII — Valorização dos recursos humanos.

Opção VIII — Reforço da solidariedade social.

Opção IX — Ordenamento do território.

III Parte — Enunciado das grandes linhas de política que respeitam mais directamente às opções

Opção I — Língua, cultura e património. Opção II — Afirmação das estruturas do Estado democrático. Opção III — Valorização do papel de Portugal no Mundo. Opções IV e V — Correcção dos grandes desequilíbrios estruturais/reforço da economia. Combate ao desemprego. Opção VI — Novo conceito de empresa. Opção VII — Valorização dos recursos humanos. Opção VIII — Reforço da solidariedade social. Opção IX — Ordenamento do território.

Não se suponha que isto se fará puramente falando ou escrevendo, isto se fará fazendo.

Agostinho da Silva

(Citado por José Augusto Seabra em Cultura, Política ou a Cidade e os Labirintos, Lisboa, 1986.}

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5 Parte — Enquadramento

1 — Apresentação

A sociedade portuguesa, como as outras sociedades da «velha Europa», compartilha um conjunto de valores, comuns à grande maioria dos cidadãos, que permite procurar consensos e gerir conditos sem pôr em risco a sobrevivência do País. Nesses valores incluem--sc elementos de agregação cultural, como o sentimento que defende a independência nacional, o amor à terra portuguesa e ainda o respeito pela história, pelo património e pela língua, entre outros factores profundos de identificação e de união.

Quando Porlugal enfrenta um desafio tão exigente como aquele que acaba de escolher com a adesão à CEE, é essencal que exista um projecto mobilizador, capaz de tirar pleno partido das capacidades dos Portugueses e de os compensar pela sua participação. Esse projecto terá forçosamente de se basear nos valores mais partilhados pela comunidade, procurando estabelecer, a partir deles, um conjunto de objectivos cuja realização seja considerada exequível e desejável.

Um dos valores comuns da sociedade portuguesa, efectivamente institucionalizado e praticado desde a consolidação do sistema democrático, é o respeito e a tolerância perante a livre expressão das suas diferenças políticas, religiosas e culturais. Ao apresentar as Grandes Opções do Plano para 1987-1990, não estamos a esquecer esse valor fundamental. Pelo contrário, estamos a lembrá-lo, para que a comunidade possa exercer a indispensável crítica.

A actividade política caracteriza-se constantemente pela tomada de decisões, cuja dificuldade decorre da dolorosa consciência de estar assim a preterir alternativas cujas potencialidades não são, em muitas circunstâncias, inteiramente previsíveis. Porém, chega sempre o momento em que é preciso tomar uma decisão.

As grandes opções do plano, por serem opções, são, acima de tudo, o resultado de uma selecção de objectivos nacionais. Ao fazer a selecção, foi necessário medir custos de oportunidade, isto é, comparar os custos e benefícios relativos de cada alternativa e, finalmente, decidir. Na política, felizmente, aliás, não se pode escolher tudo.

O momento que Portugal atravessa justifica a amplitude e ambição que se pretendeu dar às Grandes Opções do Plano para 1987-1990. Com efeito, trata--se de uma oportunidade, a não desprezar, no sentido de concertar e fazer convergir esforços na exigente batalha do desenvolvimento. Só que essa concertação e convergência correm o risco de não se operacionali-zarem, à falta de objectivos claros e linhas de acção correctas.

• Foi a busca dessa linearidade, no sentido de identificar a correspondência lógica entre linhas de política, programas, projectos e acções com um pensamento estratégico do país que queremos ser, que determinou a lógica de apresentação das Grandes Opções do Plano para 1987-1990.

É que acreditamos profundamente que, se os Portugueses não forem estimulados a pensar quem são naquilo de que são capazes e, finalmente, no destino que desejam seguir, a comunidade jamais poderá aproveitar integralmente o conjunto das contribuições parcelares, por muito boas que algumas delas possam ser.

2 — 1987-1990 — Um período de charneira: um tempo de opções

Se foi Portugal que desviou o eixo do Mundo do Mediterrâneo para o Atlântico, cabe agora reconhecer que volta a enfrentar uma decisão não menos importante. As novas realidades políticas — a adesão à CEE e a consolidação da democracia — surgem como se estivessem projectadas no pano de fundo de realidades mais antigas. Algumas não são assim tão antigas, como sucede, por exemplo, com a participação plena na Aliança Atlântica. Outras há, porém, como a expansão ultramarina, que têm quase a idade de Portugal.

A história de Portugal foi-se fazendo e refazendo em comunidades sucessivas, sempre constituídas sob ameaças graves de dissolução, mas sempre capazes de se afirmarem. Da comunidade castrense à nacional, da nacional à imperial e da imperial à europeia, Portugal foi-se redefinindo e enriquecendo, nem sempre materialmente recompensado, mas sempre compensado culturalmente.

Hoje, Portugal vive um período de charneira, ao mesmo tempo perigoso e emocionante, tão cheio de riscos como de oportunidades. Para enfrentar a encruzilhada, precisa primeiro de se enfrentar a si mesmo. Antes de escolher o caminho, escolhe-se. De tantos «Portugais» que já foi, e daqueles que acredita ser capaz de vir a construir, qual é o Portugal mais forte, mais adequado e mais necessário? Dito de outro modo: qual é o Portugal que melhor corresponde à sua essência e vocação?

Ao afirmar de novo a sua identidade nacional, mais não faz que recuperar uma memória — á Etífopa antes dos Descobrimentos — à luz de outra memória mais recente —os Descobrimentos e a expansão colonial —, destituindo esta última da sua dimensão dominadora e territorial. Sendo assim, sem tibieza nem presunção, Portugal escolhe-se e afirma-se plenamente nessa escolha.

A adesão à CEE nunca implicou a uniformização de padrões culturais, tanto mais que se tem visto conesponuer a evoiução política da Comunidade unia diferenciação cultural cada vez maior. Como pátria antiga, já ganha e comprovada., consciente de ter sido no Mundo mais do que país algum do Mundo poderia prever, Portugal ocupou, com naturalidade e segurança, o seu lugar na Europa das pátrias.

Põem-se, porém, novos desafios, nem todos previsíveis. Por já conhecer historicamente o desconhecido, à medida que avançava para o descobrir, Portugal não tem que temer se tiver com que pensar. Pensando-se como um país da Europa, não deixa de ser atlântico, definindo-se triangularmente numa zona marítima cuja influência geo-eslratégica é potencialmente decisiva, não apenas para a Europa, mas para a Aliança Atlântica.

É este um património único que Portugal traz para a CEE, juntamente com a riqueza da sua história, da sua cultura e da qualidade singular da sua gente. Para ser tão europeu quanto quer, e olhando para a solidez cultura) que os seus novos parceiros conseguiram manter e desenvolver, Portugal sabe perfeitamente que terá de oferecer a sua singularidade para receber em troca todas as outras. É que não podemos esquecer que Portugal comprometeu-se a ser português quando tomou o compromisso de ser europeu.

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ê também por isso que nas Grandes Opções do Plano para 1987-1990 se dá uma tão grande ênfase à dimensão cultural. A relativa fragilidade de Portugal, no quadro geral da Comunidade Europeia, recomenda que o País se fortaleça culturalmente. A razão da prioridade que se dá à cultura não é, por isso, exclusivamente cultural. É também económica e política. Entende-se que assim Portugal melhor pode aproveitar as novas oportunidades e minimizar as vulnerabilidades que se apresentarão durante os primeiros anos de plena participação na Comunidade Europeia.

E voltamos à grande questão: reencontrando-se rapidamente consigo próprios, os Portugueses estarão melhor habilitados para se encontrarem proveitosamente com a Europa, por um lado, e para possibilitar à Europa o encontro com as capacidades plenas dos Portugueses, por outro.

Para tanto é preciso, antes do mais, imaginar Portugal com precisão e rigor. A imaginação de Portugal, como entidade que congrega em si um passado, apresenta uma condição necessariamente insatisfatória e exige uma encarnação futura. Não pode ser uma mera ilusão, vaga e indefinida.

Para já, tem de se imaginar um Portugal que se queira —este e não aquele, assim mesmo e nunca de outra maneira— e um Portugal que se possa, no quaJ se acredite nele e nesse seu poder.

Não se pode é escolher tudo, o que equivale a não escolher nada.

Não se escolhe quando se quer que, por exemplo, Portugal seja, a um tempo, do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, da Península e da Europa, da terra e do mar. Escolhe-se mal quando se ignora que nenhum daqueles pólos é estranho a Portugal. A escolha esclarecida é a que corresponde à grande vocação do País neste domínio: a de se assumir como uma ponte entre tempos, lugares, mercados e civilizações. Uma ponte é um lugar que une espaços, onde se passa, onde se cruza. Onde se paga portagem. Portugal já levou navios —pontes moveis— que uniram distâncias pelo mar, com a madeira das naus e o ferro da vontade dos homens.

Hoje, o Mundo conhece-se geograficamente. Acabados os impérios, vai-se definindo politicamente. Porém, os países continuam ainda afastados como sempre— culturalmente. Existem os meios áudio-visuais para aproximá-los, mas falta a vontade, e sobra o medo «chauvinista», de os aproximar. Portugal é capaz de ser a ponte entre esses lugares, capaz de lucrar com essa união e de se regozijar com ela.

Portugal tem uma experiência singular de convivência com outras culturas. Concorreu para o surgimento de «novas culturas», nascidas da simbiose entre a cultura portuguesa e outras cultras (a indiana, a africana, a americana). Por isso, é um «lugar» privilegiado de encontro entre culturas.

Trata-se de uma missão maior esta de promover convergências e a convivência entre culturas. Trata-se, por outro lado, de um meio —porventura o único — de Portugal não ficar amputado de uma parte do que é, a partir da sua experiência extra-europeia.

Portugal pode ser uma ponte entre essas culturas, um lugar de união onde as cultras se sintam em casa e assim possam ser visitadas por outras. A vocação e vontade de Portugal é ser anfitrião. Convidando o mundo a vir cá, dando o mundo a conhecer, e a conhecer-se. Quase nada temos a perder e tudo a ganhar.

Como «zona franca cultural» sem receios de se desnacionalizar, já que Portugal deve a sua nacionalidade ao confronto com o Mundo, podemos ganhar com as diferenças que afastam os outros países. Não há desonra em ser intermediário — em proporcionar encontros, em criar espaços de reunião e entendimento. Reunir o que estava disperso é uma forma corajosa de criação.

Daí a nossa vocação de ponte territorial e cultural, de lugar atlântico de congregação. Para mais, é importante compreender que, na Europa e no Mundo, Portugal não é tanto um país do Sul da Europa — porque há muitos outros —, mas também um país do Oeste, do Ocidente Atlântico.

Sendo assim, Portugal, tanto no que lhe vem do passado como no que lhe promete o futuro, é um espaço de união e reunião, atlântico e ocidental.

3 — Contexto geo-estratégico: a segurança na Europa e no Mundo

O conjunto complexo de problemas que influenciam directamente a segurança europeia e mundial é preocupação permanente, na medida em que tais problemas afectam de forma determinante o clima de paz c estabilidade necessário ao progresso cultural e económico. A segurança, o bem-estar e a liberdade, sendo bens inestimáveis e inseparáveis, fazem parte do ideário dos povos civilizados e todos os esforços despendidos para os preservar e reconquistar quando perdidos têm, por norma, o apoio da generalidade dos cidadãos. A realidade do tempo presente no hemisférico norte caracteriza-se pela existência da confrontação «Pacto de Varsóvia-OTAN», consequência das sequelas da Segunda Guerra Mundial, e c dominada, de forma preponderante, pelas duas superpotências. As relações entre estas nunca foram fáceis e são influenciadas por um clima de suspeição mútua que nem mesmo as diversas iniciativas de diálogo empreendidas por ambas as partes e apoiadas interessadamente por um grande número de nações, nos mais variados/oro internacionais, conseguiram desvanecer. Os resultados até agora obtidos terão de considerar-se pouco menos do que frustrantes, se tivermos em conta as expectativas alimentadas no sentido de se caminhar a passos seguros para uma situação de «distensão» das relações internacionais.

Apesar de novas iniciativas tomadas nos dois últimos anos pelos EUA e pela URSS, o Mundo, em 1986, não apresentou maiores índices de segurança do que nos anos anteriores.

O uso da força para atingir objectivos e aspirações nacionais continua a dominar a cena internacional.

A guerra entre o Irão e o Iraque, a ocupação do Afeganistão por tropas estrangeiras, a confrontação israelo-árabe, a situação caótica vivida no Líbano, as tensões na América Central, na África do Sul, no Sudeste Asiático, o terrorismo internacional, etc, são disso exemplo ilustrativo.

As nações, de acordo com a percepção dos perigos que correm em função das atitudes de terceiros e do inter-relacionamento complexo de interesses em disputa, legítima e assisadamente, sempre procuraram constv tuir o seu dispositivo de defesa, em antecipação à eclosão de situações de ruptura. A posse de armamentos, na quantidade e qualidade adequadas, não é. em si

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mesma, um dado que conduza necessariamente à guerra ou que lhe dê origem. Antes pelo contrário, são a fraqueza de poder e querer e a vulnerabilidade militar que proporcionam os incentivos necessários para que um potencial opositor seja encorajado a impor, pela coacção ou pelo exercício da força militar, a sua von-tade, contra a moral e o direito. Sem poder nacional e sem força militar suficiente, uma nação, mesmo que possuidora dos mais nobres ideais, pode ser coagida ou subjugada, não raras vezes perante a complacência e a inacção da comunidade internacional, a despeito das instituições por esta criadas com o objectivo de dirimir situações de choque de interesses susceptíveis de degenerarem em conflito.

Portugal tem tido como ponto essencial da sua política a recusa do recurso à força como forma de resolver disputas entre os Estados, mas esta atitude deve ser entendida em correlação directa com o dever e o direito que à Nação assiste de se defender de qualquer agressão ou ameaça externas com todos os meios que conseguir atempadamente organizar. A nossa política de defesa tem por base o postulado constitucional que estabelece como missão das Forças Armadas a defesa militar do território e das áreas marítimas e áreas da nossa responsabilidade e interesse imediato.

Portugal, mesmo quando resolvidas as dificuldades momentâneas por que passa e que lhe diminuem as suas capacidades de defesa autónoma, não deixará de ser uma pequena potência no contexto internacional. Em resultado disso, afigura-se como sensata a procura de uma maior segurança no seio de uma aliança de Estados que perfilham os mesmos valores e prosseguem os mesmos objectivos gerais de defesa e de manutenção da paz.

Na realidade, o sistema defensivo que a OTAN tem proporcionado a todos os Estados membros tem sido de grande importância para Portugal, pois nele tem repousado muito da nossa segurança básica, que se traduz na capacidade de uma dissuasão com credibilidade, através da defesa colectiva.

Por esta razão, haverá que desenvolver todos os esforços para prosseguir, na medida das possibilidades do País, com o desenvolvimento da capacidade nacional de defesa autónoma, entendida nas suas várias componentes, que abrangem a vontade de defesa, os meios humanos e os recursos materiais indispensáveis para uma dissuasão credível, à nossa escala. Simultaneamente, Portugal deverá empenhar-se de forma decisiva no cumprimento das responsabilidades nacionais contraídas com a Aliança e em cumprir com a maior eficácia a sua missão no contexto do dispositivo colectivo de defesa, contribuindo desse modo para o reforço da sua credibilidade.

A conjugação das acções anteriores valorizará a nossa política geo-estratégica e, ao fazê-lo, criar-se-ão as condições para que Portugal usufrua em plenitude das potencialidades que ela nos oferece como natura! plataforma de confluência de alguns dos principais vectores que caracterizam tanto as relações leste-oeste como o diálogo norte-sul, sejam eles de natureza política, militar, económica ou social.

Daqui decorre que, apesar de pequena potência, um país como o nosso tem todo o interesse em procurar planear de forma correcta o desenvolvimento da sua capacidade de intervenção, aos diversos níveis das instituições internacionais, sobre problemas que afligem as sociedades, como a preservação da paz, o perigo

da proliferação e descontrole dos armamentos nucleares e, sobretudo, sobre a necessidade de concitar vontades para a promoção de acordos de limitação de armamentos, eficazes e verificáveis, para que se obtenham padrões mais confortáveis de segurança a níveis mais baixos de armamentos, nomeadamente os nucleares de aplicação estratégica.

Este último ponto é de essencial relevância para o conjunto das nações europeias que integram a Aliança, que, por si sós e colectivamente, carecem de capacidade de dissuasão nuclear estratégica própria.

Esta situação influencia decisivamente a sua flexibilidade de manobra, não só em relação às iniciativas tendentes à criação de um ambiente mais propício à preservação da paz na Europa e à melhoria da segurança no Mundo, mas também em relação aos seus projectos e aspirações futuras.

4 — O contexto económico internacional

A economia mundial tem vindo a apresentar um ritmo acelerado de mudança e complexificação, o qual, como que se poderá afirmar, tem conduzido a que o «espaço» e o «tempo» do sistema mundial se venham encurtando.

De facto, cada vez mais se estabelecem e aprofundam relações entre agentes antes não inter-relaciona-dos.

Os programas de estabilização financeira a que muitos países foram e ainda são compelidos conduziram--nos a um maior grau de abertura (programas que privilegiam as exportações e penalizam as procuras internas). Por outro lado, a apreciação do dólar na década de 80 e até meados do ano passado, conjugada com a questão antes referida, aumentou o «grau de abertura» da economia norte-americana.

Muitas das estratégias das multinacionais são formuladas a uma escala mundial, tentando novas quotas de mercado em zonas que antes lhes eram estranhas. A concorrência a que estão sujeitas e a escala do desenvolvimento de novos produtos compelem-nas, naturalmente, a alargarem a escala do «espaço».

Os choques petrolíferos (incluindo o actual), os programas de estabilização financeira, a volatilidade cambial, vieram, por seu lado, reforçar a influência dos aspectos financeiro-monetários nas economias do nosso tempo.

Poder-se-á assim afirmar que há mais e maior variedade de elementos e de inter-relação entre estes no sistema económico mundial, isto é, o sistema é e será mais complexo. Desta característica há que relevar também o grau elevado de interdependência existente entre os agentes e ou entre as zonas/áreas da economia mundial, o que se traduz na repercussão acentuada de efeitos dos choques e dos padrões de política prosseguidos pelas principais economias. lulga--se mesmo poder afirmar que a economia mundial se vem «afirmando» como um «todo», de crescente complexidade, embora também, por motivos de análise, seja possível especializá-la em zonas de maior homogeneidade ou de maior intra-relacionamento.

A inovação e a disseminação tecnológicas, em particular no domínio das telecomunicações, vêm acelerando o «tempo» do inter-relacionamento dos agentes e alargando o domínio destes. Este tipo de evolução

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não se circunscreve somente aos aspectos económico--financeiros e estende-se também a aspectos culturais.

Coexistem assim, neste «todo» em formação, diversos modos de estar, diversas «racionalidades económicas», com diferentes graus de inter-relacionação ou de «aculturação». Tal tem vindo e continuará a traduzir-se numa crescente heterogeneidade dos elementos do sistema mundial.

No entanto, não existe regulação formai ou concertada do sistema, em particular nos aspectos económicos e financeiros. Existe sim ou surge, nalgumas circunstâncias, consistência de atitudes por parte das grandes potências em não provocar fortes rupturas quando em presença de situações delicadas.

Recentemente, a economia internacional sofreu e está vivendo o impacte do segundo choque petrolífero e do declínio do dólar.

A dinâmica de poupança e de diversificação da energia desencadeada pelos dois primeiros choques petrolíferos, conjugada com o menor ritmo de crescimento das economias desenvolvidas e com a manutenção ou crescimento dos preços do petróleo em termos reais para algumas zonas (Europa e Japão, quando as suas moedas se depreciavam face ao dólar, moeda de negociação do petróleo), conduziu a um excesso de oferta do produto em causa, o qual possibilitou uma queda acentuada dos respectivos preços no início deste ano.

Por sua vez, o nível atingido pelo dólar vinha afectando seriamente sectores produtivos americanos e conduzindo a respectiva economia de uma posição de há muito tempo credora para uma posição devedora. Uma actuação conjugada das autoridades das principais economias na segunda metade do ano passado contribuiu decisivamente para a inflexão do comportamento do dólar, no sentido do declínio deste, face às restantes principais moedas do sistema financeiro internacional.

Estes aspectos conjugados têm vindo a possibilitar que a economia internacional esteja num período de energia significativamente menos cara e de desinfla-ção, indiciando que estão criadas condições necessárias para um crescimento acrescentado e não inflacionista. Contudo, persistem graves desequilíbrios —em particular o relativo aos défices comerciais e orçamental americanos, que vêm alimentando fortes tensões nos mercados financeiros e comerciais —, o que, conjugado com a referida não regulação formal ou concentrada do sistema (inexistência de concertação/coordenação das políticas macroeconómicas das principais potências), se traduz em factores negativos para o mencionado crescimento sustentado e não inflacionista.

Por outro lado, o aspecto do desemprego é preocupante. Em termos da OCDE atinge actualmente níveis de 8 V4 %, 38 milhões de pessoas. O ataque a esta situação passa necessariamente pela referida via de crescimento sustentado.

Em termos globais, entende-se também adequado salientar, na evolução do contexto económico mundial, o aspecto dos excedentes de produção cerealífera.

De facto, os últimos anos têm vindo a registar produções elevadas nalguns cereais. Em particular, devido ao proteccionismo e ao nível tecnológico das agriculturas americana e comunitária. A União Sovié-

tica, através das suas importações de cereais, permitiu equilibrar o mercado internacional (altamente excedentário em trigo e cevada, como aconteceu em 1984), enquanto, por outro lado, permaneceu uma enorme procura potencial, mas não solúvel, entre vastas populações do Sul.

Este aspecto poderá, a médio prazo e num contexto da salvaguarda de comércio livre, pôr em causa as políticas proteccionistas do Norte, em particular a PAC.

A CEE é um subsistema deste sistema económico mundial, sofrendo inevitavelmente da dinâmica do sistema, embora, dada a sua escala, também o possa influenciar.

No entanto, no sistema mundial, económico, político e societal coexistem diversas grandes potências e outros países ou áreas que eventualmente vêm e ou poderão vir a desempenhar um papel relevante.

Dentro das actuais potências, interessa-nos destacar, em contraponto à CEE, os Estados Unidos e o Japão, os quais, por possuírem um conjunto de políticas próprias, nomeadamente nos domínios externo, de defesa e macroeconómico e monetário, dispõem das características necessárias para assumir essa qualidade de potências.

A CEE não dispõe destas políticas próprias (comuns) porque, naturalmente, cada Estado membro é soberano e é ainda embrionária a concertação de políticas a nívei comunitário, embora se caminhe construtivamente nesse sentido. Como tal, a CEE aparece no contexto mundial e vive entre si «heterogenei-zada» pelos diferentes interesses que os seus membros têm quanto àqueles domínios de política.

No entanto, a Comunidade é uma entidade dinâmica, cujos interesses, quer numa perspectiva global, quer numa perspectiva de países isolados, a compe-íem à construção/implementação das políticas anteriormente referidas e características das potências de hoje.

Isto é, a CEE é potencialmente um embrião de uma Europa Ocidental unida politicamente. Os factores exógenos desse potencial embrião — isto é, a dinâmica do sistema mundial, das potências concorrentes, da evolução e disseminação tecnológica —, bem como os factores endógenos — isto é, a consciência de alguns dirigentes europeus das «lacunas» de actuação em termos de potência e as acções/pretensões em curso nesse sentido (veja-se, por exemplo, as tentativas da construção de um verdadeiro «mercado interno», bem como o Plano Delors para a criação de um mercado financeiro europeu unificado até 1992) —, levarão, muito provavelmente, esse embrião a dar o seu natural «fruto». A alternativa a tal cenário é a prossecução e reforço do actual espartilha-mento, com o agravar do declínio dos pesos económico, político e cultural. Contudo, supõe-se que este cenário seja menos provável que o anterior, em grande parte devido à pressão dos factores exógenos antes mencionados.

De entre estes, a tecnologia das telecomunicações e a inovação financeira irão, muito provavelmente, impor uma fácii circulação de capitais.

Um outro aspecto é o já referido dos excedentes agrícolas, nomeadamente o dos cereais. A acumulação contínua desses excedentes tem vindo a traduzir-se para a Comunidade em custos financeiros in-

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comportáveis. A reforma da PAC é, por isso, inevitável e uma das suas consequências imediatas será a participação gradual dos países membros nos custos de armazenagem e ou escoamento de tais excedentes, ou seja, a PAC tenderá a assumir um menor papel proteccionista e a aproximar a agricultura comunitária das condições vigentes no mercado internacional, permitindo uma libertação de recursos e de vontades para outro tipo de políticas mais necessárias ao «todo» europeu.

Assim, vemos que um conjunto de vectores de diversa ordem — económica, monetária, tecnológica —, associados, contribuem para a construção da Europa, levando à implementação de políticas globais comuns ou, pelo menos, concertadas. Estas, no entanto, não são incompatíveis com a diversidade de políticas regionais e culturais de cada Estado membro.

A economia e sociedade portuguesas estão de lacto estreitamente relacionadas com a Europa e com a CEE.

Ê com esta área que mais transaccionamos; é nesta área que vive a maior parte dos emigrados mais recentes; é com esta área que a contiguidade geográfica tem mais importância.

Mas, para além de estarmos relacionados de facto com a Europa, estamos desde Janeiro de 1986 nela integrados de jure, o que conduz a que os aspectos institucionais se venham a conjugar e sobrepor ao relacionamento de jacto.

Dada a nossa escala (geográfica, humana e económica— o nosso PIB ronda os 25 biliões de dólares e não chega a 1 % do da Comunidade), o nosso futuro será marcadamente influenciado pela dinâmica comunitária. Isto significa que o processo de integração não se desenvolve com uma entidade «estática», mas sim com uma entidade fortemente dinâmica, e esta mesmo num processo acelerado de estabelecimento de políticas globais comuns.

Neste contexto, planetário e comunitário, a nossa atitude «estratégica» deverá revestir algumas características:

A primeira é a tomada de consciência do processo e. das dinâmicas em que estamos envolvidos e nos quais a nossa capacidade de intervenção é reduzida.

A segunda é a de que as estratégias dos diversos interesses que, legítima e democraticamente, coexistem no nosso pequeno subsistema terão de ter em conta as dinâmicas que nos envolvem, dada a nossa reduzida escala.

A terceira é a de que uma atitude activa na construção da Europa poderá muito provavelmente adicionar algo ao reduzido peso que temos neste contexto, já que teremos mais a lucrar e menos a perder do que os nossos restantes parceiros comunitários nessa construção.

Também aqui entronca o que atrás já foi dito: «A política cultural é também económica.» Com efeito, dado o reduzido espaço de manobra que Portugal detém no domínio da economia, terá de ser também por outro lado e também por outras formas que poderá contribuir mais significativamente para a construção da lógica do mosaico europeu.

O mais importante é tomar consciência de que a ausência de estratégias ou de atitudes é, em si, uma estratégia e uma atitude. Por nossa parte, recusamos assumir essa postura. Com efeito, existem espaços e

oportunidades que, no contexto da dinâmica em que somos agentes e destinatários, poderão potenciar os nossos interesses numa perspectiva de médio e longo prazos. Quer dizer: também na economia teremos de gerir a nossa mudança e tentar influenciar a mudança do sistema em que nos inserimos.

5 — A comunidade nacional: breve caracterização 5.1 — Demografia e implicações mais relevantes

Mais do que nunca, os fenómenos demográficos exprimem a verdade dos grupos humanos em todas as latitudes e longitudes. Pelo melhor conhecimento desses fenómenos e pela capacidade técnica de registar e de analisar os respectivos dados, pode, sem exagero, considerar-se que os elementos demográficos podem representar uma verdadeira radiografia das comunidades humanas. Isto sem embargo de ser por vezes difícil conhecer ou interpretar adequadamente os dados recolhidos, tendo em conta alguns riscos que sempre subsistem quanto à correcta interpretação dos factos.

Nesta perspectiva, afigura-se de salientar duas grandes características da população portuguesa nos últimos tempos, ou seja, o seu progressivo envelhecimento e a distribuição acentuadamente irregular no território. Qualquer destes dois fenómenos tem poderosos efeitos, que, por um lado, se encadeiam com outras situações relevantes e, por outro lado, condicionam a vida comunitária e as próprias tomadas de decisão.

Primeira grande característica: o envelhecimento da população.

O envelhecimento da população é quase uma espécie de fenómeno civilizacional e tem particular incidência naquilo que, quase por ironia, se chama o «velho continente», ou seja, a Europa. Nesse aspecto, representa um problema fulcral comum à generalidade dos países que integram a CEE.

O progressivo envelhecimento da população (9,7 % com 65 ou mais anos em 1970, 11,8 % em 1984) é, por assim dizer, consequência da conjugação de três factores.

O primeiro grande factor é indiscutivelmente o decréscimo que regularmente, ainda que de forma moderada, tem vindo a verificar-se na taxa de natalidade, a qual em 1985 se situava ao nível de 12,9 °/«». Esta diminuição da taxa de natalidade é, no entanto, agravada pela existência ainda de uma taxa excessiva (17,6 Voo em 1985) de mortalidade infantil (').

Torna-se óbvio que é preocupante este duplo contributo negativo para o rejuvenescimento e a revitalização da população portuguesa, já que, a médio prazo, isso se traduzirá num enfraquecimento ainda maior da população activa, afinal da força produtiva e da mão-de-obra, capaz de gerar a indispensável riqueza inerente ao desenvolvimento. Por outro lado,

(') Taxa de natalidade: nados-vivos por 1000 habitantes. Taxa de mortalidade infantil: óbitos de crianças com menos de I ano por 1000 nados-vivos.

este envelhecimento, que, sem dúvida, se irá acentuar

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nos anos mais próximos, reflecte-se já significativamente nos serviços de saúde, por exemplo, na estrutura etária dos utentes do internamento hospitalar (14,9 % em 1970 eram utentes com 65 e mais anos e em 1982 eram 23,2 %), e conduzirá a um progressivo e crescente consumo de cuidados de saúde.

O segundo factor relevante no envelhecimento da população é o progressivo crescimento dos níveis de esperança de vida (67,8 e 73,1, respectivamente, em 1970 e 1982), resultantes da melhoria qualitativa global de aspectos relevantes, designadamente os relativos aos cuidados de saúde, à higiene, à alimentação e às condições sócio-económicas em geral.

0 terceiro factor importante que tem influenciado, de forma, aliás, não linear, o envelhecimento da população tem sido o fenómeno da emigração, que tem particular incidência na população activa. Trata-se, assim, de um contributo directo para aquele envelhecimento, embora, nos últimos anos, acontecimentos como o regresso de antigos residentes nas ex-colónias, o decréscimo dos níveis da emigração e mesmo o aumento de retorno de emigrantes tenham vindo a atenuar significativamente o impacte negativo da corrente migratória na estrutura demográfica do País.

Tem sido debatido o valor a atribuir a um eventual acréscimo da taxa de natalidade como elemento de moderação daquela evolução demográfica, neste momento já preocupante. De facto, muitos afirmam que, uma vez generalizado um estilo de vida assente em famílias nucleares com pequeno número de filhos, a natalidade tende a manter-se baixa e com maior propensão para baixar ainda mais em face de conjunturas económicas adversas, em que há constrangimentos no acesso aos diferentes níveis de ensino e em que as perspectivas de emprego podem aparecer sombrias.

Ê evidente que a melhoria das condições sanitárias, com efeito na taxa de mortalidade infantil, e o combate à inflação e ao desemprego se podem traduzir em estímulos significativos para as famílias. Será, no entanto, necessário ir mais longe, designadamente no que respeita a certas prestações sociais (prestações familiares) e equipamentos sociais de apoio à primeira e segunda infâncias, em incentivos fiscais e, indiscutivelmente, na melhoria quantitativa e qualitativa do parque habitacional. No entanto, não pode também negar-se a pertinência de questões de tipo cultural e a sua eventual referência a um quadro de valores e da posição que nela pode ter a família.

Como é evidente, o envelhecimento da população tem efeitos sectoriais significativos, que importa sumariamente referir.

1 — Assim, no que diz respeito à saúde, a existência de grupos humanos numerosos no âmbito da terceira idade, ou mesmo, como já se refere, da quarta idade, implica tendências de maior consumo de cuidados médicos, ambulatórios ou hospitalares e suscita novas necessidades de apoio domiciliário, sem falar igualmente nos problemas da difícil reabilitação.

2 — Pelas suas características, é na Segurança Social que o envelhecimento da população tem efeitos muito significativos e naturalmente preocupantes, além do mais pelos custos acrescidos que provoca.

O efeito mais complicado é o da elevada percentagem do número de pensionistas em relação ao número de beneficiários activos, que se cifra na percen-

tagem claramente excessiva de 52,5% (1,9 milhões para 3,6 milhões), de longe a situação mais desequilibrada do conjunto dos países da CEE.

Historicamente, pode dizer-se que foi principalmente no quinquénio de 1970 a 1975 e em menor escala no quinquénio de 1975 a 1980 que se deram crescimentos maciços e descontrolados do número de pensionistas, à margem de estudos demográficos e de projecções económico-financeiras. Essa evolução resulta claramente do quadro seguinte, onde se indicam os crescimentos percentuais do número de beneficiários e de pensionistas nos três períodos considerados.

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Salta à vista que se deram alterações qualitativas profundas na estrutura da Segurança Sociail que chamam a atenção para pontos de grande sensibilidade:

a) A tendência para a sobrecarga contributiva e fiscal da população activa, com os conhecidos efeitos negativos (fuga contributiva, desmoti-ção para novas iniciativas, etc);

6) A delicadeza de qualquer política de antecipação da idade de reforma, pelo agravamento de uma situação já tão desequilibrada;

c) A necessidade de repensar não só o financiamento global da Segurança Social, mas também de encarar o reordenamento nalguns aspectos dos esquemas de protecção c as prioridade a atribuir às diferentes prestações.

3 — Há também a assinalar efeitos de importância crescente no domínio da acção social e dos serviços sociais, já que quanto mais idosa é uma população, sobretudo se as condições sanitárias e alimentares não forem as ideais, mais numerosas são as situações de dependência, bem como as de marginalização social.

Se, por outro lado, ocorrerem factores limitativos de um razoável acesso à habitação, sobretudo nos grandes centros urbanos, é inevitável processar-se uma procura crescente de apoios compensatórios a idosos, designadamente equipamentos sociais. Ora, estes equipamentos implicam custos elevados, tanto no que se refere a investimentos como no que diz respeito à sua manutenção.

4 — Ê importante de igual modo assinalar, ainda que sumariamente, um conjunto de efeitos específicos nas áreas da educação e da cultura, decorrentes do fenómeno, que tem vindo a ser analisado, do envelhecimento da população.

Um deles, que se afigura muito actual, exprime a tendência para a fixação de uma percentagem elevada de pessoas idosas analfabetas sem a escolaridade obrigatória. Esse facto contribui para uma certa distorção do sentido real dos índices recolhidos sobre a matéria, criando porventura um certo empolamento. De facto, para além de essa situação dizer respeito a uma população que, não sendo activa, não tem influência significativa no processo de desenvolvimento, ela resulte

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em parte do fenómeno já referido do decréscimo das taxas de natalidade.

0 envelhecimento da população, por outro lado, introduz tendências para a rarefacção da rede de escolaridade obrigatória, como já hoje se verifica, com efeitos futuros no ensino secundário e superior. Os mais pessimistas adiantam mesmo que, a longo prazo, a evolução demográfica referida resolverá o grave problema com que se debate hoje o sistema de ensino através do mecanismo do numerus clausus.

Pode ainda referir-se que aquele fenómeno tende a fixar menores exigências globais no domínio cultural.

5 — Na área da economia, em geral, parece oportuno salientar a tendência para a diminuição dos níveis de consumo, dada a menor exigência energética dos idosos e a limitação dos seus rendimentos, não obstante os efeitos compensadores resultantes do sistema de segurança social e, naturalmente, das remessas dos emigrantes. Esta evolução é, no entanto, temperada pela tendência inversa da população activa de crescente busca de níveis maiores de consumo, tanto no aspecto quantitativo como qualitativo.

De qualquer modo, um excessivo envelhecimento da população pode conduzir a uma progressiva contracção e a um certo empobrecimento do mercado interno.

São também de assinalar possíveis efeitos desfavoráveis no domínio do ambiente, já que, por efeito da evolução demográfica, ou seja, por falta de gente ou por envelhecimento, o que em certas situações suscita ausência de motivação, podem com mais facilidade consolidar-se situações de degradação do ambiente.

Segunda grande característica: distribuição irregular da população.

1 — No final de 1984, a população portuguesa rondava os 10,2 milhões de habitantes, distribuída de modo bastante irregular pelo conjunto do território. De facto, cerca de 3,7 milhões, ou seja, 36 %, concentram-se nos distritos de Lisboa e do Porto. Por outro lado, sendo a densidade média de 110 habitantes por quilómetro quadrado, esse valor oscila entre o mínimo de 18 no distrito de Beja e de 765 no distrito de Lisboa. Acresce a circunstância de haver 10 distritos cuja densidade populacional é inferior àquela média, o mesmo acontecendo na Região Autónoma dos Açores.

Esta situação constitui factor de agravamento dos problemas resultantes do envelhecimento da população, acima referido, mas, por si próprio, dá origem a novos problemas, que importa ter presentes. Ou seja, a distribuição irregular da população no território nacional tem diversos efeitos sectoriais que condicionam as medidas adequadas para o desenvolvimento e o aumento do bem-estar. Por outro lado, se esses novos problemas são mais evidentes ou mais agudos nas zonas urbanas de grande concentração populacional, outras questões têm que ver com alguns processos que podemos chamar de desertificação, que levanta outro tipo de problemas, quer para as populações em si, quer para a Administração.

2 — Assim, no sector da saúde suscitam-se problemas complexos e agudos de difícil solução a curto prazo, mas a que urge dar resposta. Entre 1960 e 1981, as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto conheceram variações demográficas, respectivamente,

de mais 59 % e mais 34 %. Representam hoje cerca de 40 % da população portuguesa e, no seu conjunto, somam cerca de 4,1 milhões de habitantes.

Os recursos da saúde nas últimas três décadas nem de longe acompanharam esta evolução, não tendo havido os correspondentes investimentos que tai evolução exigia.

Para só referir a área hospitalar, a mais onerosa em termos de investimento, os últimos empreendimentos vultosos realizados foram o Hospital de São João, no Porto, e o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, ambos no início da década de 50, e mais recentemente o pequeno Hospital de Santa Cruz e o novo Hospital do Barreiro.

Nenhum novo serviço de urgência foi aberto.

No presente ano está em curso o empreendimento do novo Hospital do Restelo, que, não obstante representar uma significativa melhoria no equipamento existente e permitir a abertura de um novo serviço de urgência em Lisboa, não é, todavia, suficiente para as graves carências identificadas.

Do ponto de vista quantitativo, os défices em camas hospitalares são, nas duas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, de cerca de 2000.

Do ponto de vista qualitativo, grande parte dos recursos hospitalares existentes apresentam insuficiências estruturais graves, encontram-se degradados por um uso excessivo, em alguns casos de séculos. Estimava-se em 1982 que 40 % das camas das áreas metropolitanas se encontravam degradadas.

As áreas metropolitanas são assim áreas críticas ho sector da saúde. Acrescem as dificuldades de garantir uma distribuição territorial de médicos e de outro pessoal de saúde especializado em zonas relativamente despovoadas.

3 — No que se refere à Segurança Social propriamente dita, as dificuldades exprimem-se igualmente por pressões dos interessados sobre os serviços cie atendimento ou a exigirem maior simplificação e desburocratização nos processamentos de benefícios. Pode ser de igual modo referida a perigosa tendência para a desumanização, sempre latente nas grandes organizações que contactem com grandes massas humanas.

São também evidentes as solicitações acrescidas que impendem sobre os serviços sociais e a acção social em geral e que se repercutem em pressões de procura de equipamentos de apoio às crianças e jovens, aos idosos e deficientes, ou a reclamarem a criação ou desenvolvimento de formas alternativas, como os apoios domiciliários, as amas e as famílias de acolhimento. Por outro lado, é nestas zonas de maior concentração urbanística e populacional que avultam ou proliferam situações de marginalização social, com os conhecidos fenómenos da pobreza ostensiva ou mesmo da mendicidade.

4 — O sector do trabalho é igualmente atingido por este fenómeno demográfico, na medida em que provoca oscilações e desequilíbrios na oferta e na procura do emprego, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos.

5 — Considerando agora as áreas da educação e da cultura, verifica-se a existência de pressões sobre as estruturas e os estabelecimentos de ensino, de um lado, e uma subutilização, por outro. Surgem, nestas condições e com características preocupantes, atendendo à natureza e finalidade das funções pedagógicas, fenómenos de massificação, com os subsequentes pro-

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blemas de disciplina e até de segurança nas escolas. Por outro lado, é fácil surgirem conflitos de interesses entre p local de trabalho e o local de residência a propósito da frequência de estabelecimentos de ensino.

6 — Aspectos dramáticos e de solução claramente difícil são os que aparecem no sector da habitação. O simples facto de existir um sensível desajustamento entre a oferta e a procura de habitação, em termos médios, já suscita problemas complexos. Outros, porém, surgem em consequência da própria tendência para a limitação, por razoes de custos ou por outros motivos, do espaço habitacional disponível em média para cada família. Verifica-se, assim, haver a tendência para um círculo vicioso: mais habitantes numa determinada zona implicam um ritmo mais acelerado de construção económica; por seu turno, este ritmo de construção tem de limitar-se aos espaços mínimos padronizados, o que praticamente obriga as famílias a terem uma estrutura e um comportamento padronizados. É, de certo modo, o princípio de uma desumanização colectiva. Mas a falta de habitação ou a sua inacessibilidade, por razões de preço ou de quantidade, é, por certo, um princípio maior de desumanização.

7 — Em termos muito sumários, pode ainda salientar-se que as concentrações populacionais criam dificuldades específicas no domínio dos transportes e dão origem a irregularidades e desequilíbrios nos circuitos de abastecimento. No que se refere ao ambiente, ocorrem situações novas de degradação, ou por excesso de gente, ou por falta de gente. Porém, é na massificação urbanística, com o correspondente enfraquecimento do sentido cívico dos cidadãos, que podemos encontrar situações que importa ultrapassar, precisamente como que para compensar a inevitabilidade, nalguns casos, das concentrações de população.

5.2 — Condições de vida e bem-estar

1 — Tem havido inegavelmente uma evolução dos elementos caracterizadores, bem como das aspirações e conceitos das condições de vida de uma comunidade e dos seus níveis de bem-estar.

Para isso tem contribuído uma crescente aproximação entre países e populações, que se traduz na progressiva diminuição das diferenças e dos limites entre índices mínimos e máximos.

O desenvolvimento da cooperação internacional, o incremento da comunicação e a capacidade das novas tecnologias para a ultrapassagem das distâncias e barreiras têm igualmente contribuído para aproximar e até nivelar padrões de riqueza e consumo, índices de bem--estar e de desenvolvimento.

Esta relativa padronização dos indicadores disponíveis confere-lhe maior importância relativa e maior autenticidade, como expressão sintética do progresso económico, social e cultural dos diferentes países.

Com as cautelas que com estas coisas sempre é preciso ter, pode, no entanto, com razoável segurança, atribuir-se efectiva pertinência aos elementos estatísticos disponíveis.

Por detrás desses dados, friamente qualificados, permanecem, no entanto, factores qualitativos, que exprimem realidades estruturais portadoras de constrangimentos, cuja superação exige esforços de grande envergadura, ou denunciam comportamentos colectivos que só mudanças culturais permitirão ultrapassar adequadamente.

2 — Como se compreende, são as despesas sociais em sentido lato que em grande parte exprimem os graus de satisfação das necessidades básicas e, consequentemente, os níveis médios correntes de bem-estar.

Neste aspecto é indispensável ter presente que há um claro distanciamento de Portugal, de 1 para 2, pelo menos, relativamente aos demais países da CEE, no que se refere ao peso global das despesas em matéria de educação e investigação, de saúde, de segurança social e de habitação social.

Outros indicadores permitem, por assim dizer, abrir uma janela sobre aspectos correntes do quotidiano da vida de cada um, mas com efectivo significado na ponderação dos níveis gerais da actividade económica e dos seus efeitos no bem-estar dos cidadãos.

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Fonte: Eurostat-Révue (1974-1983).

(a) lep = tonelada equivalente de petróleo. (<>) Número referente a 1982.

3 — Ê, no entanto, através da análise comparativa dos grandes indicadores económicos que melhor se pode evidenciar a posição relativa de Portugal perante outros países, designadamente europeus, quer no âmbito da CEE, quer no que respeita à OCDE.

Assim, o quadro seguinte permite perspectivar comparativamente os níveis relativos do produto interno bruto, tomando como ponto de referência países com população relativamente próxima da população de Portugal, embora o ponto de análise se refira à população activa. Como se mencionou no capítulo referente às estruturas demográficas, não é a mesma, nos diferentes países, a percentagem da população activa em relação à população total.

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(a) 4 « trimestre, OCDE. (6) INE.

(c) 1984.

(d) OCDE.

Igualmente significativo, na sua expressão sintética, é o quadro seguinte, que exprime os valores existentes no que se refere ao produto interno bruto per capita.

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a per capitão SPA(a)

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Fonte: Eurosiat (1985).

(a) SPA = padrão dc poder dc compra.

Trata-se de um índice significativo que exprime bem algumas limitações estruturais, mas que traduz igualmente uma clara indicação do esforço que colectivamente o País deve desenvolver.

4 r-^- Importa, no entanto, fazer um percurso mais particularizado, a fim de exprimir os níveis de bem-

-estar actuais em áreas específicas, mas fundamentais para a necessária caracterização da comunidade que somos.

É o caso dos níveis qualitativos e quantitativos referentes à alimentação, até pelas profundas mudanças ocorridas nas últimas décadas em consequência do desenvolvimento da agricultura e da alteração de hábitos alimentares.

Neste particular parece evidente que Portugal enfrenta consideráveis dificuldades, além do mais porque as percentagens das despesas com alimentação entre nós representam, nos orçamentos familiares, bastante mais (quase do dobro) do que a média verificada nos restantes países da CEE.

Ê, aliás, o que ressalta do quadro seguinte, onde são igualmente referidos outros consumos considerados fundamentais para a análise em questão.

Consumo final das familias «per capite» por função de consumo

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Fonte: Eurosiat (1984).

Parece indiscutível que se impõem aqui esforços coordenados para uma alteração significativa. Com efeito, Portugal é um dos países com mais baixas capitações na generalidade dos produtos fornecedores de proteínas animais, ou seja, cerca de metade, segundo os dados da OCDE, só sendo superado pela Turquia e, curiosamente, pelo Japão.

A situação alimentar em gorai em Portugal pode caracterizar-se da seguinte maneira, em traços largos:

a) Cerca de um quarto da população portuguesa confronta-se com problemas de saúde resultantes de excessos e desequilíbrios alimentares semelhantes aos existentes nos países mais industrializados;

b) Cerca de ura quarto da população tem ainda carências nutricionais básicas relativamente graves;

c) A generalidade da população sofre as consequências do excesso do consumo de sal, bebidas alcoólicas, açúcares e gorduras.

Como é sabido, parte considerável das mudanças necessárias para melhoria dos níveis alimentares tem que ver, por vezes, com hábitos e comportamentos só alterados mediante adequados fluxos de informação ou por força de actividades educativas.

5 — São indiscutíveis os efeitos, positives ou negativos, que a estrutura sanitária das populações tem nas actividades económicas e mesmo na vida social em geral. Por isso mesmo os elementos relativos à saúde assumem enorme importância na caracterização dos níveis de bem-estar dos países.

Podemos dizer que Portugal apresenta sinais de mudança neste aspecto, que parecem de assinalar, dado

o enorme atraso de que sofria ainda há poucos anos neste domínio.

De facto, é de salientar, em termos de cobertura sanitária, nos últimos anos, um aumento significativo das percentagens de partos assistidos (95 % em 1985), de grávidas atendidas, (mortalidade materna, 0,11 % em 1985), de crianças com menos de 1 ano atendidas nas unidades primárias de saúde, bem como das crianças em idade escolar que beneficiam de exames de saúde adequados.

Por outro lado, tem havido um decréscimo significativo do número de habitantes por médico, de tal modo que praticamente os níveis actuais se podem considerar análogos aos correntes nos países europeus. Este ponto, em si claramente favorável, perde, porém, parte do seu significado se atendermos a que os médicos se encontram distribuídos de modo extremamente irregular no território, dando origem a grandes distorções, geradoras de carências graves, designadamente nas zonas do interior. Por outro lado, podem estar ainda em causa questões relativas à eficácia global das organizações de saúde que enquadram os médicos.

Não obtante aqueles elementos promissores de uma evolução positiva, mantêm-se ainda a nível preocupante certas situações claramente negativas em si e quando comparadas com idênticas situações nos países europeus. É o que se passa com três indicadores de extraordinária importância como são as taxas de mortalidade infantil, de mortalidade neonatal e de mortalidade perinatal, que, não obstante as descidas significativas nos últimos anos, atingem ainda valores muito elevados (respectivamente 16,7 % em 1984 e 17,6 % em 1985, 9,5 % e 18,9 % em 1984). È indubitável que os níveis

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de mortalidade infantil são dos índices mais seguros e mais influentes dos níveis de desenvolvimento das comunidades humanas.

1984

(Percentagem)

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Foníe: Eurostal (1986).

c) Taxa de mortalidade geral: óbitos por 1000 habitantes (população média).

A importância a atribuir aos factores sanitários resulta, além do mais, do facto de ser perfeitamente reconhecido que existe uma relação directa muito ampla entre o estado de saúde das crianças e jovens, por um iado, e dos trabalhadores, por outro, na produtividade escolar e na produtividade laboral, ou seja, dois factores de primordial importância para o desenvolvimento.

Finalmente, importa recordar, o que foi salientado no capítulo anterior relativamente aos factores determinantes do envelhecimento da população portuguesa. Ora, o envelhecimento tem efeitos sanitários da maior impertância, até pelos custos que provoca e pelas novas exigências que implica, já que é causa directa do aumento de situações de morbilidade crónica, reabilitação dispendiosa, dependência progressiva e reduzida qualidade de vida.

6 — Tão importante como a ponderação dos indicadores sanitários c a análise dos índices relativos à educação, que permite, por assim dizer, projectar em termos claros os níveis de bem-estar e desenvolvimento.

Neste aspecto, importa reconhecer que, não obstante o esforço c o percurso feitos nos últimos anos, são ainda preocupantes os dados que revelam a estrutura da população por nível de instrução. De facto, cerca de 75 % da população não tem mais do que o ensino primário elementar, havendo cerca de 27 % de analfabetos. Por outro lado, apenas 2,6 % da população dispõe de um curso superior.

Em parte o elevado nível da taxa de analfabetismo (tripla da existente em Espanha e quádrupla da que existe na Itália) está ligado ao fenómeno já referido do envelhecimento da população, já que exprime a estratificação de uma população pouco recuperável neste domínio, mas que tem um peso excessivo no conjunto do País relativamente à população activa. Ou seja, é possível concluir que a taxa real de analfabetismo é muito distorcida pela circunstância de ser menor do que deveria c poderia ser a relação entre activos e não activos.

Por outro lado, os diversos indicadores apontam para o facto de ser relativamente escassa a actividade de investigação a todos os níveis, com reflexos de diferentes naturezas. Uns, que podemos chamar efeitos endógenos ao sistema educativo, impedem a valorização do próprio sistema de ensino. Outros, que podemos considerar consequências exógenas, dificultam igualmente a valorização da administração em geral e das actividades empresariais em particular.

Assume, assim, a maior importância o desenvolvimento quantitativo e qualitativo que pode ser dado às diferentes tarefas de investigação.

7 — Também as actividades classificáveis como de cultura e recreio exprimem dados e situações caracte-rizadoras dos níveis de bem-estar, já que, obviamente, estes não englobam apenas aspectos de natureza económica e social.

Neste particular parece de concluir que, em regra, terá havido nos últimos anos uma tendência para o decréscimo de interesse e participação dos cidadãos, o que pode estar relacionado apenas com o enfraquecimento de interesses especificamente culturais, como resultado também, por acrescentamento, de aspectos ligados à crise económica.

Assim, embora entre 1980 e 1984 tenha havido um pequeno acréscimo do número de jornais e outras publicações, verificou-se. na prática, uma diminuição dessas actividades relativamente à população.

No que se refere às bibliotecas, poderá assinalar-se uma evolução semelhante, já que em matéria de volumes consultados se passou de 15,7 milhões em 1980 para 14,7 milhões em 1984. Foi diferente a evolução verificada quanto a visitas aos museus, em que o número de utentes no mesmo período subiu significativamente, tendo passado de 2,2 milhões para 3,8 milhões.

Afigura-se igualmente significativa a evolução verificada no domínio dos espectáculos, a confirmar, aliás, uma situação a que os meios de comunicação social têm feito referência. De facto, e relativamente ao mesmo período de quatro anos, mantendo-se praticamente estável o número de recintos e o número de sessões realizadas, diminuiu muito significativamente o número de espectadores, que passaram de 31,9 milhões para 19,7 milhões.

8 — Mais do que nunca, nas sociedades modernas c em qualquer zona mais urbana ou mais rural, a habitação corresponde não só a uma necessidade colectiva de maior importância, mas representa também um factor relevante para aferir os padrões globais de bem-estar das populações.

Ora, neste domínio forçoso é reconhecer que, não obstante os esforços desenvolvidos e apesar de toda a evolução verificada, são ainda muito numerosas as carências qualitativas nas habitações, com particular incidência em certos meios rurais ou nas zonas urbanas degradadas.

Indicadores das condições de habitação

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Fonte: Censos da população de 1970 e 1981.

Verifica-se, por outro lado, ser crescente a diminuição do número médio de divisões por fogo e da área média, o que tem efeitos, ainda não perfeitamente determinados, sobre a vida das pessoas e das famílias.

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Além disso, continua a ser enorme o défice da produção habitacional, a qual é bastante baixa: cerca de metade dos valores médios praticados nos países europeus.

Deste modo, não admira que susbsistam ainda em número considerável situações de alojamento com graus diferentes de precariedade.

9 — Segundo dados do Inquérito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatística, a taxa de actividade da população portuguesa era de cerca de 47 % no 1° trimestre de 1986. Embora a estrutura de emprego por grandes sectores de actividade se tenha vindo a aproximar progressivamente (nomeadamente a partir de 1970) dos padrões relativos aos restantes países europeus, é ainda significativa a diferença entre Portugal e a média dos países da CEE (').

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A taxa de desemprego tem evoluído nos últimos anos no sentido do agravamento, verificando-se no 2." trimestre de 1986 uma taxa de desemprego de 10,3 %. O regresso de residentes nas excolónias, o estancamento do fluxo de emigração e o regresso de alguns emigrantes foram factores que contribuíram para a consolidação daquela tendência.

Os jovens são indubitavelmente os mais atingidos pelo desemprego, representando o grupo etário abaixo dos 30 anos quase 64 % da população desempregada. Preocupante é igualmente a tendência verificada nos últimos anos para o prolongamento do período de desemprego: o tempo de procura de emprego é actualmente superior a um ano para cerca de 43 % da população desempregada.

10 — Se a força de trabalho de um pais é factor fundamental para o desenvolvimento, assume natural importância tudo o que se refira às condições em que o trabalho é prestado, o que engloba uma série de factores, desde os que se reportam mais directamente ao local de trabalho (higiene e condições de salubridade, condições de segurança) como aos que dizem respeito à maior ou menor facilidade de acesso aos locais de trabalho, o que tem a ver com a rede de transportes.

A insistência feita relativamente a outros aspectos do trabalho (remunerações, legislação geral do trabalho, etc.) tem porventura impedido uma maior atenção àquelas questões, bera como, de modo mais particular, às que se referem aos acidentes de trabalho.

De facto, o tema sinistralidade do trabalho suscita em si uma série de questões da maior relevância

(') Há que notar que a população inactiva inclui a população prisional, que abrange 1 cidadão em cada 1000, com incidência na faixa etária dos 18 aos 40 anos, exactamente a faixa mais produtiva da população. São, aliás, sobejamente conhecidas as causas principais da criminalidade, que caem, precisamente, no campo em apreço: desemprego e carência de meios, desagregação familiar e degradação moral, deficientes condições de habitação (entre outras).

económica e social e, por outro lado. origina consequências ainda incompletamente avaliadas, mas que merecem atenta ponderação.

Percentagem de acidentes tía íraitaüt© por ramos de actividaiSe em '932

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Fonte: Instituto Nacional de Estatística, 1985.

São reveladoras sobre a importância e actualidade destas questões algumas conclusões constantes do Estudo Piloto sobre as Condições Sociais do Trabalho (Março/Abril de 1980) efectuado pelos Serviços de Estatística do então Ministério do Trabalho.

Aí se refere, designadamente, que, «quanto às condições em que os trabalhadores inquiridos consideram que realizam o seu trabalho, 43 % do conjunto declararam que o fazem em boas condições/>, 37 % que o consideram «fisicamente esgotante» e 20 % que o consideram «mentalmente esgotante».

Percentualmente são mais as mulheres que considerara o seu trabalho «fisicamente esgotante» e mais os homens que o consideram «mentalrcesie esgotanle».

11 — Coma facilmente se compreende, a segurança social constitui um dos vectores mais importantes e influentes que caracterizam os níveis c as possibilidades de desenvolvimento e de bera-estar. gimentos à segurança social, limitando a sua capacidade natural de resposta às necessidades sociais.

Importa, por isso, ponderar com cautela e objectividade os efeitos desse constrangimento, tendo também em vista perspectivar vias que impeçam o eventual bloqueamento do sistema, que algumas vozes mais pessimistas tendem a apontar como iminente.

Uma coisa parece de qualquer maneira evidente, 04i seja, a segurança social perdeu uma parte significativa da sua capacidade redistributiva de rendimentos, atendendo às distorções produzidas, na medida em que uma parte expressiva dos seus recursos, em íertncs comparativos europeus, têm que ser canalizados pare garantir o pagamento das pensões.

De facto, tem crescido a proporção dc receitas afceias ao pagamento das pensões de velhice, invalidez e sobrevivência, cora decréscimo significativo da afectação de recursos para as prestações familiares, mantendo-se relativamente estável o nível de afectações ¡relativamente a outras prestações, como doença e maternidade e desemprego.

O quadro seguinte evidencia qual era, em 1984, a repartição de despesas por tipo de prestação pecuniária relativamente è despesa total com prestações garantidas pelos regimes contributivos e pelo regime não contributivo.

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De referir que, por força dos fortes índices de inflação nos últimos anos, tem vindo a degradar-se o valor real ou o poder aquisitivo das prestações ('). Trata-se de mais um dos numerosos efeitos perversos que as fortes taxas de inflação provocam no equilíbrio social, o que as coloca entre os elementos mais profundamente injustos e geradores de desigualdades.

Por outro lado ainda, e como tem sido por vezes salientado, os valores nominais das prestações, designadamente das prestações vitalícias (pensões), mantêm-se em níveis relativamente modestos. Para isso têm contribuído, além da referida erosão da inflação, factores endógenos ao sistema de segurança social. Uns têm que ver com problemas de civismo geral da população e com acções de informação, controle e fiscalização e exprimem-se em lacunas ou omissões contributivas nas carreiras de beneficiários ou com situações em que a expressão salarial é relativamente modesta. Por esses factos, os salários médios considerados para o cálculo das pensões aparecem desde logo pouco elevados.

Um segundo aspecto que contribui para este desiderato tem que ver com a capacidade financeira global do sistema, como é o caso da revalorização da base de cálculo das pensões, que, a ser possível, permite que à nascença a pensão apareça com níveis muito próximos dos salários que visa substituir.

Em 1985 o valor médio da pensão do regime geral situava-se à volta dos 10 800$, enquanto, por exemplo, o valor médio da pensão da função pública atingia 28 000Ç.

Outro aspecto que dificulta a generalização de maiores níveis de bem-estar prende-se com os constrangimentos financeiros decorrentes da existência de regimes escassamente contributivos, em que é brutal a desproporção entre as despesas que provoca e as receitas a que dá origem.

O caso mais significativo, até pela população que abrange, é o do regime especial de segurança social das actividades agrícolas (1 070 000 pessoas, sendo 580 000 beneficiários e 490 000 pensionistas).

Estas dificuldades estruturais do regime geral, isto é, as que decorrem do envelhecimento da população e do peso excessivo dos regimes não contributivos ou fracamente contributivos, só poderiam ser superadas por via de uma maior afectação de recursos em termos globais. De facto, é ainda fraca, quase um terço dos valores europeus, a percentagem de despesas de segurança social relativamente ao produto interno bruto. Esse valor foi de 8,7 % em 1984, ou de 10,8 %,

(') Degradação interrompida em Dezembro de 1985 e em Setembro de 1986.

se incluirmos também as despesas com a protecção nos acidentes de trabalho e a que é concedida pelos regimes específicos da função pública e dos empregados bancários.

De qualquer modo, parece haver tendência para uma mudança de situação, visto que a taxa de crescimento médio anual da segurança social tem estado ligeiramente acima da taxa de crescimento médio do PIB.

Como comentário final, considera-se oportuno salientar que a dinamização de uma organização ampla e complexa como a da segurança social não pode prescindir de valores culturais, já que só eles podem garantir o reforço da solidariedade, ponto de partida e de chegada de todos os sistemas de protecção social.

