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Sábado, 17 de Fevereiro de 1990
II Série-A — Número 21
DIÁRIO
da Assembleia da República
V LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
SUMÁRIO
Projectos de tel (n.M 422/V, 465/V e 480/V a 486/V):
N.° 422/V (consagra a participação das organizações juvenis na elaboração de legislação que respeita à politica de juventude):
Relatório e parecer da Comissão de Juventude sobre
o projecto de lei ............................. 844
N.° 465/V (exercício do direito de acção popular):
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto
de lei........................................ 845
N.° 480/V — Acção popular (apresentado pelo PCP) 846 N.° 481/V — Lei de bases da saúde (apresentado pelo
PS)............................................ 848
N.° 482/V — Alterações ao Estatuto dos Benefícios
Fiscais (apresentado pelo PCP)................... 856
N.° 483/V — Por um combate eficaz ao tráfico criminoso da droga e pela erradicação das suas letais
consequências da sociedade (apresentado pelo deputado
independente Pegado Lis)........................ 857
N." 484/V — Bases do sistema de saúde (apresentado
pelo PRD)..................................... 862
N.° 485/V — Lei de bases da saúde (apresentado pelo
PCP).......................................... 870
N.° 486/V — Lei de bases da saúde (apresentado pelo CDS).......................................... 878
Propostas de lei (n.« 122/V e 130/V):
N.° 122/V (estabelece o modelo de organização de gestão dos estabelecimentos de ensino superior politécnico, bem como o enquadramento legal para a elaboração dos respectivos estatutos):
Relatório e parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura sobre a proposta de lei........... 879
N.° 130/V — Aprova o regime da actividade de radiotelevisão no território nacional................... 880
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PROJECTO DE LEI N.° 422/V
CONSAGRA A PARTICIPAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES JUVENIS NA ELABORAÇÃO OE LEGISLAÇÃO QUE RESPEITA A POLÍTICA DE JUVENTUDE
Relatório e parecer da Comissão de Juventude
1 — Por decisão do Presidente da Assembleia da República, baixou à 14." Comissão (Comissão Parlamentar de Juventude), para apreciação na generalidade, o projecto de lei n.° 422/V, apresentado pelo Partido Comunista Português, que consagra a participação das organizações juvenis na elaboração de legislação que respeite à política de juventude.
A Comissão deliberou nomear relator o deputado António Filipe e, reunida em 14 de Fevereiro de 1990, discutiu e aprovou o relatório e parecer que a seguir se apresentam.
2 — 0 projecto de lei n.° 422/V, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, propõe a consagração legal da participação das organizações juvenis na elaboração de legislação que respeite à política de juventude.
A participação de cidadãos na elaboração de diplomas legislativos, enquanto expressão do princípio participativo consagrado no artigo 48.° da Constituição da República, tem já vários afloramentos no ordenamento jurídico e constitucional português, designadamente:
O direito de participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho [Constituição da República Portuguesa, artigos 54.°, n.° 5, alínea tf), e 56.°, n.° 2, alínea a), e Lei n.° 16/79, de 26 de Maio];
O direito das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e instituições de carácter científico, na definição da política de ensino (Constituição da República Portuguesa, artigo 77.°, n.° 2, e, em relação às associações de estudantes, Lei n.° 33/87, de 11 de Junho).
A consagração de uma norma constitucional que expressamente atribuísse às organizações juvenis o direito de participar na elaboração de legislação respeitante à política de juventude constava de uma proposta apresentada em sede de revisão constitucional pelo deputado Miguel Macedo e Silva, a qual, não tendo sido recusada pela Assembleia da República, tendo obtido, inclusivamente, o consenso dos deputados membros de organizações juvenis, não logrou obter os dois terços de votos necessários à sua inclusão no texto constitucional.
Continua, porém, a fazer sentido a sua consagração em diploma legislativo, tanto mais quanto nos últimos anos, paralelamente ao crescimento da importância social do associativismo juvenil, têm as associações juvenis encontrado novas formas de se associarem à elaboração de diplomas legislativos.
Mas sem consagração legal, mas reconhecendo a necessidade e conveniência em permitir a participação das organizações juvenis na elaboração da legislação sobre juventude, iniciou a Comissão Parlamentar de Juventude um hábito saudável de envio, a um amplo conjunto de organizações, de cópia das iniciativas legislativas em curso de apreciação.
A actividade do Conselho Nacional de Juventude (CNJ), que, muito embora se tenha definido como interlocutor dos poderes públicos e não parceiro social, tem manifestado a vontade de se pronunciar sobre os assuntos que respeitam à juventude portuguesa, e a própria existência do Conselho Consultivo de Juventude, que, não obstante a sua composição não seja inteiramente juvenil, tem discutido propostas de iniciativa legislativa a pedido do Governo ou dos seus membros, revelam já um património de experiência interessante quanto à participação das organizações na primeira fase do trabalho legislativo.
3 — 0 projecto de lei em apreciação prevê que toda a legislação com implicações na efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais dos jovens, e designadamente sobre um conjunto de matérias nele enumeradas, seja precedida de apreciação pública pelas organizações juvenis.
Considerando terem essa qualidade o CNJ e respectivos membros, as organizações de juventude partidárias, as organizações juvenis de carácter sindical, as associações de estudantes e de trabalhadores-estudantes, as associações juvenis de âmbito local, as associações inscritas no RNAJ, as comissões municipais de juventude e outras que venham a ser reconhecidas por lei, o projecto de lei prevê ainda a possibilidade de emissão de parecer por parte de grupos de jovens devidamente identificados que invoquem de forma fundamentada um interesse directo na legislação em apreço.
Para os efeitos previstos, os projectos e propostas de diplomas legislativos deverão ser publicados, enviados às organizações juvenis e divulgados junto da comunicação social, sendo de pelo menos 30 dias o prazo para apreciação pública, expresso por forma escrita ou oral, em termos a regulamentar.
Segundo o presente projecto de lei, os resultados da apreciação pública serão devidamente publicitados e tidos em conta como elemento de trabalho.
4 — A Comissão Parlamentar de Juventude enviou cópias do projecto de lei n.° 422/V a diversas associações juvenis, tendo recebido parecer, por escrito, das seguintes:
Da Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que considera merecer o projecto a sua «apreciação positiva, pois radica numa concepção de democracia participada que valoriza grandemente a capacidade de intervenção cívica dos jovens enquanto agentes colectivos de progresso e dinamização sociais». Na especialidade, esta Associação formula algumas sugestões, designadamente sobre o âmbito das matérias abrangidas expressamente, sobre a forma de emissão de parecer e sobre o decurso do prazo para apreciação;
Da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), que apresenta a sua «concordância na generalidade» com o projecto, que, em seu entender, «visa aumentar a participação das organizações juvenis na elaboração de legislação que respeita à política de juventude». Na especialidade, a ANJE propõe a inclusão, no âmbito pessoal de aplicação, das associações empresariais e profissionais de jovens e considera que a existência de um espaço em anexo aos pro-
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jectós de diploma para apreciação seria limitativa dos pareceres, pelo que preconiza a sua não inclusão;
Da INTERJOVEM, organização juvenil da CGTP--IN, que «manifesta o seu apoio à presente iniciativa, sem prejuízo de eventuais melhorias de redacção»;
Da Associação de Estudantes do Instituto Superior de Economia, que «concorda na generalidade com o projecto em causa», considerando os mecanismos propostos «um passo em frente no sentido de aperfeiçoar os mecanismos democráticos do exercício do poder»;
Da Juventude Renovadora Democrática, que é de parecer de que se o projecto de lei em causa fosse aprovado tal facto constituiria um «óbice de relevo na efectivação do poder legislativo». Considera que os períodos de consulta estabelecidos pelo projecto de lei resultariam num atraso significativo em todo o processo de estudo e aprovação de qualquer legislação que diga respeito à juventude;
Da Federação Nacional das Associações de Trabalhadores-Estudantes, que afirma que no essencial o projecto não merece reparos, apenas entendendo que o prazo mínimo para apreciação pública deveria ser mais dilatado, propondo, inclusivamente, 45 dias;
Da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que considera o projecto de lei «essencial para a edificação de uma política de juventude coerente», dando-lhe parecer favorável, na generalidade.
5 — Nestes termos, está o projecto de lei n.° 422/V em condições de ser apreciado pelo Plenário da Assembleia da República, reservando os diversos grupos parlamentares, para esse momento, a sua posição sobre o respectivo conteúdo.
Palácio de São Bento, 24 de Janeiro de 1990. — O Presidente da Comissão, Carlos Miguel Coelho. — O Relator, António Filipe.
PROJECTO DE LEI N.° 465/V
EXERCÍCIO 00 DIREITO DE ACÇÃO POPULAR
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
I
1.1 — Como é sabido, na segunda revisão constitucional o direito de acção popular foi amplificado ou, melhor, foi desde logo pormenorizado, embora em termos enunciativos, no próprio texto da lei fundamental.
Com efeito, enquanto o n.° 2 do artigo 52.°, na anterior versão, se limitava a reconhecer tal direito, remetendo para a lei ordinária os casos em que ele poderia ser exercido, o actual n.° 3 do mesmo preceito dispõe:
É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o di-
reito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, nomeadamente o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degração do património cultural, bem como de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização.
1.2 — Será, sem dúvida, no campo do direito civil (substantivo e processual) que as maiores dificuldades de concretização deste desígnio aparentemente se suscitarão.
Não despontarão elas, por certo, do próprio conceito de acção, na sua clássica fisionomia. É que, se para alguns autores a acção decorre de um direito subjectivo, polarizado entre duas partes, para outros, como Carnelutti, ela será um poder funcional, que se traduz num poder jurídico. Estranha a esta perspectiva não será, obviamente, a concepção caracterizadamente pu-blicística de que Carnelutti partia: «Se o fim do processo é a justa composição da lide, o interesse que a este corresponde é o interesse na composição dos conflitos, que é um interesse público por excelência.» (Le-zioni di Diritto Processuale Civile, li, p. 109.)
Poderiam, no entanto, tais dificuldades dimanar de conceito tradicional de legitimidade, centrada na titularidade dos sujeitos da pretensão. Só que hoje o problema está removido no que respeita à tutela dos interesses colectivos, fragmentados ou difusos. A legitimação para a lide provirá do que sobre isso definir o direito substantivo, se bem que constituindo um pressuposto processual (cf., por exemplo, C. Festa «La le-gittimazione ad agire per la tutela degli interessi difusi», na Rivista Trimestraie di Diritto e Procedura Civile, 1984, pp. 944 e segs.)
1.3 — Certo é que, como justificadamente se adverte na exposição de motivos do projecto de lei, nem sempre a acção popular se dirigirá à tutela de interesses difusos. Dificilmente se poderá, designadamente, figurar que estes tenham como suporte a defesa do património cultural.
Serão situações desse estilo que corresponderão, em toda a plenitude, a uma acepção pura da acção popular.
2 — Configurar-se-ão as situações típicas de tutela dos interesses difusos na tutela dos direitos dos consumidores e do direito ao ambiente. São as class actions do direito norte-americano que aí de diferenciam das citizen suits; estas, sim, verdadeiras acções populares, a exemplo do que acontece na Alemanha Federal (Popularklagen).
Só que, enquanto as class actions (ou as acções similares em que estejam em jogo interesses indirectos) são frequentes, as acções populares não lograram, onde são viabilizadas, assinalável êxito (Mauro Cappelletti «Governmental and private advocate», cit. na obra colectiva Accès à la Justice et État-Providence, publicada sob a sua direcção, 1984, p. 115).
Aquelas, com as suas especificidades, inserir-se-ão na moldura de uma justiça civil (civil justice). Estas propenderão a uma justiça cívica (civic justice).
II
3.1 — Mas não será difícil figurar que, nesta perspectiva, que ultrapassa a dogmática da tutela dos inte-
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resses colectivos, fragmentados ou difusos, outros interesses gerais possam estar em causa para além dos mencionados, com carácter indicativo, no n.° 3 do artigo 52.° da Constituição («nomeadamente!...]»).
E, por isso, é de pôr a interrogativa sobre se o carácter residual da alínea c) do artigo 4.° do projecto de lei, relegando para lei ulterior a identificação de outros direitos e interesses, não deveria ser preenchido. Seria uma tarefa difícil, mas não impossível.
3.2 — A ameaça do «governo de juízes» cederá, em casos bem contados, o passo ao risco dos excessos da Administração num fenómeno de universal verificação.
Se o big Government, com a sua big Bureaucracy, são expressões que os ventos neo-liberalizantes que perpassam um pouco por toda a parte não conseguiram neutralizar nos seus eventuais «sobre-usos» de poder, «è di sapere se anche i poteri di questo big Government debbano rimaneri incontrolatti».
«La riposta — conclui Cappelletti —, la sola riposta civile possibile, non può che essere decisamente negativa» (em «Riflessioni sulla creatività delia giurispru-denza nel tempo present», na cit. Rivista, 1982, pp. 774 e segs., máxime p. 777).
III
4 — Não será agora caso de repropor a problemática dos interesses difusos. Ela foi abordada, com algum detalhe, no relatório desta Comissão, de que o signatário foi relator, sobre o projecto de lei n.° 439/V (representação colectiva dos consumidores) — Diário da Assembleia da República, 2." série-A, n.° 11, de 6 de Janeiro de 1990.
5 — Será, no entanto, de indagar se o Ministério Público deverá ser incluído entre os titulares da acção popular.
Poder-se-á supor que não, uma vez que ele é, por destinação constitucional, o órgão do Estado ao qual compete defender, em qualquer caso, a legalidade democrática (n.° 1 do artigo 221.°).
Trata-se, como já foi dito {Boletim do Ministério da Justiça, n.° 348, maxime p. 12), de um órgão dotado de um poder autónomo e objectivo.
Não se capta, assim, pelo menos com concludente nitidez, que ele possa ser envolvido, como parte, numa acção popular, cuja iniciativa decorrerá, por definição, de cidadãos qua tale. O mesmo, por paridade de razões, se observará quanto ao próprio Estado e a outras pessoas colectivas de direito público (n.° 2 do artigo 12." do projecto de lei). As acções então propostas serão possíveis e legítimas. Só que não serão ... acções populares.
IV
6 — Mutatis mutandis, ter-se-á como não despiciendo atentar no artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro, respeitante às cláusulas contratuais gerais.
7 — Embora sujeito a um repensar, em sede de especialidade, de algumas das soluções nele configuradas, não sofre dúvida que o projecto de lei que sumariamente se analisou corresponde a uma iniciativa legislativa oportuna e necessária, estando em condições de subir a Plenário.
Palácio de São Bento, 14 de Fevereiro de 1990. — O Relator e Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Mário Raposo.
PROJECTO DE LEI N.° 480/V
ACÇÃO POPULAR
1 — Logo na I Legislatura da Assembleia da República apresentou o PCP o projecto de lei n.° 146/1, que visava dar expressão legal adequada ao direito de acção popular constitucionalmente consagrado.
Sucessivamente renovada, nunca tal iniciativa conseguiu, porém, lograr aprovação. O direito de acção popular veria, no entanto, alargada a sua concretização legal em diversos diplomas relativos à defesa dos direitos dos consumidores, do ambiente, do património cultural ... A falta de um regime geral daquele direito foi assim em parte suprida pela proliferação das suas expressões específicas em alguns dos domínios em que a sua existência se revela mais necessária.
2 — A segunda revisão constitucional veio ampliar consideravelmente os contornos do direito de acção popular. Por um lado, não ficam dúvidas de que se trata de um direito a exercer por cidadãos ou pessoas colectivas. Por outro lado, alargou-se a noção de acção: visa-se facultar o recurso aos tribunais através de adequados processos, mas também a possibilidade de intervir junto de entidades públicas (da administração central, regional e local e do sector empresarial) através de procedimentos. Desde logo que se especificam domínios em que o direito de acção popular (nesta renovada acepção) pode desempenhar papel mais relevante, consagrando-se o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial de todo o tipo de infracções contra a saúde pública, a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural (bem como de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização). Cumprirá à lei ordinária promover o exercício gratuito deste direito e estabelecer em toda a sua dimensão os casos e termos em que pode ter lugar a sua efectivação, especialmente útil se forem criados procedimentos expeditos de prevenção, em articulação com as novas regras sobre «administração aberta».
3 — É neste quadro que se insere o presente projecto de lei, que retoma a essência das pioneiras iniciativas anteriores e procura ter em conta o já significativo património legislativo entretanto adquirido.
Colocados perante a opção de manter dispersas ou fundir num só diploma todas as disposições atinentes ao direito de acção popular, os deputados signatários escolheram o primeiro dos caminhos, considerando que resultará mais eficaz o tratamento jurídico que uma adequada inserção sistemática permite. Não se aproveitou igualmente o ensejo para rever o regime das infracções em causa, que deverá ter lugar só no quadro da revisão do direito penal especial. Foram também remetidas para a sede própria as reformas a introduzir no domínio dos procedimentos administrativos e da legislação processual penal, civil e administrativa.
O projecto visa explícita e concretamente o alargamento do âmbito material do direito de acção popular e a fixação do programa de reformas legislativas parcelares necessário para dar cumprimento à Constituição.
Para esta última sede reformadora foram remetidas questões melindrosas como a da fixação dos efeitos do caso julgado em acções populares, os regimes de indemnização ou a distinção entre as acções populares e acções de grupo (intentadas por particulares para a
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defesa de interesses directos e legítimos), tudo isto sem prejuízo da disponibilidade do PCP para contribuir para uma reflexão que viabilize a aprovação na especialidade de um adequado regime material a incluir na futura lei geral sobre acção popular.
Esta reflexão e o inerente labor legislativo são fundamentais para que o artigo 52.°, n.° 3, da Constituição logre transformar-se de facto naquilo que juridicamente é: uma poderosa alavanca de participação democrática, um factor de profunda renovação da prática da Administração e dos tribunais, uma arma essencial:
a) Para concretizar e potenciar o empenhamento de todos os cidadãos na vida pública e na actividade do Estado, designadamente das autarquias locais;
b) Para assegurar o respeito da legalidade da Administração em domínios em que a reserva de legitimidade aos titulares de interesse pessoal e directo é notoriamente insuficiente;
c) Para defender o património do Estado, das autarquias locais e das empresas públicas.
Nestes termos, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:
Acção popular
Artigo 1.°
Acção popular
É conferido a todos o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei.
Artigo 2.° Titularidade
1 — O direito de acção popular pode ser exercido, individual ou colectivamente, por qualquer cidadão no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos.
2 — O direito de acção popular pode ser ainda exercido por associações sem fins lucrativos cujos estatutos prevejam a defesa de interesses cuja protecção, através desta forma específica, seja legalmente admitida.
Artigo 3.° Objecto
A acção popular visa, em especial, assegurar a prevenção, cessação e perseguição judicial de infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, o ambiente e a qualidade de vida, o património cultural, o domínio público e demais património do Estado, das autarquias locais e do sector público.
Artigo 4.°
Direitos conferidos
É assegurado aos cidadãos, para defesa dos interesses previstos no artigo anterior:
o) O direito de intervir junto das entidades públicas, designadamente da administração central,
regional e local, bem como do sector público empresarial, mediante procedimentos sumários preferentes e expeditos;
b) O direito de promover através dos tribunais a prevenção, a cessação e a perseguição de infracções situadas nos domínios enumerados na lei;
c) O direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização.
Artigo 5.° Procedimentos administrativos
A legislação especial, bem como a lei sobre o processamento da actividade administrativa a que se refere o artigo 267.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa especificará as modalidades e formas de procedimento sumário, preferente e expedito necessários à realização do disposto na alínea a) do artigo anterior.
Artigo 6.°
Regras processuais
As leis processuais civil, penal e administrativa definirão:
a) As providências cautelares necessárias para prevenir e fazer cessar as infracções a que se refere o artigo 4.°;
b) A eficácia das decisões definitivas proferidas em acção popular;
c) O regime de custas, em caso de inêxito, decaimento ou litigância de má fé.
Artigo 7.°
Legitimidade em processo administrativo
1 — Sem prejuízo dos direitos previstos na legislação em vigor, designadamente na legislação penal, eleitoral e na relativa ao estatuto dos titulares de cargos públicos, bem como nas leis de protecção dos consumidores, do ambiente e do património cultural, é conferido a todos, nos termos da presente lei, o direito de utilizar os meios previstos na lei de processo administrativo, nomeadamente o direito de recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra actos administrativos, independentemente da sua forma, que tenham por objecto:
a) Alienação ou concessão de exploração de bens do domínio público ou de empresas do sector público ou desafectação de bens do domínio público;
b) Concessão de subsídios e isenções fiscais;
c) Revogação de actos de expropriação.
2 — Os titulares do direito de acção popular podem igualmente interpor recurso de anulação, com fundamento em ilegalidade, de qualquer acto administrativo dos órgãos da respectiva autarquia ou região autónoma.
Artigo 8.°
Legitimidade na acção Judicial
1 — Salvo os casos especialmente previstos, podem os titulares do direito de acção popular, em nome e
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no interesse das autarquias locais e das regiões autónomas em que residam ou tenham sede, intentar as acções judiciais necessárias para manter, revindicar e reaver bens ou direitos dessas pessoas colectivas que hajam sido usurpados ou de qualquer modo lesados.
2 — O disposto no número anterior é igualmente aplicável quando hajam sido usurpados ou de algum modo lesados bens ou direitos de empresas municipais ou das regiões autónomas.
Artigo 9.° Regulamentação
1 — O Governo regulamentará a presente lei no prazo de 90 dias e elaborará a legislação relativa à garantia do direito de indemnização por infracções à saúde pública, degradação do ambiente e da qualidade de vida ou do património cultural, precedendo debate público em que participem as associações de defesa dos interesses em causa.
2 — As disposições da presente lei que não careçam de regulamentação entram em vigor no 30.° dia posterior ao da sua publicação.
Assembleia da República, 13 de Fevereiro de 1990. — Os Deputados do PCP: José Magalhães — Jerónimo de Sousa — Octávio Teixeira — Ilda Figueiredo — Luis Bartolomeu — Lourdes Hespanhol — Manuel Filipe — Luís Roque.
PROJECTO DE LEI N.° 481/V
LEI DE BASES DA SAÚDE
Criado o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pela Lei n.° 56/79, de 15 de Setembro, mal havia sido iniciada a respectiva regulamentação, as vicissitudes da vida política conduziram a que a sua aplicação estivesse a cargo das forças politicas que contra ele tinham votado. Durou até hoje essa situação, com o pequeno interregno do governo do bloco central. Apesar disso os princípios de solidariedade social em que assenta a lei do SNS conseguiram resistir a todos os ataques, o principal dos quais veio a ser reconhecido como inconstitucional. Constrangido a um subfinanciamento crónico, abandonado à inércia da Administração, enfraquecida a sua eficiência pelo favorecimento de um sector privado que nunca se assumiu como autónomo, o SNS atingiu uma situação em que a necessidade de relançamento, maior generosidade orçamental e clarificação de áreas se tornam indispensáveis. No seu registo, já hoje histórico, adquiriu relevo indiscutível a igualização do acesso da população a cuidados de qualidade razoável ou até boa, se tivermos em conta as restrições financeiras que lhe foram impostas. O SNS, além de ser um pilar da solidariedade social, é uma estrutura que inspira confiança aos Portugueses, onde eles sabem poder encontrar cuidados gratuitos em qualquer situação de crise de saúde. Por esse facto, o objectivo do presente projecto concentra-se no fortalecimento do Serviço Nacional de Saúde, dando execução ao artigo 64.° da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional n.° 1/89, de 1 de Junho.
Logo nos conceitos iniciais se reafirma a responsabilidade do Estado na saúde, concretizada através do SNS. Dotado de personalidade jurídica para poder actuar com autonomia, o SNS é universal, geral, tendencialmente gratuito e basicamente financiado pelo Estado. Como órgão da acção do Estado nesta área, o SNS não esgota a totalidade das intervenções públicas. A outros serviços do Estado e a um volumoso sector privado incumbem funções no campo da saúde, coordenados com ò SNS e sob a tutela do Ministério da Saúde. A todo este conjunto mais vasto se dá a designação de sistema de saúde.
Tornava-se também necessário clarificar a função do Governo face ao SNS. São duas realidades que não se podem confundir, sob pena de não se cumprir a imposição constitucional de gestão descentralizada e participada; ao mesmo tempo, o SNS não pode estar tão distante da Administração que leve o Governo a alienar responsabilidades. Entendeu-se, portanto, que a Administração Pública directa na saúde deve limitar--se ao escalão central e concentrar-se em funções normativas e que a articulação entre ela e o SNS deve fazer-se através da presença dos directores-gerais dos serviços de natureza operativa na direcção do SNS, a nível da sua administração central.
A participação dos cidadãos está prevista em vários órgãos e em várias modalidades: no Conselho Nacional de Saúde, por representantes designados pela Assembleia da República, por representantes de associações de consumidores e utentes, além da representação que caberá aos trabalhadores e às entidades patronais; no conselho geral da Administração Central de Saúde, importante órgão de definição de estratégias, onde a representação quadripartida de cidadãos, trabalhadores, entidades patronais e a própria Administração podem granjear consensos na formação de uma vontade colectiva; no conselho regional das administrações regionais (ARs), onde se aplica a mesma fórmula de representação quadripartida, e, finalmente, nas comissões concelhias de saúde, onde cidadãos e profissionais se encontram para acompanhar a gestão dos serviços de saúde na área do município.
Cria-se um novo órgão — o provedor de saúde —, com funções de recolha das inúmeras queixas dos cidadãos, habitualmente diluídas nos longos canais da Administração. Será um órgão independente, nomeado pelo Conselho Nacional de Saúde, que depois de tratar as queixas recebidas as encaminha para os órgãos competentes. Pode também realizar estudos e averiguações por conta própria. Órgãos análogos existem em outros países da Comunidade, com resultados importantes na melhoria da qualidade e humanização dos serviços que prestam os cuidados.
A questão da regionalização é deixada nos seus limites conceituais: até que as regiões administrativas venham a ser criadas, será o distrito a circunscrição base dos serviços de saúde. Às administrações regionais é conferida autonomia administrativa e financeira, respondendo pela coordenação de todos os serviços de saúde situados a esse nível.
