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Sábado, 11 de Julho de 1992
II Série-A — Número 50
DIÁRIO
da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)
SUMÁRIO
Resolução («)*.
Aprovação, para adesão, do Protocolo ile Adesão ao Acordo Relativo à Supressão Grailual «las Controlos nas Fronteira.': Comuns, assinado em Schcngeii a 14 de Junlio Projectos dc Lei (n." 145/VI, 14fWI e 18R/VI a 191/VI): N.™ 145/VI—Prevenção e tratamento da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (V1H) e 146/Vl — Indemnização às vítimas de contagio por vírus de imunodeficiência humana (V1H) nu sequência de transfusão sanguínea: Parecer da Comissão de Saúde.................................... 99X N." 1HH/VI — Elevação da vila de Vale de Cambra à categoria de cidade (apresentado pelo PSD)................... 99K N." 189/V1 — Regula o carácter excepcional do regime do segredo de Estado (apresentado pelo PC.P)..................... 99X N." 1'XWl —Lei ilo Segredo de Estado (apresentado pelo CDS).................................................................................. 1000 N." I9I/VI,— Acesso ao ensino superior (apresentado pelo PS)..................................................................................... 1004 Projectos de resolução IN." 13/VI (ft) e 33/Vl]: N." 13/V1 — Alterações ao quadro de pessoal da Assembleia da República: Nova versão.................................................................. 1006 N." 33/V1 — Prevenção do consumo de droga no meio escolar e papel da escola na adopção de estilas de vida saudáveis (apresentado pelo PS) ...................................... lOfXi Projecto de dvliherução n." 35/Vl: Constituição da Comissão Permanente (apresentado pelo Presidente da Assembleia da República)......................... 1007 Ui) DaiLi :i sua cxlensliii, vem pilhlicuLi em suplemento a este iiriniero. {b) V. Di/jrin ii.* 27. ife 25 ife M»i;u ilc IM2.
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II SÉRIE - A — NÚMERO 50
PROJECTOS DE LEI N.os 145/VI E 146/VI
PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA INFECÇÃO PELO VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (VIH) E INDEMNIZAÇÃO ÁS VÍTIMAS DE CONTÁGIO POR VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (VIH) NA SEQUÊNCIA DE TRANSFUSÃO SANGUÍNEA, RESPECTIVAMENTE
Parecer da Comissão de Saúde
Ambos os projectos de lei têm em comum o síndroma da imunodeficiência adquirida, que é a forma mais grave de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana adquirida e que é um dos mais trágicos e temíveis acontecimentos de saúde dos últimos anos.
Desde a sua identificação, no início da década de 80, foram modificadas as condições de colheita de sangue, as indicações e modalidades de transfusão e higiene genú dos actos médicos, nomeadamente o uso de seringas e agulhas, tendo em vista a possibilidade de contágio pelo sangue.
Sendo uma infecção para a qual não existe, infelizmente, por ora, nem tratamento nem vacina, a prevenção, informação e educação têm um papel primordial.
O projecto de lei n." 146/VI prevê as indemnizações aos hemofílicos infectados. No entanto, não faz depender esse pagamento do estabelecimento da conexão causa/efeito, o que parece ser uma falta grave.
O projecto de lei n.u 145/VI, embora ponha em destaque a prevenção, é, em termos de articulado, redutor em relação ao que se já se faz neste momento no País por força de normas do Ministério da Saúde.
Embora com alguns pontos que deverão ser aperfeiçoados, de acordo com as .sugestf>e.s inerentes no presente relatório, consideramos, no entanto, que ambos os projectos de lei estarão em condições de subir a Plenário.
Palácio de São Bento, 8 de Julho de 1992. — O Deputado Relator, 'Fernando Andrade.
PROJECTO DE LEI N.s 188/VI
ELEVAÇÃO DA VILA DE VALE DE CAMBRA À CATEGORIA DE CIDADE
Vale de Gunbra é um concelho do interior do distrito de Aveiro que se tornou e tem vindo a afirmar como um importante pólo de desenvolvimento económico. Aí estão sediadas várias empresas, de diversos ramos de actividade, de dimensão verdadeiramente nacional e internacional, a par de muitos outros que cada vez mais se vão consolidando no âmbito dos seus mercados específicos.
A vila de Vc'de de Cambra, sede do concelho, situada ein pleno vale, é o seu centro populacionahneiite mais denso e nos últimos anos tem vindo a alargar-se em todas as direcções, pelo que o centro urbano se estende já às zonas mais baixas das freguesias de Castelões e Macieira de Cambra.
A vila está dotada de um centro de saúde onde funciona um serviço de atendimento permanente, três farmácias,
uma activa corporação de bombeiros instalada num moderno e adequado quartel, pensões, vários restaurantes e cafés, uma escola preparatória, uma escola secundária, escolas de ensino pré-primário, tribunal judicial, academia de música, instituto de línguas, centros comerciais e jardins públicos. Diversas associações de carácter desportivo, cultural e recreativo desenvolvem aí uma considerável actividade. Por outro lado, a área urbana, ein expansão crescente, apresenta um aglomerado populacional contínuo que respeita as exigências do artigo 13." da Lei n." U/82.
Estão, por isso, reunidas as condições legais mínimas requeridas para a elevação da vila de Vale de Cambra à categoria de cidade. É claro que quer a vila quer o concelho em geral apresentam carências da mais variada ordem — ausência de projectos integrados de desenvolvimento e falta de estruturas de apoio ao bem-estar social e cultural das populações —, mas julgamos que a atribuição do estatuto de cidade a Vale de Cambra constituirá mais um desafio à capacidade e à colaboração entre todos os valecambrenses no sentido de um constante reforço do seu peso económico ao lado do seu desenvolvimento sócio-cultuml.
Assim, nos lermos da Lei n." 11/82, de 2 de Junho, apresento o seguinte projecto de lei:
Artigo único
A vila de Vale de Cambra, no concelho de Vale de Cambra, é elevada à categoria de cidade.
O Deputado do PSD, Adérilo Campos.
PROJECTO DE LEI N.e 189/VI
REGULA 0 CARÁCTER EXCEPCIONAL DO REGIME DO SEGREDO DE ESTADO
Preparando-se a Assembleia da República para discutir, uma vez mais, o regime do segredo de Estado não podia o Partido Comunista Português deixar de contribuir com uma iniciativa legislativa.