5.3— A economia portuguesa

5.3.1—Alterações político-institucionaís e seus reflexos na economia

Qualquer tentativa de abordagem dos reflexos na economia portuguesa das alterações político-institucio-nais verificadas na sociedade após os meados da década de 70 será sempre polémica e cobrirá apenas os aspectos que por ora são já perceptíveis. Uma abordagem mais afastada no tempo permitirá uma apreensão mais «lúcida» e global.

Nesta tentativa de abordagem serão focados apenas alguns aspectos das alterações político-institucionais que se consideram mais relevantes na evolução e no estado actual da economia portuguesa, procurando per-cepcionar-se os maiores impactes sofridos por esta.

A alteração do regime político em 1974 é, em si mesma, um dos aspectos determinantes do evoluir da economia portuguesa.

O regime democrático instaurado permitiu a tentativa de inserção de Portugal de jure e a sua consumação em 1985-1986 no espaço político-económico europeu mais importante no contexto do final do século xx.

Se se pode considerar prematura a avaliação do impacte económico da integração europeia, não é, contudo, possível deixar de afirmar que esta será reestru-turadora dos comportamentos dos agentes económicos e do tecido produtivo português.

A integração na CEE é uma das «consequências» do ciclo de abertura que a economia e a sociedade portuguesas vinham sofrendo, decorrente dos desenvolvimentos económicos europeu e mundial do pós--guerra; os acontecimentos de 1974 são, de facto, um marco por de mais significativo neste processo de abertura, na medida em que o «ratificam» e o reforçam.

A instauração do novo regime desencadeou, naturalmente, todo um processo variado e complexo de mutações políticc-institucionais com impacte na perspectiva económica do sistema, processo esse eivado e fruto de fortes entrechoques ideológicos.

Como «marcantes» da evolução económica, interferindo com a produtividade global do sistema neste domínio, há que salientar diversas componentes desse processo, nomeadamente a descolonização, o surto imediato de reivindicações sociais e salariais, as nacionalizações, o alargamento da intervenção estatal, a explosão da produção legislativa e o funcionamento da Administração Pública no novo contexto.

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A descolonização significou então, do ponto de vista económico, nomeadamente, um acréscimo populacional de mais de meio milhão de pessoas, que a economia e a sociedade portuguesas tiveram que integrar; significou também uma ruptura de mercados (importador e exportador), que constituíram rnais um factor de perturbação do tecido produtivo.

As reivindicações sociais e salariais conseguidas, explicadas pela situação sócio-económica de muitos grupos populacionais, constituíram, no entanto, uma mutação brusca para o tecido produtivo e para os esquemas ate à altura vigentes no mercado do trabalho. A generalização e o reforço da sindicalização vieram, por seu lado, contribuir para o estabelecimento de regras de jogo laborais e salariais, que, porventura ajustadas a referências europeias em fases de crescimento económico (as do passado recente à altura), vieram revelar-se demasiadamente rígidos para a regulação macro e micro da economia no contexto actual e previsível, em que a flexibilização é um dos requisitos de funcionamento de um sistema económico e societal.

As nacionalizações vieram introduzir características determinantes no sistema económico e societal português, influenciando e condicionando a sua evolução.

Em primeiro lugar, pretenderam constituir um factor de «controle» do sistema político sobre os sectores «base» da economia, que seriam utilizados como motor do desenvolvimento. No entanto, alguns dos sectores nacionalizados tinham de facto deixado de ser «base» num contexto económico internacional posterior ao primeiro choque petrolífero e de industrialização amadurecida.

Em segundo lugar, destruíram os grupos económicos privados e a racionalidade económico-política a eles inerentes.

Em terceiro lugar, a destruição deste tipo de racionalidade não foi superada pelo estabelecimento de uma racionalidade económica do grupo Estado. De facto, os agentes/entidades nacionalizados prosseguiram trajectórias muitas vezes inconscientes e descoordenadas entre si; deram continuidade a projectos concebidos antes do primeiro choque petrolífero, já desajustados após este e, ainda mais, face ao segundo choque e ao padrão de evolução das economias ocidentais. Tem havido, no entanto, objectivamente, uma racionalização na regulação/desregulação económica das entidades públicas produtivas — já que, como elementos do poder político, têm sido por este utilizados como instrumento do exercício desse poder. Uma situação típica desta racionalidade foi a da utilização das empresas públicas no endividamento externo do País, o qual adiou o ajustamento que o sistema económico deveria ter efectivado após o segundo choque petrolífero e a consequente adopção por parte das principais economias ocidentais de um padrão de política monetária restritiva. O ajustamento viria, des-fazado, através de um plano de estabilização financeira.

Em quarto lugar, deu um forte contributo para o alargamento da intervenção estatal na economia e sociedade portuguesas. A racionalidade de actuação atrás referida do conjunto nacionalizado tem permitido a manutenção dessa intervenção alargada, que não é só económica strictu senso — no sentido de despesas, receitas e projectos. Ê também modeladora

de comportamentos e atitudes dos agentes activos — os reguladores e os gestores— e dos agentes passivos — os trabalhadores e os consumidores—, comportamentos esses que, no contexto actual e previsível das economias ocidentais, se poderão rotular de desajustados.

Em quinto lugar, tem polarizado em muitas circunstâncias a atenção de diferentes entidades reguladoras — Governo, Administração Pública, Parlamento c outras— e conduzido à afectação de tempo e outros recursos destas, que poderiam ser alternativamente aplicados noutros domínios mais tradicionais de intervenção estatal e bem carentes no presente contexto— justiça, defesa, educação, saúde, entre outras.

Por último, e ainda dentro da concorrência na afectação de recursos que o sector nacionalizado faz aos restantes sectores da economia e da sociedade, há que salientar que algumas deficiências da estratégia, juntamente com alterações do contexto nacional e internacional em que se insere, têm implicado neste sector necessidades de financiamento que colidem abertamente com as dos outros sectores, dentro dos parâmetros da programação monetária considerada mais adequada.

A intervenção estatal alargou-se não só através das nacionalizações. Com efeito, o Estado reforçou a concentração em si de funções que o sector privado partilhava, nomeadamente na educação e saúde. Neste último campo, as concepções ideológicas prevalecentes entre nós na segunda metade da década de 70, que influenciaram de forma dominante a nossa Constituição, estabeleceram um sistema de saúde de jure, ambicioso no seu alcance mas contendo o gérmen do seu bloqueamento por impossibilidade do Estado assegurar as verbas necessárias à sua manutenção. Esta realidade é, aliás, hoje verificada em muitos países com outros recursos económicos bem mais poderosos que os nossos. O actual sistema criou ainda os pressupostos para o desaparecimento do sector privado como realidade autónoma actuante e não parasitária do Estado, esquecendo, por exemplo, entre outros, o papel que tradicionalmente desempenhavam as misericórdias. Em termos de segurança social o leque de benefícios e a generalização dos mesmos foi acentuada.

Não questionando por ora os princípios que enformaram tal extensão da intervenção estatal, poder-se-á, contudo, afirmar que o modo e o tempo desta extensão, bem como as novas exigências da tecnologia, vêm provocando um crescendo de despesas públicas, cuja contenção significaria uma redução dos benefícios já concedidos.

A gestão de um Estado deste tipo ou se adequa e tem em conta a escala e a complexidade a eia inerentes ou, naturalmente, surgem disfunções graves, quer na qualidade dos serviços prestados, quer no grau de desregulação financeira.

5.3.2 — Aspectos macroeconómicos e estrutura produtiva 1 —Aspectos macroeconómicos

Desde o início da década de 70 que a economia portuguesa vem registando significativas flutuações, não tendo as políticas conjunturais que houve necessidade de adoptar possibilitado que as suas caracte-

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rísticas estruturais tivessem sofrido as devidas alterações.

Nos primeiros anos da década de 70, quando o Mundo enfrentava o primeiro choque petrolífero, Portugal vivia adicionalmente um processo de alterações políticas e sociais que tiveram repercussões profundas no comportamento da sua economia. Ocorreu uma explosão nos custos do trabalho e um criar de expectativas de bem-estar generalizado, tendo o Estado reforçado o seu peso, quer pela nacionalização de sectores base, nomeadamente o bancário, quer pelo alargamento dos benefícios sociais. Por outro lado, a descolonização obrigou a economia e sociedade portuguesas a integrar cerca de 600 000 desalojados e traduziu-se na perda de mercados privilegiados. Adicionalmente, reduziu-se o fluxo emigratorio, em parti-

cular para a Europa, na sequência dos efeitos de recessão económica.

Durante a década de 70 registaram-se taxas de crescimento elevadas nos agregados macroeconómicos, em particular na procura interna. Este comportamento, conjugado com a deterioração dos termos de troca provocados pelo primeiro choque petrolífero e pela desaceleração das exportações, grandemente influenciadas pela perda de competitividade e por rupturas no aparelho produtivo, determinou uma deterioração gradual na balança de transacções correntes. Esta deterioração conduziu à necessidade de um (primeiro) programa de estabilização financeira, encetado no princípio de 1977, que conduziu ao reequilíbrio das contas externas em 1979: a 1." «carta de intenções» dirigida pelo Governo Português ao FMI.

Principais agregados macroeconómicos Evolução era volume

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

(ff) Provisório, (n) Investimento.

A maior factura energética e a apreciação do dólar, conjugados com o aumento da procura interna, provocaram um progressivo agravamento das contas externas, que conduziu a um crescente endividamento externo, o qual atingiu em fins de 1982 os 13,6 biliões de dólares, ou seja 58 % do PIB. Tornou-se assim necessário implementar, em meados de 1983, um novo programa de estabilização financeira, associado a um acordo com o FMI e materializado na 2.a «carta de intenções».

O programa de estabilização financeira implementado traduziu-se em privilegiar o sector exportador, ao mesmo tempo que se penalizava a procura interna. Os resultados começaram a fazer-se sentir logo em 1983 e em 1985 a balança dc transacções correntes acusou já um ligeiro excedente.

A penalização da procura interna representou uma diminuição significativa dos padrões de vida da população, já em si baixos quando comparados com os dos restantes países da Comunidade. Também as limitações ao crédito c as elevadas taxas de juro reais criaram sérios problemas de solvabilidade a muitas empresas de deficiente estrutura financeira. Foi reduzida, de forma drástica, a implementação e modernização de infra-estruturas por parte do Estado.

A evolução recente da economia portuguesa pode caracterizar-se, entre outros, pelos seguintes aspectos:

Retoma do crescimento económico: no ano de 1985 da ordem dos 3 %, ditado ainda pela procura externa; no ano de 1986 será a procura interna o motor do crescimento de cerca de 4 %, já que a procura externa terá entrado em desaceleração;

Contas externas excedentárias, devido fundamentalmente a ganhos nos termos de troca (que não se verificaram desde há vários anos) propiciados, principalmente, pelas quebras dos preços dos produtos agrícolas importados, pela queda do preço do petróleo e depreciação do dólar;

Inflação cm franca desaceleração, situando-se em cerca de -12 % em 1986 (média anual), contra 19,3 % em 1985 e 29,3 % em 1984;

Persistência de significativos défices das contas públicas, reflectindo também o elevado peso dos juros da dívida pública, decorrente do nível de inflação e do nível do endividamento;

Uma persistente taxa de desemprego entre os 10 % e 11 %.

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A evolução da economia portuguesa numa sucessão de políticas de stop and go não propiciou as condições à necessária modernização do seu aparelho produtivo. Ainda que, à semelhança dos outros países europeus, se tenha evoluído no sentido da «terciarização» da economia (os serviços representam já mais de 50 % do PIB), a agricultura tem evoluído de uma forma que se pode considerar «em regressão», principalmente no que se refere à produção vegetal, no seu conjunto, e a indústria não parece ter-se preparado para enfrentar a Europa.

2 — Estrutura produtiva e dependência externa

A estrutura produtiva da economia portuguesa tem demonstrado, nos últimos anos, a sua enorme vulnerabilidade em virtude dos vários «choques» que tem sofrido face à inserção na economia internacional. São características importantes da sua evolução as seguintes:

0 Aumento da dependência agro-alimentar devido a:

Aumento da população (retornos das ex--colónias e contenção da emigração);

Aumento do consumo de produtos de origem animal (carne, ovos e leite);

Crescimento da produção animal, que não foi acompanhada pela produção vegetal (dando origem ao crescimento do sector das rações» com elevado conteúdo de importações de cereais e oleaginosas);

Diminuição do dinamismo exportador de produtos alimentares tradicionais (vinhos comuns, conservas de peixe e concentrado de tomate);

Estagnação da produção agrícola;

«) Aumento da dependência energética devido a:

Aumento da componente termoeléctrica à base de fuel;

Aumento da importância do transporte rodoviário em detrimento do ferroviário é do marítimo;

Especialização industrial através de projectos energético-intensivos.

Neste ponto são, no entanto, de assinalar em anos mais recentes alguns avanços em projectos de poupança e conservação de energia;

iii) Desenvolvimento acentuado dos subsectores têxtil/couro e florestal com uma alteração no perfil de produtos exportados (predominância dos tecidos de algodão e do calçado).

Paralelamente existem alguns sectores onde se verificou um esforço de aumento do grau de integração:

0 Indústrias metalúrgicas, com o desenvolvimento de ferro-ligas, certos tipos de perfis de aço e produtos de fundição;

íi) Indústria automóvel, com a instalação de unidades para o fabrico de componentes e acessórios (motores, caixas de velocidades, travões, etc.);

¡iij Indústria química orgânica, com a instalação de dois complexos petroquímicos (olefinas e aromáticos).

Esta caracterização da estrutura produtiva deve ser analisada e ajustada face ao novo enquadramento dado pela adesão à CEE e, muito especialmente, às relações com a Espanha.

Com efeito, a dependência externa da economia portuguesa torna-se evidente através da análise das suas contas externas, nomeadamente as que se referem à balança comercial. A actual situação de desafogo, que se traduz por um excedente da balança de transacções correntes, radica, nomeadamente, em factores externos conjuntamente favoráveis (cotações do dólar e das principais matérias-primas). A dependência externa é, essencialmente, estrutural, tanto do lado das importações, como do lado das exportações.

Uma análise da estrutura das importações portuguesas permite verificar que, nos últimos dez anos, os produtos agro-alimentares, energéticos e de maquinaria têm representado entre 50 % a 60 % do total das importações.

No que se refere à energia a situação reflecte uma política de industrialização que assentou na implementação de projectos «energia-intensivos» e de uma ausência de política de poupança de energia, apesar de alguns casos pontuais de êxito nesse domínio. Esta evolução traduz-se por uma passagem da elasticidade consumo de energia/PIB de 0,89 no período de 1966-1973 para 1,42 em í973-1979 e 1,54 nos últimos anos.

O peso elevado das importações de petróleo, no conjunto das importações, torna a economia portuguesa muito vulnerável à alteração das respectivas cotações internacionais.

Quanto aos produtos agro-alimentares a nossa dependência situa-se ao nível dos produtos de base, com destaque para os cereais e oleaginosos (cerca de 60 %), o que igualmente torna a economia muito dependente das oscilações nas cotações internacionais.

A importação da maquinaria reflecte, por sua vez, as dificuldades institucionais e de mercado que se põem a Portugal no domínio da produção de bens de equipamento. Por um lado, existem problemas nos domínios da investigação e desenvolvimento tecnológico que dificultam a aniciativa nacional na concepção de novos tipos de equipamento. Por outro lado, a dimensão exígua do mercado limita a possibilidade de se atingirem limiares de rendibilidade na produção desses bens.

A grande sensibilidade da economia portuguesa em relação às importações, que se traduz por uma elasticidade global,* em relação ao PIB, de 1,2, pode-se explicar pelo elevado conteúdo de importações de algumas componentes da procura global, com destaque para a FBCF e as exportações. Cs conteúdos de importação eram, em 1981, de 35 % e 37 %, respectivamente.

Do lado das exportações, para aíém do forte conteúdo de importações que limita o impacte na redução da dependência, através do crescimento dos sectores exportadores, o tipo de produtos exportados, a sua concentração e os diferenciais de custos internos em relação aos dos principais parceiros comerciais são íactores de elevada vulnerabilidade, já que Portugal

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está especializado em produtos com uma procura mundial pouco dinâmica.

Salvo algumas excepções, o esforço de exportações continua a centrar-se nos produtos tradicionais (cerca de 45 %), notando-se, todavia, uma ligeira melhoria da composição a partir de 1980, com uma crescente participação de máquinas de escritório e informática, componentes de electrónica e electrónica de consumo. No entanto, estes produtos, para além de dependerem, na sua maior parte, das políticas comerciais de empresas transnacionais, são também, por vezes, de fraco conteúdo em valor acrescentado.

No que se refere à competitividade das nossas exportações e à consequente possibilidade de crescimento da respectiva quota de mercado, ter-se-á de ter em conta não só a adaptação do tipo e qualidade do produto às necessidades dos mercados internacionais mas também aos factores condicionantes dos custos de produção.

Sobre o primeiro ponto já atrás se referiu a debilidade estrutural das exportações e a consequente necessidade do desenvolvimento de outro tipo de produtos com procura mundial mais dinâmica, tendo em atenção, muito especialmente, a nossa recente integração na CEE e a nossa posição comercial no contexto mais restrito da Península Ibérica.

Um aspecto muito importante, no que se refere às exportações, é o da competitividade dos produtos portugueses no mercado externo, medida, habitualmente, só a partir do custo de trabalho por unidade produzida (CTUP), dadas as dificuldades estatísticas em considerar outros custos não salariais. A evolução deste indicador permite concluir que a competitividade das exportações se ficou a dever, essencialmente, à desvalorização cambial: os custos do trabalho cresceram no período de 1980-1985 cerca de 108 %, enquanto a média da CEE foi de apenas 38,5 %. A desvalorização, entretanto, foi de 46,4 %.

A inclusão de custos não salariais, nomeadamente os financeiros, conduzirá, certamente, a outro tipo de conclusões nos tempos mais recentes (segunda metade de 1985 e 1986).

3 — População e emprego

A evolução da economia tem, inevitavelmente, reflexos na situação e nível de vida da população, que, por outro lado, dadas as suas características, no que se refere ao grau de alfabetização, se traduz numa condicionante ao desenvolvimento da economia. De acordo com o recenseamento geral da população, a população residente em Portugal era em 1981 de 9,833 milhões de habitantes, estimando-se actualmente que tal número tenha ultrapassado os 10 milhões.

Devido ao decréscimo das taxas de natalidade e mortalidade a população tende a envelhecer (em 1985 cerca de 31 % da população tinha mais de 50 anos, enquanto em 1975 este grupo representava apenas 26 %).

Segundo o Inquérito ao Emprego, a população activa era de 4,5 milhões de pessoas no 4.° trimestre de 1985 (taxa de actividade de 47 %), tendo, nos últimos anos, sofrido um decréscimo, que se reflectiu nas taxas de actividade, em quase todos os grupos etários, considerando-se como factores explicativos mais prováveis as situações de encorajamento às reformas antecipadas e o ingresso na economia não oficial.

O emprego teve, no período de 1983-1985, um decréscimo, que se cifrou em —2,6 %, ou seja uma redução de 107 000 postos de trabalho.

A distribuição sectorial teve uma evolução que se pode caracterizar da seguinte forma:

Os serviços absorvem a maior parcela de emprego (44,6 % em 1986 contra 32,3 % em 1975);

A agricultura viu diminuir a sua posição relativa (1975: 33,9 %; 1986: 21,7 %);

A indústria mantém praticamente inalterada a sua posição (à volta de 34 %).

A taxa de desemprego (em sentido restrito) é de 8,9 %, representando os que procuram o primeiro emprego cerca de 36 % da população desempregada.

Os níveis de habilitações escolares da população, em geral, e da desempregada, em particular, são baixos, o que dificulta a sua inserção no mercado de trabalho.

De facto, segundo o recenseamento de 1981, 5 % dos desempregados não sabiam ler nem escrever e 48,2 % possuíam apenas o ensino primário. Era termos regionais, as taxas de desemprego mais elevadas registam-se no Sul do País, nomeadamente em zonas de sectores industriais em crise.

4 — O Estado no sistema económico

O Estado tem assumido nos últimos anos funções que caracterizam também outros agentes económicos.

Para além das funções que incumbem ao sector público administrativo o Estado interveio directamente no tecido económico através das nacionalizações e da criação de novas empresas públicas.

Este tipo de intervenção assumiu importância, não pelo peso quantitativo face aos agregados macroeconómicos (VAB, emprego e FBCF), mas mais pela incidência qualitativa que teve na actividade económica. De facto, as empresas públicas em Portugal, para além de uma disseminação por todo o tecido económico, têm uma particular intervenção no campo financeiro através dos bancos e seguros e na mobilização de recursos financeiros para cobrir necessidades privadas de rendibilidades fracas ou negativas.

Do ponto de vista das finanças públicas, no sentido mais restrito, as despesas correntes da Administração Pública representaram em 1985 cerca de 38 % do PIB. A evolução deste indicacador tem sido crescente desde 1975, ano em que atingiu os 30 %, começando a acelerar, a partir de 1980, com valores superiores a 35 %. As receitas públicas viram também crescer a sua participação relativa no PIB com percentagens inferiores a 30 % de 1975 a 1980, crescendo depois para valores que atingiram o máximo de 34 % do PIB em 1983, para voltarem a 30 % em 1985.

No que se refere ao peso do défice global, o seu valor oscila entre um mínimo de 5 % em 1975 e um máximo de 13 % em 1985.

Este comportamento das finanças públicas, em termos globais, não é, contudo, suficiente para se poder concluir sobre o peso e o grau de rigidez dos meios e necessidades de financiamento do sector público administrativo em Portugal.

De facto, não é o peso do défice no PIB que é relevante, mas a composição das receitas e despesas, e muito especialmente destas últimas, que introduz um grau de rigidez apreciável na utilização do Orçamento como instrumento de política económica.

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Do lado das receitas não se verificaram grandes alterações na repartição entre impostos directos e indirectos até 1985.

Em 1986, com a introdução do imposto sobre o valor acrescentado, os impostos indirectos aumentarão certamente o seu peso no conjunto da tributação, ainda que as quotizações patronais para o Fundo de Desemprego passem a ser consideradas impostos directos (j não indirectos, como anteriormente).

No que se refere às despesas, é de realçar de imediato a subida acentuada das transferências e juros, que passaram de 33 % do total das despesas corrente em 1975 para 48 % em 1985. Se se atender ainda às despesas com pessoal, teremos perto de 80 % de despesas com elevado grau de incompressi-bilidade. Estas rubricas excederam em 1985 o total das receitas correntes em cerca de 12 %.

A análise global do sector público não deverá, contudo, circunscrever-se ao sector público administrativo, pois ao longo da última década dever-se-ia contabilizar uma série de fluxos que contribuem para o saldo global do sector público e condicionam, portanto, a possibilidade de financiamento das restantes actividades económicas.

5 — Vulneralibilidade tecnológica e cientifica da economia portuguesa

As actividades científicas e tecnológicas são, de certo modo, ainda incipientes no nosso país se as compararmos com os padrões internacionais, aferidos pela participação dos recursos humanos nacionais em actividades de l&DE, e pelo peso das verbas despendidas, nessas mesmas actividades, relativamente ao PIB. Assim, em Portugal, o total de efectivos, em equivalente a tempo integral (ET1) em actividades de l&DE e o total de investigadores no conjunto da população activa são, respectivamente, cerca de um sexto e um quinto dos valores observados noutros países mais desenvolvidos da OCDE. Por sua vez, o peso da despesa total em actividades científicas e tecnológicas no PIB revela que o País afecta cerca da quinta parte daquilo que é despendido noutros países da OCDE.

Como noutros países membros menos industrializados, é ao Estado que tem cabido a maior fatia na execução e financiamento das actividades de l&DE, tendo, em 1982, aqueles valores sido, respectivamente, de 43,6 % e 61,9 % dos totais correspondentes. Este facto, de certo modo explicativo do baixo nível das actividades de desenvolvimento experimental (31,1 % em 1982), poderá ser interpretado como uma falta de orientação do sistema de l&DE para aplicação dos resultados da investigação ao sistema produtivo nacional.

Acresce ainda que a forma desordenada como tem evoluído a repartição percentual da despesa total de l&DE, por domínio científico ou tecnológico, é indicadora da ausência de coordenação e de directivas nacionais precisas, que se confirmam pela inexistência de uma grelha de critérios para avaliação e selecção dos projectos de l&DE elegíveis para financiamento.

De referir também a fraca capacidade de desenvolvimento tecnológico revelada pelo sector empresarial, como o demonstram não só a baixa percentagem (31.2%) de verbas despendidas em Í&DE, relativamente ao total, mas também o reduzido número de

investigadores existentes no sector, 594,3 ETI, ou seja, 19,7 % do total, enquanto os sectores ensino superior e Estado absorviam 75 %. A situação é ainda mais preocupante se se considerarem os pedidos e os registos de patentes por nacionais, os quais, no período compreendido entre 1978 e 1982, representaram, respectivamente, 5,7 % e 3,4 % dos totais correspondentes.

Igualmente sintomático da fragilidade do sistema produtivo em desenvolver e assimilar a tecnologia nacional é a excessiva confiança na tecnologia importada. A indústria transformadora gasta na importação de tecnologia cerca de quatro vezes mais do que é despendido no País em desenvolvimento experimental.

Grande parte da fraqueza da base científica e tecnológica da indústria nacional pode ser atribuída à dimensão das próprias empresas, na sua maioria pequenas e médias: as empresas com menos de 49 trabalhadores empregam 82,6 % da mão-de-obra total da indústria transformadora; as empresas com 50 a 499 trabalhadores absorvem apenas 16 % da mão--de-obra.

Mas, não obstante a fragilidade do esforço de investimento nos sectores produtivos, existe pouca interacção entre os organismos estatais de l&DE e o próprio sistema de produção. Esta situação encontra--se parcialmente explicada pelo reduzido número de investigadores com vocação industrial existente nas universiades e centros de investigação, pela falta de massa crítica em diversas áreas tecnológicas e pela insuficiente definição dos objectivos da investigação nos laboratórios estatais.

Todavia, apesar dos aspectos preocupantes referidos anteriormente, não se ignora o papel de alguns «ilhéus» tecnológicos existentes em alguns centros de investigação, bem como em algumas unidades produtivas.

6 — A integração na CEE — Principais problemas, desafios e oportunidades

Portugal passou a pertencer à Comunidade Económica Europeia em 1 de Janeiro de 1986. Dada a multiplicidade de domínios que abrange e a extensão do edifício jurídico institucional que constitui o seu suporte, a participação de Portugal na vida comunitária exige um particular esforço de coordenação por parte do Governo e da Administração, que passa pela definição de uma política de integração europeia.

A definição de uma tal política deverá ter em conta, para além dos aspectos específicos e imediatos que exigem uma acção atenta e diária, uma estratégia definida em função de um prazo mais alargado em que a realidade nacional e a realidade comunitária têm de ser concebidas como dois sistemas essencialmente dinâmicos e interactivos.

Ê indiscutível que, no domínio socioeconómico, Portugal apresenta um atraso significativo em relação aos restantes países da CEE. São indicativos desse atraso os baixos níveis relativos de rendimento, a fragilidade do tecido produtivo, nomeadamente na agricultura e indústria, a elevada dependência externa nos domínios energético, alimentar e tecnológico, o baixo nível de infra-estruturação do País, o desigual desenvolvimento do território e as escassas condições de

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bem-estar da população. Acresce ainda que Portugal enfrenta problemas macroeconómicos que, pela sua persistência, assumem carácter estrutural no que diz respeito aos saldos externo e das finanças públicas, ao endividamento externo, à inflação e ao desemprego. O nosso posicionamento geográfico relativamente à Europa é factor também a ter em conta no relacionamento com esta, dadas as maiores dificuldades de acesso ao mercado europeu e o relativo isolamento dos centros de decisão.

Somos, no entanto, uma nação com tradições bem definidas e individualizadas no plano histórico-cultu-ral, não obstante os traços comuns que é possível identificar nos modos de ser português e de ser europeu.

Somos ainda, no plano geo-estratégico, um país a meio caminho entre a Europa, a América e a Africa, localizado numa zona de confluência de culturas e de intercâmbio comercial entre continentes.

A Europa do Mercado Comum é, por seu lado, a primeira potência comercial do Mundo e uma das suas zonas mais desenvolvidas, apesar da incidência de alguns problemas económicos, nomeadamente o desemprego, do atraso em algumas áreas chave relativamente aos EUA e ao Japão, e da heterogeneidade dos níveis de desenvolvimento entre os países que a compõem, heterogeneidade que, sendo igualmente política, é frequentemente bloqueadora no processo de decisão, provocando um problema institucional cuja solução terá de ser encontrada entre dois extremos: no âmbito da cooperação entre Estados ou no âmbito da institucionalização de uma união europeia.

Da conjugação da realidade nacional e da realidade europeia decorrem os seguintes aspectos fundamentais:

O sucesso da adesão de Portugal à CEE será aferido, antes de mais, pela ligação directa e claramente identificável entre o novo enquadramento decorrente da adesão e um real surto de desenvolvimento económico e social continuado e persistente. A Comunidade globalmente considerada tem interesses económicos e políticos para que assim aconteça e para isso dispõe de instrumentos apropriados. Contudo, o desfasamento das estruturas portuguesas relativamente aos parâmetros médios comunitários e os interesses concretos e imediatos dos restantes Estados membros podem dificultar este processo. Daqui decorre uma necessidade absoluta de assegurar um correcto e permanente acompanhamento político-diplomático da nossa actividade comunitária no plano externo e, no plano interno, de criar condições para potenciar ao máximo as possibilidades abertas pela adesão e minorar os seus efeitos negativos;

De entre os aspectos mais marcantes do novo enquadramento externo contam-se as relações luso-espanholas. Embora seja o âmbito comunitário aquele que oferece menos desvantagens para absorver com menores riscos esta fase inédita das relações peninsulares, é urgente repensar todo o modelo de relacionamento bilac teral. Tal estratégia não tem só a ver com a definição do quadro transitório pós-adesão, mas, essencialmente, com o âmbito de aplicação dos tratados de adesão e da futura adesão plena. Anunciam-se como componentes dessa

estratégia o reforço das nossas relações privilegiadas com outros Estados, além da Espanha;

Outro aspecto importante para a definição de uma atitude portuguesa em relação às Comunidades deriva do facto real, mas nem sempre presente, de que a acção de Portugal, apesar das dificuldades que suscita, é também globalmente positiva para a Comunidade e para cs Estados que a compõem: o alargamento, em definitivo, só teve lugar porque se impôs o reconhecimento, de parte a parte, da existência de interesses recíprocos cuja satisfação importava em conjunto assegurar;

A adesão envolve riscos para algumas das nossas actividades económicas em virtude da debilidade da nossa estrutura produtiva, do atraso tecnológico e do anquilosamento dos nossos circuitos administrativos. Mas proporciona, ao mesmo tempo, uma ocasião ímpar para reforço dos contactos com áreas mais avançadas e com maior capacidade de inovação. A adesão contém em si elementos potenciais de transformação e modernização da economia e da sociedade portuguesas que, devidamente trabalhados e aproveitados, abrem uma possibilidade, porventura única e decisiva, de concretizar uma verdadeira estratégia de desenvolvimento de âmbito nacional;

A Comunidade não se reduz a uma associação de interesses económicos. Trata-se de uma organização que tem na base princípios e prossegue objectivos políticos bem definidos. Neste sentido, a adesão representa também uma opção por um modelo de sociedade e de organização económico-social, para além de uma reafirmação de valores e de compromissos a que Portugal se tem associado em outros planos da vida internacional;

A adesão não deve ser encarada como um simples recurso, fruto de necessidades imediatas, como uma escolha forçada, mas antes como uma atitude positiva, de sentido afirmativo, inserida num processo global de reavaliação e reajustamento da posição de Portugal no Mundo.

Decorrendo do exposto, podem íirar-se algumas ilações. Assim, torna-se fundamental que, no plano externo:

Uma vez estabilizadas as condições que definem o regime transitório, cuja negociação justificadamente mobilizou o esforço português pare. matérias específicas de elevada sensibilidade, convirá evitar que a atenção por questões pontuais — por importantes que sejam — se torne exclusiva, sob pena de Portugal vir a sofrer as consequências de um excesso de imediatismo, pragmatismo e dispersão no enquadramento dos problemas que se levantam no plano comunitário. Simultaneamente não se deverão descurar os aspectos estratégicos de uma inserção plena, a longo prazo, em todos os mecanismos e possibilidades abertas pelo processo de adesão. A defesa de prioridades específicas será muito mais eficaz se inserida num quadro global de actuação frente à realidade comuni-

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tária. A coordenação e a visão de conjunto impõem-se, com absoluta necessidade, nesta experiência inédita das nossas relações externas;

Por ocupar histórica, geográfica e economicamente uma posição periférica em relação ao centro de gravidade das Comunidades Europeias, e por ter de dar resposta a tipos de problemas que a grande maioria dos seus parceiros já superou, Portugal não deve escudar-se numa visão estritamente nacional e defensiva do fenómeno do alargamento, nem alhear-se dos elementos que compõem o movimento de construção europeia dos seus diversos níveis e matizes, ainda que os interesses aí em jogo em muito pareçam transcender as preocupações e as necessidades imediatas do País. Há que defender os interesses portugueses dentro de uma comunidade heterogénea em que os conflitos são uma dura realidade da gestão corrente, mas não podemos esquecer que os interesses nacionais, no seu conjunto e a prazo, estão necessariamente ligados aos da Comunidade e, portanto, ao que venha a ser o seu futuro e o da construção europeia. O futuro da Comunidade como um todo diz-nos necessariamente respeito. E assim como a Comunidade não poderá alhear-se de Portugal e da realidade portuguesa, o que em conjunto afecta a Comunidade passa também a afectar Portugal. Neste plano, assim como em outros aspectos da política comunitária que para nós se mostram menos relevantes ou prementes, deverá Portugal adoptar uma atitude construtiva e, tanto quanto possível, consensual — sem esquecer as virtualidades da prática do package deal, frequente na Comunidade, mas a que unicamente se deverá recorrer quando se evidencie útil e credível. Só assumindo-se como participante activo e empenhado na vida comunitária, Portugal poderá beneficiar da acção no plano interno e potenciar as relações com países de outros continentes;

As considerações atrás formuladas, a escassez de recursos e o muito que há que fazer aconselham a que se proceda a uma rigorosa selecção de prioridades. Nela deverão ser tidos em conta os aspectos dinâmicos e os efeitos multiplicadores das acções a empreender, sendo de evitar qualquer atitude que tenda, a priori, para agregar à definição de interesses essenciais a manutenção, para além do razoável, de situações retrógradas e perecíveis que justamente se pretende ultrapasar e transformar por força da adesão;

A real situação de marginalidade de PortugaJ no contexto comunitário não deve levar-nos a aproximações de aparente facilidade com pólos de excentricidade existentes ou discerníveis no futuro da Comunidade. Figuras como as de centro agregador versus periferias centrífugas, Norte versus Sul, Mediterrâneo versus Atlântico, parcela menos relevante de uma «entidade peninsular» recém-chegada versus Comunidade a Dez, vértice mais distanciado de uma Europa de geometria variável, mais lenta das velocidades de um projecto que em si as permita

ou fomente, se bem que possam corresponder a verdades parciais, não só não coincidem com o retrato da Comunidade actual, como não abarcam a realidade portuguesa e ainda menos ecrespondem à defesa dos nossos interesses. A posição de Portugal deverá conter elementos de flexibilidade e adaptação suficientes para evitar cair em situações redutoras deste tipo; Por fim, não convirá deixar de ter em conta que, por muito importante —e em alguns aspectos determinante — que seja a adesão e a nossa participação na vida da Comunidade, a elas não poderá reduzir-se a nossa atenção e os nossos esforços. Portugal pode e deve reforçar, porventura mais decididamente, os laços privilegiados que mantém com outros países e organizações, assim como aproveitar a sua nova qualidade de Estado membro para iniciar ou desenvolver contactos com áreas até hoje marginais da nossa política externa. Tais relações, para além da utilidade que lhes é própria, beneficiam inclusivamente a nossa imagem e peso específico dentro da Comunidade e consequentemente contribuem para aumentar a nossa capacidade de influência e intervenção.

No plano interno, impõe-se com urgência assegurar condições de eficácia e operacionalidade na ausência das quais os esforços desenvolvidos na frente externa serão vãos e improfícuos seriamente comprometidos os objectivos e benefícios da adesão. A nossa participação nas Comunidades passa por uma profunda reformulação dos esquemas nacionais de actuação aos mais diferentes níveis, de modo a imprimir-lhes uma maior eficácia e a transformar o processo de integração num factor de coesão nacional e de mobilização das vontades e energias. Torna-se imperativo um aproveitamento racional e eficaz dos meios de desenvolvimento que as Comunidades proporcionam, o que implica:

Uma reorganização da máquina do Estado ao nível central, regional e local, no sentido de a colocar em sintonia com as exigências decorrentes da adesão, conferindo-lhe uma maior eficácia, operacionalidade e mobilidade tanto na capacidade de acção interna às solicitações dos agentes económicos como em termos de resposta às tarefas de negociação que implica a boa gestão da frente externa. Tal reformulação merece especial cuidado nos departamentos que, em cada ministério, têm a seu cargo a coordenação dos assuntos comunitários ou estão mais directamente envolvidos na execução das políticas comunitárias, em particular aqueles que se encontram na linha da frente no plano técnico e negocial. No tocante ao direito, e na sequência de acções já iniciadas, há que reforçar um movimento de progressivo conhecimento do direito comunitário, tendo presentes os princípios da aplicabilidade directa, na ordem jurídica de Portugal, como Estado membro, da regulamentação adoptada pelas instituições comunitárias da primazia do direito comunitário sobre o direito interno;

O fomento de uma atitude positiva e inovadora por parte dos diversos agentes económicos, na

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ausência da qual qualquer projecto de modernização da economia e da sociedade portuguesas está condenado ao fracasso, impõe-se aqui também uma chamada de atenção para a necessidade de divulgação sistemática de informação junto dos agentes económicos potencialmente beneficiários das diferentes acções e programas desenvolvidos no âmbito da Comunidade;

O aproveitamento eficaz dos recursos financeiros a que o País tem direito no âmbito das instituições e fundos financeiros comunitários (BEI, FEDER, FSE, FEOGA/Orientação, etc). Tal aproveitamento passa pela correcta formulação de projectos susceptíveis de contribuir efectivamente para o desenvolvimento da economia portuguesa. A este propósito é de referir igualmente a necessidade de coordenação global dos instrumentos financeiros disponibilizados pela Comunidade: tal coordenação, que é imprescindível, deve visar simultaneamente uma maior racionalização na aplicação dos fundos e a manutenção de uma previsão, em cada momento, dos fluxos da Comunidade, fazendo uma interface entre os projectos existentes e cs recursos comunitários disponíveis, evitando quebras súbitas de projectos, em particular nos próximos anos;

O aproveitamento das potencialidades que o Tratado de Adesão contém em termos de defesa da produção nacional, de modernização industrial do País;

Uma atenção especial para o sector da agricultura, que se debate com problemas estruturais graves que afectam a sua competitividade e o nível de vida da população rural. A adequação da agricultura portuguesa a uma agricultura comunitária implica amplas reformas estruturais que permitam a sua modernização e desenvolvimento, abrangendo, no mínimo, os seguintes domínios: estruturas de produção e de comercialização; mecanismos de mercado e circuitos de comercialização; formação e informação dos agentes económicos; organização e reforço do papel dos agricultores e suas associações; reorganização dos serviços da Administração Pública envolvidos na política agrícola;

Um cuidado muito especial tem de ser igualmente prestado ao sector das pescas, não somente pela importância que detém no seio da economia nacional mas sobretudo pelas potencialidades de desenvolvimento que se detectam ao nível das indústrias conexas e dos aglomerados populacionais tradicionalmente ligados à pesca;

Um empenhamento no acréscimo da nossa quora--parte no mercado da Comunidade, nomeadamente da Espanha, através do incremnto das exportações. Este acréscimo está indissociavel-mente ligado aos níveis de competitividade que Portugal for capaz de atingir. Duas componentes são, então, fundamentais: o acréscimo de produtividade e o respeito por padrões de qualidade e requisitos de segurança exigidos pelas directivas comunitárias;

Uma maior penetração da economia portuguesa nos mercados dos países exteriores à Comuni-

dade. Condição básica para a compensação das maiores vantagens de que esses países passarão a usufruir no mercado português ao abrigo dos diversos esquemas preferenciais comunitários. Para isso o aproveitamento das potencialidades que contêm as ligações preferenciais da Comunidade com esses países (Convenção de Lomé, acordos comerciais ou de cooperação industrial, comercial, tecnológica e financeira) constitui um instrumento adequado;

O aproveitamento dos mecanismos do Fundo Europeu de Desenvolvimento, que poderá suprir em parte as carências de meios financeiros que se tenham feito sentir na efectivação da nossa política de cooperação; nesse sentido será necessário, desde já, dar prioridade à clarificação de competências nesta área e a uma adequada formação de técnicos que permitai conhecer o funcionamento do FED, contribuindo para que as empresas portuguesas possam beneficiar plenamente dos recursos disponíveis;

O estudo do aparelho produtivo comunitário a médio prazo, por forma a que os agentes económicos portugueses se possam vir a adaptar e a preencher uma parte das carências comunitárias não satisfeitas pela produção de origem. Deste modo se alcançaria uma maior adequação da oferta portuguesa às características da procura comunitária;

A divulgação das oportunidades que decorrem da nossa integração nas Comunidades para certos países terceiros, com vista a estimular o investimento destes países em Portugal visando a penetração no mercado europeu. Países como, por exemplo, os EUA, o Japão e o Brasil constituem, entre outros, potenciais interessados na utilização do mercado português como via de penetração no mercado europeu. Afigura-se desejável uma política ousada de captação do investimento estrangeiro, beneficiando-se, para esse efeito, dos mecanismos de transição instituídos e da flexibilidade na apreciação por parte das Comunidades do esforço de incentivos à modernização do País nas suas diferentes actividades económicas;

A defesa da especificidade e originalidade da nossa cultura e das nossas tradições de modo a esbater os riscos de aculturação que a identificação dos meios de comunicação e das relações comerciais e humanas poderá suscitar. Nessa perspectiva deverão ser reforçadas as iniciativas tendentes à divulgação da nossa cultura no estrangeiro, ao apoio às comunidades de emigrantes portugueses e à defesa do nosso património cultural, aproveitando para o efeito alguns dos meios que a Comunidade nos faculta, designadamente em termos financeiros;

O aproveitamento no plano científico e tecnológico da ocasião única proporcionada pela adesão de intensificação das ligações quer entre centros de investigação e universidades portuguesas e comunitárias quer na participação directa do País nos múltiplos projectos europeus de desenvolvimento científico e tecnológico, tanto a nível público como privado. Neste domínio a participação de Portuga! em programas comunitários prestará, seguramente, um

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contributo significativo para a modernização da economia, através da assimilação e adaptação ao aparelho produtivo nacional de novas tecnologias.

13 Parte — Grandes Opções

Opção 1 — Língua, cultura e património

Porque Portugal não poderá continuar a ser Portugal sem ser português nem apresentar-se ao mundo sem se identificar pela diferença que faz das outras pátrias, a primeiríssima opção é obviamente a defesa e o desenvolvimento de todas aquelas coisas, materiais e imateriais, que mantêm Portugal português.

Essa diferença, que faz e fará a nossa força, encontra-se na língua, na cultura e no património. Se o mundo moderno, graças ao desenvolvimento das comunicações, permite que as pátrias se identifiquem mais facilmente entre si, conhecendo-se cada vez melhor, também é verdade que as culturas nacionais mais fortes tendem a internacionalizar-se à custa das mais fracas.

Felizmente, Portugal possui há muito todos os materiais de que necessita para identificar-se, perante si mesmo, como auto-afirmação e, perante os outros países, como interlocutor interessante e interessado. O trabalho a fazer não é, por isso, um trabalho criativo, mas de recriação. Recriar Portugal significa preservar o que já tem, não no sentido estático de museu, mas no sentido dinâmico de exercício cultural. A língua, a cultura e o património guardam-se quando se exercitam e se usara.

Portugal enfrenta hoje, como já sucedeu várias vezes na sua História, um desafio cultural que consiste em justificar a sua identidade, exercendo-a. Não lhe basta a memória do que foi. Precisa, sobretudo, de garantir a esperança de uma memória julura. O património não é algo com que se íica — deverá ser algo que se leva, como instrumento cultural, para as novas tarefas. Há todo um património ainda por construir — aquele que há-de ficar deste século e do próximo— e a valor do património passado é o de exemplo e de estímulo para o futuro. As relíquias que não são capazes de motivar e inspirar acções novas são as menos importantes de todas.

O mesmo acontece com a língua, já que a história está cheia de línguas ricas que se transformaram em línguas mortas. Defender a língua portuguesa tem também uma dimensão atacante — não é suficiente tentar guardar o que se tem, e também necessário procurar conquistar novas áreas de expressão. Neste aspecto, como sucede com as duas outras grandes línguas internacionais, importa garantir a dimensão pluralista da língua portuguesa e a sua capacidade de adaptação à diversidade cultural.

Já referimos que Portugal vive uma época de charneira, um tempo entre dois tempos. Ontem, era império, olhando a Africa, de costas viradas à Europa. Hoje é o triângulo contínente-Açores-Madeira, olhando à sua volta enquanto se vira para a Europa.

A necessidade de reafirmar a sua identidade nacional leva a distinguir entre o que Portugal é — culturalmente e gepestrategicamente— e o que Portugal escolhe ser. Portugal é um país ocidental e atlântico que

escolheu a Europa. E nesta conjugação que se tem de reencontrar o sentido actual da identidade portuguesa.

Da mesma maneira, é prudente distinguir entre o que Portugal tem e aquilo que Portugal tem de fazer. A língua, a cultura e o património são o que tem. Resta saber o que tem de fazer com essa riqueza para preservá-la e aumentá-la.

Faz sentido ainda estabelecer duas zonas de acção. A primeira diz respeito à relação de Portugal consigo mesmo. A segunda, à relação de Portugal com os outros países do Mundo. Ambas estão inevitavelmente ligadas, já que a língua, a cultura e o património nacionais terão uma implantação no Mundo que depende primeiramente da implantação conseguida no próprio país.

Dir-se-ia que, mais importante que escolher a Europa, é a vontade com que os Portugueses escolhem Portugal. Quem não tem uma identidade própria não é boa companhia para os outros. E deixa-se influenciar por eles, até com eles se confundir. Sendo assim, uma política cultural eficaz tem de começar por rees-tabelecer uma identidade própria. Este esforço não teria tanta importância sc Portugal fosse um país mais isolado. Como não é, é indispensável. Com a sua identidade fortalecida, o País não temerá a força de outras identidades. Antes poderá admirn-las c ganhar com elas, seguro de que não deixará de ser quem é.

Não existe outro país como Portugal. É insubstituível. A riqueza e, sobretudo, a singularidade da sua cultura são um bem que pertence tanto aos Portugueses como ao Mundo. Ê um bem raro e bom. Mais que isso, é generoso, imbuído de um comprovado espírito universalista que se abriu — e continua aberto— ao Mundo.

A Europa das pátrias não implica a uniformização de padrões culturais — é da sua riquíssima variedade que ganha a maior força. Tornar Portugal mais português é, por isso, tomá-lo mais europeu, mais interessante e mais capaz de contribuir para uma percepção superior da própria Europa. Nenhum outro país da CEE é tão curioso e tão respeitador das diferenças culturais como é Portugal. Nenhum outro país existe em que seja mais natural ver uma Europa unida pelo fascínio que os países europeus tem por aquilo que os separa.

Insistimos: «Reportugalizar Portugal, tornado o europeu», na frase lapidar de Afonso Lopes Vieira, deve ser a ideia matriz de uma política cultural eficaz. Dentro de Portugal, isto significa ver no nosso próprio país, tão diversificado e diferenciado que parece mentira chamá-lo pequeno, uma minietiropa portuguesa. A caracterização regional é, portanto, indispensável, já que torna Portugal «maior», e, logo, culturalmente mais forte. Incentivar e revigorar as muitas tradições locais e regionais é, aliás, como sc sabe, uma tendência crescente nos outros países da Comunidade Europeia.

Para reafirmar a identidade nacional, não faz sentido dissociá-la das condicionantes históricas e geo-estratégicas de Portugal. A simultaniedade da adesão de Portugal e Espanha à CEE pode induzir alguns a julgar os dois casos e as duas culturas como semelhantes. Por isso, Portugal não deve deixar de aproximar-se de outras culturas europeias menos próximas geograficamente como já noutros tempos o fez.

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Por outro lado e atendendo a comprovadas considerações geoestratégicas, Portugal tem vantagem em voltar-se novamente para o mar. A Europa também se vê do mar. Pelo mar, porém, ao contrário do que acontece por terra, é Portugal quem vê melhor.

No que toca à Europa, Portugal deve privilegiar as relações culturais, bem assim como concentrar o esforço de promoção de sua riqueza cultural junto dos países que «pertencem mais ao mar» ou, falando geo-estrategicamente, aqueles que constituem «o arco periférico» (')•

A política cultural portuguesa tem de ser extremamente selectiva, sob pena de se dispersarem os poucos recursos e esforços de promoção de que somos capazes. A primeira selecção é-nos feita pelo ponto de vista de que Portugal dispõe junto ao mar.

Junto ao mar, antes do mais, está Portugal: continente, Madeira e Açores. Significa isto que é Portugal onde a língua, a cultura e o património mais se têm de defender e promover, procurandc-se reequilibrar os esforços no sentido de preferir a qualidade à quantidade. Não são necessários mais livros, mais professores de Português, mais colónias, mais centros culturais ou mais institutos. Serão até necessários menos, mas melhores. O conceito distributivo e equitativo vigente até hoje terá de ser substituído por um conceito selectivo e premiador da qualidade, que concentre os recursos onde eles retribuam ura maior rendimento.

O conceito de cultura será revisto e actualizado, à luz das novas ideias antropológicas e sociológicas. Assim, a cultura define-se coroo todas aquelas actividades, só às vezes artísticas, que constituem o património vivo de um povo. Há a cultura antropológica, de base, que leva a privilegiar a reportugalização de Portugal através do revigoramento das tradições nacionais e regionais, e há a chamada alta cultura, de cúpula, que se exprime nas artes que seguem padrões universais e que pertence afinal a toda a humanidade.

Com o fomento da primeira cultura (às vezes dita erradamente «popular») contribuir-se-á para a permanência de Portugal como entidade nacional diferente das demais. É o que torna Portugal diferente. Com o fomento da segunda cultura, contribuir-se-á para a projecção de Portugal como produtor internacional de artes, ideias, investigação científica, etc. £ o que torna Portugal igual às grandes produtoras internacionais.

Aqui é aconselhável um certo extremismo, dada a exiguidade dos meios: «ou muito português ou muito bom». Tudo o mais, em matéria de cultura, será deixado à consideração do mercado. Os actos culturais muito portugueses ou muito bons contribuirão sempre para fortalecer Portugal — os primeiros, por via interna e directa (mais tarde rentáveis, através, por exemplo, do turismo) e os segundos por via externa e indirecta (o prestígio internacional de artistas portugueses acaba por se reflectir sobre Portugal).

Depois de Portugal, a política cultural privilegiará os países de língua portuguesa, mas somente naqueles

(') O arco periférico é constituído por todos aqueles países do sistema europeu que servem de apoio à presença dos EUA na Europa. Incluem-se aqui a Grã-Bretanha, a Noruega, a Holanda e a Itália, às quais dever-se-ia juntar a Irlanda, até pelas enormes semelhanças morfológicas, culturais e geoestra-tégicas com Portugal.

países onde a presença cultural portuguesa seja simultaneamente desejada e vantajosa para Portugal. Essa política será sempre altamente selectiva, visando mais directamente a influência sobre as élites actuais ou futuras, já que é como «língua culta* que o português ganhará em ser promovido, como veículo internacional de comunicação.

No Brasil e nas ex-colónias portuguesas, Portugal não deverá ser sebastianista e ambicionar uma influência maior. Aqui poderão ser desencadeadas pequenas acções intensivas junto das elites (liceus portugueses, bolsas de estudo que permitam aos melhores alunos vir estudar para as universidades portuguesas, iniciativas de alta cultura e intercâmbio juvenil) e, no mais, fazer valer, por assim dizer, mais o prestígio do que o pecúlio.

Depois de Portugal e dos países de língua portuguesa, é mais uma vez a perspectiva atlântica que terá de conduzir a política cultural portuguesa. Estando defronte do mar, Portugal está afinal defronte de muito. Atenta, portanto, às duas grandes alianças — a Luso-Britânica e a atlântica — e iembrando sempre a posição geoestratégica do triângulo português, parece óbvia a oportunidade de servir de ponte cultural atlântica. Não no sentido de intermediário das artes, o que seria irrealista, mas como intérprete atlântico, conhecedor do que é o Mundo Novo. Os Ingleses e os Portugueses compreendem, melhor que os outros europeus, as atitudes culturais (por exemplo) de Americanos e Brasileiros (v. opção Hl).

Finalmente, a política cultural portuguesa terá de incidir sobre a Europa, procurando apresentar a cultura portuguesa como portuguesa, ultramarina e atlântica, pronta a oferecer à Europa o que a Europa não tem e energicamente disposta a receber da Europa o que Portugal em si não tem.

A cultura portuguesa terá de ser vista como realmente é: curiosa. «Curiosa» no sentido de diferente e intrigante, e «curiosa» no sentido de interessada em descobrir tudo acerca das outras culturas europeias. Aquilo em que não conseguir competir em termos de produção cultural própria serve-lhe para demonstrar os seus talentos seculares de intermediário.

Sendo a cultura portuguesa a menos «chauvinista» e xenófoba da Europa, é natural que Portugal procure acolher de braços abertos as diversas culturas nacionais e europeias, sabendo que se dá a conhecer ao mesmo tempo que vai conhecendo os outros. Como curoporto cultural, onde coexistem culturas europeias, americanas e africanas, num território fortemente personalizado e português, Portugal poderá ser um importante entreposto de câmbios e intercâmbios.

A melhor maneira de divulgar a cultura portuguesa na Europa não é a dispendiosa, que envolveria levá-ia à Europa e tentar promovê-la junto de um público que, à partida, não tem grande razão para estar interessado. A melhor maneira é fazer com que venham a Portugal, para passar uma temporada, as élites das pátrias europeias — para dar aulas, passar férias, escrever livros, organizar serviços, etc. Será mais fácii fazer mergulhar um europeu na cultura portuguesa do que tentar um mergulho português na cultura europeia. Bastará saber quem convidar e saber acolhê--los devidamente.

Por outro lado, os jovens poderão, também, jogar aqui um papel fundamental. Portuga! é hoje um dos

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países mais jovens da Europa e onde a juventude tem demonstrado possuir uma grande capacidade de intervenção no processo de transformação da sociedade. Daí que a aposta de fazer dos jovens portugueses um dos veículos fundamentais para a divulgação da nossa cultura seja importante.

O incremento do intercâmbio juvenil, sendo certo que os jovens de agora serão os dirigentes de amanhã, poderá vir a dar, a médio prazo, frutos no sentido de expandir a nossa cultura, reforçar os laços de amizade com outros povos e colocar Portugal, no quadro internacional, em lugar de relevo.

A política cultural portuguesa deverá, por isso, recusar a utopia do Universo, dispersando esforços por todas as partes do Mundo por onde Portugal andou, e encontrar-se naquelas áreas onde tem uma capacidade realmente maior para se impor, quer pelo enquadramento geoestratégico, quer pela experiência histórica ou pela sua língua.

O mar português é hoje outro, mas nem deixa de ser mar nem deixa de ser português, se os Portugueses o souberem imaginar e o quiserem navegar. Para a nossa zona franca, desta vez plenamente cultural, não precisamos de maior território do que aquele que temos nem nos faltam povos para descobrir que nos queiram também descobrir. Como diz Luís Moniz Pereira, «se noutros tempos Portugal procurou a sua expansão através dos Descobrimentos por via marítima, hoje a via dos descobrimentos é antes de mais mental». O desenvolvimento extraordinário das comunicações internacionais faz que se atravessem mais os vastos oceanos culturais com um simples gesto manual. Numa altura em que as culturas europeias «fortes» se protegem umas das outras, des-confiando-se, Portugal tem de chamar a si as antigas ousadias e vontades, confiando na expansão de um império cultural que não se identifica com nenhuma nação isolada, construindo-se por si mesmo diante de todas as culturas contribuintes. Nessa construção, com o talento de intermediário, Portugal tem um papel importante a desempenhar, se não se quedar por um isolacionismo cobarde e autodestrutivo, com o medo de se «perder» que os navegadores antepassados nunca tiveram. Um intermediário é um agente humilde e curioso, que se satisfaz e se enriquece com os contactos entre riquezas que cria. Onde compra, admira quem fez e vendeu. Onde vende, estima quem viu, apreciou e finalmente comprou. A «mais-valia» nascerá do valor acrescentado pela circulação de bens por circuitos diferenciados de necessidades. O valor do Português não está no valor das coisas que traz, porque foram outros a produzi-las, nem está no preço que «leva», porque foram outros a aceitá-lo. O valor do Português está em saber dar valor às coisas que ele próprio não é capaz de fazer. Não as despreza só porque não são dele. Preza-as porque sente que foi ele que as descobriu e valoriza-as quando transmite esse encantamento a quem as recebe.

Quanto às coisas que são mesmo dele — a língua, a cultura e o património—, tem o sentido nobre de querer partilhá-las com quem tem outros bens. A cultura não é um bem divisível, é um bem multiplicável. E, neste aspecto, os Portugueses têm a obrigação de saber de cor todas as tabuadas com que ela se multiplica.

Cuidando do que é nosso significa guardar e conservar os bens materiais e imateriais que possuímos

(prolongando o passado), recuperar e restaurar aqueles que ganhamos em não perder (honrando o presente) e, finalmente, procurar com risco e imaginação os bens que sempre nos faltaram e continuamos a desejar, não só para vê-los enfim alcançados, mas para que os novos bens sejam capazes de proporcionar uma vida melhor do que é a nossa, pagando assim a impagável dívida que contraímos logo no momento em que nascemos, constituída por todas as parcelas que as gerações anteriores foram acrescentando e acumulando.

O património não tem sentido se não for usado. Nenhuma redoma de vidro, por muito protectora que seja, é capaz de reflectir o futuro. Os monumentos e os museus, por exemplo, fazem reflectir o passado no espelho do futuro, só se os visitantes forem capazes de se verem neles.

Uma política eficaz do património encara-o como um matéria-prima, e não como um produto acabado, deixado por gente que já acabou. Tem de se procurar o parentesco entre a decifração de manuscritos do século xii e o esforço de constituir um arquivo computadorizado, entre a caravela e os novos meios áudio--visuais, entre a cartografia portuguesa do século xv e o desenvolvimento de uma indústria nacional de softwure. O património não presta quando não presta um serviço.

Entre restaurar outro castelo e promover o convívio de portugueses no seio dos castelos existentes, mais vale a segunda acção, porque respeitar o património não é só restaurá-lo tecnicamente — é também restaurá-lo aos Portugueses. Devolver-lhes, afinal, o que lhes pertence.

A diáspora portuguesa é o toque final das acções a empreender no campo da língua, da cultura e do património. O mais urgente ainda é a campanha que se tem de fazer em Portugal, junto dos portugueses que cá vivem. A imagem do emigrante no nosso país é gritantemente desrespeitadora. Existindo este divórcio entre os portugueses de fora e os de dentro, nunca será possível fazer sentir aos emigrantes que são genuinamente portugueses. O emigrante, como os viajantes portugueses de outrora, não é um «novo-rico», mas um pequeno herói que saiu do seu país com a intenção, logo no momento da partida, de voltar. Precisam de ser bem acolhidos e o acolhimento que mais lhes interessa não é o oficial — são as boas-vindas dos compatriotas. Mudar a mentalidade antiemigrante é reforçar a comunidade portuguesa no mundo.

É igualmente absurdo lamentar a «desnacionalização» dos emigrantes de segunda e de terceira geração. Prestigia-nos mais nos EUA um John dos Passos ou um John Philip Sousa, artistas que conseguiram dar contribuições significativas à visão americana da América, do que um milhão de filhos de emigrantes que falam correctamente o português. A lição do Padre António Vieira, em que definia o Português como aquele indivíduo que em qualquer terra se sentia em sua pátria, não pode ser esquecida. Ser português também significa ser capaz de ser outro, sem deixar de ser português, num sentido profundo de universalismo, onde não faltará jamais uma gota de saudade. Sendo assim, é muito mais importante divulgar a culluru portuguesa junto das comunidades emigrantes, inclusivamente na língua estrangeira que esses portugueses

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entendessem melhor que o português, do que concentrar os esforços no ensino da língua. No mundo não falta quem fale a língua portuguesa. O que falta, sim, é quem saiba da nossa cultura nacional.

Se os Descobrimentos abriram o ciclo das migrações humanas, fixando-as por todo o Mundo, também as colónias de emigrantes têm direito à dignidade que se reconhecia aos antigos colonos. As comunidades portuguesas no Mundo que recriam Portugal onde se fixam são aquelas que não se fecharam. A fachada é portuguesa, mas a alma escondida atrás dela nem sempre o é. Os portugueses que emigram para se darem exclusivamente com outros emigrantes portugueses são, na verdade, portugueses que Portugal perdeu, por nada terem dado a ganhar ao Mundo.

