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Sexta-feira, 22 de Novembro de 1991
II Série-A — Número 3
DIÁRIO
da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
1.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
SUMÁRIO
Deliberação n.° 17-PL/91:
Condena o massacre perpetrado pelas forças armadas indonésias sobre a população civil indefesa de Timor Leste........................................... 26
Projectos de lei (n.<" 13/VI e 14/VI):
N." 13/VI — Criação do município de Odivelas (apresentado pelo PS) ................................ 26
N.° 14/VI — Elevação da povoação de Caldelas à categoria de vila (apresentado pelo PSD) ............ 28
N.° 1/VI — Constituição das comissões especializadas permanentes (apresentado pelo Presidente da Assembleia
da República) ...................................
N.° 2/VI — Fixa o número de membros de cada comissão e a sua distribuição pelos diversos partidos (apresentado pelo Presidente da Assembleia da República) ...........................................
N.° 3/VI — Constituição de uma Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste (apresentado pelo PSD, PS, PCP e CDS)..........
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II SÉRIE-A — NÚMERO 3
DELIBERAÇÃO N.° 17PL/91
CONDENA 0 MASSACRE PERPETRADO PELAS FORÇAS ARMADAS INDONÉSIAS SOBRE A POPULAÇÃO CIVIL INDEFESA DE TIMOR LESTE.
A Assembleia da República tomou conhecimento, com indignação, de mais um monstruoso massacre perpetrado pelas forças armadas indonésias sobre a população civil indefesa de Timor Leste.
As notícias até agora divulgadas permitem afirmar que no cemitério de Santa Cruz foi dada continuidade à política de genocídio sistematicamente empreendida pelo governo de Djacarta com o objectivo de esmagar pela violência o desejo de independência) do povo timorense.
Este massacre vem, por outro lado, confirmar dramaticamente que a Indonésia sempre agiu de má fé durante o processo negocial da projectada visita de parlamentares portugueses a Timor Leste, que o governo ditatorial do general Suharto temia, e, por isso, sabotou.
Numa época em que o respeito dos direitos humanos e do direito internacional constituem traves mestras do relacionamento entre os povos, este massacre coloca definitivamente a Indonésia à margem de qualquer ordem internacional civilizada.
A Assembleia da República, recordando que a Indonésia tem sido repetidamente condenada pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU, bem como pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho da Europa e outras organizações internacionais:
Manifesta a sua incondicional solidariedade ao heróico povo timorense, vítima da barbárie indonésia;
Denuncia perante todo o mundo civilizado mais este gravíssimo atentado à Declaração Universal dos Direitos do Homem;
Apela à comunidade internacional e, em particular, aos parlamentos nacionais dos países democráticos para que condenem esta chacina, empreendendo urgentemente medidas concretas para repor o respeito do direito internacional e dos direitos do homem em Timor Leste e garantindo as condições indispensáveis ao exercício do direito à independência e autodeterminação do povo timorense.
Assembleia da República, 13 de Novembro de 1991. — O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.
PROJECTO DE LEI N.° 13/VI
CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ODIVELAS
A aprovação, no final da V Legislatura, da lei quadro das regiões administrativas, por voto unânime de todos os partidos representados na Assembleia da República, assim como a criação das regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto, vem colocar na ordem do dia o ordenamento e qualificação dos espaços metropolitanos.
Tendo em vista o encontro da adequada e criteriosa redefinição dos limites municipais actualmente existentes, visa o presente projecto de lei instituir o novo município de Odivelas, por desanexação do actual concelho de Loures.
O concelho de Loures, situado na província da Estremadura, tem actualmente uma área de 186,51 km2, confinando com os concelhos de Arruda dos Vinhos, Mafra, Sintra, Amadora, Lisboa e Vila Franca de Xira.
Segundo o Anuário Estatístico de Portugal (1983), a sua população era de 276 467 habitantes, sendo, no entanto, previsível, devido ao acelerado crescimento demográfico de algumas zonas integrantes, que atinja neste momento os 400 000 habitantes.
Apresenta uma densidade populacional da ordem dos 2000 habitantes por quilómetro quadrado, com enormes variações em algumas freguesias de características marcadamente rurais, por contraste com grandes concentrações urbanas, de que são exemplos mais significativos os casos, respectivamente, de Bucelas (150 habitantes por quilómetro quadrado) e Moscavide (20 000 habitantes por quilómetro quadrado).
É constituído pelas seguintes freguesias: Apelação, Bucelas, Bobadela, Camarate, Caneças, Famões, Fa-nhões, Frielas, Loures, Lousa, Moscavide, Odivelas, Pontinha, Portela de Sacavém, Póvoa de Santo Adrião, Prior Velho, Olival Basto, Ramada, Sacavém, Santa Iria de Azóia, Santo António dos Cavaleiros, Santo Antão do Tojal, São João da Talha, São Julião do Tojal e Unhos.
Nas últimas eleições tinha 252 047 eleitores.
Concelho centenário (1886-1986), atingiu um crescimento demográfico de tal ordem que o coloca na terceira posição a nível nacional no que respeita ao número de habitantes.
Tendo em consideração os números referenciados, facilmente se conclui pela necessidade urgente de uma redefinição do seu espaço municipal, permitindo assim agrupar zonas características idênticas, com problemas específicos comuns, sob a égide de novos municípios.
O novo concelho de Odivelas, a criar por desanexação do de Loures, deverá integrar as freguesia de Odivelas, Pontinha, Póvoa de Santo Adrião, Caneças, Famões, Ramada e Olival Basto.
A área do futuro concelho de Odivelas situar-se-á próximo dos 30 km2, com uma população estimada em cerca de 155 000 habitantes e +_ 107 000 cidadãos eleitores inscritos nos respectivos cadernos eleitorais.
Zona de características marcadamente urbanas, tem conhecido nos últimos 20 anos um crescimento enorme, nem sempre devidamente ordenado e enquadrado num plano de desenvolvimento coerente, sofrendo, por isso, graves problemas, tais como:
Insuficiência de espaços de convívio e zonas verdes;
Mau aproveitamento dos terrenos para construção legal;
Construção clandestina, etc.
A população residente tem problemas de identificação com a actual sede de concelho (Loures) e tem-se manifestado por diversas formas no sentido da criação do município de Odivelas, como forma de ultrapassar carências relacionadas com a falta de diversos serviços a nível local e ainda no convencimento de que a nova autarquia poderá zelar melhor pelos seus interesses específicos.
