O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1007

Sábado, 27 de Fevereiro de 1988

II Série — Número 51

DIÁRIO

da Assembleia da República

V LEGISLATURA

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

SUMÁRIO

Decreto n.° 41/V:

Autorização ao Governo para legislar sobre a produção de energia eléctrica por pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas.................. 1008

Proposta de lei n.° 13/V (autoriza o Governo a aprovar as penas a aplicar pelo recurso ao trabalho de menores com idade inferior á determinada na lei para o acesso ao emprego):

Relatório e parecer da Comissão de Juventude sobre

a proposta de lei e o projecto de lei n.° 158/V 1008

Proposta de aditamento apresentada pelo PS..... 1009

Projectos de lei (n.™ 41/V, 64/V, 90/V, 158/V, 175/V e 196/V):

N.os 41/V, 64/V e 90/V (baldios, estatuto dos baldios e sobre baldios):

Relatório da Comissão de Agricultura e Pescas 1009

N.° 158/V (combate à exploração do trabalho infantil):

V. proposta de lei n.° 13/V.

N.° 175/V (Estatuto do Provedor de Justiça):

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias 1010

N.° 196/V — Criação da freguesia de Ilha, no concelho de Pombal (apresentado pelo PSD)........ 1015

Perguntas ao Governo:

Formuladas, nos termos dos artigos 232." e seguintes do Regimento, pelo PSD, PS, PCP, PRD, CDS, Os Verdes e ID................................ 1015

Página 1008

1008

II SÉRIE — NÚMERO 51

DECRETO N.° 41/V

AUTORIZAÇÃO AO GOVERNO PARA LEGISLAR SOBRE A PRODUÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA POR PESSOAS SINGULARES OU COLECTIVAS, PÚBLICAS OU PRIVADAS.

A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.°, alínea e), 168.°, n.° 1, alíneas e), j), r) e x), e 169.°, n.° 2, da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.° Fica o Governo autorizado a legislar:

a) Com o objectivo de possibilitar que a actividade de produção de energia eléctrica possa ser exercida por pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, independentemente da forma jurídica que assumam, desde que o respectivo estabelecimento industrial de produção de energia, no seu conjunto, não ultrapasse a potência instalada aparente de 10 000 kVA e sejam utilizados recursos renováveis, combustíveis nacionais, resíduos industriais, agrícolas ou urbanos, ou se trate de instalações de co--geração, estas últimas sem limite de potência e desde que sejam parte integrante de instalações cuja actividade principal não seja a produção de energia eléctrica;

b) No sentido de alterar a Lei n.° 46/77, de 8 de Julho, e os diplomas que a modificaram, de forma a todos adaptar aos objectivos enunciados na alínea a);

c) No sentido de criar regimes especiais de expropriação por utilidade pública e de utilização de bens do domínio público que sejam adequados aos objectivos enunciados na alínea o), sem pôr em causa os direitos das autarquias e de outras entidades públicas;

d) No sentido de proceder à revisão da legislação sobre atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos por forma a explicitamente admitir a participação dos municípios no capital de sociedades produtoras de energia eléctrica no âmbito da alínea a), por deliberação dos órgãos atrás referidos.

Art. 2.° O Governo utilizará por uma só vez a autorização concedida pelo artigo 1.° através de decreto-lei que concretize o objectivo aí definido e desenvolva o regime jurídico no sentido de alcançar um quadro total e imediatamente aplicável.

Art. 3.° A presente autorização legislativa tem a duração de três meses contados a partir da data da sua entrada em vigor.

Aprovado em 18 de Fevereiro de 1988.

O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereira Crespo.

Relatório e parecer da Comissão de Juventude sobre a proposta de lei n.° 13/V (autoriza o Governo a aprovar as penas a aplicar pelo recurso ao trabalho de menores com Idade inferior à determinada na lei para o acesso ao

emprego) e o projecto de lei n.° 158/V, do Grupo Parlamentar do PCP (combate à exploração do trabalho infantil).

I

Proposta de lei n.° 13/V

1 — O Governo, nos termos constitucionais e regimentais, apresentou à Assembleia da República um pedido de autorização legislativa, sob a forma de proposta de lei, com vista a «aprovar as penas a aplicar pelo recurso ao trabalho de menores com idade inferior à determinada na lei para o acesso ao emprego».

2 — A idade mínima para o acesso ao emprego é de 14 anos, nos termos do artigo 123.° do Decreto-Lei n.° 49 408, de 24 de Novembro de 1969, sendo um dos requisitos para a prestação de trabalho subordinado considerado como limitação à regra geral da capacidade genérica de gozo dos indivíduos. Apesar disso, o Governo reconhece no texto da proposta que se verifica «a fouteza com que alguns empresários e outras entidades patronais têm recorrido ao trabalho de menores de 14 anos», sendo «a dimensão desta problemática significativa».

3 — O segundo requisito, decorrente do artigo 123.° do citado decreto-lei, é o da habilitação mínima.

O Governo reconhece, nos termos do texto da proposta, que existe «um hiato ocupacional na vida de muitos jovens que concluíram a sua escolaridade obrigatória, mas a quem a lei não faculta o acesso ao emprego; porventura aí residirá, juntamente com as carências económicas de muitas famílias, a causa imediata do fenómeno que é urgente expurgar».

4 — Considera-se, no entanto, que «a revisão articulada e compreensiva de toda a problemática do trabalho de menores» não aparece para já com oportunidade, por correr ainda o processo evolutivo das estruturas do ensino básico.

5 — Assim, o Governo considera a urgência do desencadear de «outro tipo de medidas no sentido da repressão decidida e eficaz da chaga do trabalho infantil».

Nesta medida, propõe-se agravar as penas de multa para as entidades patronais que transgridam o disposto no artigo 123.°, n.° 1, do regime jurídico do contrato individual de trabalho.

II

Projecto de lei n.° 1158A/

1 — O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, nos termos constitucionais e regimentais, apresentou à Assembleia da República o projecto de lei n.° 158/V, genericamente denominado «Combate à exploração do trabalho infantil».

2 — 0 PCP considera que, na perspectiva de se manterem «condições favoráveis ao desenvolvimento da exploração de crianças», é inevitável a retoma do seu projecto de lei n.° 397/IV, que visava o combate à exploração do trabalho infantil.

3 — Considera o PCP que o trabalho das crianças é causa e consequência do agravamento da situação de pobreza e que tem graves consequências, do ponto de vista físico e psíquico, para as próprias crianças, bem como do «ponto de vista do seu futuro e da sua formação».

Página 1009

27 DE FEVEREIRO DE 1988

1009

4 — Recorda ainda no preâmbulo do projecto de lei a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, a resolução da ONU de 1979, a Convenção n.° 138 da OIT e o artigo 69.° da Constituição Portuguesa, para concluir que «urge tomar medidas» que impeçam o progressivo afastamento dos princípios aí estabelecidos.