Aos profissionais de saúde é consagrado um regime remuneratório próprio, com incentivos à sua dedicação total aos serviços oficiais. Deverão dispor de condições de formação qualificada e de actualização permanente. Será também fomentada a investigação dentro dos serviços, condição essencial para o seu aperfeiçoamento constante e para satisfação de profissionais.
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Encara-se de forma objectiva o papel da iniciativa privada, devendo a de origem não lucrativa ser estimulada com apoio financeiro e técnico, desde que salvaguardados os seguintes princípios: a universalidade do acesso, a concorrência em qualidade e custo com os serviços públicos e a igualdade de oportunidades entre instituições candidatas. Espera-se que misericórdias, mútuas, fundações, cooperativas de utentes e outras instituições possam frutificar e concorrer aos apoios do Estado, através de convénios ou acordos de cooperação. Quanto às instituições lucrativas, elas serão objecto de intervenção do Estado no licenciamento e inspecção, para garantir ao público uma qualidade que habitualmente lhe não é possível averiguar directamente. Serão utilizadoras das habituais formas de estímulo do Estado ao sector privado nomeadamente os incentivos individuais ou de grupo, organizações de manutenção da saúde, cooperativas de prestadores ou meras empresas de serviços se possam apresentar no mercado em condições de livre concorrência.
As relações entre os sectores público e privado, objecto de alguma ambiguidade nas questões entre o Estado e a classe médica, são colocadas num nível de relacionamento saudável, assente em dois princípios claros: mútua independência e autonomia na mobilização de recursos. A inacumulabilidade da condição de servidor do Estado no SNS e de seu prestador de serviços convencionados é um corolário natural destes princípios. Em contrapartida, o SNS tem a obrigação de criar sistemas remuneratórios que incentivem os profissionais à dedicação exclusiva ao serviço público. Respeitam-se, contudo, os projectos de vida profissional construídos numa altura em que eram permitadas convenções a funcionários do SNS. O projecto confere ao Governo a competência para criar um período transitório para a reconversão gradual e não traumática do regime de trabalho dos profissionais que se encontram nessas condições.
São estes os conceitos e objectivos do presente projecto de lei, que o PS apresenta à Assembleia da República:
CAPÍTULO I Disposições gerais
BASE I Princípios gerais
1 — O direito à protecção, defesa e promoção da saúde efectiva-se pela responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado, nos termos da Constituição e da lei.
2 — O Estado promove e garante, através do Serviço Nacional de Saúde, o acesso equitativo de todos os cidadãos aos cuidados de saúde, de forma a vencer as barreiras económicas, sociais e culturais que o condicionam.
BASE II Sistema de saúde
1 — O sistema de saúde visa a efectivação do direito à protecção, defesa e promoção da saúde e está sob a tutela do Estado, através do Ministério da Saúde.
2 — Todas as entidades públicas e privadas devem colaborar na criação de condições que permitam o exercício do direito a protecção da saúde e ao dever de a promover e defender.
3 — O sistema de saúde tem como instrumento fundamental de acção o Serviço Nacional de Saúde e integra as demais instituições e organizações públicas e privadas que actuam no campo da saúde.
BASE III Política de saúde
A política de saúde tem âmbito nacional e obedece às directrizes seguintes:
a) É objectivo fundamental obter a igualdade de oportunidades no acesso à saúde entre todos os cidadãos, seja qual for a sua condição económica, social, cultural e laboral e onde quer que vivam;
b) A promoção da saúde e a prevenção e controlo das doenças evitáveis constituem preocupação básica do planeamento das actividades do Estado no campo da saúde;
c) São tomadas medidas especiais relativamente a grupos sujeitos a maiores riscos, tais como as crianças, os adolescentes, as grávidas, os crónicos, os idosos, os deficientes e certos grupos profissionais;
d) O planeamento e organização de serviços de saúde oficiais e privados obedece a directivas estabelecidas em carta sanitária que o Governo publica e mantém actualizada;
e) Os serviços de saúde são estruturados de acordo com os interesses dos utentes, cumprindo ao Governo a criação de mecanismos que permitam garantir a sua qualidade;
f) Os serviços de saúde articulam-se com todos os demais serviços do Estado com influência na qualidade de vida dos cidadãos, nomeadamente os serviços de segurança e bem-estar social, os serviços de educação e de equipamentos colectivos, ao nível da administração central, regional e local;
g) A gestão dos recursos deve ser conduzida por forma a obter deles o maior proveito social, prevenindo o desperdício e a utilização desnecessária e ineficiente dos serviços;
h) É reconhecido o papel do sector privado na saúde, tanto de instituições privadas de solidariedade social como de organizações com fins lucrativos;
0 É promovida a participação dos indivíduos e da comunidade na definição da política de saúde e no controlo do funcionamento dos serviços;
J) É incentivada a educação para a saúde das populações, estimulando nos indivíduos e grupos sociais a vontade de serem sadios, e a modificação dos comportamentos nocivos à saúde individual e colectiva;
l) É estimulada a investigação em saúde, biomédica, clínica e de serviços, visando ampliar conhecimentos básicos e melhorar a qualidade, os processos tecnológicos e o próprio funcionamento dos serviços.
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BASE IV Responsabilidade do Governo
1 — O Governo conduz a política de saúde.
2 — Cabe ao Ministério da Saúde propor a definição da política nacional de saúde, promover e vigiar a sua execução e coordenar a sua acção com a dos ministérios que tutelam áreas relevantes.
3 — Todos os departamentos, especialmente os que actuam nas áreas específicas da segurança e bem-estar social, da educação, da alimentação, do ambiente, da economia, da habitação, do urbanismo e do emprego, devem ser envolvidos na promoção da saúde.
4 — A estrutura do Ministério da Saúde consta de diploma próprio, no qual são definidos os serviços que a constituem e o conteúdo da acção orientadora e tutelar que lhes cabe desempenhar em relação ao sistema de saúde referido nesta lei.
BASE v Conseibo Nacional de Saúde
1 — O Conselho Nacional de Saúde representa os interessados no funcionamento do sistema de saúde e é um órgão de consulta do Governo.
2 — 0 Conselho Nacional de Saúde inclui representantes dos cidadãos, dos trabalhadores de saúde, das ordens profissionais, das associações de consumidores e de utentes, das instituições particulares de solidariedade social, de subsistemas de saúde e dos departamentos governamentais com áreas de actuação mais relevantes para a saúde.
3 — Os representantes dos cidadãos são designados pela Assembleia da República.
4 — A composição, competência e funcionamento do Conselho Nacional de Saúde constam da lei.
BASE vi Regiões autónomas
Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira a politica de saúde é definida e executada, nos termos constantes da Constituição e da lei, pelos órgãos do Estado ou dos governos próprios e obedece aos princípios constantes da presente lei.
BASE vil Autarquias locais
1 — Sem prejuízo de eventual transferência de competências, as autarquias locais participam na acção comum a favor da saúde dos indivíduos e das comunidades.
2 — Em especial, as autarquias participam na constituição dos órgãos de administração da saúde da respectiva área e na elaboração dos planos de saúde em que estejam directamente interessadas e contribuem para a sua efectivação dentro das suas atribuições e responsabilidades.
BASE VIII Direitos e deveres dos cidadãos
1 — Os cidadãos têm direito à protecção da própria saúde, sendo dela os primeiros responsáveis, cabendo-
-lhes preservá-la e defendê-la, tanto individual como colectivamente.
2 — Os cidadãos têm direito a que os serviços de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus legítimos interesses.
3 — É garantida a liberdade de acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde a cargo do Estado, com as limitações decorrentes dos recursos existentes e da organização dos serviços.
4 — É reconhecida a liberdade de acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde no sector privado, com base no princípio da responsabilidade financeira individual, directamente assumida ou por transferência contratada com terceiro responsável.
5 — É reconhecida a liberdade de prestação de cuidados de saúde, com as limitações decorrentes da lei, designadamente no que respeita a exigências de qualificação profissional.
6 — A liberdade de prestação de cuidados de saúde abrange a faculdade de se constituírem entidades, sem ou com fins lucrativos, que visem aquela prestação.
7 — Os cidadãos respondem pelos actos que pratiquem em violação das leis que fomentam e protegem a saúde individual e colectiva.
BASE IX Provedor de saúde
1 — O provedor de saúde defende os direitos dos cidadãos à protecção da saúde, com vista à progressiva melhoria dos serviços e dos cuidados, propondo as reformas indispensáveis no sistema e visando a igualdade de resultados da actuação dos serviços na promoção e defesa da saúde dos cidadãos.
2 — Todos os cidadãos e grupos de cidadãos com responsabilidade e interesse na promoção da saúde podem recorrer à intervenção do provedor de saúde, com exclusão de funcionários e agentes dos serviços no que respeita aos problemas do seu exercício profissional.
3 — 0 provedor de saúde é um órgão independente e sem poder decisório, que apreciará as queixas dos cidadãos por acções ou omissões dos serviços de saúde, públicos e privados, dirigindo aos responsáveis as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças.
4 — 0 provedor de saúde é designado pelo Conselho Nacional de Saúde e a sua competência consta da lei.
5 — Os órgãos e agentes dos serviços oficiais cooperam com o provedor de saúde na realização da sua missão.
BASE X
Organlzaedo do território para fins de saúde
1 — A organização do sistema de saúde baseia-se na divisão do território nacional em regiões e áreas concelhias de saúde.
2 — As regiões de saúde são dotadas de meios de acção tecnicamente hierarquizados, bastantes para satisfazer autonomamente as necessidades correntes de saúde dos seus habitantes, podendo, quando necessário, ser estabelecido acordos inter-regionais para a utilização de determinados recursos.
3 — Cada concelho constitui uma área de saúde, mas podem algumas localidades ser incluídas em áreas di-
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ferentes das dos concelhos a que pertençam, quando se verifique que é indispensável para tornar mais rápida e cómoda a prestação dos cuidados de saúde.
4 — As grandes aglomerações urbanas têm organização de saúde própria, a estabelecer em lei, tomando em conta as respectivas condições demográficas e sanitárias.
5 — Até à criação das regiões administrativas previstas na Constituição o distrito constituirá a circunscrição base da administração regionalizada de saúde.
BASE XI Autoridades de saúde
1 — As autoridades de saúde situam-se nos escalões nacional, regional e concelhio e garantem a intervenção oportuna e discricionária do Estado em situações de grave risco para a saúde pública.
2 — As autoridades de saúde têm funções de vigilância da correcção técnica das decisões dos órgãos e serviços executivos do Estado em matéria de saúde pública, podendo suspendê-las quando as considerem prejudiciais.
3 — As funções de autoridade de saúde são independentes das de natureza operativa dos restantes serviços.
4 — Das decisões das autoridades de saúde há sempre recurso hierárquico e contencioso, nos termos da lei.
5 — O exercício das funções de autoridade de saúde é reservado a médicos da carreira de saúde pública e os seus titulares são hierarquicamente dependentes do Ministro da Saúde, através do director-geral competente.
BASE XII Situações de grave emergência
1 — Quando ocorram situações de grave emergência de saúde ou de catástrofe, o Ministro da Saúde, em coordenação com o Serviço Nacional de Protecção Civil, toma as medidas de excepção que forem indispensáveis, coordenando a actuação dos serviços centrais do Ministério com os órgãos do Serviço Nacional de Saúde e os vários escalões das autoridades de saúde.
2 — Sendo necessário, pode o Governo, nas situações referidas no n.° 1, requisitar, pelo tempo absolutamente indispensável, os profissionais e estabelecimentos de saúde em actividade privada.
BASE XIII Estatuto dos utentes
1 — Os utentes do sistema de saúde devem:
a) Observar as regras sobre a organização e o funcionamento dos serviços e estabelecimentos;
b) Colaborar com os profissionais de saúde em relação à sua própria situação;
c) Utilizar os serviços de acordo com as regras estabelecidas.
2 — Os utentes dos serviços têm direito a:.
o) Escolher, na medida dos recursos existentes e de acordo com as regras de organização, o serviço e o agente prestadores;
b) Decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é proposta, salvo disposição especial da lei;
c) Ser tratados humanamente e com prontidão, correcção técnica, privacidade, humanidade e respeito;
d) Ter rigorosamente respeitada a confidencialidade sobre os dados pessoais revelados;
e) Ser informados sobre a sua situação, alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado;
f) Receber, se o desejarem, assistência religiosa;
g) Reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for caso disso, receber indemnização por prejuízos sofridos;
h) Participar, através das formas previstas na lei, na administração e controlo dos serviços de saúde;
/) Não ser prejudicados na qualidade e prontidão dos cuidados necessários, por medidas de mera redistribuição interna das competências e responsabilidades dos serviços;
j) Constituir entidades que os representem e defendam perante o sistema de saúde;
/) Constituir entidades que colaborem com o sistema de saúde, nomeadamente sob a forma de associações para promoção e defesa da saúde ou grupos de amigos de utentes de estabelecimentos de saúde.
BASE XIV Profissionais de saúde
1 — A lei estabelece os requisitos indispensáveis ao exercício de funções e os direitos e deveres dos profissionais de saúde, tendo em atenção a relevância social da sua actividade.
2 — A política de recursos humanos para a saúde visa satisfazer as necessidades da população, garantir a segurança e o estímulo dos profissionais, prevenir as situações de conflito de interesses entre a actividade pública e a privada e conseguir uma equilibrada distribuição no território nacional.
3 — Os profissionais de saúde e as suas organizações representativas têm direito a participar nas decisões relativas ao funcionamento dos serviços, de acordo com o estabelecido na lei.
BASE xv Organização dos cuidados de saúde
1 — O sistema de saúde assenta nos cuidados de saáude primários funcionando, segundo as necessidades de saúde da comunidade e com a sua participação, através de equipas multidisciplinares e plurissectoriais.
2 — Compreendem-se nos cuidados primários a promoção da saúde e prevenção da doença, o diagnóstico precoce e as medidas terapêuticas correspondentes, a referência para os cuidados de saúde secundários, a prestação de cuidados no domicílio, as situações de urgência e internamento que não careçam de meios técnicos diferenciados e a reinserção do doente na comunidade.
3 — Os cuidados de saúde secundários englobam a prestação de cuidados em estabelecimentos de saúde dotados de recursos tencologicamente complexos, orien-
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tados para a prestação de cuidados médicos e cirúrgicos, tanto em ambulatório como em hospitalização de dia ou de domicílio, como em internamento.
4 — Os cuidados de saúde primarios e secundarios subordinam-se a uma direcção unificada e articulam--se entre si de forma continuada, garantindo a circulação mútua e confidencial da informação relevante sobre o estado de saúde dos cidadãos.
BASE XVI Actividade farmacêutica
1 — A actividade farmacêutica abrange a produção comercialização, importação e exportação de medicamentos e produtos medicamentosos.
2 — A actividade farmacêutica tem regime especial e fica submetida à disciplina e à fiscalização conjuntas dos Ministérios da Saúde, da Indústria e Energia e do Comércio e Turismo.
3 — Esta disciplina incide sobre a instalação de equipamentos produtores e estabelecimentos distribuidores de medicamentos e produtos medicamentosos e o seu funcionamento com o objectivo de defesa da saúde, satisfação das necessidades das populações, garantia de qualidade e contenção do abuso de medicamentos e produtos.
BASE XVII Outras actividades complementares
1 — Estão sujeitas a regras próprias e à disciplina e inspecção do Ministério da Saúde e, sendo caso disso, dos outros ministérios competentes as actividades que se destinem a facultar meios materiais ou de organização indispensáveis à prestação de cuidados de saúde, mesmo quando desempenhadas pelo sector privado.
2 — Incluem-se nas actividades referidas no número anterior a colheita e distribuição de produtos biológicos, a produção e distribuição de bens e produtos alimentares, a produção e comercialização de bens e equipamentos de saúde, o estabelecimento e exploração de seguros de saúde e o transporte de doentes.
BASE XVIII Relações internacionais
1 — O Estado Português reconhece as interdependências sanitárias a nivel mundial e assume as respectivas responsabilidades.
2 — Sem prejuízo da independência dos seus direitos, garante apoio às organizações internacionais de saúde, particularmente à Organização Mundial de Saúde, coordena a sua política com as grandes orientações desta e garante o cumprimento dos compromissos internacionais livremente assumidos.
3 — Como Estado membro das Comunidades Europeias, Portugal intervém na tomada de decisões em matéria de saúde a nível comunitário, participa nas acções que se desenvolvem a esse nivel e assegura as decorrentes de tais decisões a nívei interno.
4 — É estimulada a cooperação com outros países no âmbito da saúde, em particular com os países africanos de língua oficial portuguesa.
5 — É estimulada a cooperação com os restantes Estados nos projectos comuns de investigação de saúde,
podendo ser colocados à disposição de instâncias internacionais os resultados das investigações efectuadas em Portugal, em termos a acordar.
BASE XIX Defesa sanitária das fronteiras
O Estado Português promove a defesa sanitária das suas fronteiras, com respeito pelas regras emitidas pelos organismos internacionais competentes.
CAPÍTULO II Do Serviço Nacional de Saúde
BASE XX Constituição
1 — O Serviço Nacional de Saúde é dotado de personalidade jurídica, sendo constituído por todas as instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, bem como pelos profissionais a eles vinculados e pelos respectivos órgãos de gestão.
2 — O Serviço Nacional de Saúde pode contratar a prestação de serviços aos seus beneficiários por parte de entidades privadas sempre que tal se afigure necessário para garantir a cobertura universal dos cuidados de saúde.
3 — A rede nacional de serviços prestadores de cuidados abrange os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, as instituições e estabelecimentos privados e os profissionais em regime liberal que com ele celebrem contratos.
BASE XXI Características
0 Serviço Nacional de Saúde caracteriza-se por:
a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Visar a equidade no acesso para iguais necessidades dos utentes, eliminando ou atenuando desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras;
c) Ter direcção unificada, organização regionalizada e gestão descentralizada e participada;
d) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
é) Ser tendencialmente gratuito, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos; f) Ser basicamente financiado pelo Estado.
BASE XXII Beneficiários
1 — São beneficiários do Serviço Nacional de Saúde todos os cidadãos portugueses.
2 — São igualmente beneficiários do Serviço Nacional de Saúde os cidadãos nacionais de Estados membros das Comunidades Europeias, nos termos das normas comunitárias aplicáveis.
3 — São ainda beneficiários do Serviço Nacional de Saúde os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal em condições de reciprocidade e os cidadãos apátridas residentes em Portugal.
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BASE XXIII Organização do Serviço Nacional de Saúde
1 — O Serviço Nacional de Saúde é dirigido, coordenado e gerido a nivel nacional pela Administração Central de Saúde e a nivel de cada região de saúde por uma administração regional de saúde.
2 — Em cada concelho é constituída uma comissão concelhia de saúde.
BASE XXIV Administração Centrai de Saúde
1 — A Administração Central de Saúde é responsável a nivel nacional pela saúde das populações e adequa os recursos existentes às necessidades.
2 — Cabe, em especial, à Administração Central de Saúde:
a) Distribuir pelas regiões os recursos disponíveis;
b) Estabelecer planos de investimento e desenvolvimento;
c) Orientar, coordenar e acompanhar a execução respectiva a nível nacional;
d) Avaliar os resultados obtidos.
3 — A Administração Central de Saúde tem autonomia administrativa e financeira e está em ligação directa com os serviços centrais do Ministério da Saúde e com todos os serviços e autoridades públicas e entidades particulares.
BASE XXV Órgãos da Administração Central
1 — A Administração Central de Saúde tem por órgãos o conselho geral, o conselho de administração, o presidente e o conselho técnico.
2 — O conselho geral é o responsável pela política geral do Serviço Nacional de Saúde, cabendo-lhe a aprovação do orçamento, contas e planos, sendo constituído, em representação quadripartida, pelo conselho de administração e por delegados designados pela Assembleia da República, pelas centrais sindicais e pelas confederações patronais.
3 — O conselho de administração é o responsável pela administração corrente do Serviço Nacional de Saúde e é constituído pelo presidente e pelos directores--gerais dos serviços centrais de natureza operativa.
4 — O presidente representa o Serviço Nacional de Saúde, preside aos conselhos geral e de administração e é o primeiro responsável pela administração do Serviço Nacional de Saúde.
5 — As funções de presidente incumbem ao Ministro da Saúde e podem ser delegadas num secretário ou subsecretário de Estado ou num dos directores-gerais do Ministério.
6 — Ao conselho técnico incumbe dar parecer sobre os planos anual e plurianuais de actividades do Serviço Nacional de Saúde, elaborar o relatório anual sobre a situação de saúde do País, sendo constituído pelo conselho de administração, pelos dirigentes dos serviços centrais de categoria igual ou equiparada a director-geral e pelos presidentes das administrações regionais.
BASE XXVI Administrações regionais de saúde
1 — As administrações regionais de saúde são responsáveis pela saúde das populações da respectiva área geográfica e adequam os recursos que lhes são distribuídos às necessidades, de acordo com as normas emitidas pelo Ministério da Saúde e pela Administração Central de Saúde.
2 — As adrrúnistrações regionais de saúde coordenam todos os serviços de saúde da sua área, tanto primários como secundários, incluindo os de saúde mental, escolar e ocupacional, cabendo-lhes, em especial:
a) Distribuir os recuros disponíveis pelos serviços e instituições da região;
b) Estabelecer os respectivos planos anuais de actividade;
c) Orientar, coordenar e acompanhar a execução respectiva;
d) Regular a procura entre os serviços e instituições da região e orientar, coordenar e acompanhar o respectivo funcionamento;
e) Contratar a prestação de serviços aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde por entidades privadas;
f) Avaliar permanentemente os resultados obtidos;
g) Coordenar o transporte de doentes, incluindo o que esteja a cargo de entidades privadas.
3 — As administrações regionais de saúde têm autonomia administrativa e financeira.
4 — As administrações regionais de saúde têm por órgãos o presidente, a direcção e o conselho regional.
5 — O presidente é nomeado pelo Ministro da Saúde de entre personalidades de reconhecido mérito e experiência profissional na área da saúde, representa o Serviço Nacional de Saúde a nível regional, preside à direcção e é o primeiro responsável pela administração regional de saúde.
6 — A direcção é constituída pelo presidente e por três funcionários dos quadros do Serviço Nacional de Saúde, personalidades de reconhecido mérito e currículo adequado, designados pelo Ministro da Saúde de entre os três primeiros classificados em concurso aberto para o efeito.
7 — Incumbe à direcção a administração corrente da região de saúde, superintendendo em todos os serviços oficiais do sector na respectiva área geográfica.
8 — 0 conselho regional é constituído, em representação quadripartida, pela direcção, por representantes dos municípios, das organizações patronais e sindicais da região e é presidido, até à criação de regiões administrativas, pelo presidente do município sede da região de saúde, incumbindo-lhe a aprovação do plano, orçamento e contas da administração regional.
BASE XXVII Comissões concelhias de saúde
1 — As comissões concelhias de saúde são órgãos de acompanhamento e controlo das adrrúnistrações regionais de saúde em relação a cada concelho da respectiva área de actuação.
2 — Cabe, em especial, às comissões concelhias de saúde pronunciarem-se sobre os planos anuais e os relatórios de actividade no que respeita ao respectivo con-
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celho e sobre quaisquer outros assuntos que lhes sejam submetidos, bem como formular recomendações.
3 — A comissão concelhia é presidida pelo presidente da câmara municipal respectiva e tem como vogais representantes dos utentes e dos serviços e instituições de saúde da área do município.
BASE XXVIII Avaliação permanente
1 — O funcionamento do Serviço Nacional de Saúde está sujeito a avaliação, através da montagem de esquemas permanentes.
2 — Nestes esquemas é utlizada informação de natureza estatística, epidemiológica e administrativa.
3 — É igualmente colhida informação sobre o grau de aceitação e satisfação dos cuidados pela população utente e o nível de satisfação dos profissionais.
4 — Esta informação é tratada em sistema completo e integrado, que abrange todos os níveis e todos os órgãos e serviços.
BASE XXIX Profissionais de saúde
1 — Os profissionais de saúde que trabalham no Serviço Nacional de Saúde estão submetidos às regras próprias da Administração Pública e constituem-se em corpos especiais para efeitos remuneratórios.
2 — A lei estabelece as regras próprias sobre as carreiras e regimes de trabalho dos profissionais de saúde, na medida do que seja necessário.
3 — Em particular, são fixadas regras que traduzam as exigências deontológicas do trabalho no sector da saúde, que determinem um sistema remuneratório e dispositivos legais que incentivem ao exercício em dedicação exclusiva de funções, garantam a autonomia técnica e a complementar responsabilidade profissional.
4 — Os profissionais dos quadros do Serviço Nacional de Saúde não podem, enquanto no exercício das respectivas funções, prestar serviços ao Serviço Nacional de Saúde em regime de convenção ou de reembolso, com remuneração directa ou indirecta.
5 — É assegurada formação permanente aos profissionais de saúde.
6 — Serão tomadas medidas e afectadas dotações orçamentais para garantir aos profissionais de saúde o acesso à informação internacional, científica e técnica e à consequente qualificação profissional em serviços e escolas estrangeiras, quando necessário.
BASE XXX
Relações entre o Serviço Nacional de Saúde e a Ordem dos Médicos
1 — O ingresso dos médicos no Serviço Nacional de Saúde depende de prévia inscrição na Ordem dos Médicos.
2 — É reconhecida à Ordem dos Médicos a função definidora da deontologia médica, mesmo para os actos praticados no quadro do Serviço Nacional de Saúde, bem como a titulação dos profissionais cujo exercício anterior decorreu no estrangeiro, sem prejuízo da competência própria das universidades no reconhecimento das respectivas habilitações académicas.
3 — A Ordem dos Médicos colabora com o Ministério da Saúde no processo de atribuição de títulos e qualificações inerentes ao exercício da medicina no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
BASE XXXI Financiamento
1 — O Serviço Nacional de Saúde é financiado pelo Orçamento do Estado e pelas receitas adiante previstas.
Í — O Orçamento do Estado afecta dotações globais ao Serviço Nacional de Saúde, que as movimenta e delas presta contas ao Tribunal de Contas.
3 — A Administração Central de Saúde, com base em critérios que visam a igualdade de oportunidades de acesso aos cuidados, reparte as dotações referidas no número anterior pelas administrações regionais, que as atribuem aos serviços e estabelecimentos da respectiva região, os quais inscrevem a parte que recebem nos seus orçamentos próprios.