Encorajar a fixação, adaptação e intervenção social dos Portugueses nos países de emigração prestigia a nossa cultura, porque mostra-a como sendo autenticamente aberta e internacional. A esses colonos interessa mostrar não a cultura local ou provinciana das suas origens próximas, mas sim os exemplos mais magníficos da cultura portuguesa quando ela atingiu uma dimensão internacional. Interessa-lhes mais uma tradução inglesa ou francesa de um bom livro português, para poderem dá-lo a ler aos amigos estrangeiros, do que a versão original. Em vez de procurar transmitir pedaços da cultura portuguesa para manter viva a saudade dos emigrantes, encorajando a solidão deles no país onde moram, ter-se-á de encorajar esses mesmos emigrantes a disseminar a cultura portuguesa entre o povo anfitrião. O que importa é que esses materiais sejam de boa qualidade, comparados com aqueles de que dispõem os estrangeiros em causa.

O problema do regresso dos emigrantes enferma deste mesmo vício metodológico. Regressam confusos, sem a certeza do que são, e muitas vezes reflectem esta confusão nas casas que constroem, geralmente de um estilo tão híbrido que nem uma nem outra cultura arquitectónica são discerníveis. Ê por isso que faz todo o sentido um programa que os readapte a Portugal e aconselhando «reaculturando». A par de normas severas para a construção civil, capazes de pôr fim à descaracterização e ridicularização da paisagem portuguesa, ter-se-á de reforçar um serviço de consultadoria, apoiado por uma estrutura condigna, com aulas de Português, cursos de reciclagem, etc.

A cultura portuguesa é mais bem vista quando se lhe aplica a dicotomia particular/universal. A cultura particular, local e única, tradicional e identificável, é a cultura de base que mantém Portugal tão português quanto precisa de ser para não ser apátrida, híbrido ou estrangeirado. A cultura universal, transportável e assimilável, inovadora e aglutinadora, é a cultura de cúpula através da qual Portugal se põe a conhecer o Mundo e põe o Mundo a conhecer Portugal. A analogia perfeita seria a do indivíduo bilingue, em que o domínio de uma língua não prejudica o domínio da outra; em que a primeira serve para falar com os compatriotas e a segunda com a comunidade internacional; e em que ambas as línguas lhe proporcionam a oportunidade de cruzar as duas culturas para aprender mais acerca de cada uma.

É também por isso que a língua portuguesa e a sua saúde dependem, embora pareça paradoxal, do ensino de línguas estrangeiras aos portugueses de Portugal.

Se é o inglês uma nova língua universal, ensinar inglês às crianças portuguesas é dar-lhes uma Unha para o universo. Falando apenas português, as pessoas tendem a aproximar-se de culturas que, falando verdade, não são as mais ricas ou proveitosas.

A facilidade com que os Portugueses aprendem a falar línguas estrangeiras — talvez seja mais uma prova histórica da sua universalidade— deverá ser canalizada para a aprendizagem de uma língua menos familiar, como é a inglesa, a francesa ou a alemã, e não desperdiçada em línguas que nos são mais próximas, até porque não desempenham nenhuma função cultural ou geoestratégicas benéfica ou porque dão acesso a universos já mais influentes em Portugal, ou, de qualquer modo, mais limitados.

É de notar também que as relações económicas com o Mundo também deveriam informar o leque de línguas estrangeiras oferecido pelo sistema educativo, sendo desejável que estivessem disponíveis antes de chegar ao nível universitário.

A interdependência simbiótica do biiingualismo, que, por contraste consciente, ajuda a caracterizar melhor cada uma das línguas, está finalmente ligada à divulgação da cultura portuguesa de cúpula no Mundo (incluindo, prioritariamente, a investigação científica). A tradução sistemática de obras escritas em português para as línguas universais (o inglês e o francês) não traduz desprimor algum para a língua portuguesa. A língua é um veículo de cultura e daí que a necessidade de veicular a cultura portuguesa, devidamente traduzida, se sobreponha a falsos orgulhos. A tradução é incapaz de retirar uma só vírgula a um original. Má ou boa, acrescenta-se a ele.

Cultura de base e cultura de cúpula, nacionalidade e internacionalidade, língua mãe e língua motriz, património utilizável e património futuro — destas dicotomias nasce uma política cultural adequada a Portugal, capaz de tirar partido da sua identificação geoestratégica e preparada para a evolução dinámica das sociedades modernas.

Como placa circulatória situada na zona atlântica onde Portugal tem maiores oportunidades de ver reaparecer o lugar próprio e decisivo que já ocupou no Mundo, Portugal é perfeitamente capaz de se tornar um intermediário cultural importante. Como produtor de um volume relativamente baixo de bens culturais nacionais, prestigiado embora pela selectividade e qualidade do que exporta, a sua vocação é intervir activamente na identificação e circulação daqueles bens culturais dotados de universalidade. No caso das ex--colónias africanas e, até certo ponto, do Brasil, beneficia já de especiais privilégios na Europa. Em contrapartida, descarrega essa corrente ao reconduzir-se, como país da Europa, junto desses mesmos países. Na Europa, Portugal poderá tornar-se um centro cultural permanente das culturas nacionais europeias, apresentando-se, para esse efeito, como não xenófobo, não «chauvinista» e, por isso, imparcial. Proteger-se-á assim, por multiplicação de influências diversas, de qualquer influência dominante que seja prejudicial à sua própria cultura.

Para ser diferente por si mesmo e, a um mesmo tempo, por ser diferente na congregação de diferenças, Portugal tem tanto para oferecer à Europa, ao Ocidente e ao Mundo como espera vir a receber deles.

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Opção 11 — Afirmação das estruturas do estado democrático

A independência política de um país significa antes de mais, que ele seja capaz de depender de si mesmo, de contar consigo próprio. Num Estado democrático onde o essencial é preservar o pluralismo criador, é necessário garantir a existência de regras e práticas institucionalizadas que, por serem equilibradamente partilhadas por todos, permitem que as diferenças políticas possam ser livremente expressas e exercidas, sem pôr em risco a unidade ou independência do Estado.

O carácter indispensável da vigilância e dia autoridade do Estado justifica-se também para impedir o uso de factores e práticas estranhas às regras pré--estabelecidas. O Estado —como árbitro— não defende um ou outro participante. Defende o próprio jogo e, através dele, todos os que joguem dentro das regras.

O dinamismo de uma sociedade livre nas suas vertentes política, económica, social e cultural depende, em termos decisivos, da autoridade do Estado, já que é este que garante essa liberdade, possuindo meios eficazes de combater as acções que procuram diminuí-la ou suprimi-la. Compete, por isso, ao Estado proteger a totalidade dos cidadãos, contra ameaças internas e exteriores, em nome da segurança e independência nacionais.

Ao incluir nesta opção as linhas gerais de actuação nos domínios da segurança interna e da justiça com o título de afirmação de um Estado democrático pretende-se tão-só a afirmação democrática do Estado.

O Estado democrático é mais vulnerável às ameaças e às agressões, tanto internas como externas, do que os Estados não democráticos. Com efeito, as liberdades que o Estado democrático consagra, promove e protege em nome de todos os cidadãos, para que cada um possa exercê-las democraticamente, são, em muitas circunstâncias, susceptíveis de ser utilizadas para atentar contra essas mesmas liberdades, ou seja: onde existem liberdades reais, existem meios, também reais, para lutar contra elas.

Sem dúvida que é na esfera da educação cívica, como componente essencial da formação do cidadão, que o «perigo» potencial deve ser combatido. Trata-se aqui de uma preocupação constante, sempre renovada, na busca de uma sociedade cada vez menos imperfeita.

Aliás, o homem será tanto mais livre quanto melhor estiver preparado para assumir, com responsabilidade, os seus actos e as suas decisões.

Formar cidadãos, não apenas de um ponto de vista técnico, mas pondo, sobretudo, o acento tónico na sua formação ética, deve ser um dos vectores fundamentais da actuação do Estado democrático. Só dessa maneira se poderão preparar os indivíduos para combaterem os espectros ameaçadores de instituições e de grupos que nesta época de mudanças tão profundas pairam, por vezes, sobre nós.

Assim, a educação cívica dos cidadãos tornar-se-á um precioso mecanismo de defesa das instituições democráticas. O cidadão será mais responsável se formado e educado dentro de um quadro de valores culturais que reforce a sua personalidade e identidade como português, face ao reviver o respeito pelas

instituições, e conheça perfeitamente os mecanismos do processo de tomada de decisões.

A forma negativa como hoje são encarados, por vezes, certos órgãos de soberania ou instituições tem muito a ver com o grau de formação do cidadão.

A modificação dessa imagem, prejudicial à afirmação plena do Estado democrático, só será possível quando forem perceptíveis para a população as diferenças que existem entre o regime aberto e participado c um Estado ditatorial. O conhecimento dos valores da democracia depende do nível de educação dos indivíduos de uma sociedade.

Daí que esta questão deva ser encarada prioritariamente.

O Governo continuará empenhado no desenvolvimento e fortalecimento da consciência da identidade nacional, através da defesa dos valores éticos, morais e culturais que historicamente a formam e lhe dão razão de ser, bem como do reforço da consciência cívica de toda a população, muito em especial da juventude, como contributo importante para o desenvolvimento das capacidades materiais e morais da comunidade nacional.

Em consonância com o conceito estratégico de defesa nacional oportunamente definido, adoptando uma concepção global, integrada e coerente do grande objectivo patriótico, que é a defesa nacional, o Governo continuará a desenvolver esforços no sentido de sensibilizar e esclarecer e motivar a opinão pública para as grandes questões da problemática da defesa nacional, quer no plano político, em geral, quer nos planos económico, social e cultural, na área das relações externas, bem como na vertente estritamente militar.

Será dado deste modo um forte contributo para o reforço da vontade nacional e da coesão interna, garantindo a soberania, a independência nacional e a determinação dos Portugueses em defender z Pátria sempre que necessário.

Será, sobretudo, junto dos jovens que se deverá investir, sensibilizando-os, nomeadamente durante o processo educativo, formal e não formal, para os grandes valores nacionais e para a importância das instituições.

Serão eles que, após compreenderem o alcance dessa sensibilização e dos símbolos que nos unem enquanto nação multissecular, poderão ter uma yisão mais esclarecida das instituições do Estado democrático, defendendo-as dos ataques mais díspares a que estão sujeitas.

Ê importante que cada português sinta que na complexidade dos factores que nos diferenciam, enquanto membros de uma sociedade dinâmica, há um conjunto de valores que cimentam a unidade do Estado.

Mas independentemente e ao lado dessa actuação, o Estado tem também como obrigação assegurar os direitos dos cidadãos. Os direitos que são meramente admitidos na letra da lei não têm yalor se não for viabilizado o seu conhecimento e o seu exercício, precavendo-o contra riscos incomportáveis e eliminando focos manifestos ou potenciais de insegurança.

As leis de segurança num Estado democrático não se destinam a defender o Estado propriamente dito, mas sim o funcionamento democrático da sociedade. Num quadro pluralista —em que os diversos grupos sociais concorrem, segundo princípios e regras esta-

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belecidos, uns com os outros, exprimindo e podendo perseguir interesses diferenciados, mediante o exercício participado dos seus direitos, liberdades e garantias— compete ao Estado assegurar que os mais «fortes» não levem vantagem de partida sobre os mais «fracos», e os menos escrupulosos não se sirvam de meios ilegítimos para levar a melhor sobre todos os outros.

A segurança interna de um sistema político democrático é proporcional à extensão e à profundidade dos direitos, liberdades e garantias de que gozam os seus cidadãos. Quanto mais protegida estiver a liberdade, mais ampla e livremente ela se poderá exercer, já que estará previamente precavida contra o exercício de meios constrangedores e limitativos, como a força bruta, a concorrência política desleal, a própria concorrência económica desleal, e todas aquelas acções que procurem substituir —ou até suprimir— as práticas democráticas consensuais, necessariamente baseadas na igualdade dos direitos, das oportunidades de expressão e dos exercícios legítimos de influência política.

A democracia pode exprimir-se numa concorrência, baseada num conjunto de regras que se aplicam por igual a todos os cidadãos, infringir uma dessas regras é atentar contra o direito de todos os cidadãos e, por isso, é também pôr em causa a própria natureza da democracia.

Daí que o Estado democrático tenha de garantir a defesa das regras de convivência social. Para isso o Estado tem, em primeiro lugar, de possuir meios que lhe permitam actuar com conhecimento — não pode fazer juízos falsos, ignorantes ou ineficazes ou assumir atitudes de omissão ou de vazio de juízos. Se assim se proceder, fica o Estado com mecanismos que lhe permitam antecipar-se à produção de danos. A observação tem de ser feita em nome de todos e não em nome do próprio Estado.

Ê esta grande diferença entre as leis de segurança interna de um regime ditatorial e as de uma democracia. No primeiro caso as leis de segurança interna protegem o Estado contra os cidadãos, no segundo caso protegem a totalidade dos cidadãos dos abusos de grupos e até de abusos pontuais do próprio Estado.

Se um conjunto de regras e meios destinados a garantir a segurança interna, o sistema político português expõe-se, desnecessariamente, a perigos vários que podem ameaçar a sua sobrevivência, como sistema político democrático e, ainda, como sistema político internacionalmente independente.

Uma lei de segurança interna é, assim, uma das peças indispensáveis para a afirmação do Estado democrático e uma irrecusável exigência dos nossos dias.

Ao Estado cabe velar pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos com a equidade que se lhe exige, o que implica que as estruturas e os processos de administração da justiça possuam atributos de eficácia e credibilidade.

Em Portugal a vulnerabilidade não radica, felizmente, na credibilidade do sistema judiciário. Há, contudo, muito a fazer e com uma dose de grande prioridade no que se refere ao equipamento que serve o sistema: a construção e remodelação das instalações dos tribunais, a construção de novos estabelecimentos prisionais, a recuperação de casas de função para

magistrados, a dignificação das instalações e condições de trabalho dos serviços são áreas que vão exigir uma atenção muito especial.

Uma outra vertente em que se procurará investir refere-se à formação de oficiais de justiça e dos guardas prisionais. Aqui, como em muitos outros sectores da Administração, o princípio repete-se: a formação permanente dos que servem a Administração Pública, a ser incentivada, proporcionará uma maior garantia e qualidade dos serviços prestados.

A eficácia do sistema de administração de justiça hoje, em Portugal, está, em larga medida, dependente do que se vier a reabzar nos domínios referidos.

O mesmo tipo de justificação se pode aplicar relativamente às medidas de política que se pretende levar a cabo no âmbito da Polícia Judiciária, da Guarda Nacional Republicana, da Polícia de Segurança Pública e do Serviço de Estrangeiros.

A transferência de procedimentos resulta também, e necessariamente, do fácil acesso ao direito. Este, tomado na sua expressão mais ampla, abrange não só o apoio das populações na solução conflitual de interesses, mas sobretudo a divulgação intensa da forma como os cidadãos podem fazer exercer os seus direitos e de como devem proceder perante a Administração para dela obterem as licenças, documentos e todas aquelas prestações de serviços de que o cidadão carece no dia-a-dia para o exercício legal da sua actividade económica e social. Compreende ainda uma acessibilidade de serviços em quantidade e proximidade geográfica tais que a sua obtenção se não traduza em consumo de tempo ou necessidade de deslocação pouco razoáveis.

Um Estado democrático também se afirma através do conjunto de regras, que regem a concorrência política e logo a representação dos cidadãos eleitores e a representatividade dos cidadãos eleitos. Num sistema político pluralista, trata-se de procurar estabelecer o melhor equilíbrio possível entre a representatividade e a democraticidade sistemática, e a governabilidade e eficácia política do próprio sistema, por outro. Um código eleitoral é um corpo de regras que deve reagir ao próprio funcionamento do sistema político democrático, sempre atento aos resultados que vai conseguindo, com vista a torná-los simultaneamente mais representativos e mais eficazes. Escusado será dizer que o que decidem os governantes terá sempre de depender do que decidem os cidadãos nos actos eleitorais. Um Estado democrático tem como obrigação procurar estreitar esse relacionamento, visando aumentar a capacidade de resposta do sistema eleitoral às exigências livremente expressas dos cidadãos e a responsabilidade perante esses cidadãos dos governantes por esse modo eleitos.

Por outro lado, a própria codificação da legislação eleitoral é, para além de um aperfeiçoamento técnico de grande importncia, algo que facilita o acesso do cidadão ao direito eleitoral e, como tal, reforça a confiança daquele no sistema que o rege.

Ao afirmar que são desejáveis alterações na legislação eleitoral, o Estado democrático português está a reafirmar-se mais do que a afirmar-se e renova-se perante uma tradição eleitoral democrática já estabelecida.

Um Estado democrático desempenha um certo número "de tarefas que se destinam a promover a sua

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natureza política, mas também se acautela por ser igualmente Estado. A independência nacional e a integridade do território são acauteladas em todos os casos. A Lei de Defesa Nacional é, por isso, uma estrutura que ultrapassa a natureza do sistema político, embora seja por ele enformada. Isto é, embora possa parecer que uma lei de defesa nacional é, de certo modo, independente da vocação democrática do Estado Português, já que se trata de defender o que se quer eterno e inviolável —Portugal—, a verdade é que, por ser democrático, o Estado Português transporta essa valiosa carga de valores para a própria defesa, por exemplo, na relação entre as Forças Armadas e o Governo democraticamente eleito.

Precavendo a independência nacional, protege-se igualmente o sistema democrático. Não estar dependente de potências estrangeiras significa, também, que os Portugueses ficam com a liberdade de dependerem exclusivamente de si próprios. A dimensão externa também tem os seus perigos políticos e importa considerá-la com a máxima amplitude. Um posicionamento geoestratégico perfeitamente claro também há-de contribuir para o delineamento de uma defesa nacional eficaz, já que a identificação de áreas de confiança e de perigosidade tem uma influência decisiva sobre qualquer política de defesa nacional.

O Estado democrático afirma-se, também, enquanto Estado com estruturas adequadas a formas radicais de autoprotecção. Neste domínio, fixar as bases do sistema de protecção civil é uma tarefa cuja importância não carece de maior justificação. Consiste a protecção civil no conjunto básico de actividades desenvolvidas pelo Estado no sentido de prevenir com eficácia a ocorrência de catástrofes, calamidades e desastres, bem assim como a atenuação dos efeitos que podem ter.

A Lei do Estado de Sítio e Estado de Emergência tem o mesmo valor preventivo e justifica-se com a mesma naturalidade. Se a protecção civil consiste no conjunto de medidas que se destinam a preparar os cidadãos e o País para reagir a acidentes mais ou menos imprevisíveis, a Lei do Estado de Sítio e Estado de Emergência define as condições e as circunstâncias em que algumas liberdades ficam temporariamente vedadas aos cidadãos, em nome da democracia, para que, passado o momento de turbulência que pode ter justificado a sua aplicação, o regime possa sobreviver, sem alterações dos seus princípios e regras fundamentais.

Portugal está inserido num quadro geoestratégico e geopolítico que se reflecte sobre as nossas condições fundamentais de vida, na nossa cultura e organização económica e social, na nossa história e nas próprias instituições.

Temos que assumir este quadro com responsabilidade e simultaneamente manter a identidade, a unidade e independência nacional.

Isto exige a consciencialização de cada cidadão para a necessidade de contribuir para a construção e manutenção do Estado democrático e do reforço das suas estruturas.

O serviço militar obrigatório é já uma forma do cidadão —o jovem— dar o seu contributo livre e desinteressado ao País.

Mas há que se ir mais longe, porque este contributo não pode ser encarado como um sacrifício.

mas antes como um dever patriótico de todos os cidadãos.

Assume, assim, importância o serviço cívico, que proporciona a todos os cidadãos a oportunidade de darem, durante um período de tempo, o seu contributo ao País e permite ainda introduzir maior justiça entre os jovens. Todos são cidadãos e constitucionalmente têm direitos e deveres iguais.

Integrado neste serviço cívico existe ainda o serviço cívico dos objectores de consciência, direito constitucional, que deve ser respeitado na sua pureza.

O respeito pelo foro íntimo das pessoas, permitindo aos cidadãos a abstenção da prática de actos ou do exercício de actividades cue considerem, por razões de ordem diversa, fazer uso da violência, não pode ser interpretado e assumido como um fuga fácil às responsabilidades de cada cidadão.

A organização do Estado democrático contém potencialidades a explorar no que respeita às relações dos cidadãos com os órgãos e agentes políticos c administrativos.

Constitui já uma banalidade, naturalmente desvalorizada pela insistência com que é formulada, a afirmação de que a característica distintiva do regime democrático corresponde ao envolvimento dos cidadãos na formulação das decisões que colectivamente lhes dizem respeito, bem como no controle da respectiva aplicação. É bem chocante verificar, no entanto, a distância que, no quotidiano, marca a efectiva separação entre uns e outros.

Também os agentes públicos, nos universos em que actuam, distinguem intimamente «serviço público» de «ao serviço do público», não assumindo responsabilidades reais pelo exercício das funções que !hes estão colectivamente atribuídas.

Trata-se, de facto, de um problema com origens culturais, e, por isso, importa, em primeiro lugar, identificar um conjunto de acções a desenvolver, no âmbito da educação cívica, que permita não só dar a conhecer a concepção, organização e modo de funcionamento das instituições políticas e administrativas, mas também o processo que conduz à formulação de decisões que, no imediato ou a prazo, influenciam a vida colectiva dos Portugueses.

Não é, no entanto, apenas nesta fase do problema que importa concentrar esforços: constitui verdade evidente que, de um modo geral, as próprias Instituições — e os seus agentes— devem ser alvo de medidas e objecto de orientações específicas dirigidas ao aperfeiçoamento das relações com os cidadãos: trata-se, agora, de reformar a Administração Pública, aproximando-a dos respectivos destinatários — isto é, acentuando e reforçando os órgãos políticos e administrativos descentralizados já existentes — os municípios— e curando de propiciar condições adequadas que tornem viávei o processo de criação das futuras regiões administrativas. Numa palavra, acentuar e reforçar o papel dos órgãos políticos c administrativos descentralizados. Trata-se, ainda, de valorizar, no contexto administrativo, as funções de relacionamento com os cidadãos, particularmente era domínios onde é tradicionalmente sensível o «império» do Estado — como é o caso do sistema fiscal.

A experiência dos últimos anos relativa à autonomia regional dos Açores e da Madeira tem consti-

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íuído um factor de inovação importante no que respeita à organização do Estado democrático.

As vantagens inegáveis da experiência já vivida reclamam, sem prejuízo da autonomia regional já consagrada, um apoio mais efectivo quanto à articulação com os órgãos nacionais, designadamente nas tarefas que se prendem com o planeamento do desenvolvimento.

A afirmação das estruturas do Estado democrático tem de ser entendida como o resultado complexo e de mútua influência de todas as componentes referidas. A segurança interna, a administração da justiça, a defesa naconal, a protecção civil, o código eleitoral, a participação e a educação cívica são, de facto, interdependentes. Se uma das partes é prejudicada, as outras sofrem com o reflexo. Se uma é reforçada, as outras retiram daí nova força. Como grande opção, é essencial que se tenha a ambição e a convicção das dimensões complexas da reafirmação do Estado democrático português.

Factor igualmente caracterizado de um Estado democrático é, sem dúvida, a existência de uma comunicação social livre, independente e pluralista, que contribua para a criação de um salutar espírito crítico na comunidade nacional.

A sobrevalorização do aspecto sócio-político na comunicação sociai provocou, nos últimos anos, um dimensionamento sectorial profundamente incorrecto. O gingantismo do sector estatal é bem o espelho de uma concepção superpolitizada, e os reflexos negativos que estruturalmente acarreta para o mercado são hoje pacificamente reconhecidos.

Há, necessariamente, que caminhar para a criação de um sector dinâmico de indústria de informação «perecível», sem perder de vista os importantes componentes social, cultural e humanista de satisfação do direito do cidadão à informação.

Opção III — Valorização do papel de Portugal no Mundo

Um país que se sente identificado e que se sente seguro, com força cultural e política bastante para se defender, é aquele que mais facilmente se projecta no Mundo. Se for fraco, fecha-se para se defender dos países fortes. Se for forte, ganha nova força em competir e comunicar internacionalmente.

O papel de Portugal no Mundo nunca foi pequeno. Depois da descolonização, por um lado, e da adesão às Comunidades Europeias, por outro, Portugal precisa de se dar a conhecer ao Mundo de uma forma diferente. À universalidade física e territorial deverá suceder uma universalidade que sempre foi mais importante: a cultural.

Portuga! vaioriza-se no Mundo através daqueles valores que o próprio Mundo lhe ensinou: o respeito pelas diversidades c diferenças, o desejo de as dar a conhecer umas às outras c a vocação que pôde provar, como agente de intercâmbios entre culturas e povos.

Quer isto dizer que Portugal não tem só Portugal para oferecer, tem também uma visão do Mundo que é portuguesa. Essa visão não é arrogante ou xenófoba nem redutora ou hierárquica. Traduz-se numa aceitação única da universalidade, que é rica

por não depender de qualquer impulso de uniformização.

Historicamente, Portugal, nos contactos múltiplos que teve com outros povos, aprendeu tanto quanto ensinou e ouviu tanto quanto disse. Tem por isso uma sólida feição de intermediário e de interlocutor, capaz de ser aceite por quase todas as partes, em quase todas as partes do Mundo.

O que Portugal sabe do Mundo, já o Mundo sabe de Portugal. Para poder ocupar um lugar internacional próprio, único e insubstituível, é necessário escolher áreas definidas de projecção, conforme a natureza ocidental e atlântica dos Portugueses, e investir nelas com concentração e clareza.

A inclusão da valorização do papel de Portugal no Mundo como grande opção, justifica-se porque sem repor e alcançar o prestígio internacional, numa altura em que ele ameaça transformar-se numa memória histórica sem relevância actual, o desenvolvimento e a modernização económica e cultural do País serão forçosamente prejudicados, já que Portugal fenece no isolamento e só se engrandece no contacto comercial e cultural com o exterior.

O valor que para Portugal resulta do seu passado é um capital histórico e cultural. Não pode ser um capital adormecido, ou só consignado à investigação histórica e à celebração de efemérides. Não pode ser um valor passado e passivo, servindo-se somente de investimento na saudade. Tem de ser um capital aplicado. Quer isto dizer que o Estado Português tem obrigação de aproveitá-lo, muito friamente, para investimentos futuros de carácter marcadamente prático e político. O passado ninguém nos tira e dele nos orgulhamos. O perigo é que outros nos queiram manter lá. Porque Portugal tem a obrigação de pôr o seu futuro em primeiro lugar, tem de preferir a esperança de vir a ser uma pequena ou média potência euro--atlântica à obsessiva consolação de já ter sido uma das maiores potências da História.

Por isso competirá ao Estado, sem que tal represente menosprezo pelos pontos de referência do nosso passado, estimular a preparação firme e inovadora do nosso futuro. O Mundo já está a descobrir o que os Portugueses descobriram e o processo da descolonização teve a vantagem de afastar de uma vez por todas os antigos estigmas e preconceitos que outrora impediram outros países de dar o justo valor à acção internacional dos Portugueses nos quatro cantos do Mundo. Quanto a Portugal, os Portugueses já sabem o valor que tiveram no Mundo. Não é, portanto, no passado, se assumido em atitude resignada e saudosista, que o Estado deverá investir, por muito grande que seja a tentação.

Mais importante é a consideração do valor que Portugal tem agora. Esse inventário é mais fñcil de fazer e muito mais útil. Aplicar o capital histórico e cultural dos Descobrimentos e do império significa compreender que somos obrigados a redescobrir o nosso valor. Ele já não é de feição primordialmente territorial ou quantitativa. O que mudou foi precisamente a natureza desse valor. Há que procurar outras dimensões menos imediatamente visíveis. Há, por exemplo, a nossa posição, onde antes se realçava mais a nossa extensão. O valor geoestratégico de Portugal é uma riqueza inegável e insubstituível, de ressonância política actual e com capacidade de protecção futura.

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A nossa posição geoestratégica não se afirma ou valoriza por si mesma. Há que enriquecê-la, dotando-a de uma cada vez maior pertinência internacional. De um modo geral, convém a Portugal valorizar-se no Mundo em atenção às suas singularidades, onde se destaca a extraordinária situação atlântica de que dispõe.

Há, por isso, um património geoestratégico que necessita de ser valorizado. Valorizá-lo é conseguir que ele passe a afectar decisivamente outros países aliados, seja no quadro da OTAN, seja no quadro das Comunidades Europeias.

O valor de Portugal na Europa não será grande enquanto se apresentar como o país mais pobre da Europa periférica do Sul. Será maior se quiser ser o mais importante europorto atlântico. A valorização do património geoestratégico tem de ser empreendida com segurança, pouco a pouco, concentrando os recursos e avançando ao ritmo dos sucessos. Tem de se afastar a tentação sebastianista de querer chegar ao Mundo todo de uma só vez. Tem de se escolher e investir onde se escolheu. Mais vale lançar uma âncora num único porto seguro do que encalhar gloriosamente em todas as enseadas lendárias do Mundo.

Ao escolher os países aliados onde se fará o maior esforço de promoção do lugar e do estar portugueses, é necessário considerar com o maior cuidado as vontades alheias.

Quais são os países mais capazes de apreciar globalmente o valor estratégico do território português? Quais são os países cuja segurança depende da nossa política externa e interna? Quais são os países que mais precisam ou desejam investir no fortalecimento da nossa relação com eles? É este tipo de perguntas que carece de resposta adequada.

Valorizar Portugal no Mundo implica, por isso, salvaguardar absolutamente a independência nacional e a identidade cultural, por um lado, e por outro, definir com a maior clareza o Mundo de que se quer fazer parte, para aí tomar parte activa. Uma política externa própria, dado o posicionamento geoestratégico e o capital histórico e cultural de Portugal, tem de ser uma política corajosa e assumidamente alinhada, sem hesitações ou receios.

Valorizar Portugal no Mundo significa, essencialmente, encontrar um mundo real e possível no qual Portugal possa legitimamente ser cada vez mais importante. Ê esta a premissa geoestratégica mais fundamental.

Neste particular, a localização geográfica de Portugal no contexto da confrontação OTAN-Pacto de Varsóvia, confere ao nosso país uma importância fundamental. Todavia, a potencialidade que anda associada a este facto pode, no médio prazo, transformar-se em vulnerabilidade acrescida se não for assumida em toda a sua extensão.

Na verdade, passando pelo nosso espaço territorial e aéreas adjacentes marítimas e aéreas, interesses vitais de natureza política, económica e militar, tanto para Portugal como para os nossos aliados e, em consequência, para os nossos opositores, os vazios de poder que deixarmos formar por falta de potencial e ou de vontade nacional, tenderão inevitavelmente a ser preenchidos por outros, com óbvios e elevados custos para Portugal.

No quadro da aliança, a segurança de todos, sendo função de capacidade colectiva integrada, é procurada também e paralelamente no esforço de cada Estado para melhorar a sua própria capacidade de defesa autónoma.

E isto é tanto assim, quanto é certo que nem todas as fracturas ou choques de interesse, no mundo ocidental, passam pela confrontação OTAN-Pacto de Varsóvia.

Garantir a Portugal um papel activo e primordial na utilização de um dos seus mais importantes recursos naturais —a atlanticidade— e promover, em todos os domínios, o desenvolvimento e valorização da «plataforma rotativa» que de facto constituímos, fortalecerá a posição de Portugal no processo de formação de decisões no sistema europeu, tanto no que respeita à defesa de interesses próprios e no imediato, como a médio e longo prazo, na preservação e alargamento da margem de manobra nas suas relações com a África, as Américas do Norte e do Sul e os restantes países da Europa.

Haverá pois, por um lado, que consolidar o posicionamento global de Portugal como aliado soberano, estrategicamente relevante e com autonomia suficiente para definir a sua contribuição para as tarefas de defesa comum que decorrem primordialmente da sua situação geoestratégica e, por outro desenvolver, faseadamente no tempo, uma capacidade de dissuasão autónoma, com credibilidade suficiente, contra eventuais acções hostis e de exarcebação de poder e influência menos consentâneas com a nossa soberania.

Igualmente, haverá que ter presente que embora o sistema europeu possua instituições diferenciadas para a acção económica e para a acção militar — CEE e OTAN —, as unidades decisoras são as mesmas — os Estados— e que essas avaliam a importância uns dos outros pelo conjunto das situações prevalecentes aos dois níveis. Em consequência, simultaneamente com o desenvolvimento económico, industrial, social e educativo do nosso país, programar-se-á a execução da política de reequipamento das Forças Armadas, de forma correcta e coerente com o elenco de ameaças estimadas, susceptíveis de concretização. Ainda neste âmbito, definir-se-ão concretamente os objectivos do desenvolvimento das indústrias de defesa nacionais para possibilitar um impacte positivo na balança cambial quer através do acréscimo de exportações de bens e serviços, quer através do aumento da componente nacional dos novos sistemas de armas, da sua manutenção e dos níveis de sustentação das forças constituídas para o cumprimento da missão fundamental de defesa militar. Daqui decorre que Portugal ficará também melhor apetrechado para a tomada de iniciativa de acções frutuosas e em bases mais amplas.

Mas Portugal tem de escolher cuidadosamente os seus destinatários. Na vastidão do Mundo, Portugal tem de saber escolher um Mundo mais pequeno, no qual possa estar cada vez mais perto do centro.

Terá por isso de se assumir como intermediário. Geoestrategicamcnte, Portugal deve mediar activamente entre interesses, aproveitando as naturais divergências existentes em seu próprio benefício.

Neste aspecto, há que ver que não pode haver intermediação eficaz entre partes que estejam desinteressadas em transaccionar. Portugal tem de procurar

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o seu valor internacional nos países onde a presença de Portugal é desejada ou precisa.

Mas Portugal assume-se como intermidiário e, por isso, o capital histórico e cultural que possui vem de outros universos (da África, da Ásia, da América do Sul) e deve ser aproveitado inteligentemente. Não se trata de aplicá-lo nos países onde esse capital teve origem, mas de transmiti-lo para os países onde Portugal quer buscar parte significativa do seu futuro.

Para valorizar Portugal junto dos seus parceiros escolhidos, ocidentais, atlânticos ou europeus, é Portugal que se tem de apresentar como Pátria compreensiva e compreendedora do Mundo por onde andou. Se Portugal conseguir projectar-se como um país que compreende o Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné, São Tomé, Macau e Timor, então serão os seus aliados actuais que lhe darão valor. Será eleito intermediário pelos países desenvolvidos que mais podem ajudar Portugal.

As políticas de cooperação têm, neste domínio, um papel a desempenhar. Essa cooperação deve ser sempre processada no interesse de todas as partes envolvidas e deve concentrar a intervenção e o apoio estatais a determinados sectores, dando larga margem à iniciativa privada, na convicção de que um estreito entrelaçamento de interesses empresariais constitui base indispensável para o futuro relacionamento.

Uma via importante de valorização internacional pode ser o turismo. Para que tal se concretize, a aposta fundamental passa pela melhoria substanciai da qualidade.

Esta linha de orientação pode ser compatível com as acções a desencadear numa esfera que se sabe ser altamente concorrencial. Mas concorrer eficazmente não significa imitar os países concorrentes, para mais com a desvantagem adicional de menores recursos económicos. Concorrer eficazmente é, sobretudo, estabelecer uma diferenciação na oferta. Uma política de turismo que valorize Portugal é aquela que concentra os investimentos na diferença, na singularidade, na qualidade de serviços, cada vez mais rara e apreciada. Valorizar Portugal no Mundo significa, ao fim e ao cabo, ter consciência do valor real de Portugal — país pequeno com uma grande experiência do Mundo — e das suas possibilidades de futura valorização. Significa valorizar o que temos e desvalorizar o que não temos. Isto é, valorizar o qualificável sobre o quantificável, a profundidade dos contactos sobre a extensão. A dimensão territorial, física e económica é apenas uma dimensão. Existem outras igualmente valiosas, como a dimensão da qualidade, da profundidade, da eficácia e da importância. São estas, obviamente, aquelas que Portugal mais deve valorizar. Não nos podemos esquecer que existem países de fabulosas dimensões físicas, cuja principal preocupação é alcançar aquilo que Portugal já tem: uma identidade histórica e cultural bem definida e documental, capaz de servir de fundamento a uma verdadeira projecção internacional.

A posição geográfica de Portugal, que lhe dá a soberania de uma extensa área do Atlântico, implica, por outro lado, e para que essa soberania seja acompanhada por uma posse efectiva de todas as riquezas e recursos marítimos existentes, em particular os da pesca, que se tinha de alargar e aprofundar o conhecimento da

zona económica exclusiva e garantir a sua ocupação quer em termos de exercício da actividade dirigido à captura desses recursos, quer em termos de fiscalização e vigilância de toda essa vasta zona.

No que toca aos esforços de valorização do pape: de Portugal no Mundo, deve-se sempre ter em atenção o futuro, e não o passado, o mundo escolhido, e não o inteiro, as dimensões singulares, e não as gerais. Por isso Portugal tem de ser mais europeu na África e mais africano na Europa, mais continental em pleno Atlântico e mais atlântico no continente europeu. No fundo, aplicar discriminadamente a sua vocação para a universalidade.

É da sabedoria feita de experiência multissecular, aliada à facilidade com que os Portugueses sabem ligar o que está desligado, que a força e a valorização de Portugal se fará como intermediário comercial, cultural e até político.

Opção IV — Correcção dos grandes deses;ii53íibrics estruturais

Na definição de um pensamento estratégico para o País existem condicionantes de vária natureza. Umas apresentam um carácter de tal medo rígido que se perfilam como pressupostos: é o caso da geografia, da dimensão geográfica, do clima, da existência de recursos naturais. Outras não. Podem ser moldadas de acordo com o sentido e a direcção que se quer dar às coisas. É o caso das condicionantes de ordem económica.

Uma estratégia de desenvolvimento em Portugal pensada em 1986 pressupõe uma política coerente em matéria de crescimento económico. Mas aquela exige, para além de um elevado grau de coerência entre as diversas medidas de política que lhe darão corpo, um grande esforço na progressiva atenuação dos mais importantes desequilíbrios estruturais.

A não ser prosseguida esta orientação há o risco de se vir a constituir um colete de forças tal que a margem de manobra passa a ser tão reduzida que se tornará cada vez mais longínqua a possibilidade de se virem a concretizar saltos qualitativos em. matéria de desenvolvimento.

O desemprego, teimosamente apegado a uma proporção elevada da população activa e castigando jovens e mulheres, a inflação, significativamente acima da média europeia durante os últimos doze anos, a balança de bens e serviços, pesada e sistematicamente deficitária, embora em situação menos desconfortável nos últimos meses, por efeito de factores conjunturais de duração incerta, as contas do sector público, cujos défices têm vindo a ser sucessivamente agravados nos últimos anos, são desequilíbrios que há que atenuar. O ano de 1986 marca o primeiro passo —grande c definitivo— nesse sentido de correcção estrutural dos desequilíbrios macroeconómicos.

Dos quatro grandes desequilíbrios enunciados talvez seja o desemprego aquele que, em termos quantitativos é mais próximo dos valores europeus.

Mas se a taxa de desemprego não é superior à média europeia, ela é, contudo, preocupante quando analisada nos seus aspectos estruturais. Com efeito:

Cerca de 43 % dos desempregados procuram emprego há mais de um ano;

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O grupo etário com menos de 30 anos absorve quase 64 % da população desempregada;

Um número significativo de trabalhadores migrantes em idade activa e sem qualquer qualificação profissional regressam actualmente a Portugal na sequência do agravamento da situação económica dos países europeus industrializados;

As pequenas e médias empresas, que ocupam mais de 70 % da força de trabalho em Portugal, estão mal preparadas para fazer face ao desafio da adesão à CEE e uma grande parte delas tem necessidade de reciclar profissionalmente o seu pessoal.

Há ainda outro tipo de desequilíbrios que, sendo de outra natureza, terão de ser atacados de forma deliberada e sistemática, pois dizem respeito a domínios que constituem pilares fundamentais no desenvolvimento do País. Estão neste caso o grau de dependência energética e alimentar — afinal uma das faces do desequilíbrio das contas externas—, a fragilidade do sistema de investigação científica e tecnológica e o desenvolvimento desigual do território.

Qualquer dos desequilíbrios enunciados só é supe-rável, de forma irreversível, mediante políticas dirigidas às raízes mais profundas das suas causas.

Pela sua importância, o desemprego tem um tratamento mais destacada na opção v.

No que respeita ao primeiro tipo de desequilíbrios — variáveis de natureza macroeconómica —, e sendo certo que se pretende a sua correcção concertada, assume crucial importância o grau de coerência de todo o edifício que deverá enformar as diferentes medidas de política.

A noção de coerência entre as diferentes medidas de política pressupõe a adopção de um horizonte de médio prazo, dado que, se existe interligação acentuada, ela não pode ser simultânea. Quer dizer: na gestão da politica económica, a coerência terá também de ser medida em função da noção do tempo exacto e da intensidade esperada dos efeitos da decisão; é que há conflitos ou incompatibilidades de curto prazo que não podem ser ignorados, para além da necessidade de ter em conta o efeito multiplicador de cada medida.

Assim, a ultrapassagem definitiva da situação do desequilíbrio da balança de bens e serviços só pode ser obtida através de uma modificação estrutural da oferta, que permita a redução da componente importada da procura global e a penetração acrescida nos mercados externos.

Por outro lado, a referida modificação estrutural da oferta exige um forte esforço de investimento.

Esse esforço, cujo papel fulcral se pretende venha a ser desempenhado pelo sector privado, obriga à criação de condições propícias à formação de poupança.

Entre essas condições figura, em primeira linha, a redução da taxa de inflação para níveis próximos da média da CEE. Se, durante 1986, este objectivo foi atingido com pleno êxito, ele continuará a ser perseguido nos próximos anos, tendo em vista as metas de 8 % a 9 % em 1987 e de 4 % a 6 % em 1988. A política de rendimentos e a concertação social têm um papel decisivo a desempenhar nesta trajectória

desinflacionária — e é verdadeiramente notável o ponto de partida que os parceiros sociais e o Governo conseguiram realizar com o acordo celebrado, em 29 de Julho de 1986, no Conselho Permanente de Concertação Social.

Os défices das finanças públicas sao outro dos desequilíbrios que têm afectado negativamente a evolução da economia portuguesa. Este desequilíbrio revela-se com consequências nefastas na própria correcção do défice externo, especialmente pelas distorções que arrasta na afectação de recursos e pelas dificuldades que cria no plano do financiamento da economia; além disso gera tensões inflacionárias reconhecidamente grandes na generalidade das despesas públicas e dificulta o combate ao desemprego, dado que grande parte das despesas públicas tem um baixo multiplicador-emprego.

O peso que foi atingido por tais défices públicos constitui um constrangimento ao financiamento do sector produtivo, comprometendo a disponibilização dos recursos necessários ao investimento num quadro de financiamento não inflacionista da economia. Daí que a redução do desequilíbrio das contas públicas constitua uma condição da superação dos restantes desequilíbrios já referidos.

A rigidez adquirida pela generalidade das despesas públicas e a já fraca elasticidade das receitas impedem, porém, um reequilíbrio rápido das contas do sector público. Por isso, tal questão terá de ser encarada numa óptica de médio prazo, através de um processo de contenção das despesas compressíveis e de uma expansão das receitas largamente assente no crescimento da actividade económica. Neste domínio, o Governo propõe-se reduzir progressivamente o peso relativo do défice global do Orçamento do Estado, fazendo-o atingir a casa máxima dos 5 % do PIB em 1990 (incluindo os juros da dívida pública).

Propõe-se também o Governo terminar a tarefa de devolução de total transparência às contas de todas as entidades do sector público administrativo, por forma que possa haver um efectivo controle do défice global do sector público e não apenas do Estado.

Toda a estratégia de correcção estrutural do défice externo será prosseguida no quadro de uma economia de mercado, sem recurso a proteccionismos especiais e em respeito pelas regras decorrentes dos novos compromissos externos, com especial relevância para o Tratado de Adesão às Comunidades Europeias. Esta estratégia está explanada no PCEDE —Programa de Correcção Estrutural do Défice Externo —, que o Governo tem em fase de ultimação e onde são desenvolvidos aspectos fundamentais como o esforço projectado do investimento produtivo para os próximos anos e a sua compatibilização com o financiamento global da economia, bem como as medidas de política macroeconómica, sobretudo as do lado da oferta para redução dos custos unitários de produção, que tèm sido tomadas e continuarão a sê-lo no médio prazo.

No segundo tipo de desequilíbrios conta-se a dependência do País face ao exterior em termos energéticos.

A situação energética portuguesa e a dinâmica que a tem comandado podem sintetizar-se em três pontos:

Importa-se cerca de 85 % da energia primária usada;

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A importação concentra-se, na sua quase totalidade, no petróleo;

O consumo de energia primária cresce a taxa maior do que a taxa de crescimento do PIB.

Se as duas primeiras afirmações revelam uma situação de extrema vulnerabilidade, a terceira caracteriza uma dinâmica menos conveniente para o País, cuja alteração se deve iniciar.

Não se pode, no entanto, perder de vista uma das características mais marcantes do sistema energético: a sua elevada inércia. Ou seja, é fundamental prosseguir de um modo coerente o objectivo de alteração progressiva da situação actual, tendo sempre presente o facto de que as acções decorrem num período de tempo longo.

As acções a desenvolver poder-se-ão agregar era três grandes grupos, que se traduzem na necessidade de diversificar as fontes de energia primária, maximizar a utilização dos recursos energéticos nacionais e reduzir o conteúdo energético do crescimento. Estas acções serão balizadas por dois factores de equilíbrio sistémico: os compromissos do âmbito da política energética comunitária e os mecanismos de ligação a outras vertentes da política económica, nomeadamente em termos de desenvolvimento industrial e do sector exportador.

No âmbito do primeiro destes parâmetros situa-se fundamentalmente a obrigatoriedade de redução da dependência externa do petróleo, o que impõe o aprofundamento dos estudos de introdução do gás natural em Portugal, analisado agora num contexto ibérico e comunitário, a manutenção do programa de produção de energia eléctrica em centrais térmicas a carvão, a análise da evolução tecnológica no domínio nuclear e o incremento do programa de utilização racional de energia nos sectores da indústria e dos transportes.

Mas as características atrás referidas de grande inércia do sistema energético determinam a grande lentidão de resposta destes processos de alteração estrutural, o que impõe a criação de um sistema em equilíbrio em cada instante, com factores de compensação sistémicos, ou seja, em cada momento terá de ser encontrado o factor de compensação para o estádio de desequilíbrio energético instantâneo, o que pressupõe um grande esforço segundo as seguintes vias fundamentais: reforço da capacidade exportadora, compensando as importações de energia inevitáveis, reformulação gradual das características dc intensidade energética da indústria através de acções de modernização industrial que provoquem redução de consumos energéticos unitários e de acções de desin-centivação à instalação de unidades industriais de elevada intensidade energética.

A análise sistémica impõe-nos ainda um outro tipo de considerações: as acções de equilíbrio não devem ser encontradas ao nível de cada subsistema, mas sim ao nível do sistema global e, neste caso, ao nível do sistema económico nacional. É neste contexto de análise que se avaliarão e se tomarão medidas no âmbito dos grandes desequilíbrios estruturais e será também assim que o subsistema energético será considerado: actuando ao nível do próprio subsistema em direcção mencionada que permita o decréscimo do seu desequilíbrio próprio, mas através de uma curva de evo-

lução permanentemente em equilíbrio com os outros subsistemas.

A vulnerabilidade resultante da dependência de Portugal em termos alimentares reduzir-se-á pelo aumento da produção e da produtividade na agricultura e pescas.

A adesão à CEE condiciona largamente as medidas de política a adoptar no próximo futuro, a ponto dc se poder afirmar que a política agrícola para Portugal, nos próximos anos, será, cm grande parte, resultado da adaptação da Política Agrícola Comum a Portugal.

O período de transição consagrado no tratado de adesão vem determinar que se faça um grande esforço no domínio do investimento e de reconversão durante os próximos anos, dado que a modernização da agricultura constitui um dos maiores e mais difíceis desafios que Portugal terá de enfrentar. Na verdade, o sector agrícola reflecte, como nenhum outro sector, toda a carga dc estrangulamentos, debilidades e insuficiências que afectam a economia e sociedade portuguesas. Por isso, a primeira dimensão para uma opção de correcção de desequilíbrio estrutural e também de reforço da economia e sociedade agrícolas será consciencializar que o desenvolvimento do sector depende tanto dele como, até provavelmente mais, do desenvolvimento dc outros sectores da economia. Ou seja, para desenvolver a agricultura há que desenvolver paralelamente outras actividades nas regiões em que ocorre a produção agrícola. A comprová-lo está o facto de às regiões mais ou menos desenvolvidas corresponderem, respectivamente, agriculturas dinâmicas e inseridas nos mercados e agriculturas tradicionais predominantemente voltadas para a satisfação das necessidades básicas dos agregados familiares das explorações.

E se é certo que a agricultura, para além da dimensão económica, tem a particularidade de ser também um modus vivendi, não menos verdade será afirmar que esta última dimensão está bastante associada a níveis de desenvolvimento mais baixos.

Assegurar uma transformação acelerada que nos permita enfrentar a concorrência que nos espera no final do período transitório é, pois, um objectivo que só poderá ser alcançado se forem criadas condições que permitam uma diminuição da população activa actual do sector, que, com os seus 22 %, é a mais elevada da Comunidade Económica Europeia.

Mas, sendo certo que numa economia de mercado os preços tendem a reflectir a estrutura de custos de produção, logo as produtividades, o objectivo de assegurar essa competitividade, naquilo que ela tem a ver com o sector cm si mesmo, só poderá ser conseguido mediante uma acção contínua e concertada dc melhoria quantitativa e qualitativa das estruturas produtivas, organizacionais, de transformação e de comercialização do sector.

E, para isso, outra importante dimensão será fundamental: o entendimento de que, face à situação peculiar da estrutura fundiária, a modernização acelerada da agricultura só será possível se as linhas de política e os instrumentos de realização correspondentes partirem do reconhecimento dessa mesma estrutura. Obviamente que não se abdicará, no contexto de acções prioritárias, de promover o emparcelamento, aliás privilegiado no contexto de instrumentos e programas co-financiados pela CEE já em aplicação

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(casos dos Regulamentos Comunitários n.os 797/85 e 3828/85). Mas a experiência do passado leva o Governo a não se basear exclusivamente na actuação directa de um factor tão rígido como a terra. Por isso privilegiará acções indirectas que, a prazo, possam melhorar essa estrutura, como é designadamente a prioridade que será concedida à criação de uma nova geração de agricultores que, com uma nova perspectiva de actividade e com preparação profissional mais adequada, possa, por via da sua dinâmica e ambição, contribuir para um melhor redimensionamento das explorações, à medida que as actuais gerações envelhecidas se reformarem ou abandonarem a gestão das explorações.

Uma terceira dimensão, estreitamente relacionada com as anteriores, tem a ver com o carácter envolvente das medidas de política agrícola às quais será dada prioridade. De facto, e atendendo ao patente constrangimento fundiário, só se poderá obter uma resposta rápida em termos dè maior produção e produtividade se se actuar com determinação no domínio dos factores variáveis — trabalho (formação profissional), organização, água, sementes, património genético e, de uma maneira geral, capitais circulantes — em simultâneo com a criação de infra-estruturas de enquadramento.

A rapidez dos resultados decorrerá do facto de tais medidas, pela sua natureza envolvente, serem mais facilmente susceptíveis de ser «internalizadas» por todo o tipo de explorações, independentemente da sua dimensão.

Nas considerações precedentes inclui-se, obviamente, o subsector florestal, que deverá ter um papel central em todo o processo de desenvolvimento agrícola e regional. Não apenas pela sua importância exportadora actual como principalmente pelo emprego induzido a que dá origem. Para isso, o ordenamento florestal orientador do Programa de Acção Florestal (incluído no PEDAC) dará uma particular importância às espécies «nobres» produtoras de madeira de qualidade para a indústria de mobiliário nacional.

Como atrás se referiu, a transformação estrutural da agricultura portuguesa não comporta uma dissociação entre a melhoria e o reforço das estruturas produtivas e a das estruturas transformadoras e de comercialização. Por isso, os programas específicos sectoriais que o Governo está a preparar para permitir o acesso e a selecção dos projectos candidatos ao Regulamento (CEE) n.° 355/77 darão prioridade à criação e reorganização das grandes infra-estruturas de comercialização de dimensão nacional e regional, assim como às unidades transformadoras de produtos em que Portugal goza de efectivas ou potenciais vantagens comparativas.

Ainda no domínio da comercialização e transformação dos produtos agro-florestais, será preocupação do Governo incentivar as organizações de produtores no sentido de chamarem a si mais elevadas responsabilidades. Para além dos elementos que lhe darão resposta no âmbito do Regulamento n.° 355/77, aplicar-se-ão. com a maior incidência sectorial e regional possíveis os instrumentos financeiros que no âmbito do FEOGA — Orientação visam este objectivo, como é designadamente o caso dos Regulamentos Comunitários n.os 1035/72 e 1360/78.

Esta mesma dimensão de fortalecimento da agricultura associada leva o Governo a criar instrumentos

de realização da política agrícola numa base regional, que deverão reflectir designadamente a dinâmica das organizações de agricultores, apoiadas técnica e financeiramente pelo Estado. O objectivo é programar para o médio prazo as infra-estruturas e medidas envolventes —com financiamento oriundos do PEDAP e de outros regulamentos comunitários— e definir perfis de investimento desejáveis para a actividade produtiva, com base nas condições agro-ecológicas das áreas de aplicação desses instrumentos e nas perspectivas de escoamento e sucesso no mercado.

As pescas constituem um sector de elevada importância estratégica para o País, sendo por isso merecedoras de uma particular atenção, nas suas diferentes dimensões.

Para além do esforços a desenvolver ao nível primário da produção (actividade pesqueira), incluindo a reconversão da frota e a organização dos mercados, será dado um especial destaque ao sector transformador, pela sua influência determinante na resolução dos problemas a montante.

Com efeito, o incentivo à indústria transformadora dos produtos de pesca é condição indispensável para um melhor aproveitamento da produção quer em termos de valorização, quer em termos de regularização e garantia do seu escoamento, para além de aumentar o peso deste último sector na economia, pela incorporação de maior valor acrescentado, a qual não será obtida se os produtos forem escoados em estado bruto (ou em estado fresco).

O desenvolvimento deste segmento da indústria transformadora não requer tecnologias de ponta ou avançadas — envolve processos de fabrico conhecidos facilmente instaláveis —, e permitirá a criação de emprego dando encaixe a mão-de-obra por vezes excedentária do lado da produção do sector primário.

Especificamente na actividade pesqueira, o desenvolvimento da indústria transformadora é uma das condicionantes para a reorientação da frota de pesca, aproveitando os recursos da ZEE ainda subexplo-rados, mas que são menos susceptíveis de consumo directo em fresco. A indústria transformadora de pescado contribuirá também para reduzir o desequilíbrio da balança comercial dos produtos da pesca, quer reduzindo o recurso à importação de processados na área dos congelados, quer aumentando as nossas exportações de produtos transformados.

Em matéria de investigação científica e tecnológica, o esforço nacional tem sido baixo, reclamando, por isso, uma atenção muito especial.

O desenvolvimento científico e tecnológico que o País exige obriga a uma inflexão profunda no modo de coordenar e planificar o crescimento que se deseja. Assim, é indispensável, no plano financeiro, proceder equilibradamente e paralelamente em duas vias:

a) Um crescimento moderado e sustentado das verbas destinadas a suportar o tecido científico e tecnológico português, através das actividades correntes dos seus laboratórios e unidades de investigação, embora, mesmo aqui, corrigindo assimetrias regionais e encorajando a qualidade acima da média;

b) O crescimento rápido das verbas destinadas a actividades programadas e avaliadas rigo-

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rosamente, de atribuição definida ero função de um conhecimento pormenorizado das capacidades e méritos de cada unidade.

A política de desenvolvimento regional terá de ser assumida como a envolvente de todo um conjunto de acções e medidas de política que possibilitem um crescimento mais equilibrado de todo o território nacional. Com efeito, a atenuação de assimetrias regionais constitui uma condicionante severa para a formulação e concretização das várias políticas dirigidas ao crescimento, nas diversas formas e medidas por que se concretizam.

Esta circunstância explica-se, porventura, pela permanência de manifestações diversificadas de desequilíbrios cuja estabilidade no tempo e no espaço quase os fazem confundir com factores de ordem natural: o seu desenvolvimento parece assim independente da vontade dos homens e a respectiva evolução parece desenrolar-se impertubavelmente, mesmo quando confrontada com esforços (quantas vezes desconexos c incoerentes) para a orientar.

Importa ter em conta, no entanto, que a veemência sistemática que é assumida pela manifestação de desequilíbrios no território não corresponde a uma fatalidade histórica; bem pelo contrário, é possível — e naturalmente desejável — contrariar estas tendências, quer propiciando condições adequadas ü concretização das potencialidades das regiões que hoje são menos desenvolvidas, quer prosseguindo medidas e acções que deliberadamente contrariem as diferenciações nos ritmos de crescimento que hoje continuam a favorecer as regiões mais desenvolvidas.

A gravidade desta problemática, em Portugal, é bem conhecida; e, por o ser, podemos afirmar que os problemas que se apresentam não são insuperáveis. Isso poderia não acontecer se, no território nacional, se verificassem significativas diferenciações no que respeita à língua ou à cultura. Sabemos todos, no entanto, como t fácil entendermo-nos e fazermo-nos entender uns aos outros. Conhecemos também, mesmo a ponto de não sentir a necessidade de permanentemente o afirmar, como são fortes os traços culturais comuns que nos unem e que reforçam a nacionalidade.

Ê partindo desta situação — que por estar intimamente adquirida nem sempre é racionalizada — que afirmamos com veemência a existência de desequilibrios no território nacional.

Qual c então a natureza e a gravidade destes desequilíbrios?

A sua manifestação mais relevante — porque é aquela que corresponde a uma condicionante estrutural — concretiza-se através da distribuição espacial da estrutura produtiva, a que se associa a respectiva caracterização.

Os longos séculos de história que moldaram o nosso país ajudam-nos a compreender esta situação, cujos traços fundamentais decorrem da vocação marítima e das funções económico-estratégicas que assumimos ou que fomos incentivados a exercer. Esta condicionante — obviamente apoiada por sectores de ordem natural — provocou uma concentração industrial no litoral (à qual se foram progressivamente associando os serviços) e, em simultâneo, a respectiva diversificação do tecido económico. O restante território permaneceu como que em suspenso, entregue às suas

produções tradicionais, pontualmente contrariadas pela localização de unidades industriais inovadoras que, em regra, transformam recursos naturais particularmente rentáveis e, portanto, correspondem a manchas económicas concentradas e tendencialmente monossectoriais (com dramáticas consequências no que respeita quer à dependênia externa —mesmo se nacional —, quer na inexistência de estímulos à modernização).

De modo associado e frequentemente decorrente da utilização económica do território se processam os fenómenos de urbanização e de distribuição da população no País: a concentração no litoral é predominante, verificando-se em articulação com a emigração para o exterior. A periferia perde habitantes, designadamente os mais empreendedores e os mais capazes, em especial na faixa etária crucial para o crescimento demográfico; e, assim, progressivamente se desertifica e gradualmente perde capacidades de recuperação autónoma.

A resposta tradicional dos poderes públicos perante estas tendências tem vindo a ser determinada por preocupações de racionalidade e economicidade conjunturais: porquê apoiar a actividade económica onde esta é débil? porque melhorar as condições de vida dos cidadãos onde estes não querem viver? porquê construir estradas, colocar telefones, facilitar o acesso à rádio e à televisão, se não há utilizadores que paguem estas «benfeitorias»?

E, assim, Portugal tem vindo a tornar-se regionalmente cada vez mais pobre e mais periférico, no processo bem conhecido de causalidade cumulativa: as causas da pobreza e da perifericidade acumulam-se, agravando progressivamente um processo de consequências muito negativas.

A redução desta problemática à escala nacional é hoje demasiadamente simplista e enganadora.

Ê óbvio, por um lado, que Portugal não foi nunca, mesmo antes da integração formal nas Comunidades Europeias, um território isolado do Mundo, que simultaneamente evoluiu e, designadamente na Europa, em direcções e ritmos diferenciados e frequentemente contraditórios dos nossos: a comparação, mais imediata e fácil, que fazemos em relação a Espanha, con-duz-nos a concluir que o subdesenvolvimento da periferia portuguesa continental acarreta uma efectiva e crescente integração dessas parcelas do território ne-cional nas correspondentes regiões do país vizinho.

Parece extremamente incorrecto, por um lado, reduzir à dimensão nacional a definição das medidas a tomar para corrigir a distribuição territorial da actividade produtiva. Num mundo economicamente aberto, como particularmente se verifica na Europa dos Doze, as decisões de localização empresarial realmente relevantes decorrem da verificação das condições existentes a uma escala supranacional — e, assim, a ideia estratégica que construirmos para Portugal deverá reflectir-se nas decisões economicamente estruturantes, cuja dimensão territorial condiciona o nosso futuro colectivo.

A integração do nosso país na Comunidade Europeia disponibilidade, finalmente, recursos financeiros, cujo montante utilizável para o desenvolvimento de Portugal — e, portanto, das suas regiões — nunca foi visto, superiormente. Esta possibilidade histórica exige, no entanto, que não haja desperdícios, quanto mais não seja porque a dimensão do risco de errar é

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mais do que directamente proporcional à capacidade pata investir. E, para que não haja desperdícios, torna-sc necessário ser deliberadamente selectivo e não ceder à tentação fácil, e no imediato compensadora, de pretender que a correcção dos desequilíbrios regionais vise uniformizar exaustivamente o território nacional: bem pelo contrário procurar-se-á salvaguardar diferenciações regionais e atender a que a prioridade de desenvolver o País não é permanentemente conciliável com o desenvolvimento simultâneo e nivelado de todas as parcelas que o compõem.

