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Quinta-feira, 19 de Abril de 1990

II Série-A — Número 34

DIÁRIO

da Assembleia da Reoublica

V LEGISLATURA

3.a SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

SUMÁRIO

Projectos de lei (n.« 520/V a 522/V):

N.° 520/V — Elimina restrições à participação dos pequenos accionistas em instituições bancárias (apresentado pelo PCP) ................................ 1188

N.° 521/V — Altera a forma e os meios de prova da existência dos contratos de arrendamento rural estabelecidos no Decreto-Lei n.° 385/88, de 25 de Outubro, permitindo o acesso de todos os agricultores ao sistema de credito e aos fundos comunitários (apresentado pelo PCP).............................. 1188

N.° 522/V — Facilita o acesso de todos os produtores de leite aos financiamentos comunitários (alteração do Decreto-Lei n.° 327/88, de 23 de Setembro) (apresentado pelo PCP)......................... 1189

Proposta de lei n.° 135/V (protecção de dados pessoais face i informática):

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei.................................... 1189

Projecto de resolução n.° 52/V:

Para a defesa e expansão da produção leiteira (apresentado pelo PCP).............................. 1192

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II SÉRIE-A — NÚMERO 34

PROJECTO DE LEI N.° 520/V

ELIMINA RESTRIÇÕES A PARTICIPAÇÃO DOS PEQUENOS ACCIONISTAS EM INSTITUIÇÕES BANCARIAS

Muita da matéria respeitante aos aspectos gerais do crédito e à organização e estrutura do sistema bancário é, ainda hoje, regulada pelo Decreto-Lei n.° 42 641, de 12 de Novembro de 1959.

Essa regulamentação mostra-se, naturalmente, desajustada das realidades actuais concernentes à actividade e organização bancárias.

Recentemente, aquando da reprivatização de 49% do capital social do Banco Totta & Açores, os respectivos trabalhadores subscritores de acções foram impedidos de participar na assembleia geral do Banco, com base no artigo 32.° do Decreto-Lei n.° 42 641.

Obviamente, tal impedimento não tem sustentação constitucional, pois implica uma discriminação inaceitável entre os accionistas do Banco.

Por outro lado, no mundo dos nossos dias, designadamente tendo em conta a disseminação do capital social das grandes empresas por uma grande multiplicidade de accionistas, não é sustentável que permaneça a restrição de as assembleias gerais dos bancos não poderem ser constituídas por mais de 300 accionistas (artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 42 641). Manter tal restrição significaria que só os maiores accionistas teriam direito de participação, ficando os pequenos accionistas remetidos ao papel de simples fornecedores de «capital de risco».

Que seja esse o interesse dos grandes accionistas, dos «núcleos duros», na disseminação do capital social das empresas não restam dúvidas, mas que a lei sustente e dê cobertura a tais interesses particulares é por de mais inaceitável num Estado de direito.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo único. São revogados os artigos 32.° e 34.° do Decreto-Lei n.° 42 641, de 12 de Novembro de 1959.

Assembleia da República, 5 de Abril de 1990. — Os Deputados do PCP: Octávio Teixeira — Jerónimo de Sousa — João Amarai.

PROJECTO DE LEI N.° 521/V

ALTERA A FORMA E OS MEIOS DE PROVA DA EXISTÊNCIA DOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO RURAL ESTABELECIDOS NO DECRETO-LEI N.° 385/88. DE 25 DE OUTUBRO. PERMITINDO 0 ACESSO DE TODOS OS AGRICULTORES AO SISTEMA DE CREDITO E AOS FUNDOS COMUNITÁRIOS.

As disposições do Decreto-Lei n.° 385/88, de 25 de Outubro, no que respeita à redução dos contratos de arrendamento rural a escrito, têm-se mostrado ineficazes na sua aplicação, mostrando a experiência adquirida que o sistema estabelecido não assegura a necessária equidade entre senhorios e arrendatários, impossibilitando estes de disporem de um título comprovativo dos direitos de exploração dos prédios arrendados.

