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Quinta-feira, 9 de Dezembro de 2000 II Série-A - Número 18

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

S U M Á R I O

Deliberação n.º 26-PL/2000:
Levantamento da imunidade parlamentar do Inquérito n.º 593/00, do Tribunal Criminal de Coimbra.

Projectos de lei (n.os 64, 136, 206, 252, 331, 334 e 335/VIII):
N.º 64/VIII (Despenalização da interrupção voluntária da gravidez):
- Relatório e parecer da Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família.
N.º 136/VIII (Reforça os mecanismos de fiscalização e punição de práticas laborais discriminatórias em função do sexo):
- Idem.
N.º 206/VIII (Cria o cheque-medicamento):
- Relatório e parecer da Comissão de Saúde e Toxicodependência.
N.º 252/VIII (Protecção laboral contra o terrorismo psicológico ou assédio moral):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
N.º 331/VIII (Estabelece o regime jurídico dos loteamentos e construções):
- Relatório e parecer da Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente.
N.º 334/VIII - Estabelece medidas de prevenção e combate a práticas laborais violadoras da dignidade e integridade física e psíquica dos trabalhadores (apresentado pelo PCP).
N.º 335/VIII - Ofensa à integridade física no âmbito da intervenção policial: crime público (apresentado pela Deputada do BE Helena Neves).

Projectos de resolução (n.os 50 e 85/VIII):
N.º 50/VIII (Recomendar ao Governo que reforce um programa específico sério de combate à tuberculose):
- Propostas de alteração apresentadas pelo PS.
N.º 85/VIII - Sobre a instalação de aterros sanitários (apresentado pelo PCP).

Proposta de resolução n.º 41/VIII (Aprova, para ratificação, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, aberto à assinatura dos Estados em Roma, em 17 de Julho de 1998):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

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DELIBERAÇÃO N.º 26-PL/2000
LEVANTAMENTO DA IMUNIDADE PARLAMENTAR DO INQUÉRITO N.º 593/00, DO TRIBUNAL CRIMINAL DE COIMBRA

A Assembleia da República delibera, na reunião plenária de hoje e nos termos dos n.os 2 e 5 do artigo 11.º da Lei n.º 7/93, de 1 de Março, alterada pelas Leis n.º 24/95, de 18 de Agosto, n.º 55/98, de 18 de Agosto, n.º 8/99, de 10 de Fevereiro, e n.º 45/99, de 16 de Junho, autorizar o Sr. Deputado Manuel Alegre de Melo Duarte a ser ouvido como assistente nos autos do Processo de Inquérito n.º 593/00, do Tribunal Criminal de Coimbra, nos termos do parecer aprovado na reunião plenária da Comissão de Ética em 2 de Novembro de 2000.

Aprovada em 30 de Novembro de 2000. - O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.

PROJECTO DE LEI N.º 64/VIII
(DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ)

Relatório e parecer da Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família

Relatório

1 - Nota preliminar

O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República um projecto de lei sobre "Despenalização da Interrupção Voluntária do Gravidez".
Tal apresentação é efectuada nos termos do artigo 167.º do Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento, reunindo ainda os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
O referido projecto desceu às 1.ª, 8.ª e 13.ª Comissões para emissão do respectivo relatório/parecer.

2 - Do objecto e dos motivos

Consideram os proponentes ser necessário retomar uma iniciativa legislativa nesta matéria.
O Bloco de Esquerda propõe assim, através do presente projecto de lei:
1 - "Que todas as mulheres têm o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva e de decidir livre e responsavelmente sobre estas questões, sem coacção, discriminação ou violência";
2 - A eliminação do ponto 3 do artigo 140.º do Código Penal;
3 - A alteração do artigo 142.º do Código Penal, definindo, designadamente, que:
- não é punível o aborto efectuado por médico, a pedido da mulher nas primeiras 12 semanas de gravidez, sempre que existirem sérios indícios de que a gravidez resultou de crime contra a liberdade sexual e quando se trate de grávida toxicodependente, nas primeiras 16 semanas.

3 - Do enquadramento constitucional e legal

A Constituição do República Portuguesa consagra no seu artigo 67.º, n.º 2, alínea d), que incumbe, designadamente, ao Estado para protecção do família, "garantir, no respeito da liberdade Individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes".
O Código Penal, ao consagrar no seu artigo 142.º, a interrupção voluntária da gravidez não punível, define no seu artigo 1.º que: "Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médicos, ou sob a sua direcção, em estabelecimentos de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e a experiência da medicina:

a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida,
b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;
c) Houver seguros motivos para prever que o nasciturno virá a sofrer, de forma incurável de doença grave ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio mais adequado de acordo com as legis artis, exceptuando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo
d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas."

4 - Parecer

Face ao exposto, a Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família é do seguinte parecer:
a) O projecto de lei n.º 64/VIII do Bloco de Esquerda sobre "Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez" preenche os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário de Assembleia da República;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 23 de Novembro de 2000. - A Deputada Relatora, Margarida Botelho - A Presidente da Comissão, Margarida Botelho.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por maioria, com a ausência de Os Verdes.

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PROJECTO DE LEI N.º 136/VIII
(REFORÇA OS MECANISMOS DE FISCALIZAÇÃO E PUNIÇÃO DE PRÁTICAS LABORAIS DISCRIMINATÓRIAS EM FUNÇÃO DO SEXO)

Relatório e parecer da Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família

Relatório

I - Nota prévia

O projecto de lei n.º 136/VIII, que "Reforça os mecanismos de fiscalização e punição de práticas discriminatórias em função do sexo", da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português foi apresentado, ao abrigo do artigo 167.º da Constituição do República Portuguesa e dos artigos 130.º e 137.º do Regimento da Assembleia da República.
Por despacho do Sr. Presidente do Assembleia da República, o citado projecto de lei baixou à Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família para emissão, nos termos legais e regimentais aplicáveis, do competente relatório e parecer.

II - Do objecto e da motivação

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português visa, com a apresentação desta iniciativa reforçar os mecanismos de fiscalização e punição de práticas discriminatórias em função do sexo, nomeadamente através do reforço das competências de Inspecção Geral do Trabalho (IGT) no domínio da prevenção, fiscalização e punição de práticas laborais discriminatórias e da valorização dos pareceres da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), relativamente às discriminações laborais.
No que diz respeito ao alargamento das competências da IGT, a iniciativa em análise, prevê, no seu artigo 3.º, a intervenção desta entidade para verificação concreta, a todo o tempo, por iniciativa própria ou por solicitação de entidade idónea, da prática laboral discriminatória e razão do sexo, no prazo máximo de 30 dias após a notícia; consagra também o direito dos associações sindicais de acompanhar a IGT em todas as diligências a efectuar para proceder à verificação de prática discriminatória, sem prejuízo do dever de sigilo profissional e segredo de justiça, previsto no artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 219/93, de 16 de Junho, que cria o IDICT (Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho); prevê, ainda, que a IGT fique obrigada a enviar, no prazo de 60 dias, toda a documentação e fundamentação para a CITE, caso a fiscalização realizada tenha por base o parecer do CITE que indicie a existência de prática laboral discriminatória em razão do sexo. Por sua vez a CITE tem o dever de comunicar de imediato à IGT, os seus pareceres que confirmem ou indiciem a existência de algum caso de prática laboral discriminatória (artigo 4.º).
No que respeita à motivação deste projecto de lei, notam os autores que se continuam ainda a verificar "situações gritantes que provam que as mulheres são preteridas em igualdade de circunstâncias no acesso ao emprego, na progressão da carreira, na formação profissional ou no acesso a cargos de chefia", bem como na gravidez e na maternidade, e sujeitas às mais flagrantes violações dos seus direitos no mundo laboral".
Situações que, na perspectiva dos autores do projecto de lei em análise, se verificam mesmo quando a legislação nacional, no que diz respeito à consagração dos direitos das mulheres trabalhadoras e sua protecção face ás condutas discriminatórias por parte das entidades patronais, é das mais avançadas, porque o problema se põe ao nível da aplicação das leis e da sua fiscalização conforme referem os autores deste projecto. De acordo com os mesmos, continua-se a "assistir a uma enorme inoperância da IGT na garantia do cumprimento das normas legais" sendo por esse motivo que apresentam a iniciativa em análise, de forma a reforçar as obrigações e eficácia da intervenção da IGT e garantir a real aplicação da legislação em vigor, de forma a combater, eficazmente, as práticas discriminatórias, o que passa também pela valorização dos pareceres do CITE, como meio capaz de denunciar e eliminar as desigualdades e discriminações.

III - Dos antecedentes parlamentares

No que diz respeito à matéria constante do projecto de diploma ora em apreço, importa sublinhar no decorrer da V Legislatura:

O projecto de lei n.º 269/VII, oriundo do PCP, que visava garantir a igualdade no trabalho e no emprego dos trabalhadores da Administração Pública, propondo a extensão a estes trabalhadores dos direitos consagrados no Decreto-Lei n.º 392/VII, aplicável aos trabalhadores do sector privado, e que garante a igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso ao emprego, na formação profissional e nas condições de trabalho;
O projecto de resolução n.º 21/V, da iniciativa do PS, que visava a constituição de uma comissão eventual para a elaboração de um "livro branco sobre as discriminações existentes entre homens e mulheres na sociedade portuguesa que geram desigualdades de oportunidades".

Já durante a VI Legislatura, o PCP apresentou o projecto de lei n.º 99/VI, que visava garantir o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego. Esta iniciativa foi aprovada na generalidade, baixando à 8.ª Comissão para discussão e votação na especialidade, subindo a Plenário, já com a redacção dada em sede de comissão, onde foi rejeitado na votação final global.
Na VII Legislatura, o PCP apresentou um diploma sobre a mesma matéria - o projecto de lei n.º 133/VII - que consistia, no seu essencial, numa reposição do projecto de lei n.º 99/VI, embora com algumas alterações pontuais. Este diploma foi aprovado, dando origem à Lei n.º 105/97, de 13 de Setembro, consagrando as garantias do direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego.

IV - Do enquadramento constitucional

De acordo com o quadro constitucional português, incumbe ao Estado de Direito democrático, no cumprimento das suas tarefas fundamentais, promover "(...) a igualdade real

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entre os portugueses (...)", consoante o disposto no artigo 9.º, alínea a), da Constituição da República Portuguesa; por sua vez, o artigo 13.º, da lei fundamental, reconhece a todos os cidadãos a mesma dignidade social e igualdade perante a lei.
Ainda no Título III, Capitulo I, no que diz respeito aos "Direitos e deveres económicos", mais concretamente no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), a Constituição confere ao Estado o dever de promoção da "igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais;".

