1275 | II Série A - Número 030 | 05 de Abril de 2000
religiosos, sendo sempre um facto social e politicamente relevante o modo como o faz, em especial com a Igreja Católica, dado a sua particular importância no contexto nacional.
Importa aqui referir que a história da liberdade religiosa tem sido apresentada normalmente em termos dialécticos. O ponto de partida é o antigo regime, visto unitariamente como um tempo de intolerância e inquisição, em que o Trono e o Altar estão unidos na perseguição às consciências.
São os filósofos do séc. XVIII que, levados pela experiência histórica da reforma e das guerras religiosas, formulam, pela primeira vez, a doutrina da liberdade de consciência e é o novo poder emergente da Revolução Francesa que a proclama como conquista política na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
As primeiras afirmações do direito à liberdade religiosa no contexto europeu são feitas numa atitude claramente hostil à igreja católica. Decorria um período histórico em que a luta não era só dirigida contra o Trono mas também contra a autoridade do Altar, do Papa e dos Bispos. Inspirado ou alimentado pelas principais correntes filosóficas, o liberalismo aparece durante o séc. XIX e parte do séc. XX como "a maneira de pensar do mundo moderno" (Stuart Mill) e marca a história do séc. XIX como um século em que o poder político, em nome da liberdade, se insurge contra a "fortaleza cercada" da Igreja.
No que respeita a Portugal podemos dizer que, ao longo do séc. XIX e até 1911, o catolicismo continuou a ser a religião oficial do Estado português mas que a ideia de remodelar profundamente as estruturas eclesiais despontou muito cedo no regime vintista. Entre as mudanças fundamentais de estrutura implementadas pelos governos liberais desde 1820, inclui-se a reforma religiosa.
Aquando da monarquia absoluta vivia-se, no nosso país, um regime de religião de Estado, com mera tolerância para as outras religiões. Com o triunfo do liberalismo e o início do constitucionalismo, em 1822, verifica-se um crescente conflito traduzido em medidas como a abolição das dízimas e outras contribuições de que era beneficiária a Igreja; a tributação fiscal da propriedade eclesiástica que, em algumas situações, atingia 50% dos seus réditos; a negação do direito de representação em Cortes ao clero regular, bem como da sua capacidade como votante nas eleições.
Não obstante este clima de oposição à Igreja Católica, as três constituições liberais tinham como denominador comum declararem a religião católica apostólica romana religião oficial do Estado português.
- A Constituição de 1822 previa como deveres dos cidadãos, o de venerarem a religião (artigo 19.º); admitia a censura pelos Bispos dos escritos públicos sobre dogma e moral; só aos estrangeiros autorizava o exercício, e particular, dos respectivos cultos (artigo 25.º).
- A Carta Constitucional e a Constituição de 1838 foram mais longe ao estabelecer que "ninguém pode ser perseguido por motivos de religião, uma vez que respeite a do Estado" (artigo 145.º. & 4).
De referir que as três constituições mantinham a interferência do Rei na designação dos Bispos e as de 1826 e 1838 previam o Beneplácito Régio.
Assistia-se a uma situação que não era de liberdade religiosa mas de mera tolerância religiosa. A própria Igreja Católica via a sua actividade cerceada essencialmente por dois mecanismos:
- O provimento dos benefícios eclesiásticos;
- O Beneplácito Régio.
O Estado assumiu-se como protector de uma religião que considerava oficial mas simultaneamente abriu, com a instauração do regime de liberdades um conflito com a Igreja Católica que conduziu ao corte de relações com o Vaticano, só reatadas em 1841.
Em boa verdade, podemos afirmar que ainda que no plano das leis e das orientações oficiais se continuasse a pugnar e a manter justapostas espiritualidade e temporalidade, as atitudes e as práticas seguidas pelos cidadãos e pelos movimentos sociais e políticos, caminhavam em sentidos que já eram ou prenunciavam um evoluir divergentes. A este respeito é de todo ilustrativa a conferência proferida por Antero de Quental no âmbito das Conferências Democráticas do Casino Lisbonenses, de 1871, onde aquele concluía: "Oponhamos ao catolicismo não a indiferença ou a fria negação, mas a ardente afirmação da alma nova, a consciência livre, a contemplação do divino pelo humano (...), a filosofia, a ciência e a crença no progresso, na renovação incessante da humanidade pelos recursos inesgotáveis do seu pensamento, sempre inspirado."
Assiste-se, neste período, a uma expansão do laicismo que foi ganhando terreno entre a classe política, em particular nos defensores do ideário republicano, mas também entre monárquicos católicos, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, altura em que as doutrinas positivistas foram ocupando o lugar que na primeira metade foi preenchido dominantemente pelo ideário maçónico.
Em conclusão, podemos dizer que o regalismo cartista foi um regime ainda de proteccionismo e de confessionalismo de Estado, que se mostrou tutelador das instituições e dos assuntos religiosos, levando de certo modo a radicar a ideia de que indissoluvelmente estavam confundidos os poderes político e eclesiástico.
O regime republicano triunfante em 1910 teve como uma das suas preocupações capitais decretar a separação entre a Igreja e o Estado, invocando os malefícios próprios da simbiose anterior.
A República identificou-se, assim, com a oposição ao poder da Igreja, que apesar das leis de confisco de 1820-34 promulgadas pela monarquia liberal, era ainda uma das mais poderosas potências existentes no País e uma força hostil aos ideais liberais e à civilização moderna pós-Revolução Francesa, como o prova a realização do primeiro Concílio do Vaticano em 1869-70, onde a Igreja, em plena voga dos ideais liberais, insistiu numa posição conservadora, reafirmando os seus princípios tradicionais, acentuando a centralização papal e lançando as bases da luta contra aquilo que denominou de "modernismo" e os seus males.
Na sequência do Concílio do Vaticano de 1869-70 assistiu-se a um "renascer da Igreja católica como corpo de combate" o que determinou uma contra-reacção de anti-clericalismo violento, especialmente em França, Itália e Portugal.
Três dias após o triunfo da Revolução Republicana, Afonso Costa decreta a expulsão de todas as ordens religiosas do País e a supressão de todos os conventos, mosteiros, hospícios, casas religiosas, colégios e centros de caridade dirigidos pelas congregações, passando para o Estado todos os seus bens.
No rumo laicizador da vida e da sociedade portuguesa outra legislação foi publicada, tendo em vista a abolição dos juramentos e das invocações de tipo religioso, incluindo as