Equacionar a problemática dos desequilíbrios regionais portugueses a uma escala exclusivamente internacional constitui, todavia, também um erro, porventura mais grave que o decorrente da mera consideração dos fenómenos internos.

As electivas potencialidades para o desenvolvimento dc Portugal — e, portanto, das suas regiões — existem, naturalmente, no terilório nacional: a primeira, e de todas a mais relevante, corresponde aos portugueses; a ela se acrescentam, depois, os recursos naturais, designadamente os que são desbaratados, mal aproveitados ou mesmo ignorados.

A concretização destas potencialidades e a respectiva mobilização para o desenvolvimento do nosso país —condição indispensável à correcção dos desequilíbrios regionais — deverá fazer-se atacando frontalmente as respectivas raízes:

Por um lado, mediante a prossecução de medidas dirigidas à orientação da distribuição territorial do tecido produtivo;

Por outro, através de uma mais adequada ocupação do território, tanto no que se refere aos padrões de urbanização (e associada distribuição de equipamentos colectivos) como às redes de infra-estruturas estruturantes do território nacional.

A concretização destas orientações adequar-sc-á, natural e necessariamente, ao pensamento estratégico para o País, mas também ao pensamento estratégico definido para cada uma das suas regiões.

Opção EV — Reforço da economia: e combate ao desemprego

As vulnerabilidades e dependências da economia portuguesa serão tanto mais atenuadas quanto mais — no quadro coerenle de actuação enunciado na opção anterior— robustecido for o tecido produtivo nacional.

A economia portuguesa vai atravessar nos próximos anos um período de fortes embates.

Dc entre eles e desde já assume a maior importância o problema do emprego. Conciliar reconversão e modernização com aumento de emprego não é tarefa fácil. Mas é possível.

Reforço da economia c combate ao desemprego estão indissociavelmcnle ligados ao aumento do investimento. Por essa razão, a formação bruta dc capital fixo terá de crescer, nos próximos anos, a ritmos elevados, não inferiores a 8 % a 10 % reais por ano. Considera-se, efectivamente, que uma menor taxa de crescimento não permitirá uma modernização suficientemente acelarada da estrutra produtiva.

A questão fundamental a resolver pela política macroeconómica no período 1987-1990 será a de garantir o financiamento não inflaccionista do esforço de

investimento, sem que se tenha de recorrer a um aumento perigoso da dívida externa, o que significa, por outras palavras, que é necessário obter uma suficiente formação de poupança interna.

Para isso contribuirá significativamente a já mencionada redução do défice das contas públicas. No entanto, esta redução não poderá ser obtida através de um aumento generalizado das taxas de imposição, o que faria certamente diminuir a poupança disponível do sector privado.

Por outro lado, será necessário aumentar a capacidade de autofinanciamento das empresas, incentivando a não distribuição de lucros e o seu reinvestimento. Neste aspecto os estímulos fiscais serão preponderantes. No que respeita às empresas públicas, a política de preços será definida tendo como objectivo um aumento da sua capacidade de autofinanciamento.

A estratégia agora definida de aumento de investimento exige, necessariamente, que o consumo cresça a uma taxa bastante inferior, de forma a evitar-se graves desequilíbrios da balança de bens e serviços, bem como pressões inflaccionárias do lado da procura. É fundamental que o mercado interno não se torne mais apetecível do que o mercado externo para as empresas nacionais, o que tem muito a ver com o dinamismo do crescimento da procura interna versus procura externa.

Mesmo assim, considera-se possível um crescimento entre 2,5 % a 3 % ao ano para o consumo privado, valor que permitirá uma melhoria significativa das condições dc vida.

Uma oulra consequência da modernização acelerada da estrutura produtiva sorá o crescimento mais rápido das importações, principalmente de bens de equipamento, mas lambem dos bens intermédios que um crescimento sustentado também origina.

No entanto, mesmo considerando que os efeitos de substituição dc importações não se farão sentir ainda significativamente até ao final da década, prevê-se que seja possível conseguir uma taxa de crescimento das importações não superior a 5,5 % ao ano, que corresponde a uma elasticidade de l ,2 % cm relação ao PIB.

Admitindo um crescimento de 6 % para as exportações c salvo qualquer alteração radical do enquadramento internacional —que levaria naturalmente a alterar a política económica—, será possível manter a balança de transacções correntes com um défice inferior a meio bilião de dólares em 1990, valor que sc considera perfeitamente financiávcl.

O crescimento a bom ritmo do produto (4 % a 5 %) e do investimento há-de fazer, tendencialmente — não dizemos imperativamente, porque não acreditamos em quaisquer formas de vincular a decisão de investir—, pela lógica das vantagens comparativas, de Portugal uma economia aberta e concorrencial. Seguramente, esta lógica não é no sentido das actividades intensivas em capital c ou sofisticadas em tecnologia, muito embora possa num número reduzido dc casos escapar a esse sentido predominante.

Há, por isso, razões para esperar que o crescimento económico projectado para os próximos anos seja feito com significativo crescimento do emprego, a par dc sensíveis melhorias da produtividade e da competitividade (não peia via da política cambial, quanto a esta).

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Em média, ao longo dos anos 1987-1990, é razoável projectar que a produtividade cresça na casa dos 3 % e o emprego de 1 % a 2 %. A política económica poderá influenciar —não determinar— que o crescimento do produto se faça um pouco menos pelo lado da produtividade e um pouco mais pelo lado do emprego. £ um caminho arriscado porque pode fazer atrasar ou distorcer a modernização das estruturas produtivas. O Governo vai, com a ponderação que os problemas económicos e sociais em presença exigem, procurar motivar o crescimento um pouco mais pelo lado do emprego. Conta, para isso, com a efectiva possibilidade de reduzir o custo relativo do emprego, o que pressupõe o preenchimento de cinco condições que se revestem de importância decisiva:

a) Fazer incidir as medidas da «política de redução dos custos unitários de produção» mais sobre os encargos que oneram o emprego — designadamente os de natureza fiscal ou parafiscal — do que sobre os encargos que oneram os outros factores de produção, sem, obviamente, criar artificialismos, que se pagam caros, nos custos do uso da energia ou dos equipamentos;

b) Restaurar a faculdade de uma empresa gerir, pelos processos normais, a componente laboral das escalas microeconómicos da produção; os «contratos a prazo» têm constituído um subterfúgio que permite aos empresários atenuar o sobrecusto associado à rigidez labora! da escala: é indispensável acabar com este sobrecusto e com o recurso anómalo aos «contratos a prazo»; durante anos, temos assistido, por essa razão, a um encarecimento relativo do factor trabalho; c uma das manifestações mais delicadas deste encarecimento é de origem psicológica e não contabilizávcl, mas com severos efeitos na propensão para investir e criar emprego em Portugal;

c) «Europeizar» a legislação laboral —o que abrange o pressuposto anterior— no sentido de colocar as empresas portuguesas em pé de igualdade com as empresas da CEE no que respeita ao mercado do trabalho e no sentido de tornar o recurso ao factor trabalho mais condizente com a racionalidade empresarial e, portanto, mais atraente quando posto em comparação com as hiptóeses alternativas de simplesmente não investir ou de investir poupando o trabalho e reforçando o capital técnico (acentuando o coeficiente capital/emprego):

d) Investir dinheiros públicos c fundos da CEE (Fundo Social Europeu) na valorização profissional dos recursos humanos — conforme consta da opção vu—, deste modo elevando a sua produtividade potencial e baixando o seu custo relativo;

e) Congregar o entendimento dos parceiros sociais no sentido de uma política de rendimentos que ajude a promover o emprego em vez de o contrariar; os excessos salariais têm-se revelado efémeros; a moderação salarial é susceptível não só de proporcionar melhorias duradouras do nível de vida como também de suscitar reduções do emprego.

São estas cinco condições que conferem ou retiram força à grande opção que o Governo assume de combater o desemprego. As condições a) e d) estão, em grande parte, nas mãos do Governo, que não deixará de as fazer cumprir ano após ano, com melhorias graduais sensíveis. Referência especial merecem as medidas já tomadas em 1986 quanto a: criação da «taxa social única» e redução em 1 % (0,5 % por conta da empresa; 0,5 % por conta do trabalhador, o que indirectamente há-de proporcionar menor pressão sobre os salários brutos); dispensa de contribuições sociais nos empregos dados a jovens; redução do imposto profissional (com efeitos indirectos análogos aos indicados para os 0,5 % da taxa social única na parte do trabalhador).

Os pressupostos b) e c) não dependem, porém, só da vontade do Governo. Considera o Governo ser muito pouco provável que o País consiga resultados excelentes em matéria de combate ao desemprego se não houver novas leis do trabalho; ou seja, os pressupostos b) e c) fogem ao controle do Governo e sem eles não se poderá garantir objectivos ousados de redução do desemprego, ainda que o produto e o investimento venham, de facto, a crescer ao bom ritmo que se projecta.

O pressuposto e) não depende só da posição do Governo. Mas o Conselho Permanente de Concertação Social chegou já a um acordo de grande significância na matéria— o citado acordo de 29 de fulho de 1986. Há que prosseguir nesta linha.

Se os pressupostos a), b), c), d) e e) forem preenchidos cm grau satisfatório, tornar-se-á provável que o emprego cresça em média mais perto dos 2 % do que ! % ao ano, à medida que o PIB for crescendo os 4 % a 5 % previstos. E se o emprego tendesse a aumentar não muito longe dos 2 % ao ano — difícil mas não impossível de atingir — a laxa de desemprego poderia diminuir, passando dos actuais 10,3 % (INE, 2." trimestre de 1986) para um nivel da ordem dos 7 % em 1990.

A política dc emprego deverá, também, garantir uma maior flexibilidade na transferência de emprego entre sectores. Com efeito, o nosso processo de crescimento levará, necessariamente, a uma quebra no emprego no sector agrícola, que terá de ser absorvida por outros sectores, fundamentalmente construção e serviços.

A criação dc novas actividades e empregos e de novas profissões tem de ser estimulada também com base nas iniciativas de nível local e regional (PMEs, cooperativas, etc.), a fim de explorar e desenvolver o potencial económico local menos exigente em capital do que em mão-de-obra.

As acções de formação e reciclagem profissional, programas de empregos específicos e a circulação rápida de informação sobre oportunidades de emprego serão aspectos fundamentais a desenvolver no sentido de melhorar os custos sociais que a inevitável transferência intersectorial de emprego irá originar.

Ligada ao reforço da economia encontra-se a modernização do sistema financeiro, que se deverá processar por forma a desenvolver com eficiência a promoção do aforro e a aplicação eficiente dos recursos captados, dando resposta às solicitações concretas de aforradores e investidores. Nesta perspectiva assumem particular relevo o lançamento de novos instru-

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mentos financeiros, a criação de novas instituições e, em particular, de novos investidores institucionais e o impulso da actividade dos mercados de títulos.

Pretende-se que os novos instrumentos de aplicação constituam alternativas credíveis aos depósitos bancários e que estejam acessíveis a um número crescente de poupanças, independentemente da sua dimensão.

As instituições financeiras a criar, às quais cabe importante papel no processo de inovação e expansão anteriormente referido, deverão inserir-se numa estratégia de multiplicação de iniciativas de intermediação financeira especializada. Tal especialização deverá decorrer naturalmente do desenvolvimento da vocação e das vantagens relativas de cada instituição.

A modernização do sistema financeiro não constitui, no entanto, um fim em si. As medidas a tomar intensificarão a concorrência e estimularão a capacidade de inovação, impondo a baixa do custo de intermediação financeira, com benefício quer para os aforradores, quer para os utilizadores dos recursos captados pelo sistema.

O sistema financeiro passará, por outro lado, a proporcionar soluções mais adequadas às necessidades dos agentes económicos. São de salientar neste domínio os benefícios que se poderão obter do lado do financiamento da economia e particularmente do investimento, com a criação de fórmulas cujas características de custo e exigibilidade se adaptem às necessidades das empresas.

A nova dimensão do sistema financeiro adquire, pois, um significado que extravasa as suas fronteiras, induzindo efeitos benéficos no conjunto da economia. Contribuirá, seguramente, para que seja mais eficiente a afectação de recursos e se faça acumulação de capital nos sectores produtivos — condição indispensável para o reforço da economia.

Não há economia forte sem um forte e justo sistema fiscal. Por isso, o reforço da economia passa pela modernização do sistema fiscal, processo já iniciado na tributação indirecta com a introdução do IVA e que prosseguirá, com os trabalhos em curso, na tributação directa que completará o ciclo da reforma fiscal.

O objectivo é o de alcançar a eficácia do sistema para o que se aposta nas virtualidades e coerência do imposto único, gerido por uma administração fiscal renovada, onde a componente informática terá um papel de relevo, assim como a fiscalização. É, aliás, a informatização que irá proporcionar o tratamento da informação fiscal, factor nuclear para direccionar as acções de fiscalização, dando-lhe o sentido de operacionalidade que lhe tem faltado no eficaz combate à fraude e evasão fiscais.

Com esta acção e orientação estratégica caminhar--se-á no sentido dos sãos princípios da prevenção fiscal, que enquadra os infractores na legalidade, permitindo aliviar algumas taxas de tributação, prémio desejável para quem cumpre as obrigações fiscais. Espera-se, assim, melhorar o nível das receitas fiscais, fazendo crescer o valor percentual destas, em função do PIB. sem, todavia, aumentar a carga fiscal sobre o contribuinte cumpridor.

O domínio da problemática fiscal permite ao Governo utilizar a fiscalidade como instrumento seguro de dinamização da actividade económica, política que, aliás, já se iniciara no quadro do Orçamento do Estado para 1986, ao instituir-se o crédito fiscal por investimento (CFl) e ao reformular-se a dedução à matéria colectável dos lucros retidos e reinvestidos pelas em-

presas (DLRR) — reformulação que inclui a possibilidade de os respectivos investimentos poderem ser feitos noutras empresas.

O Governo vai, pois, prosseguir na política de utilização prudente do instrumento fiscal, quer amenizando a tributação dos rendimentos de trabalho e da actividade produtiva, quer lançando estímulos ao investimento.

Procurar-se-á, muito especialmente, aliviar o custo fiscal do emprego, directo ou indirecto, na linha, aliás, do que já foi referido.

Serão igualmente renovados os estímulos à democratização do capital social das empresas, tendo em vista reforçar, de forma consistente, a dinamização do mercado de capitais e proporcionar formas alternativas de aplicação das poupanças. O forte empenhamento do Governo neste domínio visa também corrigir uma das graves distorções da economia portuguesa, traduzida no excessivo peso do crédito bancário às empresas, em função dos seus capitais próprios, endémico factor debilitante do nosso tecido empresarial.

Tão importante, porém, como o ritmo de crescimento do investimento e a concretização das linhas de acção descritas nos sistemas financeiro e fiscal é a orientação sectorial do investimento. Após a recuperação já verificada no investimento em infra-estruturas, no período de 1987-1990 será privilegiado o sector produtivo e, dentro deste, o investimento será orientado por forma a prosseguir a correcção estrutural do défice externo, a redução do desemprego e a modernização e o reforço da economia.

As considerações referentes ao sector da agricultura e pescas foram já feitas na opção iv — Correcção dos grandes desequilíbrios estruturais, na parte que se refere à atenuação do grau de dependência alimentar do nosso país face ao exterior.

No domínio da indústria extractiva e transformadora, que continua a representar cerca de um terço do nosso produto interno bruto e que apresenta relações preferenciais e intensas com praticamente todo*; os sectores da economia, mais importante do que a identificação de um conjunto limitado de programas e acções a desenvolver através dos vários instrumentos de intervenção do Governo é a criação de um enquadramento global adequado e propício ao desenvolvimento empresarial, assente em regras claras e transparentes nos domínios financeiro, de mercado, tecnológico e fiscal.

A nova realidade económica que resulta da integração de Portugal na CEE constitui o parâmetro fundamental do modelo económico de enquadramento do programa de desenvolvimento industrial, modelo que pressupõe uma aproximação clara a uma economia de mercado, cada vez mais alargado, mas mais competitivo, e a necessidade de desenvolvimento de uma estrutura empresarial flexível como resposta aos novos desafios que se colocam.

Um relacionamento bem definido e a delimitação clara de atribuições da Administração Pública e dos agentes produtivos é um princípio a observar em toda a estratégia a seguir. Entendemos que ao Zstado0cabe fundamentalmente um papel regulamentador, fiscalizador e incentivador, cabendo aos agentes económicos a responsabilidade da criação e modernização do parque produtivo e a adopção das medidas de flexibilização empresaria/ e adaptação às novas regras de mercado.

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A criação de um clima de confiança nos agentes económicos que irão promoveT a modernização do tecido industria! nacional e a progressiva eliminação da burocracia associada à intervenção administrativa na vida económica são também vectores preferenciais de actuação.

Acompanhar com prudência esta rotura com o modelo industrial tradicional, adoptar os mecanismos de transição adequados, canalizar o desenvolvimento através da intervenção indirecta por intermédio de mecanismos predominantemente incentivadores, constituem as grandes linhas do processo de actuação.

Preconizam-se, assim, componentes de ordem defensiva, ofensiva e infra-estrutural no âmbito da política industrial com características, prazos de desenvolvimento e objectivos muito distintos.

A componente defensiva que assentará preferencialmente no sistema de estímulos à reestruturação industrial terá um carácter transitório e selectivo, procurando atingir um adequado equilíbrio sectorial através da conjugação de mecanismos integrados de intervenção, não só pelos organismos de Estado com responsabilidade ao nível dos vários factores do desenvolvimento, como também pela mobilização de outros agentes, com especial relevo para os próprios empresários e instituições do sistema financeiro. Trata-se, como o próprio nome indica, da utilização de instrumentos que melhor defendam uma transição correcta para o novo sistema industrial, incluindo-se aqui, e pelas mesmas razões, as acções de saneamento económico-financeiro das empresas públicas industriais.

A consolidação, implantação e desenvolvimento da infra-estrutura tecnológica de apoio ao desenvolvimento industrial, onde pontificam os centros tecnológicos, constituirão a parcela mais significativa da chamada componente infra-estrutural. Com uma ligação muito estreita às associações industriais e à comunidade empresarial em geral, que assumirá a sua gestão no relacionamento directo com as empresas, estes verdadeiros centros de modernização permitirão melhorias progressivas no âmbito do controle e certificação da qualidade, formação e desenvolvimento tecnológico, e até mesmo no âmbito da investigação aplicada à indústria, esta última em estreita colaboração com as universidades e institutos de investigação. O processo de maturação das outras unidades de apoio técnico e tecnológico, de que se destacam os centros de tecnologia de informação, a rede de extensão industrial e o próprio centro de conservação de energia, constituirá a restante malha coerente de apoio directo às empresas industriaias — apoio que não dispensará obviamente a continuação de todo um programa de intervenção que um conjunto de entidades de interesse público indiscutível, designadamente as associações industriais, vêm prestando e com as quais se estabelecerão pda via protocolar mecanismos de estreitamento dos laços de cooperação.

Mas será no âmbito do que se convencionou chamar componente ofensiva que o Governo concentrará os seus esforços de actuação, promovendo com a urgência que o nosso relacionamento europeu exige a modernização do parque produtivo nacional e a criação de um espírito empresarial moderno.

E este programa, que é também de recuperação da confiança dos agentes económicos nacionais, desenvol-ver-se-á de acordo com uma aproximação que contempla duas grandes linhas de actuação: consolidação e

estabilização de programas de intervenção global, generalizada e horizontal; concentração do maior volume possível de recursos num número limitado de variáveis estratégicas de intervenção, ligadas ao processo de transformação estrutural industrial, o que permitirá o surgimento de um fenómeno de difusão de uma nova realidade económica, a partir de pequenos núcleos de excelência.

No primeiro conjunto situa-se, em lugar destacado, o sistema de estímulos de base regional, instrumento alargado de intervenção ao nível da modernização do aparelho produtivo nacional e do fortalecimento de embriões empresariais que se vêm desenvolvendo em regiões de menor potencial de crescimento e apetência industrial.

Mas também se integram neste capítulo as acções de consolidação e estabilização dos programas em curso nos vários organismos da Administração Pública do sector industrial, e do seu modelo de gestão corrente, de modo a criar um referencial estabilizado e, simultaneamente, consolidar os mecanismos de confiança dos vários agentes económicos. Acções dirigidas às empresas públicas, nomeadamente em termos de racionalização e criação de um novo enquadramento empresarial, flexibilização empresarial, desinvestimento e diversificação do investimento, aumento de eficiência económica e de produtividade, consolidação das relações com as várias instâncias comunitárias, e, finalmente, consolidação das acções de desbloqueamento dos constrangimentos ao desenvolvimento industrial, de reforço dos quadros técnicos e de gestão para as empresas e de desenvolvimento cuidado de novos instrumentos de intervenção genérica após a consolidação dos instrumentos actuais, serão também áreas dc actuação a privilegiar.

.Foram, por outro lado, identificadas cinco variáveis estratégicas onde se concentrarão os maiores esforços com vista ao desenvolvimento industrial: qualidade, inovação, PM Es, informação e energia.

A melhorias genéricas do sistema de qualidade das empresas no sentido da sua melhor inserção num mercado alargado e mais exigente; a instituição da «semana da qualidade industrial»; o estabelecimento de acordos com instituições de qualidade europeias, no sentido do reconhecimento mútuo dos certificados de qualidade, facilitando a movimentação dos produtos industriais portugueses nos vários países, e a implementação a nível nacional de um sistema de homologação e de normas técnicas e o desenvolvimento de um sistema metrológico nacional coerente (envolvendo as vertentes de metrologia científica, legal e industrial) constituem as bases para a criação de um verdadeiro «espírito de qualidade» na indústria nacional.

Do mesmo modo, a contribuição efectiva, aos vários níveis, para a criação de um «espírito de inovação» na indústria nacional passa pelo incremento dos contratos de desenvolvimento industrial com as universidades e as empresas, pelo reforço da estrutura actual, bem como pela criação de novas empresas industriaias de desenvolvimento, pela institucionalização da «semana da inovação industrial» e pelo incremento dos programas de bolsas e estágios para jovens licenciados, criando a atracção para as actividades de investigação aplicada.

Constituindo as pequenas e médias empresas industriais a base alargada do tecido industrial português.

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importa concentrar esforços no desenvolvimento destas unidades flexíveis, perfeitamente inseridas nas características económicas, sociais e culturais do nosso país e que apresentam considerável potencial de crescimento. As prioridades mais significativas neste domínio repousam em acções de fomento da melhoria tecnológica, comercial, financeira e de gestão das PM Es, através do fomento de uma maior aproximação ao mercado; de estímulo às acções de agregação de PM Es, constituindo novos grupos empresariais que maximizam o efeito sinergético dessa associação; da dinamização de acções conducentes à utilização dos novos instrumentos financeiros e da promoção e apoio real ao aparecimento dos jovens empresários nas PMEs.

Mas é ao nível da informação que mais há para fazer.

É necessário descentralizar completamente a transmissão de informação; é urgente que a enorme quantidade de informação disponível nos diversos organismos da Administração Pública e outras entidades chegue aos seus utilizadores terminais, ou seja, às empresas e, mais especificamente ainda, às PMEs. Como todos os processos de difusão, este processo é longo; mas é necessário iniciá-lo imediatamente, intro-duzindo-lhe um factor de aceleração elevado. E é nesse contexto que se promoverá a implementação de um «banco de dados» com informação de ordem tecnológica, técnica, comercial e financeira em articulação com as associações empresariais, a melhoria da capacidade informativa das direcções de serviço regionais da indústria e, de um modo global, a melhoria do sistema de informação recíproca nos vários domínios de intervenção ao nível industrial e energético.

Finalmente, importa considerar a energia como um factor de desenvolvimento e não como uma utilidade que se tem de produzir e consumir. Esse facto exige, para além de uma constante preocupação ao nível da adequação dos custos e preços das várias formas de energia, a interligação entre os processos de conservação e diversificação energética e a modernização industrial das empresas, o fomento das acções de utilização racional de energia e desenvolvimento de novas formas de energia, a flexibilização do sistema elec-tro-produtor, atendendo ao incremento dos pequenos aproveitamentos hidroeléctricos, e o fomento da au-toprodução de energia, assim como a divulgação e utilização dos vários instrumentos comunitários nc âmbito energético. Instrumento preferencial de actuação será assim o novo sistema de estímulos à utilização racional de energia, que estabelece como linha prioritária de actuação as acções de conservação e eliminação do desperdício energético no sector industrial. Energia em melhores condições para as empresas e para os cidadãos em geral é o objectivo genérico, com acções preferenciais para as primeiras, porque são instrumentos de desenvolvimento cujo progresso se reflecte directamente nos segundos. Esta óptica exige também especial atenção ao nível da produção concentrada de energia e, por reflexo, a necessidade de uma informação actualizada sobre os diferentes processos de produção de energia eléctrica e o cumprimento dos compromissos assumidos ao nível da política energética comunitária.

Alguns elementos de base enquadram este programa de actuação no domínio industrial e energético. Real-

çaremos apenas três, pelas suas implicações reais e importância relativa em relação aos restantes: a nova realidade económica que resulta da integração de Portugal na CEE; os recursos financeiros disponíveis, e o relacionamento entre a Administração Pública c os agentes económicos. O primeiro elemento de base constitui o parâmetro fundamental do modelo económico de enquadramento do programa de desenvolvimento industrial, que pressupõe uma aproximação a uma economia de mercado, a consideração do mercado cada vez mais alargado mas mais competitivo e a necessidade de desenvolvimento de uma estrutura empresarial flexível como resposta aos novos desafios. Aliás, a flexibilidade é uma constante do próprio programa, que sc desenvolverá com taxas de crescimento diferentes de acordo com os recursos financeiros que se possam canalizar para o mesmo; as potencialidades de crescimento serão consideravelmente acrescidas com a aprovação pela Comunidade do Programa Específico para o Desenvolvimento da Indústria Portuguesa, razão pela qual os esforços para a garantia de cumprimento deste compromisso comunitário, assumido no processo de adesão, se manterão na primeira linha de preocupações do Governo. O terceiro elemento de base é quase óbvio: a manutenção e consolidação do sistema democrático exige uma economia saudável, agentes económicos dirigidos para a criação de riqueza, um Estado redistribuidor e justo no tratamento dos cidadãos, uma Administração organizada, eficiente e prestigiada. é assim que se relevam como factores fundamentais a consolidação do sistema de intcr-rclacíonamento entre os vários organismos públicos da área industrial e de relacionamento com a comunidade empresarial e do seu sistema de gestão interna e de controle de gestão.

Na área do comércio e com vista a superar os principais problemas do sector é primordial promover, através da reformação, formação e assistência técnica a empresários e empregados, a elevação do nível de produtividade, o aumento do grau de concorrência, de transparência e encurtamento de circuitos de distribuição, bem como a melhoria da relação qualidade/ preço dos produtos e serviços oferecidos ao consumidor.

Ao integrar-se nas Comunidades o País optou claramente por um regime de economia de mercado, pelo que optou também, implicitamente, pela utilização de uma política de «concorrência» como meio indispensável para a concretização dos grandes objectivos económicos inerentes a tal regime.

As bases de um regime de concorrência entre agentes económicos são a liberdade contratual, a liberdade do comercio e de indústria c a liberdade de escolha da procura resultante daquelas. A implementação controlada destas liberdades deverá ser desenvolvida dentro de limites que garantam os direitos e liberdades da maioria, o que exigirá por parte dos poderes públicos o estabelecimento de regras, libertas de dirigismo económico, mas criadoras dc condições para o são exercício do jogo da concorrência entre aqueles agentes.

As regras básicas já estão consignadas em legislação própria. Haverá que mantê-las sistematicamente adaptadas aos interesses do Estado em termos de liberdade de aprovisionamento, produção, distribuição e preços.

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A política de concorrência que se desenvolverá, não sendo um fim em si mesma, é, contudo, uma componente muito eficaz na luta contra a inflação, será motivadora da diversificação de agentes económicos, estimulará a inovação, a racionalização da produção e de distribuição e o progresso técnico, originando produtos que cheguem ao consumidor nas melhores condições qualidade/preço e escolha alargada.

O fomento desta política permitirá ainda, na medida em que acaba com entraves artificiais regulamentares ou resultantes de indesejáveis comportamentos de agentes económicos, corrigir desequilíbrios estruturais quer na indústria quer no comércio, dado que criará melhores condições de competitividade aos agentes económicos mais débeis face aos mais poderosos.

Esta política dinamizará ainda um novo conceito dc empresário e de empresa, posto que aquele terá de assumir com plena responsabilidade a liberdade que lhe é dada, decidindo autonomamente e enfrentando os riscos, procurando desenvolver estratégias activas no mercado.

As posições de mercado terão de ser defendidas não de forma artificial pelo recurso a práticas restritivas da concorrência ou ajudas proteccionistas, mas pela melhoria da qualidade dos produtos e dos serviços prestados, por preços mais competitivos, por políticas comerciais mais agressivas, pela conquista de novos mercados.

Para as reformas estruturais que se impõem é condição necessária a abertura progressiva do mercado nacional ao exterior, por forma a fomentar o rendimen-sionamento e a competitividade das empresas nacionais.

A procura de mercados exteriores será um meio de colmatar a exiguidade do mercado interno nalguns sectores, o que conduzirá por certo a salutares formas de cooperação entre pequenas e médias empresas para a conquista desses mercados. Alguns sectores terão de passar por processos de concentração económica, ganhando dimensão e corrigindo desequilíbrios estruturais.

Na área de distribuição dinamizar-se-ão os seus circuitos, desenvolvendo e modernizando as infra--estruturas indispensáveis.

Ligados directamente aos interesses dos produtores, será estimulada a implementação de mercados de origem em regiões de produção significativa, visando uma mais fácil colocação dos produtos no mercado, com consequentes reflexos benéficos na organização da produção e melhoria dos produtos em termos de normalização, classificação e qualidade.

Imediatamente a jusante destes, dinamizar-se-á a implementação de mercados abastecedores, visando a racionalização dos circuitos de distribuição inseridos na fase grossista de abastecimentos aos grandes centros urbanos e suas zonas dc influência, condição indispensável para uma maior transparência na formação de preços.

Na área da distribuição/venda directa ao consumidor procurar-se-á conciliar a modernização desejável das infra-estruturas urbanas dc distribuição, ligada à implementação de grandes superfícies, com os interesses dos pequenos comerciantes, fomentando-a mas também disciplinando, em colaboração com as autarquias, o desenvolvimento urbanístico c a actividade rlf ssas infra-estruturas.

Da concretização dessa política no seu conjunto, a qual garante a liberdade de acesso ao mercado e a liberdade de acção aos agentes económicos em situação concorrencial, fica assegurada uma maior transparência do mercado e particularmente a defesa dos consumidores. De facto, a diversificação dos agentes económicos actuando em regime concorrencial e servindo consumidores cada vez mais exigentes obrigará a estratégias de venda mais activas esclarecedoras daqueles sobre as vantagens dos produtos apresentados. A evolução das estruturas da produção e da distribuição, no sentido da sua racionalização e modernização, garantirá aumentos de produtividade e redução de custos, que se reflectirão em preços mais vantajosos. Da dinâmica concorrencial resultarão melhorias da qualidade dos produtos e dos serviços prestados, com o aparecimento inevitável de novos produtos, que aumentarão a capacidade de escolha por parte do consumidor.

Será ainda objectivo no âmbito do comércio a desburocratização e flexibilidade das normas jurídicas, tendo em conta a já referida modernização do aparelho comercial, a sua dinâmica e ainda a harmonização decorrente da recepção, no direito interno, das directivas da CEE.

Por outro lado, a integração abriu perspectivas decorrentes do enorme alargamento de mercado a que Portugal passa a ter acesso directo. Todavia, muito há a fazer a montante, designadamente no que respeita ao factor qualidade.

Sendo a exportação assumida como um objectivo nacional, indispensável para assegurar o reforço da economia e a criação de emprego, pela via do mercado, há que garantir a coerência de actuação do Estado na sua função supletiva, mas indispensável, de enquadramento e orientação da actividade dos agentes económicos.

O alargamento e consolidação do mercado deverá ser apoiado numa atitude de interessada cooperação internacional, pautada pela observância de princípios de reciprocidade graduada, para a irradiação de todas as formas dc proteccionismo, para a liberalização progressiva c ajustada às realidades de cada sector do comércio mundial, na procura de soluções multilaterais globalizantes e que preservem o equilíbrio dos benefícios c concessões.

O sistema de transportes tem um papel essencial no desenvolvimento das trocas comerciais, quer no mercado interno quer no externo.

Um sistema de transportes flexível, permitindo soluções alternativas, funcionando sem estrangulamentos e a custos relativamente baixos, é um factor essencial para o crescimento económico. Por outro lado, o sistema de comunicações, sobretudo das telecomunicações, é o instrumento indispensável para que as informações úteis para os processos decisórios fiquem disponíveis em tempo oportuno, sem o que não há eficácia na utilização dos recursos produtivos.

O sector empresarial do Estado não poderá ser abordado numa ópt;ca global, dado que se trata de uma entidade que não tem existência económica coerente. A análise dos problemas no sector passa pela análise individualizada das várias empresas que o constituem, essas s;m unidades económicas coeren'cs. A diferenciação existente entre as empresas condicionará inevitavelmente as soluções a adoptar no futuro.

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Haverá ainda que ter em conta a diferente natureza das empresas, distinguindo as prestadoras de serviços sociais daquelas que operam ou deveriam operar em mercado aberto e concorrencial. Se às primeiras, sem deixar de exigir uma correcta gestão, haverá, que prestar adequado apoio criterioso e previamente fixado em função dos serviços prestados, as segundas, a menos que se verifiquem razões de natureza estratégica nacional ou de vital interesse para a comunidade, terão de se submeter às regras da concorrência em mercado aberto.

Quanto a estas últimas, e sendo certo que se adoptarão soluções diferenciadas para cada empresa, face aos resultados de análise de diagnóstico, ter-se-á especial preocupação ao nivel da flexibilização das estruturas empresariais e do aumento da produtividade e da eficiência económica, da racionalização económica e da consolidação das estruturas económico-financeiras das empresas. Procurar-se-á adoptar modelos de gestão de aproximação aos mercados e de responsabilização dos gestores em função dos resultados de índole eco-nómico-financeira. No que respeita à flexibilização da estrutura de capitais e do modelo empresarial global concretizar-se-ão acções de desinvestimento e promo-ver-se-á, nos termos da lei, a abertura do capital social das empresas, no sentido de se virem a converter ou em sociedades de capitais exclusivamente públicos (Estado e outros entes públicos) ou em sociedades anónimas de economia mista (maioria do Estado ou outros entes públicos, com intangibilidade do capital inicial do Estado).

Nos quadros da página seguinte apresentam-se as projecções macroeconómicas para 1987.

QUADRO I Despesa interna (Taxa de variação em volume e taxa de variação de preço)

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

(°) Não inclui cs despesas com a aquisição de fragatas.

QUADRO II Balança cte transacções correntes (10* USD)

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Nota. — Não inclui transferências da CEE.

Opção VI — Um novo conceito de empresa

A empresa no mundo moderno não é somente o local de coordenação de factores produtivos, com vista ao aumento do valor acrescentado. Tem de ser isso, evidentemente, mas falta-lhe ser bastante mais do que isso. A empresa moderna não se limita a contribuir para o robustecimento do tecido produtivo nacional — é também um espaço de realização pessoal e profissional para todos aqueles que aí exercem as suas actividades. A empresa que se limita a criar «empregos» está condenada a ter trabalhadores mal empregados. A empresa moderna, em contrapartida, emprega criativamente os trabalhadores, sabendo empregar devidamente a criatividade de cada um.

Não há criatividade sem compreensão e convergência de objectivos comuns, onde cada trabalhador compreende a sua contribuição como valiosa e única e por isso se orgulha dela, ao ser reconhecida pelos colegas e pelos empregadores, e finalmente ao poder reconhecê-la orientada para o objectivo comum, em permanente realização. A separação nítida de tarefas, e à identidade laboral que daí decorre, tem de corresponder uma consciência igualmente clara da comunidade final de esforços, expressa no alcance de objectivos psicológica e materialmente satisfatórios.

Neste reequilíbrio da empresa, entendida como comunidade produtiva que tanto produz valor material como valor humano, os gestores são o recurso trais raro, já que é a eles que compete assegurar o justo equilíbrio entre a produção de bens e a criação e estímulo do brio profissional. Os empreendedores têm de se transformar em empresários, identificados com a comunidade laboral e pessoalmente realizados pelo próprio trabalho de gestão, e não apenas pelo seu lugar hierárquico ou pela sua maior compensação material.

Um empreendedor tem uma série de objectivos que se satisfazem e diluem no momento da sua realização. Um empresário concebe uma ordem de objectivos que se sucedem e adaptam continuamente, modificando-se e perpetuando-se à medida que se vão alcançando. Um empreendedor é um empregador, que emprega pessoas para desempenharem funções determinadas. Um empresário, em contrapartida, faz depender as funções da pessoa, assegurando uma produtividade mais plena, tanto no campo material como no campo da satisfação e da valorização profissional e humana.

A empresa moderna tem um ethos e uma identidade próprias, que tira o máximo partido de cada elemento humano, porque é só com esse máximo que cada elemento atinge o seu máximo de satisfação. O empresário moderno identifica-se com a sua equipa. Cada elemento individualmente, e todos os elementos simultaneamente, fazem o que o empresário não é capaz de fazer fisicamente, mas fazem-no conforme o que ele sabe que eles são capazes de fazer.

A empresa moderna s flexível e adaptável e tal como as boas equipas varia a composição, a disposição e a estratégia, conforme os adversários que enfrenta z os campos onde tem de actuar. Tudo pode mudar, à excepção da identidade e dignidade individual dos seus membros e colectiva daquela associação. Ê precisamente porque tudo o resto pode mudar que se consegue manter essa identidade.

 empresa moderna é uma comunidade produtiva à qual se pertence e, ao mesmo tempo, uma comuni-

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dade que pertence a cada trabalhador (quando ele diz «a minha empresa» ou quando ele diz, da empresa toda, «nós»). O poder de decisão não depende da propriedade da empresa, mas da propriedade de cada decisão no quadro da identidade e dos objectivos da empresa.

Finalmente, a empresa moderna pertence a uma sociedade mais larga, na qual todas as empresas são sócias, e partilha com as outras um mesmo respeito pelas regras que garantem uma coexistência competitiva, mas comum.

Torna-se urgente a operacionalização de um novo conceito de empresa, com uma nova concepção do trabalhador e do empresário. Uma equipa nacional que se pretende internacionalizar não pode continuar a empregar estratégias tradicionais ou provincianas — tem de se adaptar e actualizar, não só para vencer, mas para poder ir mudando, de maneira a poder ir vencendo.

Durante a década de 70 pôs-se em causa, de forma particularmente aguda, o modelo de desenvolvimento industrial assente em grandes indústrias de energia e capital intensivos, grandes importadores de equipamento. Esse modelo, patente hoje em sectores nacionalizados e resultante da «estratégia dos sectores pesados», mostrou-se inadequado e incapaz de dar resposta aos problemas de emprego e reequilíbrio da balança comercial de Portugal.

Entretanto, por todo o lado vamos assistindo a uma ruptura com um modelo de desenvolvimento assente nas grandes indústrias consumidoras de energia e de matérias-primas. Indústria ligeira contra indústria pesada, tecnologias descentralizadas contra processos de decisão em massa, são sinais evidentes de uma nova revolução industrial onde a electrónica, a informática e a biotecnologia induzem uma efervescência de iniciativas, multiplicidade de agentes e modos de produção e de organização em rede e pouco hierarquizados.

Assiste-se ao desenvolvimento de um novo e importante sector de serviços, coerente com as novas formas de organização social, a que se convencionou já designar de quaternário: são, por exemplo, as novas formas de lazer e necessidades culturais da mais diversa natureza que abrem caminho a novos consumos de massa, respondendo a toda uma mudança de hábitos. O modo de vida está assim em transformação pela produção ao domicílio de múltiplos serviços dé informação, documentação, formação e lazer.

Aqui, também como noutros domínios, os próximos anos aprescnlam-se cheios de ameaças mas plenos de oportunidades, o que reclama mais do que nunca que as empresas e as organizações disponham de estratégias de actuação adequadas.

Na busca dessa definição haverá elementos que, pela sua importância decisiva, terão de ser minuciosamente considerados.

Assim, com a aceleração do progresso tecnológico desapareceu o conceito de negócio estável. A alternativa que se põe para a maior parte das empresas é quase entre a expansão/diversificação e o desaparecimento. O conceito de empresa tende a sobrepor-se à noção de negócio ou sector de actividade, pois que a sobrevivência da empresa pode obrigá-la a abandonar o negócio actual e a encetar novas actividades.

O rápido desenvolvimento das novas tecnologias de informação constitui um desafio à capacidade criadora e ao espírito de adaptação do tecido empresarial. Este

terá de repensar os esquemas de organização ao nível da lógica geral dos actos concretos de gestão e de produção.

Daqui decorre que a empresa terá de ser mais flexível no sentido de reduzir a influência dos seus elementos de rigidez para um maior desenvolvimento de produtividade, portanto da sua competitividade. E, por isso, da preservação do emprego existente.

A imperiosa necessidade de uma maior flexibilidade nos mercados de trabalho e emprego surge assim não só por razões económicas ligadas ao declínio de certas actividades tradicionais e à transferência de recursos para novos sectores de actividade mas também por razões técnicas e sociais.

Por razões técnicas devido às mutações tecnológicas que proporcionam o surgimento de novos equipamentos, que tendem a encurtar as linhas hierárquicas das organizações e estruturas, favorecendo o desenvolvimento dos grupos de expressão e desenvolvimento do trabalho em equipa, a dinamização dos grupos de projecto, em suma, a passagem da burocracia industrial à «ad-hocracia».

Por razões sociais porque na moderna empresa o assalariado quer ser considerado com ambições próprias e com autonomia, recusando o «pronlo-a-vestir», isto é, rejeitando o que é exclusivamente quantitativo e colectivo; o indivíduo quer ser reconhecido como cidadão na sua empresa, desejando ser informado da situação da empresa, dos seus projectos a curto e longo prazo. Só assim ele poderá ser mobilizado para uma maior produtividade. Verifica-se ainda uma tendência para que o trabalhador não aceite o condicionalismo de horários rígidos fruto de concepções «tayloristas» de produção, tendendo a começar a escolher entre o trabalho a tempo inteiro e a tempo parcial, entre vida familiar e profissional.

Estamos, assim, no limiar de um novo sistema económico, naturalmente ainda com contornos indefinidos, mas onde se evidenciam novas tendênoias, noves mercados, novos princípios, novas tecnologias, talvez novas ou diferentes instituições, mas seguramente exigindo um novo tipo de empresa, mais leve, mais flexível, mais ajustável ao contexto envolvente.

Neste novo conceito de empresa que desponta torna-se necessário atender a alguns aspectos entre os quais se destacam: a necessidade de encorajar os inovadores, os empreendedores, os que arriscam, incentivando a sua capacidade criativa; a assunção do princípio dos valores partilhados ou da cultura da empresa, reconhecendo-se que a filosofia fundamental de uma organização e o espírito de equipa contribuem mais para os seus resultados do que os recurses económicos ou a estrutura organizativa; a operacionalização de estruturas simples e ligeiras com um número muito limitado de gabinetes de estudo e de estruturas não directamente operacionais, encurtando-se assim os níveis hierárquicos e sabendo-se mais facilmente quem é o responsável; o conhecimento do princípio de produtividade através do elemento humano, aceitando-se o facto de que os trabalhadores não são apenas rj^res de braços mas também e, sobretudo, fontes de ideias; a eliminação da errada concepção de gestão em que se julga que os problemas das empresas se resolvem criando mais órgãos intermediários ou mais holdings é não afinal através das pessoas certas nos lugares certos e próximos dos clientes, que são, afinal, a razão de ser das empresas.

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No contexto da modernização do tecido empresarial, se as novas tecnologias encarnam uma nova revolução industrial não geram por si só nem o crescimento económico nem o emprego. A modernização tecnológica não é o desenvolvimento em si da informática e da robótica mas muito mais a capacidade de estas irrigarem as empresas. Não haverá sectores obsoletos mas sim empresas que incorporam as novas tecnologias e sobrevivem a outras que não souberam ou quiseram fazer e, por isso, morrem.

Mas a mutações tecnológicas em curso só podem frutificar completamente quando se atingir uma nova coerência entre os modos de produção, de consumo, de repartição de rendimentos e de intervenção estatal, o que implica profundas transformações sociais. E pois necessário pensar nas novas formas de organização social, de divisão de organização do trabalho e de repartição de rendimentos entre a população que parmi-tam tornar o sistema sócio-econórnico coerente.

Posto o problema de outro modo, se as mutações tecnológicas estão a gerar um novo aparelho produtivo serão precisas novas formas de organização do trabalho para utilizar esse aparelho produtivo. Com o surgimento de um novo aparelho produtivo, haverá novo tipo de oferta que é preciso compatibilizar com novos tipos de procura.

Portugal não tem tirado partido de muitas das mudanças do mundo contemporâneo. A crise portuguesa não é de facto só energética, monetária ou tecnológica. É sobretudo uma crise sócio-organizacional derivada de uma rigidez acumulada ao longo dos tempos num mundo em permanente mutação. É imperiosa uma nova mentalidade, é vital uma nova forma de encarar a empresa, célula base da actividade sócio-económica.

Urge assim criar ou revitalizar um tecido industrial, associado a um modelo de industrialização (descentralizado) em que os processos de desenvolvimento industrial e regional se encontrem ligados. Esse modelo assentará em pequenas e médias empresas nacionais com capacidade inovadora e tecnologia própria, propiciadora de auto-suficiência empresarial futura no domínio tecnológico.

A ligação entre os desenvolvimentos industrial e regional é vital para o aparecimento de uma nova geografia do emprego em Portugal. Com efeito, a animação da actividade económica e a criação de emprego junto dos locais onde os cidadãos nascem e vivem deverá ser linha de actuação a privilegiar, através da busca constante de valorização dos recursos endógenos das regiões. Só assim se travam os processos de desenvolvimento exógene ligados à concentração industrial e à urbanização acelerada, as quais geram populações desenraizadas, vivendo na periferia das grandes urbes, com toda a marginalização social e falta de qualidade de vida que isso acarreta.

Mas, para que tal se concretize é necessário que surjam, nas regiões, iniciativas empresariais geradoras de emprego articuladas com a política de desenvolvimento regional. Entre essas iniciativas empresariais destacam-se as Iniciativas Locais de Criação de Emprego (ILEs), novo conceito de pequena empresa potenciada pelas comunidades locais, ligada aos recursos naturais da região e potencialmente propiciadoras de um desenvolvimento autêntico e auto-sustentado."

Ê preciso também favorecer o spin-off, isto é, as grandes empresas devem favorecer a saída de alguns dos seus quadros para que estes criem e desenvolvam

pequenas e médias empresas, o que tornará mais denso o tecido industrial mas também o tornará mais leve e flexível nas respostas que todos os dias é necessário dar aos novos mercados. Ê verdade que o desenvolvimento mais acelerado deste processo depende, entre outros factores e em larga medida, do funcionamento eficaz do mercado de capitais e do surgimento de sociedades de capital de risco.

Não se pode, porém, admitir que seja possível construir uma indústria nova a partir do nada, passando por cima daquilo que já existe. É nesse sentido que a promoção tecnológica e de marketing de segmentos dos nossos sectores industriais tradicionais é vital. Com efeito, o aproveitamento desses sectores tradicionais melhorados tecnológica e comercialmente permitirá gerar recursos que possibilitarão ou facilitarão o avanço para novos segmentos ou sectores, como sejam os de produção de bens e equipamentos e das indústrias da nascente terceira revolução industrial.

Se as empresas portuguesas se encontram perante um série desafio resultante do processo crescente de internacionalização da nossa economia, é necessário que façam uma opção decidida pela qualidade e pela inovação como forma de conquista de segmentes especializados de mercado. Nessa opção os vectores tecnológicos e de marketing são extremamente importantes. As nossas empresas e os nossos empresários têm de passar de uma atitude estática e de mera administração de um património existente para uma postura dinâmica e agressiva constante da procura de novas combinações mercado/produto e do aperfeiçoamento dos aspectos tecnológicos organizacionais, de inovação e de marketing.

Mas, para que essas mudanças se concretizem é essencial a adesão, a formação e a informação dos trabalhadores, bem como a reorganização do tempo de trabalho, o que implica a participação activa dos trabalhadores na empresa.

A empresa deve ser, em primeiro lugar, um espaço de diálogo, de realização pessoal e de criatividade, em que todos, empresários e trabalhadores, estejam abertos à mudança, procurando com inteligência o benefício mútuo; não um local de conflito e de afrontamento ideológico numa época em que o desenvolvimento económico e social estilhaçou a divisão simples entre patrões e assalariados, entre bons e maus, visão maniqueísta e simplista do velho e estereotipado conceito de luta de classes. lá passamos da sociedade bipolar para a sociedade multipolar em que cada um tem múltiplos interesses a defender.

O mito da luta de classes nasceu da convicção de que havia antagonismo absoluto entre o lucro dos patrões e a remuneração dos assalariados. Ora, é preciso compreender o papel fundamental do lucro na empresa. Ê saudável que se assuma na economia portuguesa que as empresas têm de dar lucro. Com efeito, geriir o fundamental numa empresa inclui auferir hoje os proventos necessários à cobertura dos custos de se manter no negócio amanhã. Um negócio que não é capaz de angariar hoje esses lucros tem tendência a desaparecer, emprobrecc a economia e falseia a sua primeira responsabilidade social que é manter a capacidade de produzir riqueza e gerar emprego com os recursos postos à disposição da empresa c dos seus gestores. Assim, o progresso económico depende da capacidade das empresas para formar capitaJ, isto é, para gerar um excesso de produção corrente sobre os

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custos do passado e do presente. Esse excesso é justamente o lucro.

É neste contexto que o Estado e todas as forças sociais devem desenvolver um diálogo social a todos os níveis — nacional, regional, sectorial e na própria empresa — para que o processo de inovação e desenvolvimento tecnológico, irreversível e imparável a prazo, não seja bloqueado no curto prazo, por reacções negativas do contexto envolvente devido aos custos sociais que tal processo inevitavelmente gera.

É neste quadro, ainda, que deve ser equacionado o binómio solidariedade-compctição. É preciso que as empresas sejam válidas e competitivas para que possam pagar atempadamente não só os impostos mas também as contribuições para a segurança social. Só assim é que o Estado terá meios para melhorar os esquemas de protecção social, designadamente os esquemas de cobertura no desemprego.

A melhoria das prestações da Segurança Social e, designadamente, o seguro de desemprego aparece, assim, como uma coadjuvante extremamente válida do ponto de vista social e de uma política correcta de adequação do volume de emprego nas empresas ao seu mercado real ou potencial. Por aqui se reforçará a ligação entro uma política económica adequada em que as empresas tenham capacidade e agilidade para se adaptarem ao contexto envolvente e a indispensável política social, o que fará com que as empresas não continuem, como muitas vezes tem acontecido, a substituírem-se à Segurança Social e a manterem recursos humanos inadequados às suas necessidades.

Num mundo em constante evolução, como é aquele que caracteriza o tempo em que vivemos a empresa e a sua força dc trabalho, como sistemas que são, não se podem manter imunes ou alheias a tedos cs outros sistemas complexos que operam na sociedade.

É preciso que lodos na empresa — empresários e trabalhadores— compreendam que o fim último da empresa é servir um dado mercado e que a afectação de recursos na empresa só é socialmente justificável se os serviços ou produtos gerados por essa afectação de recursos produtivos estiver ao serviço de um conjunto de utilizadores/consumidores. É através desta óptica que a empresa ganha legitimidade social.

Se queremos ter uma economia de mercado, é preciso haver empresas, mas para que estas se criem e desenvolvam é essencial o surgimento de empresários. Para que esse surgimento sc concretize é necessário aproveitar aqueles que já existem e que são válidos, mas é também necessário estimular os novos empresários, sobretudo jovens quadros saídos das escolas. É que as empresas não aparecem normalmente por decreto c o Estado não tem demonstrado vocação e aptidão nem para empresário nem para gestor.

O acesso à função empresarial tem estado condicionado pela herança ou uso da propriedade como riqueza. É pois preciso que esse acesso seja facilitado a quem tem capacidade humana, profissional e ideias válidas para avançar com novos projectos. Só assim a sociedade disporá de novos intérpretes do exercício empresarial.

São pois muitas e variáveis as acções a desenvolver e que podem conduzir rapidamente ao desenvolvimento acelerado de empresários e empresas capazes de enfrentar a concorrência internacional. Mas, para isso, é necessário deixar funcionar o mercado, pois tal como na vida política só surgirão bons políticos se houver

democracia, isto é, competição e alternância no poder. Também na vida económica só com mercado e competição é que podem surgir bons empresários e, por isso, boas empresas.

Uma economia ou sociedade em que não exista o espírito de empresa nunca utilizará, de forma optimizada, os recursos humanos e financeiros de que dispõe. É preciso pôr a economia a funcionar a partir desse «microcosmos» que é a empresa cuja estrela polar é o cliente.

Opção VII — Valorização dos recursos humanos

Uma sociedade moderna robotiza e informatiza a sua indústria e os seus serviços; mas investir somente em novas tecnologias não chega para modernizar uma sociedade. A sociedade moderniza-se através de uma adequada estratégia de recursos humanos. Como contraponto da actual sociedade, organizada em pirâmide, impõe-se uma sociedade organizada em rede. Numa sociedade verticalizada, os recursos humanos são desigualmente valorizados. Numa sociedade que se moderniza, é a horizontalidade que procura valorizar cada vez mais os recursos humanos, repondo o homem no centro do processo de desenvolvimento, de acordo com o círculo mais largo e rico das suas relações.

Aquilo que caracteriza a sociedade moderna é a sua imprevisibilidade, onde a única certeza com que se pode contar é a mudança, a inovação, e até mesmo a surpresa. Um sistema educativo concebido para enfrentar realidades predeterminadas, onde o «amanhã» é pouco mais que uma amálgama estática do «ontem» e do «hoje», é um sistema que prepara cs seres humanos para um tempo e um mundo inexistentes ou já ultrapassados. Em contrapartida, um sistema educativo moderno prepara o homem para aquilo que é inultrapassável c permanente. Nomeadamente, para a comunicação com o desconhecido: com o tempo, e o mundo, e os homens de amanhã.

Preparando o homem para a mudança e cultivando mesmo a apetência pela mudança, o sistema educativo moderno não se limita a transmitir conhecimentos adquiridos — aventurar-se a transmitir a aventura de adquirir novos conhecimentos. Numa frase, ensina a aprender e motiva para empreender. O que o homem tem de mais espantoso não é a sua vivência, é a sua sobrevivência, ou seja, a capacidade de se adaptar ao mundo e de arriscadamente procurar adaptar o mundo a ele.

O gosto pelo risco, as capacidades de imaginação e de criação, bem assim como o talento para o desembaraço e para a negociação do elemento passado com o futuro, são apenas algumas das qualidades mais necessárias a uma sociedade que não só precisa de se desenvolver como deseja desenvolver-se.

O homem não pode contar com um futuro que não consegue prever, nem tão-pouco com um passado que não conseguirá jamais presenciar, tomando o presente. O homem conta, antes do mais, consigo mesmo e com uma sociedade que, por sua vez, conta com outros homens e mulheres como ele. Valorizar cs recursos humanos significa dar-lhes o mais real e alto valor que podem ter — o de enfrentar o que eçtá r^r-r ,■> frente. A única coisa que não muda é a capacidade e a vontade dos homens para enfrentar e criar essa mudança permanente.

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A opção inteligente não é investir no que já é inteligível — é investir na inteligência. É apostar na inteligência propriamente dita, precisamente poT ela ser tão imutável como são infinitamente mutáveis os tempos e as situações aos quais ela se aplica.

A valorização profissional, tal como o sistema educativo, terá de seguir esta mesma concepção. Os trabalhos mudam, mas a capacidade e os limites do trabalho do homem não. A reciclagem contínua não é um desvio do homem — é um desvio de uma sua função, empreendido de modo a que o homem possa continuar a ser (e a sentir-se) funcional.

Valorizar os recursos humanos significa dar valor ao homem, de maneira a fazê-lo sentir-se valioso, com vista a transferir voluntariamente esse valor acrescentado à comunidade de que faz parte. Quanto mais se acreditar na nobreza e na força que são permanentes do homem, nas suas qualidades eternas, mais se poderá arriscar na sua adaptação ao processo constante de inovação que caracteriza (actualmente, como quase sempre) a sociedade em desenvolvimento.

Valorizar os recursos humanos passa, em grande parte, pelo reconhecimento do potencial dos jovens.

No dobrar deste século, os jovens de hoje — entre os 14 e os 30 anos— constituirão a parte mais importante da população activa, em termos de potenciação da actividade económica.

Com efeito, a tendência que se verifica no envelhecimento da população portuguesa e na diminuição da taxa de natalidade poderá alterar, significamente, a pirâmide etária, no início do próximo século.

£ por isso uma prioridade apostar na formação dos jovens de hoje, valorizando e potenciando as suas capacidades criativas e intelectuais, preprando-os para enfrentar os desafios da mudança e proporcionando-lhes novas oportunidades.

Não é só no sistema educativo e no sistema de valorização profissional que se deve procurar dar o justo valor ao homem. Também a saúde e o desporto, ao desenvolver os meios físicos do homem, tão permanentes e naturais como os meios imateriais, permitem que o homem realize as condições de partida da sua potencialidade.

Como grande opção —a valorização dos recursos humanos — justifica-se pelo facto de que não chegará o relançamento económico pelo lado da procura com vista à criação dc emprego produtivo. Torna-se necessário dar especial atenção aos estrangulamentos do lado da oferta e nestes assumem primordial e decisiva importância os recursos humanos.

A chamada reforma das mentalidades é um assunto eterno na cultura política portuguesa e justificação sempre repetida para alterações avulsas que vão disfarçando o fulcro da questão. É que as mentalidades não se reformam. Vão-se formando. E o sistema educativo é apenas uma parcela do universo formador.

No fundo, o erro das diversas tentativas de reforma tem sido duplo: por um lado, o voluntarismo que supõe possível começar de novo sem atender à influência enraizada da longa cadeia de antecedentes; e, por outro, a noção de que o sistema educativo é independente ou «independentizável» da cultura nacional, podendo seguir um modelo estrangeiro de reconhecida e confirmada qualidade.

Valorizar os recursos humanos é, antes do mais, dar-lhes o valor que já possuem, dignificándoos. Só depois, atendendo a esse valor anterior e forçosa-

mente condicionante, é que uma política educativa poderá ser traçada, de modo a reforçar potencialidades }ú existentes e atenuar as respectivas vulnerabilidades.

A experiência demonstra que a riqueza de um processo educativo é proporcional à autonomia que concede ao estudante, dentro de um quadro geral bem definido que regula e consagra as regras dessa autonomia. Esse quadro geral não é artificialmente estabelecido — é função do carácter profundo da cultura matriz. Ê por isso que nunca poderá existir um sistema educativo universal.

Sendo assim, o melhor que pode fazer um sistema educativo nacional é multiplicar os planos de entendimento. Até aqui, a ênfase tem sido dada à transmissão de conhecimentos e não se deve descurar esta herança. Os conhecimentos, porém, não valem só-por si. Devem ser entendidos como matérias-primas do pensamento e da criatividade. Cair no extremo oposto, dando primazia à expressão à custa da instrução, à interpretação à custa da matéria, cria um processo oco de transformação automática e autoge-nética, sem matérias-primas sobre as quais trabalhar.

Em Portugal, a educação tem sido exageradamente concebida em termos macrossociais. A verdade é que um processo de educação dirige-se, antes do mais, ao individuo, dependendo em última instância das suas características pessoais. O esforço principal de adaptação e de aproveitamento não é do topo para baixo, mas do próprio indivíduo, perante um conjunto de alternativas com graus vários de obrigatoriedade.

Sendo assim, qualquer política educativa ganha em não ser excessivamente preconcebida, devolvendo um máximo de decisões teleológicas (os objectivos do estudo) ao indivíduo. Resta dar-lhe matérias bastantes para que essa decisão seja fundamentada. Essas matérias definem-se, evidentemente, por um leque de conhecimentos transmissíveis, mas também através dos métodos eficazes com que há-de livremente decidir. Ensinar também é ensinar a optar, a determinar um curso próprio, a proceder sozinho. De outro modo, apenas se reproduzem conhecimentos e os futuros professores mais não fazem que repetir o que ouviram quando eram estudantes.

O sistema educativo tende a oscilar entre o autoritarismo, que procura conter essa tendência, e, ultimamente, o libertarismo, que ainda a encoraja mais. No primeiro modelo há uma transmissão rígida de conhecimentos (o que não significa que sejam inúteis) e na segunda uma devolução de responsabilidades formativas a quem é incapaz de exercê-las por falta de formação (o que também não significa que essa autonomia seja inútil).

Por outro lado, importa compreender o sistema educativo como um sistema de distribuição dc aptidões altamente diferenciadas, abandonando a massificação e privilegiando a individualidade.