Impõe-se a consagração de u/n quadro legal sobre o regime do segredo dc Estado, escorado nos princípios da Constituição e no respeito pela potenciação de uma democracia aberta, responsável e transparente.
Não é hoje admissível que, em nome do segredo de Estado, ademais com os difusos contornos de que certos discursos, como o do PSD, o revestem, se intente restringir direitos elementares dos cidadãos tio acesso a informações e documentação necessárias a um correcto acompanhamento da vida pública, em todas as suas vertentes.
Muito pelo contrário, imporia garantir e fazer progredir a transparência da Administração, bem como do corrente operar da rei publicae. Impõe-se, por isso, a prescrição de cuidadas restrições à lógica omnívora de uma concepção de segredo de Estado que favoreça a opacidade.
Identificando, com rigor, as informações, documentos e objectos a proteger, enfatiza-se o carácter excepcional do regime delineado para o segredo de Estado, assim como a relevância da existência de instâncias de controlo da sua exequibilidade.
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O Partido Comunista Português visa, no essencial, contrariar a vulgarização do recurso ao segredo de Estado e a sua preversa instrumentalização, para o que escreve normas sustentadas pelos valores fundamentais da ordem jurídico-consiiiucional e do Estado tlemt>erátieo em que vivemos.
Nestes termos, os Deputados ab;iixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1."
Princípios gerais
0 regime do segredo de Estado é definido pela presente lei e obedece aos princípios da excepcionalidade, subsidariedade, necessidade, adequação, proporeioiitil idade, publicidade, tempestividade e ao dever de fundamentação.
Artigo 2."
Excepcionalidade
1 — Os órgãos de Estado e da Administração Pública estão subordinados ao princípio impreterível da publicidade dos actos.
2 — Excepcionam-se matérias cujo conteúdo, nos termos constitucionais e legais, constituam segredo de Estado.
3 — A invocação do segredo de Estado não pode servir qualquer violação da ordem democrática, da Constituição da República e das leis.
Artigo 3." Matéria* .secretas ou confidenciais
São consideradas matérias secretas ou confidenciais parti o efeito do disposto no artigo 82.", n." 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aquelas que forem classificadas como segredo de Estado ao abrigo do presente diploma.
Artigo 4."
Competências dos órgãos de soberania
A aplicação do regime nesta lei previsto não pode opor--se ao exercício das competências dos órgãos de .soberania, designadamente dos tribunais, pôr em causa a sua separação e interdependência ou restringir o acesso a toda a informação que lhes respeite, nos termos da Constituição e através dos mecanismos apropriados.
Artigo 5."
Suhsidurifdade
1 — As normas sobre segredo de Estado apenas se aplicam nos casos em que os objectivos a salvaguardar não possam realizar-se mediante outros regimes legais de acesso a informações e documentos na posse de entidades públicas, nomeadamente a que integra diplomas respeitantes ao segredo de justiça, à administração aberta e ao segredo militar, científico e técnico, bancário, comercial e industrial.
2 — A protecção de informações de índole científica e técnica, financeira, comercial e industrial, tal como a •atinente à segurança e funcionalidade das Forças Armadas e das Forças de Segurança ou à investigação criminal, é garantida pela legislação prevista no número anterior.
Artigo 6."
Âmbito
Só podem constituir matéria de segredo de Estado as informações, documentos e objectos cujo conhecimento e cuja divulgação sejam susceptíveis de causar grave dano ã ordem jurídica constitucional, à independência e ã segurança externa e interna do Estado democrático.
Artigo 7°
Processo penal
1 — O segredo de Estado, no âmbito do processo penal, rege-se por lei própria.
2 — As informações e ou elementos probatórios indiciários de crimes praticados, tentados ou em preparação, não são ahmngíveis pelo regime do segredo de Estado.
Artigo 8."
Competência pura u classificação
A classificação de informação, documentos ou objectos que constituam segredo de Estado deve ser protegida com essa menção e é da competência do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República e do Primeiro-Ministro, nos lermos e limites das respectivas atribuições.
Artigo 9."
Proposta de classificação
1 — A classificação prevista no artigo anterior pode ser proposta às entidades competentes pelos Ministros, pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, pelos Chefes dos Eslados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas, pelos presidentes dos Governos Regionais, pelo Governador de Macau e pelos directores dos Serviços de Informações da República, no âmbito das suas atribuições.
2 — As entidades a que se alude no número anterior podem, no entanto, por razões de urgência fundamentadas, proceder à classificação provisória de informações, por um prazt) máximo de quarenta e oito horas.
Artigo 10."
Proibição dc delegação
As competências conferidas no âmbito dos artigos 8." e 9." da presente lei são insusceptíveis de delegação.
Artigo 11."
Dever de fundamentação
1 — A classificação das matérias sujeitas a segredo de Estado carece de fundamentação e publicitação, devendo ser tempestiva e pautar-se pelos princípios do mínimo
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necessário, üa adequação e da proporcionalidade dos objectivos a proteger.
2 — A classificação deve ser expressamente fundamentada e deve conter a indicação dos interesses que visa defender e das circunstâncias que a motivam.
Artigo 12." Desclassificação
1 — As informações, objectos ou documentos sob segredo de Estado podem ser a todo o tempo desclassificados pela entidade com competência para a classificação.
2 — No acto de desclassificação devem ser indicados os motivos que a justificam ou a alteração das circunstâncias que tenham determinado a sua classificação como segredo de Estado.
Artigo 13."
Caducidade
1 — A classificação de quaisquer informações, objectos e documentos como segredo de Estado caduca automaticamente se decorridos três anos não tiver, sido expressamente renovada pela entidade competente.
2 — À renovação aplicam-se as regras de fundamentação estabelecidas para o processo de classificação.
Artigo 14."
Dever de informação
1 — A Assembleia da República deve ser regularmente informada sobre a classificação de quaisquer matérias como segredo de Estado e da respectiva fundamentação.
2 — Para efectivação do disposto no número anterior, as entidades competentes enviarão semestralmente ã Assembleia da República a lista das informações, documentos ou objectos cujo acesso tenha sido vedado nos termos da presente lei.
Artigo 15."
Competências da Assembleia da República
O disposto na presente lei não pode prejudicar o exercício das competências próprias da Assembleia da República nem os poderes dos deputados estabelecidos na Constituição e na lei.