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Contribuindo de forma significativa para as receitas do município de Loures, Odivelas questiona se tem obtido contrapartidas proporcionais, uma vez que em certos casos têm sido privilegiadas outras zonas, no que respeita a diversos investimentos estruturais.
De realçar a identidade que se verifica entre as freguesias de Odivelas, Pontinha (de criação recente — anteriormente era parte integrante de Odivelas), Ramada, Olival Basto e Póvoa de Santo Adrião, a que facilmente se anexarão as freguesias de Famões e Caneças.
O novo município de Odivelas obedece aos requisitos fixados na Lei n.° 142/85, de 18 de Novembro.
O número de eleitores residentes na área da futura circunscrição municipal será de, aproximadamente, 107 000 cidadãos.
A área da futura circunscrição terá, aproximadamente, 30 km2.
O centro urbano, constituído em aglomerado contínuo, excede os 10 000 eleitores, já que o número total de eleitores inscritos na freguesia de Odivelas é de, aproximadamente, 47 000.
Odivelas dispõe dos seguintes equipamentos colectivos:
á) Centro de Saúde de Odivelas;
b) Farmácias — dez na cidade de Odivelas;
c) Mercados — dois na cidade de Odivelas;
d) Salas de espectáculos — quatro, sendo uma ao ar livre, pelo que só funciona durante o Verão:
Sociedade Musical Odivelense; Cine-Esplanada de Odivelas; Cinema do Kaue; Cinema Oceano;
e) Transportes públicos colectivos:
Carris;
Rodoviária Nacional (estação central de recolha em Odivelas); Táxis (cinco praças);
f) Estação dos CTT — em Odivelas, código 2675, com distribuição central; centrais dos TLP — uma em Odivelas;
g) Instalações de hotelaria: restaurantes, cafés e pastelarias;
h) Escolas preparatórias — três; escolas secundárias — uma; escolas primárias — oito;
0 Estabelecimentos de ensino pré-primário — quatro da responsabilidade da junta de freguesia e um da responsabilidade da segurança social;
J) Creche-infantário;
/) Corporação de bombeiros — em Odivelas, com instalações próprias; m) Agências bancárias:
Caixa Geral de Depósitos;
Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa;
Banco Comercial e Industrial;
Nova Rede;
Banco Português do Atlântico;
Banco Nacional Ultramarino;
União de Bancos Portugueses;
Banco Totta & Açores;
Banco Barclay;
Montepio Geral;
Crédito Predial Português;
ri) Parques e jardins públicos:
Parques infantis — oito;
Jardim Público Maria Lamas;
Jardim Público do Convento de Odivelas;
o) Recintos desportivos:
Pavilhão gimno-desportivo municipal; Pavilhão polivalente na CODIVEL (descoberto);
Campo de Jogos Diogo José Gomes.
Para além dos elementos apresentados, a cidade de Odivelas possui ainda:
Duas feiras de levante;
Existência de vários restaurantes e pastelarias;
Existem em Odivelas instituições privadas de ensino, abrangendo os vários graus de ensino, e escolas de música e actividades afins;
Posto da Polícia de Segurança Pública;
Notário;
Repartição de finanças;
Centros comerciais (cerca de sete);
Supermercados (vários);
Centro de convívio da terceira idade;
Escuteiros (organizações católica e não católica);
Colectividades de cultura e recreio (várias);
Cemitério;
Zona industrial;
Monumentos históricos:
Igreja matriz;
Cruzeiro do Senhor Roubado; Convento de São Dinis e São Bernardo; Memorial.
A descrição apresentada permite concluir que o futuro município de Odivelas obedece claramente aos requisitos consagrados na Lei n.° 142/85, de 18 de Novembro.
A previsível tomada de decisões em matéria de regionalização e delimitação das áreas urbanas referidas no artigo 238.°, n.° 3, da Constituição justifica que a presente iniciativa seja adequadamente ponderada pela Assembleia da República.
Nestes termos, e com base no artigo 170.° da Constituição, apresento à Assembleia da República o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É criado o município de Odivelas.
Art. 2.° Sem prejuízo de correcções posteriores, a área do município referido no número anterior abrangerá a das actuais freguesias de Odivelas, Pontinha, Póvoa de Santo Adrião, Caneças, Olival Basto, Ramada e Famões (constantes dos mapas anexos).
Art. 3.° Para efectivação do disposto no presente diploma, a Assembleia da República, por intermédio da competente comissão parlamentar, deverá proceder de harmonia com o disposto na Lei n.° 142/85, de 18 de Novembro.
Assembleia da República, 11 de Novembro de 1991. — Os Deputados do PS: Leonor Coutinho — Rui Cunha — Jaime Gama — António Costa.
Nota. — Os mapas referidos serão publicados oportunamente.
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PROJECTO DE LEI N.° 14/VI
ELEVAÇÃO DA POVOAÇÃO DE CALDELAS A CATEGORIA DE VILA
A) Apresentação
Caldelas é uma povoação rústico-urbana e estância termal da «Costa Verde» do Norte de Portugal, assente numa altitude média de 150 m, situada na freguesia do mesmo nome, no concelho de Amares, a 18 km de Braga e a 76 km do Porto.
As suas águas medicinais são recomendadas para todas as doenças do aparelho digestivo (colites, gastrites, doudenites, perturbações da vesícula biliar, dermatoses, etc.), sendo das mais importantes do Norte do País, nela recebendo tratamento, anualmente, muitos milhares de aquistas, os quais ficam totalmente alojadas na autarquia.
A natureza protege-a da fúria impetuosa dos ventos com a muralha dos montes, onde pontificam o monte de Lombada e a serra de São Pedro Fins, bafejando-o com a aragem tonificante dos pinhais, amenizando-a com a frescura verdejante do vale, e a presença do rio Homem.
O sector rural vive naturalmente da agricultura, dedicando-se a todas as culturas da região, com especial incidência no milho e no vinho verde.
O sector urbano concentra-se na indústria hoteleira, que tem funcionado quase exclusivamente na dependência do movimento termal, limitado até ao presente à época de Junho a Outubro, embora já tenha projectos para se estender a outras épocas do ano.
As suas características singulares, de uma «vila do Minho», advêm-lhe dos diversos hotéis, pensões, restaurantes, casas de hóspedes, moradias e estabelecimentos comerciais que enquadram as suas avenidas, ruas e o largo da localidade.
A sua importância regional é evidente, e num quadro de progresso é até importante que a mesma seja estimulada.