Por toda a parle se verifica a importância da competição entre os jovens no seio do sistema educativo, bem como uma ligação entre a hierarquia das formações ou dos estabelecimentos educativos e a escassez dos empregos facultados aos principiantes. O sistema educativo desempenha, pois, o duplo papel de formação e de diferenciação.

Valorizar os recursos humanos não significa tentar arrastar as pessoas para o ponto mais alto de uma pretensa escala hierárquica onde uns ocupam cs lugares mais altos e outros os mais baixos. Significa, sim,

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gerir o sistema de forma que a qualidade profissional seja maximizada no caso de cada indivíduo e de cada aptidão. A democraticidade do sistema de ensino não reside na meta de transformar todos os portugueses em licenciados ou doutorados. Reside em atribuir igual valor social ao bom artífice e ao bom licenciado.

Sendo assim, um sistema de ensino tem de ser altamente democrático e academicamente primoroso na base, para que cada individuo consiga chegar onde é capaz de chegar, e altamente selectivo no topo, para permitir essa mesma excelencia com menores recursos. Compete ao Estado oferecer e facilitar uma educação básica de excelente qualidade a todos os portugueses. A selectividade e dificuldade de acesso devem atingir o ponto máximo no ensino superior, onde só deverá coatar o critério da excelência académica.

Estas as linhas de força que, conjugadas com os imperativos constitucionais e com a Lei de Bases, orientam os trabalhos —já iniciados— para a reforma do sistema educativo. Reforma que abrange todas as vertentes porque se pretende global e coerente. Reforma que se completará no horizonte próximo de dois anos e mudará a face do País. Essa reforma assentará em quatro grandes pilares-objectivos:

A melhoria da qualidade do ensino;

O fomento da criatividade e inovação;

A modernização da gestão do sistema;

A educação do sistema educativo ao desenvolvimento regional e à dinâmica do mundo do trabalho.

Numa estrategia de valorização do homem português surge também como elemento chave a formação profissional, a qual deve ser encarada como:

Vector de valorização de recursos humanos; Instrumento de reconversão de desemprego em emprego;

Dissuasor de desactivação de emprego, garantindo aos que estão empregados a adaptação permanente à inovação tecnológica e às exigências concorrenciais, já que com a evolução tecnológica dos nossos dias não será mais possível a atitude estática de, uma vez terminado um curso, adoptar uma atitude de auto--suficicncia para o resto da vida;

Forma de minimizar os desperdícios decorrentes das oportunidades de emprego a preencher e geradora de oportunidade de emprego industrial em zonas deprimidas;

Perspectiva de solidariedade social quer na reactivação social dcs empregados quer como forma de evitar a concentração de desemprego em grupos críticos, nomeadamente jovens e mulheres;

Forma de suprir as carências do sistema de ensino num passado recente, pois que a supressão do ensino técnico profissional veio lançar no desemprego estrutural milhares de jovens, enquanto os empresários se debatem com escassez de mão-de-obra qualificada para substituir a que progressivamente se vai reformando.

A formação profissional não pode ser encarada como um luxo oferecido graças a uma cotização feita com objectivos sociais sem alcance económico. Pelo

contrário, a formação profissional tem de passar a fazer parte integrante da política económica global e da estratégia de desenvolvimento definida para cada empresa.

Num período de crise económica, a formação aparece assim não apenas como um mecanismo de adequação e equilíbrio entre a oferta e a procura de mão-de-obra, mas é sobretudo como um projecto em si mesmo criador de emprego, não só pela pressão que pode exercer sobre a economia como, e sobretudo, pela capacidade que ele próprio cria nos formandos para inovarem e inventarem o seu próprio emprego e empresa.

O carácter de continuidade da formação profissional implicará favorecer a alternância entre os centres de formação e os locais de produção, bem como a alternância entre os tempos de trabalho e os de formação, renovando os esquemas de aprendizagem e concebendo a formação contínua de modo a permitir a adaptação de qualificação dos trabalhadores à evolução das empresas.

Portugal necessita de estruturas adequadas, nomeadamente em formadores de emprego no que respeita às pessoas, tendo uma experiência em orientação profissional e em colocação.

Há também a necessidade de se fazer um grande esforço no campo da formação profissional dos jovens, pois, por um lado, eles são os mais afectados pelo desemprego e, por outro, os mais motivados para a mudança que a introdução de novas tecnologias determina.

Outros estratos populacionais também fortemente afectados pelo desemprego, como são as mulheres, os deficientes e os desempregados de longa duração, merecem ser considerados como destinatários privilegiados das acções de formação profissional a empreender, tendo em vista a consecução de uma verdadeira igualdade de oportunidades de emprego.

Em termos institucionais torna-se essencial concretizar o princípio que permita o ajustamento rápido dos instrumentos de formação profissional às novas e contínuas necessidades do mercado de trabalho.

A articulação das políticas de ensino do Ministério da Educação e Cultura, sobretudo ao nível do ens;no técnico-profissional e superior politécnico, com as leis da formação em aprendizagem e com os esquemas de formação profissional do Ministério do Trabalho e Segurança Social é outro dcs aspectos a encarar. Neste quadro é importante o prosseguimento e expansão dos programas de aprendizagem/formação, através de incentivos às empresas com vista à sua adesão, à garantia de plena equiparação pedagógica e como resposta concreta aos problemas de integração no mundo do trabalho e como obtenção de uma qualificação profissional.

Importará ainda optimizar equipamentos, edifícios e infra-estruturas existentes nos dois Ministérios, as quais, numa utilização concertada, podem servir para ministrar curses técnico-profissionais ao nível escolar, em paralelo com acções de formação profissional ao nível do mercado do trabalho.

O ritmo e a amplitude das transformações económicas e tecno'óg;cas são de tal modo rápidos no presente que impõem que a formação seja concebida como um processo caracterizado por formações longas, polivalentes e modulares, cuja flexibilidade permita a sua contínua actualização e reconversão.

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A formação profissional no sector primário da economia, em especial na agricultura e pescas, tem de merecer uma atenção e um estímulo particularmente relevantes de modo a valorizar e dignificar as profissões do sector, carentes de rejuvenescimento, que só pode ser conseguido pela atracção de jovens que até agora se têm afastado para os sectores secundário e terciário.

Finalmente, um grande esforço no domínio da formação de formadores e de técnicos de orientação e colocação profissionais é outra das orientações básicas a prosseguir.

A saúde é uma das componentes essenciais na valorização dos recursos humanos. Melhorar o nível de saúde dos Portugueses e garantir o efectivo exercício do direito à saúde é um objectivo que tem de ser progressivamente alcançado.

De facto, a saúde das populações, sendo um elemento essencial de qualidade de vida, é também em si mesma, um factor de desenvolvimento.

A necessidade de perspectivar resultados para os próximos quatro anos obriga a concentrar a atenção em alguns objectivos intermédios que devem ser atingidos a médio prazo:

Melhorar a qualidade dos cuidados de saúde; Reduzir as assimetrias existentes; Melhorar a eficácia e á eficiência nos cuidados de saúde.

A capacidade de modernização e de mudança de uma sociedade e das suas estruturas produtivas é também função dos níveis de saúde e de bem-estar dos cidadãos. Não se trata apenas de curar as doenças e reabilitar as suas sequelas mas também de: promover a saúde e o bem-estar, nomeadamente através do reforço de protecção a grupos especialmente vulneráveis; investir na prevenção e educação para a saúde; incentivar a modernização e humanização da rede de serviços e a criação de novos empreendimentos indispensáveis em certas áreas críticas; desenvolver a investigação tecnológica; enfim, criar melhores condições de qualidade nos serviços de saúde e, sobretudo, de bem-estar pessoal e social, porque na dependência da saúde física e psíquica estão em condições de fruição de qualidade e estilo de vida dignos a nível individual e da comunidade.

Nos próximos anos os objectivos intermédios propostos que enformam as medidas de política enunciadas podem sintetizar-se em quatro grandes vectores: racionalizar os recursos; rendibilizar os serviços; moralizar o consumo e o acesso e garantir a qualidade.

Mas há ainda, e fundamentalmente, que introduzir uma mentalidade inovadora no sector da saúde.

Por um lado, há que definitivamente conceder-lhe um novo posicionamento no processo global de desenvolvimento do País. Por outro lado, há que reconhecer que o actual sistema de saúde se tem revelado excessivamente estatizante, estático e imobilista. É indispensável exprimir o inconformismo perante esta realidade sombria. Urge modernizá-lo, introduzir-lhe nova mentalidade, novos processos de gestão, novas tecnologias, assumir que, em nome do bem comum e dos valores que prossegue, é mais importante a satisfação dos direitos dos doentes do que a dos interesses dos restantes protagonistas do sistema, quando ambos se antagonizam. Há que retirar-lhe a

sobrecarga ideológica que a asfixia e compromete a melhor utilização dos recursos existentes, incluindo os humanos. Há que criar condições e desencadear mecanismos que realmente estimulem a iniciativa privada, verdadeiramente autónoma, e que esta se possa assumir sem ambiguidades nem subterfúgios como alternativa à estatal e com ela possa coexistir e competir em produtiva emulação.

Há ainda que criar condições para que ao cidadão sejam oferecidas as possibilidades reais de optar por qualquer dos esquemas possíveis e, sobretudo, delimitar com precisão o âmbito e o papel que ao Estado e às outras iniciativas competem.

Opçãc VIII — Reforço da solidariedade sosM

Promover o reforço da economia e combater o desemprego, acolher e desenvolver um novo conceito de empresa e valorizar os recursos humanos representam grandes opções que não podem deixar de implicar um considerável esforço, em termos qualitativos e quantitativos, no que respeita a uma política social ajustada às reais necessidades da população e que, ao mesmo tempo, se ofereça coerente com o modelo de sociedade mais próspera e socialmente mais justa que desejamos construir. Importa reconhecer que, no âmbito dessa política e da tensão dinâmica que caracteriza as sociedades contemporâneas — incluindo, necessariamente, a nossa—, um sistema de protecção social não pode furtar-se às incidências do movimento de todo o tecido social.

E neste quadro que emerge com particular significado a opção pelo reforço da solidariedade social. Isto por duas ordens fundamentais de razões:

Primeiro, porque essa solidariedade é condição vital para sc ganhar a aposta na valorização e dignificação de todos e de cada um dos portugueses;

Segundo, proque a ideia-força de segurança contra certas vicissitudes da existência — do desemprego à morte, passando pela doença, pelo acidente de trabalho, a invalidez, a velhice e outras eventualidades — se mantém como factor psicológico fundamental para mobilizar energias, vencer inércias e trilhar os caminhos da inovação e da mudança indispensáveis na nossa sociedade. E c inequívoco que essa segurança não pode deixar de ter a solidariedade social bem entendida como esteio fundamental. Daí a indispensabilidade do seu reforço.

5 não é por acaso que se alude à necessidade de uma solidariedade social bem entendida. Ê que, entre outras evidências contraditórias da sociedade actual,-foi-se recortando aquela que, com clara nitidez, nos mostra os excessos da socialização da responsabilidade face aos riscos da existência, traduzidos no crescimento desmesurado dos sistemas estatais de segurança social e de saúde, em flagrante contraponto com um individualismo crescente, de tal modo que no novo modelo de sociedade o indivíduo, como tal, se reafirma como valor de referência dominante.

O reconhecimento destas tendências contraditórias não é de somenos, uma vez que a crise dos actuais sistemas de segurança social e de saúde é largamente explicada pelo facto de estes grandes aparelhos esta-

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tais tenderem a funcionar como urna grande interface, substituindo o frente-a-frente dos indivíduos e dos grupos. Ora, é hoje inquestionável que a perda de autonomia e o isolamento crescente dos indivíduos para quem o Estado é o principal, quando não o único, recurso, alimentam a crise dos sistemas estatais, como o da Segurança Social ou do Serviço Nacional de Saúde. O Estado Providência, ou Estado de bem-estar social, tem na Segurança Social combinação de Keynes, no campo económico, com Lord Beve-ridge, no plano social, a sua expressão por excelencia.

Por outro lado, o carácter frio e impessoal assumido pelas respostas que esses sistemas proporcionam à população potencia essa crise, tornando imperiosa a necessidade da sua reformulação, por forma que a solidariedade social não seja apenas a mera expressão mecânica de uma ajuda pecuniária ou da prestação de certo tipo de serviços assegurada pelo Estado, mas se afirme antes como verdadeira dimensão humana e sentido de fraternidade.

Só assim o indivíduo em situação de carência económica ou social se sentirá verdadeiramente integrado no tecido social que somos, e não apenas mais um elemento administrativa e estatisticamente incluído na máquina da solidariedade estatal, porque a Constituição da República, a lei ordinária ou o Programa do Governo assim o determinam.

O que está em causa é compreender que o Estado, como forma social e política, não pode ser arvorado em suporte único das intervenções e dos progressos sociais, e muito menos em agente monopolista da solidariedade social, embora os sistemas de segurança social e de saúde possam e devam continuar a ser instrumentos privilegiados da solidariedade do Estado.

Compete ao Estado criar e assegurar uma rede sólida de relações, caracterizada precisamente pela existência plural de possíveis compromissos e contratos sociais. O Estado democrático é aquele que dá prioridade absoluta à liberdade de criar compromissos dentro de um quadro envolvente que assegura essa criatividade.

Investir na solidariedade social, à parte a manutenção activa de valores e práticas solidárias comuns a uma sociedade, é também investir numa estrutura capaz de estimular e recompensar o voluntariado. Ê da associação voluntária que se criam os laços mais fortes, verdadeiras células da sociedade.

Descentralizando e autonomizando, o Estado deverá respeitar essas agências naturais, dotando-as de meios e aliviando-as de encargos, de modo a que possam gerir localmente a sua rede própria de solidariedade. Quando o Estado se substitui superiormente a essas agências, desresponsabiliza-as, desrespeita-as e enfraquece-as. Reforçá-las significa, neste caso, retribuir--Ihes a força, potenciando-a e libertando-a.

O preço da tentação exclusivista do Estado, nomeadamente após a 2.a Guerra Mundial, foi o excesso de confiança que acabou por ser depositado no moderno Estado-Providência, herdeiro do Estado-Protector clássico. Aos primeiros abalos fortes do boom de crescimento económico experimentado por considerável número de países na trintena de anos que se seguiu àquele conflito mundial, o Estado-Providência revelou-se ura gigante de pés de barro; rompeu-se o consenso social e político que presidira ao seu incessante crescimento; o seu demogarantismo social

não resistiu à pressão das novas realidades económicas. Os sistemas de segurança social, acusados de efeitos perversos sobre a economia, foram arrastados para o centro das atenções das forças sociais, políticas e económicas, enfrentando hoje uma situação de verdadeira encruzilhada em que a urgência de reformas é insistentemente reclamada.

Ê precisamente neste quadro que se impõe substituir a lógica unívoca e desumanizante da estatização da solidariedade social por uma nova lógica apoiada em duas coordenadas fundamentais:

Racionalização, desburocratização e descentralização dos grandes equipamentos e funções colectivos, por forma a colocá-los mais próximos dos utilizadores, em termos mais acessíveis e mais ajustados às concretas realidades sócio-económicas locais, mas também às concretas situações de necessidade individual, familiar e comunitária;

Reencaixamento da solidariedade na sociedade, por forma que se ultrapassem as barreiras da mera liberdade formal e possa afirmar-se uma justa liberdade contra a insegurança das vicissitudes da vida individual e familiar no quadro das novas formas de solidariedade social que estimulem a imaginação e o sentido de generosidade e que, sobretudo, humanizem a acção social.

Com efeito, importa reconhecer a falência de fazer apoiar toda a protecção social na simples solidariedade profissional de base comutativa, solidariedade tornada obrigatória pelos poderes públicos no auge das concepções do Estado-Protector dos finais do século passado, solidariedade também necessária, mas fria, por ser desumanizada e imposta mecanicamente, e insuficiente, por se reportar tão-só ao mundo do trabalho, o qual constituía, de resto, o objectivo da técnica do seguro social obrigatório, que esteve na base dos sistemas de previdência social.

Por isso, a opção pelo reforço da solidariedade social significa também optar por uma combinação equilibrada e harmónica daquela técnica de protecção social com a técnica da acção social.

ê hoje indiscutível a relevância da acção social:

Como via para completar e suprir as lacunas ou insuficiências dos regimes de prestações pecuniárias da Segurança Social;

Como instrumento de prevenção de situações de carência, disfunção e marginalização social;

Como conjunto de métodos a promover a integração comunitária e social;

Como forma institucionalizada de enquadramento de programas de organização de recursos e desenvolvimento das comunidades locais;

Como factor insubstituível de humanização do sistema de segurança social;

Como forma de exercício e campo fecundo de estímulo do voluntariado social e, portanto, de novas formas de solidariedade livre e assumida.

Reforçar a solidariedade social é também reconhecer, valorizar, estimular e apoiar as iniciativas das instituições particulares de solidariedade social (IPSS),

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incluindo no domínio da saúde, sem prejuízo de medidas julgadas necessárias de racionalização do apoio estatal que lhes é prestado.

As IPSS representam o pólo aglutinador fundamental do voluntariado social organizado, cujo papel no desenvolvimento de novas formas de solidariedade social familiar, de vizinhança e comunitária se revela do maior alcance.

Nesta óptica, há que aproveitar e integrar em acções descentralizadas e flexíveis as experiências de voluntariado social, com profundas tradições na sociedade portuguesa.

Reforçar a solidariedade social é ainda estimular e apoiar a acção das associações de socorros mútuos, promovendo o desenvolvimento de um mutualismo sadio e actuante.

Reforçar a solidariedade social não pode deixar de ser igualmente estimular o desenvolvimento de esquemas complementares privados de segurança social, incluindo a criação de fundos de pensões.

Só assim será possível transpor os acanhados horizontes da solidariedade de base meramente laboral, projectando-a em termos de uma verdadeira solidariedade global de alcance redistributivo.

Só assim se combinará equilibradamente a solidariedade horizontal com a solidariedade vertical, em termos de verdadeiros objectivos de integração social dos nossos concidadãos social e economicamente mais desfavorecidos e mais vulneráveis, nomeadamente as crianças e os jovens — em particular os privados de meio familiar —, os deficientes e os idosos.

Quando por todo o mundo se instalava o Estado--Providência e se desenvolviam os sistemas de segurança social, em Portugal a «previdência» era ainda uma regalia dos meios urbanos, estando o apoio social nos campos confiado às misericórdias ou às casas do povo. Com o início da década de 70 e o alargamento a toda a população do sistema de segurança social, os encargos financeiros cresceram a um ritmo que excedeu todas as previsões, e o nosso país, sem nunca ter chegado a construir um weljare Stale, começou a sentir, agravados, os problemas da crise geral do Es-tado-Providência.

isso aconteceu não só porque aumentaram as exigências, nomeadamente no que diz respeito aos cuidados de saúde, como sobretudo porque entraram para o sistema da Segurança Social centenas de milhares de portugueses que nunca aí haviam estado integrados, nomeadamente os rurais. Assim, hoje uma parte das pensões de reforma não tem base contributiva, isto é, quem as recebe nunca descontou para a Previdência. Consequentemente, os descontos sobre salários —que penalizam os rendimentos do trabalho e as empresas com mão-de-obra intensiva — já nem sequer são suficientes para cobrir as despesas do sistema de segurança social. Isto apesar dos gastos com a saúde terem sido transferidos para o Orçamento do Estado.

É um facto que as prestações sociais pecuniárias são baixas e insuficientes, mas a verdade é que elas já consomem uma parte significativa do produto interno bruto, que é elevado para uma economia com o nosso grau de desenvolvimento. O grande problema é que todo o dinheiro tem de ser distribuído universalmente por uma população dc reformados que, relativamente ao número de trabalhadores activos, é a maior da Europa. Em Portugal para cada dois trabalhadores activos há um reformado.

O envelhecimento da população, o retorno maciço de África, o alargamento da Previdência aos rurais e àqueles que não descontavam para o sistema fizeram com que o número de pensionistas passasse de 165 000 em 1970 para cerca de 1900 000 em 1985.

Pelos motivos apontados, as pensões assumem um peso crescente nas despesas correntes do sistema, o que torna a sua gestão financeira cada vez mais rígida e implica que a Segurança Social tenha perdido parte da sua capacidade redistributiva de rendimentos. Em 1984 a repartição das despesas da Segurança Social está bem expressa no quadro inserido no n.° 5.2, 11:

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

O aumento das quotizações seria inexequível, pois os descontos já são pesados para a actividade económica, podendo mesmo gerar-se o efeito perverso de a um aumento de taxas corresponder uma diminuição das receitas.

Por outro lado, o sistema actual penaliza excessivamente o factor «trabalho», ao fazer depender as contribuições dos salários pagos, quer quanto à parte patronal, quer quanto aos trabalhadores. E, se será lógico que entre o trabalhador (beneficiário) e a Segurança Social se mantenha uma ligação directa, pelo que a sua contribuição deverá continuar a incidir sobre a remuneração, no que respeita à contribuição da parte patronal deve ser taxada de forma diferente, por forma que esta não incida sobre a massa salarial global da empresa, mas sobre outro indicador da mesma, para não penalizar excessivamente as situações de trabalho intensivo, como acontece agora. Tal será tratado em conjunto com a reforma fiscal.

Ê inviável pensar pedir ao Orçamento do Estado, isto é, aos contribuintes, um esforço suplementar para, por exemplo, aumentar substancialmente o valor pecuniário das pensões de reforma, mas também o volume de dinheiro mobilizado poderia dar resultados mais positivoi se fosse canalizado de outra forma.

De resto, há algo de ilógico, se não mesmo de imoral, na forma como o sistema está montado. Com efeito, ao depender totalmente das contribuições dos assalariados, o sistema não possui reservas — logo, as reformas que amanhã serão pagas aos trabalhadores activos de hoje dependerão, em absoluto, dos assalariados de amanhã. Isto quer dizer que as gerações presentes decidem dos benefícios que as gerações futuras lhes irão pagar.

Este sistema enfrenta ainda o desafio de uma evolução demográfica desfavorável, pois a população portuguesa tem vindo a envelhecer, o que acarretará o agravamento da situação que temos vindo a caracterizar. Ê também a esta luz que se deve equacionar a questão da idade da reforma, pois o seu abaixamento geral não é neutro, nem do ponto de vista social nem do económico.

Com efeito, não é líquido que tal tenha uma influência significativa no emprego dos jovens, atendendo a

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que os seus níveis de aptidão profissional serão normalmente diferentes dos dos trabalhadores mais idosos. Não se poderá substituir, pura e simplesmente, um trabalhador idoso por um jovem.

Por outro lado, os encargos financeiros de um tal abaixamento da idade de reforma não permitiriam a generalização de uma tal medida.

O que se poderá e deverá fazer é caminhar para um sistema flexível adaptado às condições económicas, demográficas, profissionais e individuais, estabelecendo, designadamente, regimes de pré-reformas financeiramente caucionadas.

Tal consistirá, pois, na implementação de medidas selectivas e temporárias, compatíveis e coerentes, quer com a situação económica, quer com as necessidades de reconversão e mecanização das empresas, quer ainda com a determinação e conversão individuais.

Face a esta situação, qual o papel futuro do sistema de segurança social? Como se poderá conciliar a evidente necessidade de o Estado intervir, enquanto instrumento de solidariedade social, com a necessidade evidente de se manter um equilíbrio mínimo na economia e de se conservarem os estímulos para o progresso e a iniciativa?

Em primeiro lugar, é necessário que o sistema de protecção social não introduza elementos de distorção nocivos ao funcionamento da economia.

Em segundo lugar, o sistema deve promover a máxima equidade possível, com a menor perda de eficiência económica, o que implicará uma flexibilização dos esquemas vigentes de segurança social.

Em terceiro lugar, o sistema deve ajudar à mobilidade nos mercados de trabalho e emprego, quer faci-litando-se a passagem dos beneficiários da Caixa Geral de Aposentações para o Centro Nacional de Pensões, c vice-versa, através da acumulação de tempos de desconto em cada um deles, quer promovendo medidas que permitam a modulação das taxas para a Segurança Social e incentivo ao emprego de grupos sociais desfavorecidos, como os jovens e deficientes.

Em quarto lugar, o sistema deve ajudar à flexibilidade nos mercados de trabalho e emprego, através da melhoria dos esquemas da protecção social no desemprego, aperfeiçoando-se o seguro de desemprego. Trata-se de gerir o binómio solidariedade-competição, possibilitando às empresas uma gestão mais adequada dos recursos humanos e o pagamento atempado das suas contribuições para a Segurança Social, por forma que esta tenha recursos para pagar a solidariedade social e profissional àqueles que transitoriamente perderam o emprego.

Finalmente, é necessário que o sistema de segurança social suporte o choque da transição económica, o que implica que a sua gestão deve ser feita de forma maleável, de maneira a acorrer às situações ou regiões mais afectadas pela recessão, idealizando-se programas específicos de acção em função das necessidades.

Para alcançar estes objectivos há que modificar profundamente os critérios c a lógica com que são afectados os recursos, ao mesmo tempo que se altera a forma como o Estado exerce a sua responsabilidade no sistema.

Comecemos por este último aspecto. Se ao Estado deve competir a tarefa de assegurar a todos os cidadãos um mínimo de subsistência, é bom que não continue a ter de o fazer quando a família, as empresas e as comunidades locais o podem levar a cabo de uma

forma mais eficaz, mais humana e mais rentável. O problema é saber descentralizar a iniciativa e a competência para os diferentes agentes.

A preocupação não deve ser a de chamar ao Estado novas tutelas, mas sim a de transferir para fora dos serviços oficiais uma parte cada vez maior das responsabilidades, favorecendo, quer fiscal, quer institucionalmente, a procura e a oferta de esquemas de cobertura dos riscos colectivos fora dos regimes públicos.

A ideia é incentivar todos os regimes contratuais, isto é, aqueles em que o interessado escolhe o tipo de protecção que deseja vir a auferir, determinando igualmente a prestação pecuniária que lhe destina. Este sistema permite uma maior liberdade e responsabilização do cidadão, ao mesmo tempo que aumenta o grau de mobilidade e determinação das pessoas relativamente à cobertura dos riscos sociais que correm. No fundo, ninguém deveria ficar limitado a usufruir a reforma estandardizada que lhe foi um dia destinada por uma tabela oficial.

Esta filosofia é nova e implica uma revisão do actual sistema de cobertura da Segurança Social, contribuindo também para a necessária libertação da sociedade civil.

Uma segurança social repensada poderá e deverá manter-se como instrumento privilegiado de solidariedade social.

Nesta óptica, o sistema de segurança social português deverá evoluir para uma cobertura tripartida, segundo a fórmula dos «três patamares»:

1.° Prestações universais (tendencialmente sujeitas a condições de recursos), sem base contributiva, de modo a segurar a toda a população um valor mínimo («rede de segurança»);

2.° Prestações contributivas, através de um seguro social obrigatório sobre as remunerações, até um determinado limite máximo ou piafond. As prestações seriam concedidas em substituição dos rendimentos perdidos pela verificação dos riscos sociais (doença, invalidez, acidentes de trabalho, doenças profissionais, morte, viuvez e desemprego);

3." Prestações complementares, através de esquemas de seguro voluntário (individual ou colectivo). A evolução deve ser no sentido da capitalização das pensões neste regime. A capitalização baseia-se na aplicação das receitas para investimentos em activos financeiros que, no futuro, suportarão o pagamento das pensões. Este sistema tem ainda a vantagem de libertar poupança para investimento e de dinamizar o mercado de capitais. Conjuga, pois. o económico com o social.

Este modelo oferece três grandes vantagens: em primeiro lugar, permite uma afectação de recursos mais eficiente do que o actual sistema; em segundo lugar, pode revelar-se financeiramente mais equilibrado, o que significa ser mais «protector» das pessoas, e, finalmente, aumenta o grau de mobilidade e determinação das pessoas relativamente à cobertura das eventualidades sociais.

Deve procurar-se sempre a evolução para o terceiro patamar, onde os cidadãos se tornam autores autónomos da sua própria segurança, seja como indivíduo, seja como membro de alianças sociais efectivamente solidárias.

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No primeiro patamar, onde o Estado ajuda aqueles que ainda não se podem ajudar a si mesmos, deve assegurar-se uma grande qualidade de assistência, até para possibilitar que alguns desses agentes se possam promover e, assim, deixar de requerer essa segurança, menos satisfatória do ponto de vista social (porque não se baseia em solidariedades naturais) e do ponto de vista pessoal (porque o beneficiário se sente «auxiliado», ou seja, não responsável). Para permitir uma grande melhoria neste patamar há que seleccionar os benefícios e os beneficiários com o maior rigor para conceder mais benefícios verdadeiramente benéficos a menos beneficiários verdadeiramente necessitados.

Sempre que possível, o Estado deverá incentivar a livre e voluntariosa responsabilização de instituições nacionais que aliam à assistência uma função solidarie-zadora e congregadora, como é o caso das misericórdias e mutualidades. Sobretudo na assistência aos idosos, aos deficientes, aos doentes crónicos e às crianças, deve o Estado procurar estimular as instituições existentes a especializarem-se e responsabilizarem-sc, criando incentivos fiscais para as contribuições caritativas e tomando medidas para a sua autonomização.

Não é apenas no plano da Segurança Social e da saúde que se reforça a solidariedade social. Reconhecendo a diversidade de intessses dos diversos agentes e a utilidade da livre concorrência e do conflito regrado entre cies, competirá também ao Estado providenciar os mecanismos de concertação e de conciliação artificiais, mas legítimos, que sejam capazes de reparar alguma quebra no processo contratual natural.

Tudo o que separa os agentes, distinguindo-os e identificando-os, dando origem à concorrência c aos processos naturais de compromisso e pacto social, não deve constituir zona de intervenção do Estado. A solidariedade numa sociedade democrática nunca significará unanimidade. Quanto mais fortes forem os elos naturais (a identidade nacional no sentido mais lato, de língua, cultura e patromónio comum; a protecção da família como célula base da sociedade; a lealdade maioritária a um sistema político capaz dc respeitar e proteger o maior número possível de diferenças políticas, etc), mais liberdade se poderá conceder à forma de criação e ao exercício de elos institucionais que prolongam os primeiros, enriquecendo-os com o confronto das diferenças.

Para incentivar a renovação da cultura política portuguesa, marcadamente estatista c negativa, em que a atitude de desprendimento (ou desprezo) em relação ao papel social do Estado está aliada a um conjunto acerrado de exigências junto do mesmo Estado, é necessário que o Estado Português sc desdramatize, se modere nas suas pretensões e se descongestione administrativamente. A comunidade portuguesa tem sentido e faz sentido que o Estado a represente nessa zona de generalidades, mas, sociologicamente, ela está des-mulfiplicada numa grande quantidade de comunidades distintas, diversamente caracterizadas, localmente, profissionalmente, economicamente, etc. O Estado, sendo uno. não pode senão representar bem uma instância de comunidade — a superior, a compartilhada, a duradoura e consensual. Deve o Estado transferir as suas representações desacertadas, restituindo às diversas comunidades as responsabilidades e os poderes que têm o direito (e a maior facilidade) de gerir e concentrando os seus esforços e recursos no que é comum a todas essas comunidades.

Quanto mais diferenciadas forem essas comunidades e melhor estiverem identificadas, mais serão as cadeias de solidariedade abertas a cada cidadão — desde a família aos partidos políticos. A solidariedade social não se obtém quando um cidadão é «solidário» com os restantes cidadãos (o que é impossível). Obtém-se quando a grande maioria dos cidadãos dispõe de uma variedade de veículos próprios de solidariedade, onde se exerçam com a máxima autonomia os processos de contribuição e recompensa e onde se participe activamente nas decisões pontuais que vão determinando a distribuição dos recursos numa determinada cadeia natural.

O cooperativismo natural, por exemplo, não é aquele que se constitui para beneficiar o Estado — é aquele que se constitui para se beneficiar a si mesmo, muitas vezes em resposta à força de um mercado ou aíé à força de um Estado. A união faz a força — não fazendo, não se justifica. Se a força é atribuída por meios artificiais ou exteriores, não terá grande valor, em termos dc solidariedade social, essa união.

Em Portugal o conceito de solidariedade social te:n sido geralmente entendido na sua forma mais redutora, utópica e vazia, sem atender à riqueza e à multiplicidade da sociedade portuguesa e aos estímulos e benefícios da concorrência, da rivalidade e do conflito regrado. Daí que tenha cabido ao Estado procurar, debalde, impô-la de cima para baixo, mediante grandiosas concertações, a par de pequenos consertos e remendos. Nesta série de fracassos, descontando algum progresso na Segurança Social de primeiro grau, a autonomia das agências sociais tem sido negativamente afectada pela dependência do Estado. O Estado deve centralizar os serviços de solidariedade social que se dirigem à comunidade inteira (aqueles que nunca prejudicam a autonomia das várias agências sociais) e permitir que na pluralidade de comunidades se radique c fortaleça o espírito de solidariedade de acordo com as suas características próprias. Numa palavra, o Estado democrático tem de ser igualitário e primoroso no patamar da «rede de segurança», combatendo energicamente a pobreza (até por constituir o mais perigoso factor dc desagregação da solidariedade social), equitativo e regulador no segundo patamar, vigiando a protecção e segurança que os cidadãos necessitam de preservar contra os riscos habituais da vida, e liberal e desinteressado no terceiro patamar, onde se exerce mais plenamente aquela autonomia que está na base da verdadeira solidariedade social.

Assim se consolidará entre nós um sistema de segurança social humanizado. Responsável quanto à realização dos direitos sociais fundamentais, quanto ao acolhimento digno dos seus beneficiários e contribuintes, quanto à garantia do seu direito à informação atempada, mas simultaneamente reponsabilizante quanto a deveres de solidariedade alargada, quanto ao combate à fraude e ao acesso indevido a prestações e quanto ao cumprimento das obrigações contributivas.

Assim, a nossa segurança social se aperfeiçoará p:lo apoio cm esquemas verdadeiramente inseridos na comunidade, por forma a proporcionar as condições de ambiente e calor humano tidas por desejáveis.

Assim, será possível colher os frutos de uma opção que, reduzindo as intervenções injustificadas do Estado, também faça crescer o sentido dc responsabilidade individual, familiar c comunitária na prevenção e reparação de situações dc carência social e económica.

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Opção IX — Ordenamento do território

O nosso país tem vindo a desarrumar-se de forma grave.

Simultaneamente com os problemas do desenvolvimento, ocorrem problemas relativos ao crescimento, que têm, naturalmente, sobre os primeiros os maiores reflexos. Subsistem desequilíbrios apreciáveis na balança alimentar e na balança energética que impõem a sua atenuação, e, simultaneamente com a resolução da questão do desemprego, põe-sc a do reforço da economia, que, em muitos casos, é conflituante com a primeira, por reclamar mais capitais do que mão--de-obra.

Ultrapassadas ou encontradas soluções para começar a debelar essas grandes questões, surgem os aspectos ligados à distribuição do emprego e da riqueza, da produção e do equipamento, das oportunidades e das realizações. E, sob este aspecto, Portugal é um país com grandes disparidades entre o interior e o litoral, entre o Norte e o Sul, entre as duas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto c o resto do tecido urbano, etc.

O reflexo espacial de todas estas considerações revela contradições insanáveis entre objectivos por falta de uma metodologia eficaz na gestão das múltiplas utilizações do solo. Até porque o homem não dispõe do dom da ubiquidade na gestão do espaço.

Optando-se por ordenar o território português, a primeira grande tarefa é estabelecer os princípios e as regras básicas desse ordenamento. Estabelecer e fazer com que, imanente ou estimuladamente, todos adiram a eles e os façam cumprir.

Para isso os princípios têm de ser límpidos e largamente consensuais e as regras muito claras e simples para que todos possam cumpri-las. Só assim poderão ser estáveis, condição fundamental da sua eficácia. Pouco importará o ajuste do pormenor da regra ou da lei se o seu princípio estiver correcto. Valerá bem mais a sua estabilidade, que é corolário da sua força.

Há, pois, que escolher princípios, atribuindo os recursos de que se dispõe à prossecução dos objectivos que forem escolhidos como prioritários.

A este respeito, haverá que atender de forma muito particular às questões de natureza institucional, designadamente à articulação entre os diversos níveis da administração.

A realidade corrente e diferenciada das diferentes parcelas do território obriga à definição de medidas de política que, sendo enquadradas nos grandes objectivos nacionais, terão de atender à especificidade dos espaços em que vão actuar. Isso obrigará ao estabelecimento de esquemas de coordenação entre as diversas políticas sectoriais, adaptando-as às realidades e objectivos das parcelas do território a que se destinam. A criação de regiões administrativas, também por esta razão, pode contribuir para uma maior eficácia no tratamento destas questões e, mais importante ainda, aproximará a forma da resolução dos problemas aos padrões culturais dos seus destinatários.

A análise da questão através da convencional dicotomia urbano-rural tende a esbater-se, sendo nesta perspectiva que devem ser equacionadas as acções de organização dos espaços ainda caracteristicamente rurais.

Todavia, isso não invalida o reconhecimento da especificidade dos problemas que as populações rurais enfrentam, no que respeita ao exercício das suas actividades, qualidade de vida, acesso à educação e outros bens das sociedades modernas. Novas soluções sc impõem para abrir a essas populações as vias de progresso e de bem-cstar, visando a integração progressiva das formas de vida urbana e rural.

A difusão dos meios de comunicação tem contribuído para atenuar, no plano cultural, a marginalização do mundo rural. Contudo, a nível das estruturas espaciais, o processo descontrolado da urbanização vem acentuando a segregação existente.

Este processo tem igualmente consequências no plano produtivo: o alastramento da urbanização, nas suas múltiplas formas, tem, estruturalmente, dificultado o reordenamento rural segundo padrões tecnicamente satisfatórios.

Sobretudo nas zonas de grande concentração urbana ou de crescimento turístico vastas superfícies de boa aptidão agrícola têm sido subtraídas à produção. Raramente tal acontece em resultado de opções fundamentadas numa identificação rigorosa de alternativas viáveis; na maior parte dos casos, é consequência da desarticulação orgânica dos sectores responsáveis. Torna-sc, por conseguinte, prioritário estabelecer processos de decisão viáveis, mas desburocratizados, que permitam, em cada caso, adoptar e fazer prevalecer as soluções que optimizem, de todos os pontos de vista, o uso do solo.

A preservação do solo de elevado potencial agrícola, sendo porventura o mais importante, não é, contudo, o único objectivo a perseguir. De forma geral, a necessidade de racionalizar a utilização do solo, que constitui um recurso escasso, sublinha o relevo que o estabelecimento de uma política de gestão, envolvendo dispositivos institucionais adequados, assume neste contexto.

Há, pois, que inventariar todos esses recursos, procurando conhecê-los e demarcá-los mais perfeitamente, acelerando o cadastro e a cartografia actualizada do território, das reservas agrícola, ecológica, histórica ou paisagística, mas fazê-lo para facilitar a sua divulgação, interessando, assim, todos na sua protecção, na mira de preparar e facilitar a sua utilização social, razão, afinal, que os identifica como recursos.

A protecção do património não será entendida como uma função de «arame farpado e polícia» — a efectiva protecção há-de ser activa e mobilizadora.

Se a exploração agrícola for intensa e acompanhada eventualmente de emparcelamento agrícola que lhe acresça a rentabilidade, se o povoamento florestal for ordenado convenientemente c o proprietário proceder à limpeza das malas, se a intensa procura de recursos cinegéticos for capazmente aproveitada, se o interessado na pesca e na agricultura assegurar a exploração do que a Natureza lhe ofereça, cumprindo o seu papel de autêntico fiel depositário, teremos conseguido multiplicar os protectores e os sistemas de protecção dos nossos recursos da melhor forma possível, que é a sua renovada fruição.

Mas, na óptica do ordenamento do território, o sistema urbano constitui um eixo fulcral de definição política.

De facto, a pujança do desenvolvimento social e económico, quer seja referido a objectivos regionais.

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quer nacionais, encontra-se sempre associado, por um lado, ao potencial da rede urbana, entendida como um sistema, e, por outro, à efectividade e funcionalidade de cada área urbana, considerada individualmente.

Ora, como é bem conhecido, o sistema urbano português apresenta na actualidade desajustamentos que, de facto, representam a longa sedimentação da evolução social, económica e tecnológica da sociedade portuguesa. Os traços dominantes de uma caracterização sucinta são os seguintes:

Escalonamento típico de uma estrutura «primacial», apresentando uma enorme lacuna entre as principais aglomerações (Lisboa e Porto) e os centros de ordem imediatamente seguinte;

Debilidade dos centros de média dimensão e deficiente especialização da rede urbana, que se encontra densificada ao longo da faixa litoral — com existência dos maiores pólos e dispersão excessiva de lugares ao longo das vias de transporte — e rarefeita no interior;

Notório subequipamento, sobretudo em termos qualitativos, dos centros de nível intermédio (com possível excepção de Coimbra);

Economias urbanas antiquadas, predominando o terciário «banal» e ou sectores industriais tradicionais;

Diminuta diversificação das actividades produtivas e uma distribuição não uniforme das mesmas pelo território, o que contribui para uma maior fragilidade urbana, portanto de potencial de desenvolvimento, no interior.

Se, de um ponto de vista global, não se têm registado alterações significativas de tendência nesta descrição a nível local, assinalam-se importantes modificações, potencialmente introdutoras de transformações estruturais. Assim, o reforço, acentuado nos últimos anos, do poder político e dos recursos financeiros dos municípios tem já produzido resultados que se projectarão no futuro: promoção de infra-estruturas e equipamentos dirigidos principalmente à satisfação de necessidades básicas das populações; aprofundamento das problemáticas locais e regionais, traduzindo-se numa mais aguda sensibilidade às questões do ordenamento e desenvolvimento; muito maior capacidade de iniciativa e participação, numa perspectiva de desenvolvimento descentralizado e auto-sustentado.

Mas o território nacional é um contínuo espaço vivencial que apresenta concentrações demasiado fortes de interesses e actividades que especulam entre si em determinados pólos e outras áreas cuja desmobilização de interesses permite a continuação da sua improdutividade total para a sociedade. Se num caso é necessário tornar transparente e aberto o confronto entre esses interesses, criando, por exemplo, «bancos» e «bolsas» de terrenos, no outro é necessário evitar que o uso passivo do direito de propriedade se sobreponha ao mobilizador direito à iniciativa, através da oneração da passividade ou do incentivo à transacção. O mercado fundiário funciona, assim, como importantíssimo instrumento do equilíbrio do uso do território e, consequentemente, do seu ordenamento, havendo, pois, que o favorecer.

Não basta, no entanto, deixar livre curso ao crescimento urbano, intervindo apenas de uma forma suple-

tiva e descoordenada no reforço do seu equipamento. Tal prática levou à contínua expansão dos dois grandes aglomerados metropolitanos, concentrando aí perto de dois terços, da nossa população urbana e, consequentemente, das actividades não directamente ligadas ao território, em detrimento das restantes, cidades portuguesas, criando desequilíbrios, que urge corrigir.

Impõe-se adoptar uma estratégia de reestruturação urbana que faça despertar cidades, onde a vida ganhe a graça de viver que o bulício urbano pode trazer, animando equipamentos e serviços cuja viabilidade e dinâmica exigem um suporte populacional razoável. E procurar, nesse lanço, fazer convergir o esforço estatal com os impulsos espontâneos que o desenvolvimento citadino desperta e com os centros históricos que a tradição foi enobrecendo e afirmando como caracteristicamente portugueses. Aí, nas salas de visitas da nossa tradição, onde as vetustas pedras e os espaços nos chamam e despertam a admiração de todos, é que há condições para gerar um autêntico movimento sócio-cultural.

O reordenamento tem, finalmente, que prevenir a segurança territorial e a qualidade estética das novas intervenções locais. Áreas que a experiência das gerações foi sempre preservando da implantação de valores construídos, por riscos de cheia ou de catástrofe sísmica, como é o caso das baixas margens do Tejo ou das falhas geológicas, deverão continuar a sê-lo, desempenhando o Estado o seu papel fiscal face à desinformação dos interessados que para aí se dirijam. Outra catástrofe menos evidente, mas porventura mais imanente, é a que todos os dias se potencia em resultado do incremento sistemático dos níveis de poluição hídrica, aérea e de alguns solos. Há, pois, que a suster e prosseguir a sua reparação.

Entre as diversas componentes do enquadramento ambiental que mais se têm deteriorado entre nós avulta a visual: constroem-se imóveis sem qualidade arquitectónica ou, mesmo tendo-a, implantam-se construções onde a boa lógica levaria a não as tolerar; autoriza-se a circulação dos veículos automóveis em todos os vasos do sistema urbano, mesmo nos capilares ou naqueles que um estilo de vida mais exigente levaria a poupar a essa agressão; colam-se cartazes de publicidade comercial ou política e fazem-se inscrições em edifícios históricos ou banais, velhos ou novos, de valor arquitectónico ou sem ele, nada distinguindo e não respeitando, nem o suporte, nem o passante, que se vê agredido, ao ponto de se tornar insensível ao que o rodeia. E, todavia, quando por qualquer circunstância se vê uma paisagem não desfigurada ou uma construção não desfeiteada por qualquer daquelas formas, todos mostram o seu aprazamento, nunca se regateando elogios aos países onde se encontram definidas e se impõem normas eficazes que protegem das intrusões visuais nefastas o ambiente que nos rodeia.

Tal significa que vão existindo condições para se inverter o processo de degradação a que se tem assistido nesta matéria.

É conhecida a insuficiência do nosso sistema de transportes e comunicações. Mas, se os recursos, sendo escassos, impõem a escolha, dê-se então prioridade às redes principais, às ligações entre aquelas cidades que, cobrindo todo o território, asseguram proximidade e segurança ao fruir da urbanidade. Aliás, lesar-se-á pouco o mundo rural, pois este vive pautado pelo com-

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passo da Natureza e das estações do ano, garantida que seja a cobertura geral do território por toda essa rede integrada de estradas, caminhos de ferro, portos e aeroportos, de serviços e infra-estruturas de comunicações e transportes e a sua ligação facilitada às redes internacionais.

E, se se fala em ordenamento de espaço, por que não falar em ordenamento do tempo? O mesmo espaço pode também ser melhor gerido se o factor tempo for tomado em consideração. Veja-se a ligação entre os congestionamentos de tráfego às horas de ponta e os horários das actividades, veja-se a ligação entre o turismo e os períodos de férias.

Um dos grandes instrumentos para assegurar a coesão de todo o sistema de transportes é, indiscutivelmente, a rede rodoviária. O programa de realização de estradas, novas ou melhoradas, fará com que no final da década o panorama nacional possa ser, a este respeito, completamente diferente do actual.

Procurar-se-á acelerar o programa de construção de auto-estradas e será intensificado o programa de execução dos itinerários principais e complementares, na linha do que já se fez em 1986, permitindo a ligação rápida de qualquer capital de distrito aos grandes centros urbanos da faixa atlântica e mais desenvolvida do nosso território e, por outro lado, às fronteiras terrestres e aos grandes itinerários europeus.

Mas de nenhum modo é de subalternizar a importância da rede ferroviária no âmbito dos transportes interiores e internacionais, quer de passageiros, quer de mercadorias, dando-se prioridade a acções nas linhas do Norte, do Minho até Braga, do Douro até à Régua, do Leste, da Beira Alta e do Sado até Faro e nos nós ferroviários de Lisboa e Porto, sempre na perspectiva de que a rede ferroviária nacional carece de uma remodelação profunda da sua estrutura, eliminando o que é economicamente inviável e beneficiando e modernizando o que deve permanecer e ser convenientemente explorado.

Os elevados investimentos realizados na rede de estradas possibilitarão o estabelecimento de serviços rodoviários em qualidade e a preços capazes de substituir, com vantagem para os utilizadores e para a colectividade, a exploração do serviço público ferroviário onde os níveis de tráfego actual e potencial não justificam a sua continuação e a limitação dos recursos financeiros a torna cada vez mais precária.

Igualmente deverá continuar a dar-se atenção ao desenvolvimento da rede de aeroportos internacionais e de aeródromos secundários, no seguimento das acções já concretizadas em 1986. Então poderá ser encarado com maior optimismo o estabelecimento de novas unidades produtivas no interior e por essa via poderá contemplar-se o estancamento da emigração a partir dessas zonas. Desse modo se conseguirá resolver um dos problemas maiores do desenvolvimento do País, que é o da criação de verdadeiras comunidades locais viáveis.

Distribuída a actividade produtiva ao longo do território, em consonância com a exploração dos seus recursos endógenos e articulada com uma rede urbana que permita aos cidadãos ter acesso aos benefícios dos serviços do equipamento social, conciliar-se-á a distribuição da riqueza com a do equipamento ou, de outro modo, o nível com a qualidade de vida.

Mas o ordenamento do território também pode ser visto na perspectiva da protecção dos recursos que cor-

rem perigo, de forma a evitar que se degradem definitivamente. São com certeza os parques e reservas naturais já classificados e aqueles que merecem essa classificação, mas também aqueles recursos que, porque menos acessíveis ou utilizados pelo cidadão comum ou menos patentes na sua manifestação, tendem a ser menos preservados e apreciados. Ê o caso das áreas cujas potencialidades de produção agrícola são manifestas e tanta falta fazem, mas que, apesar de escassas, vão sendo subtraídas a essa valorização era favor de outras actividades urbanas, turísticas, etc, que poderiam adaptar-se a terrenos com menores potencialidades, ou das áreas onde o património florestal e cinegético ou outros ecossistemas mais característicos exigem uma intervenção que os proteja de nefastas explorações ou dos ataques a que são sujeitos, como é também o caso dos recursos hídricos e fluviais, da costa e plataforma marítima continental, especialmente nas zonas mais sensíveis, ou mesmo da nossa zona económica exclusiva. Mas há ainda um outro recurso, tão evidente que nem chega a ser visto, que importa muito particularmente ser defendido — a paisagem. Tão diversa e variada a temos nós que vamos aceitando, devido a inconsciente adaptação, que aqui e ali ela se vá degradando a olhos vistos, sem percebermos que o «aqui e ali» se vai aproximando da totalidade do nosso território.

A protecção e defesa desses recursos incumbem0 a todos nós, porque de todos é esse património, mas numa sociedade organizada é aos organismos do Estado que há-de caber o papel regulador do seu uso e a sua garantia final. Ora, se tem de haver uma orientação nacional para a sua identificação e reconhecimento como património comum, tal não pode nem deve prescindir do envolvimento desde início dos níveis locais e regionais que lhes estão mais próximos e mais prontos a desfrutá-los e a identificar-se com eles.

Mas importa definir melhor os objectivos a perseguir.

Recuperar coisas e actividades obriga, antes de mais, a sentir a comunidade em que se integrarão esses valores. Sem a revitalização das cidades e das povoações rurais, sem se lançar uma dinâmica que transforme locais de concentração de população em sociedades em que mereça a pena viver, não é possível recuperar: só é possível depauperar e degradar.

O esforço basilar da recuperação do ordenamento territorial passa, pois, pela dinamização das comunidades urbanas e rurais. A dinâmica das instituições locais que ajudam a exprimir e realçar as latentes vontades de ser e fazer pode ser estimulada por apoio à sua actividade, e não só ao seu equipamento, colocando, por exemplo, sob a sua responsabilidade a gestão ou conservação de equipamentos ou de valores patrimoniais, dentro de um sentido de exploração dos equipamentos públicos, assente em regras fixas de captação de comparticipações e de gestão autónoma por instituições não públicas devidamente responsabilizadas para o efeito. Essa pode até ser uma forma de, poupando recursos estatais, garantir actividades nos equipamentos, tantas vezes incompletamente aproveitados.

Assim se enriquecerá o tecido social, pondo fim ao paternalismo estatal e despertando as iniciativas e a criatividade.

A política de ordenamento do território, conferindo uma base espacial ao desenvolvimento, depen-

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dera, por um lado, da maior ou menor articulação e influência que exercer sobre as políticas sectoriais das grandes infra-estruturas e equipamentos e, por outro, da eficácia dos instrumentos específicos de planeamento urbanístico.

A conjugação do ordenamento do território com a política de desenvolvimento regional e com outras políticas horizontais, como as do embiente e emprego, é igualmente factor decisivo para a concretização do seu objectivo principal: o de gerir de forma racional e optimizada o recurso «espaço».

Tendo presentes a situação existente e as linhas de força das grandes opções, podem considerar-se como objectivos instrumentais para o ordenamento do nosso território os seguintes:

Reestruturar e modernizar o sistema urbano, com particular incidência na promoção do desenvolvimento de centros urbanos de média dimensão, procurando, por um lado, desenvolver uma armadura urbana capaz de sustentar as medidas de política de desenvolvimento regional que estejam ou venham a ser propostas e, por outro, promover uma correcta articulação com as políticas de transporte, de modo a garantir maior acessibilidade a todas as regiões;

Melhorar a qualidade e eficiência do meio urbano, maximizando o rendimento dos equipamentos e infra-estruturas existentes;

Remover os obstáculos ao desenvolvimento, principalmente através da melhoria dos processos administrativos de planeamento e gestão do espaço;

Procurar, através de planos de ordenamento, devidamente conjugados com as políticas de desenvolvimento regional, promover uma distribuição mais correcta e uniforme dos sectores produtivos em todo o território;

Apoiar as iniciativas de base local, numa perspectiva de descentralização, visando a materialização das potencialidades endógenas e o desenvolvimento da criatividade;

Reforçar a capacidade técnica e financeira das autarquias e promover a necessária reorientação dos investimentos para projectos bem dimensionados e de reconhecido impacte económico;

Racionalizar o uso do solo e garantir a boa gestão dos recursos naturais;

Ordenar o exercício de actividades marítimas, em especial as da pesca, em ordem a garantir um aproveitamento racional de recursos.

!li Parte — Enunciado das grandes Vmb&s de política

Enunciado das grandes linhas de política que respeitam mais directamente à Opção I — Língue, cultura e património.

1.1 — Preservação, recuperação e valorização de monumentos, espaços e zonas típicas ou outros valores arquitectónicos e urbanos, garantindo o respeito pelas suas características e a sua fruição pela população. Pressupõe-se, necessariamente, um grande esforço de inventariação, classificação e demarcação das áreas

territoriais que deverão ser protegidas e de uso reservado, regulamentando a utilização dessas áreas e recursos. O envolvimento e a responsabilização de entidades e agentes locais em todo este processo é factor de extrema relevância no desencadear dos diferentes tipos de acções.

1.2 — Levantamento, estudo c prospecção do património cultural do território portugucs, visando a utilização, preservação ou recuperação dos recursos ou valores existentes.

Por outro lado, desenvolver-se-ão programas de ordenamento ambiental e paisagístico que tenham em vista estancar a degradação visual e ambiental e proceder à recuperação de zonas já degradadas.

1.3 — Interligação da actividade das unidades educativas com os equipamentos ; organizações dedicadas à valorização e divulgação do património português — natural, histórico, científico c artístico—, estimulando, simultaneamente, a actividade criativa e inovadora dos jovens e o desenvolvimento de um espírito de defesa dos valores patrimoniais.

1.4 — Promoção e apoio a iniciativas no campo das técnicas, usos e costumes e manifestações culturais de base, de âmbito local ou regional, no sentido da sua reanimação, adaptação ou difusão da sua prática, contribuindo, assim, para o robustecimento de verdadeiras comunidades locais e para o reforço do associativismo de base local.

1.5 — Promoção do intercâmbio cultural, técnico e científico ou económico de âmbito nacional e internacional, através do apoio a iniciativas a desenvolver em território português. P roeu vai-se-á promover a criação de centros de intercâmbio, nomeadamente nos centro urbanos e nos espaços naturais mais característicos. Uma preocupação constante na prossecução desta linha de política será o apoio à realização em Portugal de acções de formação e informação con a participação de elementos das élites europeias ou mundiais nos campos económico, técnico e cultural.

L6 — Cooperação sistemática, no domínio do património comum que é a língua portuguesa, com os restantes países de expressão oficial portuguesa, favorecendo, nomeadamente, a uniformização da terminologia científica e tecnológica e a colaboração no estudo e investigação linguísticos. Ressalte-se, a este propósito, a importância de que se reveste a língua portuguesa como elemento agregador de um vasto conjunto de países, potenciando a realização de múltiplos programas de cooperação, nomeadamente no» campos científico, económico e social.

1.7 — Defesa da utilização da língua portuguesa em domínios e instâncias em que a informação e a comunicação, mesmo quando dirigidas a portugueses, têm sido preponderantemente expressas em idiomas estrangeiros. Antes de mais, procurar-se-á promover a utilização da língua portuguesa no seio das organizações internacionais de que Portugal é membro. Em segundo lugar, visar-se-á a instituição de processos que garantam a utilização da língua portuguesa em toda a documentação que acompanha os bens e serviços comercializados no País, na homologação ou constituição de marcas ou denominações, e que a promovam no campo da terminologia científica e tecnológica, com particular incidência nos casos de neologia.

1.8 — Valorização do pap¿\ dos emigrantes portugueses não só como agentes de divulgação dos valo-

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res da cultura portuguesa no estrangeiro, mas também como, quando regressados, portadores de novas experiências e contactos susiepli/eis de contribuírem para o desenvolvimento da sociedade portuguesa.

Enunciado das grandes linhas de política que respeitam mais directamente à Opção II — Afirmação das estruturas do Estado democrático.

11.1—Definição das leis estruturantes dos sistemas fundamentais do Estado democr.ítico e da sociedade, nomeadamente as leis de segurança interna, das bases de protecção civil, -lo estado de sítio e emergência, da orgânica dos tribunais judiciais, bem como da participação na Comunidade f-jropeia, assegurando a sua adaptação à evolução social.

II.2 — Estruturação e simplificação progressiva do sistema legislativo português, reduzindo o número e volume da regulamentação vigente.

11.3—Divulgação c fomento da informação relativa aos órgãos e serviços do Estado e ao modo do seu funcionamento, nomeadamente através do sistema educativo e dos meios de informação, e, no que concretamente se relaciona com a administração da justiça e segurança jurídica, prover os cidadãos de informação adequada e suficiente para sua orientação e correcta aproximação da justiça.

H.4 — Reforço da articulação e colaboração entre os diversos órgãos de soberania e outros órgãos do Estado, nomeadamente entre os órgãos e serviços centrais, regionais e locais, de forma que venham a instruir-se processos de interligação dos representantes das populações aos vários níveis.

11.5 — Adaptação da organização da Administração Pública a um mais eficaz exercício de funções e à sua correspondência com os diversos níveis orgânicos de estruturação tio Estado.

11.6 — Instituição e reforço dos órgãos nacionais, regionais e locais de participação dos diversos parceiros sociais aos vários níveis.

11.7 — Desenvolvimento de acções que fomentem a participação social dos jovens, nomeadamente através do associativismo, da acção dc educação democrática na escola e do envolvimento desta na vida social.

H.8 — Criação das estruturas e mecanismos conducentes à prestação do serviço cívico por todos os jovens. Numa primeira fase, c funcionando como experiência piloto, será regulamentado o serviço cívico dos objectores de consciência. Numa fase posterior será gradualmente lançado o serviço cívico para os cidadãos que, sendo considerados aptos para o serviço militar, não são chamados às fileiras. Posteriormente, e com base na experiência então adquirida, será implementado o serviço cívico nacional.

11.9—Promoção de actuações que reduzam a sensação de insegurança e alarme na sociedade, nomeadamente através do reforço da eficácia e prestígio das instituições de segurança e do sistema prisional.

11.10 — Melhoria da eficácia e celeridade do sistema judicial português, nomeadamente pelo reforço e qualificação dos recursos humanos e pela recuperação e melhoria dos equipamentos e instalações.

II. 11 — Promoção de acções de reinserção social dos delinquentes e apoio às vítimas, tendo em vista o restabelecimento da sua confiança no sistema social

vigente, nomeadamente desenvolvendo as ciências criminais e reactivando os centros de investigação criminológica.

11.12 — Promoção da melhoria do sistema de registo e notariado e sua permanente actualização, tendo em vista especialmente a simplificação dos esquemas de actividade.

11.13 — Reforço do papel das autarquias locais no processo de desenvolvimento, através do robustecimento dos meios técnicos e financeiros postos à sua disposição, a par da criação de incentivos à participação activa das autarquias em planos de desenvolvimento que tenham por objectivo a convergência de actuações do Estado, das autarquias e dos agentes económicos na dinamização da actividade económica.

11.14 — Preparação de legislação referente à criação de regiões administrativas a submeter à Assembleia da República, na sequência dos trabalhos já iniciados pela Comissão de Reordenamento Administrativo do Território.

11.15 — Reestruturação c redimensionamento do sector público de comunicação social e criação e desenvolvimento de condições para a modernização das unidades empresariais no domínio da indústria de informação. Atender-se-á preferencialmente a acções que visem a diminuição da excessiva intervenção do Estado no sector, reconduzindoa na linha da tradição europeia e ocidental, que, eminentemente, se traduz no fim público essencial, mas não omnipresente, a salvaguardar; que promovam a separação entre as actividades gráfica, distribuidora e jornalística; que fomentem formas associativas propiciadoras de uma boa gestão e ocupação do parque gráfico e do sistema de distribuição a nível nacional e regional; que criem condições de modernização tecnológica e apoio à gestão, nomeadamente através da comparticipação do Estado no designado custo social da actividade informativa e, bem assim, por esquemas de isenções fiscais e bonificações ao crédito para investimento; que promovam a modernização e inovação no camjx) dos áudio-visuais, com abertura progressiva da exploração do espectro radioelíctrico aos sectores cooperativo e privado, instituindo repras que enquadrem socialmente os objectos da actividade em presença e os fins sociais que lhes são inerentes.