IV - Do enquadramento legal

No que concerne à matéria versada pelo projecto de diploma em análise, o quadro legal encontra-se edificado com base nos seguintes diplomas:
Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro, que "Garante às mulheres a igualdade com os homens em oportunidades e tratamento no trabalho e no emprego" e que visou garantir às mulheres a igualdade de oportunidades e de tratamento no trabalho e no emprego, não só no que diz respeito às condições de acesso e progressão, mas também no que toca ao princípio constitucional segundo o qual a trabalho igual deverá corresponder salário igual, independentemente do sexo do trabalhador. Este diploma previa também a criação do CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego), como entidade capaz de promover a aplicação de normas e princípios relativos à igualdade de oportunidades e ao combate às discriminações laborais em função do sexo;
Lei n.º 105/97, de 13 de Setembro, que "Garante o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego, visava reforçar e completar o quadro jurídico vigente, fazendo-se aplicar a todos as entidades públicas e privadas e instituindo normas especificas relativas à indiciação da discriminação, legitimidade das associações sindicais, inversão do ónus da prova e a obrigatoriedade das entidades empregadoras manterem, durante cinco anos, todos os registos relativos aos processos de selecção e admissão de trabalhadores;
Cumpre ainda referir o Decreto-Lei 102/2000, de 2 de Junho, que "Aprova o Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho". Nos termos deste diploma legal, designadamente no seu artigo 1.º, a IGT "é um serviço administrativo de acompanhamento e de controlo do cumprimento das normas relativas às condições de trabalho, emprego, desemprego e pagamento das, contribuições para a segurança social' a quem cumpre, consoante o disposto no artigo 30.º, n.º 1, alínea a), entre outras, "promover e controlar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais respeitantes às condições de trabalho O mesmo diploma prevê ainda no seu artigo 11.º, n.º 1, alínea a) e b), que os agentes do IGT possam "visitar e inspeccionar qualquer local de trabalho, a qualquer hora do dia ou da noite e sem necessidade de aviso prévio", "acompanhados de peritos, técnicos de serviços públicos e representantes de associações sindicais e patronais habilitados (...)", devendo contudo, "informar da sua presença a entidade patronal ou o seu representante, bem como os representantes sindicais da empresa, a não ser que tal aviso possa prejudicar a eficácia da intervenção." (n.º 1 do artigo 12.º). Por fim, o diploma prevê que as associações sindicais tenham o direito de ser informadas, sempre que o requeiram, do resultado da acção inspectiva".
Face ao exposto, a Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e família é do seguinte parecer:

Parecer

Independentemente de um juízo sobre o mérito das motivações e consequências da presente iniciativa que os grupos parlamentares reservam para o Plenário da Assembleia do República, o projecto de lei n.º 136/VIII (PCP) está em condições de subir a Plenário para apreciação e votação na generalidade.

Palácio de São Bento, 4 de Dezembro de 2000. - A Deputada Relatora, Margarida Gariso - A Presidente da Comissão, Margarida Botelho.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por maioria com a ausência de Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 206/VIII
(CRIA O CHEQUE-MEDICAMENTO)

Relatório e parecer da Comissão de Saúde e Toxicodependência

Relatório

1 - O projecto de lei em análise visa criar o cheque-medicamento.
2 - De acordo com o projecto de lei:

a) O "cheque-medicamento" é um regime de apoio aos pensionistas com pensões inferiores ao salário mínimo nacional, destinado exclusivamente à compra de medicamentos mediante receita médica;
b) O referido "cheque-medicamento" é um vale distribuído com uma periodicidade anual, personalizado, de saldo acumulável e que corresponde a uma percentagem do salário mínimo nacional e destina-se, exclusivamente, à compra de medicamentos independentemente da sua percentagem de comparticipação pelo Estado;
c) A gestão do "cheque-medicamento" será da competência da instituição pagadora da respectiva pensão.

Do conteúdo do projecto de lei

- O "cheque-medicamento" destina-se ao pagamento de medicamentos prescritos aos utentes do Serviço Nacional de Saúde (artigo 1.º).

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- Beneficiarão do cheque-medicamento os pensionistas que aufiram pensões de montante não superior ao salário mínimo nacional e que não aufiram outros rendimentos que, acumulados com a pensão, ultrapassem o montante previsto no n.º 1 ou no n.º 3 do artigo 51.º do CIRS e constitui um complemento de pensão (artigo 2.º).
- O valor do "cheque-medicamento" é equivalente a 50% do salário mínimo nacional mais elevado do ano a que respeita, anualmente actualizável em função da respectiva actualização do SMN, e o saldo não utilizado transita para o ano seguinte (artigo 3.º).
- O movimento inerente à utilização do "cheque-medicamento" e o respectivo registo é da responsabilidade da(s) farmácia(s) (artigo 4.º).
- O Governo terá 90 dias para regulamentar a lei que entrará em vigor com o Orçamento do Estado para 2001.
- Tendo em conta que a aprovação do Orçamento do Estado para 2001 já se verificou, a norma de entrada em vigor do presente projecto de lei terá de ser reportada ao Orçamento do Estado para 2002.

A situação actual

O Decreto-Lei n.º 118/92, de 25 de Junho, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 305/98, de 7 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 205/2000, de 1 de Setembro, estabelece "o regime de comparticipação do Estado no preço de medicamentos prescritos aos utentes do Serviço Nacional de Saúde e aos beneficiários da Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE)".
A comparticipação no preço dos medicamentos faz-se de acordo com os escalões A, B, C e D, suportando o Estado, respectivamente, 100%, 70%, 40% e 20% do preço de vendo ao público dos medicamentos, organizados em grupos e sub-grupos fármaco-terapêuticos.
Os pensionistas que aufiram pensões de montante não superior ao salário mínimo nacional beneficiam de um regime especial - acréscimo de 15% - na comparticipação do Estado no custo de medicamentos integrados nos escalões B, C e D. Ou seja, os pensionistas que comprovadamente estejam abrangidos por este regime beneficiam de 85%, 55% e 35% de comparticipação por parte do Estado no preço dos medicamentos, respectivamente.

Parecer

A Comissão Parlamentar de Saúde e Toxicodependência, analisado o projecto de lei n.º 206/VIII-1, do CDS-PP, que "Cria o cheque-medicamento", é de parecer que o mesmo reúne as condições regimentais para ser discutido em Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para a discussão que venha a ocorrer.

Assembleia da República, 28 de Novembro de 2000. A Deputada Relatora, Natália Filipe - O Presidente da Comissão, Vieira de Castro.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.º 252/VIII
(PROTECÇÃO LABORAL CONTRA O TERRORISMO PSICOLÓGICO OU ASSÉDIO MORAL)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Considerações introdutórias

1 - A exposição de motivos da iniciativa legislativa em referência, da autoria de seis Deputados do Partido Socialista e que visa estabelecer medidas de protecção dos trabalhadores contra o terrorismo psicológico ou assédio moral, alerta para a importância crescente que tem assumido, na União Europeia, a protecção dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente os direitos atinentes à sua dignidade e integridade psíquicas.
2 - Tratando-se de matéria de direito do trabalho, à partida não caberia a esta Comissão relatar o presente projecto de lei. Todavia, a baixa do mesmo a esta Comissão justifica-se em razão da proposta de disposições incriminatórias de natureza penal.

II - Sobre a matéria objecto da iniciativa legislativa

3 - No decurso dos anos 60, um médico sueco identificou uma forma especial de comportamento hostil persistente entre crianças de escola, que denominou de mobbing. No início dos anos 80, o Professor Heinz Leymann encontrou o mesmo tipo de comportamento hostil persistente entre trabalhadores do mesmo local de trabalho. Desde então, o Professor Heinz Leymann é a maior autoridade internacional sobre mobbing, nos locais de trabalho.
4 - Desde 1986, o conhecimento sobre a matéria do mobbing - que poderíamos traduzir, como no projecto de lei, por terrorismo psicológico ou assédio moral - tem evoluído significativamente através de estudos e investigações na área da psicologia do trabalho e das organizações, que permitem hoje afirmar que se trata de um fenómeno capaz de destruir o ambiente de trabalho, diminuir a produtividade e favorecer o absentismo devido aos desgastes psicológicos que origina. Neste tipo de conflito, a vítima é sujeita a um processo contínuo e estigmatizante de violação dos seus direitos. Se persistir durante vários anos, este tipo de conflito pode, no limite, conduzir à saída do mercado de trabalho do indivíduo, quando este se vê incapacitado de encontrar emprego em razão das mazelas psicológicas sofridas no anterior emprego.
5 - Estudos recentes estimam que, na União Europeia, vários milhares de trabalhadores são vítimas deste tipo de tratamento abusivo que tem consequências desastrosas para a saúde, originando depressões, distúrbios físicos de vária ordem, conduzindo mesmo ao suicídio. Em 1996, um inquérito da União Europeia baseado em mais de 15 000 entrevistas, denunciava que 4% dos trabalhadores tinham sido submetidos a violência física no ano precedente, 2% tinham sido sujeitos a assédio sexual e 8% a alguma forma de intimidação, terrorismo psicológico, assédio moral, mobbing ou bullying (outro termo para definir o mesmo conceito).

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6 - Vários estados europeus têm avançado com legislação sobre a matéria.
A iniciativa pioneira coube aos Estados escandinavos - a Suécia, a Finlândia e a Noruega - ao consagrarem na suas leis laborais garantias de protecção dos direitos dos trabalhadores, tanto à saúde física como à saúde mental. Na Alemanha e na Itália discutem-se actualmente iniciativas legislativas sobre esta matéria.
7 - Refira-se ainda que o assédio moral não está estritamente ligado à organização hierárquica, antes podendo ser exercido por colegas de trabalho - a expressão americana para esta realidade (ganging up on someone) é suficientemente elucidativa. Em qualquer caso, sempre pressupõe uma situação de abuso de poder, tenha ela suporte legal ou meramente fáctico, funde-se ela na relação hierárquica ou na tolerância das ou cumplicidade das chefias com o agressor.