B) Razões de ordem geográfica
Como nos diz Pinho de Leal, no seu Dicionário de Portugal Antigo e Moderno (1890):
Esta freguesia está situada no princípio da bonita e fértil ribeira do Homem, em terreno medianamente accidentado, sobre a margem esquerda do rio Homem. É abundante d'água, não só d'este rio, mas de vários arroios e nascentes, e por isso muito fértil, em cereaes, fructas e legumes, vinho, azeite e linho. Tem abundância de lenha e caça (miúda e grossa) na serra.
[...]
Entre os montes de S. Pedro Fins e Lombada, no centro d'esta freguesia, corre o ribeiro Alvito, que nasce no logar d'este, freguesia de Paranhos, e depois de 3 kilómetros de curso, morre no Homem. Rega e móe.
Na esquerda d'este ribeiro, no meio da freguesia, são as águas «thermaes».
Ou como consta no Dicionário Chorográphico de
Portugal Continental e Insular (1934):
Abrange parte das últimas ondolações da montanha de Santa Isabel, contraforte da serra do Ge-
rez, que se esbate desde o alto de S. Pedro Fins, para formar o extenso e formosíssimo vale do Bico, na confluência dos dois rios — Homem e Cávado.
Ao meio de esta freguesia, na direcção nordeste--sudoeste, desenvolve-se uma daquelas ondolações, o monte do Lodeiro, que estabelece uma linha divisória de águas entre o vale do Alvito e o de Ca-baduços, que através da montanha, comunicam pelo sítio da Portelinha.
Esta depressão da Portelinha faz avultar o outeiro de S. Sebastião, de cabeço cónico, arborizado de pinheiros e carvalhos, muito pitoresco. É a meia enconta da vertente, a oeste deste outeiro, que em lugar aprazível assenta a igreja paroquial, reedificada em 1749.
C) Razões de ordem histórica I — Introdução
Nas introduções históricas é muito frequente a tendência para recuar até ao começo dos tempos, atravessando a Antiguidade e mergulhando na penumbra infindável da Pré-História.
Apesar de se referir aquela tentação generalizada, não se teme o risco de situar a origem de Caldelas à saída da Pré-História, visto que se encontraram, no cabeço de S. Sebastião, inegáveis vestígios materiais de uma pequena povoação castreja, onde deverá ter vivido um reduzido número de famílias de brácaros fundidos com os primeiros invasores celtas.
Decerto aqueles vestígios não bastam para descrever em pormenor o modo de vida concreto daqueles povos. Contudo, o facto da sua posição geográfica numa região interior, assente numa pequena colina próxima do vale e marginada por dois cursos de água (um rio e um regato), bem como a sua composição etnográfica, sugerem a convicção lógica de que a população primitiva terá vivido sobretudo da agricultura e complementarmente da caça e da pesca. E porque os vestígios pré-históricos são idênticos em toda a região, também se pode acrescentar que terá sido uma população pacífica e muito apegada à sua terra. Estas notas características perduram felizmente na actual população de Caldelas.
O crescimento demográfico da povoação impôs naturalmente a necessidade de explorar a fertilidade do vale. Assim, a população entregou-se de todo à agricultura, que constituiu, de facto, a sua actividade dominante até aos tempos modernos.
II — A «romanização»
Como se sabe, a antiga Braceara (Braga) foi uma das mais importantes jurisdições romanas da Península, tendo recebido do imperador César Augusto, no século i a. C, o titulo «divino» de Augusta.
A partir de Braceara Augusta, os Romanos abriram uma estrada imperial denominada «Geira», que descia até ao rio Cávado, subia alguns quilómetros pela margem esquerda, atravessava para a margem direita na ponte romana (hoje conhecida pelo nome de Ponte do Porto), passava na enconsta nascente do monte de São Pedro Fins, ao lado da povoação de Caldelas, e entrava na Galiza pela actual fronteira da Portela do Ho-
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mem, seguindo para Roma, capital do Império Romano do Ociente.
A Geira era constantemente percorrida, nos dois sentidos, por soldados e mercadores romanos que entravam nas povoações vizinhas, os primeiros para se abastecerem de víveres e os segundos para comercializarem os seus artigos.
Mas aqueles contactos de natureza militar e comercial não terão sido apenas fortuitos episódios de passagem, visto que a frequência das visitas criava relações humanas e, sobretudo, dava origem à instalação de estabelecimentos comerciais que determinavam permanências mais ou menos longas em diversos locais.
O contacto da povoação de Caldelas com os Romanos é um facto histórico incontestável. Para o comprovar bastará enunciar os seguintes argumentos:
1.° Na povoação de Caldelas encontraram-se vários objectos romanos, designadamente fraga-mentos de cerâmica e moedas e duas lápides com inscrições latinas, referidas aqui por serem documentos escritos e como tais assinalarem a entrada da povoação de Caldelas na história propriamente dita;
2.° Na fala popular de Caldelas distinguem-se bem a forte sonorização vocálica, o acento e o ritmo do latim vulgar que era falado precisamente pelos soldados e mercadores romanos. Ora é evidente que as propriedades características de uma língua não se assimilam em contactos fortuitos e passageiros, mas na convivência quotidiana;
3.° A ponte de Caldelas sobre o rio Homem é, sem dúvida, medieval e, por isso, posterior à presença dos Romanos. Mas na tradição popular e local persiste a designação de ponte romana. Este facto carece de uma explicação razoável e só se compreende bem com referência a uma ponte anterior e construída no mesmo sítio ou muito perto dali pelos Romanos. Aliás, a construção de pontes era um belo meio primordial na romanização das províncias do Império Romano, e o desaparecimento da primitiva ponte romana explica-se cabalmente com a passagem devastadora dos Bárbaros.
Aqueles três argumentos (ainda que o segundo não seja exclusivo de Caldelas) denunciam claramente a passagem dos Romanos na povoação.
III — As invasões bárbaras
Após a conquista de Braccara Augusta (em 456), os Visigodos naturalmente multiplicaram as suas incursões por toda a região para apagar os vestígios do poder romano, estabelecendo o seu domínio absoluto. Pode ser ocorrido naquele período (é uma presunção lógica), como medida de estratégia militar bárbara ou simplesmente por aversão racial aos Romanos, a destruição da ponte romana de Caldelas, que a tradição popular ainda não esqueceu.
Neste ponto não se pode ir além da conjectura, já que não se conhecem em Caldelas marcas positivas da passagem dos Bárbaros.