5 — O PCP propõe no seu projecto uma urgente e «ampla campanha de informação sobre os perigos futuros a que estão sujeitas as crianças que já vendem a força do trabalho», a criação da Comissão Nacional para a Abolição do Trabalho Infantil (CNATI), bem como a criação de comissões regionais nas zonas de maior incidência do fenómeno, estabelece incentivos ao cumprimento da escolaridade obrigatória, regula a reparação de lesões sofridas por crianças no trabalho, estabelece a obrigatoriedade da criação de cursos de formação profissional para as crianças que não possam completar a escolaridade obrigatória, em razão de terem já sido «vítimas da exploração do seu trabalho».

III Parecer

Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, ambos os projectos baixaram a esta Comissão, que, em face da análise que fez dos mesmos, é de parecer que ambos reúnem condições para subir a Plenário para apreciação na generalidade, sem prejuízo de cada partido reservar para a discussão em Plenário a sua posição final sobre a matéria.

Palácio de São Bento, 24 de Fevereiro de 1988. — O Presidente da Comissão, Carlos Miguel Coelho. — Relator, Herculano Pombo.

Nota. — Este parecer foi aprovado por unanimidade.

PROPOSTA DE LEI N.° 13/V

AUTORIZA 0 GOVERNO A APROVAR AS PENAS A APLICAR PELO RECURSO AO TRABALHO DE MENORES COM IDADE INFERIOR A DETERMINADA NA LEI PARA 0 ACESSO AO EMPREGO.

Proposta de aditamento de um novo artigo

Art. 2.° Fica o Governo autorizado a aprovar o diploma que estabeleça as condições para que se possam conseguir as seguintes acções:

1) Atribuição de meios às escolas que permitam uma interligação dos professores com outras entidades, nomeadamente autarquias, assistência social e inspecção do trabalho;

2) Estímulo às escolas para que haja um ou mais professores encarregados de fazer o acompanhamento do percurso escola-família-comuni-dade dos alunos que não compareçam às aulas;

3) Criação de competências para que estes professores possam ir além da simples constatação e que possam ter uma intervenção de facto e de direito;

4) Criação de incentivos à frequência da escolaridade obrigatória, nomeadamente centros de interesse e ocupação na escola, como o desporto, técnicas de trabalho, senhas para refeições (nas cantinas ou noutros refeitórios), senhas para aquisição de livros e outro material;

5) Garantia de um período anual de quinze dias de férias em instituições do INATEL ou similares.

Assembleia da República, 26 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados do PS: António Braga — José Castel Branco — José Apolinário — Figueira dos Reis.

Relatório da Comissão de Agricultura e Pescas sobre os projectos de lei n.os 41 D/, do Grupo Parlamentar do PS (baldios), n.° 64/V, do Grupo Parlamentar do CDS (estatuto dos baldios), e 90/V, do Grupo Parlamentar do PSD (sobre baldios).

O grupo de trabalho examinou os projectos de lei em epígrafe, n.os 41/V, do PS, 64/V, do CDS, e 90/V, do PSD, verificando-se que todos eles têm como pressuposto que o regime instituído pelos Decretos-Leis n os 39/75 e 40/76 não responde, pelo menos hoje, às exigências de um adequado aproveitamente dos baldios.

Examinando os princípios fundamentais consagrados em cada um dos projectos, conclui-se que todos eles são concordes em considerar os baldios não só como terrenos de uso e fruição comunitários — artigo 1.° de todos os diplomas —, mas ainda como bens excluídos de todo o comércio jurídico, admitindo, embora, excepções a esta regra — cf. artigo 1.°, n.° 2, do projecto de lei n.° 41/V, artigo 5.° do projecto de lei n.° 64/V e artigo 1.°, n.° 2, do projecto de lei n.° 90/V.

O regime das excepções é, porém, diverso em cada um dos projectos, impondo-se a este respeito contrapor os projectos do PSD e do PS, de um lado, ao projecto do CDS, de outro.

Com efeito, todos os projectos admitem a alienação de baldios para fins de interesse público ou social, atinentes à instalação de equipamentos sociais e ao fomento turístico, industrial ou habitacional.

Mas se todos os projectos convergem, assim, quanto aos fins da alienação, divergem, no entanto, quanto à forma e à natureza da mesma, pois nos projectos do PS e do PSD aquela só pode verificar-se mediante expropriação por utilidade pública pelo Estado, aprovada em Conselho de Ministros, o que implica, por lei, o pagamento da justa indemnização ao expropriado — cf. artigo 9.°, n.° 1, e artigo 8.° dos projectos de lei n.os 41/V e 90/V, respectivamente.

Ao invés, no projecto do CDS a alienação dos baldios para os assinalados fins ocorrerá a título gratuito a favor do Estado ou das autarquias locais, sem necessidade de qualquer expropriação, e dispensando-se mesmo a formalidade da escritura pública quando a transmissão se operar a favor destas últimas — cf. artigo 6.° do projecto de lei n.° 64/V.

Acresce ainda que, no projecto do CDS, e ao contrário do que acontece com os restantes, é também admitida a alienação de terrenos baldios, quando confinantes com lugares ou outros aglomerados populacionais, desde que se destinem à construção de habitações ou de qualquer edifício de interesse social — cf. artigo 6.°, n.° 1.

O condicionalismo da expropriação por utilidade pública, imposto nos projectos do PSD e do PS, é mais apertado neste último, já que o fim industrial só releva

Página 1010

1010

II SÉRIE — NÚMERO 51

se se tratar da instalação de pequenas indústrias, ligadas ao aproveitamento de recursos locais, e, quanto ao fim habitacional, a habitação terá de ser permanente e destinada a compartes ou utentes do baldio — cf. artigo 9.°, n.° 1.

Note-se ainda nesta matéria que as causas justificativas da expropriação por utilidade pública podem também no projecto do PS fundamentar o arrendamento compulsivo, que os demais projectos não contemplam— cf. artigo 9.°, n.° 1. Mas, em contrapartida, o projecto do PSD consagra a figura da destinação do baldio não usado e fruído comunitariamente a fins de carácter marcadamente social e de manifesto interesse para a população da freguesia, destinação essa que não acarretará a transferência do domínio de baldio — cf. artigo 6.° e seu n.° 4 do projecto de lei n.° 9/V.

É, no entanto, quanto à gestão ou administração dos baldios que surge a divergência mais radical entre o projecto do PS, por um lado, e os restantes projectos, por outro.