III - As soluções propostas

8 - O projecto de lei divide-se em quatro artigos que se ocupam, sucessivamente, do objecto do diploma, da anulabilidade dos actos discriminatórios, do regime sancionatório e da remissão para ulterior regulamentação.
9 - No artigo 1.º pretende-se definir o objecto do diploma, que será o de estabelecer as medidas gerais de protecção dos trabalhadores contra o terrorismo psicológico ou assédio moral.
10 - Para além de aspectos atinentes à construção do preceito, aquilo que salta à vista, desde logo, é que a sua formulação não pode ser considerada suficientemente exacta para poder constituir um tipo legal de crime. Com efeito, o artigo 3.º vem, segundo julgamos, declarar punível com pena de prisão de um a três anos os autores dos actos de terrorismo psicológico ou assédio moral, tal qual definidos no artigo 1.º.
11 - Ou seja, a indefinição do articulado proposto não permite distinguir o que é elemento objectivo do tipo (a ilicitude propriamente dita) do que é culpabilidade ou elemento subjectivo. De facto, a conduta tipicamente ilícita tanto pode consistir em "considerações, insinuações ou ameaças verbais", como pode ser o "fornecimento de informações erradas sobre as (...) funções e ou as (...) categorias profissionais" como podem ser "desconsiderações e insinuações prejudiciais à (...) carreira e bom nome profissional". Quanto ao elemento subjectivo, as alusões a uma conduta deliberada de degradação "das condições físicas e psíquicas dos assalariados", à "finalidade persecutória e de isolamento" e ao fim de "provocarem o despedimento, a demissão forçada, o prejuízo das expectativas de progressão na carreira, o retirar injustificado de tarefas anteriormente atribuídas, a penalização do tratamento retributivo, o constrangimento ao exercício de funções ou tarefas desqualificantes para a categoria profissional do assalariado, a exclusão da comunicação de informações relevantes para a actividade do trabalhador, a desqualificação dos resultados obtidos" apontam no sentido da necessidade de previsão de uma forma de dolo específico.
12 - Contudo, a técnica legislativa que consiste em amalgamar o método utilizado (comportamento vexatório sistemático/persecutório por parte da entidade patronal e pessoas referidas no n.º 2 do artigo 1.º), os instrumentos/forma do comportamento (em suma, a degradação das condições de trabalho) e a finalidade visada (cessação da relação de trabalho ou modificação in pejus do estatuto do trabalhador) não nos parece ser a mais adequada. Assim sendo, se o artigo 1.º pretende constituir o tipo legal punível com as penas previstas no artigo 3.º, carece de uma profunda reformulação. Cumpre ainda referir que a utilização da expressão "assalariados" parece apontar no sentido de a conduta criminosa provir apenas da entidade patronal, o que contraria a possibilidade, também ali prevista, de a conduta poder ser imputável a outros trabalhadores. Por outro lado, expressões como "degradação deliberada", "poder de facto", "desqualificação dos resultados", "desqualificação externa (para fora do local de trabalho)", "desconsiderações e insinuações" constituem conceitos vagos e indeterminados, cuja utilização deve ser evitada na medida do possível.
13 - Isto se a intenção dos subscritores do projecto for a de criar um novo tipo legal de crime. De facto, essa intenção não é líquida, na medida em que se prevê, em alternativa à condenação em pena de prisão, a condenação no pagamento de uma coima. Ora, à pena de prisão e à condenação no pagamento de uma coima correspondem dois tipos de ilícito diferentes - o crime e a contra-ordenação, respectivamente - cuja aplicação é da responsabilidade no primeiro caso, dos tribunais e, no segundo caso, de uma entidade administrativa. Trata-se, pois, de uma impossibilidade jurídica, que viola claramente o princípio da legalidade.
14 - É certo que a previsão da responsabilidade solidária da entidade patronal parece indiciar que a vontade dos autores do projecto era a de criarem um ilícito contra-ordenacional, por só fazer sentido quando estiverem em causa sanções pecuniárias. Ou, no limite, seria a de preverem dois tipos diferentes de ilícito, conforme o desvalor jurídico das condutas em causa - o que, só por si, justificaria a completa reformulação do artigo 1.º.
15 - Cabe referir, em último lugar, que a remissão para posterior regulamentação, por parte do Governo, de um diploma que estabelece sanções de carácter incriminatório pode ser entendida como violadora do princípio da legalidade consagrado no artigo 29.º n.º 3 da Constituição.
16 - E, contudo, de considerar que as dúvidas suscitadas poderão ser devidamente dilucidadas em sede de apreciação na especialidade.

IV - Parecer

Nestes termos, os Deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias são de parecer que o projecto de lei n.º 252/VIII está em condições de ser discutido na generalidade em Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

Palácio de São Bento, 6 de Dezembro de 2000. - O Deputado Relator, Narana Coissoró - O Presidente, Jorge Lacão.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, CDS-PP e PCP).

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Relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Relatório

1 - Enquadramento

1 - O projecto de lei n.º 252/Vlll, da iniciativa de seis Deputados do Grupo Parlamentar do PS, sobre "Protecção Laboral contra o terrorismo psicológico ou assédio moral", foi apresentado ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 130.º e 137.º do Regimento da Assembleia da República.
Baixou à Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social por despacho de S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, para emissão de relatório e parecer.
2 - O referido projecto de lei pretende estabelecer um regime jurídico que proteja os trabalhadores contra o terrorismo psicológico ou assédio moral, entendido como degradação deliberada das condições físicas e psíquicas dos assalariados nos locais de trabalho, no âmbito das relações laborais.
3 - De acordo com os autores do projecto de lei vários Estados da União Europeia já consagraram, na sua legislação laboral, a regulamentação do "mobbing" (denominação anglo-saxónica para o assédio moral ou terrorismo psicológico). Este fenómeno tem, aliás, adquirido uma importância crescente face às novas formas de organização do trabalho.

II - Objectivos do regime jurídico a estabelecer

4 - Nos termos do disposto no artigo 2.º; os actos discriminatórios praticados pela entidade patronal contra o trabalhador e visando a degradação deliberada da sua condição física e/ou psíquica, são anuláveis a pedido da vítima.
5 - No artigo 3.º estabelece-se um regime sancionatório para os autores de terrorismo psicológico1ou assédio moral, que podem ser condenados a penas de prisão (de 2 a 14 anos ou de 1 a 3 anos, consoante se verifique ou não a existência de uma circunstância agravante: o atentado contra a dignidade e integridade psíquica dos assalariados) ou, em alternativa, a coimas de 5 000 000$00 ou 20 000$00.

III - Resultados da discussão pública

6 - O presente projecto de lei foi submetido a discussão pública pelo prazo de 30 dias, de 26 de Outubro a 24 de Novembro de 2000, tendo sido recebidos dois pareceres, um da UGT e outro da CGTP-IN.
7 - Relativamente ao parecer enviado pela UGT, refira-se que esta se manifesta claramente a favor da presente iniciativa legislativa, como actualização do princípio da tutela da dignidade da pessoa humana, e mais especificamente, da dignidade do trabalhador. Chama, porém, a atenção para a importância do trabalho já produzido em varias instâncias internacionais e comunitárias neste domínio, nomeadamente, pelo grupo ad-hoc sobre "Violência no Trabalho" do Comité Consultivo para a Segurança, Higiene e Protecção da Saúde no Local de Trabalho da Comissão Europeia.
8 - Considera, ainda, que a expressão "terrorismo psicológico" não é a melhor, por ser demasiado restritiva, enquanto a violência no trabalho apresenta diversas gradações.
9 - Por outro lado, frisa que a violência no trabalho, quer se consubstancie num comportamento físico ou psicológico, deve integrar um mesmo tipo de ilícito, devendo a designação escolhida explicitar essa opção. Aliás, o próprio projecto não distingue, na previsão e na estatuição, terrorismo psicológico de assédio moral.
10 - Para além disso, a UGT defende a necessidade de uma distinção, que poderá envolver a distinção entre crime e contra-ordenação laboral. Também invoca a necessidade de, em casos mais graves, estabelecer que o ónus da prova cabe à entidade empregadora.
11 - Em relação ao artigo 2.º a UGT discorda da sanção prevista para a invalidada dos actos em causa, preferindo a sanção mais grave, que é a nulidade.
12 - Também suscita algumas dúvidas quanto à posterior regulamentação do diploma pelo Governo.
13 - Por seu lado, a CGTP-IN também se manifestava a favor da criação de um regime específico de protecção contra o assédio moral nos locais de trabalho.
14 - Chama a atenção para a necessidade de adoptar definições claras e precisas, discordando de que o atentado contra a dignidade e a integridade psíquica seja tido como mera agravante dos comportamentos abusivos, visto que aquele é parte integrante e essencial das próprias condutas abusivas em que se manifesta o assédio moral.
15. Discorda, também, da referência aos "comportamentos dolosos" (n.º 2 do artigo 1.º) e, no que respeita ao n.º 3 do artigo 1.º, entende que ele estabelece alguma confusão entre os actos e comportamentos em que se manifesta o assédio e os objectivos visados com o assédio.
16 - Finalmente, manifesta-se contra a ambiguidade do regime sancionatório previsto, considerando que o assédio moral deveria ser tipificado como crime e punido como tal, e chama a atenção para algumas omissões, tais como o facto de não ser prevista qualquer reparação para as vítimas de assédio moral e de não se prever um regime de prova.

IV - Parecer

A Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social é do seguinte parecer:
a) O projecto de lei n.º 252/VII preenche os requisitos constitucionais e legais para subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os Grupos Parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 5 de Dezembro de 2000. - O Deputado Relator, Artur Penedos.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

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PROJECTO DE LEI N.º 331/VIII
(ESTABELECE O REGIME JURÍDICO DOS LOTEAMENTOS E CONSTRUÇÕES)

Relatório e parecer da Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente

Relatório

1 - Considerações introdutórias

1 - A exposição de motivos da iniciativa legislativa em referência, da autoria de 5 Deputados do Partido Comunista Português, os aspectos essenciais que, através da mesma, os respectivos autores pretendem ver consagrados em forma de lei são os seguintes:
1.1 - A atribuição aos presidentes da câmaras municipais de uma ampla competência em matéria de licenciamento de loteamentos e construções, acompanhada da possibilidade de delegação das respectivas competências nos vereadores e subdelegação nos dirigentes dos serviços;
1.2 - A possibilidade de dispensa de licença municipal num amplo leque de situações, restringindo-se as situações de isenção aos casos de obras promovidas por entidades públicas;
1.3 - A criação das figuras de director de projecto e de director de obra, acompanhada da definição das respectivas competências em tudo o que respeite ao processo de licenciamento e à posterior execução das obras licenciadas;
1.4 - Manutenção da intervenção das entidades públicas competentes para além dos municípios, removendo distorções e demoras desnecessárias aos procedimentos administrativos de licenciamento municipal de que trata o projecto de diploma;
1.5 - Sistematização clara e adequada do procedimento administrativo;
1.6 - Simplificação do procedimento quando se trate de pequenas edificações, com dispensa da apresentação de projectos de arquitectura ou de especialidade e de projecto de execução;
1.7 - Definição do direito dos particulares, na decisão que consubstancia a aprovação ou denegação da pretensão de lotear ou edificar, como acto definitivo que adquirirá eficácia pelo cumprimento das formalidades necessárias a completar os elementos técnicos que permitam materializar a pretensão requerida com as condições legais e regulamentares exigíveis;
1.8 - Garantia dos direitos dos cidadãos promotores e dos cidadãos consumidores, seja contra a inércia das entidades, no primeiro caso, seja quanto à introdução no comércio jurídico de um produto devidamente licenciado, no caso dos segundos;
1.9 - Aligeiramento de formas processuais, através da introdução da figura da urbanização e edificação instantânea;
1.10 - Criação de uma forma de intervenção municipal preventiva e correctiva nos domínios da execução de obras e trabalhos, que permitirá a actuação coerciva rápida e efectiva, sem postergar os direitos de adaptação e correcção do promotor da obra;
1.11 - Criação de um mecanismo de garantia dos consumidores quanto ao dano proveniente de incumprimentos de projecto na execução da obra, bem como contra defeito de má execução.

II - Sobre a matéria objecto da iniciativa legislativa

2 - A matéria de que trata a presente iniciativa legislativa encontra-se dispersa por vários diplomas legais, merecendo especial referência por concentrarem o grosso das previsões legislativas que, através da presente iniciativa legislativa, se pretende fundir num único regime - o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares) e o Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro (regime jurídico dos loteamentos urbanos).
3 - Entretanto, no desenvolvimento da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 110/99, de 3 de Agosto, foi publicado o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação, o qual se encontra actualmente com a sua vigência suspensa pela Lei n.º 13/2000, de 20 de Janeiro.
4 - É ainda de referir que, em discussão conjunta com a presente iniciativa legislativa, será apreciada a proposta de lei n.º 50/VIII, da autoria do Governo, que pretende autorizar este a alterar o referido Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.