Nestas condições persiste uma grande maioria dos arrendamentos rurais sem contrato escrito, o que impede,

na prática, o acesso de muitos milhares de agricultores rendeiros aos fundos sócio-estruturais e aos créditos à agricultura.

Tal situação, porque é injusta e constitui um pesado factor de bloqueio à modernização e ao desenvolvimento em larga parcela de superfície cultivada nacional, carece de urgente correcção.

0 presente diploma facilita a forma e os meios de prova da existência do contrato de arrendamento, cometendo aos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação a passagem de atestado comprovativo do contrato e dos direitos de exploração inerentes.

Nesse sentido e nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Forma do contrato

1 — Os arrendamentos rurais referidos no Decreto--Lei n.° 385/88, de 25 de Outubro, incluindo os arrendamentos ao agricultor autónomo, são obrigatoriamente reduzidos a escrito.

2 — O senhorio entregará o original do contrato na repartição de finanças da sua residência habitual e uma cópia nos respectivos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, no prazo máximo de 30 dias após a respectiva celebração.

3 — Os contratos de arrendamento rural não estão sujeitos a registo e são isentos de selo ou de qualquer outro imposto, taxa ou emolumento.

Artigo 2.°

Na falta de contrato escrito

1 — A falta de contrato escrito presume-se imputável ao senhorio e a respectiva nulidade só é invocável pelo arrendatário.

2 — O arrendatário pode provar a existência do contrato por qualquer meio de prova admitido em direito, desde que não haja invocado a nulidade.

3 — A prova da existência do contrato, para efeitos do disposto no presente artigo, será feita nos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.

4 — Para todos os efeitos, designadamente para recurso ao crédito e fundos sócio-estruturais, feita a prova da existência do contrato, de acordo com o determinado nos n.os 2 e 3 deste artigo, deverão os serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação passar o devido atestado de acordo com o estipulado nos artigos 5.°, 6.° e seguintes do Decreto--Lei n.° 385/88, de 25 de Outubro, que estabelece o regime geral do arrendamento rural, em tudo o que não contrarie o disposto na presente lei.

Artigo 3.° Norma revogatória

É revogado o artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 385/88, de 25 de Outubro.

Assembleia da República, 17 de Abril de 1990. — Os Deputados do PCP: Lino de Carvalho — Joaquim Teixeira — Lourdes Hespanhol — José Magalhães — Carlos Brito — José Manuel Mendes — Luis Roque — Domingos Abrantes — Ilda Figueiredo — António Mota.

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PROJECTO DE LEI N.° 522/V

FACILITA 0 ACESSO DE TODOS OS PRODUTORES DE LEITE AOS FINANCIAMENTOS COMUNITÁRIOS (ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI N.° 327/88, DE 23 DE SETEMBRO).

A necessidade de desde já se estimular a produção leiteira nacional é um imperativo inadiável, face ao nosso reduzido consumo per capita e quando se aproxima o final da primeira etapa do período de transição.

A aplicação, no futuro, a Portugal de uma quantidade máxima garantida e a possibilidade de implementação do sistema de quotas exige que aos produtores de leite, a todos os produtores de leite, sejam criadas condições que lhes permitam reestruturar, modernizar e desenvolver as suas explorações.

Ora, o Decreto-Lei n.° 327/88, de 23 de Setembro, que estabelece as condições em que os produtores de leite de vaca têm acesso às ajudas ao investimento, em vez de criar essas condições, restringe o acesso unicamente a menos de 10 % dos produtores de leite.

De facto, é espantoso que, tendo Portugal uma média de vacas por produtor de 2,64, aquele diploma legal exija o mínimo de IS vacas (no início da actividade ou no final do plano de melhoria) como uma das condições de elegibilidade para acesso às ajudas ao investimento, quando a média da própria Comunidade é de 18,5.