11.16 — Na sequência de decisões já tomadas pelo Governo, procurar-se-á a reestruturação do sistema estatístico nacional, no sentido de ser possível a disponibilização de informação exacta e atempada aos agentes económicos e sociais e á opinião pública em geral.

Enunciado das grandes linhas de política que respeitam mais directamente à Opção III — Valorização do papel dc Portugal no Mundo.

III.1 —Reforço da concepção atlântica de Portugal e da intervenção portuguesa como «plataforma rotativa» entre os interesses europeus, americanos e africanos. Procurar-se-á uma actuação diversificada, mas convergente, em vários domínios que visam assegurar a presença e o envolvimento de Portugal em todas as iniciativas referentes às questões políticas, económicas, culturais ou de defesa da área atlântica. Componente essencial desta política é o reforço do

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papel de Portugal como mediador entre os países europeus e os países africanos e sul-americanos.

111.2 — Criação das condições susceptíveis de assegurarem a capacidade de efectivo controle do espaço geo-estratégico — terrestre, marítimo e aéreo —, de forma a possibilitar a permanente defesa autónoma dos interesses portugueses e a obtenção da necessária e credível capacidade de dissuasão. Tal orientação passa pelo reequipamento das Forças Armadas de forma coerente com o elenco de ameaças estimadas e pela garantia da assunção de responsabilidades nacionais de defesa comum na OTAN. Paralelamente, haverá que definir e concretizar uma política de desenvolvimento da indústria de defesa nacional. No domínio da zona económica exclusiva, ter-se-á de aprofundar o seu conhecimento, promovendo a sua ocupação efectiva, designadamente através do desenvolvimento de modelos de gestão racionalizada dos recursos pesqueiros marítimos e dos sistemas do litoral e da parti-ciptação activa nas acções de articulação entre regiões do litoral.

111.3 — Incentivo à actuação de operadores comerciais, turísticos, industriais e transportadores portugueses como cadeias intermediárias entre os diversos mercados mundiais. Será fundamental prosseguir uma actuação concertada ao nível politico, comercial e de infra-estruturas, de modo a transformar os portos nacionais em centros de tráfego internacional, aproveitando a sua localização geoestratégica; procurar-se-á dinamizar e apoiar a expansão e renovação da frota da marinha do comércio, bem como valorizar e equipar os grandes eixos de circulação rodoviária, ferroviária, marítima e aérea, tendo em vista as ligações internacionais.

111.4 — Desenvolvimento do esforço de cooperação de Portugal com outros países, nomeadamente os de expressão portuguesa, alargando o conceito de cooperação à iniciativa privada e procurando que a cooperação do Estado se concentre especialmente nos sectores da educação, saúde e outros serviços da Administração. Procurar-se-á valorizar as potencialidades portuguesas como país de representação mútua entre os restantes países europeus e os países de expressão portuguesa. Por outro lado, incentivar-se-á o envolvimento das empresas nacionais em tarefas que respeitem a reais necessidades dos mercados dos países de expressão portuguesa, nomeadamente nas áreas de consultoria de projectos.

HI.5 — Intensificação da participação e actuação de Portugal nas organizações internacionais, procurando valorizar a capacidade de intermediação portuguesa. Para além do empenho que Portugal terá de pôr nas diferentes participações em organizações internacionais, procurar-se-á atrair para o País a instalação de centros de coordenação, investigação ou mera sediação de organizações internacionais, aproveitando os recursos existentes e oferecendo facilidades para a sua instalação e funcionamento.

111.6 — Difusão e valorização junto dos restantes países do património cultural, científico e natural português, assente numa base de elevada qualidade. Muitas das acções a levar a cabo estão referidas em outras linhas de política. Saliente-se, todavia, a intenção de promover a criação de uma cadeia nacional para exploração de hotéis nos países com os quais Portugal mantém relações históricas e culturais. Por outro lado, promover-se-ão acções que visem a permanente

e dinâmica utilização pelos funcionários do corpo diplomático português de informação actualizada relativa ao património e potencialidades económicas, técnicas, culturais e turísticas portuguesas.

Emurusàado das grandes linhas áe política que res^eííani mais direcíameEíe às Opções EV e V — Conrscçã3> dos grandes dessquilíbrios estruturais e reCarço és. economia/combale ao desemprego.

IV/V.l—Contenção das despesas públicas compressíveis e devolução de total transparência às contas de todas as entidades do sector público administrativo, por forma que possa haver um efectivo controle do défice global do sector público, e não apenas do Estado. A orientação primordial de tal política assenta, fundamentalmente, na compressão das despesas públicas com menor grau de rigidez, já que o acréscimo das receitas deverá guiar-se pelo ritmo de crescimento da actividade económica. Mas o adequado controie do défice das contas públicas exige, antes de mais, que a sua identificação seja efectuada com clareza. Daí a necessidade de disciplinar as contas de todo o sector público administrativo.

iV/V.2 — Criação de condições propícias a um forte esforço de investimento susceptível de proporcionar a animação da actividade económica geradora de emprego e a alteração da estrutura da oferta, única via para ultrapassar de forma duradoura a situação de desequilíbrio da balança comercial. Paralelamente, procurar-se-á orientar o investimento no sentido da correcção das assimetrias regionais e da reestruturação, modernização e inovação do aparelho produtivo nacional. Ao nível da intervenção directa do Estado, o investimento deverá orientar-se para uma correcta infra-estruturação susceptível de criar condições e oportunidades para uma adequada afectação do investimento privado.

5V/V.3 — Redução do peso relativo das necessidades de financiamento do sector público, por forma a permitir a continuação da libertação progressiva da taxa de juro c evitar o crowding-out do sector produtivo. Para além da contenção do défice das contas públicas (v. linha de política iV/V.l), a libertação de meios financeiros necessários ao financiamento das empresas privadas e o controle da inflação reclamam um adequado financiamento desse mesmo défice. Nesse sentido, será dada preferência ao financiamento não monetário dos défices orçamentais, nomeadamente pela colocação directa cie dívida junto do público não bancário.

ÜV/V.4 — Gestão articulada das taxas de câmbio e de juro, tendo sempre cm vista o objectivo de redução da inflação. Serão determinantes desta linha de política: a contenção dos custos ananeciros das empresas, o ataque à componente importada da inflação e a salvaguarda de uma remuneração dos depósitos susceptível de proporcionar a formação da poupança necessária. Por outro lado, a taxa de câmbio não será utilizada como instrumento de defesa automática da competitividade das empresas.

1V/V.5 — Redução dos custos unitários ce produção, assente em acréscimos de produtividade, na moderação dos custos salariais, na já referida compressão dos custos financeiros e na redução dos encargos fiscais e parafiscais, tendo em vista a promoção de acréscimos de produtividade das empresas nacionais.

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fV/V.6 — Motivação do crescimento um pouco mais pelo lado do emprego do que pelo lado da produtividade, reduzindo o custo relativo do emprego e contando para isso com as cinco condições expressas na Opção V.

1V/V.7 — Estímulo à criação de novas actividades e emprego e de novas profissões, tendo por base iniciativas a nível local e regional, desenvolvendo o potencial económico local menos exigente em capital intensivo do que em mão-de-obra.

1V/V.8 — Promoção da transparência do mercado de emprego, procurando-se não só a maior facilidade de ajustamento entre a oferta e a procura de emprego, mas, preferencialmente, contribuindo para o acesso de camadas de população eventualmente interessadas a elementos de informação sobre vias profissionais aconselháveis e apoios disponíveis.

ÍV/V.9 — Lançamento de programas especiais de emprego que proporcionem a ocupação de uma percentagem da população desempregada e que, ao mesmo tempo, permitam aumentar as perspectivas de emprego devido à experiência profissional adquirida durante o desenvolvimento do programa.

Pela sua importância, expandir-se-á o estabelecimento de sistemas de apoio específicos à criação de cooperativas de trabalhadores desempregados, à contratação dtf jovens desempregados candidatos ao primeiro emprego e aos desempregados de longa duração.

Para além da introdução de incentivos fiscais significativos com vista à criação de emprego, que terão especialmente em conta as regiões com elevada incidência de desemprego, regulamentar-se-á o regime legal enquadrador das iniciativas locais de emprego, por forma a contemplar um papel mais activo das autarquias locais c das organizações empresariais e sindicais na dinamização deste tipo de iniciativas.

Ultimar-se-á, em colaboração com os parceiros sociais, a revisão do regime legal de aprendizagem e, através da conclusão da informatização em curso nos centros de emprego, haverá a possibilidade de criação de um ficheiro nacional de desempregados.

IV/V.10 — Orientação da política de segurança social no sentido da promoção de emprego, de apoio ao desemprego e da harmonização destes dois objectivos. Prosseguir-se-á no sentido de flexibilização da idade de reforma e da revisão das condições de acesso à pre-reforma no caso de sectores excedentários de mão-de-obra; serão redefinidas as condições de acumulação de pensões com rendimentos do trabalho; as contribuições para a Segurança Social poderão ser temporariamente objecto de isenção ou redução em relação às empresas que criem emprego para grupos específicos (jovens, deficientes) ou por outras razões de ordem económica ou social; procurar-se-á proporcionar condições de vida dignas aos desempregados e visar-se-á optimizar o binómio custos sociais do de-semprego-custos sociais do emprego.

I V/V. 11—Modernização do sistema financeiro, através da criação de novos instrumentos de aplicação dc poupança, de novas instituições financeiras e da adopção de novas soluções mais adequadas às necessidades dos agentes económicos.

IV/V.I2 — Modernização do sistema fiscal, nomeadamente através da aposta nas virtualidades e coerência do imposto único, da generalização da informática no tratamento da informação fiscal e da utilização da fiscalidade como instrumento de dinamização da actividade económica.

IV/V.13 — Prossecução de uma política de investimento por parte do Estado no sentido de beneficiar, criar ou expandir infra-estruturas de apoio ao sector produtivo e que contribua para o desenvolvimento regional. Será dado um relevo muito especial ao desenvolvimento de obras públicas e conservação das vias dc comunicação rodoviária e ferroviária, portos e aeroportos. A este propósito, refere-se que, a par da melhoria das ligações internacionais mais significativas para o desenvolvimento do País, visar-se-á igualmente o incremento da segurança e da acessibilidade interna, nomeadamente nos casos de insularidade e interioridade. Outra das áreas de investimento a privilegiar refere-se ao aproveitamento dos recursos hídricos e ao saneamento básico. Finalmente, salienta-se a necessidade de concentração do esforço de investimento em infra-estruturas de apoio ao sector agrícola, como é o caso das infra-estruturas hidroagrícolas, dos caminhos rurais e melhoramentos fundiários que permitam a valorização dos recursos disponíveis e das potencialidades agrícolas.

IV/V.14 — Implementação de mecanismos eficazes e transparentes de planeamento, coordenação, acompanhamento e avaliação dos projectos da responsabilidade do Estado.

IV/V.15 — Maximização do aproveitamento dos recursos financeiros oriundos da Comunidade Económica Europeia. A este propósito, convém realçar que será dada a maior atenção ao aperfeiçoamento dos mecanismos e procedimentos dirigidos à adequada preparação e execução de projectos e programas de desenvolvimento, bem como aos relativos à coordenação do acesso aos vários fundos estruturais comunitários e ao Banco Europeu de Investimentos. Serão preteridas acções que privilegiem o curto sobre o médio prazo e incentivem a verticalização do acesso aos instrumentos financeiros das Comunidades Europeias.

IV/V.16 — Racionalização e reforço da eficácia dos agentes e instituições de apoio ao sector produtivo. O papel do Estado deverá restringir-se às acções que não possam ser assumidas pelo sector privado e pelas organizações sócio-profissionais. Genericamente, as áreas de actuação deverão centrar-se no planeamento e na programação, na preparação de medidas de política, no lançamento de infra-estruturas, na normalização da qualidade dos produtos, na investigação, na formação e na informação.

IV/V.17 — Adopção de uma estratégia de aproximação diferenciada para as diferentes empresas que constituem o sector empresarial do Estado. Antes de mais, haverá que distinguir as empresas prestadoras de serviços sociais daquelas que não o são, preconi-zando-se para estas últimas a submissão às regras de concorrência do mercado. Procurar-se-á, por outro lado, responsabilizar os gestores perante os resultados conseguidos e, de acordo com cada caso concreto, serão preconizadas soluções tendentes à mobilização dos capitais necessários ao desenvolvimento das empresas.

IV/V.18 — Dinamização do sistema de ciência e tecnologia, através da cooperação cientifica internacional, do reforço das infra-estruturas de apoio e do lançamento de programas específicos. Tal política reclama, antes de mais, o reforço das infra-estruturas relativas ao sistema de informação científico-tecnológico, a dotação do sistema com grandes meios de cálculo e a criação de oficinas de apoio à actividade experimental. Procurar-se-á também lançar programas

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específicos, nomeadamente em domínios avançados ou enquadrados em áreas científicas e tecnológicas de forte cooperação internacional. A acção das universidades no domínio da investigação científica e tecnológica será fortemente apoiada e serão lançados programas de sensibilização para a ciência e tecnologia, com particular incidência nos jovens.

IV/V.19 — Utilização do sistema de ciência e tecnologia nacional no sentido de reforçar o aparelho produtivo nacional e de promover a regionalização e o desenvolvimento, mediante uma grande colaboração entre as unidades produtivas, as universidades e outros institutos de investigação. Torna-se necessário promover o intercâmbio de pessoas e conhecimentos e o desenvolvimento de programas concretos que mobilizem simultaneamente os dois tipos de instituições. Para além do papel fundamenta] que a investigação aplicada detém na inovação industrial, releva-se igualmente a sua importância no desenvolvimento do sector primário da economia, não só pela contribuição para a utilização de novos métodos e técnicas de exploração, mas também na detecção de recursos. É aqui de referir em particular o papel da investigação científica aplicada no reconhecimento e detecção de potenciais de exploração na ZEE.

O sistema de ciência e tecnologia terá igualmente um papel fundamental no aproveitamento de outros recursos naturais endógenos e no desenvolvimento regional e social.

IV/V.20 — Definição de enquadramento legal e de formas institucionais adequadas com vista à gestão integrada dos recursos hídricos.

IV/V.21 — Modernização e intensificação dos sistemas de produção agrícola e agro-pecuária com viabilidade económica assegurada e reconversão gradual dos sistemas produtivos agrícolas em regressão ou de rentabilidade social comprometida. Há que concentrar os recursos disponíveis nas actividades em que Portugal dispõe de poder concorrencial em termos de exportação. Paralelamente, haverá que desenvolver aquelas actividades que, não sendo concorrenciais no mercado internacional, estão de algum modo ao abrigo da concorrência externa e ou apresentam ganhos de produtividade potencial que lhes permita continuar a abastecer o mercado interno.

IV/V.22 — Dinamização do mercado fundiário e dos agentes agrícolas, promovendo o seu rejuvenescimento, o reforço da sua organização, a informação, o apoio técnico e a formação profissional dos agricultores. Serão desenvolvidas acções que visem o emparcelamento quando a estrutura fundiária é desadequada, que facilitem o acesso à terra e aos meios de produção por parte dos agricultores e trabalhadores agrícolas mais jovens, que melhorem o sistema de segurança social dos agricultores e que facilitem a reforma dos idosos. Serão fomentadas ou reforçadas as organizações de produtores, promovende-se o associativismo, com vista à representação, diálogo e participação na programação das acções de desenvolvimento, componentes fundamentais para aplicação da política agrícola comum em Portugal. Paralelamente, haverá que desenvolver a experimentação, o ensino agrícola e a formação profissional, difundir a informação e generalizar o apoio técnico aos agricultores.

ÍV/V.23 — Reorganização dos mercados e dos circuitos de comercialização e aumento da capacidade de transformação dos produtos da agricultura e da

pesca. Promover-se-á uma maior eficiência e racionalidade no funcionamento dos mercados, consolidando as organizações de produtores e a sua função interventora na regulação dos mercados, no sentido de ajustar a oferta à procura e de garantir o abastecimento e valorização dos produtos alimentares. Dever--se-á aumentar e aperfeiçoar a capacidade de transformação e de comercialização/armazenagem dos produtos agrícolas e da pesca, melhorando as técnicas de fabrico, aumentando o valor acrescentado nacional, permitindo o escoamento de espécies não utilizadas para o consumo em fresco c promovendo a qualidade.

IV/V.24 — Reorientação do esforço de pesca da nossa ZEE e promoção, renovação e reestruturação da frota, tendo em vista o seu ajustamento à capacidade de exploração dos pesqueiros e a obtenção de melhores índices de produtividade. O esforço de pesca deverá ser reorientado para as grandes profundidades e para o largo, aliviando, assim, os pesqueiros tradicionais. Promover-se-á a construção de embarcações destinadas à pesca de grandes migradores e pelágicos médios e prosseguir-se-á a plena utilização da capacidade produtiva da frota, em especial da frota longínqua. Por outro lado, estimular-se-á a transformação da pesca artesanal e costeira, de modo a reduzir o seu esforço em espécies sobreexploradas. Trata-se de um domnio onde a formação profissional desempenhará um papel crucial.

IV/V.25 — Desenvolvimento da utilização e aproveitamento dos recursos minerais. As acções a empreender encaminhar-se-ão no sentido de intensificar a inventariação dos recursos minerais e de promover a sua exploração e valorização, estimulando o investimento produtivo.

1V/V.26 — Integração das políticas industriais, energéticas, financeiras e de exportação. Será dada preferência às acções concertadas entre medidas de fomento industrial, racionalização energética e apoio financeiro à exportação que, num contexto comunitário, tenham por fim o desenvolvimento integrado das empresas nacionais.

IV/V.27 — Promoção da utilização dos recursos energéticos nacionais, diversificação das fontes primárias de energia e redução da participação de energia na formação do PIB. Será incrementada a construção de aproveitamentos hidroeléctricos e a aplicação e o desenvolvimento de novas tecnologias de energia, designadamente hidroelectricidade de pequena potência eólica e co-geração. Serão desenvolvidas acções que. tendo em vista a redução de participação de energia na formação do PIB, privilegiem a conservação da energia, a diversificação dos meios de transporte e a adequação da política de desenvolvimento industria? às características do sistema energético nacional.

IV/V.28 — Modernização do sector industrial e reforço das medidas de apoio à melhoria da qualidade e normalização. Com vista à modernização do sector industrial serão levadas a cabo acções que visem incentivar a participação das empresas no aumento das despesas de investigação e desenvolvimento em relação ao PI3 e acções que, sendo de carácter horizontal, visem, quer a adopção de novas tecnologias e a melhoria de rendimentos de operações e processos de fabrico, quer a melhoria e o lançamento de novos produtos, nomeadamente em colaboração com universidades e laboratórios do Estado. 0 reforço das medidas de apoio à melhoria da qualidade e normali-

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zação passa pela adopção de acções que visem, preferencialmente, reforçar a implementação de sistemas de qualidade nas empresas, através de meios laboratoriais e da intensificação da actividade de normalização industrial.

IV/V.29 — Reestruturação de subsectores industriais em declínio. Os sectores a reestruturar deverão ter um peso importante no tecido produtivo nacional e apresentar perspectivas reais de recuperação.

5V/V.30— Concretização de uma rede básica de infra-estruturas de apoio à indústria. Visar-se-á prioritariamente as PMEs e o funcionamento e reforço da actuação dos centros tecnológicos, assim como a implementação de parques tecnológicos e a criação e consolidação dos nós da rede de extensão industrial.

iV/V.31—Reforço do sistema de formação à indústria. Procurar-se-á, nomeadamente, proporcionar um melhor enquadramento informativo às empresas no âmbito do seu funcionamento no mercado europeu, em termos tecnológicos, financeiros e comerciais.

IV/V.52 — Aumento do nível qualitativo das exportações e introdução de novas modalidades de financiamento à exportação e de mecanismos que possibilitem uma melhor articulação entre os sistemas de crédito e de seguro e garantias de crédito.

1V/V.33 — Fomento de associações de interesses com países terceiros, que podem assumir a forma de joint-ventures, ou empresas integradas de desenvolvimento, sendo dada preferência à acções que se dirijam à cooperação com países de língua oficial portuguesa e às que facilitem a realização de operações de compensação bilaterais ou triangulares.

1V/V.34— Aperfeiçoamento do funcionamento do mercado em regime de concorrência e gestão eficaz das medidas comunitárias de organização e protecção do mercado interno, visando a defesa dos interesses dos agentes económicos nacionais. Será necessário, antes de mais, adaptar os organismos de coordenação comercial ao normativo comunitário. Prosseguir-se-á, igualmente, no sentido da liberalização de preços, da eliminação de barreiras ao livre acesso de novas empresas ao mercado e da racionalização dos circuitos de distribuição, aumentando o seu grau de concorrência e transparência.

IV/V.35 — Reestruturação, modernização e racionalização da actividade comercial, prosseguindo-se no sentido da concretização de um cadastro comercial que permita a realização de estudos para a detecção das insuficiências e distorções do aparelho comercial português.

IV/V.36 — Aumento da contribuição positiva do sector do turismo para o saldo das contas externas, o que passa por uma política de qualidade e de diversificação da oferta turística, só possível se se garantir a compatibilização do cerscimento do turismo com o desenvolvimento integrado das estruturas de enquadramento e dos meios de alojamento. Paralelamente, haverá que proceder à preservação e recuperação de zonas com potencialidades de desenvolvimento turístico. A promoção turística deverá ser orientada por forma a diversificar a procura e aumentar as receitas turísticas, evitando-se uma excessiva dependência de um número reduzido de mercados. Visar-se-á também a orientação da procura nacional para o mercado interno.

1V/V.37 — Aumento do grau de concorrência no mercado interno dos transportes, garantindo uma igual-

dade de tratamento entre as empresas, designadamente entre empresas públicas e privadas, e adoptando um sistema de taxas por utilização das infra-estruturas, reflectindo o respectivo uso.

IV/V.38 — Estímulo aos esforços da transportadora aérea, dos armadores da marinha mercante e dos operadores rodoviários nacionais, no sentido de os tornar mais competitivos nos mercados internacionais, aumentando não só as quotas de mercado nos tráfegos de passageiros e de mercadorias de e para Portugal, como também captando novos tráfegos entre países terceiros, sempre que a respectiva regulamentação internacional o permita.

IV/V.39 — Ampliação e melhoramento dos serviços de comunicações e aperfeiçoamento da sua gestão. Há que recuperar os atrasos ainda existentes na oferta de serviços de comunicações, a par do lançamento de novos serviços, revendo o âmbito da actuação e a estrutura tradicionais das respectivas empresas, abrindo à participação da poupança privada o seu capital próprio, sujeitando ao regime concorrencial certas franjas da sua actividade e actualizando a regulamentação do uso público dos respectivos serviços. Procurar-se-á assegurar uma oferta adequada e a operacionalidade, em níveis europeus, da rede de comunicações, difundida em todo o território nacional e convenientemente articulada com as ligações internacionais.

IV/V.40 — Dinamização do mercado da construção e habitação, promovendo acções tendentes à reorganização do sector, a adopção de adequados regimes de crédito à habitação e o apoio às câmaras municipais, cooperativas e outras entidades no desenvolvimento de programas de habitação social. A dinamização do sector da habitação passa pelo relançamento do mercado de arrendamento, que, conjuntamente com o estímulo ao mercado de habitação própria, deverá poder vir a resolver o grave desequilíbrio estrutural que se verifica no sector da habitação. Paralelamente, haverá que providenciar o apoio às câmaras municipais, cooperativas de habitação e empresas (através de contratos de desenvolvimento de habitação) no desenvolvimento de programas de habitação social, sobretudo nos centros urbanos. Relativamente ao sector da construção, haverá que promover o ajustamento e actualização das normas a que devem obedecer as empreitadas de obras públicas, a utilização dos materiais de construção e a adopção dos processos construtivos, por forma a permitir a racionalização dos custos sem afectar a segurança, a durabilidade e a qualidade da construção. Haverá igualmente que incentivar os aumentos da produtividade e os redimensionamentos aconselháveis no sector industrial da construção, tendo em vista o acréscimo da sua competitividade internacional.

IV/V.41—Desenvolvimento das bases produtivas regionais, através de uma política deliberada de orientação das decisões de localização da actividade económica. Serão promovidas acções que visem o aproveitamento dos recursos endógenos regionais e locais e que contribuam para o fortalecimento do tecido produtivo das regiões menos desenvolvidas. Este esforço passa necessariamente pela disponibilização, a nível regional, de serviços de apoio à actividade produtiva. A orientação espacial das decisões de investimento será igualmente influenciada por um sistema de estímulos ao investimento que privilegie as áreas com

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uma base económica mais débil, incentivándose, assim, a criação de emprego de base local.

IV/V.42 — Estímulo à concepção, elaboração e execução integradas de programas e projectos de desenvolvimento regional. Sob pena de duplicações ou de acções contraditórias, torna-se imperioso fornecer o enquadramento que permita a integração de actuações a cargo da administração pública central, regional e locai e que aperfeiçoem a sua interface com o desenvolvimento produtivo. As figuras de programa e de projecto de desenvolvimento regional constituem os instrumentos adequados para fornecer esse enquadramento, possibilitando, paralelamente, uma maior racionalidade na aplicação de recursos financeiros internos e externos.

Enunciado das grandes linhas de política que repeitam mais directamente à Opção VI — Novo conceito de empresa.

VI. 1—Divulgação de uma concepção de empresa assente num «espírito de corpo» em que empresários, quadros e assalariados se sintam mobilizados para a prossecução de objectivos essenciais comuns. Importará valorizar a função de gestão de pessoal dentro das empresas segundo uma concepção não casuística ou meramente assente em compensações salariais, mas antes na perspectiva de uma gestão efectiva de carreiras profissionais e de espírito de empresa. Por outro lado, haverá que promover uma concepção de organização não assente em pirâmides hierárquicas de topo único e em que a comunicação se estabelece apenas no sentido vertical, mas antes uma organização flexível e funcionalmente subordinada ao conceito de «projecto». Será por esta via que se poderá promover a participação dos trabalhadores na definição e na prossecução dos objectivos da empresa.

VI.2 — Promoção de uma concepção de empresa cm que a propriedade e a função empresarial, ainda que possam concentrar-se na mão de um único agente, constituem funções distintas, pugnando-se, assim, pela profissionalização da gestão.

VI.3 — Desenvolvimento de acções de informação e de formação sistemática, por forma a manter os empresários actualizados sobre as oportunidades de financiamento e sobre a evolução dos mercados, permitindo-se, assim, uma adaptação constante das empresas ao contexto em que se integram. Assumem especial importância as informações respeitantes às possibilidades de financiamento no âmbito dos fundos comunitários, bem como sobre eventuais carências na oferta de produtos, quer na Comunidade, quer noutros países potenciais clientes.

VI.4 — Fomento da instalação nas empresas de um clima de flexibilidade e abertura à inovação susceptível de proporcionar a adaptação atempada às constantes mutações que caracterizam o meio envolvente na época que atravessamos. O clima desejável passa pela valorização da função de investigação e desenvolvimento nas empresas em estreita colaboração com a função comercial. Por outro lado, dever-se-á encorajar acções que visem a integração nas empresas das funções de promoção e reciclagem contínua, tendo em vista uma atitude receptiva e a adaptação do pessoal em relação à adopção de novas tecnologias, novos processos e novos produtos.

VI.5 — Promoção da concepção de empresa como entidade que, para além de prosseguir interesses privados, desempenha igualmente uma função social na comunidade nacional, junto do pessoal que a integra e das respectivas famílias e do agregado populacional que a cerca.

V1.6 — Incentivo do recurso das empresas ao mercado de capitais, por forma a mobilizar a poupança dos particulares e a promover o ponto de encontro entre capacidade empresarial e capacidade financeira.

VI.7 — Incentivo à constituição de agrupamentos de empresas de pequena e média dimensão em áreas que possam potenciar efeitos sinergéticos e de escala. Há neste domínio vários campos por explorar, nomeadamente no que respeita à prospecção de mercados e à comercialização de produtos em mercados alargados, à informatização e também à investigação e desenvolvimento.

VI.8 — Promover a constituição de novas empresas em novas áreas, encorajando a capacidade criativa e de assumpção de riscos por parte dos empresários e facilitando o acesso a recursos financeiros. Dar-se-á especial importância à criação de empresas de iniciativa de jovens e que se situem em áreas geográficas sem tradição empresarial. Haverá, por outro lado, que ter em atenção a diversificação crescente da procura, nomeadamente no campo de produção ao domicílio de serviços de informação, documentação e lazer.

V!.9 — Fomento de iniciativas locais de emprego e da organização da família como célula potencialmente produtiva sob a forma de empresa familiar.

VI.10 — Flexibilização do mercado de trabalho e de emprego através do diálogo social, que se deverá estimular dentro de cada empresa, tendo em vista não só aspectos de negociação salarial, mas também responsabilização de todos os intervenientes na prossecução dos objectivos da empresa. Dever-se-á encarar a possibilidade de formas alternativas de prestação de trabalho—tempo parcial, modulação dos horários de trabalho, trabalho ao domicílio, reorganização dos tempos de trabalho, etc.

Enunciado das grandes linhas de política que respeitam mais directamente à Opção VII — Valorização dos recursos humanos.

VII.1—Articulação das políticas de ensino e formação profissional dos Ministérios da Educação e Cultura e do Trabalho e Segurança Social e demais depar-mentos com competências nessas áreas, possibilitando uma maior compatibilização do ensino técnico-profissio-nal e superior politécnico com as leis da formação em aprendizagem e com os esquemas de formação profissional do IEFP, visando a optimização de equipamentos, edifícios e infra-estruturas existentes.

VI 1.2 — Prossecução do desenvolvimento dos sistemas de ensino e de formação numa base de maior inserção nas realidades regionais e sectoriais, tendo em vista os grandes objectivos de desenvolvimento social e as necessidades do sistema produtivo em particular.

VII.3 — Redefinição da rede escolar na perspectiva do alargamento da escolaridade obrigatória e dc acordo com uma tipologia e uma dimensão racionais dos equipamentos.

VII.4 — Modernização da gestão do sistema educativo no sentido da reformulação dos esquemas de admí-

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nistração e gestão dos estabelecimentos de ensino, visando uma maior autonomia.

VÜJI.5 — Adaptação da estrutura de pianos curriculares, tendo em conta os objectivos de cada nível de ensino, os espaços de intervenção de componentes regionais e o reforço de actividades lectivas com carácter cívico, cultural e desportivo.

VU.6 — Adopção de medidas tendentes à promoção do sucesso escolar e ao efectivo cumprimento da escolaridade obrigatória, tendo em conta o meio social cm que a escola se insere.

VÍÍ.7 — Dotação das necessárias condições de segurança nas escolas e apetrechamento adequado com vista ao eficiente desempenho das funções educativas.

Víí.8 — Flexibilização do mercado de emprego, subordinada a objectivos de humanização do trabalho, nomeadamente pela adopção de medidas de organização do trabalho, gestão da vida activa, mobilidade geográfica e profissional definidas com a participação dos parceiros sociais.

VK.9 — Melhoria do sistema de protecção social no desemprego, em especial do desemprego de longa duração, inscrindo-o no quadro mais vasto da política de emprego e formação profissional.

VI!.10 — Concepção da formação profissional como processo de adaptação contínuo da qualificação dos trabalhadores à evolução tecnológica, tornando os aparelhos de formação profissional mais leves e flexíveis, permitindo, assim, o seu rápido ajustamento às necessidades do mercado de trabalho e desenvolvendo um particular esforço no domínio da formação de formadores e de técnicos de colocação e orientação profissional.

VI;.11 — Fomento do associativismo, nomeadamente ao nível dos agentes económicos, como meio de dinamização e valorização profissional e incentivos à participação dos parceiros sociais e demais agentes da vida social e económica na preparação e execução da política de valorização dos recursos humanos.

Vfí.í2 — Incremento da formação tecnológica, incentivando a formação de recursos humanos para a promoção e transmissão de ciência e tecnologia, tendo em conta as áreas científicas e tecnológicas mais carenciadas, mais dinâmicas e de maiores efeitos multiplicadores.

VII.! 3 — Promoção da integração social e reabilitação dc deficientes, considerando, nomeadamente, a sua formação pré-profissional e profissional e fomento do trabalho protegido. Estas actividades deverão ter em conta as iniciativas de instituições particulares de solidariedade social.

VII.14—Desenvolvimento de sistemas integrados de informação e orientação profissional adequados aos diferentes públicos visados, tendo em conta muito especialmente a informação e a orientação profissional de jovens.

VII.15 — Utilização do Fundo Social Europeu como fonte de financiamento privilegiada da formação profissional.

Víí.16 — Rentabilização do sistema de formação profissional do Ministério do Trabalho e Segurança Social, através do desenvolvimento de acções susceptíveis de financiamento do Fundo Social Europeu, da introdução de módulos de formação em horário pós--laboral, o que permitirá aumentar a capacidade de formação das infra-estruturas existentes, e da abertura dos centros dc emprego às comunidades locais, através

da prestação de serviços às empresas e às populações no âmbito das actividades de formação.

VII.17 — Apoio ao associativismo juvenil, como meio de desenvolvimento da criatividade e da inovação cultural e científica dos jovens.

VI 1.18 — Contribuição para a criação de hábitos de prática desportiva contínua e sistemática, nomeadamente promovendo o associativismo e reforçando esta componente nos planos curriculares, e concretização de um submodelo de apoio ao desporto de a!ta competição que suporte e acompanhe as exigências qualitativas requeridas por este nível superior de competição desportiva.

VI 1.19 — Promoção do reforço dos sistemas de saúde na protecção a alguns grupos vulneráveis, visando a promoção da saúde materno-infantii, de modo a baixar as taxas de morbilidade e mortalidade actuais, a resolução dos problemas de saúde dos idosos, de modo a assegurar a sua actividade e independência no maior tempo possível, a melhoria dos serviços de saúde mental, obviando à institucionalização dos doentes mentais, promovendo a sua integração possível na comunidade e assegurando o seu atendimento de forma integrada a nível hospitalar e de cuidados de saúde primários, o combate ao alcoolismo, à droga e ao tabagismo.

VI 1.20 — Humanização da prestação de cuidados e serviços de saúde, propiciando a manutenção da relação pais-filhos e criando às crianças as melhores condições ambientais, preservando a dignidade humana do utente no seu contacto com o serviço de saúde, não o considerando apenas como um simples elemento estatístico. Procurar-se-á integrar as unidades de saúde na vivência das comunidades por elas servidas, assegurando que a renovação e inovação tecnológicas sejam acompanhadas por medidas que obviem à desumanização dos cuidados.

VI 1.21—Melhoria da rede de serviços de saúde, através da sua modernização, quer por recuperação c remodelação de antigas instalações, quer por construção de novos equipamentos. Procurar-se-á corrigir as assimetrias existentes em equipamentos de saúde, quer em qualidade, quer em quantidade, incrementando os planos já elaborados para as áreas críticas, nomeadamente as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, tendo em conta, de forma muito especial, os serviços de urgência. Nesta linha, visar-se-á também a incrementação dos serviços prestadores de cuidados de saúde primários quanto à adequação da oferta, quanto ao reforço da acessibilidade, quanto ao papel crescente que devem assumir nos cuidados urgentes, quanto à articulação com os outros níveis de cuidados, no sentido de constituir realmente o primeiro escalão de acesso ao sistema de saúde.

VI 1.22 — Aperfeiçoamento da estrutura c da gestão dos serviços de saúde, bem como promover a incrementação de um sistema de garantia de qualidade, através da reorganização de alguns serviços centrais do Ministério, de uma completa avaliação da rendibilidade dos serviços, da introdução de técnicas de gestão dinâmicas e inovadoras que possibilitem a racionalização dos recursos, a adequação do consumo e o acesso aos serviços e da criação de dispositivos que permitam iniciar a avaliação qualitativa dos cuidados.

Vtl.23 — Promoção da inovação tecnológica e da investigação científica, através, nomeadamente, da introdução e desenvolvimento planeados de novas tec-

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nologias no campo do diagnóstico e da terapêutica, da elaboração de contratos-programas com a indústria nacional para a produção de novos equipamentos e da criação de condições para a avaliação custo-be-nefício e dos efeitos da inovação tecnológica nos serviços e nos resultados obtidos nos doentes.

VI 1.24 — Promover o melhor aproveitamento das estâncias termais e o desenvolvimento do termalismo, em particular pela adopção de esquemas que permitam o acesso às curas termais.

Enunciado das grandes linhas de política que respeitam mais directamente à Opção VIU — Reforço da solidariedade social.

VI 11.1—Promoção da máxima transparência dos direitos e deveres dos beneficiários, utentes e contribuintes da Segurança Social e humanização e moralização do sistema, activando as providências de prevenção e combate à fraude, ao acesso indevido a prestações e à evasão contributiva para a Segurança Social.

VII 1.2 — Redignificação dos regimes contributivos de segurança social e melhoria das suas prestações, promovendo, nomeadamente, a revalorização da base de cálculo das pensões e aproximando o tipo de prestações dos regimes especiais aos do regime geral de segurança social.

VI11.3 —Aperfeiçoamento da gestão e rentabilização do património financeiro e imobiliário da Segurança Social.

VI 1.4 — Consolidação e aperfeiçoamento do processo de descentralização e regionalização da acção do sector de segurança social, melhorando a qualidade dos serviços a prestar à população e adequando as respostas e intervenções do sistema às concretas realidades sócio-económicas e regionais locais.

VIII..5 — Estímulo ao desenvolvimento de esquemas complementares privados de segurança social, incluindo a criação de fundos de pensões.

VII1.6 — Activação de programas de combate à pobreza e procedimentos de aperfeiçoamento das intervenções da Segurança Social no domínio da acção social e adopção de esquemas especiais transitórios de protecção social, individual e familiar, sempre que se verifiquem situações anómalas de carácter conjuntural.

VI11.7 — Valorização, estímulo e apoio a iniciativas das instituições particulares de solidariedade social (IPSS), sem prejuízo de medidas julgadas necessárias de racionalização do apoio estatal que lhes é prestado e na linha de uma crescente dinamização do voluntariado social organizado.

VIIÍ.8 — Sensibilização da população, em geral, e dos cooperativistas, em particular, para as virtualidades dc cooperativismo, como resposta e solução para problemas sociais concretos, e apoio às cooperativas, dentro das disponibilidades técnicas e financeiras existentes.

VIII.9 — Estímulo a uma mais efectiva manifestação c expansão actuante de novas formas de solidariedade familiar, de vizinhança e comunitária, designadamente mobilizando as capacidades profissionais, educativas e culturais dos idosos, organizando serviços de apoio à família e à comunidade em que eles possam participar activamente.

Enunciado das grandes linhas de política que respeitam mais directamente à Opção IX — Ordenamento do território.

IX.1—Instituição, regulamentação e operacionali-zação de sistemas de controle do uso e ocupação de solo que integrem a Administração Pública e as autarquias locais, com vista a assegurar uma eficaz e concreta protecção e exploração dos recursos e valores territoriais, tendo por base a figura dos planos directores municipais ou intermunicipais, reforçando-se o compromisso mútuo dos vários agentes envolvidos.

IX.2 — Concepção e aplicação de projectos integrados de dinamização dos centros urbanos de média dimensão, reforçando o seu nível de equipamento e serviços e estimulando o desenvolvimento e fixação das actividades económicas. Paralelamente, dever-se-ão aplicar programas de transferência de serviços e equipamentos para centros urbanos de média dimensão, nomeadamente para os situados na grande periferia das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Por esta via se poderá minimizar os efeitos decorrentes da ausência de actividade económica e de serviços naquelas áreas e, assim, ir criando condições para que se venha a desenvolver o sentido próprio inerente a verdadeiras comunidades locais.

IX.3 — Definição, demarcação e regulamentação da utilização das áreas territoriais que, pelas suas condicionantes ou características naturais, apresentam destacado risco à implantação de determinadas actividades.

IX.4 — Criação nas grandes áreas metropolitanas de esquemas de coordenação cada vez mais exigentes entre a actuação das câmaras municipais e os diferentes serviços do Estado, tendo em conta especialmente a concretização de infra-estruturas de transporte e de saneamento básico e, simultaneamente, a abordagem, nas suas múltiplas vertentes, da atenuação dos problemas de índole social decorrentes da existência nas periferias dessas áreas de grandes aglomerados urbanos, que estão longe de constituir verdadeiras comunidades locais.

IX.5 — Correcção dos desequilíbrios do sistema urbano, através de uma adequada estratégia de localização de equipamentos colectivos, sendo, fundamentalmente, de duas ordens os objectivos que se pretendem atingir com a adopção de uma estratégia de localização dos equipamentos colectivos. Por um lado, há que estancar as funções urbanas nas áreas de Lisboa e do Porto, de molde a evitar e ou atenuar estrangulamentos típicos das grandes concentrações. Por outro lado, haverá que evitar a pulverização urbana de reduzida dimensão, susceptível de originar o acréscimo de custos e a redução da rentabilidade social inerente à disseminação irracional de equipamentos.

A solução está, pois, em favorecer o desenvolvimento de uma rede de centros urbanos médios.

ÍX.6 — Estruturação e promoção do funcionamento do mercado fundiário urbano e rural, instituindo bancos ou bolsas de terreno e tendo em vista a sua fluidez, simplicidade e transparência de processos.

IX.7 — Estabelecimento de programas e regras que favoreçam e imponham progressivamente a melhoria da qualidade da habitação quanto à área, isolamento e racionalidade energética e acústica, bem como aos espaços adjacentes de apoio e enquadramento.

fX.8 — Criação de um sistema cartográfico e cadastral que cubra a totalidade do território, em perma-

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nente actualização e divulgação, organizado em função dos diversos utilizadores e de forma a constituir referencial obrigatório de todas as intervenções de ordenamento do território.

IX.9 — Desenvolvimento de um sistema nacional de informação sobre o estado do ambiente. Este instrumento é de indiscutível importância para a concepção e execução de uma política de ambiente e dever-se-á integrar com o sistema de informação geográfica. A sua concretização revestir-se-á de uma grande utilidade para os diferentes serviços da administração central e das autarquias locais, designadamente nas tarefas que respeitam à elaboração dos diferentes tipos de planos.

IX. 10 — Modernização da rede de itinerários rodoviários principais e dos eixos fundamentais do tráfego ferroviário, por forma a assegurar a mobilidade entre os centros urbanos essenciais ao ordenamento do território e destes com os principais portos, aeroportos e fronteiras terrestres, possibilitando aos utentes a escolha do modo de transporte que mais lhes convenha.

IX.11 — Beneficiação da rede de itinerários rodoviários complementares e outros que assegurem a mobilidade intra-regional, por forma a garantir a acessibilidade da totalidade das povoações do País.

IX. 12 — Implementação de uma rede de aeródromos secundários dotados de condições técnicas que permitam a operação de voos inter-regionais, diurnos e nocturnos, e convenientemente distribuídos na superfície do continente.

IX. 13 — Modernização dos portos, tendo em conta as respectivas zonas de influência territorial e a conveniência em asegurar a complementaridade das instalações portuárias especializadas e particularmente dispendiosas.

1X.14 — Ampliar a acessibilidade das comunicações nas zonas rurais, designadamente pela instalação de equipamentos, permitindo serviços de telecomunicações tradicionais (telefone, telex) e modernos (videotexto, etc), possibilitando a máxima difusão da informação.

IX. 15 — Resolução dos estrangulamentos de capacidade existentes nos transportes nas regiões de elevada densidade urbana — Lisboa e Porto —, quer através da ampliação das redes de infra-estruturas rodo e ferroviárias, como ainda do estabelecimento de interfaces entre os diversos meios de transporte e de soluções de coordenação técnica, económica e administrativa mais adequadas, contando com uma participação acrescida das autarquias locais, quer no planeamento das soluções a concretizar, quer nas intervenções financeiras indispensáveis, conforme previsto na Lei das Finanças Locais e outros dispositivos legais aplicáveis.

LISTA DAS ABREVIATURAS

CEE —Comunidade Económica Europeia.

OTAN —Organização do Tratado do Atlântico Norte.

OCDE — Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Económico.

PAC — Política Agrícola Comum.

PIB —Produto interno bruto.

FMI —Fundo Monetário Internacional.

FBCF —Formação bruta de capital fixo.

CTUP —Custo do trabalho por unidade produzida.

VAB —Valor acrescentado bruto.

ETI —Equivalente a tempo integral.

I&DE —Investigação e desenvolvimento.

BEI — Banco Europeu de Investimentos.

FEDER —Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

FSE —Fundo Social Europeu.

FEOGA — Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola. PCEDE —Programa de Correcção Estrutural do Défice Externo.

PEDAP — Programa Específico de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa. ZEE —Zona económica exclusiva. PMEs —Pequenas e médias empresas. IEFP — Instituto de Emprego e Formação Profissional. IPSS —Instituição particular de solidariedade social. INE —Instituto Nacional de Estatística. IVA — Imposto sobre o valor acrescentado. CFI —Crédito fiscal por investimento. ILEs —Iniciativas locais de criação de emprego.

PROPOSTA DE LEI N.° 44/IV

ORÇAMENTO 00 ESTADO PARA 1987

Relatório geral

I — O E/87 e política macroeconómica. II — OE/87 e política orçamental de médio prazo.

III — OE/87, principais agregados.

IV — OE/87, previsões das receitas e justificação das despesa». V — OE/87, principais medidas de política fiscal.

VI — Linhas gerais do orçamento da Segurança Social, 1987. VII —Orçamento dos serviços e fundos autónomos para 1987.

I — OE/87 e politica macroeconómica

1 — A estrutura adquirida pelo Orçamento do Estado em Portugal limita drasticamente os graus de liberdade da política orçamental. No Orçamento de 1987 o conjunto de despesas constituído pelos encargos com pessoal, juros e transferências representa 85 % do total das despesas correntes, o que, atendendo à natureza dos gastos referidos, dá a ideia do limitado campo de manobra da gestão orçamental.

A rigidez do Orçamento do Estado manifesta-se, assim, uma vez mais no ano de 1987. O que significa a exigência de um esforço acrescido na contenção do défice orçamental, de forma a permitir que o Orçamento seja um instrumento efectivo de realização dos principais objectivos da política económica.

2 — A política macroeconómica para 1987 continua a inserir-se nas grantes linhas já traçadas pelo Governo para o médio prazo. Assim, os objectivos para 1987 continuam a privilegiar o crescimento forte do investimento, com evolução positiva, mas não excessiva, do consumo privado, de modo a que, simultaneamente, as exportações possam crescer a uma taxa não inferior à da procura mundial. Além disso, a inflação deverá prosseguir a desaceleração, tendendo para uma taxa em 1987 da ordem dos 8 % a 9 % (média anual).

A realização destes grandes objectivos para as principais componentes da despesa exige uma gestão articulada e rigorosa das políticas orçamental e fiscal, monetária, cambial e de rendimentos que potencie os efeitos positivos da envolvente externa —onde não se presume uma inversão significativa— sem cair em soluções fáceis, mas não adequadas às condições da economia portuguesa.

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3 — O cenário macroeconómico para 1987 traduz o efeito esperado da referida combinação de políticas. O investimento deverá crescer a uma taxa da otdem dos 9 % a 10 %, reflectindo uma retoma acentuada no sector de habitação e um crescimento sustentado do investimento das empresas. Ao contrário do verificado em 1986, o investimento público crescerá a uma taxa inferior à média, o que não significa qualquer abrandamento do esforço de infra-estruturação, dada a elevada base criada a partir do OE/86. O crescimento do consumo e as exportações enquadram-se nos objectivos atrás referidos.

QUADRO 1 Despesa interna (t». var. vol. e preços)

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

(o) Nüo inclui as despesas com a aquisição dc fragatas.

A balança de transacções correntes será ainda excedentária era 1987, sendo, porém, o excedente dc previsão difícil em virtude da incerteza sobre a evolução dos termos de troca, sendo esta largamente dependente do comportamento futuro dos preços do petróleo e dos produtos agrícolas. Uma hipótese cautelosa levou a admitir um preço de barril de petróleo da ordem dos 17 a 18 dólares e um crescimento em dólares do preço das importações dos restantes bens em cerca de 5 %. O que conduz a uma perda de cerca de dois pontos nos termos de troca em 1987 e, conjugado com as projecções das remessas de emigrantes e dos rendimentos de capitais reflectidas no quadro 11, resulta num excedente próximo dos 600 milhões de dólares na BTC (não contando com as transferências líquidas da CEE).

QUADRO II Balança de transacções correntes

(Milhara* de milhões de dá (ares)

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

4 — A realização do cenário apresentado exige um défice do sector público administrativo contido dentro de limites que não a inviabilizem. Ou seja, a política orçamental não poderá comprometer a acção das restantes políticas, designadamente da monetária. Por isso se determinou a priori o défice máximo tolerável do SPA, tendo em conta o cenário macroeconómico proposto e objectivos monetários concordantes. Tal valor situou-se na ordem dos 460 a 470 milhões de contos e constituiu de facto uma baliza para a construção do OE/87.

5 — As necessidades de financiamento do Estado em 1987 ascendem a cerca de 12,6 % do PIB, assim determinadas (valores em milhões de contos):

í — Amortizações:

1.1 — Divida interna ............ 89,4

1.2 — Dívida externa ............ 92,2 jgJ 6

2 —Défice do OE........................ 434,5

3 — Necessidades brutas de financiamento....................................... 616,1

O valor destas necessidades orçamentadas relativamente ao PIB decresce cerca de um ponto entre 1986 e 1987, apesar do substancial aumento das amortizações que em 1987 representarão 3,7 % do PIB, contra cerca de 3 % em 1986 (128 milhões de contos).

6 — Na linha do já verificado em 1986, o Estado assegurará o seu financiamento preferencialmente por recurso ao mercado, colocando as emissões de dívida no público e nas instituições financeiras que não o banco central. Desse modo se evita o alargamento da base monetária pela via do crédito ao sector público e se permite a absorção da liquidez na posse dos bancos. Também assim se poderá obter a transferência de meios muito líquidos na posse do público não bancário para aplicações de mais longa duração, com vista à estabilização da poupança e consequente controle do consumo privado.

Os meios de financiamento previstos de forma indicativa são os seguintes (em milhões de contos):

1 — Empréstimos externos:

1.1—Amortizações ............... 92,2

1.2 — Endividamento líquido ... 51,0 1432

2 — Empréstimos internos:

2.Í—Bilhetes do Tesouro ...... 200

2.2 — Títulos de curto prazo ... 60

2.3 — Certificados de aforro ... 40

2.4 — Títulos de médio e longo

prazo .............................. 172,9 472>g

5 —Total ................................... 616,1

Anote-se que a previsão de um endividamento externo líquido se faz essencialmente em função quer de uma eventual menor facilidade de colocação de empréstimos no mercado interno, quer da possibilidade de negociações em condições altamente favoráveis, quer finalmente da existência de créditos associados a projectos concretos de investimento. Mas é possível que, face à situação previsivelmente excedentária da balança, a gestão da dívida externa venha a aconselhar um diferente comportamento do endivida-

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mento externo do sector público. Aliás, como foi assinalado, toda a estrutura de financiamento apresentada é indicativa, já que a evolução das condições nos mercados financeiros poderá ditar a adopção de soluções diversas, na busca de menores encargos com a dívida (n.° 5 do artigo 3.° e artigo 5.° da proposta de Lei do OE/87).

7 — A dívida pública directa atingirá em finais de 1987 um valor próximo dos 3300 milhões de contos (cerca de 68 % do PIB), o que representa uma subida significativa face ao que se verificará no final de 1986 (cerca de 60 %); no entanto, tal subida fica a dever-se em grande medida à transferência para o Estado da dívida de outras entidades do sector público, com grande relevo para o ex-Fundo de Abastecimento (que cederá ao Tesouro uma dívida de cerca de 225 milhões de contos). Se do valor indicado para a dívida pública excluirmos o correspondente às dívidas de outras entidades assumidas pelo Tesouro em 1987, obteremos uma dívida que ascende a cerca de 63 % do PIB.

8 — Como já foi assinalado, a realização do cenário macroeconómico proposto — designadamente no que diz respeito à evolução das principais variáveis da despesa e da inflação— requer uma criteriosa gestão da política económica, em particular da política monetária. Apesar da redução relativa do défice orçamental, o montante das necessidades líquidas de financiamento do sector público atinge ainda um montante muito elevado (cerca de 470 milhões de contos). O que dificulta substancialmente a conciliação entre a necessidade de controle da liquidez na economia e o financiamento da actividade do sector produtivo.

A política monetária terá em 1987 de prestar especial atenção ao consumo privado, ao sector externo e à inflação. Por isso, o crescimento dos meios líquidos na posse do público deverá desacelerar significativamente, sendo a desaceleração induzida pela oferta monetária e incidindo privilegiadamente no agregado Ml. Tal desaceleração resultará, pois, de um controle do crédito total dentro de fimites adequados, a par da esperada recomposição de carteiras em favor quer de depósitos mais longos — dado o processo de inversão das restrições a eles impostas pelo sistema bancário—, quer de outro tipo de activos financeiros oferecidos pelo sector público e pelas empresas.

Decorre também que a política de taxas de juro terá de procurar o equilíbrio entre o desejável alívio do peso dos encargos financeiros das empresas e a necessidade de manter um nível de remuneração adequado da poupança e de não criar grandes desequilíbrios entre a oferta e a procura de crédito. A taxa de juro não poderá ver o seu papel diminuído como instrumento básico do controle monetário.

A necessária desaceleração do crédito total compatível com a evolução desejada da liquidez reflectir-se-á num crescimento do crédito a empresas e particulares em Dezembro de 1987 não muito afastado da taxa de inflação que então se deverá verificar (cerca de 7 %). Evolução que, parecendo modesta, não compromete o financiamento do sector produtivo que em 1986 e 1987 aumenta substancialmente a sua capacidade de autofinanciamento, como reflexo da forte quebra de encargos financeiros, de um comportamento muito favorável dos preços de importação, da redução da carga fiscal sobre as empresas, do crescimento da economia

e dos sensíveis aumentos de produtividade. Um crescimento moderado do crédito deverá aliás ser compensado por formas alternativas de financiamento, já que a poupança dos particulares permitirá a absorção das emissões de títulos correspondentes, permitindo a progressiva melhoria da estrutura das fontes de financiamento das empresas.

9 — Nas necessidades de financiamento do SPA não se incluiu o montante das operações activas do Tesouro que, embora signifiquem recurso ao crédito pelo sector público administrativo, acabam por representar, efectivamente, crédito ao sector produtivo.

Excluindo este montante, o financiamento das necessidades do SPA representará uma absorção de cerca de 51 % do fluxo dos meios de financiamento (internos e externos) postos à disposição da economia em 1987. O que, conjugado com o objectivo para o investimento do sector empresas e particulares, exige uma elevada taxa de poupança deste sector (cerca de 32,5 %). Esta taxa pode parecer demasiado elevada, mas é justificada pelo já referido aumento da poupança das empresas, aliás em parte reflectido no excedente das contas com o exterior.

Para além disso, uma parte importante da poupança negativa do SPA — e, portanto, das suas necessidades líquidas de financiamento— resulta de transferências directas para o sector produtivo, sob a forma de subsídios ou financiamento. Salientam-se, deste ponto de vista, as seguintes verbas (em milhões de contos), sem se pretender ser exaustivo:

Incentivos fiscais (só contribuição indus-

trial) .......................................... 28

Bonificações .................................... 48

Transferências para EPs ..................... 60

Subsídios a empresas privadas ............ 21

Subsídio ao gasóleo para agricultura...... 6

Subsídios ao sector dos adubos ............ 10

Financiamentos do INH ..................... 10

Subsídios a produtos agrícolas (INGA) 20

Formação profissional ................. ...... 30

As verbas apontadas somam cerca de 233 milhões de contos. Na sua ausência, o SPA teria uma poupança negativa reduzida a metade de, ou seja, apenas 237 milhões de contos (4,9 % do PIB), e o sector de empresas e particulares veria a sua taxa de poupança reduzida para pouco mais de 27,5 %.

10 — O quadro m constitui um exemplo ilustrativo das condições de financiamento da economia portuguesa em 1987, compatíveis com o cenário para as variáveis reais já apresentado. Como se compreenderá, os fluxos apontados são meramente indicativos e não pretendem constituir uma previsão. Mas este exercício permite apreciar os limites que a condução da política monetária terá de respeitar.

Dos fluxos indicados no quadro, retiram-se as seguintes directrizes de política monetária, em termos limites de crescimento dos principais agregados monetários (calculadas sobre valores corrigidos):

Percentagem

Crédito total ........................ 10,5 a 12

Crédito total a empresas e particulares .............................. 7,0 a 8,0

Crédito líquido ao sector público 17,5 a 18,5 Activos líquidos (L) ............... 15 a 16.5

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QUADRO II! Quadro de fluxos de fundos para 1987 Valores previsionais

(Milhares te contos)

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(a) Inclui apenas as transferências provenientes da CEE que passam pelo OE. (6) Variação dos activos c passivos financeiros:

Activo: aumento ( + ). diminuição (—): Passivo: aumento (—), diminuição { + ).

(c) Títulos da divida pública colocados no sector nSo monetário, (íf) Investimento directo estrangeiro. {e) Outras transferências da CEE.

11 — As indicações gerais sobre a programação monetária que foram delineadas reflectem a necessidade de conciliar o desejável controle da liquidez potenciadora de despesa com um volume elevado de necessidades de financiamento do sector público e a não escassez de meios de financiamento do investimento produtivo. Os valores indicados são obviamente precários, quer pela dificuldade de previsão dos agregados em presença, quer pela necessidade de adequação da oferta de moeda à respectiva procura. Esta revela-se particularmente difícil de antever em períodos de ecentuada desaceleração da inflação e de baixa das taxas de juro e da taxa de desvalorização da moeda, como o presente. Dificuldade que resulta quer da amplitude dos movimentos, quer da incerteza sobre a importância das reacções da procura de meios líquidos a flutuações das variáveis explicativas de sentido contrário ao que foi regra durante um prolongado período passado.

Entendeu-se que o acréscimo de aplicações do público não bancário —810 milhões de contos de activos líquidos e 100 milhões de contos de títulos da dívida pública de médio e longo prazos— peimitirá assegurar a compatibilização entre a procura potenciada pela poupança formada e a necessidade de um crescimento moderado dos activos de maior liquidez. A taxa de crescimento destes últimos (cerca de 16 %), sendo ainda muito forte em termos reais —já que

a taxa de inflação se deverá situar em 7 % a 8 % em Dezembro de 1987—, corresponde, porém, à elevada propensão para a aplicação monetária da poupança. As projecções da procura de activos financeiros nas condições previstas para 1987 apontam, por outro lado, para que as ofertas monetária e de títulos não resultem num excesso relativamente aos saldos desejados pelos agentes económicos.

Pode dizer-se que o cenário monetário esboçado «tempera» o conteúdo da política orçamental para 1987, o que se revela indispensável em função da política anti-inflacionista adoptada pelo Governo.

12 — A política monetária tem também de ser coerente com a política de taxa de câmbio, que é uma importante componente da política anti-inflacionista,

A política cambial desempenhou, no passado, um papel activo no ataque conjuntural a situações de desequilíbrio externo. No entanto, é conhecida a intensidade com que, na economia portuguesa, as variações da taxa de câmbio se transmitem aos preços internos num prazo relativamente curto. Por isso. uma política de redução substancial da inflação teria de assentar —como assentou em 1986— numa política cambial dirigida ao «corte» do ciclo vicioso inflação--desvalorização-inflação.

Por outro lado, uma política de desvalorização real sistemática da taxa de câmbio constitui um factor de proteccionismo da indústria nacional, desincentiva-

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dor da procura de outros factores de competitividade com realce para os aumentos de produtividade.

Por estas razões, a política cambial será gerida de molde a não contrariar objectivos para a taxa de cambio compatíveis com os objectivos plurianuais para a inflação, em articulação com a política de taxas de juro.

No entanto, a política de taxa de câmbio não deverá também desincentivar a procura dos mercados externos pelos exportadores. O que significa que deverá assegurar a manutenção de níveis adequados dos preços relativos dos bens transaccionáveis e a não deterioração das margens na exportação. Não se deverá, porém, esquecer que as margens não são apenas função da política cambial, que, além do mais, as afecta negativamente pela via dos inputs importados. A contenção dos custos unitários de produção terá neste domínio um papel relevante, sucedâneo das políticas de desvalorização da moeda. Não se deverá igualmente esquecer que a política de estabilização de 1983-1984 incluiu um forte ajustamento da taxa de câmbio real, pelo que, neste domínio, será suficiente não permitir valorizações reais fomentadoras da reorientação dos fluxos de comércio externo para o mercado interno.

As políticas monetária, orçamental e de rendimentos deverão assegurar um crescimento moderado da procura interna —designadamente do consumo privado— por forma a impedir qualquer abrandamento no esforço de penetração nos mercados externos. De contrário, os objectivos exportações e inflação sairão prejudicados, e o eventual recurso a uma pob'tica cambial compensatória levaria à reactivação do ciclo vicioso referido. A gestão da procura interna —de forma concordante com a evolução previsível da procura externa — e a promoção da competitividade pela via dos custos unitários de produção constituirão assim os suportes da política macroeconómica de exportação.

A concepção da política cambial tal como foi apresentada assenta largamente no reconhecimento do elevado grau de determinação das variações dos preços internos pela inflação externa traduzida em moeda nacional. O que tem dois tipos de consequências. Por um lado, significa que a prioridade atribuída à desin-flação impede uma utilização agressiva da política cambial como factor de competitividade das empresas nacionais. Por outro lado, resulta escassa a capacidade da taxa de câmbio para influenciar os preços relativos (internos versus externos) de forma duradoura.