III - Parecer

Nestes termos, os Deputados da Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente são de parecer que o projecto de lei n.º 331/VIII está em condições de ser discutido na generalidade em Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

Palácio de São Bento, 6 de Dezembro de 2000. - O Deputado Relator, Nuno Melo - O Presidente da Comissão, Mário Albuquerque.

Nota: - O parecer foi aprovado por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.º 334/VIII
ESTABELECE MEDIDAS DE PREVENÇÃO E COMBATE A PRÁTICAS LABORAIS VIOLADORAS DA DIGNIDADE E INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA DOS TRABALHADORES

Nos últimos anos tem-se assistido à multiplicação de práticas empresariais violadoras da dignidade e integridade física e psíquica dos trabalhadores e traduzidas em várias formas de assédio nos locais de trabalho, assédio com graves consequências para os trabalhadores e criando novos riscos profissionais, como o stress e outros de origem psicológica e psiquiátrica, com particular desgaste físico e moral.
Há, obviamente, aqui um problema de respeito pela dignidade de quem trabalha e de respeito pelos direitos dos trabalhadores, cujo defesa e efectivação tem sido uma luta que o PCP tem desenvolvido, visando melhorar quer as leis do trabalho quer a justiça do trabalho.
Assegurar a efectivação de tais direitos é o único caminho capaz de assegurar o desenvolvimento do nosso país com respeito pelo valor do trabalho. Um desenvolvimento

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que tenha em vista a obtenção de condições de vida e de trabalho de nível elevado, onde a dignidade e os direitos dos trabalhadores sejam não só respeitados mas sejam tidos como meio indispensável e indissociável da construção do futuro.
É por isto mesmo que devem ser firmemente combatidas todas as práticas de assédio nos locais de trabalho tal como propõe o presente projecto de lei do PCP, onde se estabelece não só uma definição do conceito de assédio como dos actos e comportamentos que concretizam as respectivas práticas, estabelecendo-se, por um lado, um conjunto de sanções para os responsáveis e autores materiais do assédio e, por outro, garantindo-se as competentes reparações aos trabalhadores vítimas de tais condenáveis práticas.
Assim, ao abrigo dos disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Âmbito de aplicação e objecto

O presente diploma aplica-se a todas as entidades públicas ou privadas e visa estabelecer medidas de protecção dos trabalhadores contra práticas laborais violadoras da personalidade, dignidade e integridade física e psíquica dos trabalhadores, genericamente designadas por assédio.

Artigo 2.º
Conceito de assédio

1 - Entende-se por assédio o comportamento persecutório, deliberado, abusivo do empregador, do seu representante, do superior hierárquico, colega ou outra pessoa com poder no local de trabalho, através de insinuações ou ameaças verbais e por atitudes que visem a desestabilização psíquica dos trabalhadores, originando a degradação das condições de trabalho e tendo por objectivo principal o despedimento do trabalhador, a sua demissão forçada ou o prejuízo das perspectivas de progressão na carreira.
2 - São actos e comportamentos indiciadores de assédio, entre outros:

a) O retirar injustificado de tarefas anteriormente desempenhadas pelo trabalhador;
b) A despromoção injustificada de categoria anteriormente atribuída;
c) O constrangimento ao exercício de funções ou tarefas desqualificantes para a categoria;
d) A exclusão de informação relevante para a actividade do trabalhador;
e) A desqualificação sistemática dos resultados obtidos;
f) A violação, relativamente ao trabalhador, do princípio constitucional "a trabalho igual salário igual".

Artigo 3.º
Garantia de bom ambiente de trabalho

1 - Constitui dever do empregador garantir um bom ambiente de trabalho, prevenindo, nomeadamente, a ocorrência de toda e qualquer situação de assédio.
2 - Participada qualquer situação de assédio a Inspecção-Geral do Trabalho, para além da eventual instauração do processo contra-ordenacional, determinará relativamente ao empregador as medidas específicas necessárias para prevenção de ulteriores situações de assédio, a observar por aquele.

Artigo 4.º
Nulidade dos actos

Quaisquer actos e decisões praticados no âmbito de uma situação de assédio, designadamente os atinentes às alterações das categorias, funções, cargos ou transferências de posto de trabalho, são nulos e de nenhum efeito, nos termos gerais de direito.

Artigo 5.º
Sanções

1 - Sem prejuízo de aplicação de outra sanção que ao caso couber, constitui contra-ordenação muito grave qualquer acto ou comportamento qualificável como de assédio nos termos deste diploma.
2 - Os valores das coimas correspondentemente aplicáveis, de acordo com o n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto, serão agravados para o dobro.
3 - Em caso de reincidência os limites mínimo e máximo serão elevados para o dobro.

Artigo 6.º
Responsabilidade

1 - A entidade patronal e os superiores hierárquicos do agressor de assédio incorrem na responsabilidade solidária pelo pagamento das coimas aplicáveis.
2 - O autor do assédio incorre em responsabilidade disciplinar, sempre que tal procedimento tenha sido praticado contra a orientação da empresa ou indicações expressas dos superiores hierárquicos.
3 - O processo disciplinar, antes de proferida a decisão, será remetido à Inspecção- Geral do Trabalho e ao sindicato representativo da actividade profissional da vítima de assédio.
4 - A Inspecção-Geral do Trabalho ou o sindicato podem opor-se ao arquivamento dos autos, comunicando tal oposição no prazo de 20 dias; a oposição do sindicato deve também ser remetida à Inspecção-Geral do Trabalho.
5 - Verificando-se oposição por parte de qualquer das entidades referidas no número anterior, o processo disciplinar, sem decisão, será apenso ao processo contra-ordenacional que tiver sido instaurado para a apreciação de contra-ordenação.
6 - A decisão do processo disciplinar não poderá ser contrária à conclusão do processo contra-ordenacional, quando este terminar pela condenação ou pelo pagamento voluntário do coima.
7 - O disposto nos números anteriores não prejudica a responsabilidade civil ou criminal em que o autor do assédio tenha ocorrido.

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Artigo 7.º
Competência contra-ordenacional

1 - É da competência da Inspecção-Geral do Trabalho o levantamento de autos de notícia ou participação, nos termos definidos nos artigos 17.º e 20.º da Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto.
2 - O destino das coimas é o previsto no artigo 15.º da Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto.

Artigo 8.º
Reparação à vitima

1 - Sem prejuízo do direito às quantias devidas pelo incumprimento das leis de trabalho, a vitima de assédio tem direito a uma indemnização por danos não patrimoniais, nos termos gerais de direito.
2 - O empregador e o superior hierárquico do trabalhador, quando não sejam os autores materiais do assédio, são responsáveis solidariamente com o autor material pelo pagamento da indemnização por danos não patrimoniais.
3 - No caso de demissão forçada do emprego em consequência de assédio o trabalhador tem direito a uma indemnização calculada em dobro da que seria devida em situação de despedimento sem justa causa.

Artigo 9.º
Ónus da prova

1 - Nas acções que tenham por fundamento os actos e comportamentos referendados no n.º 2 do artigo 2.º sobre o trabalhador incumbe o ónus de provar a ocorrência dos actos e situações que fundamentem a sua pretensão, presumindo-se que os mesmos integram práticas de assédio.
2 - Sobre o actor material do assédio, quando não seja o empregador ou o superior hierárquico do trabalhador, recai o ónus de provar que os actos e comportamentos foram praticados sem a intenção de exercer qualquer violência psicológica ou outra.
3 - O superior hierárquico apenas se pode eximir da responsabilidade provando que comunicou ao empregador o seu desacordo relativamente à situação de assédio, ou que desconhecia, não tendo obrigação de conhecer a mesma situação.

Artigo 10.º
Regulamentação

O Governo deve regulamentar a lei no prazo máximo de três meses.

Artigo 11.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor na data da sua publicação.

Assembleia da República, 27 de Novembro de 2000. Os Deputados do PCP: Vicente Merendas - Lino de Carvalho - Odete Santos - Luísa Mesquita - Natália Filipe - Honório Novo - Joaquim Matias - Bernardino Soares - Cândido Capela Dias - Margarida Botelho - Octávio Teixeira - João Amaral.

PROJECTO DE LEI N.º 335/VIII
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA NO ÂMBITO DA INTERVENÇÃO POLICIAL: CRIME PÚBLICO

Existe um grave problema de segurança pública em Portugal e compete ao legislador definir e precisar os instrumentos fundamentais da prevenção e punição do crime.
O Bloco de Esquerda propõe e defende medidas estruturantes de uma política de segurança assente no respeito dos direitos dos cidadãos e no cumprimento dos seus deveres, bem como dos deveres das autoridades públicas.
Neste sentido os proponentes têm defendido e continuam a defender um conceito de cidadania sem restrições, o que implica necessariamente o reconhecimento ao direito de sindicalização dos agentes da PSP.
O presente projecto de lei determina o estatuto de crime público nos casos de actos de agressão exercidos sobre ou por agentes de autoridade, seguindo o princípio fundamental da consistência entre direitos e deveres.
Portugal é um dos países largamente citado nos relatórios da Amnistia Internacional também por agressões cometidas por agentes das forças de segurança pública contra cidadãos, em especial quando detidos ou reclusos. Portugal, Itália, Rússia e Bielorússia são os países onde as condições de reclusão são mais acompanhadas por actos de violência cometidos por agentes de segurança e onde, com maior frequência, são violadas as normas internacionais de protecção dos direitos humanos.
Em Portugal são numerosos os casos recentes. Relembremos apenas alguns.
Na noite de 14 de Janeiro deste ano, no Porto, Paulo Silva, de 32 anos, toxicodependente, chegou a casa num estado físico deplorável, alegadamente por ter sido agredido pela polícia. Entrou em colapso e a mãe transportou-o ao Hospital de S. João, onde faleceu. O relatório do Instituto de Medicina Legal atribuiu a sua morte a um conjunto de ferimentos internos.
Nessa mesma noite Álvaro Rosa Cardoso, de etnia cigana, morreu sob a custódia da polícia, tendo sido indiciados e presos preventivamente dois agentes da PSP, que foram posteriormente ilibados.
Em Fevereiro de 1999 dois irmãos residentes na Moita, Rui Pedro e Pedro Baptista Mecha, foram detidos pela PSP e terão sido sujeitos a violentas agressões. Mesmo após a captura as agressões continuaram, tendo sido atingidos no rosto e no estômago, provocando vómitos. Um deles sofreu paralisia facial e de uma perna, que obrigou ao seu internamento durante vários dias.
Em Julho do mesmo ano Fernando Azevedo, considerado pela própria polícia como um criminoso menor, foi alvejado a tiro e morto pela polícia do Porto, no decurso de uma operação de trânsito considerada de rotina.
Em Fevereiro de 1998, em Vila Franca de Xira, Vítor Manuel Santos foi preso num bar por agentes de segurança. Terá sido sujeito a agressões físicas no caminho para a esquadra e dentro dela. Um relatório médico do hospital onde se dirigiu no dia seguinte atesta que estava num estado de grande ansiedade e depressão, revelando ainda marcas de agressão física. Mais tarde ter-se-á suicidado com um tiro na cabeça.