Em vez de mobilizar os produtores de leite para a melhoria e renovação das suas explorações, esta condição desmobiliza e marginaliza a maioria dos produtores e tem vindo a levar à quebra do ritmo de aumento da produção.

Impõe-se, pois, retirar essa condição, que, ao invés de outras, não permite atingir o necessário objectivo de modernizar e desenvolver o sector com o mínimo de exclusões.

Nesse sentido e nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É revogada a alínea d) do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 327/88, de 23 de Setembro.

Art. 2.° O n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 327/88, de 23 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:

Para além do disposto no artigo 2.°, nos investimentos realizados com vista à melhoria das condições de produção de leite os candidatos às ajudas devem apresentar planos de melhoria que satisfaçam as condições fixadas nas alíneas b), e) e f) do artigo anterior.

Art. 3.° Este diploma entra imediatamente em vigor.

Assembleia da República, 18 de Abril de 1990. — Os Deputados do PCP: Lino de Carvalho — Joaquim Teixeira — Lourdes Hespanhol — José Magalhães — Carlos Brito — José Manuel Mendes — Luís Roque — Domingos Abrantes — Ilda Figueiredo — António Mota.

PROPOSTA DE LEI N.° 135/V

PROTECÇÃO DE DADOS PESSOAIS FACE A INFORMÁTICA

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

1 — O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei sobre a protecção de dados pes-

soais face à informática a 9 de Março de 1990, previamente aprovada em Conselho de Ministros de 22 de Fevereiro de 1990, sendo publicada no Diário da Assembleia da República, 2.a série, A, n.° 25, a 14 de Março de 1990.

A proposta em apreço refere na sua exposição de motivos:

A revisão constitucional de 1982 remeteu para a lei ordinária a definição do conceito de dados pessoais e a disciplina do acesso de terceiros aos correspondentes ficheiros, bem como a interconexão destes e o fluxo transfronteiras de dados. Do mesmo modo procedeu a recente revisão constitucional de 1989.

Este facta-irrrpõe, só-por-si, a necessidade urgente de legislar nesta matéria; urgente se torna clarificar o sentido da norma constitucional que frequentemente tem levantado dúvidas e embaraços na sua aplicação.

Por outro lado, embora tenha assinado a Convenção do Conselho da Europa, Portugal não está em condições de ratificá-la, uma vez que, nos termos do seu artigo 4.°, a Convenção obriga as partes a incorporar no direito interno os princípios básicos nela enunciados o mais tardar até ao momento da entrada em vigor relativamente a essa parte.

Esta é ainda uma outra razão para a urgência na aprovação de um enquadramento jurídico desta matéria.

2 — Acresce às razões de urgência apontadas na exposição de motivos que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.° 182/89, de 1 de Fevereiro de 1989, publicado no Diário da República, de 2 de Março de 1989, decidiu «dar por verificado o não cumprimento da Constituição por omissão da medida legislativa prevista no n.° 4 do artigo 35.°, necessária para tornar exequível a garantia constante do n.° 2 do mesmo artigo».

A omissão legislativa em apreço refere-se à definição do conceito de dados pessoais para efeitos de registo informático. A competência para a adopção de medidas legislativas necessárias à exequibilidade das normas constitucionais, uma vez que nos situamos no domínio dos direitos, liberdades e garantias, cabe à Assembleia da República, a quem, nos termos do n.° 2 do artigo 283.°, o Tribunal Constitucional deu conhecimento da existência da inconstitucionalidade por omissão.

As exigências contidas no anterior quadro constitucional no referente à definição dos dados pessoais mantêm-se com a actual revisão, pelo que perdura a omissão de medidas legislativas necessárias à exequibilidade das normas constitucionais e a necessidade, «verificada ou declarada» pelo Tribunal Constitucional, de legislação que resulta directamente de acção imposta pela Constituição.