BASE XXXII Outras receitas
1 — As restantes receitas são cobradas directamente pelos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e inscritas nos seus orçamentos próprios e podem revestir as seguintes formas:
a) Pagamento de cuidados em regime particular ou outra modalidade de carácter excepcional;
b) Pagamento de cuidados por parte de terceiros responsáveis, legal ou contratualmente, pelo acto ou facto que deu causa às prestações;
c) Pagamento de cuidados prestados a não beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, quando não há terceiros responsáveis;
d) Produto de rendimentos próprios;
e) Produto de benemerencias;
f) Produto da efectivação da responsabilidade dos utentes pelas infracções às regras da organização e do funcionamento do sistema e pelo uso doloso dos serviços e material de saúde.
2 — No caso de os terceiros previstos na alínea b) don.0 1 serem entidades estrangeiras cuja responsabilidade é reconhecida em instrumentos internacionais, o processo de cobrança é o estabelecido nas disposições aplicáveis, mas a receita reverte para o estabelecimento ou serviço prestador dos cuidados.
BASE XXXI11 Taxas moderadoras
1 — Podem ser cobradas taxas moderadoras com o objectivo de completar as medidas reguladoras do uso dos serviços de saúde, as quais constituem também receita do Serviço Nacional de Saúde.
2 — Das taxas referidas no número anterior são isentos grupos populacionais sujeitos a maiores riscos ou financeiramente mais desfavorecidos, nos termos determinados na lei.
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BASE XXXIV Benefícios
1 — A lei pode especificar as prestações garantidas aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde ou excluir de objecto dessas prestações cuidados não justificados pelo estado de saúde.
2 — Em circunstâncias excepcionais em que seja impossível garantir em Portugal o tratamento nas condições exigíveis de segurança e em que seja possível fazê--lo no estrangeiro, o Serviço Nacional de Saúde suporta as respectivas despesas.
CAPÍTULO III Das iniciativas privadas de saúde
BASE XXXV Apolo ao sector privado
1 — O Estado apoia o sector privado de prestação de cuidados de saúde em função das vantagens sociais decorrentes das iniciativas em causa.
2 — 0 apoio pode traduzir-se, nomeadamente, em facilitação da mobilidade do pessoal do Serviço Nacional de Saúde que deseje trabalhar no sector privado, desde que tal não afecte o funcionamento dos serviços de origem, no estímulo à constituição de unidades privadas não lucrativas e em incentivos indirectos de natureza fiscal.
3 — A lei define a articulação entre os sectores público e privado na prestação de cuidados de saúde, obedecendo aos princípios da mútua independência e autonomia na mobilização dos recursos.
BASE XXXVI
Instituições particulares de solidariedade social com objectivos de saúde
1 — As instituições particulares de solidariedade social com objectivos específicos de saúde intervêm na acção comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, de acordo com a legislação que lhes é própria e a presente lei.
2 — As instituições particulares de solidariedade social ficam sujeitas, no que respeita às suas actividades de saúde, ao poder orientador e de inspecção dos serviços competentes do Ministério da Saúde, sem prejuízo da independência de gestão estabelecida na Constituição e na legislação própria.
3 — O Estado apoiará técnica e financeiramente a prestação de cuidados de saúde por estas instituições, desde que abertas a toda a população, em condições de qualidade e custo concorrenciais com os serviços oficiais e em regime de igualdade de oportunidades entre instituições candidatas.
BASE XXXVII Organizações de saúde com fins lucrativos
1 — As organizações privadas com objectivos de saúde e fins lucrativos fazem parte do sistema de saúde, pelo que ficam sujeitas a licenciamento, regulamentação e garantia de qualidade por parte do Estado.
2 — A hospitalização privada e as organizações prestadoras de meios de diagnóstico e terapêutica obedecem, na sua implantação, às directivas da carta sanitária e articulam-se de forma complementar com o Serviço Nacional de Saúde, funcionando sob a tutela do Ministério da Saúde.
3 — Compreendem-se na hospitalização privada as clínicas ou casas de saúde, gerais ou especializadas, e os estabelecimentos termais com internamento não pertencentes ao Estado ou às autarquias locais.
BASE XXXVIII Profissionais de saúde em regime liberal
1 — Os profissionais de saúde que asseguram cuidados em regime de profissão liberal consideram-se incluídos no sistema de saúde e, nessa situação, desempenham função de importância social reconhecida e protegida pela lei.
2 — O exercício de qualquer profissão que implique a prestação de cuidados de saúde em regime liberal é regulamentado e fiscalizado pelo Ministério da Saúde, sem prejuízo da intervenção própria nessa matéria, que por lei incumbe às organizações de representação profissional.
3 — 0 Serviço Nacional de Saúde, os médicos e outros profissionais de saúde em exercício liberal devem prestar-se apoio mútuo.
BASE XXXIX Convenções
1 — Podem ser celebradas convenções entre o Serviço Nacional de Saúde, médicos e outros profissionais de saúde ou casas de saúde, clínicas ou hospitais privados, hospitais de dia, centros de repouso e organizações prestadoras de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, quer a nível de cuidados de saúde primários quer a nível de cuidados secundários.
2 — Os beneficiários do Serviço Nacional de Saúde gozam, em relação ao sector convencionado, em princípio e salvo expressa determinação em contrário, dos mesmos direitos e deveres que em relação aos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, incluindo, quando for caso disso, os que respeitam ao pagamento de taxas moderadoras.
3 — A lei estabelece as condições de celebração de convenções e, em particular, as garantias das entidades convencionadas.
BASE XL Seguros de saúde
1 — Poderão ser criados sistemas de seguro privado de saúde, individuais ou colectivos.
2 — Os seguros de saúde podem ser do tipo puramente financiador ou incluir, no todo ou em parte, a prestação directa de cuidados de saúde.
3 — Podem ser constituídas organizações privadas de manutenção da saúde, na base dos princípios da livre adesão individual, da integralidade das prestações e da garantia de qualidade dos cuidados prestados, sendo, para todos os efeitos legais, consideradas como sistemas de seguro privado de saúde.
4 — A disciplina dos sistemas de seguro privado de saúde cabe aos Ministérios das Finanças e da Saúde,
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com vista à garantia de livre concorrência, tanto da oferta como da procura, e da garantia de qualidade dos cuidados prestados.
CAPÍTULO IV Disposições especiais e transitórias
BASE XLI Carta de saúde
1 — É criada a carta de saúde, obrigatória para todos os cidadãos, e que será passada pelo centro de saúde da respectiva naturalidade a partir da notícia oficial do nascimento.
2 — Esta carta condiciona o direito de acesso aos cuidados de saúde, salvo nos casos de manifesta urgência.
BASE XLII
Regulamento geral dos órgãos e serviços de saúde
1 — O Governo aprovará por decreto-lei o regulamento geral dos órgãos e serviços de saúde para aplicação genérica desta lei.
2 — Em decreto regulamentar ou portaria serão estabelecidos os regimes e instruções indispensáveis à execução daqueles diplomas.
3 — A legislação sobre as matérias a que respeita esta lei e os diplomas referidos nos números anteriores mantêm-se entretanto em vigor até revogação expressa, que deverá ser feita nesses mesmos diplomas.
BASE XLIII Vigência da lei
Esta lei entra em vigor três meses depois da sua publicação.
BASE XLIV Período transitório
O Governo estabelecerá um período transitório para regularizar a situação dos médicos que, trabalhando em serviços de saúde, firmaram convenção com o Ministério da Saúde.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 1990. — Os Deputados do PS: Ferraz de Abreu — Jorge Catarino — João Rui de Almeida — Mário Cal Brandão — António Oliveira — Rui Cunha — Rui Pedro Ávila.
PROJECTO DE LEI N.° 482/V ALTERAÇÕES AO ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS
A tributação dos rendimentos promanados do trabalho intelectual deve reger-se por normas específicas que, no quadro da Constituição e das leis, atendam à natureza concreta da matéria sobre que incidem.
É entendimento que crescentemente se generaliza o da consagração de benefícios fiscais para os autores, assim relevando a componente social da sua produção.
Em diversos países se caminhou já para a adopção de modelos ousados, que vão (como no caso da Irlanda) da isenção pura e simples à prescrição de taxas simbólicas (como no caso da maioria dos Estados nórdicos e do Leste europeu) ou, em última análise, bastante reduzidas.
Compreende-se que assim seja.
Não só a realização estética se reveste de singularidades que a afastam dos processos produtivos comuns, saldando-se, desde logo, por traços de imaterialidade estruturante, como, por óbvias razões, se assume como um património para fruição colectiva em princípio irrestrita um legado que excede as contingências da vida dos seus obreiros. Nem importará rastrear os traços elementares do acto criativo, as sensações e incomodidades que o substanciam, para proclamar evidências que só o vezo ou a ignorância renegam. Qualquer visão economicista do direito de autor é, em si mesma, improcedente. Procurar ver na Montanha Mágica, no Memorial do Convento, nos Cem Anos de Solidão
— para escrever três títulos ao volúvel correr da pena — apenas o somatório de exemplares vendidos, o produto de um mercado em que cabem, em pé de igualdade, os sabonetes e as revistas de colunismo mundano, será, sem dúvida, nada ver. Outrotanto se dirá da sinfonia n.° 1 de Beethoven ou de uma peça de Dvórack, Verdi, Lopes Graça, de uma canção de José Afonso, Amália, Reggiani, de um concerto de Bruce Sprinsteen, dos Trovante, Simon e Garfunkel e dos suportes em que se difundem no trato comercial. E ainda das mil e uma realidades em que se elabora, fixa e propõe a arte que nos ajuda a gostar de viver. Não pode recusar-se uma leitura deste universo compósito a luz do paradigma humanístico-cultural, com manifesta subalternização das tendências técnico-financeiras e de intenções homogeneizadoras que nem sequer são rígidas (basta lembrar, sem menosprezo, as disposições que favorecem os futebolistas)...
Acresce um argumento irrecusável: toda a propriedade se transmite, nos termos da legislação pertinente, ad aeternum, salvo excepcionalíssimas circunstâncias. No entanto, por força da lei, a propriedade intelectual (referida aos contornos aqui esboçados) cai, meio século após o perecimento do seu detentor originário
— o autor —, no domínio público. Não parece justo que o Estado, esquecendo as duras vicissitudes que, normalmente, esmaltam o percurso de um criador, faça recair sobre os rendimentos provenientes da sua actividade intelectual — que se destina, de facto e a prazo, à comunidade — a fria mão colectora dos impostos, quantas vezes agravando as condições a que, adequadamente, se acha sujeito em função do desempenho de uma outra profissão, aquela que, afinal, lhe garante a sobrevivência.
É altura de erradicar a imagem de autor que os poderes instituídos conservam: a de «uma espécie de meliante em liberdade vigiada», para dar voz a Fernando Namora, que, décadas a fio, se bateu contra o facto de o escritor «não ter direito, sequer, a mencionar no cartão de identidade que a sua profissão é escrever» mas se vê compelido, pelos títulos que vai publicando, a prestar rudes contas anuais na repartição de finanças do seu bairro fiscal.
Sem a convicção de que a iniciativa do PCP é perfeita e não passível de aperfeiçoamentos, avança-se uma contribuição pensada e tempestiva. Fica aberto o de-
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bate parlamentar e público indispensável. Não deverá, contudo, retardar-se excessivamente a aprovação de um diploma escorreito.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei de alteração do Estatuto dos Benefícios Fiscais (Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho):
Artigo único. O artigo 45.° do Decreto-Lei n.° 215/89, de 1 de Julho, passa a ter a seguinte redacção:
Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual, com excepção das obras publicitárias e dos programas de computador, serão considerados no englobamento para efeitos de IRS apenas por 20% do seu valor.
Assembleia da República, 14 de Fevereiro de 1990. — Os Deputados do PCP: José Manuel Mendes — Carlos Brito — Octávio Teixeira — José Magalhães.
PROJECTO DE LEI N.° 483/V
POR UM COMBATE EFICAZ AO TRÂRCO CRIMINOSO 0A DROGA E PELA ERRADICAÇÃO DAS SUAS LETAIS CONSEQUÊNCIAS DA SOCIEDADE.
1 — Não será nunca por de mais evocar as proporções que atingiram, em biliões de qualquer divisa e em número de vítimas, quer o tráfico criminoso da droga, nas mãos de verdadeiros potentados económicos multinacionais, quer as suas consequências danosas para a sociedade internacional, vítima destes bandos de verdadeiros malfeitores, com o seu infindável rol de sequelas directas e indirectas — os prejuízos para a saúde mental, moral e física e o dano irreparável das vidas, o roubo, a prostituição, a sida, os assassinatos, os sequestros e, mais recentemente, a verdadeira guerra desencadeada pelos EUA, com tantos cidadãos panamen-ses vítimas inocentes deste atentado armado.
2 — É, por isso, mais do que nunca oportuno perguntar por que razão a política proibicionista, iniciada há já cerca de 80 anos com a Convenção da Haia de 1912 e progressivamente endurecida, nos últimos anos, em praticamente todos os países do mundo, se revelou um autêntico fracasso. É sobre isso que, hoje, por toda a parte, desde eminentes juristas a conceituados sociólogos, passando por economistas, médicos, cientistas e investigadores, se interrogam.
Sem pretender, obviamente, ser exaustivo, permita--se-me que recorde alguns depoimentos importantes que sobre esta matéria foram produzidos no seminário que, no âmbito do Parlamento Europeu, teve lugar em Bruxelas, de 28 de Setembro a 1 de Outubro de 1988, e de que destaco:
O do Prof. Amato Lamberti, professor de Sociologia na Universidade de Nápoles;
O do Prof. Peter Reuter, economista da Rand Corporation de Washington;
O do Prof. José Luis Diez Ripopelles, professor de Direito Penal na Universidade de Málaga;
O do físico Giancarlo Arnao;
O do psiquiatra Winfand J. Sengers, funcionário do Ministério Holandês da Sáude;
O da juíza Manuela Carmene Castrillo;
O do Prof. Ernesto Ugo Savona, professor de Criminologia do Departamento de Jurisprudência da Universidade de Trento;
O do Prof. Roger Lewis, investigador na Universidade da Calábria e membro da Comissão Anti--Mafia do Parlamento Italiano;
O de Peter Cohen, director do Programa de Investigação sobre o Consumo da Droga na Cidade de Amsterdão;
O do físico Luigi dei Gatto, investigador na Universidade de Berkeley (Califórnia);
O da psiquiatra Micheline Roelandt, do Brugmann Hospital de Bruxelas;
O do médico Jacques Baudour, professor na Escola de Saúde Pública na Universidade de Bruxelas;
O do antropologista Mare Reisinger;
O da Prof.a Marie André Bertrand, do Departamento de Criminologia da Universidade de Montreal e actual presidente da Liga Internacional Antiproibicionista;
O do filósofo Fernando Savater;
O do Prof. Thomas S. Szass, professor de Psiquiatria na Universidade do Estado de Nova Iorque;
O do Prof. Bruce K. Alexander, do Departamento de Criminologia da Universidade de Montreal;
O do Prof. Richard Stevenson, professor de Economia na Universidade de Liverpul;
O do Prof. Lester Grinspoon, membro do Conselho da Drug Policy Foundation e conselheiro dos Estados de Nova Iorque, Vermont e Mas-sachusetts, Nova Jérsia, Colorado e Washington.
Todos estes depoimentos acham-se reunidos em volume sob o título The Cost of Prohibition on Drugs, publicado pelo CORA, com o patrocínio do Parlamento Europeu, e estiveram na origem de declaração apresentada neste Parlamento e subscrita por deputados de praticamente todos os grupos parlamentares, onde, designadamente:
a) Considerando o aumento contínuo da produção e do tráfico ilícito de estupefacientes, que representa um fenómeno social particularmente grave sob múltiplos aspectos, tanto pelo que respeita ao aumento das vítimas da droga como pelo crescimento exponencial dos crimes que lhe estão ligados;
b) Considerando que o tráfico ilícito de estupefacientes é estimado em 300 biliões de dólares cada ano, enquanto se cifram em 60% os detidos na Europa, incriminados ou condenados por delitos ligados à droga;
c) Considerando que todas as políticas proibi-cionistas adoptadas até agora à escala nacional se revelaram pelo menos inadequadas, se não de todo ineficazes, atendendo a que se cifra em 10% a parte do tráfico clandestino interceptado pelos polícias e alfândegas e que, por outro lado, o consumo mundial das drogas ilícitas progride segundo uma curva exponencial:
Considera necessário estudar todas as implicações jurídicas, sociais e humanas de uma legislação antiproibicionista.
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No entanto, foram mais recentemente as declarações públicas do ex-Secretário de Estado Americano George Schultz, no dia 7 de Outubro de 1989, ao voltar a leccionar na Stanford Business School, que relançaram mundialmente a questão da total falência da politica proibicionista. «It seems to me that the conceptual base of drug prohibition is flawed», foram exactamente as suas palavras (cf. The Drug Policy Letter, vol. i, n.° 5, Nov./Dec. 1989, p. 3). .
3 — Acontece, com efeito, que não só a política proibicionista se revelou um total fracasso para reprimir o tráfico e o consumo de drogas mas, antes, tem vários efeitos perversos.
Desde logo, a proibição é a aliada objectiva do tráfico, porque levou à criação de um monopólio criminoso de distribuição de estupefacientes. É que, sendo a droga uma mercadoria, ela obedece a bem conhecidas regras de oferta e procura. Agindo apenas do lado da oferta, pela sua repressão, a política proibicionista fomenta um tráfico criminoso de alto valor.
Mas ela conduz também a um aumento considerável da criminalidade e da delinquência, que lhe estão associadas, na medida em que a dependência económica de certos toxicómanos os obriga, para financiar as suas necessidades, a cometer agressões contra pessoas e bens: roubos de auto-rádios, assaltos à mão armada, sequestros, assassinatos.
Por outro lado, o próprio funcionamento da justiça e da polícia é afectado, na medida em que os fracos resultados obtidos na repressão do tráfico e do consumo, sempre crescentes, levam a aumentar a severidade das medidas contra os utilizadores e traficantes, criando uma verdadeira paranóia repressiva, que põe em causa direitos e liberdades fundamentais, e é até de constitucionalidade duvidosa.
Isto para não referir os aspectos perversos da proibição no plano sanitário, aumentando a perigosidade do consumo das drogas, que diminuem de qualidade e são consumidas sem qualquer critério, fomentando a utilização das drogas «duras», mais facilmente transportáveis e mais rentáveis e conduzindo a práticas sanitárias desastrosas, como a troca de seringas, que estão na origem da propagação de doenças infecciosas, como a hepatite e a sida.
Outros aspectos, embora laterais mas não menos relevantes, são o custo exorbitante da repressão, a corrupção das autoridades pelos traficantes, a aplicação discriminatória das sanções em função da posição social dos consumidores e, enfim, até o montante que a colectividade deixa de beneficiar em taxas e impostos que não são cobrados nesta actividade, que é essencialmente económica.
Como consequência da política proibicionista assistiu--se, assim, em todos os países ocidentais:
a) A um aumento enorme dos consumidores episódicos e habituais da heroína e da cocaína;
b) Ao crescimento exponencial das mortes pelo abuso da mesmas substâncias;
c) À difusão sem precedentes da violência e da ilegalidade como consequência da necessidade de os consumidores habituais arranjarem dinheiro;
d) Ao desenvolvimento do mais potente e refinado império organizado de crime à escala internacional, com uma acumulação de lucros financeiros sem par e com capacidade para corromper e sujeitar homens e Estados inteiros.
4 — Sendo uma mercadoria, a droga, porém, não é uma mercadoria como qualquer outra. Não se perfilham, assim, as teses liberais ou libertárias de um Ti-mothy Leary, de um Zonberg, de um Szasz, ou mesmo do padre Hulsman.
Há, ao contrário, várias experiências conseguidas de sistemas de distribuição controlada, como a do álcool em Gutemburgo ou de Mendés-France, em 1954, a do ópio, como resultou da Convenção de Banguecoque de 1931, ou da heroína em Inglaterra, tal como saiu do Dangerous Act de 1967, após parecer da Comissão Brain, os quais, aperfeiçoados, são susceptíveis de uma aplicação generalizada e de grande eficácia no combate à droga.
Adere-se, pois, à «teoria do comércio passivo» formulada por Francis Caballero (in Droit de la Drogue, Daloz, 1989, pp. 126 e segs.), segundo o qual «o comércio passivo é um comércio privado de certos atributos do comércio activo e funcionando segundo regras especialmente adaptadas à perigosidade das drogas», com vista, fundamentalmente, a «suprimir as regras que no comércio moderno constituem um encorajamento à produção, à venda e ao consumo» (loc. cit., pp. 127 e 128).
Assenta esta teoria nos seguintes princípios fundamentais:
a) Criação de um monopólio estatal para a produção, importação e distribuição de certo tipo de drogas;
b) Restrições à liberdade do comércio e indústria ligados às drogas, designadamente ao nível da fixação de preços e da proibição de qualquer forma de publicidade;
c) Informação activa dos consumidores quanto aos perigos do consumo de qualquer droga;
d) Pesadas taxas em todas as drogas, proporcionais ao seu perigo;
e) Violenta repressão de todo o comércio e consumo ilícitos.
Em suma, uso reservado, proibição do incitamento ao consumo, produção e distribuição estreitamente controladas e pesada punição para todo o comércio e consumo ilícitos são os princípios fundamentais de que se inspira a teoria que está na base do presente projecto.
5 — Inserindo-se no âmbito do debate internacional que hoje, por toda a parte, se está relançando sobre a dicotomia proibicionismo/antiproibicionismo, o presente projecto de lei toma claramente partido pelo segundo e assenta a sua regulamentação nos seguintes pontos fundamentais:
Regulamentação legal de todas as substâncias psi-coactivas;
Reclassificação das substâncias psicoactivas, com inclusão nas últimas três tabelas, em ordem decrescente do risco e da perigosidade, dos álcoois com graduação superior a 20°, dos tabacos e da Cannabis indica;
Sujeição da heroína e da cocaína a regime de monopólio do Estado;
Taxação desincentivante relativamente ao uso de qualquer droga, por tal forma que resulte um preço de venda ao público progressivamente relacionado com os riscos do consumo;
Proibição de qualquer espécie de propaganda publicitária das drogas e a obrigação de publicitar,
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ao contrário, os riscos de todas as substâncias psi-coactivas, incluindo os álcoois e os tabacos;
Distribuição de todas as substâncias psicoactivas, com excepção dos álcoois, do tabaco e da Cannabis indica, exclusivamente nas farmácias e mediante receita médica;
Possibilidade de cada médico prescrever até ao máximo de três doses diárias de substâncias psicoactivas, com o dever de informar o consumidor sobre os seus efeitos e perigos;
Possibilidade de garantir aos toxicodependentes o controlado fornecimento regular das doses indispensáveis para evitar situações de carência;
Repressão rigorosa, com um sistema de penas duras, de toda a actividade de produção, fabrico, venda, distribuição, aquisição, importação e exportação de quaisquer drogas fora dos trâmites legais estabelecidos.
6 — Com o presente projecto de lei entende-se prosseguir os seguintes objectivos:
Contribuir para o rápido desmantelamento radical do tráfico da droga e o fim das organizações criminosas que o exploram;
Reduzir drasticamente os casos de morte por abuso de droga;
Impedir a marginalização dos toxicodependentes na sociedade, actualmente sujeitos a tratamento desumano, como se de criminosos de tratasse;
Evitar a violência sobre pessoas e bens, com a finalidade de obter meios para angariar droga;
Prevenir a difusão da sida e de outras doenças contagiosas.
Mas, mais do que tudo, pretende-se com ele dar um primeiro impulso, entre nós, para o debate sobre as consequências e os efeitos das actuais normas repressivas e proibicionistas.
Tem-se a consciência, no entanto, de que este é um debate que tem de ser estendido a todos os países afectados pelo flagelo da droga, porquanto não poderá ser só tarefa de um ou de alguns países o seu combate pela forma que se preconiza.
Importante será, porém, que nos vários parlamentos nacionais se vão concertando políticas antiproibi-cionistas e regulamentadoras da droga, para que, a breve trecho, textos convencionais internacionais possam substituir as actuais convenções, inspirando-se nos mesmos princípios que aqui se deixam expostos, por forma que já os nossos filhos possam viver num mundo liberto do criminoso flagelo da droga e do seu tráfico ilícito.
Nos termos expostos e ao abrigo do n.° 1 do artigo 170.° da Constituição, o deputado abaixo assinado apresenta o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.0 — 1 — Consideram-se substâncias psicotrópicas ou estupefacientes exclusivamente as substâncias indicadas nas tabelas i a ix, a que se refere o artigo 2.°
2 — As tabelas referidas no número anterior serão publicadas por decreto-lei do Governo, no prazo máximo de 30 dias a contar da publicação da presente lei, e serão elaboradas de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 2.°
3 — As referidas tabelas serão revistas todos os seis meses e podem ser alteradas por decreto-lei do Governo, no sentido de mantê-las permanentemente actualizadas.
Art. 2.° — 1 — A inclusão das substâncias psicotrópicas nas tabelas referidas no artigo 1.° será efectuada de acordo com os seguintes critérios, sendo entendido como fazendo parte das mesmas tabelas todos e quaisquer produtos ou preparados contendo alguma ou algumas das substâncias indicadas:
a) A tabela l incluirá as substâncias de tipo an-fetamínico que possuam efeito estimulante sobre o sistema nervoso central;
b) A tabela li incluirá qualquer substância, natural ou sintética, quer se trate de derivados tri-fetamínicos ou litérgicos quer de derivados de feniletilamínicos que possuam efeitos alucino-géneos ou que produzam distorções sensoriais;
c) A tabela \\i incluirá:
O ópio e outros compostos dos quais se possam obter opiáceos naturais extraídos da papoila;
Os alcalóides com efeitos narcótico--analgésicos que possam ser extraídos da papoila;
Substâncias obtidas dos produtos antes referidos por transformação química;
Substâncias obtidas através de processos de síntese que se assemelhem aos opiáceos antes referidos, tanto na sua estrutura química como nos seus efeitos;
Substâncias intermediárias importantes para a síntese dos opiáceos;
Qualquer outra substância que actue sobre o sistema nervoso central e tenha a capacidade de determinar uma dependência física ou psíquica da mesma natureza ou de natureza superior às precedentemente indicadas;
d) A tabela iv incluirá:
Folhas de coca e alcalóides que possuam efeito estimulante sobre o sistema nervoso central e possam ser extraídos daquelas folhas;
Quaisquer substâncias com efeitos similares obtidas por processos químicos a partir dos alcalóides acima mencionados ou através de síntese;
é) A tabela v incluirá o tetra-hidrocanabinol e seus análogos;
f) A tabela vi incluirá as substâncias de acção hipnótico-sedativa e ou de tipo ansiolítico que tenham capacidade de criar dependência física ou psíquica, ou ambas;
g) A tabela vn incluirá as bebidas que contenham álcool etílico em grau superior a 20°;
h) A tabela viu incluirá os tabacos e produtos seus derivados;
i) A tabela ix incluirá o cânhamo (Cannabis indica) e os produtos seus derivados, substâncias obtidas por meio de síntese ou de semi-síntese que se assemelhem tanto na sua estrutura química como nos seus efeitos farmacológicos, com excepção dos indicados na tabela v.