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Em Junho do mesmo ano Belmiro Santana relatou que foi agredido por cinco guardas na prisão de Caxias. Ter-lhe-iam batido nos braços e noutras partes do corpo e partido os dentes, deixando-o sozinho num compartimento sem assistência médica.
Situações como esta são tanto mais graves quanto o Estado português não acatou recomendações do Provedor de Justiça no que se refere à organização de uma instituição de tratamento de queixas de presos sobre maus tratos.
Considerando que o agente de autoridade tem particulares deveres de protecção do cidadão, as ofensas à integridade física dos cidadãos por agentes de segurança pública devem ter a natureza de crime público.
Propõe-se, assim, que, para além de se prever que a agressão a agentes policiais seja considerada crime público como garantia de salvaguarda da sua imagem de autoridades públicas, se deva considerar também crime público as ofensas à integridade física dos cidadãos quando causadas pelas mesmas autoridades.
Desta forma, a Deputada do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo único

O artigo 143.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 45/95, de 15 de Março, e pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 143.º
(Ofensa à integridade física simples)

1 - (...)
2 - O procedimento criminal depende de queixa, excepto:

a) Quando a ofensa seja praticada por agentes das forças de segurança no exercício das suas funções;
b) quando a ofensa seja praticada contra agentes das forças segurança no exercício das suas funções.

3 - (...)

a) (...)
b) (...)

Assembleia da República, 6 de Dezembro de 2000. A Deputada do BE, Helena Neves.

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 50/VIII
(RECOMENDAR AO GOVERNO QUE REFORCE UM PROGRAMA ESPECÍFICO SÉRIO DE COMBATE À TUBERCULOSE)

Propostas de alteração apresentadas pelo PS

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista propõe as seguintes alterações ao projecto de resolução n.º 50/VIII, na parte que diz respeito às recomendações:

1 - Adequação dos recursos humanos e meios técnicos nas estruturas de saúde responsáveis pelo combate à tuberculose pulmonar (TP), com atenção particular às zonas de maior incidência do País;
2 - Alargamento e melhoria do funcionamento das estruturas de prevenção e acompanhamento junto de populações de risco, designadamente imigrantes, imunodeprimidos pelo HIV, toxicodependentes e reclusos;
3 - Reforço dos cuidados domiciliários e, quando apropriado, da quimioprofilaxia e dos esquemas de toma observada directamente em áreas-problema e/ou em programas focais de erradicação da tuberculose, e de outras patologias;
4 - (...);
5 - Reforço das unidades hospitalares com condições para internamento de doentes com tuberculose, tendo em conta a realidade geográfica do fenómeno e a rede hospitalar do Serviço Nacional de Saúde;
6 - (...);
7 - Manutenção e execução da política de vacinação universal, no quadro do Plano Nacional de Vacinação;
8 - (...);
9 - Avaliação e divulgação anual da execução regional do Programa de Luta contra a Tuberculose por parte das Administrações Regionais de Saúde;
10 - Divulgação das estatísticas nacionais referentes à tuberculose, pela Direcção-Geral de Saúde.

Assembleia da República, 6 de Dezembro de 2000. - Os Deputados do PS: Luísa Portugal - João Rui de Almeida - Paulo Pisco - Victor Moura - João Pedro Correia - e mais uma assinatura ilegível.

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 85/VIII
SOBRE A INSTALAÇÃO DE ATERROS SANITÁRIOS

É do conhecimento público a existência de múltiplos protestos quanto à construção e instalação de aterros sanitários, que revelam preocupações legítimas das populações, que têm direito a ser devidamente esclarecidas.
Efectivamente, a legislação em vigor quanto às empresas multimunicipais responsáveis pela construção e exploração dos aterros sanitários, dos planos directores municipais, dos planos de urbanização ou planos especiais de gestão de áreas protegidas não fazem qualquer referência à necessidade de estudo de impacto nos locais previstos para a sua instalação, sendo que o regime jurídico das concessões de exploração e gestão de sistemas multimunicipais de tratamento apenas exige a aprovação prévia do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território para a construção e prevê a constituição de comissões de acompanhamento para a fiscalização do funcionamento.
Por seu turno, as normas sobre resíduos sólidos apenas obrigam à elaboração de projectos de acordo com critérios "de protecção da saúde pública e do ambiente".
Esta legislação prolifera deixando ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território a responsabilidade de decisão, não se impondo em inúmeras circunstâncias qualquer avaliação do impacto ambiental das possíveis alternativas.
Com excepção das localizações já previstas nos planos directores municipais, onde houve informação e participação

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populares, embora de forma indirecta, na discussão das localizações, todos os outros casos têm um défice nesta área.
Deste modo, tendo em conta a omissão verificada no quadro legislativo produzido pelo Governo, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de resolução:
O Governo deve tomar a curto prazo as providências necessárias, designadamente no plano normativo, no sentido de em qualquer circunstância ser exigida uma avaliação do impacto ambiental, com a inerente participação das populações, sobre as localizações propostas para a construção e instalação de aterros sanitários.

Assembleia da República, 30 de Novembro de 2000. - Os Deputados do PCP: Joaquim Matias - Octávio Teixeira - Honório Novo.

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 41/VIII
(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, O ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL, ABERTO À ASSINATURA DOS ESTADOS EM ROMA, EM 17 DE JULHO DE 1998)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

Sobre a questão prévia da conformidade à Constituição

1 - O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 41/VIII, visando a aprovação, para ratificação, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, aberto à assinatura dos Estados em Roma, em 17 de Julho de 1998, e subscrito por Portugal em 7 de Outubro seguinte.
Remeteu também o Governo à Assembleia da República um parecer que solicitou à Procuradoria-Geral da República, datado de 27 de Janeiro de 2000, subscrito pelo então Procurador-Geral Adjunto, Dr. José Souto de Moura, em que se conclui ser a ratificação da Convenção relativa ao Estatuto do TPI compatível com as normas e princípios da Constituição da República Portuguesa.
No sentido de melhor esclarecer esta compatibilidade, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias deliberou promover algumas audições, tendo sobre a matéria ouvido o Prof. Jorge Miranda, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica, o então Procurador-Geral da República, Dr. Cunha Rodrigues, as Dr.as Ana Luísa Riquito e Catarina Ventura, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a Direcção da Associação das Mulheres Juristas e ainda recebido um depoimento escrito do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, também da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
2 - Embora a Constituição da República Portuguesa se possa dizer uma Constituição "amiga do direito internacional" (Jorge Miranda), não vai ao ponto de reconhecer, como outras (Holanda e Áustria), a supraconstitucionalidade do direito internacional convencional.
Pelo contrário, prevê-se nela expressamente a fiscalização da constitucionalidade dos tratados - artigos 277.º, 278.º, 279.º e seguintes da CRP -, o que conduz, em via directa, à necessidade de aferição da conformidade entre as normas convencionais que se pretende acolher e as normas constitucionais vigentes.
Suscitadas, como o foram no presente caso, questões de compatibilidade entre essas duas categorias de normas encontra-se configurada uma verdadeira questão prévia em relação a todo o procedimento parlamentar subsequente - haverá normas integrantes do Estatuto de Roma, submetido à Assembleia da República para aprovação, desconformes à Constituição? - que cumpre, antes de mais, dilucidar.
Pelo sentido da conclusão atingida, a tal questão da conformidade/desconformidade das normas do Estatuto à Constituição se circunscreverá de momento a análise.
3 - O Estatuto de Roma vem criar um tribunal criminal internacional (o Tribunal), de carácter permanente, inserido de maneira original no sistema das Nações Unidas, com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afectam a comunidade internacional (genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e agressão).
A criação do Tribunal assinala a passagem de uma justiça criminal internacional ad hoc, quase sempre ligada, directa ou indirectamente, à vontade dos vencedores, a um projecto de justiça criminal internacional permanente, com uma mais autónoma e estável radicação nos valores e princípios da consciência jurídica que hoje suportam a emergência de um jus cogens e uma escala tendencialmente global - Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1999, p. 1218, e Pereira, AG Quadros, F., Manual do Direito Internacional Público, 3.ª edição, 2000, p. 84 e seguintes.
Ao contrário, porém, do que aconteceu com vários tribunais criminais internacionais ad hoc - assim aconteceu por último com os tribunais criados pelas Nações Unidas para julgar os crimes na ex-Jugoslávia e no Ruanda - , o Tribunal criado em Roma não fica investido de uma "competência primária" para o julgamento dos crimes acima elencados. De harmonia com o Estatuto, na articulação com os sistemas judiciais nacionais, o Tribunal fica colocado numa particular posição de "complementaridade".
Em termos gerais, e considerando o efeito conjugado das várias normas aplicáveis, pode dizer-se que o Tribunal actuará quando os sistemas judiciais estaduais (competentes, basicamente, em razão dos princípios clássicos da territorialidade ou da nacionalidade) o não puderem ou quiserem fazer ou, ainda, quando os procedimentos observados não sejam considerados genuínos.
No sistema delineado não pode falar-se em rigor nem duma exigência de exaustão prévia dos meios nacionais nem de algo recondutível à ideia de subsidiariedade - pelo menos no sentido mais comum deste plurifacetado princípio. A "complementaridade" desenhada no Estatuto envolve uma verdadeira dimensão correctiva, autorizando o Tribunal a exercer, se for caso disso, uma corrective action - BOS, A, The International Criminal Court: Recents Developments, in Reflection on the International Criminal Court, The Hague, 199, p. 44 - sobre os sistemas nacionais.
O efeito desta particular complementaridade jurisdicional é ampliado pela circunstância do direito a aplicar pelo Tribunal