3 — Refira-se que a OCDE aprovou em 23 de Outubro de 1980 as linhas directrizes reguladoras da vida privada e dos fluxos transfronteiras de dados pessoais, que Portugal subscreveu, e o Conselho da Europa, em 28 de Junho de 1989, abriu à assinatura dos Estados membros a Convenção para a Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automático de Dados Pessoais.

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Portugal assinou em 14 de Maio de 1981 a Convenção, mas nunca a veio a ratificar, em virtude das disposições do n.° 4 da Convenção, o qual exige:

1 — Cada Parte tomará, no seu direito interno, as medidas necessárias com vista à aplicação dos princípios básicos para protecção de dados enunciados rio presente capítulo.

2 — Essas medidas deverão ser tomadas o mais tardar no momento em que a presente Convenção entra em vigor relativamente a essa Parte.

De então até hoje não foram adoptadas as soluções legislativas internas' que viabilizassem a aplicação dos princípios básicos para a protecção dos dados de carácter pessoal.

Esses princípios, contidos no capítulo ii da Convenção e que se reconduzem às «linhas directrizes reguladoras da vida privada e dos fluxos transfronteiras de dados pessoais», também subscritos pelo Estado Português, são:'

O princípio da recolha de dados leal e lícita;

O princípio da: finalidade, o qual se consubstancia na proibição de utilização dos dados para fins incompatíveis com os fins legítimos que determinaram a recolha;

O princípio da limitação da recolha, segundo o qual os dados de carácter pessoal têm de ser adequados; pertinentes e não excessivos relativamente aos fins para que são registados;

O princípio da exactidão, na base da exigência de dados completos, exactos e actualizados;

O princípio da transparência na identificação dos titulares dos registos;

O princípio da segurança dos dados no que respeita à sua destruição acidental ou não autorizada, bem como a perda acidental e acesso, difusão ou modificação não autorizados;

O princípio da participação pessoal na declaração ou tratamento de dados de carácter pessoal, assim como o exercício dos direitos de acesso e de ratificação ao tratamento de dados e de um direito de recurso no caso de erro na transmissão dos dados; e

Um princípio da responsabilidade do responsável pelo ficheiro, ou responsável pela «rede de informação», pela aplicação das medidas que aplicam os princípios definidos.

Naturalmente que estes princípios para a protecção de dados de carácter pessoal estão, à partida, condicionados pela salvaguarda de um núcleo irredutível de privacidade, na zona mais íntima e essencial da individualidade. Assim, nos termos da Convenção, não poderão ser tratados automaticamente, a não ser que o direito interno preveja garantias apropriadas, «os dados de carácter pessoal que revelem a origem racial, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou outras, bem como os dados de carácter pessoal relativos à saúde ou à vida sexual [... ] ou os dados de carácter pessoal relativos a condenações penais».

Do mesmo modo os princípios definidos no capítulo ii da Convenção, a que temos vindo a fazer referência, podem ser derrogados desde que tal constitua «medida necessária numa sociedade democrática» com

vista à protecção de segurança do Estado, segurança pública, interesses monetários do Estado e repressão das infracções fiscais.

4 — A Constituição da República foi, neste quadro, pioneira na consagração da protecção dos dados pessoais face à informática, tendo a revisão de 1989 introduzido consensualmente as correcções necessárias à efectiva garantia dos direitos afirmados constitucionalmente.

As dificuldades que então se vislumbravam com a plena abertura a conhecimento de dados pessoais, qualquer que fosse a sua natureza, tal como o referiu o artigo 35.°, n.° 1, fosse esta, por exemplo, respeitante a informações relativas à investigação criminal ou à segurança nacional, foram superadas com a reserva do segredo de Estado e de segredo de justiça, naturalmente nos limites do artigo 18.° da Constituição.

A regra do n.° 2 do artigo 35.°, da proibição de acesso de terceiros a dados pessoais, bases e bancos de dados, e respectiva interconexão, mantém-se excepcionada nos termos a definir, em lei ordinária, enquanto o n.° 3 do artigo 35.° mantém a sua formulação, cujo conteúdo radica na proibição do tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa ou vida privada, salvo quando se trate do processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis.