IV — A Idade Média
Com a expansão europeia da Ordem Beneditina (a partir de meados do século vi), por iniciativa ou inspiração de monges de grande prestígio espiritual e humano, a Regra primitiva de São Bento sofreu ligeiras adaptações locais que deram origem a novas ordens religiosas, entre elas a de Cister, promovida por São Bernardo, conservando todas a vocação beneditina para a conversão e formação dos povos. Surgiram, assim, muitos e diversos mosteiros por toda a parte.
Então a Europa em ruínas e sob o domínio dos Bárbaros começou a reorganizar-se à sombra da Igreja, que, pacientemente, com a força sobrenatural da fé e com os recursos humanos da ciência e da cultura clássicas, salvaguardadas nos manuscritos dos conventos, converteu, baptizou, instruiu e educou os Bárbaros. Foi por isso que os aglomerados urbanos se desenvolveram em torno das catedrais e as povoações rurais se dispuseram à volta das igrejas e dos conventos.
Naquela linha histórica apareceram mais tarde, nos fins do século xi e no começo do século xu, os Mosteiros de Rendufe e de Santa Maria de Bouro.
V — A «influência árabe»
A reorganização político-religiosa da Península Ibérica nos dois primeiros séculos da Idade Média, operada com o dinamismo das populações, o apoio da Igreja e a conversão dos Bárbaros, sofreu um longo compasso de espera, de perto de quatro séculos, com nova invasão.
Com efeito, vindos do Norte de África através do estreito de Gibraltar, impelidos furiosamente pelo fanatismo religioso do Islão e também atraídos pela fertilidade das terras peninsulares, os Árabes (Mouros na linguagem popular) invadiram a Península, subjugan-do-a em 711.
Contudo, o domínio árabe na Península nunca foi pacífico nem total, apesar da sua duração de vários séculos.
Com efeito, em locais dispersos e menos acessíveis, designadamente nas montanhas, constituíram-se núcleos de resistência que não toleravam o domínio nem a religião islâmica dos invasores e, depois, se juntaram ao incipiente reino das Astúrias, donde veio a irromper, com a participação activa e pessoal dos bispos, abades e fiéis, o movimento imparável da reconquista que esteve na origem da formação dos vários reinos peninsulares.
Na povoação de Caldelas não se apontam vestígios materiais da presença dos Árabes; mas há indícios indesmentíveis da sua passagem na região ou, pelo menos, de contactos com as populações.
De facto, verificam-se reminiscências profundas que evocam imagens de força e de magia na imaginação popular com referência aos Mouros.
Assim, com a passagem dos Árabes pela região, explica-se bem a origem das tradições locais e lendárias que atribuem aos Mouros obras mágicas, executadas em noites de luar, e que fantasiam em cavernas, poços ou grutas naturais e em certos rochedos o encerramento de mouras encantadas que não tiveram tempo de fugir diante do ímpeto da reconquista cristã.
Em Caldelas há dois exemplos curiosos daquela fantasia popular: o primeiro é a atribuição anacrónica da
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construção da «ponte romana» aos Mouros numa só noite; o segundo é o «penedo da Moura», onde a prisioneira árabe estendia ao sol as suas arrecadas de ouro, que ninguém se atrevia a tocar.
No domínio do real é evidente o reflexo da passagem dos Árabes nas seguintes expressões da linguagem popular: «trabalhar como um mouro» e fulano «é um mouro de trabalho». Ao falar assim o povo faz uma comparação; mas, para fazer uma comparação com os Mouros, o povo precisou de os conhecer antes.
VI — O aparecimento de Caldelas e suas termas
Nos tempos da reconquista e das lutas da independência existiam na região de Caldelas aglomerados rurais pequenos e dispersos com nomes comuns de origem romana (villas e quintas). É curioso observar que ainda hoje, passados oito séculos, subsistem aqueles nomes em dois lugares de Caldelas: o lugar da Vila e o lugar da Quinta.
A divisão eclesiástica do território fez-se em bispados e estes em arcediagos e arquidiaconatos, que, por sua vez, se dividiam em paróquias ou freguesias.
Em documento eclesiástico de 1145 há notícia de uma divisão de arcediagos de Braga entre o arcebispo e o seu cabido. Tratou-se de direitos de igrejas, herdades e rendimentos. Naquela divisão referem-se os nomes de freguesias vizinhas de Caldelas (como a Torre e São Vicente) e o arquidiaconato de Entre Homem e Cávado. Como é óbvio, Caldelas estava na área daquele arquidiaconato, mas o seu nome não consta expressamente no documento.
Cabe aqui uma observação que poderá fazer alguma luz sobre a omissão do nome de Caldelas no documento anterior e, simultaneamente, sobre a sua inclusão no documento que se refere mais abaixo. Apesar da sua inserção na diocese de Braga, Caldelas foi terra da Comenda de Cristo, e por isso deteve até 1918 o título de reitoria; só pelas constituições bracarenses daquele ano Caldelas se converteu em abadia.
No começo do século xm abriu-se um litígio entre o arcebispo de Braga e os reitores de várias igrejas, que se recusavam a pagar direitos à cúria diocesana. O papa Inocêncio III, por bula de 1208, encarregou o deão de Zamora de decidir o pleito entre o arcebispo de Braga D. Martinho e os reitores daquelas igrejas. Entre as freguesias referidas no documento consta expressamente o nome de Sant'Iago de Caldelas.
A referência de Caldelas naquele documento não é lisonjeira, mas demonstra que a freguesia de Caldelas já tinha existência canónica em 1208. Esta informação é muito importante.
As Inquirições de 1220 mencionam-na em «Terra» de Bouro, dizendo que o «rex non est patronus». Foram anexas de Caldelas as paróquias de Lanha e Vilarinho. Administrativamente, foi da «Terra de Bouro» já desde antes da nacionalidade.
O nome «Caldellas» (grafia antiga) é todo de origem latina e o seu significado relaciona-se directamente com as nascentes mineromedicinais.
De facto, etimologicamente, o vocábulo «caldellas» é uma palavra derivada do étimo latino «calda» (que significa água quente) com o sufixo diminuitivo «ella» também latino (que junta a ideia de pequenez). Os dois elementos formaram o nome «Caldellas», que se adoptou no plural por se referir a duas nascentes.
O significado do nome é evidente, e a ideia de pequenez derivou do facto de se aplicar a duas nascentes espremidas entre rochas e, por isso, pequenas ou com um débito inicialmente bastante reduzido.
Assim, o nome «Caldellas», literalmente, significa pequenas nascentes de água quente.
A análise etimológica do nome «Caldellas» sugere algumas observações de especial interesse.