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ser direito internacional e não direito estadual - podendo assim não existir, e com frequência não existindo, continuidade, pelo menos na fase actual, entre princípios, normas e, sobretudo, tipos criminais acolhidos num e noutros. Quanto mais uma ordem jurídico-criminal estiver afastada do direito internacional a aplicar pelo Tribunal, maior será, pois, a margem de intervenção deste.
Assim, se já não seria exacto, pelo que fica dito, conceber o Tribunal como uma "extensão" do sistema judicial nacional, será inexacto também reduzir o sistema prefigurado no Estatuto a uma "extensão" do sistema penal nacional. É de algo mais e de diferente que se trata: o Tribunal vem dotar o emergente "sistema jurídico internacional dos direitos do homem"(Canotilho) de uma instância de justiça penal própria, ampliando as suas possibilidades de acção, directa e reflexivamente, sobre os sistemas nacionais.
Até agora, ou até há bem pouco, podia fazer-se o ponto da situação do direito internacional reconhecendo que "a definição e a repressão dos crimes internacionais cabe ainda, no momento actual do direito internacional, aos Estados e que as normas do direito internacional que as contemplam não se projectam directamente na esfera jurídica dos indivíduos" - Pereira, A G. e Quadros, F. cit. p. 385. Com a entrada em funcionamento do Tribunal, como instância permanente, dotada de "imediatividade" (idem, p. 416) e proferido decisões self executing - cifra, em especial, o artigo 105.º, n.º 1, ode se estabelece que "a pena privativa da liberdade adquirirá força executória para os Estados parte, não podendo estes modificá-la em caso algum" - será virada a página e desactualizado tal diagnóstico.
4 - O Estatuto ocupa-se, sucessiva e extensivamente, da criação do Tribunal, competência, admissibilidade e direito aplicável, princípios gerais de direito penal, composição e administração do Tribunal, tramitação processual, julgamento, penas, recurso e revisão, cooperação internacional e auxílio judiciário, execução da pena, assembleia dos Estados parte e financiamento.
Dado o objectivo prosseguido nesta análise, far-se-á de seguida uma exposição circunscrita, no essencial, às soluções constantes do Estatuto susceptíveis de conflituar com normas da Constituição e, por isso, relevantes para a avaliação em vista.
5 - Verificados determinados requisitos, nem todos controláveis pelo Estado português, o Tribunal poderá julgar crimes, previstos no Estatuto, praticados em território português, nomeadamente por nacionais e, dentre estes, por titulares de órgãos de soberania da República Portuguesa. Uma grande parte dos crimes que o Tribunal tem competência para julgar supõe mesmo que os respectivos autores ou suspeitos se encontrem investidos em funções estaduais ou semelhantes.
A intervenção do Tribunal pode ser desencadeada (trigger mechanism) - Arsansani, M. Reflections in the Jurisdiction and Trigger Mechanism, in Reflection, p. 57 e seguintes, artigo 13.º do Estatuto - apor iniciativa de um Estado parte, do Procurador do Tribunal ou do Conselho de Segurança das Nações Unidas (com a particularidade de, neste último caso, as situações denunciadas não necessitarem de preencher qualquer requisito de nacionalidade ou territorialidade em relação a um Estado parte). Apesar de se encontrar previsto um procedimento de deference - artigo 19.º do Estatuto sobre a questão da "deferência para com a jurisdição nacional", v. Arbour, L. e Bergsmo, Conspicual Absence of Jurisdictional overreach in Reflections - em direcção às jurisdições nacionais, que pode conduzir a que os casos venham a ser julgados nestas, isso não ocorrerá quando o Tribunal entenda que o Estado "não tem vontade" ou "não tem capacidade efectiva" para julgar os crimes, relevando para esse efeito "a demora injustificada no processamento", a ausência de independência ou imparcialidade na condução do processo ou, ainda, a verificação da situação de "colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou indisponibilidade desta" (artigo 17.º do Estatuto - para Arbour e Bergsmo, cit, o "colapso parcial" é suficiente para legitimar a intervenção do Tribunal, p.131 -, para além, obviamente, da adequação do direito interno ao direito internacional aplicável pelo Tribunal.
Isto significa que fica claramente prevista a possibilidade do Tribunal, sem a iniciativa do Estado parte, mesmo contra a sua vontade ou ponto de vista no caso concreto, julgar crimes cometidos em território nacional por nacionais, por hipótese até detentores de qualidades oficiais - nomeadamente ordenando prisões e impondo penas a nacionais, a cumprir noutros Estados, através de decisões punitivas com "força obrigatória para os Estados parte, não podendo estes modificá-las em caso algum" - artigos 53.º, 86.º, 89.º, 103.º e 105.º do Estatuto.
6 - O poder de um Estado exercer jurisdição sobre os crimes cometidos no seu território é um atributo essencial da soberania - Hillier, T., Sourcebook on Public International Law, Londres, 1998, p. 254. Só poderá mesmo falar-se de Estado soberano quando se esteja perante uma "afirmação de poder ou supremacia dentro de determinado território concretamente traduzido no exercício de competências soberanas: legislação, jurisdição e administração" - Canotilho, op., cit., p. 1218. Também Evans, in The Transformation of democracy? Globalisation and Territorial Democracy, ed. ª McGren, 1997, p. 122, The fundamental principle of international relations is sovereignty, which includes domestic jurisdictions.
Não custa perceber que a dimensão jurisdicional da soberania se revela um domínio particularmente sensível quando possam estar em causa actos de responsáveis públicos ou titulares de órgãos de soberania, e, muito em especial, daqueles a quem cabe representar os Estados. Daí que o direito internacional clássico tenha desenvolvido uma vasta doutrina sobre imunidades, ratione personae e ratione materiae, cujo racional decorre do objectivo de salvaguardar, directa e reflexamente, a própria soberania do Estado, evitando qualquer situação que pudesse sugerir que a sua vontade admitia sujeição a outros tribunais que não os seus.
A Constituição identifica Portugal como uma República soberana (artigo 1.º) e os tribunais como órgãos de soberania, a quem cabe administrar a justiça, relevando neste caso a justiça penal, em nome do povo (artigo 202.º, n.º 1).
O Tribunal criado pelo Estatuto, ou a categoria a que se deva inserir, não se encontra directa ou indirectamente previsto ou admitido no texto constitucional (artigo 209.º e seguintes) e a esfera jurisdicional que lhe é atribuída virá reduzir, correlativamente, a dimensão de soberania constitucionalmente deferida aos tribunais - órgãos de soberania, no Capítulo V da Constituição. Com o Estatuto, a "competência soberana" (Canotilho) do Estado Português que a jurisdição

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constitui resultará necessariamente diminuída, por transferência para o Tribunal de uma sua parcela.
Não é admissível que a lei ou o Tratado, sem prévia credencial constitucional, reduzam a esfera de "competência soberana", constitucionalmente conformada, de órgãos expressamente representados como "órgãos de soberania". Não o é, em especial, para o efeito de proceder à "expatriação" da titularidade ou do exercício duma parte dessa competência, fazendo-a deslocar para o exterior da ordem constitucional nacional.
Tal implicaria, no domínio específico da jurisdição, uma "exportação" inconstitucional de parte de uma competência soberana: enquanto se comprimiria, por via infraconstitucional, a esfera jurisdicional conferida aos tribunais portugueses (órgãos de soberania) por essa mesma via ampliar-se-ia a margem de dependência de órgãos de soberania nacionais (tribunais) de formas de controlo, fiscalização e correcção ou tutela de órgãos externos, constitucionalmente não previstos.
É verdade que no mundo contemporâneo se apresentam, neste domínio, sinais de mudança e se tornou trivial dizer que a soberania já não é o que era: na época da integração regional, da internacionalização e da globalização, à maior parte dos Estados actuais já não se poderia aplicar o requisito clássico superiorem non recognoscem - analisando, por último, os efeitos da globalização sobre o Estado soberano Giddens escreve Under the impact of globalisation, sovereignty has became fuzzy, in Runaway world, New York, 2000, p. 97.
Sem desconhecer as transformações em curso, deve, no entanto, reter-se que o modelo do Estado soberano, tal como construído pelo constitucionalismo nacional, "permanece o paradigma básico da agenda das relações internacionais - Canotilho, op., cit., p. 1219. E quando numa Constituição nacional, como é o caso da nossa, submete o direito internacional convencional a controlo de constitucionalidade, isso revela bem uma estadualidade constitucional que permanece "senhora dos tratados", com o significado particular que isso comporta no caso dos tratados que instituem organizações ou soluções supranacionais.
7 - É verdade ainda que, segundo a Constituição, Portugal se rege nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional e do respeito dos direitos do homem (artigo 7.º). Mas parece forçado retirar deste princípio uma autorização constitucional suficiente para legitimar o efeito em vista, ou seja, a deslocação de competências para o Tribunal.
Em 1992, também a clara decisão europeia, a favor do reforço da identidade europeia e da acção dos Estados europeus em prol da paz, do progresso económico e da justiça entre os povos (acolhida no artigo 7.º, n.º 5, na revisão constitucional de 1989), não pareceu bastante para permitir a ratificação do Tratado de Maastricht, por se entender que não autorizava as transferências ou alterações na forma de exercício da soberania que esse tratado acarretava. Considerou-se então necessário introduzir uma habilitação constitucional expressa para se poder "convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia" (artigo 7, n.º 6, aditado pela LC n.º 1/92).
E assim se evoluiu da mais vaga "cláusula europeia" preexistente para uma mais densa "cláusula de integração europeia", em que a Constituição passa a enfrentar directamente a questão da deslocação de competências soberanas específicas do Estado constitucional para a comunidade europeia - e a autorizou.
O juízo que então prevaleceu sobre a insuficiência da cláusula europeia ao tempo acolhida na Constituição é, neste caso, inteiramente aplicável com referência ao princípio do respeito pelos direitos do homem: será preciso que a Constituição queira e diga mais para tornar legítima a alteração que se visa no exercício da jurisdição criminal. Uma cláusula "amiga dos direitos do homem" não contem implícita uma cláusula de autorização da expatriação, no todo ou em parte, da respectiva tutela jurisdicional penal (isto é particularmente claro num ambiente , que é o "ambiente internacional" da nossa Constituição, em que a repressão dos crimes internacionais cabe ainda aos Estados - cifra Pereira, A, G., Quadros, F., op., cit., p. 385): uma abertura com esse alcance só poderá, também aqui, resultar de uma expressa decisão constitucional sobre a deslocação de competências para o sistema internacional penal.
Nos presentes termos constitucionais, a ratificação do Estatuto de Roma, consagrando a criação de um Tribunal com as características, competências e poderes nele previstos, e a correlativa compressão da competência jurisdicional penal hoje atribuída pela CRP aos órgãos de soberania - tribunais portugueses - colidiria com o artigo 1.º e com os artigos 202.º, 209.º e seguintes da Constituição.
8 - O Estatuto inclui a prisão perpétua entre as penas aplicáveis pelo Tribunal.
A Constituição não só proíbe a prisão perpétua como quaisquer penas ou medidas análogas com duração ilimitada ou indefinida: "Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida" (artigo 30.º, n.º 1). E no discurso constitucional nacional tem-se entendido que o princípio de natureza temporária, limitada e definida das penas é decorrência do direito á liberdade (artigo 27.º), da proibição de penas cruéis, degradantes ou desumanas (artigo 25.º, n.º 2), - e mesmo da ideia de protecção da segurança, ínsita no princípio de Estado de Direito (artigo 2.º) - Canotilho, J. e Moreira, V., CRP Anotada, 3.ª edição, p. 167. Há, pois, conflito indisfarçável entre a solução do Estatuto e a solução constitucional. E tal conflito não desaparece por no Estatuto se prever uma reapreciação da pena perpétua ao fim de 25 anos de cumprimento de tal pena - artigo 110.º, n.º 3 - "Quando a pessoa já tiver cumprido dois terços da pena, ou 25 anos de prisão em caso de prisão perpétua, o tribunal reexaminará a pena para determinar se haverá lugar à redução".
É que não existe qualquer sentido predeterminado para essa reapreciação - cifra artigo 110.º, n.º 4, do Estatuto -, sendo, pois, em rigor, inantecipável o seu resultado, pelo que o princípio constitucional da natureza temporária, limitada e definida das penas fica sempre interferido pela norma do Estatuto que prevê a prisão perpétua.
9 - De forma coerente com a proibição da prisão perpétua, a Constituição só admite "a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança preventiva ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada" (artigo 33.º, n.º 5). No mesmo preceito