A formulação deste preceito tem sido questionada por permitir uma leitura restritiva que poderia conduzir a que, por exemplo, as associações e fundações não pudessem ter os Ficheiros dos seus membros em suporte informático. Tal rigidez interpretativa não parece compatibilizar-se com o referente matricial de todo o artigo 35.°, que é o da afirmação de um direito geral à autodeterminação informacional, o qual se reconduz, em termos de delimitação doutrinal, «ao direito de o cidadão decidir, autónoma e livremente, quando e dentro de que limites os dados da sua vida pessoal são susceptíveis de informatização ou publicidade».

Esta decisão autónoma pode ser ainda flexibilizada por um entendimento da individualidade num sentido relacional e cujos interesses não podem ser definidos fora de um «contexto de interacção social».

A definição do conceito de dados pessoais e as condições da criação e utilização e acesso a bases e bancos de dados são, por sua vez, remetidas para lei ordinária, para a qual igualmente se remete o cada vez mais complexo regime de fluxos transfronteiras, o que, na anterior formulação constitucional proibitiva, era, na prática, impraticável, constituindo uma colisão insanável com o artigo 12.° da Convenção (nomeadamente o n.° 2: «Nenhuma parte poderá, com o único fim de protecção da vida privada, proibir ou submeter a uma autorização especial os fluxos transfronteiras de dados de carácter pessoal destinados ao território de uma outra parte»),

A alteração constitucional veio, assim, responder a uma necessidade e a uma garantia, também ela constitucional, de liberdade de informação, sem prejuízo das salvaguardas individuais e nacionais, ainda que seja neste domínio que a magnitude do fluxo de dados a circular nas linhas internacionais, via Marconi ou CTT, pela sua digitilização, torne impossível a distinção entre fluxos proibidos e permitidos (cf. Conclusões e Recomendações, Colóquio sobre Privacidade e Informática, 23 de Maio de 1989, Instituto de Damião de Góis).

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A proibição de um número nacional único dos cidadãos constitui hoje um meio precarizado de defesa da privacidade, porquanto é já tecnicamente possível, por interconexão de números parcelares e recurso a outros dados, a superação da proibição, ainda que esta continue a funcionar como «dificultando a unicidade do tratamento informático de dados pessoais e a sua interconexão».

5 — A proposta de lei n.° 135/V corresponde à necessidade de regulação da temática de protecção de dados pessoais face à informática e insere-se na necessária mediação legislativa do texto constitucional.

Diga-se, aliás, que nesta matéria têm sido reiteradas as iniciativas legislativas, progressivamente decantadas e incorporando anteriores contributos, mas sempre distantes do seu momento conclusivo, ainda que algumas tenham obtido votação favorável na generalidade.

Nesta legislatura e na actual sessão legislativa foi, em 19 de Outubro de 1989, já aprovado, na generalidade, o projecto de lei n.° 381/V, do PS, sobre o direito dos cidadãos face à informática, versando a temática dos dados pessoais e, tal como a proposta de lei, tendo como referente a Convenção para Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automático de Dados Pessoais no quadro do ordenamento constitucional vigente.

Assim, a presente proposta de lei expressamente afirma, no seu artigo 3.°, a sua não aplicação aos ficheiros de uso pessoal ou domestico; ao processamento de remuneração de funcionários, bem como a outros procedimentos a nível administrativo; à mera gestão de serviços; à facturação de fornecimentos efectuados; à cobrança de quotização de associados filiados. A opção suscitada afirma-se consagradora da «mais moderna orientação no sentido de que a legislação de protecção de dados não tem aplicação aos ficheiros de dados pessoais, que, pela sua própria natureza, se destinam a uso pessoal ou doméstico, ou ao estrito tratamento dos assuntos de mera questão corrente».