Artigo 16."
Adaptação regimentul
0 regimento da Assembleia da República estabelecerá os mecanismos adequados à concretização do disposto nos artigos 14." e 15." por forma a salvaguardar o necessário sigilo em relação ás matérias sob segredo de Estado.
Artigo 17."
Acesso
1 — O acesso a quaisquer informações, objectos e documentos sob segredo de Estado é limitado as entidades que deles devam ter conhecimento e às que no exercício das suas funções tenham para tal obtido autorização prévia.
2 — A autorização a que se refere o número anterior é concedida pela entidade que procedeu â classificação.
3 — As entidades autorizadas a aceder a matérias sob segredo de Estado ficam sujeitas ao dever de sigi/o.
Artigo 18."
Legislação especial
Serão objecto de legislação especial:
a) Os regimes penal e disciplinar aplicáveis à violação
do segredo de Estado; /;) As garantias de preservação e segurança das
informações, objectos e documentos sujeitos ao
regime do segredo de Estado.
Assembleia da República, 7 de Julho de 1992. — Os Deputados do PCP: João Amaral—Octávio Teixeira — Jerónimo de Sousa — António Filipe — Lino de Carvalho.
PROJECTO DE LEI N.2 190/VI LEI DO SEGREDO DE ESTADO
Exposição de motivos
1 —No pressuposto de que o princípio da divisão de poderes é geralmente aceite como fundamental na organização constitucional do Estado Naturalmente conviria adoptar um conceito operacional básico, ainda que não muito enriquecido de elementos, para apreciar as implicações respectivas. Talvez sirva, para abrir uma meditação que entre nós apenas começa, e atendendo sobretudo à prática do Ancien Regime, considerar que o segredo de Estado abrange os factos e procedimentos do poder político e das suas estruturas auxiliares, que apenas podem ser do conhecimento de uin círculo formalmente delimitado de agentes e que o alargamento do círculo referido, proveniente de acção interna ou externa ao mesmo, é ilegal. Ocorre imediatamente lembrar a graduação da gravidade do ilícito, que a experiência mostra consagrada, mas trata--se de uma questão secundária de valoração que não parece afectar aquilo que há de importante no problema, o qual a evolução internacional vai mostrando ser agudo. Por outro lado, talvez seja oportuno recordar que se o modelo do Estado racional-normativo diversificou a questão do segredo de Estado em relação com o princípio da divisão dos poderes, não modificou a circunstância permanente de que é tipicamente uma questão do Executivo, seja qual for o regime. O princípio da legalidade, que não admite o poder político absolto da lei, e que fez nascer um novo capítulo da ciência política, ainda mal aprofundado, que é o da clandestinidade do Estado, uma prática à qua\ TtervWwv pode dizer-se alheio, criou uma nova faceta da questão do segredo de Estado: a que se traduz em que ele próprio é
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susceptível de constituir um facto ilícito em relação ao ordenamento jurídico vigente.
Seja qual for o regime, histórico ou vigente, o problema do segredo de Estado levanta pelo menos as questões de saber: se é uma categoria admissível; se, em caso afirmativo, é possível uma definição material ou apenas formal dela; se, sendo ou não possível a formulação legal de um conceito básico, também é necessário identificar formalmente os suportes dos órgãos públicos que exclusivamente tenham competência para lhe definir concretamente o âmbito; quem, ou que órgãos, mesmo sem acesso ao segredo de Estado, devem ter acesso, como diz algures um autor, ao conhecimento do lugar do segredo; em que circunstâncias terminará o regime do segredo de Estado, por meio de que iniciativas e com que efeito na avaliação política, e eventualmente jurídica, do processo finalmente tornado público.
2— Apenas com o intuito de tomar saliente que o princípio da divisão dos poderes diversificou as questões ligadas ao segredo de Estado, lembramos que as Ordenações, no título viu do 5." livro, estabeleciam o seguinte: «Qualquer, que abrir nossa carta, assinada por nós, em que se contenham coisas de segredo, que especialmente pertençam à guarda da nossa pessoa, ou Estado, ou da Rainha minha mulher, ou do Príncipe meu filho, ou à guarda e defensão de nossos Reinos, e descobrir o segredo dela, do que a Nós poderá vir algum prejuízo, ou desserviço, mandamos que morra por isso.»
A disciplina continuava, com dispositivos severos e hipóteses várias predominantemente exemplificativas, e Pereira e Sousa no seu Classes dos Crimes (1830), anotava secamente que «aquele que de propósito as abre, e descubra o segredo delas, é reputado traidor, e incorre por isso na pena de morte».
Daqui resulta que o valor em causa é o da lealdade, geralmente definida como um sentimento, e correspondente atitude, de adesão a um valor exterior ao próprio, um chefe, uma comunidade, uina instituição, uma causa ou concepção do futuro. No caso, trata-se da lealdade política, que nos clássicos Platão, Aristóteles, Tucídides e Plutarco era a mais valorada das virtudes políticas em relação à cidade.
Pelo contrário, nos primeiros eseritores cristãos a lealdade mais louvada dirigia-se à Igreja e à fé e, até ao aparecimento dos Estados modernos, esse valor parecer fer--se mantido sempre presente na disputa com a lealdade ao poder político, pelo que teve muito de blasfémia a afirmação de Maquiavel sobre a necessidade de, por imperativo da moral de responsabilidade, perder a alma para salvar o Estado. Mas foi esta linha que se afirmou, sobretudo a partir do século xvm, com a fórmula de Rousseau, Religião Civil (Contrato Social, liv. 4, cap. 8), preenchida esta, variavelmente, com os conceitos de nação, povo, taça, classe, chefe, e assim por diante, inas sempre política. O Estado é a fórmula mais vasta que cobre ttxlas as variantes da raiz fundamenud da lealdade política em questão, e o segredo de EsUido faz-lhe apelo em termos de. a pretender acrítica, porque o acesso ao conhecimento dos interesses e procedimentos fica reservado a poucos, mas ela é exigida a todos.
A questão da divisão dos poderes, tendo em vista abolir a possibilidade do despotismo, não ignorou, antes de a engenharia social se transformar numa ciência aplicada, que o saber secreto e exclusivo é um elemento importante da capacidade de domínio do poder instalado, que a clandestinidade do Estado é favorecida pelo segredo, que
a arbitrariedade na definição dos limites do acesso ger.il ao conhecimento dos negócios públicos e a sua fiscalização faz perigar os direitos, liberdades e garantias, e até a paz civil e a paz internacional.