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se estabelece também que a "extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo" (artigo 33.º, n.º 4).
Prevê o Estatuto que o Tribunal possa pedir a detenção e entrega de uma pessoa, independentemente de tais requisitos, devendo os Estados partes dar satisfação a tais pedidos (artigo 89.º e seguintes). Também aqui se anuncia, pois, oposição.
É evidente que não há equivalência plena entre extradição e entrega de pessoa ao Tribunal (surrender), mas poderá dizer-se que a diferença é "mínima" - Cf. Bos, A. cit. 39 While it is true that the working adopted in the statute is "surrender" in practice the difference is often minimal. E seria simplista fazer decorrer do facto de num caso estar em causa um outro Estado, ou um tribunal de um outro Estado, e noutro um tribunal internacional, uma diferença de regime constitucionalmente aplicável. Se são as garantias individuais que constituem a ratio da preocupação constitucional, essa preocupação é igualmente válida para os dois casos. Por outro lado, o sentido da solução constante do artigo 33.º, n.º 5, articulado com o do artigo 30.º, n.º 1, só pode ser de que a Constituição não quer que se aplique a prisão perpétua, proibindo o Estado não só de a aplicar como também de colaborar com outros que a aplicam para o efeito de a poderem aplicar. Se assim é, a solução constitucional para o caso de extradição é tão aplicável a um pedido de um tribunal internacional como a um tribunal de outro Estado - salvo específica mensagem constitucional noutro sentido, que ainda não foi formulada.
10 - Em matéria de extradição de nacionais, vigorou no direito constitucional português, até à revisão de 1997, um proibição absoluta. Desde então, tal extradição é admitida, nos termos agora regulados no artigo 33.º, n.º 4, da Constituição, mas apenas nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada. De facto, foram estes os únicos tipos de crime que pareceram então suscitar especiais exigências de cooperação e internacionalização judiciária, capazes de justificar a flexibilização da proibição tradicionalmente consagrada.
Deste modo, a generalidade dos crimes contra a humanidade e crimes de guerra e bem assim outros crimes internacionais estão de fora do alcance do novo preceito constitucional - vigorando, pois, para eles o princípio da proibição da extradição de nacionais que, nos termos acima expostos, e segundo os actuais dados constitucionais, tem de envolver também proibição de entrega (surrender) de nacionais a tribunais internacionais.
Pela relativa desactualização das opções jurídico-penais, pelas necessidades decorrentes da construção de espaços europeu e internacional de justiça criminal, sem os quais os crimes mais graves permanecerão sem punição - este é porventura um dos pontos do texto constitucional carecidos de urgente reavaliação. E a criação do Tribunal poderá constituir um estímulo e uma ocasião para o aperfeiçoamento da actual disciplina.
Isso não impede, no entanto, que se tenha de concluir, hoje, que as normas do Estatuto que prevêem a entrega de nacionais pelo Estado português ao Tribunal - fora dos estritos e praticamente inaplicáveis termos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição - violam a regra constitucional da proibição de extradição de nacionais (artigo 33.º, n.º 1).
11 - Na linha da tendência desenvolvida pelos instrumentos mais recentes do direito penal internacional (v.g. Convenção sobre a Tortura, Estatuto dos Tribunais Internacionais para a ex-Jugoslávia e o Ruanda) o Estatuto consagra a doutrina da irrelevância da qualidade oficial (artigo 27.º).
"1 - O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro do Governo ou do Parlamento, de representantes eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução de pena.
2 - As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa".
Pode dizer-se que a agenda do direito internacional, nesta matéria, é hoje dominada pelo assalto à doutrina das imunidades em nome do princípio, aqui vitorioso, da irrelevância da qualidade oficial - as actas do recente julgamento do pedido de extradição de Pinochet, acessíveis na Internet, documentam de forma exaustiva a actual situação do direito internacional na matéria (ver em particular os votos dos Lordes Hutton e Saville of Newdigate). O que se ambiciona é que aquelas não possam servir para obter a impunidade dos que, ocupando cargos de Estado, são autores de crimes que afectam a comunidade internacional por lesarem bens jurídicos que são considerados essenciais para o seu desenvolvimento. Em relação ao crime de tortura, por exemplo, tal objectivo está já em medida significativa alcançado, ainda que por outra via, com a adopção convencional simultânea da doutrina da irrelevância da qualidade oficial e do princípio da competência universal (solução diferente, pois, da que subjaz ao Estatuto do Tribunal), como o mundo se pôde aperceber a propósito do caso Pinochet, impensável há poucos anos atrás.
Está em causa saber se o nosso direito constitucional está em linha com as consequências da adopção, no Estatuto, da doutrina da irrelevância da qualidade oficial, ou se há desconformidade relevante.
A Constituição consagra, a este respeito, regimes especiais aplicáveis à efectivação da responsabilidade criminal do Presidente da República, membros do Governo e Deputados.
11.1 - Quanto ao Presidente da República (PR), a Constituição distingue entre crimes praticados no exercício de funções, para cujo julgamento atribui competência exclusiva ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), e crimes estranhos ao exercício das funções, relativamente aos quais o Presidente da República responde, depois de findo o mandato, perante os tribunais comuns (no caso de reeleição, após o termo do segundo mandato).
No primeiro caso, exige ainda que a iniciativa do processo caiba à Assembleia da República, mediante proposta

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de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.
Não é defensável pretender que a norma constitucional que atribui foro especial ao Presidente da República em relação à primeira categoria de crimes, negando competência a quaisquer outros tribunais que não o STJ, apenas é aplicável na hipótese dele responder perante tribunais portugueses. Por maioria de razão, os motivos que levaram a que se entendesse que o primeiro representante da República não deveria responder perante outros tribunais portugueses, valem para outros quaisquer tribunais. Não foi, aliás, por acaso que em relação aos chefes de Estado o direito internacional clássico construiu as mais cerradas imunidades ratione personae - por se entender que a submissão de um chefe de Estado a um tribunal estrangeiro ou a um outro tribunal que não os do seu país é susceptível de contender com a dignidade e soberania do Estado em causa.
Seria pouco razoável procurar concluir, por via interpretativa, que a solução constitucional respeitante ao Presidente da República era taxativa e restritiva em relação ao foro interno e aberta e permissiva em relação a foro externo ou internacional.
Parece mais autêntico, do ponto de vista histórico e lógico, e mais em linha com o direito internacional que tem constituído o ambiente do texto constitucional, entender que a Constituição não quis admitir que um Presidente da República, por crimes praticados no exercício das suas funções, comparecesse perante outro qualquer tribunal que não o órgão de soberania - Supremo Tribunal de Justiça.
Assim sendo, há desconformidade inevitável entre o artigo 17.º do Estatuto e subsequente possibilidade de sujeição do Presidente da República a julgamento no Tribunal e o artigo 130.º da Constituição.
Também a iniciativa do processo, nos seus vários momentos a cargo da Assembleia da República, e nos termos em que é configurada na Constituição, não poderá ser concebida como um acto obrigatório ou vinculado às ordens ou opiniões duma entidade externa. Atenta a liberdade de voto dos Deputados e a natureza da Assembleia da República como órgão de soberania, não seria imaginável, sem expressa previsão constitucional, que os Deputados e a Assembleia da República devessem actuar em sentido predeterminado por pedido ou ordem do Tribunal, a que fosse devida satisfação. Assim, existe também incompatibilidade entre o procedimento parlamentar previsto no artigo 130.º, n.º 2, da Constituição e o artigo 17.º, conjugado com os artigos 86.º (obrigação geral de cooperar), 89.º (entrega de pessoas) e seguintes do Estatuto.
E há ainda colisão entre esses artigos e a solução prevista no artigo 130.º, n.º 4, da Constituição, que difere para o termo do mandato (em caso de reeleição, para o termo do segundo mandato) a efectivação de responsabilidade criminal por actos do Presidente da República estranhos às suas funções, o que não é compatível com a obrigação de uma "cooperação plena" decorrente do Estatuto (artigo 86.º).
Pelo que fica exposto, conclui-se pela incompatibilidade entre o regime aplicável a chefe de Estado desenhado no Estatuto (artigos 17.º, 86.º, 89.º e seguintes, em particular) e o que decorre do artigo 30.º da Constituição quanto ao regime de efectivação de responsabilidades criminais do Presidente da República.
11.2 - Quanto à efectivação da responsabilidade criminal dos membros do Governo, estabelece o artigo 196.º da Constituição:
"1 - Nenhum membro do Governo pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia da República, salvo por crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante delito.
2 - Movido procedimento criminal contra algum membro do Governo, e acusado este definitivamente, a Assembleia da República decidirá se o membro do Governo deve ou não ser suspenso para o efeito do seguimento do processo, sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trata de crime do tipo referido no número anterior".
Também com esta disciplina constitucional se não harmonizam inteiramente as normas do Estatuto.
No caso de acusação definitiva respeitante a crimes a que correspondam penas de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos de prisão (o que será o caso para os crimes para que é competente o Tribunal) a decisão da Assembleia da República de suspensão para seguimento do processo é, constitucionalmente, obrigatória e não se depara por isso com dificuldade intransponível. Já nas demais hipóteses - nomeadamente aquelas em que fosse pedida a detenção e entrega de um membro do Governo, ou a sua prisão preventiva, fora do caso de flagrante delito - existe discrepância entre o que decorre do Estatuto e a norma constitucional, porquanto a Assembleia da República não pode estar vinculada - sem previsão constitucional - a deliberar da forma pretendida pelo Tribunal e imposta pelo dever de cooperação plena. De facto, não parece admissível criar, através de normas infraconstitucionais, outros casos de autorização obrigatória não previstos na Constituição: seria fazer revisão constitucional disfarçada.
11.3 - Quanto aos Deputados, consagra a Constituição um regime de imunidades em sentido próprio (artigo 157.º):
"1 - Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.
2 - Os Deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.
3 - Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime doloso a que corresponda a pena de prisão referida no número anterior e em flagrante delito.
4 - Movido procedimento criminal contra algum Deputado, e acusado este definitivamente, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo, sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trate de crime do tipo referido nos números anteriores".
Devendo reconhecer-se remota a possibilidade de, no âmbito do n.º 1 do artigo 157.º da Constituição ("votos" e "opiniões"), serem cometidos crimes para cujo julgamento