A legitimidade para a não aplicação da presente lei aos «ficheiros de uso pessoal ou doméstico» e outros é óbvia; cada lei tem a amplitude que pretende, mas, pelo simples facto da declaração não fica excluída, nem resolvida, a aplicação do comando legal constitucional a todos os ficheiros.

Se é certo que a Convenção do Conselho da Europa da Protecção de Dados admite que qualquer Estado possa, no momento da ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou posteriormente, declarar que «não aplicará a presente Convenção a certas categorias de dados de carácter pessoal» (artigo 3.°), tal possibilidade parece fechada pelo dispositivo constitucional do artigo 35.°, que refere um conjunto de direitos fundamentais em matéria de defesa contra o tratamento de dados pessoais constantes de todos os ficheiros ou registos informáticos, sem exclusão.

Particular relevo merece ainda a criação de uma Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais (CNPDP) similar à entidade independente admitida no projecto de lei n.° 381/V, apresentado pelo PS, mas com uma composição ligeiramente diversa no que respeita à composição, a qual é naquele projecto integrada por sete membros designados pela Assembleia da República por maioria qualificada, que escolherão de entre si o presidente, sendo dois magistrados (um da magistratura judicial e outro do Ministério Público com

mais de 10 anos de carreira), e na proposta de lei agora apresentada e em debate fixando-se no mesmo número de membros: três são eleitos pela Assembleia da República (pelo método da média mais alta de Hondt), sendo um deles o presidente, dois magistrados com mais de 10 anos de carreira, um designado pelo Conselho Superior da Magistratura e outro pelo Conselho Superior do Ministério Público, e ainda duas personalidades de reconhecida competência na matéria designadas pelo Governo.

A competência da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais é, nomeadamente, tal como no projecto anteriormente referido, a de controlo do processamento automático dos dos de carácter pessoal, assumindo-se como órgão independente com a incumbência de administrar no dia-a-dia uma lei programática num domínio complexo. As funções desta Comissão adquirem uma natureza mista, a um tempo consultiva e com poder autónomo de decisão, um poder de tipo normativo e preventivo. Das suas decisões cabe reclamação e recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

A existência de uma comissão deste tipo e a possibilidade de recurso contencioso configuram a possibilidade de efectivação de um autêntico direito geral à autodeterminação informacional. Assim, e como nos diz J. J. Gomes Canotilho, «Constituição e regime procedimental», in revista Estado & Direito, 1988, «a nível procedimental, o cidadão deve ter um procedimento para se dirigir a uma entidade competente (Comissão Nacional de Informática, Provedor de Informática e Autoridade Nacional do Habeas Data) no sentido de exigir que sejam rectificados, clarificados, actualizados, os dados inexactos, incompletos, equívocos ou ultrapassados, ou que sejam eliminados do registo todos os dados cuja obtenção, comunicação ou conservação é interdita nos termos constitucionais. A nível processual, pode e deve constituir-se uma acção habeas data perante um tribunal, destinada a permitir que um cidadão obtenha a protecção do direito à protecção da autodeterminação informacional, caso não tenha obtido qualquer resultado de um procedimento administrativo».

No que respeita aos fluxos transfronteiras de dados, a proposta de lei n.° 135/V reproduz, no essencial, as regras constantes do artigo 12.° da Convenção.

Assim, não pode fugir as limitações que neste domínio o Comité de Peritos do Conselho da Europa (Les nouvelles tecnologies: Un défi pour la protection de la v/e privée?, Estrasburgo, 1989) reconhece à Conveção face à natureza cada vez mais transnacional dos modelos de circulação utilizados (desde a utilização dos satélites, videotex e fibras ópticas) e à dificuldade de identificação nos países através dos quais os dados transitam antes de chegarem aos utilizadores, a que acrescem problemas de segurança e confidencialidade de dados que passam através de linhas telefónicas de países em que não se dá a suficiente atenção à protecção de dados.