Com, pelo menos, mais a circunstância de que a evolução das sociedades avançadas implicou a diversificação das lealdades, que são múltiplas e por vezes contraditórias, sendo por isso frequentes, embora menos limitados às literárias consequências, os dramas de Abraão e Isaac ou Antígona. Nas épocas de crise política, stK±d e económica, a questão das lealdades múltiplas torna-se mais aguda, e os Estados, como foi observado, tendem para confundir lealdade com submissão e deslealdade com crítica.
Numa época em que tudo se internacionalizou, e a interdependência é a regra da estrutura mundial, também nos sistemas políticos, que não podem sobreviver sem lealdade, ttxlavia frequentemente se instala a ambiguidade: lealdade à nação, lealdade ao governo, lealdade à identidade nacional, lealdade ao partido, lealdade à missão adoptadas, lealdade aos dirigentes? A estrutura política conta com uma delas, e o segredo de Estado, instrumento do Governo, entre outras condicionantes, não pode deixar de ter em conta este fenómeno crescente e presente das lealdades múltiplas, que coloca os interesses que reputa fundamentais perante a ameaça de lealdades aferidas por valores diferentes.
3 — O Estado racional-normativo ocidental pareceu ter encontrado solução para este problema nos domínios do legislativo e do judicial. O princípio da estrita legalidade, a publicidade das leis e todos os axiomas que rodearam o processo legislativo não imaginou que as leis secretas pudessem voltar a ser um instrumento de governo despótico, como aconteceu com o nacional-socialismo alemão. Assim como processo contraditório e público, a definição clara e observada do segredo judicial excluíram a questão do âmbito do judiciário, sem terem evitado que regimes, como o soviético, reintroduzissem o processo inquisitório, administrativo e secreto. Ainda, noutros casos, voltaram ao princípio do Estado absolto das leis positivas ou da ética que o transcende, e a questão do segredo de Estado perde-se na catástrofe do Estado de direito.
Para este, que é o intxlelo ocidental, a questão, resolvida nos domínios do legislativo e do judicial, manteve-se sempre viva naquilo que respeita ao Executivo. Com ou sem agudeza, visto o fenómeno das lealdades múltiplas, em épocas sempre equivocadamente qualificadas de normalidade, ou para enfrentar as crises, pode o Executivo desempenhar-se das suas responsabilidades sem um regime definido de segredo de Eslado?
Sobretudo, as exigências do Estado democrático, representativo ou plebiscitario, ptxlem ser compatíveis com essa restrição ao saber da parte dos todos que devem intervir na governação e para os quais a governação existe?
Podemos partir destas palavras do venerado Alexandre Hamilton, nos documentos federais: «Energia no executivo é a característica principal de um bom governo.» Mas em que medida está essa energia, que aqui significa mais seguramente eficácia dependente do segredo de Eslado num governo do povo, pelo povo e para o povo? E em que medida tal regime, se necessário, deixa em pleno vigor o sentido destas palavras do senador Sam Ervin, nos dias não muitt) afastados do famoso Watergate: «Uma das grandes vantagens de possuir três corpos separados de governo é que é difícil corromper os três ao mesmo tempo?» A clandestinidade do Estado e a violação da
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estrita legalidade aparecem documenladainente como um risco do segredo. A questão é então a de saber se pode ser calculada a medida do risco e estabelecer mecanismos que limitem, nesse caso, a área do eventual desastre dos princípios.
4 — Uma das maiores dificuldades, talvez a maior, de conciliação entre as exigências dos factos, que também são normativos, e os princípios da legalidade do governo, legalidade da administração e legalidade dos procedimentos, com as necessárias fiscalização e transparência, disse sempre respeito às relações internacionais.
O Estado nacional, que encontra um agente paradigmático em Richelieu, com os seus exércitos permanentes, diplomatas profissionais e luta pela expansão territorial e formação de impérios, não pôde deixar de utilizar o segredo de Estado e os serviços de informação que, sob Frederico da Prússia e Bismark, se transformaram em função essencial dos Estados-Maiores.
Também neste domínio foi no campo do legislativo que se verificou uma reacção limitadora, à medida que crescia a interdependência mundial, porque a cadeia desconhecida de tratados secretos entre as potências foi diagnosticada como um factor de guerra também em cadeia, imprevisível pela comunidade internacional e pelos restantes órgãos internos do poder político. Como nota Lauterpacht, a generalizada inquietação provocada durante a 1." Guerra Mundial pela publicação de um número de tratados secretos encontrou expressão no artigo 18 do Pacto da Sociedade das Nações, que estabeleceu o seguinte: «Qualquer tratado ou compromisso internacional de qualquer membros da Liga deve ser imediatamente registado no Secretariado e deve, tão cedo quanto possível, ser por este publicado. Nenhum tratado ou compromisso internacional será obrigatório até ao registo.» (Internacional Law, 1948, p. 825.)
O princípio não linha apoio em mecanismos que assegurassem a sua efectividade, a prática pode ter sido limitada mas continuou, e também, embora em vigor, não dispensava os serviços de informação política e militar, cuja missão principal é valorar os dados sobre a capacidade e intensões dos governos estrangeiros, ou sobre áreas em que os governos podem ter interesses estratégicos, e sobre as relações internacionais em geral, com necessária intervenção do segredo.
Depois da 2." Guerra Mundial, de novo a Caria das Nações Unidas, no artigo 102, voltou a estabelecer a necessidade do registo e da publicidade, para evitar os tratados secretos, e a própria Assembleia Geral, em 14 de Dezembro de 1946, adoptou o regulamento complementar para tal efeito. (Mc Nair, Law of treaties, 1961, p. 185.) Que a prática tenha desaparecido não é de crer, que os serviços de informação foram sofisticados depois da paz é notório, e a questão do segredo de Estado tomou-se mais aguda, afectando a regra do equilíbrio dos poderes políticos internos. Com breve notícia sobre alguns deles, ptxleremos tomar os EUA como exemplo, no sentido de referência para meditação.
5— Já depois da 1." Guerra Mundial, e com o aparecimento dos regimes totalitários ou autoritários, e os seus projectos expansionistas, se multiplicaram os serviços de informação e contra-informação, que começaram a chamar a atenção de cientistas sociais como Daugherty e Janwitz (1983) e Jones (1947), que são herdeiros das
experiências que se iniciam, sistematicamente, depois do Tratado de Veslelália de 1648.