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seja competente o Tribunal, tal hipótese não é contudo descartável, do mesmo modo que o não poderá nem deverá ser em relação aos outros Estados que ratifiquem o Estatuto. A consideração do conjunto do processo legislativo e das intervenções nele doutros órgão de soberania e do Tribunal Constitucional não chega para de todo neutralizar essa eventualidade, desde logo porque "votos" e "opiniões" poderão, em certas circunstâncias, assumir relevância jurídico-criminal independentemente do concreto desfecho do processo legislativo (isto é, sem necessidade de prévia adopção de lei que, por absurdo, integrasse ou compelisse à prática de um crime internacional).
É que, nos termos do Estatuto, considera-se criminalmente responsável e admite-se expressamente a punição de quem ordene, provoque, instigue ou incite à prática dum crime, ainda que sob a forma de tentativa (artigo 25.º, n.º 3).
Identifica-se, pois, aqui uma primeira linha de conflito entre o Estatuto, e em particular de seu artigo 17.º, e a imunidade consagrada no n.º 1 do artigo 157.º.
Nos demais casos previstos nos n.º 2 e 3 do artigo 157.º da Constituição em que é requerida autorização da Assembleia e esta não é expressamente prevista como obrigatória - o exemplo típico será a autorização da prisão de Deputado fora do flagrante delito - reencontra-se o problema já atrás equacionado. Não podendo conceber-se a actuação da Assembleia como vinculada a um acto externo emanado do Tribunal, há, também neste ponto, colisão entre o disposto no Estatuto, nomeadamente nos artigos 17.º, 86.º, 89.º e as regras constitucionais vigentes (artigo 157.º).
12 - A desconformidade detectada entre soluções consagradas no Estatuto e algumas soluções constitucionais portuguesas indicia que a nossa Constituição, que em 1992 soube incluir elementos de flexibilidade que pareceram necessários para legitimar a prossecução da construção da União Europeia, está agora perante o advento de uma justiça internacional criminal, digna desse nome, sem que possua idêntica "janela".
Um entendimento da soberania genericamente alinhado, pelo menos nalgumas das suas dimensões, por uma fase do direito internacional público agora em vias de ultrapassagem; uma visão da criminalidade, e mesmo da criminalidade internacional, anterior à actual percepção dos crimes internacionais, e em particular dos crimes contra a humanidade e das particulares resposta punitivas por eles reclamadas; regimes de efectivação da responsabilidade criminal de titulares de órgãos de soberania também com alguns problemas de sintonização com as tendências emergentes do direito internacional; uma leitura restritiva da cooperação e da "internacionalização" judiciárias requeridas para o combate aos crimes mais graves, sob pena de ineficácia e de alargamento da impunidade - estas são, em síntese, algumas das fontes das dificuldades constitucionais que a criação do Tribunal e o seu Estatuto simultaneamente defrontam e questionam.
No mundo da integração supranacional e da internacionalização, a reafirmação pura e simples, sem reavaliação, da disciplina constitucional anteriormente fixada poderia traduzir uma defesa perversa do Estado soberano ou do constitucionalismo nacional - na medida em que tal atitude lhes diminuiria necessariamente capacidade de participação e de acção sobre tais processos.
É mais realista reconhecer que, nos dias de hoje, o poder constituinte nacional e por maioria o poder de revisão estão longe de ser poderes inteiramente autónomos, que exclusivamente gravitem em torno do Estado soberano - cifra Canotilho, op. , cit., p. 1202 - e dos seus impulsos internos. Esgotado também no domínio jurisdicional o ciclo do Estado totalizador, o que de uma constituição nacional se tem de esperar é que saiba governar - com o que isso implica de sentido do tempo - a articulação da ordem jurídica nacional com as ordens jurídicas supranacionais em construção (regionais e internacionais). Esta regulação é, porventura, uma das tarefas mais características do constitucionalismo nacional nos dias de hoje e uma das chaves da sua supremacia.
13 - Nesta linha, a assinatura do Tratado de Roma e a instituição do Tribunal colocam na agenda constitucional portuguesa, como aliás aconteceu noutros países - assim aconteceu em França, onde a Li Constitucional n.º 99-568, de 8 de Julho de 1999, fez inserir ,no Título VI da Constituição um artigo 53-2, assim redigido, La Repúblique peut reconnâitre la juridiction de la Cour pénale internationale dans les conditions prévues par le Traité signé de 18 Juillet 1998 (esta revisão seguiu-se ao reconhecimento, pelo Conselho Constitucional, da incompatibilidade entre o Estatuto e a Constituição) -, uma alternativa simples: opt-in ou opt-out, escolher entre estar "dentro do tempo" do nascimento da justiça internacional penal ou ficar fora dele.
Uma Constituição como a nossa, que, para utilizar a linguagem de Tomushat, é uma Constituição não só "amiga dos direitos do homem" como "amiga do direito internacional", não pode alhear-se ou dissociar-se deste passo decisivo para a construção de uma efectiva e permanente justiça criminal internacional e da particular comunidade de direito que com ela se institui.
A criação do Tribunal, como tem sido assinalado - vide Reflections, cit., passim -,corresponde a um novo patamar na protecção internacional dos direitos do homem, na luta milenária contra a impunidade dos poderosos, na responsabilização dos que utilizam posições de supremacia, nomeadamente de Estado, para praticar crimes graves - e que até agora tem ficado geralmente impunes, mesmo no passado recente.
Por outro lado, o Estatuto do Tribunal - que é fruto de laboriosos, participados e muito qualificados trabalhos preparatórios (vide Bourdon, W., La Cour Pénale Internationale, Paris 2000, p. 13 e seguintes - consegue uma solução criativa que parece dotá-lo de características e requisitos indispensáveis para se afirmar e exercer uma influência profunda na evolução da comunidade internacional. É o caso do princípio da complementaridade; da concentração num número limitado de crimes graves (core crimes), susceptível de evolução, da fundamentação das incriminações no direito internacional e não em direitos estaduais, e da consagração geral do movimento registado em instrumentos recentes do direito convencional penal no sentido da "irrelevância da qualidade oficial" dos responsáveis.
Portugal não tem, pois, que se arrepender de ter votado e assinado o Estatuto de Roma, nem qualquer motivo de fundo para, perante a comunidade internacional, venire contra factum proprium. Deve antes criar de uma forma consciente as condições para se poder tornar um Estado parte de uma forma constitucionalmente autorizada e assim contribuir também para a rápida entrada em vigor do Tratado - até para não se perder o que é um momentum internacional

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favorável à institucionalização do Tribunal (cifra Kirsch, P., Reflections, cit., p. 9).
Nestas condições, considera-se que a via adequada para solucionar a incompatibilidade que ficou apontada entre normas do Estatuto e normas da Constituição é o desencadeamento de um procedimento de revisão - em moldes idênticos ao daquele que propiciou em 1992 a ratificação do Tratado de Maastricht (foi a opinião sustentada por J. Miranda, ainda em 199, na Conferência do STJ intitulada "Uma nova fase no direito internacional dos direitos do homem", p. 16 - de que resulte autorização expressa para que Portugal possa aceitar a jurisdição do Tribunal, nos termos do Estatuto de Roma.
14 - Poderá perguntar-se se uma revisão com esse efeito ou alcance não envolverá violação dos limites materiais enumerados no art.º 288.º da Constituição - onde se incluem os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a independência nacional - ou, em termos mais gerais, descaracterização da identidade substancial da nossa lei fundamental, que às próprias leis de revisão cumpre acautelar.
Entende-se que o limite material que os direitos, liberdades e garantias representam não se identifica com a expressão concreta que todos e cada um deles têm na vigente disciplina constitucional mas deve ser antes visto como garantia de um sistema de princípios, independentemente da sua expressão concreta, sempre susceptível de novas modulações e concordâncias. Como escreve Jorge Miranda, "tudo está em preservar o sistema e não cada um dos numerosíssimos preceitos em especial" - Miransa, J., cit., p. 15.
Assim sendo, quer a admissibilidade da cominação de prisão perpétua para os mais graves crimes hoje concebíveis, em condições que asseguram a sua revisão após 25 anos de cumprimento de pena, quer a extradição ou entrega de pessoas, nomeadamente de nacionais, sem que esteja no caso assegurada a inaplicabilidade de tal pena parecem ainda harmonizáveis com o perfil de exigência que tem sido a marca da Constituição em matéria de direitos, liberdades e garantias.
A circunstância do novo equilíbrio surgir no âmbito de um esforço de concordância entre a ordem constitucional interna e um direito internacional instituinte duma mais eficaz tutela dos direitos do homem (que a CRP valoriza no artigo 7.º) constitui argumento relevante no sentido da solidariedade (Zagrebelsky) entre os princípios da Constituição e as novas soluções a introduzir pelo poder de revisão.
A "independência nacional" enquanto limite material de revisão também não parece inconciliável com uma solução que habilite à ratificação do Estatuto de Roma.
Já perante o Tratado de Maastricht prevaleceu um entendimento evolutivo do conceito, capaz de acolher a sua adaptação ao fenómeno novo da integração regional supranacional - entendimento que esteve na origem do actual n.º 6 do artigo 7.º da Constituição.
Perante as necessidades da construção duma justiça penal internacional, e duma efectiva garantia dos direitos do homem no caso das mais graves violações, é justificado que a ordem constitucional nacional, perante um tribunal internacional penal com características de "complementaridade", consinta na transferência da parcela das competências jurisdicionais exigida pela instituição daquela justiça. E é ainda justificado que sejam flexibilizadas algumas regras que hoje recortam regimes especiais de efectivação de responsabilidades criminais por parte de titulares de órgão de soberania, em termos que não são inteiramente consonantes com o que são as tendências emergentes no direito internacional.
O tipo de adaptação constitucional que foi gerada em 1992 diante do Tratado de Maastricht, no âmbito do processo de construção da União Europeia, só pode ter uma justificação acrescida e uma compatibilidade também acrescida com os limites materiais de revisão no âmbito do processo instituidor dessa instância permanente de justiça internacional penal que visa assegurar uma tutela mais efectiva dos direitos do homem.
É nestes termos que se tem por fundamentado o seguinte parecer:

Parecer

1 - As normas do Estatuto de Roma que atribuem ao Tribunal Penal Internacional competência para julgar crimes cometidos em território nacional (artigo 5.º e artigo 12.º), diminuindo correlativamente a competência soberana constitucionalmente atribuída aos tribunais portugueses, são incompatíveis com o artigo 1.º (princípios da soberania) e artigos 202.º, n.º 1, e 209.º da Constituição (função jurisdicional e categorias de tribunais).
2 - A norma do Estatuto que prevê que o Tribunal aplique a pena de prisão perpétua [artigo 77.º, n.º 1, alínea b)] não é compatível com o artigo 30.º, 1.º, da Constituição.
3 - As normas do Estatuto que prevêem a entrega de pessoas ao Tribunal, nomeadamente de nacionais (artigo 89.º e seguintes) independentemente da verificação dos requisitos constitucionalmente exigidos, não é compatível com o disposto no artigo 33.º, n.os 1, 3 e 5 da Constituição.
4 - A norma do Estatuto que consagra de forma irrestrita a "irrelevância da qualidade oficial" (artigo 27.º) é incompatível com as normas que hoje definem os regimes especiais de efectivação de responsabilidades criminais previstos na Constituição em relação ao Presidente da República, Deputados e membros do Governo, nomeadamente nos artigos 130.º, 157.º e 196.º da CRP.
5 - Uma Constituição amiga do direito internacional e dos direitos do homem, como é a nossa, mantém-se fiel à sua identidade substancial se, por via de revisão, se abrir à possibilidade de reconhecer a jurisdição do Tribunal Penal Internacional e ratificar o Tratado de Roma, não implicando tal revisão violação dos limites de revisão material.
6 - A via que se preconiza para a ultrapassagem da incompatibilidade entre o Estatuto de Roma e algumas soluções constitucionais vigentes é a abertura de um processo de revisão extraordinária, nos termos do artigo 284.º, n.º 2, da CRP de que possa resultar uma indispensável cláusula habilitante ou alteração da disciplina constitucional de efeito equivalente.

Palácio de São Bento, 6 de Dezembro de 200. - O Deputado Relator, Alberto Costa - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados, com os votos a favor do PS, PSD e CDS-PP e a abstenção do PCP.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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