Como nos diz conclusivamente o comité de peritos encarregado da avaliação e aplicação da Convenção, «o carácter transnacional do tratamento dos dados põe inevitavelmente problemas de competências no que respeita à lei aplicável. A Convenção é omissa sobre este problema. Apesar de tudo, parece recomendável chegar a regras de arbitragem a fim de resolver os dife-

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rendos no domínio dos fluxos transfronteiras». Por outro lado, também «o acesso de um utilizador a um sistema de dados situado no estrangeiro põe problemas no que respeita à aplicação extraterritorial da lei sobre a protecção dos dados do país do utilizador».

A complexidade deste tipo de problemas suscita o aprofundamento das soluções legais que o diploma não pretendeu abarcar.

A solução da proposta de lei de recorrer apenas como último ratio ao direito penal, onde se mostrem ineficazes ou insuficientes as regulamentações administrativas e do direito civil, e de deferir para diploma próprio certas formas de criminalidade parece cominar uma solução adequada. Alíás, neste último âmbito, e tendo em conta a necessidade de uma resposta mais rápida aos desafios da criminalidade, ó seu carácter transfronteiras e de necessidade de harmonização das legislações e práticas e da cooperação internacional, o Comité de Ministros do Conselho da Europa, a 13 de Junho de 1989, deliberou, nomeadamente, recomendar aos países dos Estados membros «ter em conta, logo que estes revejam a sua legislação ou preparem uma nova, o relatório sobre a criminalidade relacionada com o ordenador, elaborado pelo Comité Europeu para os Problemas Criminais e, em particular, os princípios directores para as legislações nacionais».

6 — Face ao exposto, somos de parecer que a proposta de lei n.° 135/V, incidindo sobre matéria de particular relevância no âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais, está em condições de subir a Plenário.

Palácio de São Bento, 18 de Abril de 1990. — O Relator, Alberto Martins. — O Presidente da Comissão, Mário Raposo.

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.° 52/V

PARA A DEFESA E EXPANSÃO DA PRODUÇÃO LEITEIRA

1 — Considerando que o leite constitui um produto estratégico essencial e particularmente sensível para a agricultura portuguesa;

2 — Considerando que, sendo um dos sectores com mais forte debilidade estrutural face às Comunidades Económicas Europeias, envolve mais de 100 000 produtores com um número médio de vacas por produtor de 2,64, enquanto na Comunidade essa média é de 18,5;

3 — Considerando que a produtividade média é de 2400 kg de leite por vaca por ano, contra 4254 kg de leite por vaca por ano na Comunidade e que a capitação de leite em Portugal é inferior em cerca de 40% à média comunitária;

4 — Considerando que o Tratado de Adesão à CEE impõe que a passagem à segunda etapa do período de transição para a agricultura portuguesa seja acompanhada da aplicação progressiva das disciplinas comunitárias;

5 — Considerando ainda que o n.° 3 do artigo 265.° do Tratado de Adesão só impede aumentos de produção desde que conduzam a um agravamento da situação de conjunto da produção comunitária;

6 — Considerando que, caso Portugal promovesse um acréscimo da produção leiteira nacional em, por exemplo, 50%, só se repercutiria num acréscimo glo-

bal da produção comunitária em 0,4%, não contrariando, portanto, o texto do Tratado de Adesão referido no número anterior;

7 — Considerando que a produção nacional de leite, que até 1987 estava a crescer a uma taxa média de 12%, caiu nos últimos dois anos para o valor médio de 5 %;

8 — Considerando que o preço do leite em Portugal é superior em relação ao preço comunitário, mas que essa diferença é anulada pelos mais elevados custos dos factores de produção no nosso país, designadamente preços das rações e a correlação destes com o mercado dos cereais, que somente será liberalizado, no mínimo, ern"~1996;

9 — Considerando a necessidade de Portugal expandir o seu consumo de leite e, consequentemente, a sua produção;