Mas foi sobretudo depois da 2." Guerra Mundial que se criaram numerosos serviços de informação militar e política, com acrescentamento das áreas científicas e tecnológicas, de importância crescente à medida que os exércitos se transformam de artesanais em exércitos de laboratório, e as guerras mudam para existenciais. Autonomizaram-se três áreas, a informação exterior, a contra-espionagem e as funções de segurança interna, também ao mesmo tempo que perde nitidez a clássica distinção entre problemas internos, internacionalmente relevantes e internacionais.
Alguns países, como a Inglaterra (M1.6-M1.5) conseguiram manter uma discreta organização da qual nem o Parlamento recebe informação, e o Defence Intelligence Staff depende do Ministério da Defesa. Quanto à França, Itália, China, Japão e Canadá não se conhecem muitos dados fiáveis. É por isso que tem maior interesse pedagógico o caso dos EUA, onde as coisas estão mais subordinadas à definição legal exterior, onde vigora o poder da fiscalização dos meios de comunicação social, que tem um regime que se baseia na divisão dos poderes e seu equilíbrio, onde a Declaração de Direitos de Filadélfia é um património nacional, mas onde lambem é público que o secretismo não pode ser dispensado pelo executivo.
Depois da última grande guerra, e após intensa discussão pública, os ELIA resolveram planificar os serviços de informação, c publicaram o National Security Act de 1947, que criou a Central Intelligence Agency (CIA), que preside a uma «Comunidade de Serviços de Informação» formada por uma pluralidade de unidades, e cujo chefe é o principal conselheiro do presidente do Conselho Nacional de Segurança, o qual, por sua vez, fornece ao governo as directrizes sobre a informação: a DIA (Defence Intelligence Agency), adstrita ao Estado-Maior, a NSA (National Security Agency) encarregada de decifrar cifras, de vigilância electrónica-intenincional e das comunicações entre os serviços de informação, o BIRD (Bureau of Intelligence and Research da Secretaria de Estado), os serviços da Comissão de Energia Atómica, e o FBI (FederaiBureau of Investigation) que se ocupa dos serviços internos cie contra-espionagem, estão subordinados ao Intelligence Board dos EUA, que o chefe da CIA preside com excepção dos serviços das forças armadas, competindo-lhe aprovar os «projectos dos serviços nacionais de informação», a submeter ao Conselho Nacional de Segurança, a que preside o presidente dos EUA.
Este complexo sistema, que parece querer concentrar o poder do saber secreto no próprio Presiutwvt vkv República, Chefe do Executivo, faz surgir todos os problemas inerentes ao segredo de Estado em relação com ' o regime constitucional, e por isso o caso dos EUA, em vista da publicidade frequente dos usos e abusos de tal segredo, parece o mais rico de ensinamentos para a reflexão.
Finalmente, a multiplicação dos poderes erráticos, para os quais o segredo da acção c <\ regra, e a publicidade uSx apenas respeito aos terríveis resultados, mais o terrorismo de Estado que está a reforçar a variável do medo na estrutura ocidental, não podem deixar de apelar para o
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segredo da defensiva, esta mesmo obrigada à cooperação internacional sem publicidade.
6 — Podemos alinhar, para efeitos da justificação deste projecto de lei do segredo de Estado, os seguintes pontos:
a) O regime do segredo de Estado não implica, por si mesmo, qualquer desvio do princípio da estrita legalidade na marcha do Governo e da Administração;
/;) Limitando o acesso ao conhecimento dos factos e dos processos, condiciona negativamente as intervenções fiscalizadora e correctoras dos órgãos aos quais compete, legal e politicamente, esta função;
t) A internacionalização e interdependência crescente dos Estados também implicam que a variável da política internacional se desenvolva, com maior intensidade que anteriormente, no sentido de desenvolver o secretismo da acção do poder político nesse domínio;
ei) O mesmo se verifica no âmbito da defesa, domínio tradicional do secretismo do Estado, quer pela paz ambígua da situação internacional quer em resultado do método da defesa organizada, que não consentem, por natureza, uma publicidade aberta dos seus objectivos e procedimentos;
e) Os mesmos fenómenos de internacionalização e interdependência, também evidentes entre as formações políticas e as organizações da sociedade civil, tornaram excepcionalmente relevante, sobretudo nas sociedades industrializadas, afluentes e de consumo, o fenómeno das fidelidades múltiplas que frequentemente afecta a eficácia do executivo, muito evidentemente tios domínios da defesa e da alta tecnologia;
f) A experiência das democracias estabilizadas ocidentais, mostra que, mantendo-se embora a definição formal constitucional, todavia o equilíbrio dos poderes é afectado por aqueles factores e pelo secretismo consequente, permitindo a clandestinidade do Estado e o desvio eventual da legalidade, porque o saber secreto é um componente importante do ptxler político;
g) A degenerescência do poder é favorecida pelo secretismo, e princípios fundamentais, como a estrita legalidade, o equilíbrio dos poderes e a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias, perigam eventualmente;
li) Uma lei que regule o segredo de Estado é necessária, mas nada substitui o sentido da responsabilidade e a vinculação à moral de responsabilidade dos detentores do ptxler.
7 — Na limitada experiência do regime português vigente, onde as responsabilidades internacionais têm uma medida apropriada às circunstâncias reais do País, talvez devêssemos sublinhar os seguintes pontos:
a) A simples falta de informação sobre os negócios correntes, e que é devida ao eleitorado e aos legais representantes, tende para tomar inseguros e não realistas os seus juízos e decisões;
b) Favorece o aparecimento do poder que resulta do saber secreto, o qual é favorecido pelos gabinetes restritos, pela f;tlta de actas dos órgãos políticos, pela simplificação do poder normativo- do executivo;
c) A liberdade de escolha pelo executivo das perguntas às quais deve responder aos parlamentares define factualmente um secretismo sem regras, pondo de lado as regulamentações derivadas das obrigações militares internacionais, domínio onde as regras não são ditadas pela soberania isolada.
8 — Por tudo, parece que o segredo de Estado não é dispensável, mas que o seu âmbito, duração, fiscalização e preservaçãt) contra o desenvolvimento daquilo que os clássicos chamavam os defeitos das virtudes devem ter uma definição legal de referência.