Os projectos do PSD e do CDS são concordes em atribuir originariamente essa administração às juntas de freguesia e assembleias de freguesia, revogando, assim, o regime estatuído pelo Decreto-Lei n.° 39/76, que confere tal poder às assembleias de compartes e conselhos directivos.

Pelo contrário, o projecto do PS defere aquela administração aos conselhos directivos, eleitos em assembleias de compartes, ou à entidade que pelo antigo costume venha administrando o baldio.

Vê-se, assim, que o projecto do PS só admite a administração originária do baldio pela junta de freguesia se ela corresponder ao antigo costume.

Mas os três projectos confluem de algum modo ao instituírem todos a faculdade de delegação da administração; só que, de acordo com as posições de princípio neles assumidas, os lugars de entidade delegante e delegada se encontram, obviamente, invertidos. Com efeito, o poder de delegação nos projectos do PSD e do CDS pertence sempre às assembleias de freguesia, mas de uma forma mais restrita no último daqueles diplomas.

Com efeito, enquanto no projecto do PSD a gestão pode ser delegada em utentes do baldio, no do CDS essa delegação só é possível se a gestão passar a ser exercida por organizações que o costume fixou.

Ao contrário, no projecto do PS, o poder de delegação pertence, naturalmente, às assembleias de compartes, aparecendo a junta de freguesia ou o Estado como destinatários dessa delegação.

Mas o projecto do PS consagra ainda uma terceira via para a gestão dos baldios, pela junta de freguesia, que é a contemplada no seu artigo 9.°, n.° 4.

Na verdade, os baldios cuja administração não seja reivindicada pelos utentes ou compartes no prazo de um ano a contar da data da entrega dos respectivos projectos de utilização, a que se refere o capítulo ih, serão administrados pelas juntas de freguesia.

Inscreve-se ainda em todos os projectos a possibilidade de submissão ao regime florestal dos baldios constituídos por terrenos com capacidade de uso predominantemente não agrícola — artigo 4.° do projecto de lei n.° 41/V, artigo 7.° do projecto de lei n.° 64/V e artigo 5.° do projecto de lei n.° 90/V —, sem que isso afecte a sua natureza e dominialidade.

Consagra-se também no projecto do PS a possibilidade de co-gestão entre os conselhos directivos e as juntas de freguesia ou do Estado — cf. artigos 3.°, n.° 2, alínea b), e 4.°

Todos os projectos declaram ainda a nulidade dos actos de alienação de baldios, fora dos casos em que a admitem, com algumas diferenças no regime da respectiva arguição, que aqui não importa desenvolver, mas só assinalar.

O diploma do PS cria ainda a figura dos «projectos de utilização», preparados por «comissões regionais para os baldios», com a participação dos compartes ou dos utentes ou das entidades que os representem ou substituam, e que comportarão a definição dos objectivos de carácter sócio-económico e ambiental, de níveis regional e nacional, a salvaguardar.

As despesas dos investimentos iniciais para execução dos «projectos de utilização» serão suportadas inteiramente pelo Estado, salvo se o baldio proporcionar rendimentos susceptíveis de participarem no financiamento.

As referidas comissões regionais, em número de três, com áreas de actuação nas regiões do planeamento Norte, Centro e Ribatejo e Oeste, asseguram, pela sua constituição com representantes de diversos departamentos e de serviços do poder central, uma intervenção imperativa do Estado, que é recusada nos projectos do PSD e do CDS, onde impera, quanto à gestão dos baldios, a vontade dos órgãos de poder local da freguesia.

Assim apreciados no grupo de trabalho, concluiu-se que os três projectos em referência eram irredutíveis a um texto alternativo que pudesse contemplar harmonicamente as diversas perspectivas e soluções que encaram, por serem inspirados em ideias e metodologias diversas e até, em largos campos, opostas.

Os representantes do PS e do PCP suscitaram mesmo a inconstitucionalidade de algumas normas dos projectos do PSD e do CDS, na parte em que atribuem a título originário a gestão dos baldios às juntas e assembleias de freguesia, por a reputarem ofensiva do disposto no artigo 89.°, n.° 2, alínea b), da Constituição. Por seu turno, os representantes do PSD e do CDS contestaram este ponto de vista, sustentando a perfeita compatibilidade de todos aqueles preceitos.

Verificadas estas divergências e as mais que resultam do confronto dos diplomas, que se deixam referidas, o grupo de trabalho deu por findos os seus trabalhos, considerando por unanimidade que os três projectos de lei estão com condições de subir a Plenário e reservando os representantes de todos os partidos para esse momento as suas posições definitivas sobre a matéria.

Palácio de São Bento, 11 de Fevereiro de 1988. — O Deputado Relator, João José da Silva Maçãs.

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.° 175/V, do Grupo Parlamentar do PS (Estatuto do Provedor de Justiça).

I

1.1 — Como é sabido, a mais marcante característica do instituto do Ombudsman, nas suas diversas expressões nacionais, é a de lhe caber a tutela, por

Página 1011

27 DE FEVEREIRO DE 1988

1011

meios tendencialmente informais, dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos face aos poderes públicos ou, mais configuradamente, perante a Administração em sentido amplo. E foi assim que, logo no início dos anos 70, surgiu no horizonte, então colectivamente pouco claro, de alguns juristas portugueses; na linha que despontara na Suécia em 1809, mas que ganhara significativa difusão na 2.a década do actual século, ele seria o povo «a falar em voz alta», censurando, com total independência, «os erros, excessos e abusos dos poderes constituídos» (por exemplo, Revista da Ordem dos Advogados, 1972, p. 456, e, numa retrospectiva, 1977, p. 91).

A crescente intensificação do poder de intervenção administrativa não teve, em todos os países, uma contrapartida suficientemente «humanizante» quer das estruturas do aparelho quer da mentalidade dos agentes.

Ninguém fará, com pertinência, um juízo global de desfavor quanto à função pública, quando normalizadamente exercida, Mas o que acontece, não raramente, é que os funcionários, em vez de estarem ao serviço de uma função, se deixam enredar nas malhas, de sentido quase que «totalitário», da burocracia, que convola a função para os antípodas da disfunção. Passa como moeda corrente que a burocracia tende à expansão, embora se trate de uma expansão articulada pela própria ineficiência dos serviços e pelo apego aos interesses pessoais dos que a perfiguram. E ter-se-á, então, uma actividade administrativa convertida num spoil system; as justas necessidades públicas cedem o passo à perduração de um status organizado em termos de se exercer uma forma insidiosa de violência em relação aos cidadãos.

Certo é que caberá aos governos, quando responsáveis e quando possam disponivelmente governar sem crises gerais ou sectoriais à vista, promover acções continuadas de desburocratização e de reconversão de atitudes; essa desburocratização andará paredes meias com a desregulamentação: a intervenção estatal não deve indevidamente parametrar a Uberdade e a confiança das pessoas, desde logo, a confiança em que os seus assuntos sejam eficaz e celeremente resolvidos.

