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II SÉRIE-A — NÚMERO 44
na Dinamarca, França e Irlanda. E só tem o carácter de acto normativo revogatório, total e parcial, de leis-ordinárias, em Itália, e, mesmo aí, naturalmente sem colisão com leis fiscais, orçamentais e das que conferem autorização para ratificação de tratados internacionais. .
8 — No quadro do regime constitucional estabelecido, o projecto de lei n.° 515/V restringe o âmbito do referendo, de acordo com o que permite o texto constitucional, a matérias respeitantes à organização e funcionamento da Assembleia da República, Governo e tribunais, e, consagra a delimitação da sua iniciativa expressamente, quer à Assembleia da República, quer ao Governo sem prejuízo das competências próprias e da respectiva reserva de competência.
9 — Ao dispor sobre a pronúncia no sentido da inconstitucionalidade ou da ilegalidade do referendo o projecto de lei em apreço fá-lo de modo que suscita fundadas dúvidas sobre a sua constitucionalidade. Assim, quando, na sequência do n.° 2 do artigo 19.° do projecto n.° 515/V, se afirma que «a Assembleia da República ou o Governo poderão, porém, reapreciar a sua proposta, expurgando-a da inconstitucionalidade ou da ilegalidade e reformulando a respectiva resolução» e se diz, no n.° 3, que «no prazo de cinco dias após a nova publicação da proposta de referendo, o Presidente da República poderá requerer, de novo, a apreciação preventiva da constitucionalidade e da legalidade ou a convocação do referendo», está a afastar--se uma exigência constitucional expressa.
A identificação da inconstitucionalidade e o seu expurgo não é só por si gerador de conformidade constitucional ou legal, podendo, pelo contrário, gerar novas inconstitucionalidades. Em nosso entender, toda a alteração de uma proposta configura, para este efeito, a existência de uma nova proposta, o que exige a nova apreciação preventiva obrigatória pelo Tribunal Constitucional.
10 — O artigo 29.° do projecto em apreço reitera uma velha questão já amplamente discutida nesta legislatura, atinente à capacidade eleitoral activa.
Assim, ao prescrever que «gozam do direito de participação no referendo os cidadãos portugueses maiores de 18 anos», demarca-se da exigência constitucional precisa que atribui essa participação aos cidadãos eleitores recenseados no território nacional (artigo 118.° da Constituição da República Portuguesa).
A Lei do Recenseamento Eleitoral, n.° 69/78, por sua vez, prescreve que os cidadãos eleitores são inscritos no local de funcionamento da entidade recenseadora da unidade geográfica da sua residência habitual.
Daqui decorre que a capacidade eleitoral activa, isto é, o universo eleitoral, abrange os cidadãos eleitores residentes no território nacional. Dado que os cidadãos que residam no estrangeiro só poderão estar recenseados na terra onde habitam, e para onde emigraram, e não na terra da sua naturalidade.
Note-se que, face à Constituição, existe, como nos diz o Acórdão n.° 320/89, processo n.° 72/89, do Tribunal Constitucional, in Diário da República, 1." série, n.° 78, de 4 de Abril de 1989, «um princípio de diferenciação entre residentes e não residentes no que respeita a capacidade eleitoral activa».
«De todas as eleições previstas na Constituição, em nenhuma está explicitamente garantido o voto dos não residentes. Ele está excluído explicitamente na eleição
do Presidente da República e na dos órgãos locais e implicitamente nas eleições dos órgãos das regiões autónomas. É implicitamente admitido nas eleições para a Assembleia da República, mas aí também em termos diferenciados, sendo exercido em círculos eleitorais próprios com possibilidade de elegerem menos deputados do que aqueles que proporcionalmente caberiam ao número dos respectivos eleitores.
Quanto ao segundo aspecto acima enunciado, é de reter que o direito ao sufrágio é um dos direitos fundamentais, sendo constitucionalmente reconhecido como um dos 'direitos, liberdades e garantias de participação política' (artigo 49.°); mas, por outro lado, é também princípio constitucional que os cidadãos portugueses que residam no estrangeiro gozam dos direitos 'que não sejam incompatíveis com a ausência do país' (artigo 14.°). Repete-se aqui agora em geral, quanto ao exercício de direitos fundamentais, a ideia da especificidade da situação do não residente.
Uma coisa é, porém, certa: a 'constituição eleitoral' não só não garante em geral o direito de sufrágio dos não residentes como, ao contrário, estabelece uma clara diferenciação entre residentes e não residentes. Por isso, pode dizer-se, com Jorge Miranda, que em matéria de direito de sufrágio o princípio constitucional da universalidade abrange apenas 'todos os cidadãos portugueses residentes em Portugal' (ob. cit., p. 466).»
Retenha-se neste domínio, ainda, que as leis orgânicas têm prevalência sobre os demais actos legislativos; por tal, conduzem a um efeito revogatório sobre o regime do recenseamento, alterando, por esta via, as regras fundamentais do exercício eleitoral.
11 — Quanto à matéria respeitante ao veto político, ou por inconstitucionalidade, do Presidente da República, o artigo 244.° do projecto consagra a proibição do seu exercício no que respeita à recusa de ratificação de convenção ou promulgação do acto legislativo correspondente às perguntas submetidas a referendo.
Ora, este dispositivo suscita claras dúvidas sobre a sua constitucionalidade. O que o referendo visa alcançar é formulação de juízos sobre questões colocadas aos cidadãos e não sobre a forma legal em que essas respostas se vão verter no plano legislativo. «O referendo versa sobre questões concretas e não sobre textos legislativos.»
Como nos diz de modo lapidar António Vitorino in Constituição da República Portuguesa, AAFDL, 1989:
A redacção do artigo 118.°, especialmente o seu n.° 4, aponta para que não se trata de acolher nem a figura do referendo legislativo (referente à aprovação de um dado acto legislativo ou convenção internacional) nem do referendo revogatório (tendente a decisão sobre a manutenção em vigor ou a revogação de um acto legislativo ou de uma convenção internacional). O referendo versa sobre questões (e em cada referendo apenas sobre uma só matéria), as quais deverão ser resolvidas em termos de sim ou não e o sentido da resposta, ao abrigo dos órgãos de soberania, é que deverá ser traduzido em actos legislativos ou de direito internacional nos termos e condições que os próprios órgãos competentes o determinarem, com a latitude que lhes assiste enquanto órgãos representativos ou legitimados democraticamente, embora sempre de acordo com o sentido da vontade popular expressa no referendo.