Antes de mais, observa-se que o nome (de origem latina) estará naturalmente ligado à época da romanização, e, sendo assim, constitui mais um argumento a juntar ao das lápides romanas, para demonstrar o contacto da população primitiva com os Romanos.
Em segundo lugar, verifica-se que o nome «Caldellas», inicialmente, foi dado às duas nascentes de água quente e não à povoação onde elas brotavam. Daqui pode concluir-se logicamente que a povoação ainda não tinha nome próprio, e, consequentemente, o interesse dos Romanos pelo local fixava-se naquelas nascentes ou nas «caldellas».
Fica assim explicada a origem do nome «Caldellas».
Poder-se-á perguntar se o nome terá sido formado e imposto às nascentes pelos Romanos que as procuravam e as utilizavam ou pelos habitantes do lugar que aprenderam o latim com os soldados e mercadores romanos. A resposta não é fácil e será duvidosa.
Não se ignora que havia duas espécies de latim: o latim clássico (das escolas e dos mestres) e o latim vulgar, falado pelo povo. Esta distinção não ajuda a resolver o problema porque os elementos latinos do nome («calda» e «ella») não são exclusivos de uma daquelas espécies de latim. Contudo, a perfeição da forma literal do nome parece fora do alcance do povo, que só conhecia o latim de ouvido. Ainda que a dúvida persista, a questão de saber quem formou e impôs o nome não interessa demasiado. O importante é saber que o nome «Caldellas» é de origem latina e significa pequenas águas quentes.
Depois operou-se a transferência do nome das nascentes para a povoação, que não tinha nome próprio. Isto quer dizer que as nascentes («caldellas») deram o nome à povoação onde brotavam.
Aquela transferência do nome resultou, decerto, de um processo espontâneo. Muito naturalmente os habitantes do lugar, como a povoação não tinha nome próprio e o nome das nascentes era bem conhecido, começaram a indicar a sua naturalidade com o nome de Caldellas.
Fosse quando e como fosse, o certo é que em documentos do começo do século xm, já referidos atrás, a povoação aparece identificada com o nome de Sant'Iago de Caldellas.
Caldelas (só com um «1») é grafia moderna do primeiro quartel do nosso século.
A propósito e a título de curiosidade refere-se aqui uma pequena «história» acerca da origem do nome de Caldelas.
A «história» deve ter sido provocada por um documento de 1528 relativo aos direitos devidos ao arcebispo de Braga, onde o nome da povoação aparece com a grafia «Qualdellas» (Sant'Iago de Qualdellas).
Perante aquela grafia alguém deduziu que se tratava de um vocábulo composto por justaposição de «Qual — delias». Esta dedução teoricamente estava certa, pois a composição por justaposição é um dos processos da formação das palavras em português.
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Mas para passar da teoria à prática era necessário explicar a origem do nome através do seu significado. A esta necessidade respondeu a imaginação com uma «história».
Certo dia um forasteiro, junto das nascentes, não sabendo se eram ambas medicinas, perguntou: «Qual delias?»
Depois a justaposição das duas palavras da pergunta fez o nome de Qualdellas. Na fala do povo bastou um ligeiro toque fonético para elidir o «u» e a metamorfose gráfica do «Q» em «C» para chegar ao nome de Caldellas.
A historiazinha é jocosa, mas ingénua. Pois a origem dos nomes não se explica com a imaginação, inventando histórias. Aliás, Qualdellas aparece no século xvi e as nascentes e a povoação já se chamavam Caldellas pelo menos desde o século xiii.
Apesar de tudo, a grafia de Qualdellas precisa de uma explicação. E, salvo melhor aviso, uma explicação lógica e objectiva pode ser esta: Caldellas e Qualdellas não são dois nomes, mas apenas um nome escrito de dois modos.
Caldellas é o nome da povoação escrito correctamente, tal qual veio do latim. Qualdellas é o nome da mesma povoação, mas escrito com um erro de ortografia por um escrivão que trocou o «C» por «Qu».
Em resumo: Caldelas é uma palavra formada do étimo latino «calda» com o sufixo diminutivo também latino «ela» (no plural), muito provavelmente da época da romanização, que, à letra, significa «pequenas águas quentes». O nome de Caldelas primeiro foi dado às duas nascentes termais; depois estendeu-se à povoação onde brotam as mesmas nascentes. Qualdellas é Caldelas com um eventual erro de ortografia.
Em resumo: as termas de Caldelas (e hoje povoação e sede de freguesia) já eram celebradas pelos Romanos, e ali se encontram lápides votivas às ninfas dedicadas, enquadradas, hoje, na parede interior do bufette.
Duas são as lápides referidas, e que o consumado epigrafista Dr. Emílio Hubner inseriu no seu Corpus Inscriptionum Hispaniae Latinae — Suplementum ex Ephemeridis Epigraphicae (vol. Viu, fase. ni, «seorsum expressum», Berolini, 1897, p. 399).
Eis as inscrições das duas lápides:
CAED (ni) .....
CIEN (us) .....
NYM D (e) A B (us)
PHIS NYM
EXVO PHIS
TO EXVO
TO
A primeira, «Caenicienus ninphis ex voto» (Cenicieno «consagra» às ninfas por voto «que fez»). A segunda, «.....deabus ninphis ex voto» ([...]
«consagra» às deusas ninfas por voto «que fez»).
Nesta segunda lápide falha a parte superior com o nome do «dedicante». As lápides foram encontradas nas escavações que se fizeram em 1803, aquando da construção do primeiro estabelecimento balnear.
Existe, pois, uma parte comum às duas inscrições, exprimindo um voto (promessa) feito às deusas ninfas daquelas nascentes, e que os Romanos conheceram, utilizaram e apreciaram, atribuindo-lhes «poderes sobrenaturais», que, de facto, se reduzem à virtude terapêutica que a ciência moderna lhes havia de atribuir.
Sustenta-se, por isso, a tese de que os Romanos conheceram, utilizaram e apreciaram as duas pequenas nascentes de água quente (caldeias) como águas mineromedicinais.
No entanto, foi frei Cristóvão dos Reis (1779), carmelita descalço, administrador da botica do Convento do Carmo (em Braga), que no seu curioso livro Reflexões Experimentais, Methodico-Botânicas e Noticia de Águas Minerais «recupera» as termas, pois refere:
Nas margens do rio Albito que corre entre dois montes, à parte oriental da povoação chamada Caldelas há duas nascentes de água [... ]
Palpável fica, por consequência, que se deve a frei Cristóvão dos Reis, quem insinuou ao povo, à época, o uso terapêutico das «Caldas de Caldelas», sendo, portanto, só depois de 1779 que estas águas minerais começaram a ter nos aquilézios os nomes de Caldas de Rendufe e Caldas de Caldelas.