2 — As substâncias incluídas nas tabelas devem ser indicadas pela denominação comum internacional e pelo nome químico, se existir, e pela denominação
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comum e usual portuguesa e pela própria do produto farmacêutico objecto do comércio. É, no entanto, suficiente, para os fins da presente lei, que nas tabelas seja indicada uma qualquer denominação da substância e do produto, desde que idónea para identificá-los.
3 — Nas tabelas consideram-se incluídos todos os isómeros, ésteres, éteres e sais, mesmo relativos a isómeros, ésteres e éteres, bem como os estereoisómeros, nos casos em que podem ser produtos relativos às substâncias e às preparações incluídas nas tabelas, salvo se forem objecto de expressa excepção.
4 — Em tabela especial, a aprovar na forma prevista no artigo 1.°, serão indicadas todas as plantas aptas a produzir substâncias psicoactivas que só possam ser cultivadas sob autorização do Ministério da Saúde.
Art. 3.° — 1 — A importação, o fabrico, a preparação e a venda das substâncias incluídas nas tabelas ui e iv do artigo 2.° são sujeitas a monopólio do Estado em todo o território nacional.
2 — São interditas a importação, a produção, o fabrico, a preparação e a venda de quaisquer sucedâneos das substâncias referidas no n.° 1 deste artigo.
3 — 0 fabrico das substâncias previstas no presente artigo é reservado a laboratório do Estado a designar pelo Governo no decreto-lei referido no n.° 2 do artigo 1.°, segundo programa aprovado anualmente por um comité interministerial, cuja composição será definida pelo Governo no referido decreto-lei, e que incluirá, obrigatoriamente, representantes da Assembleia da República e dos Ministérios da Justiça, da Saúde e da Defesa e será presidido pelo Primeiro-Ministro ou por um seu representante.
4 — O comité interministerial referido no número anterior, tendo em conta os compromissos resultantes das convenções internacionais, estabelecerá, até ao início do mês de Novembro de cada ano, as quantidades das várias substâncias previstas nas tabelas i a vi (inclusive) do artigo 2.° que possam ser fabricadas e postas em venda em Portugal ou para o estrangeiro, de acordo com as normas da presente lei.
Art. 4.° — 1 — Os laboratórios privados que pretendam obter uma autorização para extrair ou produzir por síntese substâncias psicoactivas diversas das constantes das tabelas m e iv do artigo 2." deverão requerê-lo ao Ministério da Saúde até ao dia 31 de Outubro de cada ano.
2 — O requerimento deverá ser acompanhado do certificado de inscrição na referida ordem profissional do director técnico, o qual será obrigatoriamente licenciado em Química ou em Farmácia.
3 — O requerimento, acompanhado da inscrição no organismo sanitário competente, deverá conter:
a) A identificação do requerente, identificando os titulares da empresa ou os representantes legais da sociedade;
b) A sede, a localização e o equipamento da empresa, com a descrição gráfica dos locais destinados à fabricação e ao depósito das mercadorias já trabalhadas ou a trabalhar;
c) A identificação do director técnico, que assumirá, solidariamente com o titular da empresa ou os representantes legais da sociedade, as responsabilidades emergentes da presente lei;
d) A qualidade e a quantidade das matérias-primas exigidas para a laboração;
e) As substâncias que se pretende fabricar, bem como os processos de extracção, com a indicação dos rendimentos presumíveis da laboração.
4 — A autorização será válida não só para o fabrico e a compra das matérias-primas necessárias, mas também para a venda dos produtos obtidos.
Art. 5.° — 1 — Qualquer laboratório que se candidate às actividades previstas no artigo anterior deverá estar equipado de locais destinados exclusivamente ao fabrico das substâncias psicoactivas, de aparelhos e de meios adaptados à actividade, bem como de locais próprios para a guarda e o armazenamento dos produtos finais e das matérias-primas.
2 — 0 Ministério da Saúde definirá, por portaria, os requisitos exigíveis nos termos do número anterior e fiscalizará o seu estrito cumprimento.
3 — Todas as despesas relativas à verificação técnica das condições de fabrico são a exclusivo cargo do requerente, de acordo com tabelas a definir pelo Ministério da Saúde.
Art. 6.° — 1 — Junto de cada laboratório autorizado a fabricar substâncias psicoactivas passarão a estar deslocados em permanência inspectores das delegações de Saúde, com o objectivo de controlar a entrada e saída das matérias-primas e dos produtos, bem como de fiscalizar todos os ciclos de tratamento das substâncias psicoactivas.
2 — O Ministério da Saúde poderá igualmente fiscalizar quaisquer sociedades ou empresas autorizadas a utilizar as substâncias produzidas.
3 — As empresas devem pôr à disposição dos inspectores locais adequados às operações de controlo, equipados de forma a permitir aos trabalhadores repousar quando o trabalho se desenrolar durante a noite.
Art. 7.° — 1 — O Ministério da Saúde, no âmbito dos critérios definidos pelo comité interministerial referido no n.° 3 do artigo 3.°, exerce o controlo sobre as quantidades de matérias-primas e de substâncias relativas à laboração a que se refere o n.° 4 do artigo 3.°, na posse de qualquer laboratório e relativamente ao seu destino, com particular incidência sobre a respectiva repartição quantitativa no mercado.
2 — O Ministério da Saúde pode, a qualquer momento, limitar ou interditar o fabrico de substâncias psicoactivas.
3 — Os órgãos especializados de controlo efectuarão acções pontuais de fiscalização, por sua própria iniciativa ou por denúncia de eventuais irregularidades.
4 — Para as substâncias fabricadas exclusivamente pelo laboratório do Estado referido no artigo 3.°, n.° 3, as medidas previstas no n.° 2 deste artigo serão adoptadas pelo comité interministerial previsto naquele mesmo artigo.
Art. 8.° — 1 — Quem quer que pretenda obter uma autorização para utilizar substâncias psicoactivas incluídas nas tabelas i a vi (inclusive) do artigo 2.°, e desde que previamente autorizado a explorar um laboratório farmacêutico, deve requerê-lo ao Ministério da Saúde, segundo as modalidades previstas no n.° 3 do artigo 4.°
2 — 0 Ministério da Saúde assegurar-se-á se os locais são apropriados para a preparação, o emprego, a guarda e a armazenagem das matérias-primas e dos produtos.
3 — A autorização é válida para a compra e a utilização das substancias submetidas a controlo, bem como para a venda das preparações obtidas.
4 — Às despesas relativas à verificação a que se refere o n.° 2 aplicam-se as tabelas referidas no n.° 3 do artigo 5.°
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Art. 9.° — 1 — Quem quer que pretenda obter autorização para negociar por grosso qualquer substância psicoactiva deverá requerê-lo junto do Ministério da Saúde, separadamente, por produto e por cada depósito ou filial.
2 — O Ministério da Saúde assegurará que os locais destinados à conservação, guarda e armazenamento das substâncias e dos produtos são adequados.
3 — Às despesas relativas à verificação a que se refere o número anterior aplicam-se as tabelas referidas no n.° 3 do artigo 5.°
4 — O requerimento, acompanhado da certidão da inscrição no organismo competente, deverá conter:
a) A identificação dos titulares da empresa ou dos representantes legais da sociedade;
b) A localização da sede, das filiais, dos depósitos ou das lojas onde o comércio é exercido, com indicação dos locais reservados à recepção, à detenção e à expedição ou entrega dos produtos referidos no n.° 1 e com a enunciação das medidas de segurança e conservação adoptadas;
c) As substâncias, os produtos e as especialidades medicinais objecto da actividade comercial.
5 — O Ministério da Saúde, tendo obtido as necessárias garantias dos requisitos impostos, outorgará a autorização do comércio por grosso, podendo estabelecer as condições e as modalidades do seu exercício.
Art. 10.° — 1 — O comité interministerial referido no artigo 3.°, n.° 3, fixará anualmente os critérios para a determinação dos preços de venda ao público das substâncias indicadas nas tabelas ni, iv e IX do artigo 2.°
2 — Na venda de quaisquer substâncias ou de produtos contendo substâncias incluídas nas tabelas m, iv e IX do artigo 2.° é aplicável a taxa mais elevada de IVA prevista na lei respectiva.
Art. 11." — 1 — É proibida a publicidade, por qualquer meio, de qualquer preparação, produto ou substância incluída nas tabelas referidas no artigo 2.°
2 — A inobservância desta proibição é punida com prisão efectiva, não remível a multa, de um a quatro anos, se ao delito não for aplicável pena mais grave.
Art. 12.° — 1 — É obrigatório indicar, na confecção e na apresentação de qualquer preparação ou produto à base de substâncias incluídas nas tabelas previstas no artigo 2.°, os efeitos danosos para a saúde de tais produtos e os riscos do seu consumo.
2 — Esta indicação deve ser de leitura fácil e de formulação inequívoca.
Art. 13.° — 1 — A venda ao público de quaisquer produtos ou preparações à base de substâncias incluídas nas tabelas i a vi (inclusive) do artigo 2.° só poderá ser efectuada em farmácias devidamente autorizadas para o efeito e mediante receita médica.
2 — O farmacêutico tem a obrigação de verificar a identidade do comprador e de anotar na receita médica os dados do documento de identidade.
3 — Os dados de identidade das pessoas referidas no número anterior estão abrangidos pelo sigilo profissional do farmacêutico, que não poderá transmiti-los ou revelar a quem quer que seja, inclusive à própria Administração Pública.
4 — Os dados quantitativos relativos às vendas efectuadas de substâncias referidas no n.° 1 serão mensalmente enviados pelas farmácias ao Ministério da Saúde, para fins estatísticos.
Art. 14.° — 1 — O médico só pode receitar, de cada vez, o triplo da dose diária de qualquer das substâncias incluídas nas tabelas i a vi (inclusive) do artigo 2.°
2 — O médico tem o dever de informar o seu paciente das características da substância, dos seus efeitos prejudiciais para a saúde e dos riscos do seu consumo.
3 — O médico é ainda obrigado a distribuir aos seus pacientes o material informativo sobre as substâncias prescritas, especialmente preparado pelas autoridades sanitárias.
4 — O médico deverá anotar, em registo especial, que conservará pessoalmente, a identidade do paciente a quem prescreveu a substância, bem como a respectiva data.
5 — Os elementos de identificação acima referidos estão protegidos pelo sigilo profissional do médico.
6 — 0 médico pode obter do seu paciente uma declaração exoneratória da sua responsabilidade, com a indicação da dose prescrita.
Art. 15.° — 1 — Os serviços e dispensários sanitários do local onde a pessoa resida passarão, a pedido dos interessados, um boletim de aprovisionamento das substâncias incluídas nas tabelas in e iv.
2 — O Governo definirá, no decreto-lei a que se refere o n.° 2 do artigo 1.°, as características de tal boletim, por forma a garantir a sua utilização em conformidade com a lei.
3 — Podem requerer o referido boletim os que declarem ser consumidores habituais e dependentes das substâncias psicoactivas incluídas nas tabelas 111 e iv; esta declaração deve ser certificada por médico dos serviços de saúde do Estado.
4 — O decreto-lei do Governo referido no n.° 2 deverá definir o modo de proceder à verificação de situações de toxicodependência; essa verificação será efectuada gratuitamente pelos serviços referidos no n.° 1.
5 — O boletim a que se refere o n.° 1, válido por 90 dias, será renovável por iguais períodos sucessivos, mediante a prévia verificação do estado de dependência, nos termos referidos no n.° 4; é rigorosamente proibido provocar crises de abstinência, por razões de diagnóstico, constituindo a inobservância de tal dever grave responsabilidade funcional, punível com expulsão dos quadros dos serviços.
6 — O detentor de um boletim de aprovisionamento está autorizado a adquirir directamente nas farmácias a dose diária de substância psicoactiva indicada no boletim.
7 — Os serviços e dispensários sanitários devem conservar registos e toda a documentação relativa à verificação das situações de toxicodependência e da outorga dos boletins; estes dados são secretos e não podem ser divulgados.
Art. 16.° — 1 — Quem, sem autorização, produza, fabrique, extraia, ofereça, ponha à venda, distribua, compre, ceda ou receba, a qualquer título que seja, arranje para outrem, transporte, importe, exporte ou simplesmente detenha ilegalmente substâncias psicoactivas incluídas nas tabelas I a v (inclusive) do artigo 2.° é punido com pena de prisão de 4 a 15 anos e com multa de 3 000 000$ a 100 000 000$.
2 — Quem, estando munido da autorização a que se refere o artigo 2.°, n.° 4, a ceda ilegalmente, venda ou permita que outrem venda quaisquer substâncias, pre-
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parações ou produtos referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 4 a 18 anos e com multa de 10 000 000$ a 100 000 000$.
3 — As mesmas penas são aplicáveis a quem fabrique substâncias psicoactivas diversas daquelas para que está autorizado.
4 — A compra, a venda, a cedência a qualquer título e a detenção ilícita de substâncias incluídas nas tabelas i a v (inclusive) do artigo 2.° em quantidade superior a três vezes a dose diária determinada nos termos do n.° 1 do artigo 14.° são punidas com prisão de 1 a 4 anos e com multa de 2 000 000$ a 20 000 000$.
Art. 17.° — 1 — Quem, com a finalidade de tirar lucro, destine um local público ou um círculo privado de qualquer tipo, um imóvel ou outro bem de que disponha para a reunião de pessoas que aí consumam substâncias psicoactivas incluídas nas tabelas I a v (inclusive) do artigo 2.° de origem ilegal é, por esse simples facto, punido com pena de prisão de 2 a 6 anos e multa de 1 000 000$ a 10 000 000$.
2 — As penas são aumentadas para o dobro se nessa reunião participarem menores de 18 anos.
3 — Tratando-se de explorações comerciais públicas, a condenação do proprietário, do detentor ou do responsável implicará o fecho do estabelecimento por um período de 2 a 5 anos.
4 — 0 encerramento do estabelecimento pode ser decretado imediatamente pelo delegado do Ministério Público como medida preventiva, logo que iniciado o processo de inquérito.
Art. 18.° — 1 — As penas previstas para os delitos punidos pelo artigo 16.° são majoradas de um terço até metade nos seguintes casos:
a) Se as substâncias psicoactivas são entregues a menores de 18 anos para utilização não terapêutica;
b) Se o facto é cometido por três pessoas ou mais de conivência ou se o culpado faz parte de uma associação de malfeitores;
c) Para quem quer que tenha incitado a cometer o facto ou a cooperar na sua realização, tratando-se de pessoa que habitualmente consuma substâncias psicoactivas;
d) Se o facto for cometido por pessoa armada ou disfarçada.
2 — Se o facto se referir a quantidades importantes de substâncias psicoactivas, as penas são majoradas de metade a dois terços.
3 — O mesmo aumento da pena terá lugar se o culpado fizer uso de armas para cometer o delito ou para obter para si ou para outrem o lucro, o preço ou a impunidade.
4 — A pena é majorada de metade ao dobro se o facto se referir a substâncias incluídas nas tabelas i a v (inclusive) do artigo 2.° em misturas ou preparações nocivas ou que de algum modo se revelem perigosas para a vida.
Art. 19.° — 1 — Quem induzir uma pessoa ao uso ilícito de substâncias psicoactivas incluídas nas tabelas i a v do artigo 2.° com o intuito de retirar qualquer lucro é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos e multa de 500 000$ a 5 000 000$.
2 — A pena é majorada de dois terços se o facto for cometido contra um menor de 18 anos.
3 — A pena é majorada para o dobro:
a) Se o facto for cometido contra um menor de 14 anos;
b) Se a pessoa estiver confiada ao culpado para o guardar, tratar, educar, instruir ou vigiar.
4 — As mesmas penas são aplicadas a quem, fora dos casos previstos no artigo 17.°, favoreça o uso das substâncias psicoactivas indicadas no n.° 1 deste artigo e se tirar algum proveito daquela utilização.
Art. 20.° — 1 — As disposições penais relativas à condução de veículos em estado de embriaguez aplicam--se aos que conduzam em estado de intoxicação por substâncias psicoactivas.
2 — A condenação é seguida de apreensão do veículo se pertencer ao culpado ou ao que lho ceda imprudentemente, tendo ou devendo ter conhecimento do seu estado.
Art. 21.° — 1 — Com a sentença de condenação o juiz poderá impor ao culpado uma interdição de deixar o País por um período de tempo até três anos.
2 — A condenação importa o confisco das substâncias apreendidas, bem como dos meios utilizados para cometer o delito.
Art. 22.° — 1 — Quem se encontre detido por qualquer facto que deixe de ser crime à face da presente lei será imediatamente libertado.
2 — Quem se encontrar a cumprir pena de prisão tem o direito de fazer valer as disposições previstas nos artigos 13.°, 14.° e 15.° da presente lei.
Art. 23.° — 1 — É revogado o Decreto-Lei n.° 430/83, de 13 de Dezembro, e todas as disposições legais que contrariem a presente lei.
2 — A presente lei entra em vigor com a publicação do decreto-lei a que se refere o artigo 1.°, n.° 2.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 1990. — O Deputado Independente, Pegado Lis.
PROJECTO DE LEI N.° 484/V
BASES 00 SISTEMA DE SAÚDE
1 — A aprovação pela Assembleia da República de uma lei de bases de saúde é uma exigência reconhecida por todos os que trabalham no sector e uma necessidade urgente a definir, de maneira a integrar de forma articulada os vectores que a devem determinar.
2 — Com efeito, a publicação de legislação avulsa e, por vezes, contraditória e a ausência de definição de uma política de saúde coerente e duradoura tem sido uma constante do nosso país. As políticas de saúde até agora esboçadas foram efémeras, não só devido à instabilidade dos governos que as suportaram, mas também porque não conseguiram impor-se aos poderes que ameaçaram, não raras vezes porque mal concebidas ou concretizadas.
3 — A politica de saúde que se apresenta consiste na concepção de um sistema de saúde que integra o Serviço Nacional de Saúde e os serviços privados. A filosofia deste sistema de saúde alicerça-se na coordenação e articulação de todos os serviços de saúde do País (públicos ou privados), procurando atingir a melhor qualidade e eficiência dos cuidados prestados à população.
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4 — Neste sistema de saúde, embora seja incrementada a melhoria da qualidade dos cuidados hospitalares, será dado particular ênfase à expansão e dotação em recursos humanos e materiais dos serviços que prestam cuidados de saúde primários.
5 — A elevação do nível de saúde dos Portugueses, objectivo maior desta filosofia, só será conseguida com a participação destes. Por isso, serão utilizados intensamente os meios de comunicação social, informando e estimulando os indivíduos para promover a sua própria saúde e a da comunidade.
6 — Torna-se necessário ainda envolver todos os sectores e departamentos estatais, com destaque para o trabalho e segurança social, educação e desporto, economia, agricultura e alimentação, habitação e urbanismo, qualidade de vida e comunicação social, numa acção coordenada e impulsionada pelo Ministério da Saúde, visando melhorar o nível de saúde da população. Com efeito, este objectivo nunca poderá ser alcançado com medidas empreendidas unicamente pelo Ministério da Saúde, por mais perfeitos serviços que este venha a possuir.
Assim, nos termos do artigo 170.°, n.° 1, da Constituição, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Renovador Democrático, apresentam o seguinte projecto de lei:
TÍTULO I Disposições gerais
CAPÍTULO I Da saúde na comunidade nacional
Artigo 1.° Direito á saúde
A protecção, defesa e promoção da saúde constitui um direito fundamental dos cidadãos, determinando, como tal, especiais responsabilidades e prioridades de acção por parte do Estado e dos particulares.
Artigo 2.° Política de saúde
1 — O objectivo essencial da política de saúde é o desenvolvimento pleno e harmonioso das potencialidades físicas, mentais e sociais do homem e a sua integração equilibrada na comunidade, procurando:
a) Garantir à comunidade condições de ambiente e salubridade que a tornem equilibrada e capaz de atingir o mais alto grau de bem-estar e de qualidade de vida;
b) Evitar ou retardar o aparecimento das doenças e dos acidentes ou minimizar as suas consequências.
2 — Estes objectivos são prosseguidos através de medidas específicas de:
a) Promoção da saúde;
b) Prevenção da doença;
c) Diagnóstico e tratamento da doença;
d) Reabilitação;
e) Reinserção social e ocupacional.
3 — A saúde dos indivíduos na comunidade pressupõe:
a) Ambiente físico e social saudáveis;
b) Desenvolvimento económico e social integral, justo e progressivo;
c) Acessibilidade a cuidados de saúde integrados, contínuos e eficazes;
d) Participação das populações na administração dos serviços de saúde;
e) Prestações de segurança social oportunas e adequadas.
Artigo 3.° Política nacional de saúde
1 — Compete ao Estado ^assegurar o acesso de todos os cidadãos a cuidados de saúde globais, garantindo a qualidade de todos os serviços prestados, nos termos desta lei e legislação complementar.
2 — A acção do Estado assentará no planeamento e adequação dos meios, fundamentando o seu desenvolvimento no levantamento actualizado da situação sanitária do Pais.
3 — O desenvolvimento da política de saúde implica acções pluridepartamentais sincronizadas, que envolvem os seguintes sectores:
a) Saúde;
b) Trabalho e segurança social;
c) Educação e desporto;
d) Economia;
e) Agricultura e alimentação;
f) Habilitação e urbanismo;
g) Qualidade de vida;
h) Comunicação social.
Artigo 4.° Definição e aplicação da política de saúde
1 — Cabe ao Estado, através do Ministério da Saúde, definir a política nacional de saúde, bem como promover e controlar a sua execução.
2 — A política nacional de saúde será objecto de uma aplicação progressiva e adaptação permanente às condições da realidade nacional e obedecerá às seguintes directrizes:
a) A promoção da saúde e a prevenção das doenças terão prioridade no planeamento das actividades do Estado;
b) A implantação e o dimensionamento dos serviços de saúde obedecerão às directrizes da carta sanitária a publicar pelo Govenro, assente na definição prévia de critérios precisos e claros de distribuição de recursos humanos e materiais;
c) Os grupos sociais sujeitos a maiores riscos para a saúde serão objecto de medidas especiais;
d) A utilização apropriada dos serviços de saúde deve ser orientada e controlada, evitando-se a prestação de cuidados desnecessários, de forma a ser atingido o melhor nível de utilização dos meios disponíveis;
e) Os serviços de saúde devem funcionar de forma articulada, fazendo depender do mesmo órgão de administração todas as estruturas de saúde da mesma área territorial;
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f) Os serviços de saúde terão uma articulação funcional privilegiada com as da Segurança Social;
g) A qualidade da prestação de cuidados será for-mentada através de medidas de permanente actualização técnica e organizativa e de processos de avaliação continua da actividade dos serviços e dos cuidados prestados.
Artigo 5.° Conselho Nacional de Saúde
1 — É criado o Conselho Nacional de Saúde, que será obrigatoriamente consultado para a definição das grandes opções de política de saúde e será integrado por:
Representantes das áreas governamentais referidas no n.° 3 do artigo 3.°;
Representantes de todas as entidades constituintes do sistema de saúde;
Representantes dos utentes, a nomear pela Assembleia da República.
2 — A nível regional e local serão criados conselhos de saúde, com composição e atribuições a definir, em condições semelhantes às do Conselho Nacional de Saúde.
Artigo 6.° Autarquias locais e promoção da saúde
As autarquias locais participam na acção comum de promoção da saúde, dando realização aos planos nacionais, regionais e locais de saúde, elaborados com a sua participação, de acordo com as atribuições estabelecidas na lei.
Artigo 7.°
Profissionais da saúde
1 — Os profissionais de saúde, qualquer que seja a área em que actuem, desempenham funções especialmente qualificadas na vida do País, sendo-lhes, por isso, atribuídas obrigações e direitos próprios.
2 — Estes profissionais participam na definição da política nacional de saúde através das suas organizações representativas e das linhas hierárquicas estabelecidas.
3 — As organizações representativas dos profissionais de saúde poderão ainda ser solicitadas a participar no desenvolvimento dos planos e programas de saúde.
4 — Às organizações profissionais caberá, em especial, colaborar na difusão das técnicas e conhecimentos de saúde e na adequação dos interesses dos profissionais seus representados.
Artigo 8.° Iniciativa privada
1 — Podem os indivíduos constituir associações para a promoção e defesa da saúde, as quais terão a natureza de instituições particulares de solidariedade social, podendo adquirir, nos termos da lei, a natureza de pessoas colectivas de utilidade pública.
2 — É reconhecido o interesse social do trabalho voluntário no âmbito dos serviços prestadores de cuida-
dos de saúde, em complementaridade da sua acção e nos termos previstos em regulamentação especial.
3 — É reconhecido igualmente o direito à criação e exploração de empresas prestadoras de cuidados de saúde com intuitos lucrativos, de acordo com os princípios gerais do sistema de saúde e sujeitas ao disposto nesta lei e legislação complementar.
CAPÍTULO II Oa saúde na comunidade internacional
Artigo 9.° Politica internacional de saúde
1 — Tendo em vista a indivisibilidade da saúde na comunidade internacional, o Estado Português reconhece as interdependências sanitárias a nível mundial e assume as respectivas responsabilidades.
2 — Sem prejuízo da independência das suas decisões, o Estado Português garante o apoio às organizações internacionais de saúde, governamentais e não governamentais, dentro dos recursos disponíveis.