Claro está que não será de mitificar ou de absoluti-zar a desregulamentação. O Estado não poderá remeter--se para a asséptica e cinzenta posição de espectador; sejam quais forem os pressupostos de que parta, terá de continuar a editar regras e a estabelecer vínculos de actuação. E dá-se mesmo o caso de a ordem jurídica não se poder demitir, em muitos casos, de «regulamentar» a «desregulamentação», encontrada para esta a acepção anglo-saxónica de desregulation, que comporta uma acento fundamentalmente económico.

Questão diversa será a imperatividade de obviar a um excesso de regulamentação; tal excesso, ao invés de reforçar a regra de direito, propenderá à sua desvalorização. A intervenção legal, de qualquer tipo, deverá ser comedida e mantida na moldura do exequível. Salientou a este propósito Jacques Chevalier no estudo «Les enjeux de la déréglemantation»:

A proliferação dos textos e a aceleração do ritmo da sua produção torna muito difícil, mesmo impossível, o conhecimento e a assimilação do direito, quer para os administrados, quer para os profissionais do direito, ou para aqueles a quem cabe a sua aplicação. Como consequência, com-

pele largas franjas do direito a ficarem inaplicadas: a partir do momento em que o direito atinge uma área de excessiva complexidade, desponta ine-lutavelmente um défice de execução.

Ao que, assim, é dito no n.° 2 de 1987 da Revue du Droit Public (p. 293) não escapou a realidade portuguesa: a inflação, desconexão e instabilidade da produção regulamentar têm afectado, desde há muito, «o entendimento e a aplicação do direito pelos juristas» e a inteligibilidade da lei, mesmo para os não juristas; uma inteligibilidade que estará paredes meias com a sua praticabilidade (por exemplo, Revista da Ordem dos Advogados, 1984, p. 533).

1.2 — Acontece, no entanto, que, para além das mais excelentes intenções e objectivos, a actividade administrativa continua a ser, quer no plano interno, quer na sua repercussão externa, pouco transparente e dificilmente controlável. E por assim ser compreender--se-á o universal boom do Ombudsman. O que Powels ironizou, em 1969, como parecendo uma «ombudsma-nia», numa ideia depois retomada por André Legrand («Une institution universelle: POmbudsman?», na Revue Internationale de Droit Compare, 1973, p. 851) e por M. Barbet («De POmbudsman au médiateur», em «Aspects nouveaux de la pensée juridique», no Recueil em hommage à Mare Ancel, i, 1975, p. 232), corresponde, não a uma moda, mas a uma natural inevitabilidade, num propósito de normalizadora compensação ou de equilíbrio de forças e influências.

Tratar-se-á de flexibilizar e de tornar mais acessível a defesa das pessoas contra as más condutas, por acção ou omissão, da Administração.

É, com efeito, conhecido que o controle hierárquico, privativo da própria Administração, fica, muitas vezes, pelo menos indirectamente, à mercê da capacidade (e da «opacidade» ...) de «resistência» dos agentes sobre os quais incide. Por seu turno, o controle parlamentar genérico não se desenrola sistematizadamente; é um poder prevalentemente político-institucional e, até certo ponto, «virtual», nem sempre dotado de operatividade imediata e visualizável. Quanto ao controle judicial, ele tende a tornar-se, mais ou menos por toda a parte, um feixe de mecanismos complexos, onerosos e demorados.

Poderão, é certo, os administrados lançar mão, por sua iniciativa, do direito de petição que a Constituição reconhece nas modalidades da petição, representação, reclamação e queixa (n.° 1 do artigo 52.°).

Pertencer-lhes-á, de igual modo, o direito de informação a que se reporta o n.° 1 do artigo 268.° da lei fundamental:

Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados [...]

E, ponto será notar, o preceito constitucional é directamente aplicável e imediatamente vinculativo da Administração Pública, «mesmo sem lei que o regule. Em caso de recusa ou deficiente cumprimento deste dever não só a Administração responde pelos danos causados ao particular interessado como, se tal comportamento ocorrer antes da decisão final do processo, haverá vício de forma por preterição de formalidade essencial, invocável aquando da impugnação do acto

Página 1012

1012

II SÉRIE — NÚMERO 51

definitivo», (Freitas do Amaral, «Direitos fundamentais dos administrados», em Nos Dez Anos da Constituição, 1987, máxime p. 14; cf., ainda Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, I, 1982, p. 124, que adita poder ocorrer uma eventual responsabilidade disciplinar).

Só que, para além do mais, as reacções constitucionalmente tipificadas nunca terão o efeito de cobrir todos os flancos e dimensões da actuação administrativa, quando deficiente. E, mesmo assim, é incidentalmente de anotar não haver sido assumida a obrigação, constitucionalmente imposta, de publicar a «lei especial» para que remete o n.° 4 do artigo 267.° da Constituição. Tal lei será o Código de Processo Administrativo Gracioso, cujo primeiro projecto foi promovido em 1980 pelo VI Governo Constitucional e então posto em discussão pública (Boletim do Ministério da Justiça, 301, p. 41). «Existe uma segunda versão, menos divulgada, que data de 1982; desde então para cá nada mais se passou e o imperativo constitucional continua letra morta» (Freitas do Amaral, est. cit., p. 18).

Seja, entretanto, como for, a figura e a acção do português Ombudsman — o «Provedor de Justiça» — parecem já inarredáveis, até porque a experiência se tem saldado por resultados declaradamente positivos.

2.1 — Como se precisa no preâmbulo do Decreto--Lei n.° 212/75, de 21 de Abril, que criou entre nós o instituto, «a actuação do Provedor de Justiça cobrirá todos os sectores da actividade administrativa e todos os servidores civis do Estado, serviços e empresas públicas, autarquias locais e demais pessoas colectivas de direito público».

Do seu controle ficaram apenas excluídos os órgãos de soberania, com a ressalva, relativamente aos membros do Governo, dos actos que traduzam exercício da superintendência na Administração Pública. Excluídas ficaram ainda as Forças Armadas, cuja estrutura, nos termos do n.° 1 do artigo 19.° da então vigente Lei Constitucional n.° 3/74,. de 14 de Maio, era nessa altura totalmente independente do Governo.

Nos termos do actual Estatuto, publicado já depois da Constituição, que a ele consagra o artigo 23.°, o alvo preferencial da actividade do Provedor será a defesa dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade da Administração Pública (artigo 1.° da Lei n.° 81/77, de 22 de Novembro). De uma «Administração Pública» encarada em sentido muito amplo, abrangendo a administração central, regional e local e as empresas públicas (artigo 19.°).