Que esta, como sublinhamos e a experiência conhecida das potências comprova, não substitui o sentido da responsabilidade e a vinculação à moral da responsabilidade, parece indiscutível.
Que a complexidade e a velocidade da mudança das conjunturas torna difícil enumerar taxativamente, e por matérias, os domínios em que o segredo de Estado pode vigorar também exige ponderação, e o melhor remédio parece ser vincular a decisão e identificação do caso concreto que o determina. Basta então o caminho intermédio de identificar os órgãos com capacidade de decidir a aplicação do regime, a sua duração e a oportunidade da revelação, e não parece que ofereça dificuldades qutuido a legitimidade dos responsáveis políticos esteja assegurada e a subordinação dos instrumentos de intervenção ao poder instituído esteja normalizada, na base de um .sentimento de fidelidade comum ao interesse geral, para além das divergências pluralistas e das fidelidades múltiplas.
. Nestes termos, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do CDS apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1."
0 regime do segredo de Estado previsto na presente lei é excepcional e não prejudica nem altera os regimes especiais relativos h informação sobre matérias específicas, designadamente os que regulam a investigação policial e criminal e competência do ptxler judicial, segurança e defesa nacional, ou as matérias respeitantes ao sistema de informação da República Portuguesa.
Artigo 2."
1 —Só poderão ficar abrangidos pelo regime do segredo de Estadt) lacios, documentos que se lhe retiram ou actos concretos dos agentes do Estado cuja divulgação não autorizada seja susceptível de -causar dano irreparável à integridade dos interesses fundamentais do Estado Português e à manutenção da ordem pública.
2 — O segredo de Estado apenas protege processos identificados pelo seu objecto, e nunca é aplicável a áreas abstractamente definidas.
Artigo 3."
1 — A qualificação da matéria como segredo de Estado apenas pode ser feita pelo Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Minisüo e presidentes dos Governos Regionais, de acordo com as respectivas atribuições.
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2 — A competência prevista no número anterior refere--se aos Ululares dos cargos respectivos, ou aos seus substitutos legais, mas não é delegável.
Artigo 4.°
1 — A classificação da matéria como segredo de Eslado deve ser fundamentada, com menção expressa dos interesses que visa salvaguardar, os danos que se procuram evitar e a duração do regime.
2 — O prazo de duração previsto anterior ptxlerá ser prorrogado mediante nova fundamentação, caducando no seu termo.
Artigo 5."
1 — Qualquer funcionário, civil ou militar, com funções de decisão ou informação rxxk qualificar de «reservado» um documento, dando imediato conhecimento ao seu superior hierárquico que providenciará para que as entidades enumeradas no artigo 3." tomem a decisão sobre a classificação da matéria como segredo de Estado.
2 — A classificação de «reservado» diz apenas respeito ao sigilo profissional, de acordo com o estaluto da função pública.
3 — Os dtKumentos «reservados» ou considerados como contendo matéria de segredo de Estado devem ser objecto de adequadas medidas de protecção contra acções de sabotagem ou fugas de informação ou divulgação não permitida.
Artigo 6."
1 — As entidades referidas no artigo 3." determinarão, caso a caso, as pessoas que podem tomar conhecimento das matérias consideradas como segredo de Estado, exercendo o dever de vigilância sobre o seu conhecimento e utilização.
2 — Qualquer pessoa que tenha adquirido acesso em matéria de segredo de Estado, nos termos do número anterior, está vinculada ao dever de sigilo, mesmo após o termo do exercício das suas funções.
Artigo 7."
Sempre que e/n cumprimento do estatuto da oposição os responsáveis dos partidos políticos tomem conhecimento de qualquer matéria de segredo de Estado, ficam obrigados ao sigilo nos mesmos termos do artigo anterior.
Artigo 8."
A violação do segredo de Estado ou de reserva dos documentos constitui violação disciplinar grave e crime a definir pela lei penal, a qual preverá regime diferenciado para os violadores conforme se trate de pesstias sujeitas ou não ao dever de sigilo.
Artigo 9°
A Assembleia da República fiscaliza, nos termos da Constituição e do seu Regimento, o regime do segredo de Estado.
Artigo 10."
Principi» da administração aberta
1 — Caducando o regime do segredo de Estado, os particulares que demonstrem interesse legítimo lêm direito
de acesso aos arquivos e registos adininistrativos, mesmo que não se encontre e/n curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito.
2 — O acesso aos arquivos e registos adininistrativos far--se-á em regra mediante a passagem de certidões ou totocópias autenticadas dos elementos que os integram, sendo possível a consulta directa dos documentos arquivados ou registados quando a lei a permita ou quando o órgão competente a autorize.
3 — A consulta directa ou a passagem de certidões ou fotocópias devem ser asseguradas aos interessados no prazo máximo de 10 dias.
Lisboa, 6 de Julho de 1992. — Os Deputados do CDS, Adriano Moreira -r- Naraná Coissoró— Nogueira de Brito.
PROJECTO DE LEI N.B 191/VI
ACESSO AO ENSINO SUPERIOR
Exposição de motivos
Depois de quase duas décadas de aplicação do numerus clausus, não foi feila a avaliação das consequências daquele mecanismo na qualidade do ensino e da investigação.
O numerus clausus surge como que um dispositivo para colmatar as insuficiências estruturais dos estabelecimentos universitários.
A existência do numerus clausus cria inúmeras dificuldades aos jovens que terminam o 12." ano, agravadas pela ausência de critérios claros na selecção dos candidatos.
A informação dos candidatos e sua família é insuficiente e tardiamente divulgada, aumentando a injustiça do sistema de acesso em vigor.
A célebre PGA, tida como instrumento de «medida» da «maturidade» e das «capacidades de expressão» dos candidatos, criou as maiores injustiças e agravou as desigualdades no acesso ao ensino superior. Causou as maiores perturbações no sistema de ensino de que há memória no Portugal democratice). E só foi possível pela ausência de estudos, análises e avaliação das transformações sociais e económicas cxmrridas nos últimos 20 anos e das suas consequências no meio universitário.
O vazio informativo a esse respeito mantém-se. Paradoxalmente, multiplicam-se as escolas de ensino superior privado, que têm visto os seus cursos reconhecidos sem critérios de rigor e qualidade. O numerus clausus e o aumento da procura, alimentada com os excluída do sistema público, têm favorecido o crescimento anárquico do ensino superior p;irlicular e cooperativo.