3 — 0 Estado Português facultará assistência técnica a povos dela necessitados, nos termos de acordos bilaterais ou no quadro de organizações internacionais de que faça parte.
4 — O Estado Português cooperará com os restantes Estados em projectos bilaterais ou multilaterais de investigação para a saúde, bem como colocará à disposição das instâncias internacionais os resultados das investigações efectuadas no seu território, em termos a acordar.
Artigo 10.° Defesa sanitária
1 — O Estado Português promoverá a defesa sanitária das suas fronteiras terrestres, marítimas e áreas mediante acordos internacionais, com respeito pelas regras gerais emitidas pelos organismos competentes.
2 — Cabe, em especial, aos serviços competentes estudar, propor, executar e fiscalizar as medidas necessárias para prevenir a importação ou exportação de doenças quarentenárias, enfrentar a ameaça de expansão de doenças transmissíveis e promover todas as operações sanitárias exigidas pela defesa da saúde na comunidade internacional.
Artigo 11.°
Direitos dos estrangeiros
Os estrangeiros que se encontrem em território português usufruem das medidas gerais de protecção da saúde e dos cuidados médicos urgentes e beneficiam igualmente das restantes prestações de saúde em termos de reciprocidade.
Artigo 12.°
Direito ao trabalho e equivalências internacionais
1 — O Governo tomará medidas para nivelar a preparação dos profissionais de saúde pelos padrões internacionais, a fim de facilitar a sua livre circulação.
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2 — Aos diplomas e graus académicos obtidos por nacionais em cursos de saúde no estrangeiro será dada equivalência em Portugal, em termos a definir conjuntamente pelos Ministérios da Educação e Cultura e da Saúde.
3 — Serão igualmente tomadas medidas para normalizar o exercício profissional de estrangeiros, devidamente qualificados, no território português, no respeito de compromissos internacionais.
Artigo 13.° Actualização e qualificação técnico-profissional
1 — Os serviços públicos, assim como as organizações particulares, procurarão manter-se actualizados em matéria de técnicas de protecção à saúde, promovendo um relacionamento permanente com as instâncias internacionais adequadas.
2 — Serão tomadas medidas e afectadas dotações orçamentais para garantir ao pessoal de saúde o acesso à informação científica e técnica internacional e, quando tal seja absolutamente necessário, à correspondente qualificação profissional em serviços ou escolas estrangeiros.
3 — As escolas, institutos e serviços de saúde nacionais facultarão a profissionais ou candidatos estrangeiros facilidades de formação, em termos a definir pelo Governo.
TÍTULO II
Do sistema de saúde
CAPÍTULO i Princípios gerais
Artigo 14.° Sistema de saúde
1 — O sistema de saúde é uma rede de serviços e organizações, estatais e privadas, e de profissionais que actuam no campo da saúde, segundo as regras constantes desta lei e da legislação complementar.
2 — São prestadores de cuidados de saúde:
o) O Serviço Nacional de Saúde;
b) As associações e as instituições privadas de solidariedade social com objectivos no campo da saúde;
c) As empresas de cuidados de saúde com fins lucrativos;
d) Os profissionais da saúde em regime liberal.
3 — As actividades complementares facultam os meios materiais e de organização indispensáveis à prestação de cuidados de saúde e são constituídas pelos seguintes sectores:
a) A actividade farmacêutica;
b) A colheita e distribuição de produtos biológicos;
c) A produção, reconversão e distribuição de bens e produtos alimentares;
d) A produção e comercialização de bens e equipamentos de saúde;
e) O transporte de doentes;
f) Os seguros de saúde;
g) As actividades de formação de profissionais da saúde.
4 — Tanto os cuidados de saúde como as actividades complementares podem ser de exercício público ou privado, conforme for disposto em lei, mas de-senvolver-se-ão sempre de forma articulada e cooperante.
5 — O sistema de saúde é tutelado, orientando e fiscalizado pelo Ministério da Saúde, com funções normativas e inspectivas, sem prejuízo da tutela de outros ministérios sobre as actividades complementares.
6 — É assegurada aos constituintes do sistema de saúde a participação na formulação e desenvolvimento da política de saúde, através da integração nos conselhos de saúde, em termos a regulamentar.
CAPÍTULO II Serviço Nacional de Saúde
Secção I Organização e funcionamento
Artigo 15.°
Âmbito e características
1 — O Serviço Nacional de Saúde é integrado pelos estabelecimentos e serviços prestadores de cuidados de saúde e pelos que desempenham actividades complementares previstas nesta lei, quer pertençam ao Estado ou às autarquias locais.
2 — São características essenciais do Serviço Nacional de Saúde:
a) Universalidade, quanto à população abrangida;
b) Igualdade no acesso dos utentes, eliminando ou atenuando desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras;
c) Gratuitidade, que será, no entanto, limitada pela disponibilidade de meios humanos, materiais e financeiros existentes;
d) Direcção unificada, organização regionalizada e gestão descentralizada e participada;
e) Prestação integrada de cuidados globais em condições de qualidade que, tendo em conta os recursos disponíveis, satisfaçam os legítimos direitos e necessidades dos utentes;
f) Financiamento a cargo do Estado e das autarquias locais, de acordo com a presente lei.
Artigo 16.° Organização
1 — O Serviço Nacional de Saúde organizar-se-á em três escalões:
a) Central;
b) Regional;
c) Concelhio.
2 — Ao escalão central cabe a direcção e gestão geral do Serviço; ao escalão regional, a administração das áreas correspondentes e prestação de cuidados; ao escalão concelhio, essencialmente a prestação integrada de cuidados de saúde.
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3 — A área das regiões de saúde corresponderá à das regiões administrativas, ou, até à criação destas, à dos actuais distritos.
4 — A área dos grandes aglomerados urbanos pode ter organização própria, a definir em diploma especial.
5 — Nos escalões central e regional haverá órgãos encarregados da administração geral das respectivas áreas; no escalão concelhio haverá serviços e agentes prestadores de cuidados, sendo aí instituídos órgãos de coordenação.
Artigo 17.° Órgãos de administração
1 — São órgãos de administração geral:
a) A Administração Central de Saúde, no escalão central;
b) A administração regional de saúde, no escalão regional.
2 — A Administração Central de Saúde e as administrações regionais de saúde são dotadas de autonomia administrativa e financeira.
Artigo 18.° Serviços prestadores de cuidados
1 — São serviços prestadores de cuidados:
a) Os hospitais;
b) Os centros de saúde;
c) As instituições especializadas.
2 — Os serviços prestadores de cuidados têm autonomia técnica e, em função da dimensão e de acordo com critérios a definir por lei, poderão ter personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira.
3 — A gestão dos serviços prestadores de cuidados pode ser entregue, em regime de cooperativa, a médicos, segundo normas a definir por decreto-lei.
Artigo 19.°
Avaliação de funcionamento
1 — O funcionamento quantitativo e qualitativo do Serviço Nacional de Saúde será avaliado permanentemente através de esquemas a regulamentar.
2 — Nestes esquemas de avaliação será utilizada informação de natureza estatística, epidemiológica e administrativa.
3 — Será igualmente colhida informação sobre o grau de aceitação dos cuidados pela população utente e o nível de satisfação dos profissionais.
4 — Esta informação será tratada em sistema completo e integrado, abrangendo todos os escalões e todos os órgãos e serviços.
Artigo 20.° Da gestão das unidades de saúde
A gestão dos órgãos da administração do Serviço Nacional de Saúde deve respeitar a regra do ciclo comportamental e organizacional da gestão, promovendo a comunicação interna, a informação, a participação, o desenvolvimento individual e o planeamento, a organização estrutural, a acção e o controlo.
Secção II Pessoal da saúde
Artigo 21.°
Politica de recursos humanos
1 — O Ministério da Saúde definirá e realizará gradualmente a política global de recursos humanos para a saúde.
2 — Esta política será ajustada com os restantes ministérios nela interessados e basear-se-á nas orientações seguintes:
a) A formulação da política de recursos humanos da saúde e o planeamento da sua execução cabem aos serviços centrais; a sua execução, salvo em casos excepcionais, será regionalizada;
b) As necessidades de pessoal serão avaliadas tendo em vista os objectivos quantitativos do Serviço Nacional de Saúde, em resposta às necessidades da população, bem como a segurança e o estímulo dos profissionais;
c) Serão criados incentivos à fixação dos profissionais da saúde em áreas de menor atracção;
d) A actualização profissional será obrigatória para categorias a definir, sendo devidamente avaliada e assegurada pelos serviços;
é) Poderão ser criadas remunerações especiais e outros estímulos para fomentar a qualidade e produtividade dos profissionais;
f) A avaliação do pessoal será permanente, por forma a conseguir a melhor adequação dos profissionais aos respectivos postos de trabalho e a garantir qualificações e acessos baseados em mérito objectivo;
g) A autonomia técnica e a responsabilidade profissional são complementares e expressamente definidas na lei.
Artigo 22." Estatuto
1 — O pessoal da saúde pode ter a qualidade de funcionário público ou de agente.
2 — O pessoal com a qualificação de funcionário público fará parte de carreiras a estabelecer em regulamento.
3 — O pessoal com qualificação de agente terá obrigações e direitos próprios idênticos aos da função pública e definidos em contrato.
4 — O pessoal da saúde terá um estatuto profissional próprio, donde constarão:
a) Os requisitos de admissão e acesso; 6) Os direitos e garantias de carreira e a remuneração;
c) A participação nos órgãos responsáveis dos estabelecimentos e serviços; ¿0 As incompatibilidades;
e) O regime disciplinar, as normas de responsabilidade profissional e os seus limites;
f) Os preceitos deontológicos.
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Artigo 23." Regime de trabalho
O pessoal da saúde é abrangido pelo regime geral de trabalho da função pública, com as alterações que forem estabelecidas em legislação especial, tendo em vista a natureza própria das actividades da saúde e a responsabilidade dos seus profissionais.
Secção III Regime financeiro
Artigo 24.° Financiamento
J — Para o financiamento do Serviço Nacional de Saúde concorrem as receitas a seguir indicadas:
a) As dotações do Orçamento do Estado;
b) O pagamento de cuidados por terceiros responsáveis, legal ou contratualmente, pelo facto que deu causa às prestações;
c) As taxas pagas pelas empresas que utilizam os serviços de medicina ocupacional dos centros de saúde;
d) Os rendimentos próprios dos serviços e estabelecimentos prestadores;
e) O produto dos actos de benemerência a favor desses serviços ou estabelecimentos;
f) O produto da efectivação da responsabilidade dos utentes pela infracção às regras da organização e funcionamento do serviço e pelo uso doloso ou injustificado dos serviços e material de saúde.
2 — Os serviços prestadores serão subsidiados de acordo com a qualidade e quantidade dos actos praticados, promovendo-se também a correcção das assimetrias, decorrentes da desigualdade de desenvolvimento regional, na acessibilidade aos serviços de saúde.
3 — Serão criados incentivos fiscais a actos de benemerência que visem a humanização, inovação ou renovação dos serviços prestadores de cuidados.
Artigo 25."
Orçamento
1 — As dotações orçamentais para o Serviço Nacional de Saúde são inscritas globalmente no Orçamento do Estado a favor da Administração Central de Saúde, que as movimentará e delas prestará contas ao Tribunal de Contas através do Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde.
2 — Aquele Departamento organizará anualmente o orçamento e a conta nacional de saúde.
Artigo 26.° Administração
1 — A administração financeira do Serviço Nacional de Saúde é descentralizada por regiões.
2 — A aplicação das verbas é feita directamente pelos serviços e estabelecimentos prestadores.
3 — As contas dos estabelecimentos e serviços prestadores são julgadas pelas administrações regionais respectivas e as das administrações regionais pela Administração Central de Saúde.
Secção IV Actividades complementares
Artigo 27.° Actividades complementares
1 — As actividades complementares destinam-se a facultar meios materiais ou de organização indispensáveis à prestação de cuidados de saúde e têm o dever de colaboração nos planos de saúde oficialmente aprovados.
2 — As actividades complementares de exercício público fazem parte do Serviço Nacional de Saúde; as de exercício privado beneficiam do regime especial estabelecido nesta lei e em legislação própria.
3 — Entre as actividades públicas e privadas haverá permuta de apoio e cooperação, em termos a regulamentar.
4 — É garantida às actividades complementares a participação no planeamento e no desenvolvimento dos programas de saúde.
Artigo 28.° Actividade farmacêutica
1 — A actividade farmacêutica abrange, para efeitos desta lei, a produção, comercialização, importação e exportação de medicamentos e produtos medicamentosos.
2 — A actividade farmacêutica terá legislação especial e fica submetida à regulamentação e fiscalização conjunta dos Ministérios da Saúde e da Indústria e Comércio.
3 — Esta regulamentação incide sobre a instalação de equipamentos, produtos e estabelecimentos distribuidores de medicamentos e produtos medicamentosos e o seu funcionamento, com o objectivo de defesa da saúde, satisfação das necessidades das populações, garantia da qualidade e contenção de uso de medicamentos e produtos.
4 — O formulário nacional de medicamentos será de uso obrigatório nos serviços e estabelecimentos que constituem o sistema de saúde.
5 — Será revisto todo o sistema de introdução e manutenção de medicamentos no mercado, assim como o processo de fixação de preços.
6 — A prescrição medicamentosa será regulamentada de forma a obedecer a uma regra de quantificação individualizada, de acordo com as condições do doente.
7 — Haverá um serviço especial para informação nacional sobre medicamentos e sobre a actividade farmacêutica.
Artigo 29.° Colheita e distribuição de produtos biológicos
1 — A colheita e distribuição de produtos biológicos reger-se-á por legislação própria, que fixará as condições do seu exercício e as garantias de correcção ética e técnica.
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2 — Esta actividade fica sujeita à regulamentação e inspecção do Ministério da Saúde.
Artigo 30.° Produção e distribuição de bens e produtos alimentares
1 — As empresas que produzem e distribuem bens e produtos alimentares terão legislação própria e ficam sujeitas à regulamentação e inspecção dos Ministérios da Saúde e da Indústria e Comércio.
2 — Os trabalhadores destas empresas ficam sujeitos a medidas especiais de vigilância sanitária.
Artigo 31.°
Produção e comercialização de bens e equipamentos de saúde
A produção e comercialização de bens e equipamentos de saúde é livre, mas o Governo, através dos Ministério das Saúde e da Indústria e Comércio, pode estabelecer normas para a admissão desses bens e equipamentos nos circuitos de distribuição e para a sua retirada.
Artigo 32.° Seguros de saúde
1 — Os seguros de saúde constituem um ramo a criar no esquema nacional de seguros.
2 — A regulamentação deste ramo cabe aos Ministérios das Finanças e da Saúde.
Artigo 33.°
Transporte de doentes
1 — O transporte de doentes para efeitos de prestação de cuidados de saúde ou retorno ao domicilio é actividade de interesse público coordenada pelo Serviço Nacional de Saúde.
2 — A coordenação dos transportes de doentes será, quanto possível, regionalizada.
CAPÍTULO III Outros prestadores de cuidados de saúde
Artigo 34.° Outros prestadores de cuidados de saúde
1 — As associações constituídas com o objectivo de facultar, promover ou facilitar os cuidados de saúde, as instituições privadas de solidariedade social e as organizações de saúde privadas ficam sujeitas à regulamentação e fiscalização do Estado, sem prejuízo, nos termos da lei, da independência de gestão.
2 — Os profissionais da saúde que asseguram cuidados em regime de profissão liberal desempenham, nesse âmbito, funções de importância social reconhecidas e protegidas pela lei.
3 — O Estado dará a estas organizações e profissionais da saúde o apoio julgado conveniente, definindo, por outro lado, as regras de reconhecimento da respectiva idoneidade técnica.
4 — O Serviço Nacional de Saúde pode estabelecer convenções ou contratos de prestação de serviços com instituições ou profissionais privados, com intervenção das respectivas organizações representativas, quando a rede oficial de serviços não satisfizer cabalmente as necessidades das populações.
TÍTULO III
Cuidados de saúde
Artigo 35.° Princípios fundamentais
A prestação e a utilização dos cuidados de saúde obedecerá aos seguintes princípios:
a) Respeito do direito à vida e do direito à integridade física e psíquica, com proibição e penalização de todas as práticas que atentem contra esses direitos;
b) Respeito da liberdade de escolha dos utentes quanto ao serviço ou agente prestador;
c) Respeito da liberdade de decisão dos indivíduos e das famílias quanto à recepção de cuidados individualizados, salvo disposição legal especial;
d) Respeito do direito de recusa da prestação de • cuidados por parte dos agentes prestadores,
desde que devidamente fundamentado e nunca em casos de urgência.
Artigo 36.° Direitos e deveres dos utentes
1 — Deverão ser garantidos aos utentes:
a) A prontidão e correcção técnica dos cuidados;
b) A continuidade médica, social e administrativa dos cuidados;
c) A informação sobre a previsível evolução da doença;
d) A confidencialidade sobre toda a informação decorrente da prestação de cuidados;
é) O direito de reclamação junto dos serviços e de apresentação de queixa junto do Ministério Público sobre a forma por que foram prestados os cuidados de saúde;
f) O direito de indemnização por danos sofridos durante ou por causa dos cuidados recebidos, nos termos gerais;
g) O direito à recepção de assistência religiosa, nos termos da lei geral e da concordata com a Santa Sé;
h) O tratamento correcto e atencioso por parte dos serviços e do pessoal de saúde e o respeito pelo decoro e pudor;
0 A orientação da organização e funcionamento dos serviços por critérios de humanização e comodidade para os utentes.
2 — Os indivíduos são os primeiros responsáveis pela saúde, que lhes cabe promover e preservar, sendo seus deveres:
á) Colaborar com os serviços e o pessoal de saúde no processo de cura e de reabilitação;
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b) Respeitar as regras de organização, funcionamento e disciplina dos serviços;
c) Evitar o uso indevido dos serviços e material de saúde.
3 — Nos serviços de saúde, junto dos serviços centrais e regionais e concelhios competentes, serão estabelecidos órgãos e mecanismos permanentes para avaliar e dar andamento às sugestões e reclamações dos utentes.
Artigo 37.° Cuidados de saúde primários
1 — Os cuidados de saúde podem ser primários e diferenciados, ambos fazendo parte de um único processo integrado, permanente e contínuo, desenvolvido por equipas pluridisciplinares.
2 — Os cuidados de saúde primários prestados nos centros de saúde constituem a base do sistema de saúde com carácter contínuo e personalizado e facultam o contacto inicial dos indivíduos e das famílias com os serviços de saúde, pressupondo a participação interessada dos indivíduos e da comunidade.
3 — Estes cuidados compreendem:
a) Acções de promoção da saúde e prevenção da doença;
b) Cuidados de diagnóstico e tratamento, que se baseiam em técnicas médicas não diferenciadas;
c) Cuidados de natureza específica dirigidos a grupos sociais de risco;
d) Assistência domiciliária e internamentos em unidades de cuidados primários;
e) Cuidados de enfermagem, incluindo os de saúde pública, prestados nos serviços de saúde, no domicílio e na comunidade;
J) Elementos complementares e de terapêutica indispensáveis aos cuidados referidos nas alíneas anteriores.
4 — A prestação de cuidados diferenciados, excepto em situações de urgência, exige a referência prévia por parte dos cuidados primários.
5 — O regresso do doente aos cuidados primários exige o retorno de informação.
Artigo 38.° Cuidados de saúde diferenciados
1 — Os cuidados diferenciados implicam práticas tendentes a resolver problemas médicos específicos, apoiadas em técnicas do mais elevado grau de especialização.
2 — Estes cuidados são prestados nos seguintes regimes:
a) Internamento hospitalar;
b) Assistência ambulatória e domiciliária;
c) Assistência de reabilitação e para reinserção social.
Artigo 39.° Estado de emergência
1 — Quando ocorram situações de grave emergência de saúde ou catástrofe, o Ministério da Saúde, por si
e em colaboração com outras entidades, tomará, nos termos da lei, as medidas de excepção que forem indispensáveis.
2 — A Lei Orgânica do Ministério da Saúde indicará os funcionários que, em tais circunstâncias, assumirão as funções de comissários para a saúde.
3 — O Governo pode, nas situações em causa e nos termos da lei, requisitar, pelo tempo estritamente necessário, profissionais e estabelecimentos de saúde em actividade privada.
TÍTULO IV
Ensino e investigação
Artigo 40.°
Formação básica
1 — Caberá ao Ministério da Educação e Cultura a formação básica dos médicos, dos farmacêuticos, dos assistentes sociais e, de modo geral, de todos os profissionais cuja formação não seja especialmente atribuída ao Ministério da Saúde.
2 — Ao Ministério da Saúde cabe, em especial, a formação do pessoal superior de administração dos serviços de saúde, dos enfermeiros e dos técnicos auxiliares dos serviços de saúde.
3 — Os serviços de saúde facultarão ao Ministério da Educação e Cultura campos de estágio, demonstração e investigação, em termos a estabelecer em diploma próprio.
Artigo 41.° Preparação e aperfeiçoamento profissional
1 — A preparação e o aperfeiçoamento do pessoal de saúde realizam-se mediante cursos, internatos, estágios e ciclos de estudos de natureza geral ou profissionalizante.
2 — Esta preparação pode ser facultada em escolas do Ministério da Educação e Cultura e em escolas e estabelecimentos do Ministério da Saúde.
3 — Os dois ministérios estabelecerão formas orgânicas de ligação e cooperação, em ordem a obterem a indispensável e recíproca intervenção nos planos e acções para formação dos profissionais da saúde.
Artigo 42.°
Ensino
1 — A formação e diferenciação dos profissionais de saúde basear-se-á no cálculo previsional das necessidades do País e na definição prévia de perfis profissionais obtida com a colaboração das organizações de trabalhadores da saúde.
2 — O ensino deve ser orientado para os problemas reais do País, devendo ser proporcionados a todos os profissionais de saúde, especialmente funções de chefia ou direcção, conhecimentos mínimos de administração dos serviços de saúde.
3 — Os planos de estudo de todos os cursos do pessoal da saúde serão revistos periodicamente, na sequência de ajustamentos entre os Ministérios da Educação e Cultura e da Saúde.
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4 — Ao longo dos cursos, estágios e internatos será garantida supervisão qualificada, eficiente e responsável.
Artigo 43.° Investigação
1 — A investigação para a saúde abrangerá:
a) A investigação biomédica e social de base; ¿7) A investigação aplicada ao conhecimento concreto dos problemas e realidades do País.
2 — A investigação para a saúde pode ser realizada nas escolas de formação de profissionais da saúde e, bem assim, em institutos ou estabelecimentos e serviços prestadores de cuidados.
3 — Podem ser criados institutos e centros de investigação nas escolas e nos serviços de saúde, quanto possível através de cooperação entre os Ministérios da Educação e Cultura e da Saúde.
4 — Os programas e projectos de investigação para a saúde deverão integrar-se nos programas nacionais de investigação científica.
5 — 0 Governo estabelecerá estímulos à investigação para a saúde e procurará interessar nela os serviços, os profissionais e a própria comunidade.
6 — Serão estabelecidos mecanismos permanentes de avaliação dos resultados dos programas e projectos de investigação a que se refere este artigo.
TÍTULO V
Disposições especiais e transitórias
Artigo 44.° Responsabilidade
A legislação sobre a saúde é de ordem e interesse públicos, pelo que a sua não observância implica, nos termos da lei, responsabilidade penal, civil e disciplinar.
Artigo 45.° Carta de saúde
1 — É obrigatória a carta de saúde como título indispensável para a prestação de cuidados de saúde, salvo nos casos de manifesta urgência.
2 — Compete aos centros de saúde da naturalidade de cada cidadão a passagem da carta a partir da notícia oficial do nascimento.
Artigo 46.° Registo dos profissionais
1 — Haverá um registo nacional, regional e concelhio de todos os profissionais da saúde, pertençam ou não ao Serviço Nacional de Saúde.
2 — A inscrição dos profissionais neste registo é indispensável ao exercício das respectivas profissões.
Artigo 47.° Serviço Nacional de Saúde
1 — A instalação do Serviço Nacional de Saúde será gradual e progressiva, em função das disponibilidades de meios humanos e materiais dos vários escalões.
2 — A acção do Governo relativamente às áreas de mais baixos índices de saúde deverá orientar-se no sentido de reformular, completar e melhorar os esquemas de serviços e recursos existentes, num processo de desenvolvimento das condições materiais de vida e de implantação de programas intensivos de educação sanitária.
Artigo 48.° Regiões autónomas
1 — A adaptação da organização dos serviços de saúde às condições específicas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira será feita por diploma regional, no respeito dos princípios gerais estabelecidos nesta lei.
2 — No território de Macau esta lei aplicar-se-á com as adaptações exigidas pelas circunstâncias locais e estatuto próprio.
Artigo 49.° Legislação anterior e complementar
1 — Com a publicação desta lei no Diário da República é revogada toda a legislação em contrário.
2 — Até 180 dias após a publicação desta lei o Governo deve publicar a legislação complementar e proceder à sua execução.
Assembleia da República, 14 de Fevereiro de 1990. — Os Deputados do PRD: Hermínio Martinho — Barbosa da Costa — Carlos Lilaia — Rui Silva.
PROJECTO DE LEI N.° 485/V
LEI DE BASES DA SAÚDE
1 — Foi preocupação do PCP, ao apresentar o presente projecto de lei, corporizar numa lei de bases os princípios e preceitos que a lei fundamental tão claramente enuncia.
A revisão constitucional, ainda que tenha diminuído o alcance de um importante princípio do Serviço Nacional de Saúde, não alterou as características essenciais do artigo que consagra o direito à protecção da saúde como direito fundamental dos cidadãos portugueses, atribuindo ao Estado o dever de o promover e garantir.
O Serviço Nacional de Saúde, universal, geral e tendencialmente gratuito, com gestão descentralizada e participada, é o instrumento para a efectivação da garantia constitucional.