Assim, foi no século xviu que tomou conta destas termas o Mosteiro Benedito de Rendufe, que fica a 4 km, e lhe deu o nome com que figuraram nos aquilézios de Caldelas de Rendufe.
Depois da extinção das ordens religiosas, encarregou--se da administração das termas o pároco de Caldelas.
A pretexto de melhoramentos, passaram a ser propriedade da Câmara de Amares, que em 1889 as arrendou ao visconde de Semelhe, a quem mais tarde foram dadas de concessão.
Pela Lei de 30 de Setembro de 1892 o Governo Português declarou que todas as nascentes termais eram propriedade do Estado e estabeleceu as condições necessárias para a concessão.
Em virtude desta lei, foram concedidas, em 1893, ao visconde de Semelhe por um período ilimitado.
Em 1922, passou a concessão a uma companhia.
Constam dos seguintes edifícios: «bebedouro» da Bica de Fora, e da Bica Barbosa, moderno balneário (concluído em 1929) e o Hotel da Bela Vista.
A concluir, uma nota importante: «o reconhecimento oficial de Caldelas como zona de turismo data de 1818».
VII) O foral
Tem foral, que D. Manuel I deu conjuntamente a Amares, Caldelas, Figueiredo, Dornelas e Peroselo, em 8 de Abril de 1514, que dinamizou a «Região de Entre Homem e Cavado».
VIII) Os monumentos
a) Igreja paroquial
À entrada da avenida, do lado esquerdo e ao cimo da Rua do P.e João Martins de Freitas, avista-se a torre da igreja paroquial.
O actual edifício foi reedificado em 1749, graças à magnanimidade de D. João V, que lhe deu uma provisão de 600 000 réis, e à generosidade de dois beneméritos locais, António Sebastião Marinho Falcão, da Casa de Lamoso, e António Simões Santiago, do lugar de Cimo de Vila, que lhe ofereceram, respectivamente, 30 000 e 60 000 réis.
Foi, decerto, para agradecer e perpetuar a magnanimidade real que a reedificação se integrou perfeitamente no estilo joanino.
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Na capela-mor evidencia-se a tribuna majestosa e atraente, onde avulta uma grande cruz sustentando a imagem de Cristo morto, em tamanho natural e talhada com uma perfeição invulgar, que esmiuça a anatomia humana até ao mais pequeno pormenor e espelha o reflexo da divindade, inspirando toda a pureza sentimental da fé cristã e dignificando a escultura religiosa do século xvii.
Na parte da esquerda, apoiadas em mísulas estilizadas, vêem-se duas imagens marianas, ambas primorosas: uma de Nossa Senhora do Rosário com o Menino ao colo, do século xviu, e outra do Sagrado Coração de Maria, do começo do século xix.
A seguir ao arco cruzeiro, de cada lado da nave, há dois altares com evidentes características joaninas: magnificência ornamental que resulta das formas curvilíneas, dos medalhões e do uso da concha.
No primeiro altar da esquerda sobressai a imagem do Sagrado Coração de Jesus, obra feliz do escultor Vieira Bracarense (século xix), e no segundo da direita pode contemplar-se a belíssima imagem de Nossa Senhora da Piedade, obra do século xviu.
Quer dos lados do altar-mor quer nos altares da nave, em mísulas e nichos bem distribuídos, encontram--se muitas imagens de talhe moderno, que respondem às invocações tradicionais e predilectas da piedade cristã da população.
Debaixo do coro e no canto esquerdo assenta a pia baptismal de granito cor-de-rosa e forma oitavada, sob um arco decorado com um painel de azulejos que evoca o episódio solene do baptistmo de Jesus no rio Jordão.
No frontispício joanino da igreja, sobre a porta principal, voltada para o Ocidente, em nicho altaneiro, de pé e exposto ao sol, à chuva e a todas as intempéries, enquadra-se um Santiago de pedra a definir e a proclamar o seu título patronal.
Encostada ao lado direito da igreja, e a substituir o campanário primitivo, ergue-se uma torre construída em 1857, com uma cúpula em forma de bolbo e três sinos, entre os quais o chamado «sino grande», cujas badaladas se repercutem nas encostas e enchem o vale com efusões de alegria quando tocam a festa e com suspiros de angústia quando dobram a finados.
Constituem o tesouro da igreja paroquial quatro peças preciosas: um vistoso e rico ostensório do século xviu, duas cruzes de prata que abrem as procissões e fazem a visita pascal (compasso) e uma relíquia do Santo Lenho, encastoada numa cruz gótica, também de prata, oferecida à Igreja Paroquial de Santiago de Caldelas pelo P.e João Martins de Freitas.
Em meados do século xviu, quando foi reedificada, a igreja paroquial era muito grande para a população da freguesia; mas hoje acontece o contrário: é demasiado pequena. Por isso, nos últimos anos surgiu e generalizou-se a ideia de alargar a igreja. As obras de ampliação estão em curso e, dentro de pouco tempo, a largura da capela-mor ficará sensivelmente igual ao comprimento da nave.
b) A capela do Senhor da Saúde
Descendo a Rua do P.c João Martins de Freitas, ao chegar à avenida, depara-se com a capela do Senhor da Saúde à direita. É uma capela revestida exteriormente de azulejos.
No retábulo por detrás do altar, uma linda imagem de Jesus, de tamanho natural, com uma túnica de veludo roxo, cingida à cintura com uma corda, vergada sob o peso de uma enorme cruz de madeira, com o rosto sulcado pela tortura do sofrimento e olhar compassivo de imolação voluntária, a evocar a subida dolorosa e redentora do Calvário: é o Senhor da Saúde a despertar e a atrair a piedade e a fé das redondezas com esperanças radiosas de cura e de milagre.
Faz companhia ao Senhor da Saúde uma Senhora das Dores, também vestida de roxo, de olhar baixo, esmagada pela dor, mas inteiramente solidária com o martírio voluntário do Filho.
A capela do Senhor da Saúde, propriedade da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia de Caldelas, foi edificada em 1819 e reconstruída em 1906.
Durante muito tempo, por se situar perto da igreja paroquial, a capela do Senhor da Saúde esteve habitualmente fechada e semi-esquecida do culto, abrindo--se apenas por ocasião de cerimónias especiais ou da visita de romeiros.