13 — Uma política de rendimentos eficaz constitui, neste contexto, um elemento essencial na realização dos principais objectivos macroeconómicos. O cenário para 1987 permite admitir um crescimento positivo dos salários reais. Mas esse crescimento terá de ser balizado pelos ganhos de produtividade. O que, num período de desinflação, significa que se terá de prosseguir o processo de actualizações salariais referenciadas pela inflação e produtividade esperadas. Tal processo mereceu, aliás, já o consenso dos parceiros sociais presentes no Conselho Permanente de Concertação Social e ganhou especial credibilidade com o provável cumprimento das metas estabelecidas para a evolução dos preços em 1986.

O crescimento do emprego estará também dependente do comportamento salarial. Num período de relançamento do investimento e na economia portuguesa é especialmente importante um crescimento

moderado do salário real, por forma que o preço relativo do factor trabalho não desincentive o investimento de maior utilização relativa deste factor.

Esta política de rendimentos, conjugada com a atenuação do peso dos encargos financeiros, a redução da carga fiscal sobre o emprego e as empresas, a evolução esperada da produtividade e a própria política cambial — esta actuando aqui pela via dos custos de importação— constituirão os suportes da actuação sobre os custos unitários de produção, que deverá contribuir decisivamente para o processo de desinflação e para a garantia da competitividade externa.

14 — Em suma, integrada num horizonte de médio prazo, a política macroeconómica para 1987 terá como objectivos centrais:

A redução da inflação;

O reforço do investimento produtivo e do emprego;

tendo bem presente a necessidade de manter o dinamismo e o interesse do mercado externo face ao crescimento da procura interna e contando para isso com um conjunto de políticas de actuação sobre a procura e do lado da oferta. A política orçamental, com a rigidez que a caracteriza, enquadra-se nos objectivos propostos, necessitando, porém, de um complemento adequado por parte das políticas monetária e de rendimentos. Ê na articulação e no correcto doseamento destas diversas vertentes que reside o grande desafio da política macroeconómica em 1987 e nos anos seguintes.

II — OE/87 e política orçamental de médio prazo

15 — Para além da necessidade de adequação aos objectivos da política macroeconómica, o orçamento dc Estado de 1987 não poderia ignorar o objectivo de redução do défice numa perspectiva de médio prazo. A referida rigidez adquirida pelo OE exige um esforço prolongado de contenção, sendo a obtenção de défices razoáveis (por exemplo inferiores a 5 % do PIB) só possível num prazo de cinco a seis anos a contar de 1986. Isto, evidentemente, pressupondo a ausência de modificações bruscas (e de elevados custos sociais) da despesa ou da fiscalidade.

16 — Por isso se justifica o enquadramento do OE/87 numa trajectória de médio prazo, definida com o objectivo de situar o défice do Estado abaixo dos 5 % do PIB em 1990 ou 1991 (').

As grandes linhas de política orçamental que permitirão este resultado traduzem-se essencialmente nos seguintes aspectos:

Contenção das despesas correntes que deverão apresentar taxas de crescimento real próxima* de zero; a incidência da contenção será especialmente nas despesas que não são juros ou encargos com o pessoal;

(') Isto mesmo foi já referido na apresentação do OE/86, tendo então sido construídos cenários de médio prazo para o Orçamento do Estado, constantes da nota adicional n.° 13 enviada à Assembleia da República.

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Crescimento real das despesas de capital a uma taxa próxima da do crescimento do PIB, mantendo assim uma relação para este agregado um pouco abaixo dos 5 %;

A partir de 1988, estabilização da taxa de fiscalidade.

Estas grandes linhas aparecem quantificadas no quadro ni, que traduz o cenário orçamental de médio prazo, no qual se integra já a proposta do OE para 1987. Tal cenário é suportado pelo seguinte conjunto de pressupostos para o período de 1988-1991:

Receitas:

Manutenção da taxa de tributação indirecta ao nível de 1987 (excepto ISP); redução na taxa de tributação directa;

Crescimento dos rendimentos de propriedade à taxa do PIB nominal;

Crescimento real nulo das outras receitas.

Despesas:

Crescimento real das despesas com pessoal de

1,5 % ao ano; Taxas de juro da dívida pública externa: 7 %

(USD);

Taxa de juro real da dívida pública interna: 4 %;

Manutenção do peso das despesas de capital na ordem dos 4,5 % a 5 % do PIB;

Crescimento real negativo das despesas correntes em bens e serviços (—2 %/ano);

Crescimento real de 1 % das grandes transferências (Segurança Social, saúde, regiões autónomas, autarquias locais, empresas públicas); evolução das transferências para a CEE de acordo com o previsto; crescimento nominal nulo de outras transferências.

Variáveis extra-orçamentais:

Taxa de inflacção: 6 % em 1988 e 5 % nos anos seguintes;

Crescimento real do PIB: cerca de 4 % em 1988, 1989, 1990 e 4,8 % em 1991.

Sob este conjunto de hipóteses, será possível obter em 1991 um défice da ordem dos 4,5 % do PIB e um saldo sem juros positivo de cerca de 1,5 % do PIB (quadro iv). Ainda assim, a dívida pública manter-se-á num elevado nível relativo (cerca de 70 % do PIB), traduzindo um outro aspecto de ridigez das contas públicas.

A redução das necessidades de financiamento do Estado exige um elevado grau de disciplina orçamental; qualquer desvio num ano reflecte-se ampliadamente nos anos seguintes. O défice do OE/87 enquadra-se na trajectória desejada, representando uma quebra de dois pontos percentuais do PIB com relação ao défice orçamentado para 1986. Sendo muito provável, à semelhança do ocorrido em 1986, que a execução venha a revelar economias do lado da despesa — é de esperar que o valor efectivo do défice de 1987 represente uma redução sensível (em termos relativos) face ao efectivo de 1986, o qual se deverá situar próximo dos 9,3 % do PIB.

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III — OE/87, principais agregados

17 — As estimativas da execução orçamental no corrente ano evidenciam os progressos já realizados na correcção do desequilíbrio das contas do sector público.

Segundo os elementos disponíveis, o saldo total do sector público administrativo em 1986 não ultrapassará 9,5 % do produto interno bruto, contra 11,3 % em 1985.

Torna-se agora necessário consolidar estes resultados em 1987, continuando a seguir e ajustando, em função dos condicionalismos actuais, as linhas de orientação da política orçamental traçadas no Orçamento para o ano corrente.

Significa isto que deverá manter-se a exigência de rigor orçamental, sobretudo nas áreas ias despesas que se revelem improdutivas, de modo a aperfeiçoar a estrutura da despesa e reduzir o seu grau de inflexibilidade.

18 — Esta orientação geral esteve presente na elaboração do projecto do Orçamento do Estado para 1987, que apresenta um crescimento moderado, em termos nominais, das despesas correntes, correspondendo praticamente à estabilidade em termos reais.

Paralelamente, e em consonância com os objectivos económicos fundamentais, inscreveu-se uma dotação orçamental para os investimentos públicos em infra-•estruturas que revela um crescimento a taxa superior à das despesas correntes.

Na linha das orientações seguidas no corrente ano, a política fiscal definida para 1987 tem como objectivos fundamentais desagravai os rendimentos do trabalho e incentivar o esforço de investimento produtivo das empresas.

19 — As características mais salientes do Orçamento do Estado para 1987, em comparação com o de 1986, podem ser apreciadas através do quadro seguinte:

Indicadores sobre OE/87

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(a) Cobranças em 1986 dc IVA + IT = 219,7+46=265,7. A aplicação normal do IVA num ano completo produziria receitas dc 311 milhões de contos em 1986.

Estes indicadores traduzem o esforço de contenção das despesas realizado na elaboração do Orçamento.

Salienta-se, todavia, o crescimento das dotações para investimentos do Plano, o qual é mais acentuado do que no conjunto das despesas.

20 — A previsão das receitas correntes aponta para um acréscimo a ritmo inferior ao do ano anterior. Em especial, as receitas fiscais, feitas as correcções necessárias para permitir as comparações, crescem 14,1 % o que reflecte sensível abrandamento em relação a 1986. Tendo ainda em conta os efeitos que a introdução do imposto sobre o valor acrescentado determina na variação das receitas, conclui-se que a carga fiscal será mais reduzida no próximo ano.

21—Comparando os valores dos Orçamentos de 1986 e 1987, o défice orçamental apresenta uma evolução positiva, dado que desce para 8,9 % contra 10,8 % do produto interno bruto no Orçamento de 1986; em termos de execução, estas percentagens deverão fixar-se em valores inferiores, quer em 1986, quer em 1987.

O défice do Orçamento do Estado' para 1987 situa-se em 434,5 milhões de contos, revelando assim sensível diminuição relativamente ao Orçamento anterior, conforme mostra o quadro.

Deduzindo os encargos com os juros, o Orçamento estaria assim praticamente equilibrado, o que constitui um facto significativo dada a natureza daqueles encargos que têm de ser suportados devido à acumulação da dívida pública emitida no passado.

Quadro síntese do Orçamento do Estado

(Milhões de contos)

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(a) Inclui reposições não abatidas nos pagamentos. (t>) Inclui outros encargos correntes da divida pública.

(c) Não Inclui o produto da emissão dc empréstimos.

(d) Não inclui as amortizações da dívida.

(e) Ajustamento nas transferências para a CEE, a Dm de tornar comparáveis os valores dos Orçamnetos para 1986 e para 1987.

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22 — O quadro sobre origens e aplicações de recursos, elaborado segundo o modelo utilizado na proposta do Orçamento de 1986, proporciona uma visão sintética e geral da estrutura do Orçamento do Estado.

Os valores totais das receitas e despesas não incluem as verbas do capítulo «Contas de ordem», que contém os elementos relativos a vários organismos autónomos e os recursos próprios comunitários._

Conforme se verifica pelo quadro, o montante do serviço da dívida tem um peso considerável nas despesas (cerca de 34 % do total). Relativamente às actividades realizadas pelo Estado, as dotações que representam maiores proporções do total orçamentado são as destinadas à educação e cultura (11,0%), à justiça, segurança e defesa (10,6 %) e à saúde (10,2 %). Ê de realçar ainda a importância relativa das despesas com os investimentos do Plano, que re-

presentam 7,9 % do total, ou 11,9 % se excluirmos o serviço da dívida.

23 — A principal fonte dos recursos do Estado é oonstituída pelas receitas fiscais, que correspondem a 57,7 % do montante global, cabendo aos impostos directos e aos indirectos, respectivamente, 17,0 % e 40,7 %.

A utilização do produto de empréstimos públicos contribui com 34,4 % para o conjunto dos recursos do Estado, proporção esta que se encontra repartida pelos empréstimos internos (26,4 %) e externos (8,0 %).

Os recursos provenientes de empréstimos (616,1 milhões de contos), deduzidos das despesas com as amortizações (181,6 milhões de contos), representam o endividamento líquido do Estado que é equivalente ao défice orçamental.

Orçamento do Estado Origens e aplicações de recursos

(a) Inclui os encargos com u ADSE.

(o) Inclui as verbas para pensões e reformas da função pública e encargos com regimes especiais dos ferroviarios e subsídios de renda de casa.

IV — OE/87, previsões dias receites e justificação das despesas

Apresentam-se neste capítulo os critérios e hipóteses em que se baseiam as previsões das receitas para 1987, bem como a justificação das dotações propostas pelo Governo para as despesas orçamentais, em conformidade com o que dispõe o artigo 13." da Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado.

Na análise das variações das receitas e das despesas relativamente ao Orçameato anterior são considerados, em geral, como termo de comparação, os valores inscritos no Orçamento do Estado para 1986, aprovado pela Lei n.° 9/86, de 30 de Abril.

A) Previsão das receitas:

As receitas fiscais são estimadas, no total, em 1034 milhões de contos. A alteração do elenco de impostos

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não permite comparar o valor global das receitas com o valor consagrado no Orçamento em execução. Considerando, porém, os agregados homólogos, isto é, o Orçamento para 1986, sem a recuperação de impostos em atraso e a sisa, que passou a integrar as receitas das autarquias, e o Orçamento para 1987, sem o imposto sobre os produtos petrolíferos, o crescimento das receitas cifra-se em 17 %.

A variação esperada explica-se fundamentalmente pelo acréscimo das cobranças de impostos indirectos, com relevo para o imposto sobre o valor acrescentado, cuja cobrança, pela primeira vez, abrange todo o ano. Assinala-se o ccmportamento no sentido da baixa do imposto de capitais e do imposto do selo decorrente da baixa da taxa de juros, designadamente nas operações bancárias, que representam, respectivamente, 92 % e 41 % da receita arrecadada em cada um daqueles impostos.

Receitas fiscais

(Milhões de contos)

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(a) Lei n.» 9/86. de 30 de Abril.

(o) Valor admitido para a cobrança do Imposto sobre produtos petrolíferos que em 1986 nio estava Integrado no Orçamento do Estado. _

Neste quadro pode considerar-se bastante lisonjeira a evolução das receitas, que assenta, como foi sublinhado, na estabilização do IVA como grande imposto do novo sistema fiscal, no continuado relançamento da actividade económica a que se assistirá em 1987, de harmonia com as orientações e objectivos da política económica estabelecida nas grandes opções do Plano, e num esforço muito grande no combate à evasão e fraude fiscais.

A previsão dos impostos directos foi fixada em 304,8 milhões de contos, estabilizando-se em termos reais, facto que se deve à já assinalada passagem do imposto da sisa para as autarquias, como anteriormente acontecera com a contribuição predial, e ainda à redução a metade da taxa do imposto extraordinário, inserindo-se esta medida na política, anteriormente iniciada, de eliminação progressiva dos factores de distorção do sistema fiscal português. É, entretanto, de registar o aumento de 44 % previsto para a receita da contribuição industrial (corrigido das cobranças em atraso), que se traduz num crescimento de 80 % em função da receita atingida em 1985.

No contexto global, a receita fiscal aumenta de 32 %, contribuindo decisivamente para este crescimento o imposto sobre os produtos petrolíferos, com uma receita prevista de 150 milhões de contos. Ê assim que se compreende o peso dos impostos indirectos— cerca de 71 % no cômputo das receitas fiscais. Aliás, não se trata de uma originalidade portuguesa, porque traduz a tendência mundial, e os teóricos da fiscalidade acentuam que a base dos sistemas fiscais deve privilegiar a tributação indirecta.

Contribuição industrial

Para a previsão das cobranças tomou-se em consideração a normal evolução dos lucros decorrente do crescimento do produto interno bruto, ponderando, de forma positiva, os efeitos da clara retomada da actividade económica e da evolução favorável da estrutura de custos das empresas, propiciadas, designadamente, pela baixa das taxas de juro, extremamente importante, dada a conhecida dependência de capitais alheios da generalidade do tecido empresarial português. Estes factos, de difícil mensuração, não justificam só por si o mais expressivo crescimento de sempre que se prevê para as receitas deste imposto ( + 57 %), fixando-se em 88,7 milhões de contos. O estudo aprofundado que foi possível ultimar sobre a perda de receita no ano de 1984, inerente às isenções que suportam a política de incentivo ao investimento,, conduziu ao melhor ccmhecimento dos efeitos era termos de perda de receita das referidas isenções, sendo da sublinhar que já não vigoram no ano de 1986 cs incentivos à exportação, que eram a componente mais relevante em termos de custos fiscais.

Por sua vez, os novos incentivos aprovados tao Orçamento em execução não puderam ser utilizados na sua plenitude, porque pressupõem, nuns casos, ajustamentos na gestão das empresas e, noutros, a concretização de investimentos, não tendo decorrido tempo suficiente para ultimação de muitos dos projectos. Não é, pois, ousado admitir, como estimativa, que o custo fiscal de tais incentivos tenha um peso na receita de 1987 na ordem dos 6 a 8 milhões de contos.

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O maior controle sobre a actividade produtiva das empresas, mediante o tratamento da informação proporcionada pelo IVA, é, por sua vez, um poderoso instrumento de controle da evasão fiscal, que se tomou em conta na avaliação da receita, embora sem deixar de ponderar a tarefa sobre-humana que representa fiscalizar mais de 400 000 empresas. A redução da taxa do imposto extraordinário que impende sobre os lucros das empresas, inserindo-se na política global da acção governativa de desagravamento fiscal da actividade produtiva, foi considerada com sentido positivo para melhorar a receita deste imposto e também como factor de contenção da evasão fiscal na própria área do IVA.

Imposto profissional

No cômputo das receitas provenientes do imposto profissional tomaram-se como pressupostos: o crescimento da massa salarial, por força da contratação colectiva em 1986, com vigência numa parte substancial do ano de 1987, a expansão do volume de emprego em cerca de 1 %; os escalões actualizados em 9 %, conforme a inflação esperada; as taxas reduzidas em meio ponto percentual e a base de isenção elevada para 385 contos.

Considera-se ainda que a prática, já iniciada em 1986, de recuperação do imposto profissional retido nas empresas vai continuar. Aplicando a metodologia de previsão seguida no Orçamento em execução, cuja bondade vem sendo testada de forma muito positiva, alcança-se uma receita de 90 milhões de contos, o que corresponde ao crescimento da receita em 11 % se se mantiverem as perspectivas de evolução da receita em 1986, as quais apontam para uma ligeira correcção da previsão, devendo fixar-se em 81 milhões de contos. Trata-se de um aumento inferior ao da massa salarial global, necessariamente consonante com o desagravamento fiscal dos rendimentos do trabalho, em que assentam os pressupostos da previsão.

Imposto de capitais

A componente principal deste imposto é proveniente da sua incidência sobre os depósitos bancários — 92 %. Consequentemente, o volume de receitas correspondente está intimamente relacionado com a evolução dos depósitos e das taxas de juro. A evolução dos depósitos começa, por sua vez, a ser (alterada em função das alternativas que se vão oferecendo à aplicação das poupanças. A receita estima-se, assim, em 81,5 milhões de contos, decrescendo 11,9%, descida que seria muito mais pronunciada se no presente Orçamento não se previsse a tributação dos juros dos depósitos à ordem, que podem proporcionar uma receita de cerca de 4 milhões de contos, e dos juros dos bilhetes do Tesouro — operação de reporte—, cuja receita se estima em cerca de 2 milhões de contos, enquanto as receitas dos juros das obrigações não devem atingir, na melhor das hipóteses, mais de 400 000 contos.

Imposto complementar

Os indicadores de que se dispõe relativamente à cobrança deste imposto, em 1986 assentam predominantemente na autoliquidação, que, embora decrescendo em número, cresceu na receita em cerca de

30 %. O tratamento de uma amostra de declarações em fase de liquidação corresponde à previsão, pelo que é de esperar o reforço da verba a arrecadar. Assim, considerando a actualização dos escalões em cerca de 9 %, que os rendimentos sobem 14 % e as deduções de base sofrem um acréscimo de 9 % e empregando a mesma metodologia de cálculo da previsão seguida para o Orçamento para 1986, é de esperar uma receita de 18 milhões de contos.

Imposto sobre as sucessões e doações

O esforço desenvolvido na recuperação deste imposto tem permitido um nível de cobrança que, projectado para o fim do ano, leva a admitir o rigor da previsão de receita para 1986. Assim, e como tal trabalho vai prosseguir, com mais sólida experiência, estima-se um crescimento de 24 %, manifestamente superior à inflação esperada, mas nem por isso menos prudente, cifrando-se a verba a arrecadar na ordem dos 9,8 milhões de contos.

Imposto extraordinário

A matéria colectável inerente à base de previsão de receita da contribuição industrial, acrescida da que se prevê isenta, no quadro dos incentivos consagrados na lei, aponta para 300 milhões de contos, devendo assim a respectiva receita ascender a 7,5 milhões de contos. A este valor deverão acrescentar-se mais 5,5 milhões de contos, que correspondem ao esforço de recuperação do imposto em atraso, já iniciada em 1986 com bons resultados e que se espera ultimar em 1987.

Direitos de importação

A duplicação da previsão de receita dos direitos de importação, que se cifra em 11 milhões de contos, não significa um orescimento efectivo de tal expressão, resultando antes de subavaliação no Orçamento anterior. Tratou-se de um ano de profunda mudança, com direitos a afectar aos recursos próprios da Comunidade, tendo ainda sido abolidas todas as sobretaxas de importação. O nível de direitos efectivamente cobrados, designadamente entre Março e Agosto, permite prever com mais segurança, mas ainda sem o rigor que desejaríamos, o apontado valor de 11 milhões de contos de receita para 1987.

Imposto interno de consumo

Incidindo este imposto principalmente sobre o petróleo iluminante e carburantes, o nível de receita é naturalmente influenciado pela evolução dos preços do petróleo, não sendo prudente, dado o seu nível actual, estimar uma receita para 1987 superior a 3,2 milhões de contos, que se traduz num decréscimo de 24 %.

Estampilhas fiscais

A receita cobrada através das estampilhas fiscais, atingiu um valor máximo de 9,9 milhões de contos em 1984, decrescendo com a introdução do IVA, que eliminou a selagem dos recibos das transacções comerciais. Tal decréscimo não teve maior relevo porque se tinha desenvolvido a prática de pagar tal

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imposição fiscal através de guia, engrossando assim as receitas do imposto do selo. A abolição do papel selado contribuirá, por sua vez, com a perda adicional de 0,8 milhões de contos. Assim, estima-se para 1987 uma receita de 8,2 milhões de contos, que corresponde a um crescimento de 3 % em relação ao ano de 1986, sem o valor arrecadado através do papel selado.

Imposto do selo

Sendo muito largo o leque de rubricas que integram o imposto do selo, o peso de duas delas tem contribuído decisivamente para o acelerado crescimento da receita deste imposto, que duplicou entre 1983 e 1985. Trata-se do imposto do selo sobre as transacções comerciais e sobre os juros das operações bancárias. A primeira daquelas rubricas caiu com a introdução do IVA, enquanto a segunda sofre & erosão da descida das taxas de juro das operações bancárias. O efeito daqueles dois factores não foi suficientemente ponderado na previsão das receitas para 1986, não devendo, pois, surpreender que a sua sobreavaliação se possa já estimar em 10 milhões de contos. Assim sendo, e porque o peso das receitas do imposto do selo sobre os juros das operações bancárias passou de 38,3 % em 1985 para 41,5 % nos primeiros sete meses de 1986, precisamente quando o seu valor absoluto decresce, tudo indicia um menor volume de receita para 1987. A estes factos acrescem as isenções propostas para 1987, que visam consolidar o tecido empresarial. Embora o crescimento económico não contrarie a tendência de decréscimo de receita, não terá já peso suficiente para compensar os factos assinalados, pelo que se prevê uma receita de 77 rm-Dhões de contos, inferior em cerca de 4 % à ¡que se espera alcançar em 1986.

Imposto sobre o valor acrescentado

A estrutura das estimativas do consumo interno aplicado ao produto interno bruto esperado constituiu a base de elaboração das previsões de receita deste imposto para Í986. A cobrança efectiva tem revelado algum grau de subavaliação, facto que faz sobressair eventuais desajustamentos daquele índice. Acresce referenciar um outro factor de indeterminação que, aliás, persiste. Trata-se do desagravamento dos stocks existentes em 31 de Dezembro de 1985, que implica a devolução do imposto de transacções que impendia sobre os referidos stocks.

Testada que foi a inadequação daquele critério, haverá que apoiar as previsões para 1987 na experiência colhida ao longo de sete meses de cobrança efectiva, sendo, porém, de sublinhar que se está ainda numa fase de consolidação do imposto, com realce para o insuficiente conhecimento que se tem quanto às deduções, inerente ao mecanismo do imposto, que continuam a ter um peso crescente de mês para mês.

Assim, mantendo-se as tendências em curso e projectando as receitas de 1986 para o que seria um ano completo e sem o desagravamento dos stocks em 31 de Dezembro de 1985 —imposto de transacções—, chegaríamos a uma receita de 311 milhões de contos. Aplicando a este valor a taxa do crescimento nominaí do consumo privado — 12 % —, alcançamos a verba de 348,3 milhões de contos, pelo que se fixa a previsão de receita do imposto sobre o valor acrescentado em 348,5 rr.ilhões de contos.

Imposto sobre a venda de veículos automóveis (IVVA)

O efeito do IVA sobre a venda de veículos automóveis não foi devidamente ponderado na previsão da receita deste imposto em 1986, designadamente porque não foi testada a tendência do mercado automóvel em Portugal, onde o peso dos carros de cilin-drade inferior a 1400 cmJ é já superior a 80%.

Ora, os 16 % do IVA absorvem, nestas categorias de carros, quase 50 % da carga tributária, enfraquecendo o peso do IVVA. Por esta razão, os valores aprovados nos oito primeiros meses de 1986 apontam para uma receita no final do ano na ordem dos 30 milhões de contos, não sendo assim de prever para 1987 uma receita além dos 32 milhões de contos, que corresponde ao acréscimo de venda de carros, de acordo com as quotas de vendas programadas.

Imposto sobre o consumo de tabaco

Encontrando-se o consumo de tabaco estabilizado, o acréscimo de receita tem apenas conexão com a evolução dos preços e a carga fiscal.

Considerando a proposta deste Orçamento uma elevação dos preços até 15 % e o aumento da carga fiscal de 5Í % para 53 %, a receita deverá atingir 44,3 mt-Ihges de contos.

Outros impostos indirectos

Integram esta rubrica o conjunto de impostos e taxas descritos no quadro da proposta de lei orçamental. No conjunto homólogo do Orçamento para 1986 previa-se uma receita de 46,8 milhões de contos, valor que não será alcançado, exactamente porque o imposto de maior peso — imposto sobre as bebidas alcoólicas — ficará aquém dos 10 milhões de contos previstos. A receita dos primeiros sete meses aponta para uma receita anual na ordem dos 5 milhões de centos. O imposto rodoviário ficará também aquém do valor previsto. Aplicando aos diferentes impostos que integram esta rubrica uma taxa de crescimento em consonância com a evolução da actividade económica de que dependem, obtém-se uma estimativa de 43 milhões de contos aproximadamente.

Outras receitas correntes

Os rendimentos patrimoniais do Estado previstos no Orçamento para 1987 representam uma receita de 58,6 milhões de contos, valor inferior ao inscrito no Orçamento do ano em curso. Estas receitas são constituídas principalmente pela participação do Estado nos lucros de instituições de crédito e empresas públicas não financeiras, no total de 42,3 milhões de contos, e ainda pelos juros relativos à conta remunerada no Banco de Portugal.

No capítulo «Transferências correntes», que inclui receitas no montante de 10,8 milhões de contos, salientam-se as transferências provenientes do exterior (8,7 milhões de contos), consignadas fundamentalmente aos departamentos militares, no âmbito de acordos internacionais.

Ao contrário do Orçamento anterior, não se inscrevem nesta proposta as restituições da contribuição financeira para o Orçamento Geral das Comunidades Europeias, previstas no Tratado de Adesão, uma vez que se encontra ainda em curso o processo orçamental da Comunidade. Por tal motivo, prevê-se no artigo Í5.°

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que, no prazo de 60 dias após a publicação do Orçamento comunitário, o Governo promoverá a inscrição do montante daquela contribuição financeira, líquido das restituições, em rubrica adequada do Orçamento do Estado.

Por sua vez, as previsões constantes do capítulo «Venda de serviços e bens não duradouros» englobam as receitas provenientes da prestação de vários serviços públicos, consignadas às respectivas despesas. Incluem--se também os reembolsos a efectuar pela Comunidade como compensação pelos encargos de cobrança dos recursos próprios (direitos aduaneiros e niveladores), no valor de 2,7 milhões de contos.

Relativamente às «Outras receitas correntes», salientam-se os valores do reembolso do custo de amce-dação (3,3 milhões de contos) e dos prémios por risco de câmbios (3,8 milhões de contos).

Receitas de capital

Nas receitas de capital efectivas assumem especial significado os recursos provenientes dos fundos estruturais da Comunidade, no valor global de 22 milhões de contos, para o financiamento de projectos agrícolas e de desenvolvimento regional.

A previsão das receitas a obter pela venda de bens de investimento é idêntica à inscrita no Orçamento para 1986, evidenciando o propósito de prosseguir a política de desinvestimento em terrenos e edifícios.

As receitas de activos financeiros incluem fundamentalmente um montante de 5 milhões de contos respeitante a reembolsos, a realizar por fundos autónomos, de encargos de juros e amortizações de empréstimos contraídos com o aval do Estado.

B) Despesas orçamentais:

As despesas previstas na proposta de Orçamento para 1987 foram fixadas em 1790,2 milhões de contos, montante que não inclui as verbas do capítulo «Contas de ordem» respeitantes aos serviços e fundos autónomos, nem as transferências de recursos próprios comunitários, dado que ambas têm contrapartida em idênticos valores inscritos nas receitas.

Em comparação com o valor orçamentado para 1986, as despesas elevam-se 237,3 milhões de contos, o que representa uma taxa de acréscimo de 15,3 %.

A evolução das despesas orçamentais é ainda particularmente influenciada pelo aumento dos encargos com a dívida pública ( + 91,4 milhões de contos), embora em menor grau do que no Orçamento anterior. Aliás, a maior elevação regista-se nas verbas para amortizações da dívida, que não têm incidência no apuramento do défice orçamental, enquanto o aumento dos juros revela nítido abrandamento no próximo ano.

Deduzidos os encargos da dívida, a taxa de acréscimo das despesas orçamentais em relação ao Orçamento anterior baixa para 14,1 % apenas, o que significa praticamente a estabilidade em termos reais das dotações para despesas.

Para o acréscimo das despesas correntes (+159,2 milhões de contos) contribui particularmente a variação das dotações para o pessoal, dada a rigidez que as caracteriza, e nas quais, tal como em 1986, se incluem já as verbas destinadas à actualização das remunerações, com excepção das relativas aos organismos autónomos.

A dotação provisional de 24 milhões de contos, inscrita com a finalidade de acorrer a necessidades resultantes de despesas imprevistas e inadiáveis (conforme prevê a Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado), mantém-se assim num nível muito inferior ao que era habitual anteriormente a 1986.

No conjunto, o valor total das despesas de pessoal e de bens e serviços, com exclusão das despesas de previdência dos funcionários, regista um aumento de 15,2 %, o que equivale a 2,5 % em termos reais.

Após a substancial progressão observada no Orçamento para 1986, a dotação orçamental para o Programa de Investimentos e de Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC) cresce 15,8 % nesta proposta, revelando, portanto, um ritmo de acréscimo superior ao verificado para o total das despesas.

Classificação orgânica das despesas

Apresentam-se a seguir os elementos fundamentais acerca das despesas previstas para 1987, relativamente aos vários ministérios e departamentos do Estado, em comparação com o Orçamento anterior.

A análise incide sobre as despesas fixadas no Orçamento, deduzidas das verbas respeitantes às contas de ordem, por terem contrapartida em receita, e aos investimentos do Plano, que são considerados separadamente.

Ministério das Finanças

No orçamento do Ministério das Finanças estão incluídos os encargos da dívida pública, que registam um acréscimo de 17,7 %, bem como, a exemplo dos anos anteriores, determinados encargos gerais da Administração Pública, nomeadamente as verbas inscritas no capítulo 60 «Despesas excepcionais» e as dotações para pensões e reformas e para as despesas de protecção social dos funcionários (ADSE).

Entre as verbas do capítulo «Despesas excepcionais» importa referir, além da dotação provisional de 24 milhões de contos, as que se destinam aos subsídios a empresas públicas (37,5 milhões de contos), aos aumentos de capital estatutário (14,5 milhões de contos) e às bonificações de juros a pagar a instituições financeiras (49,6 milhões de contos) e à modernização dos caminhos de ferro (+8 milhões de contos).

Para as pensões e reformas foi fixada uma contribuição orçamental de 54,5 milhões de contos, registando um aumento de 33,6 %. Por sua vez, a verba destinada aos encargos com a saúde dos funcionários cresce 38,2 % em relação ao ano anterior, atingindo 15 milhões de contos.

Nas despesas próprias do Ministério das Finanças verifica-se um aumento de 7,7 milhões de contos (+20,1 %), que se justifica, em larga medida, pelas necessidades decorrentes da reorganização e equipamento da administração fiscal.

Encargos Gerais da Nação

A inclusão neste capítulo das transferências do Orçamento para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, no valor de 12,9 milhões de contos, e que anteriormente eram inscritas no Ministério das Finanças, justifica, na sua maior parte, a acentuada variação das respectivas dotações, em comparação com o Orçamento para 1986.

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Orçamento do Estado

(Milhares de contos)

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Refira-se ainda que este capítulo integra, designadamente, as verbas destinadas aos órgãos de soberania: Presidência da República (463 600 contos), Assembleia da República (3 076 300 contos) e Presidência do Conselho de Ministros (1 360 500 contos).

Defesa Nacional

As dotações para os departamentos que integram a defesa nacional apresentam, no total, um aumento de 27,5 milhões de contos. Neste montante está incluída numa verba de 16 milhões de contos afecta ao programa de equipamento militar, em particular para a aquisição das novas fragatas.

Deduzindo a variação daquela verba entre os Orçamentos para 1986 e 1987, o acréscimo nas despesas com a defesa nacional é bastante mais reduzido, tendo ainda em conta o aumento das despesas com os combustíveis em 1986.

Ministério da Administração interna

Em comparação com o Orçamento para 1986 regista-se um acréscimo de 6 milhões de contos nas despesas fixadas para este Ministério, que abrangem principalmente as dotações destinadas às forças de segurança (Polícia de Segurança Pública e Guarda Nacional Republicana).

As verbas para pessoal têm um peso particularmente elevado no lotai das despesas do Ministério da Administração Interna (85,8 %).

Ministério da Justiça

Neste Ministério, as despesas inscritas crescem 35,8 %, em face da necessidade de modernizar os equipamentos e aumentar a segurança dos serviços prisionais e judiciários e admitir pessoal especialmente qualificado na érea da investigação.

Ministério dos Negócios Estrangeiros

O aumento das despesas previstas é de 2,3 milhões de contos (+17,4%), justificando-se, em especial, pelas maiores necessidades relacionadas com a coordenação das acções no domínio da política externa e ainda pelo aumento das quotizações devidas a organismos internacionais.

Ministério do Plano e da Administração do Território

As despesas próprias dos serviços deste Ministério revelam, em comparação com o ano anterior, mia acréscimo de 16,1 %.

Estão integradas no orçamento do Ministério do Plano e da Administração do Território as transferências para as autarquias locais, que foram fixadas

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no total em 90,5 milhões de contos, cora um aumento de 11,2 milhões de contos sobre o valor orçamentado para 1986.

Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação

O aumento das despesas com os serviços deste Ministério cifra-se em cerca de 1,5 milhões.de contos (+11,8 %), não incluindo os investimentos do Plano, a que se fará referência adiante.

Ministério da indústria e Comércio

A variação indicada no quadro é aparente, de-vendo-se ao facto de as transferências destinadas ao pagamento de juros do Gabinete da Área de Sines (que em 1986 eram de 9,6 milhões de contos) terem passado para o capítulo «Encargos da dívida pública», do Ministério das Finanças.

Assim, as despesas próprias do Ministério da Indústria e Comércio apresentam um aumento bastante reduzido.

Ministério do Trabalho e Segurança Social

Inscrevem-se no orçamento deste Ministério as verbas destinadas à cobertura dos regimes especiais da Segurança Social, que atingem 35 milhões de contos, com um aumento de 2,3 milhões de contos ( + 7,0 %) em relação ao ano anterior.

As despesas próprias do Ministério crescem 25,8 % em relação ao Orçamento para 1986.

Ministério da Educação e Cultura

O valor total orçamentado para 1987 ascende a 197,6 milhões de contos, registando um acréscimo de 12,1 %, em comparação com o Orçamento anterior. Esta variação justifica-se fundamentalmente pelo aumento dos encargos com o pessoal, que, aliás, representam cerca de 80 % das despesas de funcionamento deste Ministério.

No sector da educação salienta-se o crescimento de cerca de 18 % nas dotações destinadas aos estabelecimentos do ensino superior.

Ministério da Saúde

As despesas deste Ministério abrangem fundamentalmente as transferências para o Serviço Nacional de

Saúde, que foram fixadas em 164,9 milhões de contos para 1987. Verifica-se assim um aumento de 14,9 milhões de contos sobre o Orçamento anterior, ao qual se adicionará a verba destinada à actualização dos vencimentos, que será coberta pela dotação provisional.

Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

A variação das despesas próprias deste Ministério é influenciada pela inclusão no Orçamento do Estado das dotações necessárias à cobertura das finalidades do Fundo Especial de Transportes Terrestres, cujas atribuições foram transferidas para as Direcções-Gerais dos Transportes Terrestres e de Viação, nos termos do Decreto-Lei n.° 21/86, de 14 de Fevereiro. Inversamente, deixaram de figurar no orçamento do Ministério das Obras Públicas, Transportes- e Comunicações as verbas destinadas ao serviço da dívida da Junta Autónoma de Estradas, que passaram a incluir-se em «Encargos da dívida pública».

O montante das transferências para a Segurança Social a cargo do MOPTC é praticamente idêntico ao do Orçamento anterior, dado que se orçamentou para subsídios de renda de casa uma verba inferior à de 1986.

Por sua vez, a dotação relativa aos encargos com os regimes especiais dos ferroviários aumenta de 12,9 %.

Investimentos do Plano

A dotação global fixada para os investimentos do Plano (PIDDAC) no Orçamento para 1987 ascende a 140,7 milhões de contos, apresentando um acréscimo de 19,2 milhões de contos em relação ao ano anterior (+15,8 %).

Na distribuição por ministérios sobressai a dotação do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que atinge 43,6 milhões de contos, a aplicar no financiamento de grande número de projectos de infra-estruturas de natureza económica e social.

São igualmente de elevado montante as dotações fixadas para o Ministério da Educação e Cultura (25,3 milhões de contos) destinadas à construção e conservação de equipamentos escolares.

Investimentos do Plano

(Milhares de contos)

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Os investimentos a realizar pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação totalizam 21 milhões de contos, o que representa um acréscimo de 75 % em relação ao Orçamento anterior. Entre estes investimentos destacam-se os relativos aos projectos incluídos no Programa Específico de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP), que serão comparticipados pelo Orçamento comunitário.

Atingem ainda valor relativamente elevado as verbas para investimentos a cargo do Ministério do Plano e da Administração do Território (17,1 milhões de contos), que abrangem numerosos projectos nos domínios do ambiente e recursos naturais e do ordenamento do território.

Por sua vez, no Ministério da Saúde incluem-se investimentos a realizar fundamentalmente em instalações e equipamentos de saúde no valor de 10,2 milhões de contos.

No Ministério da Justiça inscreve-se uma dotação de 3,5 milhões de contos, em parte com contrapartida em receita, para diversas obras e equipamentos relativos aos serviços judiciários e prisionais.

Classificação económica das despesas

Apresenta-se a seguir o quadro geral da distribuição das despesas orçamentais, de acordo com a classificação económica. Consideram-se as variações registadas entre as dotações inscritas no Orçamento para 1987 e as do Orçamento anterior, devendo notar-se, porém, que algumas comparações perdem significado em virtude da reclassificação a que se procedeu no presente Orçamento no sentido de revelar correcta-menet a natureza económica das despesas.

Classificação económica das despesas orçamentais

(Milhara da corro»)

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la) Não inclui a contribuição financeira para a CEE (28 100).

As despesas de pessoal dos serviços sem autonomia fixam-se em 418,3 milhões de contos, incluindo já as verbas para actualização dos vencimentos e outras remunerações. Para o aumento verificado, cerca de 18,5 %, em relação ao Orçamento para 1986 contribuem as maiores dotações para pensões e reformas dos funcionários ( + 33,6 %) e para a ADSE (+ 38,2%).

O acréscimo das dotações para bens duradouros, bens não duradouros e aquisição de serviços é influenciado pela reclassificação acima referida, bem como pelo maior montante das verbas destinadas à aquisição de equipamento militar.

A dotação inscrita para os juros eleva-se a 425 milhões de contos, pelo que revela um acréscimo de 40 milhões de contos (10,4 %), significativamente inferior ao verificado nos anos anteriores.

As transferências correntes para entidades do sector público, a utilizar em parte para satisfazer despesas de pessoal, totalizam 314,5 milhões de contos, com um aumento de 8,9 %. Neste montante sobressaem as que são afectas ao Serviço Nacional de Saúde, às* autarquias locais e à Segurança Social.

Na rubrica «Subsídios» estão incluídas as dotações relativas não só a subsídios às empresas públicas (37,5 milhões de contos), mas também a portes de correio (1 milhão de contos), bonificação de juros decorrentes da legislação em vigor (48,3 milhões de contos) e ainda outras verbas a favor dos municípios (1,3 milhões de contos).

As verbas destinadas aos investimentos do Plano são classificadas na sua maior parte em investimentos e transferências de capital para entidades do sector público. Nas transferências de capital incluem-se ainda as dotações atribuídas às autarquias locais e às regiões autónomas.

A rubrica «Activos financeiros» compreende a dotação destinada a aumentos de capital estatutário de empresas públicas, no total de 14,5 milhões de contos, cerca de 40 % do valor orçamentado em 1986.

A exemplo dos anos anteriores, a dotação provisional encontra-se repartida por «Outras despesas correntes» (10 milhões de contos) e «Outras despesas de capital» (14 milhões de contos).

Relações do Orçamento do Estado com as autarquias locais e as regiões autónomas

As transferências para as autarquias locais relativas ao Fundo de Equilíbrio Financeiro são fixadas em 89,5 milhões de contos, valor que representa ura aumento de 14,3 % em relação ao ano anterior.

Aquele montante é repartido entre transferências correntes (53,7 milhões de contos) e de capital (35,8 milhões de contos), de acordo com a proporção referida no artigo 60.° da proposta de lei.

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Incluem-se também no Orçamento dotações no total de 960 000 contos para o funcionamento das assembleias distritais, construção de sedes de juntas de freguesia e auxílio financeiro, nos termos do artigo 18." da Lei das Finanças Locais.

Em 1987, os recursos dos municípios serão ainda acrescidos das receitas provenientes da sisa, nos termos do artigo 66.° desta proposta de lei, bem como das transferências provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

O valor das transferências para as regiões autónomas fixado no Orçamento é de 12,9 milhões de contos, o que representa um acréscimo de 22,8 % em relação à dotação fixada em 1986.

As verbas destinadas à cobertura dos défices dos orçamentos regionais foram fixadas para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, respectivamente, em 7060 milhares de contos e 4480 milhares de contos.

V — OE/87, principais medidas de política fiscal

Em 1987 o Governo propõe-se prosseguir a orientação seguida no ano de 1986, no sentido de moderar a carga fiscal que incide sobre a iniciativa empresarial com o objectivo de incentivar o investimento. De igual medo, incluem-se na proposta de lei do orçamento novas medidas destinadas a corrigir alguns aspectos negativos e a aumentar a eficácia e transparência do sistema tributário, na linha das acções já realizadas no ano corrente.

A situação financeira do Estado, com o pesado encargo da dívida pública, não permitiu prescindir ainda do recurso a certas receitas fiscais com carácter extraordinário, designadamente o imposto extraordinário sobre os lucros das empresas, embora se reduza a metade a respectiva taxa enquanto se mantém o adicional relativo ao imposto sobre as sucessões e doações.

Subsistem no nosso sistema tributário diversos impostos que, representando uma carga administrativa excessiva, não propiciam um volume de receitas significativo. Assim, e porque os motivos que levaram à sua criação perderam já actualidade ou não foram totalmente atingidos, pretende o Governo proceder à extinção de um conjunto de impostos referidos no artigo 42.°

Os ajustamentos dos escalões dos rendimentos colectáveis que se propõem para 1987 correspondem à mera actualização para fazer face aos efeitos da inflação esperada, aliás, em nítida tendência decrescente. O nível da fiscalidade incidente sobre o trabalho será mesmo desagravado no próximo ano nos termos das propostas apresentadas pelo Governo.

O artigo 15.° da proposta, idêntico ao das anteriores leis do orçamento, é expressão do princípio de que a cobrança dos impostos deve ser autorizada anualmente pelas assembleias representativas dos cidadãos. Embora a nossa Constituição não o formule expressamente, este princípio representa uma norma de «valor consuetudinário» preconizada pela doutrina.

No domínio da contribuição industrial propõe-se o Governo alterar a redacção de parte do artigo do Código referente aos «donativos» concedidos pelos contribuintes e considerados custos, em ordem a que dele decorra de forma isenta de dúvidas a amplitude do benefício que se concede.

Propõe-se ainda o Governo rever o regime de tributação dos rendimentos provenientes de quaisquer títulos da dívida pública.

A evolução que se tem observado no sistema financeiro justifica a revogação da isenção do imposto de capitais estabelecida para os juros de depósitos à ordem. Pretende-se assim tributar uniformemente os juros das diferentes espécies de depósitos, evitando distorções de natureza fiscal.

Por outro lado, com o objectivo de incentivar o desenvolvimento do mercado financeiro, propõe-se a redução da taxa do imposto de capitais que incide sobre os juros das obrigações. Importa abranger no âmbito da incidência do imposto os prémios de emissão, de reembolso ou de amortização atribuídos na emissão de obrigações. Com efeito, aqueles prémios — traduzidos na emissão de obrigações oferecidas por preço abaixo do valor nominal ou ao valor nominal e com reembolso superior — comportam-se como um juro suplementar, de que resulta uma taxa real de rendimento superior à taxa convencionada, e configuram, portanto, rendimentos derivados da aplicação de capitais.

Inculem-se ainda na proposta disposições visando a isenção do imposto de capitais dos juros de depósitos a prazo constituídos pelas instituições de crédito no Banco de Portugal, medida que se justifica para evitar a dupla tributação.

Está prevista também a isenção do imposto de capitais para os juros de obrigações de prazo igual ou superior a dez anos. Por outro lado, torna-se necessário harmonizar o regime fiscal dos juros dc depósitos a prazo constituídos por emigrantes com a nova regulamentação das contas de emigrantes, estabelecida pelo Decreto-Lei n,° 140-A/86, dc 14 de julho.

No imposto profissional propõem-se medidas que permitem um desagravamento da carga fiscal incidente sobre os rendimentos do trabalho. Está prevista a elevação do limites da isenção de 350 000$, tendo em vista a actualização correspondente à taxa de inflação prevista.

A par da actualização dos escalões de rendimentos à taxa de 9 % de modo a compensar os acréscimos dos rendimentos nominais, procede-se à redução de meio ponto nas taxas aplicáveis.

Prevê-se, por outro lado, a adopção neste domínio de medidas que têm por finalidade corrigir ou evitar certas situações discriminatórias.

Finalmente, a reformulação da tabela das deduções fixas a que se refere o n.° 2 do § 2.° do artigo 10.° encontra a sua justificação na necessidade de obter valores de reintegração das instalações do respectivo equipamento, bem como dos restantes encargos referidos no n." 2.° do artigo 10.° do Código do Imposto Profissional, tanto quanto possível mais aproximados da realidade, face aos aumentos de preço daqueles bens.

De igual modo, no imposto complementar está prevista a actualização dos escalões de rendimento colectável, à taxa de 9 %, bem como dos montantes das deduções.

A proposta contempla também a elevação dos valores a partir dos quais é obrigatória a apresentação de declaração, com o fim de evitar a entrega e tratamento de elevado número de declarações do Imposto complementar que não dêem lugar a liquidação do imposto.

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Propõe-se o Governo manter em 1987 a isenção do imposto de mais-valias relativo a quaisquer aumentos de capital de sociedades, com o objectivo de incentivar o reforço da estrutura financeira das empresas, quer pela incorporação das reservas de reavaliação no capital social, quer por entradas de dinheiro.

Em matéria de sisa, as medidas constantes da proposta de lei têm em vista a necessidade de incentivar as vendas de habitação como meio de promover o relançamento do sector da construção civil.

Assim, prevê-se para 1987 a isenção das transmissões de prédios urbanos ou fracção autónoma destinados à habitação desde que o valor sobre que incide a sisa não ultrapasse 10 000 contos.

Está prevista no artigo 22.° a baixa do factor de capitalização para a determinação do valor matricial dos prédios urbanos. Trata-se de um factor estabelecido em 1959, que se desactualizou gravemente, sobretudo nos últimos dez anos, dado o elevado nível de inflação.

No âmbito do regime aduaneiro haverá necessidade de prosseguir em 1987 a realização de várias adaptações decorrentes da adesão de Portugal às Comunidades Europeias.

Trata-se, em primeiro lugar, de alterar a Pauta dos Direitos de Importação, no que se refere quer às taxas dos direitos aduaneiros, quer à nomenclatura e às disposições preliminares, para cumprimento das obrigações assumidas no Acto Anexo ao Tratado de Adesão.

A introdução das disposições preliminares da Pauta Aduaneira Comum na Pauta Portuguesa levou a retirar desta e publicar em diploma próprio as Instruções Preliminares da Pauta, cuja tendência é virem a ser esvaziadas à medida que as suas normas sejam introduzidas nos diplomas específicos das várias matérias. Torna-se assim necessário continuar a adaptar as Instruções Preliminares da Pauta, paralelamente à introdução da legislação comunitária no nosso direito interno e à publicação de novos regulamentos comunitários.

A reformulação dos regimes aduaneiros relativos ao sector automóvel é também uma consequência da adesão às Comunidades Europeias, em face da diversidade de regimes existentes, nomeadamente em matéria de importação temporária e de benefícios fiscais. Prevê-se a criação de um imposto interno em substituição do actual imposto sobre a venda de veículos automóveis, sem agravamento da carga fiscal que actualmente decorre da aplicação deste imposto e do imposto sobre o valor acrescentado.

Relativamente ao imposto do selo, propõe-se o Governo alterar o sistema de tributação das letras e livranças, em paralelo com a revisão do respectivo regime estabelecido na legislação fiscal, tendo em vista a desejada racionalização do seu tratamento administrativo.

Prevê-se, por outro lado, a eliminação de vários artigos da Tabela Geral do Imposto do Selo que caíram em desuso ou produzem receita diminuta, constituindo incómodo desproporcionado para o público.

Solicita-se no artigo 24.° autorização legislativa para isentar do imposto do selo o reforço ou aumento do capital social realizados por incorporação de reservas de reavaliação de bens do activo imobilizado, com vista a dar uma expressão mais actualizada no capitat

sociaí. Pretende-se igualmente isentar do imposto do selo as cessões de créditos entre instituições bancárias, medida que, facilitando a conclusão de muitos processos de saneamento económico e financeiro de empresas devedoras, contribuirá para assegurar uma maior transparência aos mecanismos económicos.

No imposto sobre o valor acrescentado propõe-se o Governo adequar o tratamento fiscal da «tapeçaria portuguesa», cujas características, de inegável interesse cultural, social e económico justificam a sua assimilação a outras obras e objectos artísticos.

O sistema do imposto sobre o valor acrescentado, em aplicação desde o início de 1986, contempla as soluções adequadas às condições especiais do País, estando prevista a sua evolução no sentido da aplicação plena do sistema comunitário no início de 1989, nos termos estabelecidos no Tratado de Adesão. Tendo em conta a experiência obtida e as disposições comunitárias sobre a matéria, prevê-se na proposta de lei a adopção de alguns ajustamentos no regime deste imposto.

Considera-se conveniente, no aspecto económico, introduzir desde já um sistema de reembolso do IVA aos sujeitos passivos não estabelecidos em Portugal, quer na CEE, quer fora da CEE, nos termos previstos, respectivamente, na 8.D Directiva e na proposta da 13.a Directiva (a qual se encontra na fase final do processo de decisão).

É solicitada também autorização legislativa para regulamentar o direito à isenção do IVA para as exportações efectuadas por adquirentes residentes no estrangeiro, estabelecendo certas limitações especialmente no sentido de excluir daquele direito, por um lado, determinados bens cujo desagravamento fiscal não parece justificável e, por outro, as vendas a não residentes quando as aquisições de bens não atinjam os montantes referidos na Directiva 69/169/CEE e sucessivas alterações.

As dificuldades surgidas pelo facto de se considerar o valor aduaneiro como valor tributável dos bens Importados (artigo 17." do Código do IVA) justificam que este passe antes a ser o preço pago ou a pagar pelo importador ou, na sua falta, o valor normal, de acordo aliás com o critério adoptado na 6.a Directiva da CEE.

Pravê-se na proposta de lei a introdução de alterações ao regime fiscal dos tabacos, abrangendo, nomeadamente, a possível elevação das taxas da componente ad valorem e do elemento específico do imposto de consumo incidente sobre os cigarros. Propõe-se, por outro lado, a introdução do imposto mínimo sobre os cigarros, em conformidade com a Directiva 72/464/ CEE, visando, no domínio da importação de cigarros, assegurar certa estabilidade das receitas e criar ura meio de protecção anti-dumping.

A necessidade de harmonizar os esquemas de beneficios criados em vista a facilitar a integração social dos deficientes determina a conveniência de introduzir alterações no imposto especial sobre os veículos e no imposto de compensação, uniformizando os critérios que lhe estão subjacentes sob pena de alguns dos benefícios concedidos produzirem efeitos nulos.

Impõe-se uma revisão global do sistema fiscal vigente no sector dos transportes, medida que será concretizada com a criação de um novo imposto que substitua os impostos de circulação e de camionagem,

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tomando-se como base de referência a imputação dos encargos pela utilização das infra-estruturas.

Por outro lado, as alterações introduzidas nos transportes rodoviários, a criação de um novo imposto incidente sobre a actividade transportadora (o IVA) e a abolição de impostos específicos, como o imposto do selo e o imposto ferroviário, determinam que se proceda a uma correcção das distorções já detectadas.

No âmbito das medidas tendentes à dinamização do mercado de capitais e à promoção de formas de aplicação da poupança com interesse económico e social, prevê-se na proposta de lei a ampliação de alguns dos benefícios fiscais em vigor, designadamente uma redução significativa das taxas da contribuição industrial, em determinadas condições, às sociedades que procederem à oferta pública de acções no próximo ano.

Importa, no entanto, prever a possibilidade de suspender os incentivos fiscais dirigidos à compra ou subscrição de acções nos casos em que a conjuntura dos mercados primário e secundário de títulos assim o justifique.

Tendo o Governo instituído o regime das sociedades de capital de risco, definem-se na proposta os benefícios fiscais que convirá atribuir-lhes. O objectivo das sociedades de capital de risco justifica que se estabeleça um quadro fiscal particularmente favorável nos primeiros anos de actividade, de modo a compensar o risco superior ao normal dos empreendimentos em que, por vocação, elas se envolvem.

No que se refere aos certificados de consignação, que constituem um novo instrumento do mercado de capitais destinado a ser utilizado no financiamento de investimentos específicos, propõ-se o Governo proceder à harmonização do regime fiscal a que ficam sujeitos os seus subscritores com o que lhes seria aplicável se fossem investidores directos.

Propõe-se no artigo 35.° a concessão de isenções fiscais nos casos de cisão e transformação estrutural de seguradoras, nomeadamente por extinção e concomitante criação de seguradoras mantendo a mesma carteira de títulos. Esta proposta visa contemplar as situações seguintes:

A cisão de seguradoras existentes para passarem a explorar separadamente os seguros dos ramos não vida e os seguros de vida de forma a poderem vir a explorar o ramo nos outros Estados membros da CEE, plenamente enquadrados na legislação comunitária;

A transformação de sociedades mútuas de seguros em sociedades anónimas, com o objectivo de, alargando o seu âmbito de actuação, tornar possível a viabilização de sociedades actualmente existentes.

Tendo sido recentemente revista a concessão do regime de exploração turística da serra da Estrela, importa agora proceder à concomitante adaptação do regime fiscal que lhe subjaz, ao passo que se avança com firmeza no sentido de atenuar os acentuados desequilíbrios de desenvolvimento regional, que continuam a verificar-se, numa região com tão vasto conjunto de potencialidades intrínsecas.

Importa salientar também que se propõe a concessão de benefícios fiscais às associações juvenis com o objectivo de lhes proporcionar reduções nas despesas com bens, equipamentos e materiais e, por essa via.

contribuir para o fortalecimento do movimento associativo dos jovens.

O regime do imposto especial sobre o consumo de bebidas alcoólicas, criado pelo Decreto-Lei n.° 342/85, de 22 de Agosto, e revisto pela Lei n.° 3/86, de 7 de Fevereiro, carece de algumas alterações motivadas quer por obrigações decorrentes da integração de Portugal na CEE, quer por razões de ordem interna.

Procura-se atender a problemas que a aplicação prática do imposto veio a revelar, tendo em vista assegurar a desejável equidade tributária e corrigir aspectos susceptíveis de provocar distorções de concorrência.

Salienta-se especialmente a necessidade de estabelecer penalidades para o não cumprimento das obrigações sobre este imposto e, por outro lado, alterar o regime de liquidação e pagamento do imposto, a fim de o harmonizar com a legislação comunitária.

Importando a incentivação das actividades produtivas, pelo investimento que enfrenta riscos, contrariando assim tendências para meros negócios de transferências de alvarás e direitos exclusivos com o objectivo único de obtenção de lucros especulativos sem correr os riscos do investimento, justifica-se o agravamento substancial do imposto mineiro e de águas minerais aplicável às concessões não exploradas sem motivo aceitável e a sua isenção no caso das concessões em actividade.

Incluem-se ainda na proposta disposições visando a isenção do imposto de capitais, complementar e sucessões e doações respectivamente para os juros e para as obrigações convertíveis em acções a fim de estimular os aumentos do capital das sociedades.

Solicita-se autorização legislativa para rever o quadro fiscal das sociedades de controle (holding) de modo a promover a sua participação no reforço da estrutura empresarial portuguesa.

O interesse económico do seguro de vida porque fixa a poupança durante um largo número de anos, bem como o seu interesse social porque pode garantir um capital de previdência, no caso de morte, ou a formação de um capital em caso de vida justificam amplamente as medidas tomadas em sede de contribuição industrial, de imposto complementar e do imposto do selo.

Relativamente às novas contas poupança-reformados, instituídas pelo Decreto-Lei n.° 138/86, de 14 de Junho, considera-se conveniente rever o regime de benefícios fiscais, designadamente no sentido de permitir que seja concedida isenção do imposto de capitais e contas abertas sob a forma de conta conjunta, desde que os titulares sejam cônjuges ou parentes no 1.° grau, até ao limite de 1500 contos; e ainda isenção do imposto sucessório.

Cora a autorização legislativa a que alude o artigo 51." pretende-se introduzir no sistema fiscal português um regime fiscal mais favorável para os profissionais de alta competição, tendo em vista o esforço desenvolvido numa carreira de curta duração. Esta medida visa igualmente eliminar a fraude e evasão fiscais existentes neste domínio.

A consagração da isenção do imposto complementar, secção B, para as instituições particulares de solidariedade social, vem preencher apenas uma lacuna no elenco das isenções fiscais estabelecidas no artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 9/85, de 9 de Janeiro. Com efeito, só por mero lapso é que não foi incluído naquele diploma tal benefício, já que muitas das actuais ins-

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tituições particulares de solidariedade social, anteriormente qualificadas de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, vinham beneficiando daquela isenção.

Na impossibilidade prática de se poder negociar acordos sobre dupla tributação com os países de expressão oficial portuguesa, impõe-se a salvaguarda dos interesses de empresas portuguesas estabelecidas naqueles países, mas com sede ou direcção efectiva ern Portugal, no sentido de evitar a dupla tributação no domínio da contribuição industrial e do imposto complementar. Ao propor-se autorização legislativa com a finalidade apontada, aliás já anteriormente solicitada mas não utilizada, visa-se atingir ura importante objectivo, que torna viável a presença de empresas portuguesas nos referidos países sem o ónus da dupla tributação. Ao propor-se a prorrogação do regime estabelecido pelo artigo único da Lei n.° 7/78, de 22 de Fevereiro, tem-se em vista atingir de imediato o objectivo anteriormente apontado.

O combate à fraude e à evasão fiscais será impulsionado, propondo-se o Governo tomar providências nesse sentido, nomeadamente à revisão das disposições legais relativas às infracções tributárias e sua punição e no estabelecimento de sanções extintivas, suspensivas e impeditivas dos desagravamentos fiscais, em caso de condenação do beneficiado por infracção fiscal grave.

Os servidores do Estado e das autarquias locais beneficiaram sempre da isenção fiscal relativamente às remunerações provenientes da prestação de serviço àquelas entidades.

Julga-se ter chegado o momento adequado para pôr iermo a tal situação, face à próxima entrada em vigor do imposto único sobre o rendimento das pessoas singulares.

Nesta linha de orientação, propõe-se o Governo adoptar as medidas indispensáveis à tributação das referidas remunerações a partir de Janeiro de 1987, assegurando, no entanto, um aumento de vencimentos por forma a que os funcionários não fiquem com um rendimento líquido de impostos inferior àquele que aufeririam se não ficassem sujeitos a tributação nos termos gerais.

Tendo presente a persistência dos salários em atraso, procura dotar-se o Governo com os meios necessários que permitam tomar medidas neste domínio, no sentido de minorar os efeitos de tal situação.

VI — Linhas gerais do orçamento da Segurança Social, 1987

A previsão das receitas correntes para o ano de 1987 é de 455,1 milhões de contos, correspondendo a um acréscimo de 21,8 % relativamente ao valor inscrito no Orçamento do corrente ano.

Prevê-se que as contribuições atinjam um totsl de 400 milhões de contos, com base no valor das contribuições cobradas até Setembro de 1986, e tendo em conta os reflexos do previsível aumento da taxa de emprego e do crescimento dos níveis salariais, bem como da instituição da taxa social única, com a consequente redução de 1 % da taxa global das contribuições. Aquele montante representa um aumento de 12,4 % relativamente a 1986, uma vez que se estima que as contribuições venham a atingir este ano 356 milhões de contos.