2 — Ainda que truncada e parcial, mercê do boicote sistemático que sofreu por parte dos sucessivos governos, a experiência existente do período de vigência da Lei n.° 56/79 é um importante indicador para as ne-
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cessarias alterações que uma nova lei de bases deve introduzir. É o que se visa através deste projecto de lei, de entre cujas características se salientam as seguintes:
a) A garantia da gratuitidade dos cuidados prestados, característica que se tem por fundamental à edificação de qualquer verdadeiro Serviço Nacional de Saúde. É uma solução que cabe no actual quadro constitucional, visando acautelar, além do não retrocesso, uma real ampliação da esfera de benefícios recebidos pelos doentes;
b) A regionalização dos serviços de saúde, instrumento da descentralização, aproximando serviços e órgãos da comunidade, dando-lhes autonomia e aumentando fortemente a participação do poder regional. As regiões de saúde serão a espinha dorsal do Serviço Nacional de Saúde, o seu principal centro de gravidade e de tomada de decisões;
c) A subsistência de situações menos claras nas relações do sector público e privado, as propostas avançadas de privatização ou entrega à gestão privada de serviços públicos, a tendência também detectada de excessiva ingerência do Governo no livre estabelecimento e actividade do sector privado levam-nos a pugnar pela separação liminar dos dois sectores sem prejuízo da articulação que a Constituição aponta, visando sempre aumentar a sua eficácia e transparência;
d) A participação da comunidade e dos profissionais da saúde na gestão do Serviço Nacional de Saúde, aos vários níveis, promovendo assim um maior empenhamento dos trabalhadores do sector no funcionamento e dinâmica dos serviços e uma melhor compreensão por parte dos utentes das limitações e potencialidades dos recursos ao seu dispor;
é) Inovação, produtividade e qualidade são três ideias chave cuja concretização é indispensável à desburocratização e modernização dos serviços públicos de saúde. A criação do instituto de controlo de qualidade da saúde é a resposta que propomos ao desafio que representa a actualização e progresso do Serviço Nacional de Saúde.
3 — Só neste novo quadro, a que o II Encontro Nacional de Saúde do PCP chamou reforma geral dos serviços de saúde, o Serviço Nacional de Saúde poderá enfim mostrar o seu papel insubstituível na promoção da saúde e na prevenção da doença, no tratamento e reabilitação dos doentes, na resposta às aspirações das comunidades, na satisfação profissional dos seus trabalhadores.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:
LEI DE BASES DA SAÚDE
CAPÍTULO I Da defesa e protecção da saúde
° BASE I Direitos e deveres dos cidadãos
1 — Todos os cidadãos portugueses têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e preservar.
2 — 0 dever de defender e promover a saúde é uma responsabilidade conjunta dos indivíduos, da comunidade e do Estado.
3 — 0 direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito;
b) Pela criação de condições económicas, sociais e culturais que garantam a protecção da infância, da juventude e da velhice;
c) Pela melhoria das condições de vida e de trabalho, pela defesa do ambiente, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária da população.
4 — 0 direito à protecção da saúde é assegurado pelo Estado, a quem incumbe:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
b) Garantir uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o País;
c) Disciplinar e controlar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o Serviço Nacional de Saúde (SNS);
d) Disciplinar e controlar a produção, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de diagnóstico.
BASE II
Da prestação e organização dos cuidados de saúde
A prestação e organização dos cuidados de saúde compete primordialmente ao SNS e articula-se com o de outras entidades, públicas ou privadas, que, embora lhe não pertençam, concorrem para o mesmo fim e estão sujeitas à disciplina e controlo do Estado.
BASE III
Garantias de qualidade dos cuidados de saúde
Compete ao Estado garantir a qualidade dos cuidados de saúde, do ponto de vista técnico e humano, sem prejuízo das responsabilidades próprias que neste campo incumbam aos profissionais da saúde e suas associações, aos diferentes órgãos e serviços do SNS e a outras entidades públicas ou privadas.
BASE IV Definição da politica de saúde
1 — Compete ao Governo a definição da política de saúde, nos termos da Constituição e da presente lei.
2 — A política de saúde respeita os compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português, as orientações da Organização Mundial de Saúde e de outras organizações de saúde plurinacionais que Portugal integra e as normas e orientações comunitárias em matéria de saúde.
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CAPÍTULO II Do Serviço Nacional de Saúde
BASE V Principios gerais
1 — O SNS é universal, geral e gratuito.
2 — Os serviços e estabelecimentos de saúde do SNS não podem ser objecto de gestão e exploração privadas.
3 — É assegurado, em condições de igualdade, a todos os cidadãos portugueses e estrangeiros em regime de reciprocidade, e ainda aos apátridas e refugiados políticos que residam ou se encontrem em Portugal, acesso aos cuidados de saúde.
4 — É igualmente assegurado o acesso aos cuidados de saúde aos cidadãos nacionais de Estados membros das Comunidades Europeias, nos termos das normas comunitárias aplicáveis.
BASE VI
Características dos cuidados de saúde
1 — O SNS presta cuidados humanizados e continuados, regidos por padrões de qualidade, compreendendo a promoção da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico e tratamento dos doentes e a reabilitação.
2 — Os cuidados de saúde a que se refere o número anterior abrangem as seguintes prestações:
cr) Cuidados de promoção e vigilância da saúde e de prevenção da doença;
¿7) Cuidados médicos de clínica geral e de especialidade;
c) Cuidados de enfermagem;
d) Internamento hospitalar;
e) Transporte de doentes, quando clinicamente indicado;
f) Elementos complementares de diagnóstico e terapêutica;
g) Suplementos alimentares dietéticos;
h) Medicamentos e produtos medicamentosos;
i) Cuidados de reabilitção;
j) Próteses, ortóteses e outros aparelhos complementares terapêuticos;
0 Apoio social, em articulação com os serviços de segurança social.
BASE VII Grupos vulneráveis e grupos de risco
1 — As crianças, os adolescentes, as grávidas, os deficientes e os idosos constituem grupos sociais vulneráveis, para os quais serão previstos programas permanentes nos planos de saúde.
2 — Os grupos sociais de risco serão contemplados nos planos de saúde com programas específicos.
BASE VIII Estrutura e organização do SNS
1 — O SNS organiza-se de forma descentralizada e com gestão participada a todos os níveis.
2 — O SNS é integrado por uma rede de centros de saúde, hospitais e outras instituições de diferentes ní-
veis, articulados entre si e racionalmente distribuídos pelo território nacional de acordo com a carta sanitária nacional.
3 — A estrutura da organização do SNS obedece ao princípio da regionalização dos serviços de saúde, distribuindo-se os seus órgãos e unidades prestadoras de cuidados de saúde segundo três níveis hierárquicos e territoriais: central, regional e local.
4 — 0 território nacional é dividido em regiões de saúde, cujos limites são fixados por lei.
5 — As regiões de saúde gozam de autonomia administrativa e financeira.
6 — As principais áreas metropolitanas são equiparadas a regiões de saúde e têm administração própria, a definir por lei.
7 — Cada concelho constitui uma área de saúde, podendo ser incluídas em áreas diferentes das dos concelhos a que pertençam outras localidades, quando se verifique que tal é indispensável para tornar mais rápida e cómoda a prestação dos cuidados de saúde.
8 — A definição da área de saúde é da competência dos órgãos regionais de saúde, mediante proposta das comissões concelhias de saúde e das autarquias locais.
BASE IX Órgãos do SNS
1 — São órgãos centrais do SNS:
á) A Administração Central de Saúde; b) O Conselho Nacional de Saúde.
2 — São órgãos regionais do SNS:
a) As administrações regionais de saúde;
b) Os conselhos regionais de saúde.
3 — São órgãos locais do SNS:
a) As direcções das unidades prestadoras de cuidados de saúde;
b) As comissões concelhias de saúde.
4 — Poderão ser constituídas, de acordo com regulamentação a fixar caso a caso, estruturas inter--regionais e subregionais que permitam uma maior flexibilização, coordenação e aproveitamento dos serviços existentes.
base x
Administração Central de Saúde
1 — A Administração Central de Saúde depende directamente do Ministério da Saúde e compreende diversos departamentos, gabinetes de apoio e institutos de âmbito nacional.
2 — A direcção da Administração Central de Saúde cebe a um conselho directivo, composto pelos directores dos vários departamentos e institutos e por um membro nomeado peio Ministro da Saúde, que preside.
3 — São atribuições da Administração Central de Saúde:
a) Elaborar o plano nacional de saúde;
b) Coordenar e dirigir a execução da política de saúde e dos planos de saúde;
c) Elaborar normas técnicas e de funcionamento dos serviços do SNS;
d) Efectuar os estudos e propostas que entenda necessários ou lhe forem solicitados;
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e) Proceder a inspecções e avaliação dos resultados;
f) Planear, dirigir e coordenar a formação e aperfeiçoamento dos profissionais de saúde.
BASE XI Conselho Nacional de Saúde
1 — O Conselho Nacional de Saúde é um órgão consultivo, presidido pelo Ministro da Saúde, com a seguinte composição:
á) Conselho directivo da Administração Central de Saúde;
b) Directores regionais de saúde;
c) Representantes do Ministério da Educação e da Secretaria de Estado da Segurança Social;
ef) Representantes das Ordens dos Médicos e Farmacêuticos;
e) Representantes das associações profissionais e sindicais dos trabalhadores da saúde;
f) Representantes dos utentes designados pela Assembleia da República e pelas assembleias legislativas regionais, pela Associação Nacional de Municípios e pelas centrais sindicais.
2 — São atribuições do Conselho Nacional de Saúde pronunciar-se e emitir obrigatoriamente parecer sobre:
a) A definição da política de saúde;
b) O plano nacional de saúde e sua execução;
c) A distribuição de verbas do SNS pelas administrações regionais de saúde;
d) A elaboração e actualização da carta sanitária nacional.
3 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, cabe ao Conselho Nacional de Saúde a emissão de pareceres, quando solicitados pelo Ministério da Saúde, secretarias de Estado ou Administração Central de Saúde.
4 — Para efeitos do disposto no número anterior, serão constituídas, no âmbito do Conselho Nacional de Saúde, associações interministeriais especializadas, de composição a fixar em diploma regulamentador, a quem compete assegurar a informação necessária à intervenção do Conselho em diversos domínios, nomeadamente o da alimentação e nutrição, política de ambiente, saúde ocupacional, formação profissional, política do medicamento, etc.
5 — É ainda assegurada ao Conselho Nacional de Saúde a consulta e o acesso à informação de comissões e organismos já existentes no âmbito de outros ministérios que se relacionem com questões de saúde, bem como a participação nas suas reuniões de técnicos ou entidades públicas ou privadas cuja colaboração se mostre necessária.
BASE XII Administração regional de saúde
1 — A administração regional de saúde é o órgão executivo da região de saúde, que dirige e fiscaliza todas as actividades de saúde nela exercidas.
2 — A administração regional de saúde tem a seguinte composição:
a) Director regional de saúde, que preside;
b) Director clínico regional, escolhido de entre os médicos da carreira hospitalar ou de clínica geral com a categoria de chefe de serviço;
c) Director de saúde pública regional, escolhido de entre os médicos da carreira de saúde pública com a categoria de chefe de serviço;
d) Director administrativo regional, escolhido de entre os administradores da carreira hospitalar.
BASE XIII Director regional de saúde
1 — O director regional é eleito pelas assembleias regionais da respectiva região de saúde, por um período de quatro anos, podendo ser reeleito para mais um mandato.
2 — São atribuições do director regional de saúde:
à) Coordenar a actividade da administração regional de saúde;
b) Representar a região de saúde;
c) Exercer as demais competências e poderes que lhe forem conferidos por lei ou por deliberação da administração regional de saúde.
BASE XIV Conselho regional de saúde
1 — O conselho regional de saúde é o órgão consultivo da região de saúde.
2 — O conselho regional de saúde é presidido pelo director regional de saúde, sendo a sua composição fixada por lei.
3 — São atribuições do conselho regional de saúde:
o) Pronunciar-se sobre todas as matérias da competência da região de saúde, por sua iniciativa ou a solicitação da administração regional de saúde;
b) Acompanhar o desenvolvimento das actividades de saúde da região;
c) Propor as medidas correctivas que julgar convenientes;
d) Emitir parecer, com carácter vinculativo, sobre os planos regionais de saúde e o projecto de actividades, orçamento, relatório e contas da administração regional de saúde.
BASE XV Comissão concelhia de saúde
1 — A comissão concelhia de saúde é composta por representantes do ou dos centros de saúde, das organizações e entidades locais com interesse na área da saúde e das autarquias.
2 — São atribuições da comissão concelhia de saúde:
ff) Pronunciar-se obrigatoriamente sobre a elaboração dos planos regionais de saúde e nas decisões que digam respeito à respectiva área de saúde;
b) Pronunciar-se regularmente sobre o nível de execução dos planos e sobre o grau de satisfação das necessidades dos utentes dos serviços de saúde locais.
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BASE XVI Do financiamento do SNS
1 — O SNS é financiado através do Orçamento do Estado e ainda através de outras receitas provenientes da sua actividade, designadamente de:
o) Rendimentos próprios;
b) Benemerencias ou doações;
c) Efectivação da responsabilidade dos utentes por infracções às regras de organização e funcionamento do SNS ou pelo uso ilícito dos serviços e material de saúde;
d) Pagamento de cuidados prestados a não beneficiários do SNS;
e) Pagamento de cuidados prestados em regime de autonomia de gestão.
2 — A afectação de verbas do Orçamento do Estado ao SNS respeitará a evolução do produto interno bruto.
3 — A repartição das dotações orçamentais pelas administrações regionais de saúde terá em conta:
d) O número de habitantes e a área geográfica da região;
b) O número e diferenciação dos hospitais e centros de saúde nela existentes;
c) As necessidades de saúde de regiões mais carenciadas;
d) O plano nacional de saúde elaborado com base nos planos regionais.
BASE XVII Da gestão
São objectivos da gestão do SNS:
a) A humanização e melhoria constante da qualidade dos serviços e cuidados;
b) A promoção do planeamento por objectivos;
c) A elaboração dos orçamentos com base em planos e programas;
d) A rendibilização da capacidade material instalada, visando a sua utilização intensiva;
e) A optimização dos recursos humanos;
f) A racionalização do uso de medicamentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica.
BASE XVIII Da autonomia de gestSo
1 — De acordo com a base xix, alínea a), pode ser concedida autonomia de gestão a serviços, estabelecimentos ou outras entidades do SNS, nos termos da lei.
2 — Este regime é atribuído, por períodos renováveis, por júri idóneo nomeado pelo instituto de controlo de qualidade da saúde, que apreciará o mérito do projecto do serviço, estabelecimento ou entidade proponente.
3 — São requisitos da concessão do regime de autonomia:
a) Não contrariar os planos de saúde;
b) Sujeitar-se à avaliação do órgão de gestão respectivo e do instituto de controlo de qualidade da saúde;
c) Organizar a contabilidade própria;
d) Respeitar o estatuto dos profissionais de saúde
e a legislação de trabalho aplicável; é) Satisfazer os encargos assumidos com terceiros.
4 — São atributos do regime de autonomia:
á) Perceber em tempo útil o pagamento dos serviços prestados;
b) Aceitar doações e legados;
c) Dispor de autonomia na aquisição de material e equipamento;
d) Poder criar incentivos de remuneração e valorização profissional que compensem melhorias de produtividade e inovação;
e) Utilizar verbas para a formação e reciclagem do seu pessoal.
BASE XIX Actualização e Inovação .do SNS
0 SNS é um serviço em permanente actualização e inovação, admitindo-se a realização de experiências piloto a nível de serviço, estabelecimento, área ou região de saúde e, nomeadamente, nos domínios:
a) De gestão, organização e métodos de trabalho;
b) Da articulação entre níveis ou serviços prestadores de cuidados;
c) Das formas de participação da comunidade.
BASE XX Incentivo à Investigação cientifica
1 — O SNS promove a investigação científica a todos os níveis do seu funcionamento, reconhecendo a esta actividade papel relevante na modernização dos serviços e na elevação da qualidade dos seus profissionais.
2 — O SNS dotará os vários níveis de verbas próprias para a investigação, as quais serão atribuídas a projectos ou programas de acordo com as prioridades da politica de saúde, o seu mérito intrínseco e a sua articulação com os planos de saúde.
3 — O SNS deve estimular a participação em programas ou projectos de investigação de outras entidades, públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais.
BASE XXI Direitos dos utentes do SNS
São direitos dos utentes do SNS, para além dos consagrados noutros artigos desta lei de bases:
á) O acesso aos serviços de saúde e o diagnóstico e tratamento em tempo útil, podendo escolher o serviço e a equipa de saúde, dentro das limitações impostas pela disponibilidade de recursos humanos, técnicos e financeiros e pelas normas de distribuição, organização racional e regionalização dos serviços;
b) Receber tratamento tecnicamente adequado à sua situação;
c) Encontrar condições de atendimento humana, material e psicologicamente dignas;
d) Receber informações sobre o seu estado, sua evolução provável e alternativas terapêuticas, podendo aceitar ou recusar o tratamento proposto, salvo disposição em contrário da lei;
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e) O respeito pela sua dignidade, crenças, opiniões, privacidade e direitos decorrentes da sua integração no agregado familiar e comunidade a que pertencem;
f) A garantia ao sigilo por parte do pessoal do SNS relativamente aos factos de que tenha conhecimento em razão do exercício das suas funções, salvo intervindo decisão judicial ou justa causa de revelação, nos termos legais;
g) Apresentar, individual ou colectivamente, petições, sugestões, reclamações ou queixas dirigidas à entidade responsável pelo estabelecimento ou serviço e dela receber resposta pronta, sem prejuízo do direito de reclamação hierárquica, nos termos da lei;
h) A indemnização por danos causados por órgãos, serviços ou pessoal do SNS, nos termos da lei reguladora da responsabilidade civil extracontratual do Estado no domínio dos actos de gestão pública;
0 Construir associações que os representem, para defesa dos seus direitos junto do SNS ou para colaboração com os serviços de saúde.
BASE XXII Deveres dos utentes do SNS
São deveres dos utentes do SNS:
a) Respeitar as normas sobre a organização e funcionamento dos serviços de saúde, os direitos dos outros utentes e dos profissionais de saúde;
b) Desenvolver atitudes e comportamentos que preservem a sua saúde e colaborar com os profissionais de saúde;
c) Não utilizar indevidamente o património dos serviços.
BASE XXIII Representação de menores e Incapazes
A lei estabelecerá as condições em que os menores e incapazes, através dos seus representantes, podem exercer os seus direitos.
BASE XXIV Política de recursos humanos
A política de recursos humanos do SNS tem por objectivos:
a) Garantir a satisfação das necessidades da população em cuidados de saúde;
b) Promover o correcto dimensionamento dos quadros e a sua regular actualização e provimento, sendo vedada a satisfação das necessidades normais dos serviços através da utilização de profissionais sem vínculo à função pública;
c) Promover a formação profissional;
d) Assegurar a estabilidade e segurança no emprego e a progressão nas carreiras aos seus profissionais;
e) Assegurar uma distribuição racional dos recursos humanos pelo território nacional;
f) Criar condições que permitam desincentivar progressivamente o pluriemprego dos profissionais de saúde;
g) Assegurar a criação de novas carreiras e especializações, de acordo com as necessidades dos serviços e os progressos técnico-científicos.
BASE XXV
Direito de participação dos profissionais de saúde
1 — É assegurado aos profissionais de saúde e às suas organizações representativas o direito a participar nos órgãos do SNS e nas decisões sobre carreiras, remunerações, formação profissional, organização de serviços e elaboração dos planos de saúde.
2 — O direito referido no número anterior inclui a expressão de opinião sobre o funcionamento dos serviços e órgãos do SNS, com respeito pelas normas éticas, deontológicas e de sigilo profissional.
BASE XXVi Carreiras profissionais
1 — Os profissionais do SNS desempenham uma função social relevante na saúde dos indivídiuos e da comunidade, devendo, por isso, ser-lhes asseguradas, como meios de exercício e promoção profissionais, carreiras com condições de diginidade, independência técnica e deontológica.
2 — A lei fixa os sectores profissionais do SNS que dispõem de estatuto próprio ou constituem corpos especiais.
BASE XXVII Critérios de prioridade
1 — A avaliação da capacidade para o acesso ou ingresso nos lugares do quadro ou órgãos de gestão ou direcção dos serviços e estabelecimentos do SNS assenta em critérios de capacidade e competência e compreende diversas modalidades segundo as características das várias profissões e dos lugares ou funções a prover ou desempenhar.
2 — No caso dos lugares ou cargos de natureza técnica, os mecanismos de avaliação e selecção devem salvaguardar rigorosamente a idoneidade, independência e competência técnica dos júris ou órgãos que a realizam.
BASE XXVIII Formação profissional
O SNS promove a actualização e aperfeiçoamento dos seus profissionais mediante acções de formação específica e, de maneira constante, pela formação em serviço.
BASE XXIX Formação pré-graduada
Os Ministérios da Saúde e da Educação coordenam as políticas de formação pré-graduada, com o objectivo de harmonizar o conteúdo curricular dos cursos com as necessidades de modernização dos serviços de saúde e adequar o número de alunos às necessidades do País.
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CAPÍTULO III Dos sectores de actividade não pertencentes ao SNS
BASE XXX Princípios gerais
1 — O Estado reconhece o papel e importância dos sectores não pertencentes ao SNS que prestam cuidados ou desenvolvem actividades na área da saúde.
2 — 0 Estado apoia, em função das vantagens sociais daí decorrentes, a existência e iniciativa dos sectores sem fins lucrativos mediante incentivos diversificados, nomeadamente:
o) Apoio técnico e financeiro;
b) Preferência na celebração de convenções com o SNS;
c) Benefícios fiscais.
3 — Os profissionais de saúde e as diferentes entidades ou organizações, de direito público ou privado, que exercem a sua acção no campo da saúde devem cooperar entre si e articular-se com o SNS.
4 — As actividades médicas privadas, sob forma individual ou empresarial, estão sujeitas ao registo e à disciplina e fiscalização do Estado, nos termos da lei.
5 — As regras e modalidades de articulação das diferentes entidades com o SNS, bem como os requisitos e controlo de qualidade daquelas entidades, serão objecto de legislação especial.
BASE XXXI Do sector privado com fins lucrativos
1 — No reconhecimento do papel da iniciativa privada no campo da saúde o Estado concede aos profissionais em regime liberal e outras formas privadas de prestação de cuidados de saúde com fins lucrativos o direito ao livre estabelecimento e actividade.
2 — O exercício do direito referido no número anterior subordina-se:
a) No que respeita ao exercício profissional, às disposições legais em vigor, da competência do Ministério da Saúde e das associações profissionais;
b) No que respeita às instalações e equipamentos, às exigências legais específicas respeitantes às condições materiais de atendimento, de segurança e de nível e controlo de qualidade.
BASE XXXII
Das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e outras organizações particulares com objectivos de saúde sem fins lucrativos
1 — As IPSS e outras organizações particulares sem fins lucrativos cujas actividades, no todo ou em parte, se exerçam no campo da saúde são apoiadas pelo Estado nos termos do n.° 2 da base xxxi.
2 — A concessão do apoio previsto no número anterior terá em conta:
a) O mérito, eficiência e qualidade das actividades desenvolvidas;
b) O contributo prestado para a satisfação das necessidades de saúde das populações;
c) A subordinação planos de saúde a nível local, regional e nacional;
d) O rigoroso cumprimento dos protocolos ou convenções celebrados com o SNS ou com o Estado;
é) O respeito pelas leis do trabalho e outras disposições legalmente aplicáveis à actividade dos profissionais da saúde ao seu serviço.
3 — As IPSS e organizações afins, previstas no n.° 1 desta base, submetem-se à orientação e fiscalização dos órgãos ou serviços compotentes do Ministério da Saúde.
BASE XXXIII Dos subsistemas de saúde
1 — Os subsistemas de saúde, públicos ou privados, constituem um sector preferencial de colaboração e articulação com o SNS.
2 — Os subsistemas de saúde dependentes, directa ou indirectamente, do Estado e o SNS devem tender progressivamente à concessão de iguais benefícios, sem prejuízo dos benefícios mais favoráveis já adquiridos.
3 — Aos subsistemas de saúde aplica-se o disposto nas bases xxxi e xxxn, consoante prossigam ou não fins lucrativos.
BASE XXXIV Das convenções
1 — O SNS pode celebrar convenções com profissionais, empresas, entidades ou estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, mediante protocolos cujas condições serão definidas por lei.
2 — O SNS não pode celebrar convenções com profissionais que trabalhem simultaneamente no SNS em regime liberal ou com entidades que tenham ao seu serviço profissionais directa ou indirectamente ligados ao SNS.
3 — Nos casos em que, por insuficiência de meios ou outras razões justificáveis, o SNS tenha necessidade de recorrer a convenções com terceiros, deverá respeitar-se o disposto em bases anteriores e, designadamente, nos n.os 2, 4 e 5 da base XXX e no n.° 2 da base xxxn.
4 — Nas convenções respeitantes à prestação de serviços a terceiros por parte do SNS deverão ser considerados valores diferentes de facturação pelos actos praticados, conforme se trate de entidades com ou sem fins lucrativos, os quais, em qualquer dos casos, nunca serão inferiores aos custos de produção.
CAPÍTULO IV Da garantia da qualidade dos cuidados de saúde
BASE XXXV Da garantia
Incumbe prioritariamente ao Estado, através do instituto de controlo de qualidade da saúde, garantir a
qualidade dos cuidados de saúde.
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BASE XXXV1 Instituto de controlo de qualidade da saúde
1 — O instituto de controlo de qualidade da saúde é uma pessoa colectiva de direito público, com autonomia administrativa e financeira.
2 — São órgãos do instituto de controlo de qualidade da saúde:
a) O presidente, nomeado pelo Ministro da Saúde, sob proposta do Conselho Nacional de Saúde, de entre técnicos de saúde de reconhecido mérito científico e profissional;
b) Uma comissão directiva presidida pelo presidente do instituto, nomeada pelo Ministro da Saúde, sob proposta do presidente do instituto, e composta por seis profissionais de reconhecido mérito científico e profissional ligados às principais áreas de competência do instituto.
3 — Para o exercício das suas funções, o instituto disporá de comissões de peritos e socorrer-se-á de pareceres de entidades especializadas nacionais, estrangeiras ou internacionais.
4 — As comissões de peritos podem ter carácter permanente ou eventual.
5 — O instituto pode dispor de serviços técnicos próprios, nomeadamente laboratórios, e recorrer aos serviços de instituições, públicas ou privadas, de reconhecida competência e idoneidade em áreas especificas.