Continuaram excluídos dos seus poderes de inspecção e fiscalização os órgãos de soberania e, formuladas constitucionalmente as autonomias regionais, as assembleias e governos regionais — com excepção, em qualquer dos casos, da sua-actividãde administrativa e dos actos praticados na superintendência da Administração (n.° 2 do artigo 20'.°). Explicitou^se no n.° 3 deste artigo 20.° que «as queixas relativas à actividade judicial que, pela sua natureza, não estejam fora do âmbito da [sua] actividade [...] serão tratadas através do Conselho Superior da Magistratura ou do Conselho Superior do Ministério Publico».

Entretanto, operada pela revisão constitucional de 1982 a subordinação das Forças Armadas aos órgãos de soberania competentes (n.° 3 do artigo 275.° da

Constituição), a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei n.° 29/82, de 11 de Dezembro) passou a dispor que «os elementos das Forças Armadas, uma vez esgotadas as vias hierárquicas estabelecidas na lei, têm o direito de apresentar queixas ao Provedor de Justiça por acções ou omissões dos poderes públicos responsáveis pelas Forças Armadas de que resulte violação dos seus direitos, liberdades e garantias ou prejuízo que os afecte, excepto em matéria operacional ou classificada» (n.° 2 do artigo 33.°, cujo n.° 3 preceitua que «os termos em que o direito referido no número anterior pode ser exercido, bem como a forma de actuação do Provedor de Justiça nesse caso, serão regulados por lei da Assembleia da República»).

2.2 — A exemplo do que geralmente é entendido nos demais países, a actuação do Provedor de Justiça tem, pois, essencialmente a ver com a actividade administrativa. É o «tuttore dei corretto uso dei potere ammi-nistrativo» (assim, Giuseppe de Vergottini, «L'Ombuds-man: esperienza e prospettive», em Diritto e Societá, 1973, p. 809). Cabe-lhe actuar «dans 1'intérêt des droits et libertes des citoyens, lorsque ceux-ci sont menacés par les excès du pouvoir administratif» (H. Desfeuil-les, Le Pouvoir de controle des parlements nordique, 1973, p. 21).

Nessa medida, virá a prestar contributos, pelo menos indirectos, para o combate à corrupção, sobretudo nos países em desenvolvimento (por exemplo, La Primauté du droit: idée force du progrés, relatório da Comission Internationale de Juristes, 1965, p. 71). É de assinalar, no entanto, o que ocorre na Suécia; ao que se vê do referido na reunião conjunta dos Ombudsman suecos com o Provedor de Justiça (Lisboa, 13 de Outubro de 1983), naquele país não consagram os Ombusds-man «interesse privilegiado» aos casos de corrupção; «não existe qualquer departamento especial de investigação destes casos que, como ilícitos criminais que são, estão a cargo das autoridades judiciais e policiais» (cf. 8.° Relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República, p. 170). Relembre-se ainda que em 22 de Março de 1984 foi celebrado entre o Provedor de Justiça e o Alto Comissário contra a Corrupção um protocolo de coordenação, de modo a não duplicar diligências e procedimentos (cf. 9.° relatório ..., p. 173).

2.3 — O certo é que, para além da tutela dos cidadãos face à Administração, cabem ou poderão caber ao Provedor de Justiça outras tarefas e funções, no quadro delineado pelo artigo 23.° da Constituição.

Este caso, de certo modo percursor, do papel que lhe é conferido no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro, respeitante às cláusulas contratuais gerais, publicado no IX Governo Constitucional. Como se mostra do n.° 2 do seu artigo 3.°, poderá o Provedor solicitar aos órgãos públicos competentes as alterações necessárias nas cláusulas contratuais impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas quando elas se revelem contrárias à boa-fé, nas modalidades previstas nos artigos 16.°, 18.°, 19.°, 21.° e 22.° No tocante às cláusulas contratuais gerais estabelecidas por entidades privadas, poderá o Provedor pedir ao Ministério Público que intente a acção destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais abusivas ou iníquas [alínea c) do n.° í do artigo 2S.°\.

Página 1013

27 DE FEVEREIRO DE 1988

1013

2.4 — Prevê a Constituição uma intervenção activa do Provedor de Justiça na fiscalização da constitucionalidade ou da legalidade das normas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional (n.° 1 do artigo 281.°) ou na verificação da inconstitucionalidade por omissão (n.° 1 do artigo 283.°).

II

3.1— Dir-se-á ainda que o Provedor de Justiça deverá ser um promotor activo do civismo, do dignificado enquadramento da pessoa na sociedade; esta é feita para que ela se realize plenamente, mas tal realização só será plena se o supremo valor da pessoa se exprimir em convivência.

Daí que na alínea d) do n.° 1 do artigo 18.° da Lei n.° 81/87 (actual Estatuto) se preveja que o Provedor promova a divulgação do conteúdo e da significação de cada um dos direitos e liberdades fundamentais.

3.2 — E não é por acaso que o Conselho da Europa se tem preocupado com o ensino dos direitos do homem. Assim, designadamente, na Resolução (78) 41 e na mais recente Recomendação R (85) 7, adoptada em 14 de Maio de 1985 pelo Comité de Ministros, sobre o ensino e aprendizagem dos direitos do homem nas escolas.

4 — Mas não bastará conhecer os direitos fundamentais: é necessário saber como os poderes constituídos fazem uso deles, os praticam. E, aí, o apoio do Ombudsman revela-se, em qualquer dos sistemas conhecidos, de essencial relevo. Tratar-se-á de romper o secretismo a que, mais ou menos por toda a parte, as burocracias se apegam.

A informação dos cidadãos, pedra-de-toque da democracia aberta e participada, será um dos mais significativos encargos do Provedor (assim, Harry Street, em L'Accès à la justice et VÉtat — providence mo-derne, ob. colectiva dirigida por Mauro Cappelletti, 1984, p. 301).

III

5.1 — Explicita o projecto de lei n.° 175/V (n.° 2 do artigo 1.°) que «o Provedor de Justiça goza de total independência no exercício das suas funções». Como corolário ou reforço deste princípio, elimina-se no artigo 14.° a hipótese da sua destituição pela Assembleia da República, agora prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 12.°

Ter-se-á como curial a solução, e não colidente com a alínea h) do artigo 166.° da Constituição, onde se refere apenas a competência para eleger.

O Provedor de Justiça é mais que um mero auxiliar ou longa manus do Parlamento. É um órgão autónomo, constitucionalmente configurado, que não depende politicamente da Assembleia da República. O relatório que anualmente lhe apresenta e que, depois de examinado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, é apreciado pelo Plenário (artigo 21.° da Lei n.° 81/77) e, em seguida, publicado no Diário da Assembleia da República, não traduzirá, por certo, uma prestação de contas; será uma forma de melhor cooperação e de rentabilização da actividade exercida. Ou, talvez, um dar conta de uma actividade.