Nas transferências correntes destacam-se as verbas provenientes ¿0 Orçamento do Estado, no total de 42,4 milhões de contos, que se destinam & financiar as prestações do regime não contributivo e a acção social (35 milhões de contos) e ainda e suportar os encargos com o défice das pensões dos regimes especiais dos ferroviários.

Relativamente às transferências de capital, merece particular referência a dotação que se prevê receber em Í987 cio Fundo Social Europeu no valor de 21 milhões de contos, a qual abrange pagamentos referentes aos projectos iniciados no ano corrente (13 milhões de contos).

Para a execução das medidas que se encontram definidas no domínio da política social e do emprego, inscrevem-se no orçamento da Segurança Social para Í987 dotações adequadas para acorrer aos subsídios de desemprego, garantia salarial e indemnizações compensatórias para salários em atraso.

Para a elaboração das estimativas sobre as despesas forarr. considerados, de uma maneira gera!, os valores das despesas processadas nos cinco primeiros meses de 1986.

Nas despesas correntes destacam-se as prestações dos regimes de segurança social, no valor de 401,3 milhões de contos, correspondendo a um acréscimo de 15,9 %. Esta evolução deve-se particularmente às despesas com as pensões de invalidez, velhice e sobrevi-

Orçamento da Segurança Social

(Milhares do cantai)

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vencia, no mcmiants global de 305,8 milhões de contos para 1987. As previsões têm por base a evolução das despesas processadas nos primeiros sete meses de 1986, os efeitos, reportados a 1 de Setembro, das actualizações determinadas peio Decreto Regulamentar n.° 41/86, de 12 de Setembro, admitindo-se ainda que nos meses de Dezembro de 1986 e 1987 será efectuada a actualização de todas as pensões.

Relativamente à acção social e às despesas de administração, prevêem-se taxas de crescimento de, respectivamente, 11,4% s 14,3%, ssa comparação com as verbas inscritas no Orçamento de 1986.

As transferências correntes destinam-se principalmente às acções a desenvolver pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, bem como às suas despesas de funcionamento, no total de 17 milhões de contos.

Por sua vez, as transferências de capita! ascendem a 41 milhões de contos, montante que inclui a dotação de 21 milhões de contos provenientes do Fundo Social Euroueu, a aplicar em acções de formação profissional.

Para a cobertura do défice orçamental da Segurança Social prevê-se, além da utilização do saldo proveniente do ano anterior (15 milhões de contos), a necessidade de contrair empréstimos no valor de 15 milhões de contos igualmente.

VII — Orçamentos dos serviços e fundos autónomos para 1987

Apresentam-se neste capítulo, de forma sintética, os valores mais significativos dos orçamentos privativos para 1987 que integram os subsectores dos serviços autónomos e dos fundos autónomos da administração central.

Os quadros a seguir incluídos permitem analisar, em Unhas gerais, a origem e aplicação de recursos previstas para 1987 relativamente ao conjunto daqueles subsectores, bem como aos serviços e fundos autónomos que orçamentam valores de receitas e despesas mais elevados.

Convém referir, no entanto, que as comparações com orçamentos anteriores envolvem algumas dificuldades devido às alterações que se têm verificado na composição destes subsectores.

Nos orçamentos para 1987 há a assinalar especialmente o facto de passar a incluir-se em serviços autónomos o orçamento do Instituto Nacional de Garantia Agrícola, criado pelo Decreto-Lei n.° 96/86, de 13 de Maio, verificando-se paralelamente sensível redução do âmbito dos fundos autónomos, dado que já não incluem o Fundo de Abastecimento, o Fundo Especial de Transportes Terrestres, o Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego e o Fundo do Teatro, entretanto extintos.

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Texto da proposta de lei

O Governo apresenta, nos termos do n.° 1 do artigo 170." da Constituição, a

Proposta de lei do Orçamento do Estado para 1987

CAPÍTULO 1

Aprovação do Orçamento

Artigo 1.° Aprovação

São aprovados pela presente lei:

a) O Orçamento do Estado para 1987, constante dos mapas i a iv;

b) O orçamento da Segurança Social para o mesmo ano, constante do mapa v;

c) As verbas a distribuir pelos municípios, nos termos da Lei das Finanças Locais, discriminadas no mapa vi;

d) Os programas e projectos plurianuais constantes do mapa vir.

Artigo 2."

Orçamentos privativos

í — Os serviços e fundos autónomos não poderão aplicar as suas receitas próprias na realização das suas despesas sem que o Governo aprove os respectivos orçamentos ordinários e suplementares.

2 — Os orçamentos referidos no número anterior continuarão sujeitos ao visto do Ministro das Finanças.

3 — A emissão de garantias a favor de terceiros pelos serviços e fundos autónomos depende de autorização prévia do Ministro das Finanças.

CAPITULO ÍI Empréstimos e comparticipações dos fundos auCómoimos Artigo 3." Empréstimos internos

1 — O Governo fica autorizado, nos termos da alínea h) do artigo 164.° da Constituição, através do Ministro das Finanças, a contrair empréstimos internos até perfazer um acréscimo de endividamento directo interno de 383 milhões de contos para fazer face ao défice do Orçamento do Estado.

2 — A emissão de empréstimos internos de prazo superior a um ano subordinar-se-á às seguintes condições gerais:

a) Empréstimos internos amortizáveis, apresentados à subscrição do público e dos investidores institucionais, até perfazerem um montante mínimo de 80 milhões de contos;

b) Empréstimo interno amortizáve?, a colocar junto das instituições financeiras ou em outras entidades e, em última instância, junto do Banco de Portugal, até perfazer o acréscimo de endividamento referido non." 1, deduzido dcs montantes dos empréstimos emitidos nos termos da alínea a) deste número e dos n.°* 3 e 4 deste artigo e ainda dos certificados de aforro.

3 — O Governo fica também autorizado, nos termos da alínea h) do artigo 364.° da Constituição, a emitir empréstimos internos a prazo de um ano, nas condições correntes do mercado, para serem colocados junto do público, de investidores institucionais e de instituições de crédito, não podendo em qualquer momento o valor nominal dos títulos em circulação representativos daqueles empréstimos exceder 60 milhões de contos.

4 — O Governo fica ainda autorizado a elevar pera 700 milhões de contos o limite máximo de bilhetes do Tesouro em circulação.

5 — As condições de emissão de empréstimos internos amortizáveis a colocar junto do público, das instituições financeiras e de outras entidades, incluindo, em última instância, o Banco de Portugal, não poderão exceder as correntes no mercado em matéria de prazo, taxa de juro e demais encargos, podendo os mesmos ser objecto de ajustamentos técnicos que se revelem aconselháveis.

6 — Atendendo à evolução da conjuntura dos mercados monetário e de capitais, c com a estrita finalidade de melhorar a gestão da dívida pública e da tesouraria do Estado, fica o Governo autorizado a proceder a substituições entre a emissão das modalidades de empréstimos internos a que se referem os números anteriores, devendo informar a Assembleia da República das alterações dos limites e dos motivos que as justifiquem.

7 — Os Governos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores poderão, mediante autorização das respectivas Assembleias Regionais, dentro da programação global do endividamento do sector público e nos termos a fixar pelo Ministro das Finanças, contrair empréstimos internos amortizáveis, a colocar junto das instituições financeiras ou em outras entidades e, em última instância, junto do Banco de Portugal, até ao limite global de 15 milhões de contos no conjunto das regiões autónomas, para financiar investimentos dos respectivos planos ou amortizar empréstimos vincendos no decurso de 1987.

Artigo 4.°

Empréstimos externos

1 — O Governo fica autorizado, nos termos da alínea h) do artigo J64.° da Constituição, através do Ministro das Finanças, com a faculdade de delegar, a contrair empréstimos externos e a realizar outras operações de crédito em praças financeiras internacionais, para fazer face ao défice do Orçamento do Estado, e a renegociar a dívida externa, até perfazer um acréscimo de endividamento directo total, no exterior, equivalente a 300 milhões de dólares americanos, em termos de fluxos líquidos.

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2 — A emissão tíos empréstimos externos referidos no número anterior abrange os empréstimos já contratados junto do Banco Europeu de Investimentos (BEI), do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), do Kreditanstalt fur Wiede-raufbau (KfW) e do Fonds de Réétablissement do Conseil de rEurope (PRCE) e, quanto ao restante, subordinar-se-á às condições gerais seguintes:

«) Serem aplicados no financiamento de investimento do Plano ou de outros empreendimentos especialmente reprodutivos;

b) Não serem contraídos em condições mais desfavoráveis do que as correntes no mercado internacional de capitais em matéria de prazo, taxa de juro e demais encargos.

3 — Fica o Governo autorizado, através do Ministros das Finanças, com a faculdade de delegar, a contrair junto do Banco Europeu de Investimentos e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento empréstimos e a realizar outras operações de crédito, até ao montante de !50 milhões ce ECU's, em cada uma das instituições e a celebrar contratos de empréstimos com entidades que venham a ser incumbidas da execução dos projectos, em ordem a pôr à sua disposição os fundos mutuados directamente ao Estado por aquelas instituições financeiras.

4 — Os empréstimos a que se refere o número anterior destinar-se-ão ao financiamento de linhas de crédito para pequenas e médias empresas, de projectos relativos a infra-estruturas de transportes, de saneamento básico e de abastecimento de água, de projectos no sector da habitação e da educação e a outras acções visando o desenvolvimento económico e social, designadamente no âmbito do Programa de Correcção Estrutural do Défice Externo e do Desemprego.

5 — Fica o Governo autorizado, através do Ministro das Finanças, com a faculdade de delegar, a celebrar com o Fonds de Réétablissement du Conseil de PEurope contratos de empréstimo, denominados numa ou várias moedas estrangeiras, até ao contravalor de 100 milhões de dólares americanos, destinados à construção de habitações sociais, acções de formação, criação de postos de trabalho e financiamento de outros projectos, designadamente de apoio a pequenas e médias empresas e a acções de apoio a emigrantes que se enquadrem nos objectivos estatutários daquele organismo.

Artigo 5.° Gestão da dívida externa

O Governo tomará medidas destinadas à melhoria da estrutura da dívida externa, tendo em vista a redução do serviço da dívida em anos futuros, ficando autorizado a proceder:

d) Ao reforço das dotações orçamentais para amortização de capital, caso tal se mostre necessário;

b) Ao pagamento antecipado, totai ou parcial, de empréstimos já contratados;

c) À contratação de novas operações destinadas a fazer face ao pagamento antecipado ou à

transferência das responsabilidades associadas a empréstimos anteriores;

d) À renegociação das condições de empréstiaies anteriores;

e) A reduzir o endividamento externo, por contrapartida de emissão de dívida intema, acrescendo aos limites estabelecidos no artigo 3.°

Artigo 6.°

Informação do Governo à Assembleia da República

0 Governo informará trimestralmente a Assembleia da República acerca do montante, condições, entidades financiadoras e utilização de todos os empréstimos contraídos ao abrigo das disposições dos artigos anteriores do presente capítulo.

Artigo 7° Garantia de empréstimos

1 — Fica o Governo autorizado a garantir, nas condições correntes nos respectivos mercados, operações financeiras internas e externas requeridas pela execução de empreendimentos de reconhecido interesse económico e social para o País.

2 — Mantém-se o limite fixado na Lei n.° 9/86, de 30 de Abril, para a concessão de avales relativos a operações financeiras internas e o limite fixado na Lei n.° 2-B/85, de 28 de Fevereiro, para a concessão de avales relativos a operações financeiras externas.

3 — A concessão dos avales do Estado competirá ao Ministro das Finanças, com a faculdade de delegar, sendo revogado o artigo 1." do Decreto-Lei n.° 159/75, de 27 de Março.

Artigo 8.°

Concessão de empréstimos e outras operações activas

1 — Fica o Governo autorizado a conceder empréstimos e a realizar outras operações de crédito activas de prazo superior a um ano até ao montante de 80 milhões de contos.

2 — As condições das operações previstas no número precedente serão aprovadas pelo Ministro das Finanças.

3 — Para aplicação em operações a realizar ao abrigo do disposto neste artigo, fica o Governo autorizado a contrair empréstimos internos a prazo superior a um ano até ao montante fixado no n." 1.

4 — O Governo informará trimestralmente a Assembleia da República da justificação e das condições das operações realizadas ao abrigo deste artigo.

CAPÍTULO III Execução e stcejações ©rçamsmíais

Artigo 9.°

Execução orçamental

O Governo tomará as medidas necessárias à rigorosa contenção das despesas públicas e ao controle da sua

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eficiência, de forma a alcançar possíveis reduções do défice orçamentai e uma melhor aplicação dos recursos públicos.

Artigo 10.° Recursos humanos

1 — A política de recursos humanos a adoptar pelo Governo em 1987 visará o aumento da eficiência e da eficácia da Administração, mediante a aplicação dos instrumentos de mobilidade e reafectacão e do reforço dos incentivos de colocação à periferia, de modo que não haja aumento global do número de efectivos da Administração Pública em 1987 e se obtenha uma rigorosa utilização dos recursos orçamentais.

2 — Um serviço que liberte pessoal para outros serviços poderá ser compensado com aumento de dotação para outras aplicações, podendo ao mesmo tempo ser congeladas as verbas de pessoal libertadas pelas saídas dos funcionários e agentes.

3 — Poderão aposentar-se com direito à pensão completa, independentemente de apresentação a junta médica, os funcionários e agentes que, qualquer que seja a sua idade, reúnam 36 anos de serviço.

4 — O pessoal constituído em excedente e integrado nos quadros de efectivos interdepartamentais — QEI —, enquanto na situação de disponibilidade, tem apenas direito a partir do 30.° dia a 90 % do vencimento correspondente à respectiva letra, bem como aos demais direitos e regalias previstos nos n.os 4 e 5 do artigo 12.° do Decretr>Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro.

'5 — O Governo estabelecerá em 1987 um regime homólogo ao da aposentação bonificada prevista na Lei n.° 9/86, de 30 de Abril, embora mais atenuado e abrangendo apenas determinadas categorias profissionais da administração central, de molde a serem considerados os efeitos decorrentes da aplicação daquela medida.

Artigo 11.°

Programas de reequipamento e de infra-estruturas das Forças Armadas

0 Governo, pelo Ministério da Defesa Nacional, continuará em 1987 a dar execução aos programas de reequipamento e de infra-estruturas em conformidade com a Lei de Programação Militar, utilizando para tanto, além das dotações inscritas no orçamento do Ministério da Defesa Nacional, os meios financeiros provenientes de acordos de defesa celebrados entre Portugal e outros países.

Artigo 12.° Execução financeira do PIDDAC

1 — Poderá o Governo introduzir no escalonamento anual dos encargos relativos a cada um dos programas incluídos no mapa vn do Orçamento do Estado as alterações que tiver por convenientes, no respeito dos créditos globais votados, nos termos do n.° 4 do artigo 12.° da Lei n° 40/83, de 13 de Dezembro, bem

como alterar os quantitativos dos programas relativos ao ano de 1987, desde que não seja alterada a classificação funcional ou que não tansitem de um ministério para outro.

2 — Fica o Governo autorizado a satisfazer até 31 de Março de 1987 os encargos relativos a projectos constantes do mapa vn do Orçamento do Estado para 3986, cuja finalização fora prevista para este ano e que, por esse motivo, não foram incluídos no mapa vn do Orçamento do Estado para 1987.

Artigo 13.°

Programas integrados, de desenvolvimento regional do âmbito do PIDDAC

í — Com vista ao funcionamento ininterrupto dos programas integrados de desenvolvimento regional do âmbito do PÍDDAC, o Governo fica autorizado a:

a) Transferir para o Orçamento de 1987 os saldos das dotações dos programas integrados de desenvolvimento regional do âmbito do PIDDAC constantes do orçamento do ano económico anterior, devendo, para o efeito, os serviços simples, com autonomia administrativa e com autonomia administrativa e financeira, processar folhas de despesas e requisições de fundos pelo montante daqueles saldos;

b) Efectuar os pagamentos correspondentes aos compromissos assumidos ao abrigo da programação do ano económico anterior, mesmo antes de efectivadas as transferências na alínea precedente.

2 — As delegações da Direcção-Geral da Contabilidade Pública deverão, simultaneamente às autorizações das folhas de despesas e requisições de fundos referidas na alínea o) do número anterior, passar guias de reposição per igual montante, a fim de as respectivas importâncias serem escrituradas no Orçamento de 1987.

3 — O Governo promoverá a inclusão no Orçamento, nos termos legais, des saldos das dotações referidas na alínea a) do n.° 1, mediante a adequada reprogramação das acções e reprogramação financeira dos programas em causa.

4 — O Governo não poderá autorizar nenhuma despesa por conta dos saldos dos programas, à excepção das despesas previstas na programação do ano económico anterior, enquanto os referidos saldos não forem integrados no Orçamento.

Artigo 14.°

Alterações orçamentais

1 — Na execução do Orçamento do Estado para 1987, o Governo é autorizado, precedendo concordância do Ministro das Finanças, a:

a) Transferir para os orçamentos das regiões autónomas as vertes correspondentes aos serviços periféricos da administração central que sejam regionalizados;

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b) Ajustar, através de firansferência, sem alteração da respectiva classificação funcional, as dotações respeitantes a subsídios às empresas públicas e aumentos de capital constantes do orçamento do Ministério das Finanças;

c) Efectuar a transferência das dotações inscritas a favor dos serviços que sejam deslocados de um ministério ou departamento para outro durante a execução orçamental, ainda que a transferência se efectue com alteração da designação do serviço, bem como as transferências de verbas de pessoal, justificadas pela mobilidade e reafectação de recursos humanos e seu racional aproveitamento ou pela antecipação da aposentação.

2 — Fica também o Governo autorizado a transferir da respectiva dotação de subsídios para pensões de reserva, inscrita no orçamento do Ministério das Finanças, os montantes necessários à inscrição, nos capítulos de despesa correspondentes, das dotações para «pensões de reserva» e «classes inactivas — despesas diversas» respeitantes à Polícia de Segurança Pública, à Guarda Nacional Republicana e à Guarda Fiscal.

3 — Ê autorizado o Governo a efectuar no orçamento da Segurança Social transferências de verbas entre as áreas de dotação para despesas correntes, com exclusão das dotações de ou para encargos com a Administração, bem como transferências para emprego e formação profissional, para o Instituto Nacional para Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores (INATEL) e para o Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (FAOJ).

4 — Se, na execução do orçamento da Segurança Social para 1987, as verbas a transferir do Fundo Social Europeu vierem a exceder a dotação inscrita naquele orçamento, fica o Governo autorizado a efectuar as correspondentes despesas até ao limite da importância global arrecadada daquele Fundo.

5 — No pressuposto do número anterior, fica o Governo autorizado a realizar despesas pelo orçamento da Segurança Social, até ao acréscimo estritamente necessário, a título de comparticipação portuguesa nos projectos apoiados pelo Fundo Social Europeu.

6 — Fica o Governo autorizado a inscrever no orçamento do Ministério da Indústria e Comércio as verbas oriundas do Orçamento Geral das Comunidades Europeias de 1987 a aplicar no apoio aos investimentos do âmbito do sistema de incentivos de base regional.

7 — ê autorizado o Ministro da Defesa Nacional a transferir da dotação inscrita no orçamento do seu Gabinete para as rubricas adequadas do Estado-Maior--General das Forças Armadas e dos ramos as verbas necessárias para fazer face às despesas de reequipa-mento e de infra-estruturas previstas na Lei de Programação Militar.

8 — No prazo de 60 dias após a publicação do Orçamento Geral das Comunidades Europeias para 1987 o Governo inscreverá em rubrica adequada do Orça mento do Estado, por declaração a publicar pela Di-

recção-Geral da Contabilidade Pública, o montante da contribuição financeira do Estado Português, líquido das restituições respectivas.

CAPITULO IV Sistema fiscal

Artigo 15.°

Cobrança de impostos

Durante o ano de 1987 o Governo é autorizado a cobrar as contribuições e impostos constantes dos códigos e demais legislação tributária, com as subsequentes modificações e diplomas complementares em vigor e ainda de acordo com as alterações previstas nos artigos seguintes.

Artigo 16." Adicionais

Fica o Governo autorizado a manter o adicional de 15 % sobre o imposto sobre as sucessões e doações relativo às transmissões operadas durante o ano de 1987.

Artigo 17.° Contribuição industrial

1 — Fica o Governo autorizado a:

a) Dar nova redacção à alínea d) do artigo 36.° do Código da Contribuição Industria), no sentido de explicitar que nos casos em que o valor dos donativos exceda os limites fixados nas alíneas anteriores será de aceitar como custo do exercício a importância que resultar da soma desses limites com 50 % do excesso;

6) Rever o regime de tributação dos rendimentos provenientes de quaisquer títulos da dívida pública, incluindo bilhetes do Tesouro, por forma a considerá-los, na totalidade, e já no exercício de 1987, abrangidos no âmbito da previsão do n." 3 do artigo 23.° do Código da Contribuição Industrial.

2 — No quadro de negociações a estabelecer com as Comunidades Europeias fica o Governo autorizado a introduzir no regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.° 197-C/86, de 18 de Julho, alterações tendentes a promover os investimentos orientados para actividades exportadoras ou para a substituição concorrencial de importações.

3 — Com vista ao fomento das exportações de serviços de consultadoria e projectos fica o Governo autorizado a estabelecer deduções na matéria colectável da contribuição industrial de rendimentos provenientes das referidas exportações.

4 — Fica o Governo autorizado a considerar como custo do exercício, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 26." do Código da Contribuição

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Industrial, importância correspondente ao dobro da verba despendida com salários gastos com novos postos de trabalho criados com carácter permanente durante os anos de 1987 e 1988, mas restringindo às regiões com especial incidência de desemprego.

Artigo 18.° Imposto de capitais

Fica o Governo autorizado a:

a) Dar nova redacção ao n.° 3 do artigo 8.° do Código do Imposto de Capitais, no sentido de clarificar que o mesmo abrange os juros, prémios de reembolso ou de amortização de obrigações emitidas por sociedades, empresas publicas ou outras entidades;

b) Revogar o n.° 8 do artigo 10." do Código do Imposto de Capitais;

c) Aditar um número ao artigo 10." do referido Código estabelecendo a isenção de imposto de capitais relativamente aos juros de obrigações de vida mínima igual ou superior a 10 anos;

d) Aditar um número ao artigo 10.° do referido Código estabelecendo a isenção de imposto de capitais relativamente aos juros de depósitos a prazo constituídos pelas instituições de crédito no Banco de Portugal;

e) Manter, relativamente aos rendimentos respei-

tantes ao ano de 1987, a suspensão da aplicação do disposto no § único do artigo 7.° e na parte final do n.D 2 do artigo 19.°, ambos do Código do Imposto de Capitais; /) Dar nova redacção ao artigo 21.° no sentido de fixar em 10 % a taxa do imposto de capitais incidente sobre os rendimentos referidcs no n.° 3 do artigo 6." do respectivo Código;

g) Dar nova redacção ao artigo 4.° da Le: n.° 21-B/77, de 9 de Abril, no sentido de a taxa de 3,3 % nele prevista ser aplicada unicamente aos juros de depósitos a prazo constituídos por emigrantes e equiparados produzidos por «conta poupança-emigrante», «conta de emigrante em moeda estrangeira» e «contas acessíveis a residentes», desde que, neste último caso, as contas tenham sido ou venusra a ser alimentadas com fluxos monetários provenientes do exterior devidamente comprovados.

Artigo 19.° imposto proftsslonsf

Fica o Governo autorizado a;

o) Incluir no âmbito da incidência do imposto profissional as importâncias, qualquer que seje a sua natureza, auferidas pelos empregados por conta de outrem no exercício da sua actividade, ainda que não atribuídas pela respectiva entidade patronal;

b) Elevar de 350 000$ para 385 000$ o liaaite da isenção prevista no artigo 5.° do mesmo Código:

c) Der nova redacção ao § l.° do artigo 10.° ¿o Código do Imposto Profissional, no sentido ds cus as despesas referidas no n.° 1 daquele artigo só serão de considerar para efeitos de apuramento da matéria colectável quando devidamente documentadas, eliminando-se, era consequência desta alteração, as deduções mínimas constantes da tabela anexa ao Código, bem como a referência feita ao n.° 1 do § l.° no n.° 4 do mesmo artigo;

c) Substituir a tabela das taxas do imposto profissional, constante do artigo 21.° do respectivo Código, pela seguinte:

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

s) Proceder à reformulação da tabela das deduções £xas a que se refere o n.° 2 e § 2.° do artigo 10.° do Código do Imposto Profissional, ~c sentido ds el-srer as percentagens aí: refe-rid£S para níveis saafs realistas e consentâneos con o combate è evasão fiscal.

Artigo 20.° imposto complementar

Pies. o Governo autorizado a:

s) fissBtar de angosto complementar, secções A

e B, durante os anos de 1987, 1988 e 1989.

cs renüiraentcs referidos no n." 5 do artigo 6."

¿o Código do Imposto de Capitais; ¿>í Sisrar pera 295 C0C3 e 500 000$ es valores

indicados, respetivamente, nas alíneas íj) s b)

do n.° 1 do artigo 1L° do Código do Imposto

Coniplercsnter; ?) Alterar o artigo 23.° do mesmo Código, no

ssr;t:do de slevar:

".) Para 2¿5 £33$ o limite máximo de 105 000$ sstBbsIecido no corpo daquele artigo;

2) Para 200000§ s 330©00$ os valores indicados, respectivamente, nas subalí-neas 1) e 2) de alinea a);

3) Para 70 C00Ç e 50 GCQg £s deduções estabelecidas na subalínea 3) da alínea a) s pera 70 000$ a prevista nas subalí-uses 4) e 5) ds xestns alinea;

4) Para 350 000$ o liraite mínfcno meneio»-naco no § 10.°;

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d) Substituir as tabelas de taxas do imposto ccira-píementar, secção A, estabelecidas no artigo 33." do respectivo Código, peles seguintes:

TABELA !

Casados e não saparases ]u¿iciarmerrte ás pessoas e bens

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

TABELA II

Não casados e casados separados fusSicraíiractte <Í6 pessoas e bens

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Artigo 21.° Imposto de mals-valias

Fica o Governo autorizado a isentar do imposto dc mais-valias durante o ano de Í987 cs ganhos provenientes dos aumentos de capitai das sociedades por incorporação de reservas, incluindo as de reavaliação e emissão de acções.

Artigo 22.° Sisa a imposto sobre as sucessões e doações

Fica o Governo autorizado a:

a) Dar nov£ redacção ao artigo 30." do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações no sentido de ser fixado em 15 o

factor de capitalização dos prédios urbanos, passando para 12 o limite da sua fixação pelo chefe da repartição de finanças e para 8 o limite do director de finanças distrital, de ser permitido ao contribuinte requerer a fixação ao chefe da repartição de finanças quando a ela não se tenha procedido e ainda determinando a obrigatoriedade de os louvados mencionarem sempre o factor de capitalização que lhes pareça adequado aos prédios avaliados;

b) Dar nova redacção à regra 19." do § 3.° do artigo 19.° do referido Código, passando a referência ao crédito, nos termos dos Decretos--Leis a.os 435/80, de 2 de Outubro, e 149/ 85, de 4 de Junho, para a legislação que estabeleça o regime de concessão de crédito para a habitação;

c) Isentar de sisa até 3! de Dezembro de 1987 as transmissões de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano destinados exclusivamente à habitação, desde que o valor sobre que o imposto incida não ultrapasse !C 000 CC0S.

Artigo 23.° Regime aduaneiro

Mo âmbito aduaneiro fica o Governo autorizado a:

a) Regulamentar as convenções de Viena relativas às relações diplomáticas e às relações consulares;

b) Alterar a Pauta dos Direitos de Importação em face das disposições decorrentes do Tra-íado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias;

c) Adaptar as Instruções Preliminares das Pautas, aprovadas pelo Decreto-Lei n.° 518/85, de 31 de Dezembro, no quadro do direito comunitário;

d) Alterar a tabela ri anexa à Reforma Aduaneira, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 46 311, de 27 de Abril de 1965, com as alterações posteriormente introduzidas;

é) Isentar do imposto interno de consumo criado pelo Decreto-Le: n.° 133/82, de 23 de Abril, os óleos minerais referidos no artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 23 801, de 27 de Abril de 1934, que se destinem exclusivamente a usos industriais, excepto come carburante, e em cuja aplicação não seja aconselhável tecnicamente O uso de desnaturantes;

f) Reformular cs diferentes regimes aduaneiros relativos ao sector automóvel e proceder às alterações julgadas mais convenientes, designadamente através da conversão do imposto sobre a venda de veículos automóveis no imposto interno, devendo, porém, a tributação resultante da sua aplicação, conjugada com a que deriva do imposto sobre o vaJor acrescentado, não exceder a carga fiscal que actualmente decorre da sujeição àqueles impostos.

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Artigo 24.°

Imposto do selo

Fica o Governo autorizado a:

o) Rever o regime de letras e livranças estabelecido no airtigo 101.° da Tabela Geral do Imposto do Selo, adaptando-o à normalização da letra, tendo em vista o seu tratamento administrativo e informático, e alterar o sistema de tributação;

b) Eliminar os seguintes artigos da Tabela Geral do Imposto do Selo, uns por terem perdido actualidade e outros por produzirem receita diminuta:

9-A — Alvarás ou autorizações de abertura de estabelecimentos de ensino particular (selo de verba);

10 —Alvarás extraídos de processos judiciais;

17 —Atestados e suas confirmações; 19 —Autorizações extrajudiciais dadas por escrito particular;

21 —Autos de posse de coisas mobi-

liárias e imobiliárias;

22 —Autos de conciliação;

39 —Cartas de sentença extraídas de

processos forenses;

40 —Cartas testemunháveis;

44 —Certidões e certificados e suas confirmações ou corroborações [alínea c) do n.° 1 — estampilha];

52 — Concessão para o estabelecimento de caminhos americanos (selo de verba);

62 — Contratos feitos com as empresas que exploram concessões ou privilégios do Estado ou dos corpos administrativos (estampilha);

66 —Declaração escrita dada pelos

conservadores e notários dos motivos da recusa de qualquer acto;

67 —Declaração para poder ser publi-

cado qualquer periódico;

70 —Declarações para casamento perante as repartições do registo civil;

170 —Vistoria em prédios destinados c estabelecimentos de ensino particular;

c) Isentar do imposto do selo o reforço ou aumento do capital social quando realizado por incorporação das reservas de reavaliação dos bens do activo imobilizado;

d) Isentar do imposto do selo as cessões de créditos emergentes de operações bancárias anteriores a 31 de Dezembro de 1986;

e) Isentar do imposto do selo previsto no artigo 94.° da Tabela sobre os montantes caucionados através de garantia bancária, nos casos de concursos para importações de cereais;

tf} Isentar do imposto do selo os contratos de empréstimos celebrados entre instituições de crédito portuguesas e instituições e empresas de países que tenham relações de cooperação com Portugal, bem como o devido pelos respectivos juros, desde que tais contratos decorram directamente de acções de cooperação do Governo Português;

g) Isentar do imposto do selo as operações de crédito a prazo igual ou superior a cinco anos, com vista a baixar o custo efectivo do crédito ao investimento, e desde que se destinem a financiar investimentos que tenham relevância para a correcção estrutural do défice externo ou do desemprego.

Artigo 25.° imposto sobre o valor acrescentado (IVA)

Fica o Governo autorizado a:

a) Incluir no artigo 9.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) a isenção para a transmissão de tapeçarias tecidas inteiramente à mão, em tear alto ou baixo liço, tiradas de maquetas ou cartões de artistas cuja manufactura seja controlada por estes, de tiragem não superior a oito exemplares, incluídos os dois do artista, devendo cada exemplar integrar na tecedura, além do respectivo número, o nome do artista e da manufactura;

b) Reformular os artigos 13.° e 15.° do CIVA, por forma a adaptar as isenções do imposto nele previstas às regras aduaneiras resultantes do direito comunitário sobre a matéria;

c) Regular o direito à isenção do IVA para as exportações efectuadas por adquirentes residentes no estrangeiro, a que se refere a alínea b) õo n.° í do artigo 14.° do CIVA, passando a excluir do direito à isenção:

í) Os produtos alimentares que não sejam bebidas e os tabacos;

i7í As obras de arte, colecção e antiguidades de valor superior a 200 000$ e as pedras preciosas não montadas;

iiF) As vendas a não residentes, quando as aquisições de bens não atinjam os montantes referidos na Directiva 69/169/ CEE e sucessivas alterações;

é) Reformular o artigo 17.° do CIVA. por forms. a definir o valor tributável dos bens importados, como o preço pago ou a pagar pelo importador, ou, na sua falta, o valor normai;

éj Conceder aos sujeitos passivos não estabelecidos em Portugal o direito à restituição do IVA aqui suportado e regulamentar o processo do reembolso, tendo em conta as directivas comunitárias sobre a matéria;

f) Retirar os vermutes da lista m anexa ao CIVA e sujeitá-los à taxa gera] de 16 %.

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Artigo 26.°

IVA — Regime especial do tabaco manufacturado e fósforos

Fica o Governo autorizado a dar neva redacção ao artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 346/85, de 23 de Agosto, no sentido de o adaptar ao novo regime de fixação de preços do tabaco manufacturado importado, quando o mesmo entrar em vigor.

Artigo 27.°

Regime fiscal dos tabacos

Fica o Governo autorizado a preceder às seguintes alterações ao regime fiscal dos tabacos:

a) Elevação até 15 % do elemento específico do imposto de consumo sobre o tabaco incidente sobre os cigarros;

b) Elevação até 53 % da taxa da componente ad valorem do imposto de consumo sobre o tabaco incidente sobre cs cigarros;

c) Introdução do imposto mínimo sobre os cigarros, conforme é definido no artigo 10.° da Directiva 72/464/CEE, e fixação do mesmo em valor até 90 % da incidência total do imposto de consumo no escalão de preço mais vendido;

d) Revisão dos regimes de taxas do imposto de consumo relativo aos cigarros, no sentido da sua harmonização com os compromissos internacionais de Portugal.

Artigo 28.°

Imposto especial sobre vefeulos ligeiros e de passageiros, motociclos, barcos de recreio e asronaves

Fica o Governo autorizado a:

a) Dar nova redacção à alínea a) do artigo 1.° da Lei n.° 34/83, de 21 de Outubro, em ordem a limitar a incidência nela prevista aos veículos automóveis ligeiros de passageiros e aos automóveis ligeiros mistos de peso bruto igual ou inferior a 2500 kg, com cilindrada superior a 1750 cm3 e a 2000 cm3, respectivamente para os veículos que utilizam como combustível a gasolina e o gasóleo, com antiguidade inferior a cinco anos;

b) isentar do referido imposto os deficientes cujo grau de invalidez seja igual ou superior a 60 %, podendo cada beneficiário fruir dessa isenção em relação a um veículo que utilize como combustível o gasóleo quando a respectiva cilindrada não ultrapasse 2500 cm3 e cuja propriedade esteja unicamente inscrita a seu favor.

Artigo 29.° imposto de compensação

Fica o Governo autorizado a:

a) Rever a incidência, taxas e benefícios fiscais do imposto de compensação;

b) Alterar a redacção do n.° 3 do artigo 5° do Regulamento do Imposto de Compensação, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 354-A/82, de 4 de Setembro, no sentido de alargar o benefício ali previsto para os deficientes com grau de invalidez igual ou superior a 60 % a veículos de cilindrada não superior a 2500 cm1.

Artigo 30.°

Imposto de circulação e de camionagem

Fica o Governo autorizado a criar um novo imposto sobre os veículos automóveis e seus reboques afectos ao transporte de mercadorias, o qual substituirá os actuais impostos de circulação e camionagem e tomará como base de referência a imputação dos encargos pela utilização das infra-estruturas, tendo em consideração o peso bruto dos veículos na sua correlação com o desgate de infra-estruturas.

Artigo 31.° Mercado de capitais

1 — Relativamente às sociedades que procederem até 31 de Dezembro de 1987 à oferta pública de acções através de emissões com subscrição pública fica. o Governo autorizado a conceder, nos três primeiros exercícios encerrados após a data da emissão, a redução de 40 % das taxas da contribuição industrial, desde que se verifiquem cs seguintes requisitos:

a) Que as acções representativas do capital social das sociedades em causa estejam cotadas no mercado oficial de qualquer das bolsas de valores na data da emissão ou, tendo requerido a admissão à cotação antes dessa data, a mesma bolsa haja reconhecido que só com a emissão pública se encontram verificadas todas as condições de admissão, devendo num e noutro caso manter-se a cotação até ao final do ano a que respeita a redução;

b) Que o número de acções que constituem a oferta pública corresponda, pelo menos, a 500 000 contos do valor nominal ou a um terço do capital social, resultante da constituição ou do aumento do capital;

c) No caso de o contribuinte estar a beneficiar ainda da redução da taxa estabelecida no artigo 1.° do Decreto-Lei n.u 172/86, de 30 de Junho, a aplicação da redução da taxa referida neste número só será aplicável ao exercício de !990.

2 — Fica o Governo autorizado a equiparar a oferta pública de venda de acções à emissão por subscrição pública parai fins de aplicação dos incentivos do número anterior, desde que efectuada na bolsa e preencha os requisitos ali enunciados.

3 — Fica o Governo autorizado a suspender desde í de Janeiro de 1987 os incentivos fiscais dirigidos à compra ou subscrição de acções, certificados de fundos de investimento e similares, de modo a ter em devida

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conta a conjuntura da procura nos mercados primários e secundários de títulos.

4 — Fica o Governo autorizado a clarificar o regime fiscal das operações de reporte de títulos, de modo a considerar incluídos na incidência da contribuição industrial os ganhos do vendedor-recomprador e na do imposto de capitais os rendimentos do comprador-revendedor, qualquer que seja a natureza dos títulos e do emitente.

Artigo 32.°

Incentivos (Iscais às sociedades de capita! de risco

Fica o Governo autorizado a completar o quadro fiscal das sociedades de capital de risco com os seguintes incentivos:

a) Consideração como custo para determinação do lucro tributável em contribuição industrial, a título de remuneração convencional do capital, do produto dos capitais próprios por uma taxa igual à taxa de desconto do Banco de Portugal, deduzida de quatro pontos percentuais;

b) Dedução ao lucro tributável em contribuição industrial dos ganhos obtidos pela venda de acções ou de quotas de sociedades nacionais, desde que tenham estado na posse da SCR por um período não inferior a quatro anos, até à concorrência da diferença entre os respectivos valores de aquisição e o produto desses valores pelos coeficientes publicados nos termos do artigo 15.° do Código do Imposto de Mais-Valias;

c) Isenção, no âmbito do artigo 15.° do Deoreto--Lei n.° 17/86, de 5 de Fevereiro, estabelecida no n.° 2 do artigo 120.°-A da Tabela Geral do imposto do Selo;

d) Isenção de quaisquer impostos incidentes sobre os rendimentos e sobre as mais-valias durante o ano da sua constituição e os sete aaos seguintes.

Artigo 33.°

Regime fiscal dos certificados de consignação

Fica o Governo autorizado a estabelecer o regime fiscal aplicável aos certificados de consignação representativos da entrega de fundos consignados, nos termos da legislação a estabelecer, de modo que os detentores daqueles certificados não sejam objecto de tratamento fiscal menos favorável do que aquele que lhes seria aplicável se fossem investidores directos.

Artigo 34.°

Benefícios fiscais relativos aos contratos da viabilizeção e acordos ds saneamento económlcc-financeiro

Fica o Governo autorizado a:

a) Prorrogar até 31 de Dezembro de 1987 o prazo fixado no artigo 4.° da Lei n.° 36/77, de £7 de luaho:

b) Alargar às empresas públicas que celebrem até 3! de Dezembro de 2987 acordes de saneamento económico-fin areeiro ao abrigo do Deere to-Lei n.° 353-C/77, de 29 de Agosto, os benefícios fiscais indicados na legislação referida na alínea anterior;

c) Estabelecer que podem ser concedidos às empresas assistidas pela PAREMPRESA, de entre os beneficies previstos r.as Leis n.M 36/77 e 39/77, ambas de !7 de Junho, os que se mostrem indispensáveis à recuperação das mesmas.

Artigo 35.°

Incentivos fiscais à cisão e transformação ds seguradoras

Fica o Governo autorizado a conceder isenção de impostos, taxas e emolumentos e sisa devidos pela cisão ou transformação de seguradoras, nomeadamente j>or extinção e concoiciíante criação de seguradoras com nar.uisnção da mesma carteira de títulos.

Artigo 36.°

3sneticios fiscais ec regime de concessão de exploração turística na serra da Estrela

Fica o Governo autorizado £ rever cs benefícios fiscais previstos na alínea a) dc n.° ! do artigo 11.° do Deere to-Lei n.° 325/7!3 de 28 de Julho, de modo a adaptá-lo às condições resultantes da revisão do contrato cs concessão, designadamente no que respeita à Exação dos períodos de isenção e aos respectivos beneficiários, em ordem a ampliar as ra>ndiçces de promoção s capt£Ç20 de investintealos para z zona de concessão.

Artigo 37.°

Benefícios fiscais aos orgenlsmos de investigação

Fica o Governo autorizado a conceder aos organismos de investigação científica isenção do imposto do selo, sisa e imposto sobre sucessões e doações nas aquisições, a título gratuito o-u. oneroso, de bens, equipamentos ou materiais que sejam inteiramente adequados b natureza da instituição beneficiária e venham s ser por esta utilizados era actividades de evidente interesse público, desde que sejam mantidos na propriedade desses erganisraes por prazo proporcionado à natureza cos bens.

Artigo 38.° Benefícios fiscais às associações juvenis

Fica o Governo autorizado s. conceder às associações juvenis registadas no Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (FAOJ) iser.ção âo irapesto do selo, sisa e imposto de suesssões e coações nas aquisições, a título gratuito ou oneroso, de ier.s, equipamentos otí materiais que sejajr. inteiramente adequados à natureza cs instituição beneSciária.

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Artigo 39.°

Imposto especial sobre o consumo de bebidas alcoólicas

Fica o Governo autorizado a:

a) Estabelecer duas taxas diferenciadas para as bebidas incluídas no âmbito de incidência do imposto especial sobre o consumo de bebidas alcoólicas criado pelo Decreto-Lei n.° 342/85, de 22 de Agosto;

6) Reportar o facto gerador do imposto no momento em que os produtos possam ser considerados acabados, nos casos de importação;

c) Alterar o regime das obrigações dos contribuintes, harmonizando-o com o que, em matéria de álcool e bebidas alcoólicas, resulta já de outras disposições legais;

d) Estabelecer penalidades para o não cumprimento das obrigações prescritas na lei sobre o imposto;

e) Alterar o regime de liquidação e pagamento do imposto previsto no artigo 8.°, por se mostrar discriminatório e incompatível com a legislação comunitária.

Artigo 40.° Encargo de mals-vallas

Fica o Governo autorizado a excluir do âmbito de incidência do encargo de mais-valias, criado pelo De-creto-Lei n.° 46 950, de 9 de Abril de 1966. a península de Tróia, integrada no Plano Director da Região de Lisboa por despacho do Ministro das Obras Públicas de 16 de Outubro de 1962.

Artigo 41.° Imposto mineiro e de águas minerais

Fica o Governo autorizado a:

a) Elevar para 2000$ por hectare ou fracção da área demarcada as taxas previstas nas alíneas a), 6) e c) do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 47 642, de 15 de Abril de 1967, aplicáveis às concessões sem actividade produtiva, independentemente de se tratar de depósitos de 1.°, 2." ou 3.a classes;

b) Isentar de imposto mineiro e de águas minerais as concessões com actividade produtiva, as concessões sem actividade produtiva mas classificadas como adequada reserva de outras em actividade, bem como as concessões na situação de lavra suspensa nos termos do Decreto n.° 27 540, de 26 de Fevereiro de 1937.

Artigo 42.°

Extinção de impostos

Fica o Governo autorizado a extinguir:

o) O imposto sobre pescas criado e cobrado ao abrigo dos seguintes normativos:

Decreto n.° 12 822, de 1 de Novembro de 1926;

Decreto n.° 26 038, de 12 de Novembro de 1935;

Decreto n.° 39 657, de 19 de Maio de 1954; Decreto n.° 41 451, de 18 de Dezembro de 1957;

Decreto n.° 45 578, de 28 de Fevereiro de 1964;

Decreto n.° 29 457, de 20 de Fevereiro de 1939;

Decreto n.° 237/70, de 25 de Maio;

b) O imposto do comércio de armamento e munições criado pelo Decreto-Lei n.° 37 313, de de 21 de Fevereiro de 1949;

c) O imposto de desenvolvimento florestal criado pelo Decreto-Lei 188/75, de 8 de Abril;

d) Os prémios por concessões petrolíferas criados pelo Decreto n.° 47 973, de 30 de Setembro de 1967, e pelo Decreto-Lei n.° 543/74, de 16 de Outubro;

e) Os adicionais criados pelo Decreto-Lei n.° 45 458, de 23 de Dezembro de 1963, e pela Lei n.° 1135, de 31 de Março de 1921;

D As taxas sobre carvões importados criadas pelo despacho ministerial de 28 de Janeiro de 1941, que passaram a constituir receita do Estado por força do artigo 3.° do Decreto--Lei n.° 36 990, de 30 de Julho de 1948. e pelo artigo 15." do Decreto n.° 30 063, de 16 de Novembro de 1939, nos valores estabelecidos pela Portaria n." 10 654;

g) Os adicionais criados pela Lei n.° 1788, de 25 de Junho de 1925, e pelo Decreto-Lei n.° 26 209, de 14 de Janeiro de 1936, incidentes sobre o imposto de capitais e as contribuições industrial e predial, respectivamente;

h) Os impostos de tonelagem e de comércio marítimo criados pelo Decreto-Lei n.° 78/70, de 3 de Março.

Artigo 43.°

Imposto sobre «boítes». bares, «nlgth clubs», cabarés e «dancings* e outros locais nocturnos congéneres

Fica o Governo autorizado a rever o imposto sobre bolles, bares, nigth clubs, cabarés e dancings e outros locais nocturnos congéneres criado pela Lei n.° 36/83, de 21 de Outubro, no sentido do seu agravamento.

Artigo 44.° Obrigações convertíveis em acções

Fica o Governo autorizado a:

a) Estabelecer a isenção do imposto de capitais e do imposto complementar relativamente aos juros de obrigações convertíveis em acções;

b) Isentar do imposto de sucessões e doações por avença as obrigações convertíveis em acções.

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Artigo 45.° Incentivos fiscais ao turismo de exportação

Com vista a promover o investimento no turismo de exportação fica o Governo autorizado a:

a) Permitir que as entidades promotoras de empreendimentos de relevante natureza turística procedam anualmente à reavaliação dos seus activos, fixos ou permutáveis, constituídos por terrenos e recursos naturais financiados por capitais próprios, por aplicação dos coeficientes de actualização publicados para fins do imposto de mais-valias, desde que:

i) Tenham sido aprovados pelas entidades competentes projectos de urbanização e construção de relevante interesse nacional ou regional a implementar nesses terrenos e vocacionados para a exportação de serviços de turismo; ii) A concretização de tais projectos se processe dentro de prazos e condições a estabelecer por diploma regulamentar;

6) Não considerar como proveitos ou ganhos do exercício, para efeitos da contribuição industrial, o montante das valorizações resultantes da reavaliação do activo permutável referido na alínea a);

c) Isentar do imposto de mais-valias os aumentos de capital social das referidas entidades realizados mediante a incorporação das reservas de reavaliação mencionadas na alínea a).

Artigo 46.°

Incentivos fiscais à cooperação e concentração de empresas

Fica o Governo autorizado a conceder:

a) Isenção da sisa relativa à transmissão de imóveis necessários à concentração ou cooperação;

b) Isenção do imposto de mais-ví.lias sobre os ganhos resultantes de concentração ou cooperação e dos aumentos de capital destinados à reorganização;

c) Redução dos prejuízos sofridos nos três últimos exercícios pelas empresas concentradas e ainda não deduzidos aos lucros tributáveis de um ou mais dos três primeiros exercícios da empresa resultante da concentração.

Artigo 47.° Regime contratual de contrapartidas fiscais

Fica o Governo autorizado a criar um regime contratual de contrapartidas fiscais para contemplar projectos de investimento que contribuam para a correcção estrutural do défice externo ou para o combate ao desemprego, desde que a dimensão e a localização do investimento justifiquem a concessão de contrapartidas fiscais.

Artigo 48.° Sociedade -holding"

No âmbito da revisão do quadro legal das sociedades de controle (holding) fica o Governo autorizado a alterar o respectivo regime fiscal de modo a promover a sua participação no reforço do tecido empresarial português, nomeadamente no sentido de não serem penalizadas a facturação de serviços, a gestão centralizada das tesourarias dos grupos e outras acções decorrentes da natureza das sociedades em causa.

Artigo 49." Seguros e fundos de pensões

1—Fica o Governo autorizado a:

a) Dar nova redacção ao artigo 35.° do Código da Contribuição Industrial, no sentido de serem consideradas realizações de utilidade social para efeito da determinação dos lucros tributáveis as contribuições das empresas a favor da generalidade dos trabalhadores para seguros de doença, para seguros que garantam pensões de reforma, invalidez ou sobrevivência e para fundos de pensões com o mesmo objectivo, desde que os trabalhadores também contribuam para os mesmos fins;

b) Alterar a regra 7.a-A do artigo 15.° do Código do Imposto Complementar, no sentido de abranger as rendas temporárias ou vitalícias garantidas por fundos de pensões a cargo de entidades legalmente autorizadas a proceder ao seu pagamento;

c) Elevar para 150 000$ o limite da dedução estabelecida na alínea b) do artigo 30.° do Código do Imposto Complementar, incluindo no âmbito dessa dedução os prémios dos seguros de doença e contribuições para fundos de pensões e outras formas de previdência;

d) Alterar o artigo 13.° da Tabela Geral do Imposto do Selo, por forma a isentar do imposto os prémios de seguros de vida;

é) Dar nova redacção ao n.° 3 do artigo 21.° do Decreto n.° 17 555, de 5 de Novembro de 1929, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 156/83, de 14 de Abril, de modo a excluir os prémios do ramo «Vida»; /) Dar nova redacção à alínea a) do n.° 1 do artigo 29.° do Decreto-Lei n.ü 234/81, de 3 de Agosto, de forma a incluir apenas no ramo «Vida» os prémios respeitantes ao risco de morte;

g) Criar uma taxa, que não deverá exceder 0,1 %, sobre as contribuições efectuadas pelos associados e pelos participantes para os fundos de pensões, a pagar pelas entidades gestoras desses fundos ao Instituto de Seguros de Portugal, como organismo coordenador dos referidos fundos.

2 — As importâncias despendidas pelas empresas nos termos da alínea d) do número anterior serão, nos anos de 1987 e 1988, consideradas custo do exercício pelo equivalente a essas importâncias, corrigidas por um factor que não poderá ser superior a dois.

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Artigo 50." Coritas poupança-reformados

1 — Fica o Governo autorizado a conceder isenção do imposto sobre as sucessões e doações às transmissões por morte, a favor do cônjuge sobrevivo e dos filhos, dos depósitos constituídos ao abrigo do Decreto--Lei n.° 136/86, de 14 de Junho (contas «poupança--reformados»), até ao limite de 1500 contos.

2 — Fica o Governo autorizado a alterar a redacção do Decreto-Lei n.° 136/86, de 14 de Junho, no sentido de permitir que seja concedida isenção do imposto de capitais a contas «poupança-reformados» abertas sob a forma de conta conjunta, desde que os titulares sejam cônjuges ou parentes no 1.° grau. até ao limite de 1500 contos.

Artigo 51.° Profissionais de desporto de alta competição

1 — Fica o Governo autorizado a estabelecer um regime fiscal adequado à tributação dos rendimentos auferidos por profissionais do desporto, desde que tal actividade, pela sua natureza, seja exercida profissionalmente durante um tempo relativamente curto, quando comparado com a vida activa total de qualquer trabalhador.

2 — Na definição do regime fiscal a que alude o número anterior procurar-se-á estimular uma elevada formação de poupança durante o tempo de exercício da profissão e a sua canalização para seguros, fundos de pensões e outras formas de previdência.

Artigo 52.° Instituições particulares de solidariedade social

Fica o Governo autorizado a aditar uma alínea ao artigo 2° do Decreto-Lei n.° 9/85, de 9 de Janeiro, estabelecendo a isenção de imposto complementar para as instituições particulares de solidariedade social nas condições previstas no § único do artigo 85.° do Código do Imposto Complementar.

Artigo 53.°

Medidas unilaterais para evitar a dupla tributação

Fica o Governo autorizado, até que sejam celebradas convenções para evitar a dupla tributação, a estabelecer medidas unilaterais com esta finalidade relativamente aos rendimentos auferidos por cooperantes e por sociedades com sede ou direcção efectiva em Portugal e provenientes de países que foram colónias portuguesas.

Artigo 54.°

Situações especiais decorrentes da descolonização

Fica o Governo autorizado a prorrogar a aplicação do regime estabelecido pelo artigo único da Lei n.° 7/78, de 22 de Fevereiro, aos rendimentos aí contemplados e recebidos até 31 de Dezembro de 1987.

Artigo 55.° Infracções tributárias

Fica o Governo autorizado a:

a) Definir tipos legais de crimes fiscais, respectivas penas e normas processuais aplicáveis;

b) Definir ilícitos de mera ordenação social de carácter fiscal e respectivas normas processuais;

c) Proceder à revisão do processo tributário, har-monizando-o com o direito tributário material e os princípios fundamentais da Constituição.

Artigo 56.° Tributação dos cargos públicos

1 — Fica o Governo autorizado a:

a) Adoptar as medidas adequadas com vista a que, com a necessária flexibilidade, como o exige a diversidade das situações em presença, se assegure a partir de 1 de Janeiro de 1987 a tributação das remunerações dos funcionários e agentes da Administração Pública, magistrados de qualquer tribunal, magistrados do Ministério Público, elementos das forças militares e de segurança e titulares de cargos políticos;

b) Incorporar nas remunerações ilíquidas as compensações necessárias para que a tributação das remunerações referidas na alínea anterior tenha, para os interessados, efeitos neutros em termos de remunerações líquidas em 1987, a nível individual e para cada cargo exercido.

2 — São abrangidos pelo disposto no número anterior os funcionários dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou fundos públicos e quaisquer outros funcionários que, pela natureza das funções e dos respectivos organismos, sejam equiparáveis.

3 — O Governo promoverá, do mesmo modo e com a necessária flexibilidade, a tributação dos servidores das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e dos docentes das escolas particulares e cooperativas.

Artigo 57." Imposto sobre produtos petrolíferos

1 — Os valores unitários do ISP, criados pelo artigo 41.° da Lei n.° 9/86, de 30 de Abril, são variáveis e correspondem à diferença entre o preço de venda ao público e o respectivo custo.

2 — Para efeitos da aplicação do número anterior entende-se por custo de cada produto a soma dos seguintes componentes, estabelecidos nos termos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 38/84, de 2 de Fevereiro, acrescidos do imposto interno de consumo, do imposto sobre o valor acrescentado e dos direitos de importação:

a) Valor aduaneiro de importação à saída das refinarias nacionais ou dos locais a tanto equiparados;

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b) Valor da compensação pela obrigatoriedade de assegurar reservas de produto em território nacional;

c) Valor correspondente ao custo financeiro-cam-bial e à taxa de utilização do porto de Sines associado ao aprovisionamento de matérias--primas e produtos;

d) Margem de comercialização.

3 — Os valores unitários do ISP sobre os produtos abaixo mencionados serão fixados para vigorar a partir da data de entrada em vigor desta lei, em níveis compreendidos nos intervalos constantes do quadro seguinte, por forma que os preços de venda ao público dos produtos tributados possa corresponder a valores inteiros em escudos:

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(a) Sem limite mínimo.

4 — Após a fixação dos seus níveis iniciais, nos termos do disposto nos números anteriores, as taxas do ISP podem variar, de acordo com as seguintes regras:

a) Podem exceder os limites referidos no n.° 3 por força de variações nos respectivos custos;

b) Podem vir abaixo dos limites referidos no n.° 3 por força de variações nos respectivos custos, mas se a descida ultrapassar num período de quatro meses 15 % dos mesmos limites o Governo procederá aos ajustamentos necessários nos preços de venda ao público para que as taxas do ISP regressem aos limites fixados no n.° 3.

5 — O Governo deve transmitir quadrimestralmente à Assembleia da República os resultados da aplicação do ISP.

Artigo 58.° Imposto extraordinário sobre lucros

No quadro da redução gradual da carga tributária, em particular da que tem carácter extraordinário, fica

o Governo autorizado a manter, mas com taxa reduzida a metade, relativamente aos rendimentos colectáveis respeitantes ao ano de 1986 o imposto extraordinário criado pelo artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 119-A/ 83, de 28 de Fevereiro, e regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.° 66/83, de 13 de Julho, efectuando nesses diplomas as necessárias actualizações.

Artigo 59.°

Medidas tributárias aplicáveis a trabalhadores na situação de retribuições em atraso

Fica o Governo autorizado a determinar a suspensão dos processos de execução fiscal em que os executados sejam trabalhadores com retribuições em atraso, definindo as condições a observar para o efeito.

CAPÍTULO IV Finanças locais

Artigo 60.° Fundo de Equilibrio Financeiro

1 — O montante global do Fundo de Equilíbrio Financeiro é fixado em 89,5 milhões de contos para o ano de 1987.

2 — As transferências financeiras a que se refere o n.° 1 deste artigo são repartidas entre correntes e de capital, na proporção de 60 % e 40 %, respectivamente.

Artigo 61.° Distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro

0 montantes global a atribuir a cada município no ano de 1987 é o que consta do mapa vi anexo.

Arrigo 62." Auxílios financeiros às autarquias locais

No ano de 1987 será afectada uma verba de 310 000 contos destinada à concessão de auxílio financeiro às autarquias locais, nos termos do n.° 2 do artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 98/84, de 29 de Março.

Artigo 63.° Finanças distritais

1 — Será inscrita no orçamento do Ministério do Plano e da Administração do Território a importância de 350 000 contos, destinados ao financiamento das assembleias distritais, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.° 288/85, alterado, por ratificação, pela Lei n.° 14/86, de 30 de Maio.

2 — No ano de 1987 será de 15 % a percentagem das receilas arrecadadas pelos cofres privativos dos governos civis que constitui a receita do Estado, percentagem que será entregue mensalmente nos cofres do Estado até ao dia 10 de cada mês seguinte àquele a que respeita e destinada a financiar os encargos referidos no número anterior.

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Artigo 64.° Juntas de freguesia

No ano de 1987 o Governo comparticipará o financiamento da construção de sedes de juntas de freguesia, até ao montante de 300 000 contos, que possibilite a satisfação dos compromissos assumidos.

Artigo 65.° Imposto para o serviço de incêndios

1 —Durante o ano de 1987 o imposto para o serviço de incêndios será cobrado nos termos dos §§ 1.° e 5.° do artigo 708.° do Código Administrativo, sem prejuízo do disposto na Lei n.° 10/79, de 2 de Março.

2 — O imposto a que se refere o § 1.° do referido . artigo continuará a ser liquidado e cobrado pelos municípios.

3 — As percentagens referidas no § 5." do referido artigo serão transferidas para os municípios que a elas têm direito até ao dia 30 de Junho, de acordo com a importância cobrada em cada concelho.

Artigo 66.° Sisa

No ano de 1987 a sisa constitui, na sua totalidade, receita municipal, sendo o produto da cobrança realizado em cada mês, referente à liquidação daquele ano, entregue à respectiva câmara municipal até ao dia 15 do mês seguinte, retendo 5 % para compensar os custos da liquidação cobrada.

Artigo 67.° Novas competências

1 — Na sequência do princípio da descentralização, e em colaboração com os municípios e a sua associa-

ção representativa, serão desenvolvidas acções conducentes à transferência de responsabilidade para os municípios nos domínios da conservação de equipamentos escolares e da rede viária.

2 — Na execução do número anterior deverá ter-se em conta o significativo acréscimo de receitas que representa para os municípios o presente Orçamento.

CAPÍTULO VI Disposições finais

Artigo 68.°

Modernização dos caminhos de ferro portugueses

1 — O Governo promoverá a modernização dos caminhos de ferro portugueses mediante um esforço de investimento a realizar já em 1987 e a prolongar-se por vários anos, envolvendo dotações do Orçamento do Estado e outras fontes de financiamento, designadamente comunitárias.

2 — Para fins do referido no número anterior, é inscrita no Orçamento do Estado para 1987 uma dotação especial com uma verba de 8 milhões de contos.

Artigo 69."

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 1987.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 14 de Outubro de 1986. — Aníbal António Cavaco Silva — Joaquim Fernando Nogueira — Miguel José Ribeiro Cadilhe.

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MAPA i Receitas do Estado

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ANEXO AO MAPA I

Receita global dos fundos e serviços autônomos

(Em conto»)

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MAPA II

Despesas por departamentos do Estado e capítulos

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MAPA ¡1!

Despesas por grandes agrupamentos económicos

[Alinea a) do artigo 1."]

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mai'a iv

Classificação funcional das despesas públicas (Alínea w) do artigo I.*]

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ma ha v

Orçamento da Segurança Social para 1987

[Alínea 6) do artigo 1.*]

Continente e regiões autónomas

Receitas

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MAPA VI Finanças locais Verbas a djstrtbulr nos termos do artlgo 61.*

(Ero contas)

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Programas e projectos plurianuais

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