BASE XXXVII Atribuições do instituto de controlo de qualidade da saúde
São atribuições do instituto de controlo de qualidade da saúde:
a) Estabelecer e sujeitar a permanente actualização os critérios de avaliação e controlo de qualidade;
b) Adequar as normas de qualidade aos padrões acordados em estruturas internacionais;
c) Submeter periodicamente os serviços e estabelecimentos de saúde a uma avaliação aleatória, confidencial, com carácter indicativo e não sancionatório, da qualidade da prestação de cuidados de saúde;
d) Infomar periodicamente a Administração Central de Saúde, o Conselho Nacional de Saúde e os órgãos regionais de saúde dos índices de qualidade alcançados;
é) Distinguir os serviços que se destaquem pelos elevados padrões de qualidade alcançados;
f) Propor medidas de promoção da qualidade de prestação dos cuidados de saúde;
g) Emitir parecer favorável para o licenciamento de novos medicamentos e produtos biológicos;
h) Atribuir certificados de qualidade a entidades prestadoras de cuidados de saúde, públicas ou privadas.
CAPÍTULO V Outras actividades com importância para a saúde
BASE XXXVIII Da actividade farmacêutica
1 — A actividade farmacêutica abrange a produção, distribuição e comercialização de medicamentos, bem como a sua importação e exportação.
2 — A actividade farmacêutica rege-se por legislação especial e fica submetida à disciplina e fiscalização conjunta dos Ministérios da Saúde, da Indústria e Energia e do Comércio e Turismo, de forma a garantir a defesa e protecção da saúde, a satisfação das necessidades da população e a racionalização do consuno de medicamentos e produtos medicamentosos.
3 — Sem prejuízo da actividade farmacêutica privada, e sem a substituir ou entrar em concorrência com ela, pode o SNS desenvolver formas de produção e distribuição de medicamentos e produtos medicamentosos quando tal se revelar útil para o eficaz funcionamento dos serviços, para a comodidade dos utentes ou se traduzir em vantagens de racionalização do consumo.
4 — O licenciamento de medicamentos e produtos medicamentosos depende de parecer favorável do instituto de controlo de qualidade da saúde, nos termos da presente lei.
5 — O Ministério da Saúde, sob proposta da Administração Central de Saúde, publicará e manterá actualizado um formulário nacional de medicamentos, que constituirá um guia de receituário para utilização no SNS.
BASE XXXIX Outras actividades
1 — As actividades que concorrem para a prestação de cuidados de saúde estão sujeitas à disciplina e fiscalização do Ministério da Saúde e outros ministérios competentes, quer sejam exercidas por entidades públicas ou privadas.
2 — As actividades referidas no número anterior são objecto de legislação especial.
3 — O disposto nos números anteriores aplica-se, designadamente:
a) À colheita e distribuição de produtos biológicos;
b) A produção e distribuição de produtos dietéticos;
c) À produção, comercialização e instalação de equipamentos de saúde.
CAPÍTULO VI Disposições finais e transitórias
BASE XL Regiões autónomas
Cabe às regiões autónomas desenvolver, em função do interesse específico das regiões, a presente lei de bases.
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BASE XLI Convenções
As formas e o prazo de concretização da proibição estabelecida no n.° 2 da base xxxiv deste diploma será objecto de regulamentação especial.
BASE XLII Assembleias regionais
Enquanto não forem criadas as regiões administrativas, as atribuições conferidas na presente lei às assembleias regionais são transitoriamente exercidas pelas assembleias distritais.
BASE XLIII Regulamentação
O Governo desenvolverá em decretos-leis as base do regime jurídico definido na presente lei no prazo de 180 dias.
BASE XLIV Entrada em vigor
As disposições da presente lei de bases que não careçam de regulamentação entram em vigor no 30.° dia posterior ao da sua publicação.
Assembleia da República, IS de Fevereiro de 1990. — Os Deputados do PCP: Carlos Brito — João Camilo — Apolônia Teixeira — Jerónimo de Sousa — Paula Coelho — José Maia Nunes de Almeida — Júlio Antunes — António Rodrigues — Sérgio Ribeiro — Luís Bartolomeu — Lourdes Hespanhol — Ilda Figueiredo — António Mota — Manuel Filipe —Luísa Amorim— Octávio Teixeira — João Amaral — Vítor Costa — José Manuel Mendes — Rogério Brito — Odete Santos — Luís Roque.
PROJECTO DE LEI N.° 486/V
LEI DE BASES DA SAÚDE
As alterações da Constituição na parte respeitante à definição dos direitos sociais e principalmente o espírito que as ditou aconselhavam, se não impunham, a modificação da própria Lei do Serviço Nacional de Saúde, inspirada por uma visão estatizante e colectivista sobre a organização dos meios destinados a dar satisfação ao direito à saúde.
O que está fundamentalmente em causa, ou seja, o que principalmente determina a necessidade de publicação de uma nova lei é a modificação de perspectiva operada com a nova redacção don." 3 do artigo 64.° da Constituição, em que da socialização da própria medicina e dos sectores médico-medicamentosos se passou para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos.
É também importante que a par do que se modificou não se tenha admitido a criação de um sistema nacional de saúde com o objectivo de englobar numa rede
unitária de regulamentação todas as iniciativas que têm como objectivo preservar a saúde e tratar as doenças dos Portugueses.
Nestes termos, os deputados no final assinados, do Grupo Parlamentar do CDS, apresentam o seguinte projecto de lei:
Lei de bases da saúde
BASE I
Todos os portugueses têm direito à protecção da saúde, nos termos da presente lei, e o dever defendera e promovê-la.
BASE II
Ao Estado compete prioritariamente garantir a todos os cidadãos o acesso aos cuidados de saúde preventivos, curativos e de reabilitação qualitativa e quantitativamente adequados, tendo em atenção os limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis.
BASE III
Para efeitos do disposto na base u, o Estado promoverá os meios humanos, organizacionais, técnicos e financeiros adequados, actuando através de serviços próprios, celebrando acordos com entidades privadas para a prestação de cuidados, apoiando a actividade privada na área da saúde e fixando incentivos legais ao estabelecimento e desenvolvimento de seguros de saúde.
BASE IV
1 — A politica de saúde será definida pelo Governo, em conformidade com o disposto nas bases anteriores, cabendo ao Ministério da Saúde propor tal definição, assim como promover a respectiva execução, e coordenar a sua acção com as dos ministérios que tutelem áreas conexas.
2 — Para prossecução das atribuições definidas no número anterior compete ao Ministério da Saúde:
a) A regulamentação, orientação, planeamento, avaliação e inspecção em relação ao Serviço Nacional de Saúde;
b) O licenciamento, regulamentação e inspecção em relação às actividades de saúde das instituições particulares de solidariedade social e às organizações privadas com objectivos de saúde e fins lucrativos, sem prejuízo do disposto na base x.
BASE V
A lei, ouvidas as respectivas associações profissionais de direito público, estabelecerá os requisitos do desempenho de funções e os direitos e deveres dos profissionais de saúde, designadamente os de natureza deontológica, tendo em conta a relevância social da sua actividade.
BASE vi
O Serviço Nacional de Saúde caracteriza-se por:
a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
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c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos;
d) Visar a equidade no acesso dos utentes com o objectivo de atenuar os efeitos das desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados;
é) Ter organização regionalizada e gestão descentralizada e participada.
BASE VII
1 — São beneficiários do Serviço Nacional de Saúde todos os cidadãos portugueses.
2 — São igualmente beneficiários do Serviço Nacional de Saúde os cidadãos nacionais de Estados membros das Comunidades Europeias, nos termos das normas comunitárias aplicáveis.
3 — São ainda beneficiários do Serviço Nacional de Saúde os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, em condições de reciprocidade, e os cidadãos apátridas residentes em Portugal.
BASE VIII
1 — Os utentes do Serviço Nacional de Saúde têm direito a:
á) Escolher, na medida dos recursos existentes e de acordo com as regras de organização, o serviço e agentes prestadores;
b) Decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é proposta, salvo disposição especial da lei;
c) Ser tratados pelos meios adequados, humanamente e com prontidão, correcção técnica, privacidade e respeito;
d) Ver rigorosamente respeitada a confidencialidade sobre os dados pessoais revelados;
e) Ser informados sobre a sua situação, as alte-rantivas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado;
f) Receber, se o desejarem, assistência religiosa;
g) Reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for caso disso, receber indemnização por prejuízos sofridos;
h) Constituir entidades que os representem e defendam perante o sistema de saúde;
/) Constituir entidades que colaborem com o sistema de saúde, nomeadamente sob a forma de grupos de amigos de estabelecimentos de saúde.
2 — Os utentes do Serviço Nacional de Saúde devem:
a) Respeitar os direitos dos outros utentes;
b) Observar as regras sobre a organização e o funcionamento dos serviços e estabelecimentos;
c) Colaborar com os profissionais de saúde em relação à sua própria situação;
d) Utilizar os serviços de acordo com as regras estabelecidas e evitar os desperdícios;
e) Pagar os encargos que derivem da prestação dos cuidados de saúde, quando for caso disso.
3 — Relativamente a menores e incapazes, a lei deve prever as condições em que os seus representantes legais podem exercer os direitos que lhes cabem, designadamente o de recusarem a assistência, com observância dos princípios constitucionalmente definidos.
BASE IX
0 regime da organização, gestão, funcionamento e financiamento do Serviço Nacional de Saúde será definido por decreto-lei.
BASE X
1 — As actividades privadas no campo da prestação de cuidados de saúde são livres, tendo como limite os princípios da ética e da deontologia profissionais.
2 — O Estado apoia o desenvolvimento do sector privado de prestação de cuidados de saúde, em função das vantagens sociais decorrentes das iniciativas em causa.
BASE XI
Às instituições particulares de solidariedade social com objectivos específicos de saúde, actuando de acordo com legislação que lhes é própria, é reconhecido um papel relevante na prossecução dos objectivos definidos na base n, podendo ser subsidiadas financeiramente e apoiadas tecnicamente pelo Estado.
BASE XII
O Governo desenvolverá em decretos-leis as bases contidas na presente lei, que são imediatamente aplicáveis.
Palácio de São Bento, 15 de Fevereiro de 1990. — Os Deputados do CDS: Nogueira de Brito — Basílio Horta — Adriano Moreira — Narana Coissoró.
PROPOSTA DE LEI N.° 122/V
ESTABELECE 0 MODELO DE ORGANIZAÇÃO DE GESTÃO DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO, BEM COMO 0 ENQUADRAMENTO LEGAL PARA A ELABORAÇÃO DOS RESPECTIVOS ESTATUTOS.
Relatório e parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura
1 — Por iniciativa de S. Ex.a o Presidente da Assembleia da República, baixou em 6 de Novembro de 1989 à Comissão de Educação, Ciência e Cultura a proposta de lei n.° 122/V, que estabelece o modelo de organização de gestão dos estabelecimentos de ensino superior politécnico, bem como o enquadramento legal para a elaboração dos respectivos estatutos.
2 — Na reunião plenária de 9 de Fevereiro de 1989 foram discutidos, na generalidade, os projectos de lei n.os 287/V, do Partido Socialista, sobre o estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico, e 340/V, do Partido Comunista Português, que mereceram, na altura, relatório e parecer desta Comissão que aqui se dão por reproduzidos, tendo os dois referidos projectos de lei, por proposta do Grupo Parlamentar do PSD, baixado, sem votação, à Comissão de Educação, Ciência e Cultura para efeitos de nova apreciação pelo prazo de 90 dias.
3 — A proposta de lei n.° 122/V visa definir o enquadramento legal dos estabelecimentos do politécnico, nomeadamente a definição de um modelo de adminis-
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tração e de gestão das instituições do ensino politécnico, procurando o fortalecimento e a expansão de tais instituições, assumindo, todavia, tal legislação um cariz eminentemente transitório, adaptado à actual fase de evolução deste subsistema de ensino.
Nestes termos, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura considera que a proposta de lei n.° 122/V se encontra em condições de ser apreciada pelo Plenário da Assembleia da República.
4 — O agendamento para discussão em Plenário, no próximo dia 16 de Fevereiro, da proposta de lei n.° 122/V e dos projectos de lei n.os 287/V e 340/V, respectivamente do Partido Socialista e do Partido Comunista Português, cria condições para que finalmente a Assembleia da República desenvolva os princípios gerais constantes da Lei de Bases do Sistema Educativo em relação ao ensino superior politécnico, pondo fim ao regime de instalação que tem vigorado na generalidade deste ramo de ensino superior.
A Comissão é de parecer que a proposta de lei e os dois projectos de lei deverão ser aprovados na generalidade e baixar de novo a esta Comissão para apreciação na especialidade.
Palácio de São Bento, 13 de Fevereiro de 1990. — O Presidente da Comissão, Fernando Dias de Carvalho Conceição. — O Relator, Vítor Costa.
PROPOSTA DE LEI N.° 130/V
APROVA 0 REGIME DA ACTIVIDADE DE RADIOTELEVISÃO NO TERRITÓRIO NACIONAL
Exposição de motivos
A televisão, como serviço público cuja existência é garantida constitucionalmente, deve prosseguir a satisfação do interesse dos cidadãos e contribuir para o pluralismo informativo, para a formação da opinião pública e para a difusão da cultura.
Acresce que os cidadãos utilizam cada vez mais a televisão como meio de ocupação dos tempos livres, o que obriga a uma maior preocupação com a diversidade de programas, de modo a satisfazer uma cada vez maior exigência de escolha.
A prossecução daqueles objectivos será, pois, mais amplamente conseguida com a abertura da televisão à iniciativa privada.
A revisão constitucional veio criar o quadro normativo que permite ao Governo apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei sobre esta matéria, tanto mais que do próprio Programa do Governo consta expressamente a intenção de vir a fazer aprovar uma nova lei de televisão para alargar este sector à iniciativa privada.
É o que se faz através da presente proposta de lei.
Para dar satisfação às exigências constitucionais, nela se prevê a existência de um serviço público de televisão, ao lado do qual a iniciativa privada se poderá exercer, muito embora dentro dos estritos limites que derivam da Constituição, da lei e do próprio regulamento do concurso público para o licenciamento da exploração de novos canais, os quais tanto poderão utilizar a via hertziana, a transmissão directa por satélite, o cabo ou a utilização conjunta de todos estes sistemas.
Cabe aqui referir, na esteira do Programa do Governo, a reserva que é feita para o exercício da actividade de radiotelevisão pela Igreja Católica e outras confissões religiosas, mediante concurso a realizar de acordo com critérios necessariamente autónomos daqueles que são estatuídos para as entidades de natureza eminentemente comercial.
De realçar que a presente proposta de lei estabelece especiais exigências para as entidades candidatas ao exercício desta actividade, exigências essas que vão desde a forma jurídica à nacionalidade, à sede, ao princípio da especialidade, aos limites de participação de capital estrangeiro e às regras anticoncentração na área da comunicação social.
Por outro lado, não deixou de se dar o devido realce às exigências da programação, proibindo os programas pronográficos ou obscenos que incitem à violência, à prática de crimes ou que, genericamente, violem os direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Ainda nesta matéria, o Governo considerou de particular importância fixar quotas de produção própria, nacional e comunitária, tendo em vista o desenvolvimento da produção portuguesa e da preservação dos nossos valores culturais.
Outra matéria que mereceu um tratamento aturado foi a da publicidade e do patrocínio, com a fixação de regras muito concretas sobre as mesmas e que muito se aproximam daquelas que constam da Convenção Europeia sobre Televisão Transfronteira e da directiva da Comunidade Europeia sobre a matéria.
Assim:
Nos termos da alínea rf) do n.° 1 do artigo 200." da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:
CAPÍTULO I Disposições gerais
Artigo 1.° Objecto
1 — A presente lei tem por objecto regular o exercício da actividade de radiotelevisão no território nacional.
2 — Considera-se radiotelevisão a transmissão ou retransmissão de imagens não permanentes e sons, através de ondas electromagnéticas ou qualquer outro veículo apropriado, propagando-se no espaço ou por cabo e destinada à recepção pelo público, com excepção dos serviços de telecomunicações que operem mediante solicitação individual.
3 — Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, as disposições da presente lei não são aplicáveis:
a) Às emissões em circuito fechado;
b) Às transmissões por cabo, sem fins lucrativos, efectuadas em instalações de distribuição colectiva situadas em condomínios, desde que o número de terminais de recepção por elas servido não seja superior a 200.
4 — É proibida qualquer conexão de redes de transmissão ou distribuição referidas no número anterior.
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Artigo 2.° Redes de radiotelevisão por cabo
A utilização de redes de radiotelevisão por cabo, para uso público, depende da legislação especial que regule:
a) A delimitação de cada área goegráfica objecto de autorização;
b) As garantias de acesso à rede de distribuição por parte dos operadores de radiotelevisão e pelo público em geral;
c) As condições de apresentação das propostas para instalação e exploração da rede.
Artigo 3.° Exercício da actividade de radiotelevisão
1 — A actividade de radiotelevisão pode ser exercida por operadores públicos e privados, nos termos da Constituição e da presente lei.
2 — O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de radiotelevisão em regime de concessão.
3 — O exercício da actividade de radiotelevisão, com excepção do serviço público, carece de licença, a conferir por concurso público.
4 — A actividade de radiotelevisão poderá ser exercida, nos termos da lei, através da utilização dos meios de transmissão que façam recurso às ondas hertzianas, ao satélite e ao cabo e pode ou não obedecer a sistemas de codificação do sinal.
5 — O serviço público de radiotelevisão é prestado por operador de capitais exclusiva ou maioritariamente público, cujo estatuto é aprovado por decreto-lei.
6 — A actividade de radiotelevisão não pode ser exercida nem financiada por partidos ou associações políticas, organizações sindicais, patronais ou profissionais e autarquias locais ou suas associações, directamente ou através de entidade em que detenham capital.
Artigo 4.° Zonas de cobertura de radiotelevisão
1 — A actividade de radiotelevisão poderá ter cobertura de âmbito geral ou regional, consoante abranja, com o mesmo programa e sinal recomendado, respectivamente:
a) Todo o território nacional ou, no mínimo, o território continental português;
b) Um distrito ou conjunto de distritos no continente ou uma ilha ou um grupo de ilhas nas regiões autónomas.
2 — Na execução da presente lei é prioritária a atribuição de licença para o exercício da actividade de radiotelevisão em cobertura de âmbito geral.
Artigo 5.° Serviço público de radiotelevisão
1 — Pela presente lei é atribuída a concessão do serviço público de radiotelevisão pelo prazo de 15 anos, renovável por igual período, à Radiotelevisão Portu-
guesa, E. P., abrangendo as redes de cobertura de âmbito geral que integram as frequências correspondentes ao 1.° canal, em VHF, e ao 2.° canal, em UHF. 2 — Os direitos de concessão são intransmissíveis.
Artigo 6.° Fins da radiotelevisão
1 — São fins da actividade de radiotelevisão, no quadro dos princípios constitucionais vigentes e da presente lei, os seguintes:
á) Contribuir para a informação e formação do público e para a promoção e defesa dos valores culturais que exprimem a identidade nacional, bem como para a modernização do País;
b) Contribuir para a formação de uma consciência crítica, estimulando a criatividade e a livre expressão do pensamento;
c) Contribuir para a recriação e a promoção educacional do público, atendendo à sua diversidade em idades, ocupações, interesses e origens;
d) Favorecer o conhecimento mútuo e o intercâmbio de ideias entre cidadãos portugueses e estrangeiros, particularmente com aqueles que utilizam a língua portuguesa e outros a quem nos unem especiais laços de cooperação e comunidade de interesses.
2 — Para efeitos da promoção educacional prevista na alínea c) do número anterior, o serviço público de radiotelevisão deve criar condições preferenciais à cedência de tempo de emissão para a difusão de programas de ensino à distância, designadamente à Universidade Aberta.
Artigo 7." Plano técnico de frequências
Compete ao Governo, mediante decreto-lei, aprovar um plano técnico de frequências de radiotelevisão, que regulará as condições técnicas necessárias para garantir o adequado exercício da actividade de radiotelevisão e, nomeadamente:
a) Sistemas de transporte e difusão de sinais televisivos, bem como formas de gestão e utilização dos mesmos;
b) Bandas, canais, frequências e potências reservadas para a emissão, bem como outros elementos técnicos conexos com a emissão ou retransmissão.
CAPÍTULO II Regime de licenciamento
Artigo 8.° Concurso público
1 — Os novos canais podem ser objecto de licenciamento integral ou desdobrado em períodos distintos de emissão, nos termos do regulamento referido nos números seguintes.
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2 — O licenciamento de novos canais será precedido de concurso público, cujo regulamento será aprovado por resolução do Conselho de Ministros.
3 — Do regulamento referido no número anterior constará:
a) O valor da caução e os termos em que a mesma deve ser apresentada pelos concorrentes;
b) As quantias a pagar, a título de taxa, pelo licenciamento e pela utilização dos meios técnicos necessários à emissão e postos à disposição das sociedades licenciadas, de acordo com o plano técnico de frequências, bem como outros direitos e deveres dos operadores de radiotelevisão;
c) As fases de cobertura e respectivo prazo de execução;
d) O prazo para apresentação das candidaturas, que nunca será inferior a 120 dias contados da data da publicação da resolução que o aprova;
e) As condições em que as sociedades licenciadas podem recorrer às receitas da assinatura;
f) O número máximo de horas de emissão codificada, sem prejuízo do disposto no artigo 19.°;
g) O prazo para inicio das emissões;
h) Outros elementos exigidos pelas condições do concurso.
Artigo 9.° Confissões religiosas
1 — O regulamento a que se refere o artigo anterior poderá fixar, num dos novos canais a licenciar, um período de emissão especial, destinado à Igreja Católica e demais confissões religiosas, a atribuir nos termos do número seguinte.
2 — Para efeitos do número anterior, o regulamento do concurso estabelecerá a duração do período de emissão a atribuir e os critérios de selecção a observar, de acordo com os seguintes princípios:
á) Melhor identificação do concorrente com os valores históricos, culturais, espirituais e morais da sociedade portuguesa;
b) Maior representatividade do concorrente na comunidade nacional;
c) Manifesta capacidade do concorrente para satisfazer os interesses do público.
Artigo 10.°
Candidatos
1 — Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, as candidaturas à exploração da actividade de radiotelevisão devem ser apresentadas por entidades que revistam a forma jurídica de sociedades anónimas, que prossigam como objecto exclusivo o exercício de actividades no âmbito da radiotelevisão, detenham nacionalidade portuguesa, sede em Portugal e possuam um capital social mínimo de 2 500 000 000$, integralmente realizado até à data da decisão de atribuição da licença.
2 — Nenhuma pessoa privada, singular ou colectiva, poderá, directa ou indirectamente, ser titular de participações superiores a 25% do capital social de qualquer sociedade candidata ao licenciamento, só podendo participar no capital social de uma única.
3 — Nas sociedades candidatas ao licenciamento a participação do capital estrangeiro no capital social dos operadores de radiotelevisão não pode exceder 10% do seu total.
4 — As acções constitutivas do capital social das sociedades candidatas ao licenciamento são nominativas.
5 — São igualmente nominativas as acções das sociedades que detenham participação no capital social das entidades que apresentem candidaturas ao licenciamento.
6 — Ninguém pode exercer funções de administração em mais de um operador de radiotelevisão.
Artigo 11.° Rejeição das candidaturas
1 — Para além do não cumprimento dos requisitos de natureza formal, constituem motivo de rejeição das propostas de candidatura:
a) A não observância do disposto no n.° 6 do artigo 3.° e no artigo 10.° da presente lei;
b) O facto de o capital social dos candidatos ser subscrito por pessoas singulares ou colectivas que, à data da publicação da presente lei, exerçam ilegalmente a actividade de radiotelevisão;
c) O facto de a candidatura ser apresentada por uma sociedade anteriormente licenciada cuja licença tenha sido objecto de revogação;
d) O facto de o concorrente não possuir a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social.
2 — Serão igualmente rejeitadas as candidaturas apresentadas por sociedades de que sejam sócios indivíduos que detinham essa mesma qualidade, com uma participação superior a 10% do capital social, num operador de radiotelevisão cuja licença foi revogada ou que não possuísse a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social.
Artigo 12.° Atribulçio da licença
1 — A atribuição da licença será feita tendo em conta os seguintes factores:
a) Qualidade técnica e viabilidade económica do projecto;
b) Tempo de emissão com programas culturais, formativos e informativos;
c) Tempo de emissão destinado à produção nacional e europeia;
d) Capacidade do candidato para satisfazer a diversidade de interesses do público.
2 — Apreciados globalmente os elementos constantes do número anterior, o Governo atribuirá a licença da exploração do canal ao candidato que apresentar a proposta mais vantajosa para o interesse público, desde que esta tenha obtido o parecer prévio favorável da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
3 — A deliberação de atribuição da licença reveste a forma de resolução do Conselho de Ministros.
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Artigo 13.° Licença
1 — O licenciamento é feito pelo prazo de 15 anos, podendo ser renovado por iguais períodos.
2 — A renovação da licença só será concedida após verificação das condições e requisitos de que dependeu a sua atribuição, nos termos da presente lei.
3 — Os direitos da sociedade licenciada são intrans-missíveis.
4 — O acesso a fontes internacionais de imagem por parte de operadores licenciados não poderá implicar, em caso algum, alteração das condições e termos do licenciamento.
5 — A atribuição de novas licenças não constitui fundamento para que os operadores de radiotelevisão aleguem alteração das condições de licenciamento, em termos de equilíbrio económico e financeiro, nem confere direito a qualquer indemnização.
Artigo 14.° Revogação da licença
1 — As licenças podem ser revogadas nos casos de:
o) Violação do disposto no n.° 6 do artigo 3.°, no artigo 10.° e no n.° 3 do artigo 13.° da presente lei;
b) Incumprimento injustificado do prazo fixado no regulamento do concurso público para início das emissões;
c) Incumprimento reiterado e injustificado do número mínimo de horas de emissão;
d) Transformação do estatuto de sociedade anónima noutro tipo de sociedade, bem como a redução do capital social para um montante inferior ao mínimo exigido para a apresentação da candidatura;
é) Incumprimento injustificado das fases, fixadas no regulamento do concurso público, para cobertura do País;
f) Não pagamento atempado de quaisquer quantias cuja obrigatoriedade decorra do processo de licenciamento ou da utilização de meios técnicos postos à disposição do operador de radiotelevisão, nos termos legais ou regulamentares.