Este sentido de cooperação e de coordenação de esforços em ordem a uma melhor tutela dos direitos fundamentais e dos interesses legítimos dos cidadãos aflora com nitidez no n.° 2 do artigo 21.° daquela lei e nos artigos 258.° a 261.° do Regimento da Assembleia.

Daí que o citado artigo 21.° se mantenha imodifi-cado no projecto de lei (assim, artigo 22.°).

5.2 — Na Constituição espanhola de 1978 o Defensor dei Pueblo surge referido como um «alto comisio-nado de las Cortes Generales».

Diz, com efeito, o artigo. 54.°:

Una ley orgânica regulará la institución dei Defensor dei Pueblo, como alto comisionado de las Cortes Generales, designado por estas para la defensa de los derechos (fundamentales), a cuyo efecto podrá supervisar la actividad de la Admi-nistración, dando cuenta a las Cortes Generales.

Entretanto, o artigo 162.°, n.° 1, alíneas o) e ti), legitima-o para interpor no Tribunal Constitucional recursos de inconstitucionalidade e de amparo.

Face a este contexto — e ao que resulta da Lei Orgânica n.° 3/1981, de 6 de Abra —, entende Joaquim Varela Suanzes-Carpegna («La naturaleza jurídica dei Defensor dei Pueblo», na Revista espanola de Derecho Constitucional, ano 3.°, n.° 8, Maio-Agosto de 1983, pp. 63 e segs.) que se trata de um órgão auxiliar das Cortes Gerais; órgão auxiliar enquanto órgão não constitucional, embora com/unções constitucionais; órgão auxiliar enquanto órgão não paritário face ao Parlamento, embora a ele não subordinado por uma relação de hierarquia; órgão auxiliar, apesar de dotado de autonomia orgânica e funcional.

É incidentalmente de salientar que, ao invés do que ocorre em Portugal (em que os adjuntos do Provedor são por ele nomeados e livremente exoneráveis a todo o tempo — n.° 1 do artigo 14.° da Lei n.° 81/77), a nomeação e exoneração dos adjuntos do Defensor dei Pueblo dependem da prévia concordância das Cortes Gerais (artigo 8." da citada Lei Orgânica n.° 3/1981).

De igual passo, o Defensor dei Pueblo pode ser destituído pelas Cortes Gerais, por uma maioria de três quintos, quando actue «com notória negligência no cumprimento das obrigações e deveres do cargo» (artigo 5.° da Lei Orgânica).

A relação entre o Defensor dei Pueblo e o Parlamento é, assim, uma relação fiduciária (António La Pérgola, «Ombudsman y Defensor dei Pueblo: apun-tes para una investigación comparada», na Revista de Estúdios Políticos, n.° 7, Janeiro-Fevereiro de 1979, p. 85, e Alberto Perez Calvo, «Rasgos essenciales dei Defensor dei Pueblo según la Constitución y la Ley Orgânica 3/1981, de 6 de Abril», na Revista de Derecho Político, n.° 1, 1981, p. 68); uma relação fiduciária que para alguns é de «auxiliaridade».

5.3 — É, no entanto, de crer que esta relação de «auxiliaridade» não tem necessariamente a ver com a definição do estatuto do Ombudsman. E não terá também a ver com a possibilidade de ele ser destituído pelo Parlamento; essa possibilidade ocorre na Suécia, na Dinamarca, na Noruega e na República Federal da Alemanha, mas já não existe na Finlândia (Alves Correia, Do Ombudsman ao Provedor de Justiça, 1979, p. 44, que considera que foi este último pais «que escolheu o caminho mais acertado»).

i

Página 1014

1014

II SÉRIE — NÚMERO 51

De qualquer modo, a solução preconizada no projecto de lei n.° 175/V afigura-se conforme à fisionomia caracterizante, entre nós, do instituto.

5.4 — Mantém-se no projecto de lei a duração do mandato já prevista na Lei n.° 81/77 (quatro anos), que é também estabelecida na Suécia, na Finlândia e na Noruega; na Dinamarca o mandato é de três anos e na República Federal da Alemanha de cinco.

No projecto de revisão constitucional do PCP prevê--se o período de seis anos, explicitando-se a não possibilidade de destituição.

Parece, porém, prevalecer a ideia de não alterar o actual sistema de duração do mandato; aliás, a lei permite a sua recondução por uma vez e por igual período (n.° 1 do artigo 5.° da Lei n.° 81/77).

IV

6 — No que respeita à competência e poderes do Provedor, o projecto de lei não inova substancialmente, para além de textualizar competências que já lhe advêm da Constituição ou de leis com base nela publicadas.

Parece, no entanto, limitar os seus poderes de fiscalização quanto às empresas públicas. Pelo menos a fórmula da alínea a) do n.° 1 do artigo 20.°, substitutiva da vazada na alínea a) do artigo 19.° do actual Estatuto, será neste ponto pouco concludente, se mais não for, quanto à forma.

7 — Estão excluídos dos poderes de inspecção e fiscalização do Provedor os órgãos de soberania e as assembleias e governos regionais, com excepção da sua actividade administrativa e dos actos praticados na superintendência da Administração (artigo 20.0 da lei e n.° 2 do artigo 21.° do projecto).

«As queixas relativas à actividade judicial que, pela sua natureza, não estejam foram do âmbito da actividade do Provedor de Justiça serão tratadas através do Conselho Superior da Magistratura ou do Conselho Superior do Ministério Público, conforme os casos» (n.° 3 do artigo 20.° da lei e n.° 3 do artigo 21.° do projecto).

Ora, desde logo, parece de assinalar a omissão, patentemente involuntária, quanto ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Por outro lado, mesmo pondo em resguardo a actividade dos tribunais quanto à sua função jurisdicional, não será despropositada a interrogativa sobre se o Provedor não poderá dirigir recomendações directas quanto ao funcionamento da administração da justiça, pelo menos quando nele ocorram patentes anomalias administrativas (atrasos injustificados, por exemplo).

Em Espanha o Defensor dei Pueblo terá de recorrer à mediação do Ministério Público («Ministério Fiscal»), Não é, no entanto, de esquecer que, aí, existe o recurso de amparo para a tutela dos direitos fundamentais, cujo impulso perante o Tribunal Constitucional poderá caber ao Defensor dei Pueblo, em pé de igualdade com qualquer pessoa física ou colectiva, ou com o Ministério Público [alínea b) do n.° 1 do artigo 162.° da Constituição] .

8 — Poderá a designação do Provedor recair em qualquer cidadão que preencha os requisitos de elegibilidade para a Assembleia da República e goze de comprovada reputação de integridade e independência. É a solução actual, que no projecto de lei se mantém.

