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II SÉRIE — NÚMERO 71
Por outro lado, o quadro de atribuições da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias foi fixado pelo respectivo Regimento {Diário da Assembleia da República, 2' série, n.9 34, de 22 de Fevereiro de 1986). O artigo 3." desse Regimento prevê duas ordens de atribuições: a) interpretação ou aplicação de preceitos constitucionais; b) todos os assuntos respeitantes aos direitos e deveres fundamentais consignados na Constituição e na lei.
Assim sendo, os poderes de apreciação desta Comissão devem abranger quer as questões de legal idade administrativa cm sentido estrito, quer as atinentes à «legalidade constitucional».
Contudo, tais poderes de apreciação estão limitados por um elemento de carácter formal: nos termos do n.° 2 do artigo 3.9 do Regimento da Comissão, esta deve circunscrever a competência eventualmente concorrente com as outras comissões parlamentares «às questões de constitucionalidade c da salvaguarda dos direitos fundamentais».
Quer isto dizer, cm nossa opinião, que as questões de legalidadeadministrativa deverão ser apreciadas numa óptica específica de carácter jurídico-conslitucional.
1.3 — A terceira e última questão prévia referida no ponto introdutório deste parecer diz respeito à questão de saber se existirá alguma relação de dependência entre o exercício de um direito ou garantia política —como é notoriamente o direito de petição— e o exercício de garantias jurisdicionais e ou administrativas ordinárias, abertas a todos os cidadãos para defesa dos seus direitos.
À primeira vista parece dever concluir-sc pela ausência de tal relação de dependência, visto se tratar de meios de garantia revestindo natureza diferente: aqueles de natureza política, estes de natureza jurídica.
Para igual conclusão parecem inclinar-sc alguns autores (como v. g. Gomes Canoiilho c Vital Moreira, Constituição Anotada, 2? ed., Coimbra 1984, pp. 286 e 287) ao defenderem que uma relação de dependência hierárquica existente entre a entidade peticionada c a peticionante não poderá servir como limitação ao exercício de direito de petição cm matéria conexa com a função, mesmo que esse exercício ultrapasse uma tal relação hierárquica.
Temos, porém, algumas dúvidas quanto ao acolhimento incondicional desta tese. Quererá isto dizer que um tal entendimento abrangerá o direito de petição em sentido amplo, incluindo não só a petição cm sentido estrito como também a representação, a reclamação e, até, a queixa? E no caso de tal relação hierárquica se estabelecer entre os peticionantes e um titular do órgão peticionado? Neste caso, será também de acolher lai entendimento?
Em nosso entender a resposta a este tipo de questões dependerá essencialmente do exercício dc poderes discricionários na apreciação e qualificação da petição por parte do órgão a que esta foi endereçada. Cremos, por isso, exorbitar do âmbito deste parecer uma tal apreciação. Limilar-nos-emos assim a analisar no ponto seguinte a fundamentação jurídica constante da petição na óptica da determinação dc eventuais violações de direitos fundamentais dos trabalhadores da Assembleia da República, explícita ou implicitamente alegadas pelos peticionantes.
2 — Especificação dos factos juridicamente relevantes
2.1—Remuneração suplementar. — O ponto II, alínea a), da petição diz respeito a uma alegada tentativa dc alteração unilateral, por forma ilegal, do regime da remuneração suplementar em v igor (revestindo esta natureza negocial), por parte do Presidente da Assembleia da República.
Cumpre, pois, verificar sc, em presença dos elementos documentais disponíveis, tais factos deverão ser considerados provados.
Pode concluir-se com objectividade:
a) A intenção do Presidente da Assembleia da República em proceder à alteração das condições dc atribuição da rem uneração suplementar (resposta do Presidente da Assembleia da República à petição, p. 8);
b) A ausência de quaisquer indícios factuais de ilegalidade no processo de apresentação da proposta do despacho (resposta citada, documento n.9 2, p. 1) e na realização de diligências para a respectiva adopção definitiva (documento n.9 2, p. 1, citado, e documentos n.os 8, 8-A, 8-B e 9 da resposia citada)..
A fundamentação jurídica dos peticionantes no que concerne à ordem dos factos atrás referidos levanta, pelo menos, dois tipos de questões de natureza jurídico-conslitucional: a) exercício do direito de negociação colectiva dos trabalhadores da Administração Pública; b) atribuições c competências do Presidente da Assembleia da República nesta matéria.
No que respeita ao exercício do direito de negociação colectiva por parte dos trabalhadores da Administração Pública em geral, este encontra-se constitucionalmente consagrado, pelo menos, desde a revisão constitucional dc 1982, visto que esta, introduzindo um novo artigo 270.9, no qual expressamente se encontram previstas restrições dc carácter excepcional aos direitos dc alguns trabalhadores da função pública — concretamente os militares e agentes militarizados —deixa claramente transparecer a aplicabilidade dos direitos fundamentais previstos na Constituição aos restantes trabalhadores da Administração Pública.
Tal entendimento foi aliás reforçado pela nova formulação do n.° 1 do artigo 270.9 — actual 269.9 — decorrente da revisão constitucional, onde foi substituída a expressão «Funcionários e agentes do Estado» por «Trabalhadores da Administração Pública». Com esta alteração dc redacção retirou-sc peso ao argumento literal que poderia resultar do texto anterior justificando eventuais restrições legais dc direitos aos trabalhadores da função pública.
Contudo, embora estes trabalhadores da função pública possam beneficiar dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores cm geral previstos na Constituição (título u. capítulo m, artigos 53.9 a 5S.9), a circunstância de estarem exclusivamente ao serviço do interesse público (n.° 1 do artigo 269.9) sempre lhes conferirá um estatuto legal diferente específico, adequado ao exercício das respectivas funções.
Neste sentido, foi regulamentado pela lei ordinária o exercício dc tal direito através dc Dccrclo-Lci n.9 45-A/84, dc 3 dc Fevereiro.
Pode assim dizer-se que aos funcionários e demais trabalhadores da Assembleia da República é aplicável tal regime, com as especificidades constantes da respectiva Lei Orgânica, máxime, no respectivo artigo 21."
Cabe, por último, traçar o quadro de atribuições e competências do Presidente da Assembleia da República nesta matéria.
Neste particular, a primeira dif euldade que se constata na caracterização das funções do Presidente da Assembleia da República reside no facto dc a CRP sc apresentar omissa no respeitante ao estatuto daquele titular do órgão dc soberania Assembleia da República. Cornudo, da conjugação dos
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