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0266 | II Série A - Número 014 | 13 de Janeiro de 2000

 

mesmo aprovado, na generalidade, um projecto de lei que substituía a Lei n.º 4/84. Subitamente, o processo legislativo foi interrompido, dando lugar à decisão de realizar um referendo sobre a sua matéria substantiva, referendo esse que, como foi oficialmente estabelecido, não logrou efeito vinculativo devido ao facto de apenas 31,9% dos eleitores se terem pronunciado.
Algumas forças políticas sustentam a ideia de que após este referendo não haveria a possibilidade de retomar uma iniciativa legislativa nesta área. Especulou-se ainda acerca de um período de "nojo" para alterar a Lei n.º 4/84. Ora, a Assembleia da República tem toda a legitimidade para legislar porque o referendo não teve consequência legal, e mesmo que o tivesse o início de uma nova legislatura atribui-lhe toda a competência.
O aborto clandestino e inseguro constitui uma violência sobre as mulheres.
A penalização do aborto priva as mulheres de exercerem na sua plenitude os seus direitos sexuais e reprodutivos e é, só por isso, uma questão política. A Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos da Federação Internacional de Planeamento Familiar afirma, no seu ponto 4, que "todas as mulheres têm o direito de efectuar escolhas autónomas em matéria de reprodução, incluindo as opções relacionadas com o aborto seguro". A Plataforma de Acção de Pequim declara, no seu ponto 96, que "os direitos humanos das mulheres incluem o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva e de decidir livre e responsavelmente sobre essas questões, sem coacção, discriminação ou violência". Os depoimentos que chegam através de linhas de atendimento a mulheres, sobre situações vividas perante uma gravidez que tiveram que interromper, mostram até que ponto se exerce todos os dias uma tal violência.
Sabemos também que o direito de escolher uma maternidade ou paternidade conscientes é limitado muitas vezes por condições sociais graves - problemas de habitação, discriminação do emprego com ameaça de desemprego por causa de gravidez e incapacidade económica de criar uma criança em ambiente de dignidade que lhe permita desenvolver o seu potencial humano. O facto da maternidade permanecer a principal causa de discriminação no emprego não é alheio à escolha que muitas mulheres são obrigadas a fazer, sendo nesse contexto penalizadas pelo facto de serem mães. Mas sabemos também que a interacção entre factores sócio-económicos e a escolha entre o aborto e uma gravidez evolutiva é complexa. Interromper uma gravidez não é apenas opção das mulheres com menores hipóteses económicas. Faz parte de um direito de opção que não pode ser negado.
Apenas 1 a 2% dos abortos realizados em Portugal são feitos de forma segura: estamos perante um grave problema de saúde pública.
Segundo as conclusões do forum organizado pela Plataforma Direito de Optar, realizado em 28 de Junho de 1999, estima-se que apenas 1 a 2% dos abortos realizados em Portugal são feitos ao abrigo da actual legislação, pelo que a margem de insegurança e ilegalidade em que se enquadram 98% dos casos de aborto não pode deixar de pesar sobre a premência de alterar a Lei n.º 4/84. No mesmo forum foi constatada a situação de cerca de 9 mil mulheres portuguesas terem abortado em clínicas espanholas, nos últimos seis anos.
A lei existente não previne o aborto clandestino, antes acarreta para as mulheres que optam pela IVG não só danos físicos de abortos feitos em condições deficientes de saúde mas também danos psicológicos agravados pela criminalização do acto praticado.
Todas as pessoas informadas sabem que não há nenhuma contracepção 100% eficaz, que é impossível assegurar, de momento, condições reais de escolha a toda a população e que no campo das escolhas reprodutivas há factores afectivos e sociais bivalentes que tornam difícil o uso da contracepção.
Manter em vigor uma lei que arrasta as mulheres para as redes da clandestinidade e insegurança, marcando de forma dramática as de menores recursos económicos que se sujeitam a formas quase artesanais de intervenção, reflecte uma falta de sensibilidade social e uma forma desumana de enfrentar este grave problema social e de saúde pública.
O direito da mulher a decidir: o Bloco de Esquerda defende o direito das mulheres decidirem da sua maternidade, e este direito tem de ser levado às últimas consequências sem pôr em perigo a vida das mulheres.
Os avanços no campo da ciência reflectem-se também nesta livre opção, quando em muitos países europeus se comercializa a pílula abortiva (RU) e já em Portugal se encontra à venda a chamada contracepção de emergência ou "pílula do dia seguinte", embora ainda não plenamente assumida pelo Serviço Nacional de Saúde, em termos de distribuição gratuita nos centros de saúde.
A contradição entre estes avanços e o quadro legislativo vigente coloca Portugal como o país mais atrasado da Europa nesta questão, à excepção da Irlanda.
De facto, diremos que uma sociedade que penaliza as mulheres por serem mães e também lhes impede a decisão de escolher ou não uma maternidade não é ainda uma sociedade digna do seu futuro.
Nestes termos, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
(Direito de optar)

Todas as mulheres têm o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva, e de decidir livre e responsavelmente sobre estas questões, sem coacção, discriminação ou violência.

Artigo 2.º
(Exclusão de ilicitude do aborto)

O artigo 142.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

"1 - Não é punível o aborto efectuado por médico, ou sob a sua orientação, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, nas seguintes situações:

a) A pedido da mulher, nas primeiras 12 semanas de gravidez;
b) No caso de existirem seguros motivos para crer que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação e for realizada nas primeiras 24 semanas com consentimento da mulher;
c) Sempre que exista perigo de vida para a mulher grávida ou de grave e irreversível lesão para a sua saúde física e psíquica e for realizado com o seu consentimento até às 16 semanas de gravidez;

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