A criação de condições dc igualdade no acesso ao ensino superior relaciona-se também com esta oferta do ensino privado. Sem a garantia de critérios de rigor e qualidade no seu licenciamento, estas escolas potenciam reduzidas possibilidades de saídas profissionais para os seus formandos, ampliando, desse truxlo, as desigualdades sociais.
Os problemas que o acesso ao ensino superior coloca, exigem igualmente um exame aprofundado das taxas de
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sucesso e de repetência nas universidades, da sua qualidade pedagógica, científica e da sua eficácia.
Entretanto, é necessário pôr termo as situações injustas e arbitrarias que os diferentes regimes de acesso ao ensino superior têm originado e corrigir as disfunções conhecidas, por forma a atingir os seguintes objectivos:
Aumentar a capacidade de acesso ao ensino superior aos alunos que concluem o ensino secundário;
Favorecer melhores oportunidades para aqueles que, ao longo da sua vida, decidam ingressar ou reingressar no ensino superior,
Garantir a estabilidade de critérios e transparência nos processos de selecção;
Pennitir a transformação da vida escolar no ensino secundário, através da valorização de actividades de âmbito cultural, científico, desportivo e cívico, por forma a promover o desenvolvimento e a individualidade dos alunos e o respeito pela sua personalidade e opções;
Aumentar a qualidade e a justiça no sistema de avaliação do ensino secundário, designadamente criando as condições favoráveis a uma maior igualdade de critérios entre estabelecimentos de ensino.
O acesso ao ensino superior far-se-á de acordo com os elementos constantes de um processo de candidatura que incluirá os percursos escolares nos anos terminais, através das notas finais de cada ano; provas nacionais sobre saberes e competências trabalhadas no ciclo terminal e provas específicas da responsabilidade do ensino superior.
As provas nacionais contribuirão para garantir uma maior igualdade de critérios na avaliação.
A conclusão das provas nacionais conferirá um diploma de estudos secundários que facilitará a inserção profissional dos que não prosseguirem os estudos e facilitará o acesso ao ensino superior de segunda oportunidade.
A seriação dos candidatos ao ensino superior far-se-á de acordo com os critérios de avaliação dos elementos constantes do processo de candidatura, valorizando devidamente o percurso do aluno no ensino secundário.
Com vista a corrigir situações de injustiça que se têm verificado, serão reformulados os contingentes especiais de acesso ao ensino superior.
O ensino superior de segunda oportunidade será desenvolvido, por forma a estimular o reingresso de alunos que o abandonaram antes de o terem concluído, bem como de alunos que nele não puderam ingressar na idade escolar normal.
É.abolido o actual regime de'ncesso ao ensino superior, designadamente a PGA.
Nestes termos,- ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1."
Orientação e informava» escolar e profissional
1 — É constituído nas escolas dos ensinos básico e secundário um gabinete de orientação e informação escolar e profissional que desenvolva nos alunos a capacidade p;tra fazerem opções e serem protagonistas do seu próprio futuro.
2 — As famílias receberão igualmente informação e apoio para a orientação dos seus educandos.
3 — Na informação fornecida a alunos e famílias constarão índices estatísticos sobre o mercado de emprego no País e informação detalhada das características dos vários cursos que se oferecem â opção dos jovens.
Artigo 2.u.
Desenvolvimento do ensino superior público
0 Governo implementará um programa que preveja de forma quantificada e escalonada no tempo o desenvolvimento do ensino superior público de forma a abolir o numerux cUiu.sus, a fim de garantir a efectividade do direito de acesso ao ensino superior.
Artigo 3." Acesso ao ensino superior
1 — O acesso ao ensino superior dos candidatos far--se-á de acordo com os elementos constantes do seu processo de candidatura, que incluirá:
«) Os percursos escolares dos alunos ao longo dos anos do ensino secundário (10.", 11." e 12." anos), ou equivalente, através das suas notas, finais de cada ano;
/;) Provas nacionais sobre os saberes e competências trabidhados no ensino secundário, pretendendo-se que tenham um eleito regulador;
c) Provas específicas da responsabilidade dos estabelecimentos do ensino superior, tendo em consideração os programas do ensino secundário.
Artigo 4."
Provas nacionais
1 — As provas nacionais, previstas na alínea b) do artigo anterior, realizam-se no final do 12." ano de escolaridade.
2 — As provas nacionais realizadas no 12." ano de escolaridade incidem sobre duas das disciplinas leccionadas nesse ano, sendo uma delas obrigatoriamente a língua portuguesa e a outra da escolha do aluno.
Artigo 5."
Diploma do ensino .secundário
1 —É instituído o diploma do ensino secundário.
2 — A nota final do diploma do ensino secundário é constituída pela média da soma das médias dos 10.", 11." e 12." anos com a média das duas provas nacionais.
Artigo 6.°
Candidatos
São candidatos a qualquer curso do ensino superior todos aqueles que preencham as condições referidas nos artigos 3." e 4." deste diploma, independentemente da natureza das disciplinas de formação específica que possuam.
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Artigo 7.° Seriação dos candidatos
1 — A seriação dos candidatos a cada estabelecimento de ensino far-se-á de acordo com os seguintes critérios de valoração dos diferentes elementos que compõem o processo da candidatura:
a) A média dos 10.°, 11.° e 12° anos—40%;
b) A média das provas nacionais — 30 %;
c) A média da prova específica — 30 %;
Artigo 8.°
Contingentes especiais
1 — Serão reformulados os contingentes especiais de acesso ao ensino superior.
2 — As vagas destinadas aos contingentes especiais que não hajam sido preenchidas desta forma serão preenchidas por candidatos ao acesso do contingente geral.
Artigo 9°
Ensino superior de segunda oportunidade
0 Govemo desenvolverá um sistema de ensino superior de segunda oportunidade de forma a estimular o reingresso no ensino superior de alunos que o abandonaram antes de o terem concluído, bem como de alunos que não puderam nele ingressar na idade escolar normal.
Artigo 10.°
Regulamentação
1 — O Governo regulamentará o presente diploma no prazo de 90 dias a contar da data da sua publicação.
Artigo 11.°
Norma revogatória
Fica revogado o Decreto-Lei n.° 354/88, de 12 de Outubro, e demais legislação complementar.