10 — Considerando a comunicação da Comissão das Comunidades Europeias ao Conselho e ao Parlamento e o relatório do Parlamento Europeu sobre o futuro do mundo rural, onde se aponta a necessidade de combater o declínio das zonas rurais e de garantir a continuação do exercício da actividade agrícola pelos pequenos agricultores, evitando rupturas económicas e sociais graves, sobretudo em regiões onde são raras as actividades remuneradas alternativas e onde a aplicação das disciplinas da PAC provoca o agravamento da situação em zonas em declínio:

A Assembleia da República recomenda ao Governo:

a) Um plano de desenvolvimento da produção leiteira nacional;

b) Uma estratégia negocial com a Comunidade que permita que a adopção do sistema de quotas leiteiras nunca seja aplicada em Portugal antes de 19% e que possam vir a ser isentos de quotas pelo menos os produtores da Região Autónoma dos Açores, tendo em conta o peso da produção leiteira na economia regional;

c) A defesa da não aplicação da taxa de co-responsabilidade aos produtores com produções inferiores a 40 t;

d) A definição de um critério para determinação da quantidade máxima garantida a aplicar ao sector que não impeça o aumento da produção leiteira e que tenha como base de trabalho a produtividade média por vaca da Comunidade e a sua previsível evolução até 1996, tanto mais necessário nas condições específicas de Portugal quanto as dificuldades de produções e de actividades alternativas rentáveis para as principais zonas produtoras de leite;

e) A defesa da fórmula B (a que fixa a quota não directamente ao produtor, mas à entidade que adquire o leite ao produtor), por ser a mais vantajosa e mais flexível para Portugal, quando e se vier a ser aplicado o sistema de quotas;

f) A reposição das ajudas ao investimento nos sectores da produção leiteira, do equipamento de ordenha mecânica, da instalação da rede de frio, da compra e melhoria genética dos efectivos e da reestruturação das explorações que permita incrementar as produtividades que se obtêm;

g) A alteração das normas portuguesas de aplicação do Regulamento n.° 797 (CEE), permitindo que todos os produtores de leite para o mercado tenham acesso aos meios financeiros co-

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munitáríos, alterando o disposto no Decreto-Lei n.° 327/88, de 23 de Setembro, que condiciona esse acesso aos produtores com mais de 15 vacas;

h) Criação de uma linha de crédito/leite, com juros bonificados, que diminua o valor da contrapartida com que o agricultor tem de contribuir para ter acesso aos financiamentos comunitários ao abrigo do Regulamento n.° 797 (CEE) e, assim, promova o investimento;

i) A criação de condições que permitam a todos os rendeiros, designadamente ao rendeiro agricultor autónomo, exibir documentação comprovativa da sua qualidade de cultivador directo;

j) Uma política fundiária que nas suas diversas vertentes tenha em conta as distorções que o sistema de quotas introduz no preço da terra;

/) Uma política de fixação de preços justos ao produtor — que têm vindo a descer, sem que sequer isso se repercuta no preço pago pelo consumidor — e permita estimular a produção leiteira nacional; m) Pagamento rápido das indemnizações por abate sanitário;

n) A implantação de sistemas de informação adequados entre os produtores, os compradores de leite e o Estado, de modo a permitir ao produtor dominar a sua produção e conhecer o estado do mercado;

o) Uma política de promoção de consumo de leite e produtos lácteos, designadamente no âmbito das escolas;

p) A abertura de um processo de auscultação e debate com os produtores de leite e as suas organizações representativas, bem como todas as confederações da agricultura existentes (CON-FAGRI, CNA e CAP), sobre a política a adoptar para o sector e, designadamente, a eventual aplicação do sistema de quotas, a quantidade de referência a garantir e a fórmula a aplicar.

Assembleia da República, 17 de Abril de 1990. — Os Deputados do PCP: Lino de Carvalho — Joaquim Teixeira — Lourdes Hespanhol — José Magalhães — Carlos Brito — José Manuel Mendes — Luís Roque — Domingos Abrantes — Ilda Figueiredo — António Mota.

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DIÁRIO

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