Será, no entanto, caso de indagar se não deverá recair num jurista, como acontece na Suécia, Finlândia, Dinamarca e Noruega e como tem sido preconizado entre nós (assim, por exemplo, Revista da Ordem dos Advogados, 1977, p. 91, e Alves Correia, ob. cit., p. 41).

Isto não obstante o primeiro Provedor de Justiça, quer era um militar, ter exercido as suas funções com assinaláveis dignidade e eficácia, constituindo o garante do prestígio que o instituto logo ganhou na fase de arranque. Só que os casos individuais não poderão fundamentar as regras.

9 — Sendo uma magistratura de persuasão, uma actividade de dignificada pressão, uma «magistratura de influência» (Giovanni Napione, L'Ombudsman..., 1969, p. 171), terá de ver acatadas as recomendações que produz para corrigir o acto ou a situação irregular; para tal necessário será que os poderes públicos o reconheçam, sem preconceito ou reticência, e que, em alternativa ou como complemento, possa contar com a sensibilidade e, por assim dizer, com a consonância da opinião pública. Isto numa prática que não resvale em desproporcionada espectaculosidade. Os artigos 33.°, n.° 2, e 34.° deverão eventualmente ser repensados em termos de potenciar a sua operância. Ora isto não é feito no projecto de lei.

A igualdade perante a lei e na própria lei e a imparcialidade administrativa — «quer condenando o arbítrio e reprimindo o 'contrabando' de motivos que favoreça ou prejudique indevidamente interesses parciais (de pessoas, de grupo ou de partido), quer impregnando a actividade administrativa de um sentido jurídico--público que retire a discricionariedade à 'lei da selva* e a introduza no mundo civilizado do Estado de direito» (Vieira de Andrade, «A imparcialidade da Administração...», no Boletim da Faculdade de Direito, vol. L, 1974, máxime p. 220) — ajudarão os cidadãos a acreditar na força serena e continuada da democracia. E esta será uma das dimensões finais do Ombudsman: «il tentativo di aprire una via suscettibili di recreare un rapporto di fiducia fra il singolo e Io stato vuole significare un atto di fede nella democrazia» (Constantino Mortati, L 'Ombudsman — // Defensore Civico, obra colectiva, 1974, p. 12).

Daí a progressiva universalização do instituto, ao ponto de já ter sido aventada a criação de um alto--comissário das Nações Unidas para os direitos do homem, de um Ombudsman «mundial» (cf. Karel Vasak, As dimensões internacionais dos direitos do homem, obra colectiva, trad. port., 1983, p. 243).

VI

10 — Por tudo o que se deixa dito é de ter como positivo o abrir-se, através desta iniciativa legislativa, uma reflexão parlamentar — que, por certo, alcançará outros desenvolvimentos em sede de especialidade — sobre o Estatuto do Provedor de Justiça.

Significativamente, em Espanha, o Governo manifestou já o seu propósito de introduzir modificações na Lei Orgânica n.° 3/1981, no sentido de conferir uma maior latitude de competências ao Defensor dei Pue-. bio. É o que informa o jornal ABC, de 15 de Fevereiro de 1988, que acrescenta na notícia: «a reforma

Página 1015

27 DE FEVEREIRO DE 1988

1015

orientar-se-á possivelmente na linha de dotar o Defensor dei Pueblo de maiores dificuldades para exigir responsabilidades aos funcionários».

11 — Entretanto, e ainda no que respeita ao projecto de lei n.° 175/V, será de assentar em que ele se encontra em condições de ser apreciado em Plenário.

Palácio de São Bento, 24 de Fevereiro de 1988. — O Relator e Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Mário Raposo.

PROJECTO DE LEI N.° 196/V

CRIAÇÃO DA FREGUESIA DE ILHA. NO CONCELHO DE POMBAL

A população de Ilha e lugares circundantes já há muito que vem sentindo um desejo de ser criada a freguesia da Ilha, dado o seu número de habitantes e a distância relativamente à sede da actual freguesia de Mata Mourisca.

A futura freguesia de Ilha, actualmente com cerca de 2500 habitantes, dispõe de duas escolas primárias, igreja paroquial, carreiras de transportes, cemitério, centros recreativos e culturais, jardim-escola e parque infantil. Ainda a nível de abastecimento público, é de destacar oficinas várias, restaurantes, minimercados, cafés e diversos estabelecimentos de outros ramos e de interesse urbano.

No domínio da actividade económica local e como fontes empregadoras, possui uma fábrica de paletas, três fábricas de artefactos de cimento, uma fábrica de panificação, suiniculturas, uma serração de madeiras, etc.

A área que se destaca da freguesia de Mata Mourisca para dar origem à nova freguesia de Ilha possui todos os requisitos constantes dos artigos 6." e 7.° da Lei n.° 11/82, tendo em atenção que a criação da nova freguesia não provoca alteração dos limites do concelho e que a freguesia da Mata Mourisca manterá os meios indispensáveis à sua manutenção.

Nestes termos, a deputada abaixo assinada, do Partido Social-Democrata, apresenta à Assembleia da República o seguinte projecto:

Artigo 1.° É criada, no concelho de Pombal, a freguesia de Ilha.

Art. 2.° Os limites da freguesia de Ilha, conforme representação cartográfica anexa (a), são:

Norte e nordeste — freguesia de Mata Mourisca; Sul e sudeste — freguesia de Carnide e Bajouca; Oeste — freguesia de Guia e Mata Mourisca; Nascente — freguesia de Pombal.

Art. 3.° — 1 — A comissão instaladora da nova freguesia será constituída nos termos e no prazo previstos no artigo 10.° da Lei n.° 11/82, de 2 de Junho.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, a Assembleia Municipal de Pombal nomeará uma comissão instaladora constituída por:

a) Um membro da Assembleia Municipal de Pombal;

b) Um membro da Câmara Municipal de Pombal;

c) Um membro da Assembleia de Freguesia de Mata Mourisca;

d) Um membro da Junta de Freguesia de Mata Mourisca;

e) Cinco cidadãos eleitores da área da nova freguesia de Ilha.

Art. 4.° A comissão instaladora exercerá as suas funções até à tomada de posse dos órgãos autárquicos da nova freguesia.

Art. 5.° As eleições para a assembleia da nova freguesia realizar-se-ão no prazo de 90 dias após a publicação da presente lei.

Assembleia da República, 23 de Fevereiro de 1988. — A Deputada do PSD, Ercília Ribeiro da Silva.

(a) O mapa será publicado oportunamente.

Perguntas ao Governo Perguntas orais do PSD ao Governo

l.a pergunta:

Política do Governo de combate aos clandestinos (segunda habitação).