Em 1958 a capela do Senhor da Saúde foi remodelada e, a partir de então, começou a ser carinhosamente tratada, mantendo-se aberta ao longo do ano e todos os dias. Assim, reavivou-se a devoção ao Senhor da Saúde, retomou-se a tradição da sua festa anual e solene no primeiro domingo de Setembro, cresceu a afluência de romeiros que, de perto e de longe, trazem ao Senhor da Saúde os tradicionais cantos de oração e as suas promessas convertidas em cera, dinheiro e ouro.
c) A capela de Santo Ovídio
No topo do pitoresco lugar de Sernadela e numa plataforma natural da encosta situa-se a capela de Santo Ovídio. Trata-se de uma jóia simples e preciosa de estilo joanino.
É uma capela traçada em cruz de braços iguais e abobadada, com um belíssimo retábulo onde se enquadra a imagem do titular, Santo Ovídio, terceiro arcebispo de Braga, de mitra e báculo, em posição de abençoar.
Numa lápide frontal está gravada a seguinte inscrição, que identifica o fundador e assinala a data da construção:
Jose Alves de Azevedo, sargento-mor na Comarca das Minas Gerais do Rio das Mortes, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, natural da cidade de Braga, mandou fazer esta capela no ano de 1739. [Versão actualizada.]
Com a construção da actual capela desapareceu de todo a ermida primitiva que esteve na origem da devoção a Santo Ovídio no local e que não deixou qualquer vestígio.
Na evolução fonética do povo o nome erudito de Santo Ovídio deu o nome popular de «Sant'Ouvido».
É muito provável que a fonética popular de Sant'Ou-vido tenha influído, de algum modo, na origem da tradição que piedosamente confia à intercessão sobrenatural de Santo Ovídio todas as doenças dos ouvidos.
Ao longo do ano são frequentes os romeiros que sobem, em grupos, até à capela de Santo Ovídio para cumprirem promessas, oferecendo a «Sant'Ouvidinho» (invocação carinhosa e grata na piedade popular)
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dinheiro, velas e ouvidos de cera. O calendário bracarense celebra a festa de Santo Ovídio no dia 3 de Junho, e, quando o dia 3 recai em dia de semana, o povo festeja-o no domingo seguinte.
A partir da capela de Santo Ovídio o traçado da estrada contorna a encosta para atenuar o declive até alcançar a lomba que avança suavemente para o cume.
tí) A ermida de São Pedro Fins
No alto do monte há dois miradouros sobre largos e fascinantes horizontes que se completam harmoniosamente: o primeiro, mais elevado, com vista para nordeste e sul, localiza-se na calota onde assenta a ermida de São Pedro Fins; o segundo, em plano um pouco mais baixo, situa-se na muralha de rochas que limita a encosta do lado de Caldelas.
A ermida de São Pedro Fins foi reedificada em 1869 e é meeira, constituindo um marco divisório entre as freguesias de Caldelas e Caires.
Devido à sua posição desabrigada no cume do monte, a ermida sofria grandes estragos com o rigor dos ventos e das invernias, que lhe arrancavam as telhas, deterioravam as paredes e despedaçavam as portas, exponda-a à profanação dos pastores, que a transformavam, por vezes, em abrigo dos rebanhos. Foi por isso que, em 1950, os párocos de Caldelas e de Caires tomaram a iniciativa de cobrir a ermida com uma placa de cimento e de a fechar com portas revestidas de chapa de ferro. Estas obras tornaram a ermida mais pesada e fria, mas defendem-na eficazmente contra o ímpeto dos vendavais e contra o atropelo dos pastores.
A festa popular de São Pedro Fins celebra-se no primeiro domingo de Agosto.
D) Razões de ordem demográfica
É assim que neste anfiteatro natural o desenvolvimento de Caldelas se relaciona estreitamente com o sítio, a arquitectura e a história.
Porém, as termas de Caldelas têm-se desenvolvido extraordinariamente no tempo e no espaço: no tempo, sublinha-se o período desde 1882 até aos nossos dias, principalmente a partir de 1920; no espaço, assinala-se sobretudo o sucessivo melhoramento das instalações balneares até à sua modernização do presente, com a especialização e o aumento multiforme da indústria hoteleira.
Todo aquele desenvolvimento que entrou num ritmo mais acelarado com a construção do novo balneário de 1923 define um período distinto e importante na história das termas de Caldelas, a que fica bem o nome de Época Moderna.
Sem esquecer nem minimizar a iniciativa, a inteligência, a vontade e (por que não?) a audácia e o legítimo interesse dos homens (incluindo nestes expressamente a Empresa das Águas Minero-Medicinais de Caldelas e todos os que se dedicam à exploração da indústria hoteleira), convém sublinhar dois factores fundamentais, decisivos e concomitantes, um principal e outro derivado.
Factor principal: as próprias águas mineromedicinais com que a natureza privilegiou Caldelas e que sempre têm operado prodígios sucessivamente confirmados.
Factor derivado: a afluência de aquistas atraídos pelo nome, qualidade e eficácia das mesmas águas. A im-
portância decisiva deste factor salta aos olhos de um modo evidente na estatística das inscrições anuais. Por se tratar de elementos muito elucidativos e talvez insuficientemente conhecidos, transcrevem-se alguns números (com a devida vénia), os mais antigos do opúsculo Seis Anos em Caldelas, do Dr. Ortigão de Oliveira, ex--director clínico das termas, e dos relatórios do Dr. Fernando Ferreira. Senão, vejamos:
1892 | — | 638 inscrições; | |
1902 | — | 704 inscrições; | |
1912 | — | 1175 | inscrições; |
1922 | — | 2214 | inscrições; |
1932 | — | 1472 | inscrições; |
1942 | — | 2127 | inscrições; |
1952 | — | 2982 | inscrições; |
1962 | — | 4192 | inscrições; |
1979 | — | 7057 | inscrições; |
1980 | — | 7452 | inscrições; |
1981 | — | 7839 | inscrições; |
1982 | — | 7110 | inscrições; |
1983 | — | 6648 | inscrições; |
1984 | — | 6218 | inscrições; |
1985 | — | 6511 | inscrições. |
Vêm a propósito tais considerações, pois, quanto à demografia (exigência do artigo 12.° da Lei n.° U/82, de 2 de Junho), haverá neste caso específico que colocar em destaque, mais do que os cidadãos eleitores, «população flutuante» na época termal, que por norma ocorre entre Junho e Outubro de cada ano.
Nesta época, com todos os serviços a funcionar, o movimento das termas, segundo as estatisticas dos últimos anos, regista em média 7000 inscrições, 12 500 actos médicos e 98 000 tratamentos.