Artigo 12.°
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no ano lectivo de 1992-1993.
Os Deputados do PS: António Braga — Jaime Gama — Fernando de Sousa — Ana Maria Bettencourt — Julieta Sampaio — Ribeiro da Silva.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.a 13/VI
ALTERAÇÕES AO QUADRO DE PESSOAL DA ASSEMBLEIA DA REPUBLICA
A Assembleia da República nos termos do artigo 169.°, n.° 5, da constituição da República e do artigo 46.° da Lei
n.° 77/88, de 1 de Julho, sob proposta do conselho de administração, resolve alterar o quadro do seu pessoal, acrescentando-lhe os seguintes lugares:
Carreira | Número de lagares |
Técnico superior de assuntos sociais, assuntos | |
culturais e relações parlamentares internacionais | 1 |
1 |
8 de Julho de 1992. — O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO N* 33/V
PREVENÇÃO DO CONSUMO DE DROGA NO MEIO ESCOLAR E PAPEL DA ESCOLA NA ADOPÇÃO DE ESTILOS DE VIDA SAUDÁVEIS.
Considerando:
a) Que o abuso de substâncias tóxicas, sendo preocupante em relação aos jovens e inquietando as famílias e as populações em geral, não tem em Portugal as proporções catastróficas de outros países, pelo que toda a especulação em tomo deste problema bem como o aproveitamento político do mesmo, é em si um facto ignóbil;
b) Que o abuso de substâncias tóxicas é um problema inserivel.no contexto geral do mau estar que afectam os jovens e como tal exige uma resposta política global;
c) Que à escola cabe um importante papel numa política eficaz de prevenção do consumo de substancias tóxicas;
d) Que o equilíbrio das sociedades exige a criação de condições de realização pessoal e social dos indivíduos e de desenvolvimento da sua auto-estima e autoconfiança, sendo essenciais o papel da família e do envolvente meio social e urbano;
e) Que o insucesso e exclusão escolares, a ausência de perspectivas de vida e de oportunidades de formação profissional, a falta de comunicação entre jovens e adultos, a deficiente informação sobre substâncias tóxicas e a degradação da qualidade de vida urbana são alguns dos fenómenos ligados à marginalização social e à persistência de comportamentos desviantes;
f) Que um dos factores para o aparecimento desves comportamentos desviantes é a desumanização da escola devido à sua desmesurada dimensão, à sua organização e à quase inexistência de projectos educativos centrados no aluno;
g) Que à escola compete melhorar as relações interpessoais, incentivar o desenvolvimento da auto--estima e do autocontrolo, desenvolver o sentido da responsabilidade face à saúde individual, familiar e da comunidade, bem como ajudar os jovens a lidar com solicitações e situações conflituais, promovendo a sua aptidão para a tomada de decisões responsáveis;
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h) Que o sucesso destas acções de prevenção passa também por uma relação entre a escola e os recursos locais disponibilizados pelas autarquias locais, serviços de saúde, associações e clubes desportivos e recreativos;
A Assembleia da República recomenda ao Governo as seguintes medidas:
1) Uma mudança na política de prevenção do consumo de substâncias tóxicas no meio escolar, a qual não devera centrar-se em exclusivo na temática da droga, o que em si mesmo poderá ser estigmatizante, mas sim na educação para a adopção de estilos de vida saudáveis;
2) A implementação de programas de humanização e reorganização da vida escolar;
3) A ponderação de alterações nos currículos escolares, ao nível dos conteúdos e formação de atitudes essenciais à adopção de estilos de vida saudáveis.
4) O desenvolvimento de acções de informação desde a entrada no sistema escolar, tendo em consideração os diferentes níveis etários dos alunos e a necessidade do desenvolvimento de pedagogias activas que promovam o sentido da responsabilidade individual (investigação, organização de debates, produção de informação, etc.)
5) A progressiva instalação nas escolas do 2." e 3.° ciclos do ensino básico e nas do ensino secundário ou equivalente dos meios audiovisuais e escritos necessários à concretização de projectos de intervenção ao nível da escola.
6) A promoção de incentivos â organização de programas de educação de segunda oportunidade, com a adaptação dos seus currículos às características e capacidades dos seus destinatários;
7) A generalização de acções de formação de professores e dos agentes educativos, em geral, habilitando-os para o desenvolvimento de acções de prevenção do consumo de substâncias tóxicas;
8) Na aplicação dos meios materiais e financeiro provenientes do tráfico ilícito de substâncias tóxicas, o Governo destinara uma parte significativa
às acções de prevenção, em particular na área da educação;
9) O desenvolvimento de acções de informação e formação das famílias, envolvendo os pais e outras redes sociais relevantes;
10) A prossecução de acordos de colaboração entre a escola e os serviços de saúde;
11) A articulação de esforços e recursos entre a escola e o meio local envolvente, numa perspectiva de integração social e prevenção dos comportamentos desviantes, com a criação de conselhos locais de educação;
12) A avaliação contínua das experiências em curso, no domínio-da prevenção, a valorização dos seus aspectos positivos e a comparação com experiências avaliadas ao nível internacional, nacional, regional e local.
Palácio de São Bento, 7 de Julho de 1992.—Os Deputados do PS: Ana Maria Bettencourt — Eurico de Figueiredo — José Apolinário — Joel Hasse Ferreira.
PROJECTO DE DELIBERAÇÃO N.9 35/VI
CONSTITUIÇÃO DA COMISSÃO PERMANENTE
A Assembleia da República delibera, nos termos e para os efeitos previstos no n." 2 do artigo 182." da Constituição da República Portuguesa, no n." 3 do artigo 29." e nos artigos 42." e 43." do Regimento, que a Comissão Permanente é integrada por, além do Presidente e dos Vice-Presidentes da Assembleia da República, 25 Deputados, distribuídos do seguinte modo: PSD, 14 Deputados; PS, 7 Deputados; PCP, 1 Deputado; CDS, 1 Deputado, PEV, 1 Deputado; PSN, 1 Deputado.
Palácio de São Bento, 8 de Julho de 1992. — O Presidente da Assembleia da República, António Moreira Barbosa de Melo.
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DIÁRIO
da Assembleia da República
Depósito legal n. ° 8819/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P. AVISO
Por ordem superior e para constar, comunica--se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.
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2 — Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o perfodo da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.
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