2.a pergunta:

Programa de actividades na área da juventude, designadamente nos dominios da ciência, tecnologia, cultura e emprego.

3.a pergunta: Acordo da Base das Lajes.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 1988.

Perguntas orais do PS ao Governo

Nos termos e para os efeitos do artigo 236.° do Regimento, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista inscreve para perguntas ao Governo, na sessão de 4 de Março, os deputados António Lopes Cardoso e Ricardo Barros.

As perguntas terão por objecto:

Deputado António Lopes Cardoso: concurso promovido pelo Gabinete da Área de Sines para arrendamento de terrenos agrícolas e florestais;

Deputado Ricardo Barros: evolução da situação quanto ao Acordo das Lajes.

26 de Fevereiro de 1988. — O Presidente do Grupo Parlamentar Socialista, Jorge Sampaio.

Pergunta escrita do PS ao Governo

Nos termos do artigo 235.° do Regimento, o deputado abaixo assinado formula a seguinte pergunta escrita ao Governo:

Qual a responsabilidade do Ministro da Educação na edição de dois volumes intitulados Documentos Preparatórios e atribuídos à Comissão de Reforma do Sistema Educativo?

Palácio de São Bento, 26 de Fevereiro de 1988. — O Deputado do Grupo Parlamentar Socialista, Sotto-mayor Cárdia.

Página 1016

1016

II SÉRIE — NÚMERO 51

Perguntas orais do PCP ao Governo

Nos termos regimentais, o deputado Carlos Carvalhas apresenta uma pergunta oral ao Primeiro-Ministro com o seguinte objecto:

Relações entre Portugal e os EUA em matéria de defesa.

Assembleia da República, 26 de Fevereiro de 1988.

Nos termos regimentais, a deputada Apolónia Teixeira apresenta uma pergunta oral ao Governo com o seguinte objecto:

Politica laboral do Governo nas empresas por este tuteladas.

Assembleia da República, 26 de Fevereiro de 1988.

Pergunta oral do PRD ao Governo

objecto da peffcunta oral a formular pela Sr.8 Deputada Isabel Espada: empréstimos para aquisição de habitação própria.

Perguntas escritas do CDS ao Governo

Em vista das notícias publicadas sobre o desenvolvimento da cooperação militar com territórios de expressão oficial portuguesa, pergunta:

a) Tal cooperação é determinada por interesses concretos portugueses e quais?

b) É seguro que tal cooperação não tem o risco de envolvimento em acção militar?

c) Qual o montante dos depósitos dos portugueses nos consulados de Moçambique?

d) Tais depósitos foram usados para fins de interesses públicos?

e) Que perspectivas existem para que esses depósitos sejam restituídos aos depositantes?

Lisboa e Palácio de São Bento, 26 de Fevereiro de 1988.

Qual a situação actual da atribuição e aplicação dos subsídios comunitários à agricultura portuguesa, nomeadamente:

a) Qual o montante global dos subsídios previstos e qual o montante da respectiva aplicação?

b) Qual a repartição regional dos subsídios já aplicados?

c) Quais os sectores e subsectores da agricultura portuguesa que foram beneficiados com tais subsídios e quais os respectivos montantes?

Lisboa e Palácio de São Bento, 26 de Fevereiro de 1988.

Perguntas orais do CDS ao Governo

Pelo Srs. Deputados José Luís Nogueira de Brito e Basílio Horta:

1) Que medidas tenciona o Governo tomar para solucionar a crise grave em que se encontra a Comissão dos Descobrimentos e o grave atraso e desorientação no programa de comemoração dos descobrimentos portugueses?

2) É verdade que, além da supressão do ensino de filosofia para a generalidade dos alunos do ensino secundário, o Governo prevê também uma redução considerável do ensino da história? E é verdade que, em vez de duas línguas vivas (francês e inglês) passará a ser obrigatória apenas uma língua viva (inglês), com sacrifício da língua francesa?

3) Em que diferem as posições defendidas pelo Ministro da Defesa em Lisboa, aquando da visita de Frank Carlucci, sobre o cumprimento do acordo entre Portugal e os Estados Unidos da América das posições assumidas pelo Primeiro-Ministro em Washington sobre o mesmo assunto? Como se explica uma tão evidente descoordenação interministerial?

Lisboa e Palácio de São Bento, 26 de Fevereiro de 1988.

Pergunta escrita de Os Verdes ao Governo

O Presidente da Assembleia Parlamentar da UEO afirmou recentemente que «não há qualquer obstáculo credível» que impeça Portugal de vir a ser membro da UEO.

Por seu lado, o Ministro português dos Negócios Estrangeiros afirmou que Portugal nunca manifestou reservas aos princípios da UEO, nomeadamente o da aceitação do recurso a armamentos nucleares por parte dos seus membros.

Pergunto: que garantias tem o Governo, ou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, de que o povo português está na disposição de vir a aceitar e a utilizar armamentos nucleares, quando é facto que os outros povos peninsulares rejeitaram já essa hipótese e crescem em toda a Península, e nomeadamente em Portugal, a adesão e as manifestações de apoio às propostas de total desnuclearização da Península Ibérica?

Assembleia da República, 27 de Fevereiro de 1988. — O Deputado, Herculano Pombo.

Perguntas orais de Os Verdes ao Governo

Qual é a posição da Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais face à execução dos trabalhos de alargamento do Campo de Tiro de Alcochete?

Assembleia da República, 27 de Fevereiro de 1988. — O Deputado, Herculano Pombo.

Página 1017

27 DE FEVEREIRO DE 1988

1017

A destruição do coberto vegetal e a plantação indiscriminada de eucaliptos são algumas das causas dos problemas de erosão e desertificação que já se fazem sentir nalgumas zonas do País.

Que medidas pensa o Governo tomar para pôr termo a esta situação?

Assembleia da República, 27 de Fevereiro de 1988. — O Deputado, Herculano Pombo.

Pergunta escrita da ID ao Governo

Relativamente ao «índice de preços no consumidor» pretende saber-se qual a razão da grande demora verificada na sua elaboração, as fontes seleccionadas e quais os critérios utilizados na fixação dos respectivos dados.

Assembleia da República, 26 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados da ID: Raul Castro — João Corregedor da Fonseca.

Página 1018

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Depósito legal n.º 8819/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica--se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

1 — A renovação das assinaturas ou a aceitação de novos assinantes para qualquer das publicações oficiais deverá efectuar-se até ao final do mês de Janeiro, no que se refere às assinaturas anuais ou para as do 1.° semestre, e até 31 de Julho, para as que corresponderem ao 2.° semestre.

2 — Preço de página para venda avulso, 4$; preço por linha de anúncio, 86$.

3 — Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

4 — Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 48$00

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×