Se se considerar uma estimativa de 1985, possuía a povoação ao tempo 1120 habitantes. Se apenas nos limitarmos ao número de eleitores, em Dezembro de 1989, totalizavam os mesmos 965.
Mas que fique em destaque que tal facto não retira grandiosidade nem falta de dignidade a Caldelas para uma elevação que, por múltiplas razões (uma das quais de natureza histórica), inteiramente se justifica.
Senão, veja-se que o baixo índice demográfico do concelho de Amares deve ser levado em linha de conta. A própria vila, sede de concelho, composta por duas freguesias, é elucidativa: Amares com 747 e Ferreiros com 1654.
£) Razões de ordem socioeconómica
Como já foi referido, Caldelas é uma povoação rústico-urbana e estância termal da «Costa Verde», do Norte de Portugal, e, graças à sua localização, é centro obrigatório de passagem.
Por outro lado, a sua elevação a vila não contunde com quaisquer interesses paralelos de outras povoações que já tenham essa categoria, designadamente com os da sede do conselho.
Caldelas possui, para os efeitos da presente iniciativa legislativa, nomeadamente:
Posto de saúde; Farmácia; Casa do povo; Transportes públicos;
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Estação dos CTT; Estabelecimentos de hotelaria:
Dois hotéis (um com piscina e corte de ténis,
aberto ao público); Dez pensões; Quatro restaurantes; Vinte casas de hóspedes;
Padaria;
Pastelaria;
Dois talhos;
Seis cafés/snack-bares;
Estabelecimentos comerciais (diversos);
Estabelecimentos de ensino:
Preparatório (Telescola);
Primário;
Pré-primário;
Sede da Junta de Freguesia;
Igreja paroquial (patrono da freguesia: Santiago, cujas festividades se realizam a 25 de Julho);
Centro de fisioterapia (a funcionar durante
todo o ano); Piscina;
Parque infantil; Parque natural;
Posto de turismo aberto todo o ano; Capelas de São Pedro Fins e de Santo Ovídio (com excelentes vistas panorâmicas); Termas (Junho a Outubro), já descritas.
Assim, nos termos e para os efeitos da Lei n.° 11/82, de 2 de Junho, o deputado abaixo assinado tem a
honra de apresentar à Assembleia da República o seguinte projecto de lei:
Artigo único. A povoação de Caldelas, no concelho de Amares, é elevada à categoria de vila.
Assembleia da República, 14 de Novembro de 1991. — O Deputado do PSD, Alberto Cerqueira de Oliveira.
PROJECTO DE DELIBERAÇÃO N.° 1/VI
CONSTITUIÇÃO DAS COMISSÕES ESPECIALIZADAS PERMANENTES
Nos termos do n.° 1 do artigo 38.° do Regimento, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, proponho as seguintes comissões especializadas permanentes:
3.a — Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias;
4.a — Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação;
5.a — Defesa Nacional;
6.a — Administração do Território, Poder Local
e Ambiente; 7.a — Economia, Finanças e Plano; 8.a — Educação, Ciência e Cultura; 9.a — Saúde;
10.3 — Trabalho, Segurança Social e Família; 11." — Agricultura e Mar; 12.a — Equipamento Social; 13.a — Assuntos Europeus;
14.3 — Juventude.
Palácio de São Bento, 20 de Novembro de 1991. — O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.
PROJECTO DE DELIBERAÇÃO N.° 2/VO
FIXA 0 NÚMERO DE MEMBROS DE CADA COMISSÃO E A SUA DISTRIBUIÇÃO PELOS DIVERSOS PARTIDOS
Nos termos do n.° 3 do artigo 29.° do Regimento, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, proponho que o número de membros de cada comissão e a sua distribuição pelos diversos partidos seja a seguinte:
PSD | PS | PCP | CDS | Verdes | PSN | Total | |||
2." | 12 | 7 | 2 | 1 | 23 | ||||
3.» | — | Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias . . | 15 | 8 | 2 | 1 | 1 | 1 | 28 |
4.' | — | Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação | 15 | 8 | 2 | 1 | - | - | 26 |
5.' | — | 13 | 7 | 2 | 1 | 1 | - | 24 | |
6.a | — | Administração do Território, Poder Local e Ambiente...... | 15 | 8 | 2 | 1 | 1 | - | 27 |
7.a | — | Economia, Finanças e Plano.............................. | 15 | 8 | 2 | 1 | - | - | 26 |
8.a | — | 15 | 8 | 2 | I | 1 | - | 27 | |
9.3 | — | 12 | 7 | 2 | 1 | - | 1 | 23 | |
I0.a | — | Trabalho, Segurança Social e Família...................... | 15 | 8 | 2 | 1 | - | 1 | 27 |
11." | — | 13 | 7 | 2 | 1 | - | - | 23 | |
12.a | — | Equipamento Social...................................... | 13 | 7 | 2 | i | - | - | 23 |
13. ' | — | Assuntos Europeus....................................... | 13 | 7 | 2 | 1 | - | - | 23 |
14.a | — | 12 | 7 | 2 | 1 | - | 23 |
A l.a Comissão, de Regimento e Mandatos, passará a ter a seguinte composição:
PSD | PS | PCP | CDS | Verdes | PSN | Total | |
1.' — Regimento e Mandatos................................... | 15 | 8 | 2 | 1 | 1 | 1 | 28 |
Palácio de São Bento, 20 de Novembro de 1991. — O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.
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PROJECTO DE DELIBERAÇÃO N.° 3/V5
CONSTITUIÇÃO DE UMA COMISSÃO EVENTUAL PARA 0 ACOMPANHAMENTO DA SITUAÇÃO EM TIMOR LESTE
Os deputados abaixo assinados propõem, ao abrigo do disposto no artigo 40.° do Regimento da Assembleia da República, a constituição de uma Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, com a seguinte composição:
PSD — 15 deputados; PS — 8 deputados;
PCP — 2 deputados; CDS — 1 deputado; PEV — 1 deputado; PSN — 1 deputado.
Palácio de São Bento, 21 de Novembro de 1991. — Os Deputados: Domingos Duarte Lima (PSD) — Jaime Gama (PS) — Octávio Teixeira (PCP) — Narana Cois-soró (CDS) — José Pacheco Pereira (PSD) — Carlos Coelho (PSD) — Alberto Martins (PS) — Adriano Moreira (CDS) — João Amaral (PCP) — Armando Vara (PS).
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DIÁRld
ja Assembleia da República4
Depósito legal n.0 8819/85
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