2 — A revogação da licença reveste a forma de resolução do Conselho de Ministros.
Artigo 15.° Extinção da licença
Em caso de extinção da licença pelo decurso do prazo pelo qual foi atribuída ou por revogação, o novo licenciamento do respectivo canal será precedido de concurso público.
CAPÍTULO III Informação e programação
Artigo 16.° Liberdade de informação e de programação
1 — A liberdade de expressão do pensamento através da radiotelevisão integra o direito fundamental dos
cidadãos a uma informação livre e pluralista, essencial à prática da democracia, à defesa da paz e do progreso económico e social do País.
2 — O exercício da actividade de radiotelevisão é independente em matéria de programação, salvo nos casos contemplados na presente lei, não podendo qualquer órgão de soberania, excepto os tribunais, ou a Administração Pública, impedir ou condicionar a difusão de quaisquer programas.
3 — Salvo autorização governamental, a programação dos operadores de radiotelevisão feita em canais de cobertura geral será a mesma em todo o território.
Artigo 17.° Aquisição de direitos exclusivos
1 — É proibida a aquisição, pelos operadores de radiotelevisão, de direitos exclusivos para a transmissão de acontecimentos de natureza política que revistam interesse público relevante.
2 — Os operadores que obtenham direitos exclusivos para a transmissão de eventos não abrangidos pela previsão do número anterior, mas susceptíveis de larga audiência, deverão colocar breves sínteses dos mesmos, de natureza informativa, à disposição de todos os serviços televisivos interessados na sua cobertura, sem prejuízo da contrapartida correspondente.
Artigo 18.° Programas proibidos
1 — Não é permitida a transmissão de programas pornográficos ou obscenos.
2 — Não é permitida a transmissão de programas que incitem à violência, à prática de crimes ou, genericamente, violem os direitos, liberdades e garantias fundamentais.
3 — A transmissão de programas susceptíveis de influir negativamente na formação da personalidade das crianças ou adolescentes, ou de impressionar outros espectadores particularmente vulneráveis, designadamente pela exibição de cenas particularmente violentas ou chocantes, deverá ser antecedida de advertência expressa, acompanhada de identificativo apropriado e ter sempre lugar em horário nocturno.
4 — Para efeitos do número anterior, entende-se por horário nocturno o período de emissão subsequente às 22 horas.
Artigo 19.° Número de horas de emissão
1 — Nenhum operador de radiotelevisão pode emitir programas televisivos durante menos de cinco horas diárias e quarenta horas semanais.
2 — Para efeitos do presente artigo, não são considerados programas televisivos os seguintes:
a) As emissões meramente repetitivas;
b) As emissões que reproduzam imagens fixas;
c) O tempo de emissão destinado à publicidade.
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Artigo 20.° Defesa da Magna portuguesa
1 — As emissões devem, se possível, ser difundidas em língua portuguesa, sem prejuízo da eventual utilização de quaisquer outras, nos seguintes casos:
a) Programas que decorram de necessidades pontuais de tipo informativo;
b) Programas destinados ao ensino de línguas estrangeiras;
c) Transmissão de programas culturais e musicais de outros países.
2 — As entidades que exercem a actividade de radiotelevisão devem nas suas emissões assegurar e promover, prioritariamente, a defesa da língua e da produção musical portuguesa, de acordo com o disposto na lei.
3 — As emissões devem assegurar mensalmente a difusão de 10% de produção própria e de 50% de programas de expressão portuguesa.
Artigo 21.° Produção europeia
1 — Os operadores de radiotelevisão devem incorporar, sempre que possível, uma percentagem maioritária de obras qualificáveis como comunitárias ou de origem europeia na sua programação, uma vez deduzido o tempo de emissão consagrado aos noticiários, manifestações desportivas, jogos, publicidade e serviços de teletexto.
2 — A percentagem referida no número anterior será obtida progressivamente, tendo em conta as responsabilidade do radiodifusor perante o seu público em matéria de informação, educação, cultura e diversão.
3 — A qualificação prevista non." 1 processar-se-á de acordo com os instrumentos do direito internacional vinculativos do Estado Português nessa matéria.
Artigo 22.° Produção Independente
Os operadores de televisão devem reservar, sempre que possivel, pelo menos 10% do tempo de emissão global, com exclusão dos tempos consagrados aos noticiários, manifestações desportivas, jogos e publicidade ou serviço de teletexto, para a difusão de obras europeias provenientes de produtores independentes dos organismos de radiotelevisão.
Artigo 23.° Serviços noticiosos
As entidades que exercem a actividade de radiotelevisão devem apresentar, durante os períodos de emissão, serviços noticiosos regulares, assegurados por jornalistas profissionais.
Artigo 24.°
Identificação e registo de programas
1 — Os programas devem incluir a indicação do respectivo título e do nome do responsável, bem como as
fichas artística e técnica, devendo igualmente ser organizado um registo donde constem as identidades do autor, do produtor e do realizador.
2 — Na falta de indicação ou em caso de dúvida, os responsáveis pela programação respondem pela emissão e pela omissão.
3 — Todos os programas devem ser gravados e conservados pelo prazo mínimo de 90 dias, se outro mais longo não for determinado por autoridade judicial, constituindo a respectiva gravação eventual meio de prova.
Artigo 25.° Divulgação obrigatória
1 — São obrigatória, gratuita e integralmente divulgados peio serviço público de radiotelevisão, com o devido relevo e a máxima urgência, as mensagens e comunicados cuja difusão seja solicitada pelo Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia da República, pelo Prímeiro-Ministro e, nos termos da lei aplicável, os comunicados e as notas oficiosas.
2 — Em caso de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, a obrigação prevista no número anterior recai também sobre os operadores privados de radiotelevisão.
CAPÍTULO IV Publicidade e patrocínio
Artigo 26.° Publicidade
1 — São aplicáveis à radiotelevisão as normas gerais reguladoras da publicidade comercial e da actividade publicitária.
2 — A publicidade de natureza não comercial difundida através da radiotelevisão e, nomeadamente, a de carácter institucional ou de interesse colectivo ficam sujeitas aos princípios gerais de legislação referida no n.° 1 em matéria de identificabilidade, licitude, veracidade, leal concorrência e respeito pela defesa dos direitos do consumidor.
Artigo 27.° Identificação da publicidade
1 — A publicidade difundida através da radiotelevisão deve ser facilmente identificável como tal e claramente separada dos programas por meios ópticos ou acústicos.
2 — É proibida a publicidade subliminar.
3 — É interdita a publicidade clandestina.
Artigo 28.° Percentagem e Inserção da publicidade
1 — O tempo de emissão consagrado à publicidade, qualquer que seja a sua natureza, não deve ultrapassar 15% do tempo de emissão diário.
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2 — 0 tempo de emissão consagrado às mensagens publicitárias, no interior de um dado período de uma hora, não poderá exceder 20%.
3 — A percentagem fixada no n.° 1 poderá ser elevada até 20%, no caso de incluir formas de publicidade tais como ofertas directas ao público visando a venda, compra ou aluguer de produtos, bem como a prestação de serviços, desde que o volume das mensagens publicitárias propriamente ditas não exceda 15%.
4 — A inserção da publicidade respeitará as normas internacionais que vinculem o Estado Português nessa matéria.
Artigo 29.°
Restrições à publicidade
É interdita a publicidade através da radiotelevisão:
a) De produtos nocivos à saúde como tal qualificados por lei;
b) De objectos de conteúdo pornográfico ou obsceno;
c) De partidos ou associações políticas e de organizações sindicais, profissionais, representativas de actividades económicas ou patronais.
Artigo 30.° Patrocínio
1 — Os programas que recolham qualquer financiamento do patrocínio publicitário devem conter uma referência expressa a tal facto, no seu início e termo, limitada à inserção do nome e logotipo da entidade patrocinadora.
2 — O conteúdo e a escolha do momento de emissão dos programas patrocinados não podem ser influenciados pelo patrocinador em moldes que atentem contra a independência editorial da entidade emissora.
3 — Os programas patrocinados não devem incitar à compra ou locação de bens ou serviços do patrocinador ou de terceiros, particularmente através da inserção de referências promocionais específicas.
Artigo 31.° Restrição ao patrocínio
É proibido o patrocínio de programas difundidos através da radiotelevisão quando respeite a telejornais e programas de informação política.
CAPÍTULO V Direitos de antena, de resposta e de réplica política
Artigo 32.° Direito de antena
i 1 — Aos partidos políticos e às organizações sindicais, profissionais e representativas das actividades económicas é garantido o direito a tempo de antena no [ serviço público da radiotelevisão.
2 — Por tempo de antena entende-se o espaço de programação própria, da responsabilidade do titular do direito, facto que deve ser expressamente mencionado no início e termo de cada programa.
3 — As entidades referidas no n.° 1 têm direito, gratuita e anualmente, aos seguintes tempos de antena:
a) Dez minutos por cada partido representado na Assembleia da República, acrescidos de um minuto por cada deputado eleito pelo respectivo partido;
b) Cinco minutos por cada partido político não representado na Assembleia da República que tenha obtido um mínimo de 50 000 votos nas demais recentes eleições legislativas;
c) Sessenta minutos para as organizações sindicais e sessenta minutos para as organizações profissionais e representativas das actividades económicas, a ratear de acordo com a sua representatividade.
4 — Cada titular não poderá utilizar o direito de antena mais de uma vez em cada 30 dias nem em emissões com duração superior a 15 ou inferior a 5 minutos, salvo se o seu tempo de antena for globalmente inferior.
5 — Os responsáveis pela programação organizarão, com a colaboração dos titulares do direito de antena e de acordo com a presente lei, planos gerais da respectiva utilização.
6 — Na impossibilidade insanável de acordo sobre os planos referidos no número anterior e a requerimento dos interessados, caberá a arbitragem à Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Artigo 33.° Limitação ao direito de antena
1 — A utilização do direito de antena não será concedida aos sábados, domingos e feriados nacionais, devendo ainda ser suspensa um mês antes da data fixada para o início do período de campanha eleitoral para a Presidência da República, para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais, bem como, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, para as respectivas Assembleias Regionais.
2 — Nos períodos eleitorais, a utilização do direito de antena será regulada pela Lei Eleitoral.
3 — Fora dos períodos eleitorais é vedado o apelo ao voto durante o exercício do direito de antena.
4 — É proibido contratar espaços de propaganda eleitoral em qualquer operador de radiotelevisão, público ou privado.
Artigo 34.° Reserva do direito de antena
1 — Os titulares do direito de antena solicitarão a reserva do tempo de antena a que tenham direito até 15 dias antes da transmissão, devendo a respectiva gravação ser efectuada ou os materiais pré-gravados entregues até 72 horas antes da emissão do programa.
2 — No caso de programas pré-gravados e prontos para emissão, a entrega deve ser feita até 48 horas antes da transmissão.
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3 — Aos titulares do direito de antena serão assegurados os indispensáveis meios técnicos para a realização dos respectivos programas em condições de absoluta igualdade.
Artigo 35.° Direito de resposta
1 — Qualquer pessoa, singular ou colectiva, que se considere prejudicada por emissões de radiotelevisão que constituam ofensa directa ou referência a facto in-veridico ou erróneo que possa afectar o seu bom nome ou reputação tem o direito de resposta, a incluir gratuitamente no mesmo programa ou, caso não seja possível, em hora de emissão equivalente, de uma só vez e sem interpolações nem interrupções.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como titular do direito de resposta apenas aquele cujo interesse tenha sido efectiva e directamente afectado.
Artigo 36.° Diligências prévias
1 — O titular do direito de resposta ou quem legitimamente o represente para o efeito do seu exercício poderá exigir o visionamento do material da emissão em causa e solicitar da entidade emissora cabal esclarecimento sobre se o conteúdo da mesma se lhe refere ou ainda sobre o seu preciso entendimento e significado.
2 — Após o visionamento do registo referido no número anterior e da obtenção dos esclarecimentos solicitados, é lícito ao titular do direito a opção por uma rectificação, a emitir com o conteúdo e nas demais condições que lhe sejam propostas, ou pelo exercício do direito de resposta.
3 — A aceitação pelo titular do direito da rectificação prevista no número anterior faz precludir o direito de resposta.
Artigo 37.° Exercido do direito de resposta
1 — O direito de resposta deve ser exercido pelo seu directo titular, pelo respectivo representante legal ou ainda pelos herdeiros ou pelo cônjuge sobrevivo nos 20 dias seguintes ao da emissão.
2 — O direito de resposta deve ser exercido mediante carta registada com aviso de recepção e assinatura reconhecida, dirigida à entidade emissora, na qual se refira objectivamente o facto ofensivo, inverídico ou erróneo e se indique o teor da resposta pretendida.
3 — O conteúdo da resposta será limitado pela relação directa e útil com a emissão que a provocou, não podendo exceder o número de palavras do texto respondido nem conter expressões desprimorosas ou que envolvam a responsabilidade civil ou criminal, a qual, neste caso, só ao autor da resposta poderá ser exigida.
4 — Para efeitos do número anterior, do conteúdo do texto respondido apenas relevam as declarações ofensivas, inverídicas ou erróneas, nos termos do artigo 35.°
5 — O exercício do direito previsto no presente artigo é independente da responsabilidade civil ou crimi-
nal que ao caso couber e não é prejudicado peio facto de a entidade emissora corrigir espontaneamente a emissão em causa.
Artigo 38.°
Decisão sobre a transmissão da resposta ou da rectificação
1 — A decisão sobre a transmissão da resposta ou da rectificação será tomada no prazo de 72 horas a contar da recepção da carta em que tiver sido formalizado o pedido ou feita a opção pela rectificação e comunicada ao interessado a respectiva decisão nas 48 horas seguintes.
2 — Se for manifesto que os factos a que se refere a resposta não preenchem os condicionalismos do artigo 35.° ou que a resposta infringe o disposto no n.° 3 do artigo anterior, a sua emissão pode ser recusada.
3 — Da decisão da entidade emissora pode o titular do direito de resposta ou de rectificação recorrer para a Alta Autoridade para a Comunicação Social e para o tribunal, nos termos da lei aplicável.
Artigo 39." Transmissão da resposta ou da rectificação
1 — A transmissão da resposta ou da rectificação será feita até 72 horas a contar da comunicação ao interessado.
2 — Na transmissão da resposta ou da rectificação deve sempre mencionar-se a entidade que a determinou.
3 — A resposta ou rectificação será lida por um locutor da entidade emissora e poderá incluir componentes áudio-visuais, sempre que a alegada ofensa tenha utilizado técnica semelhante.
4 — A transmissão da resposta ou da rectificação não pode ser precedida nem seguida de quaisquer comentários, à excepção dos necessários para identificar o respondente ou para rectificar possíveis inexactidões factuais nela contidas.
Artigo 40.°
Direito de antena, de resposta e de réplica politica dos partidos da oposição
1 — Os partido políticos representados na Assembleia da República e que não façam parte do Governo têm direito, gratuita e mensalmente, a tempo de antena no serviço público de radiotelevisão, de duração e relevo iguais aos concedidos ao Governo, a ratear de acordo com a sua representatividade.
2 — À reserva e utilização dos tempos de emissão decorrentes do Estatuto da Oposição aplicam-se, com as devidas adaptações, as disposições do regime geral do direito de antena.
3 — Os partidos representados na Assembleia da República e que não façam parte do Governo têm direito de resposta e de réplica politica, no serviço público de radiotelevisão, às declarações politicas do Governo proferidas no mesmo operador de radiotelevisão.
4 — Os titulares do direito referido no número anterior são o partido ou os partidos que tenham sido directamente postos em causa pelas referidas declarações.
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5 — Ao direito de resposta às declarações políticas é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 36.° a 39.° da presente lei.
6 — Quando houver mais de um titular que tenha solicitado o exercício do direito, o mesmo será rateado, em partes iguais, pelos vários titulares.
7 — Para efeitos do presente artigo, só se consideram as declarações de política geral ou sectorial feitas pelo Governo em seu nome e como tal identificadas, não relevando, nomeadamente, as declarações de membros do Governo sobre assuntos relativos à gestão dos respectivos departamentos.
CAPÍTULO VI Responsabilidade e regime sancionatório
Artigo 41.° Formas de responsabilidade
1 — Os operadores de radiotelevisão respondem civil e solidariamente com os responsáveis pela transmissão de programas previamente gravados, com excepção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena.
2 — Os actos ou comportamentos lesivos de interesses jurídico-penalmente protegidos perpetrados através da radiotelevisão são punidos nos termos em que o são os crimes de abuso de liberdade de Imprensa.
3 — A transmissão de programas que infrinjam culposamente o disposto na presente lei constitui falta disciplinar, sem prejuízo da correspondente responsabilidade civil e criminal que ao caso couber.
Artigo 42.° Responsabilidade criminal
1 — Pela prática dos crimes referidos no n.° 2 do artigo anterior respondem:
a) O produtor ou realizador do programa, ou o seu autor;
b) Os responsáveis pela programação, ou quem os substitua, se não for possível determinar quem é o produtor, realizador ou autor do programa;
c) Quem tiver determinado a transmissão, no caso de emissões não consentidas pelos responsáveis pela programação.
2 — Fora da situação prevista na alínea ¿7) do número anterior, os responsáveis pela programação respondem como cúmplices, salvo se provarem o desconhecimento não culposo do programa em que a infracção foi cometida, ou a impossibilidade de, no caso contrário, obstarem à sua difusão.
3 — Os técnicos ao serviço dos operadores de radiotelevisão não são responsáveis pelas emissões a que derem o seu contributo profissional, excepto enquanto cúmplices do exercício ilegal daquela actividade, ou pela difusão de programas não autorizados pela autoridade competente.
4 — Nos casos previstos no número anterior a negligência não é punível.
Artigo 43.° Responsabilidade solidária
Pelo pagamento das multas em que forem condenados os agentes dos crimes previstos nesta lei será responsável solidariamente a entidade em cujas emissões as infracções tiverem sido cometidas, sem prejuízo do direito de regresso pelas quantias efectivamente pagas.
Artigo 44.° Actividade ilegal de radiotelevisão
1 — O exercício da actividade de radiotelevisão por entidades não concessionárias ou licenciadas determina o encerramento da estação emissora, bem como a selagem das respectivas instalações, e sujeita os responsáveis à pena de prisão de dois a oito anos e multa de ISO a 300 dias.
2 — São declarados perdidos a favor do Estado os bens existentes nas instalações encerradas por força do disposto no número anterior, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa fé.
Artigo 45.° Emlaslo dolosa de programas não autorizados
Aqueles que dolosamente promoverem a emissão de programas não autorizados pelas entidades competentes serão punidos com multa de ISO a 300 dias, sem prejuízo de pena mais grave que ao caso couber.
Artigo 46.° Consumação do crime
Os crimes de difamação, injúria, instigação pública a um crime e de apologia pública de um crime consideram-se cometidos com a emissão do programa ofensivo ou provocatório.
Artigo 47.° Pena de multa
Ao operador em cuja programação tenha sido cometido qualquer dos crimes previstos no artigo anterior será aplicável a pena de multa de 150 a 300 dias.
Artigo 48.° Desobediência qualificada
Constituem crime de desobediência qualificada:
a) O não acatamento pelos responsáveis pela programação ou por quem os substitua da decisão do tribunal que ordene a transmissão da resposta;
b) A recusa de transmissão de decisões judiciais, nos termos do artigo 58.°
Artigo 49.° Suspensão do exercício do direito de antena
1 — Todo aquele que, no exercício do direito de antena, infrinja o disposto nos n.05 1 a 3 do artigo 18.° e nos n.05 3 e 4 do artigo 33.° será, consoante a gravi-
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dade da infracção, punido com a suspensão do exercício do mesmo direito por períodos de três a doze meses, com um mínimo de seis meses em caso de reincidência, sem prejuízo de outras sanções previstas na lei.
2 — O tribunal competente pode determinar, como acto prévio do julgamento do caso, a suspensão do exercício do direito a tempo de antena.
Artigo 50.° Ofensa de direitos, liberdades e garantias
1 — A quem ofender qualquer dos direitos, liberdades ou garantias consagrados na presente lei é aplicável a pena de multa de 100 a 300 dias.
2 — A aplicação da sanção prevista no número anterior não prejudica a efectivação da responsabilidade civil pelos danos causados à entidade emissora.
3 — Se o autor da ofensa for funcionário ou agente do Estado ou de outra pessoa colectiva de direito público, responderá pelo crime de abuso de autoridade, ficando o Estado ou a pessoa colectiva solidariamente responsável com ele pelo pagamento da eventual multa que ao caso couber.
Artigo 51.° Coimas
Constitui contra-ordenação, punível com coima:
ar) De 500 000$ a 1 500 000$, a inobservância do disposto nos artigos 19.°, n.° 1, 23.°, 24.°, n.os 1 e 3, 39.°, n.° 4, 61.°, n.° 2, e 63.°;
b) De 1 500 000$ a 5 000 000$, a inobservância do disposto nos artigos 1.°, n.° 4, 13.°, n.° 4, 16.°, n.° 3, 17.°, 18.°, n.°' 1 a 3, 20.°, n.° 3, 21.°, n.° 2, 22.°, 25.°, 27.° a 31.° e 33.°, n.M 3 e 4.
Artigo 52.° Competência em matéria de contra-ordenações
1 — Incumbe ao membro do Governo responsável pela área da comunicação social a aplicação das coimas previstas no artigo anterior.
2 — O processamento das contra-ordenações compete à Direcção-Geral da Comunicação Social, sendo a infracção verificada por iniciativa própria ou no seguimento de participação da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Artigo 53.° Competência jurisdicional
1 — O tribunal competente para conhecer das infracções previstas na presente lei é o tribunal judicial da sede da entidade emissora, salvo para o conhecimento dos crimes de difamação, injúria ou ameaça, em que é competente o tribunal da área do domicílio do ofendido.
2 — No caso de emissões clandestinas e não sendo conhecido o elemento definidor de competência nos termos do número anterior, é competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
Artigo 54.° Processo aplicável
1 — Ao processamento das infracções penais cometidas através da radiotelevisão aplicam-se as normas correspondentes da lei de processo penal, com as especialidades previstas para os crimes de abuso da liberdade de imprensa.
2 — À suspensão do exercício do direito de antena, prevista no n.° 2 do artigo 49.°, é aplicável a forma de processo sumaríssimo.
Artigo 55.° Prazo de contestação
No caso de recurso para o tribunal por recusa de transmissão da resposta, a entidade emissora será citada para contestar no prazo de três dias.
Artigo 56.° Regime de prova
1 — Para prova do conteúdo ofensivo, inverídico ou erróneo das emissões, e sem prejuízo da produção de outros meios de prova admitidos por lei, o interessado poderá requerer, nos termos do artigo 528.° do Código de Processo Civil, que a entidade emissora seja notificada para apresentar, no prazo da contestação, as gravações do programa respectivo.
2 — Para além da prova referida no número anterior, só é admitida outra prova documental que se junte com o requerimento inicial ou com a contestação.
Artigo 57.° Decisão
A decisão judicial será proferida no prazo de 72 horas após o termo do prazo da contestação.
Artigo 58.° Transmissão da resposta
A transmissão da resposta ordenada pelo tribunal será feita no prazo de 72 horas a partir do trânsito em julgado da decisão, devendo mencionar-se que ela foi determinada por decisão judicial.
Artigo 59.° Difusão da decisão Judicial
A requerimento do Ministério Público ou do ofendido, e mediante decisão judicial, a parte decisória das sentenças ou acórdãos condenatórios transitados em julgado por crimes consumados através da radiotelevisão, assim como a identidade das partes, será difundida pela entidade emissora.
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CAPÍTULO VII Disposições finais e transitórias
Artigo 60.°
Arquivos áudio-vlsuais
1 — Os operadores de radiotelevisão devem organizar arquivos áudio-visuais com o objectivo de conservar os registos de interesse público.
2 — A cedência e utilização dos registos referidos no número anterior, bem como dos existentes na entidade concessionária do serviço público de radiotelevisão, nos termos da presente lei, serão definidas por diploma regulamentar do Governo, tendo em atenção o seu valor histórico e cultural para a comunidade.
Artigo 61.° Registo dos operadores licenciados
Será criado na Direcção-Geral da Comunicação Social um registo dos operadores de radiotelevisão donde constem os seguintes elementos:
a) Pacto social;
b) Composição nominativa dos órgãos sociais;
c) Discriminação das participações de capital em outras empresas de comunicação social;
d) Identidade do responsável pela programação;
e) Horário de emissões.
2 — Os operadores de radiotelevisão estão obrigados a comunicar, dentro do 1.° trimestre de cada ano, à Direcção-Geral da Comunicação Social os elementos referidos no número anterior para efeitos de registo, bem como a proceder à sua actualização.
3 — A Direcção-Geral da Comunicação Social poderá, a qualquer momento, efectuar auditorias para fiscalização e controlo dos elementos fornecidos pelos operadores de radiotelevisão.
Artigo 62." Contagem dos tempos de emissão
Os responsáveis pelas estações emissoras de radiotelevisão assegurarão a contagem dos tempos de antena, de resposta e de réplica política, para efeitos do presente diploma, dando conhecimento do respectivo resultado aos interessados.
Artigo 63.° Divulgação dos meios de financiamento
Os operadores de radiotelevisão são obrigados a publicar, num jornal de expansão nacional e até ao fim do 1.° semestre de cada ano, o relatório e contas de demonstração dos resultados líquidos, onde se evidencie a fonte dos movimentos financeiros derivados de capitais próprios ou alheios.
Artigo 64.° Cooperação internacional
O Governo apoiará e privilegiará a cooperação no âmbito da actividade da radiotelevisão com os países de língua oficial portuguesa.
> Artigo 65.° Disposição transitória
As sociedades que exerçam a actividade de radiotelevisão licenciadas na sequência de concurso público aberto após a entrada em vigor da presente lei, apenas são obrigadas a assegurar, no primeiro ano de actividade, um terço das percentagens referidas no n.° 3 do artigo 20.°
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 8 de Fevereiro de 1990. — O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva. — O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Manuel Joaquim Dias Loureiro. — O Ministro Adjunto e da Juventude, António Fernando Couto dos Santos.
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