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1428 | II Série A - Número 044 | 21 de Novembro de 2002

 

III - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e o texto constitucional

A matéria tem sede constitucional ao nível do artigo 22.º da CRP, com a categoria de princípio geral no âmbito dos direitos e deveres fundamentais.
Em face de tal relevância em particular o instituto da responsabilidade da administração sofreu uma evolução relativamente rápida e largamente favorável aos particulares.
O princípio da irresponsabilidade do Estado e demais entidades públicas - e, portanto, da Administração - deixou de ser a regra, admitindo-se progressivamente a sua responsabilização.
Assim, a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas, na origem indirecta e dependente da existência de culpa, evoluiu em largos domínios para directa e objectiva, independente da existência de culpa ou, até, ilicitude.
A evolução espelha-se no ordenamento jurídico português, que começou por consagrar a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas ao nível da legislação ordinária, culminando com a consagração, na Constituição vigente, do princípio geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas. Tal princípio (o do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa) é, sem dúvida, um dos princípios básicos do Estado de direito democrático baseado na salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos e pressupõe, simultaneamente, um direito e uma garantia primordial de qualquer cidadão.
O artigo 22.º (o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 153/90 apreciou, em sede de fiscalização concreta da Constitucionalidade, o artigo 22.º da Constituição - de forma incidental -, concluindo pela sua aplicação a todos os casos de responsabilidade extracontratual do Estado e outra entidades públicas) parece consagrar o princípio da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas em termos amplíssimos, revestindo um carácter verdadeiramente inovador - abrangendo, por um lado, quer a responsabilidade por actos ilícitos quer por actos lícitos ou pelo risco e, por outro, a responsabilidade em virtude do exercício das várias funções do Estado.
A disposição contém, todavia, alguns elementos que apontam em sentido não coincidente, nomeadamente ao consagrar explicitamente a responsabilidade em forma solidária. Uma vasta doutrina exprime, de resto, amplíssimas reflexões, de sinal nem sempre coincidente, quanto ao alcance do princípio constitucional.
Como quer que seja, a tendência firme vem sendo, tal como noutros ordenamentos, para consagrar a responsabilidade de 1.º grau das entidades públicas, independentemente da responsabilidade subjectiva dos titulares dos seus órgãos e agentes.
A Constituição actual, na articulação do citado artigo 22.º com o artigo 271.º n.os 1, 2 e 3, é, em todo o caso, tributária da visão clássica do relacionamento entre responsabilidades. Como a responsabilidade supõe tradicionalmente a ilicitude de titulares de órgãos, funcionários e agentes, o artigo 22.º poderia porventura ser interpretado como não vinculando directa e imediatamente a responsabilidade civil de entidades públicas por acto lícito. Porém, nem o corpo geral do artigo 22.º nem o segmento final do preceito, "(...) ou prejuízo de outrem", parece admitirem outra interpretação conforme que não seja a da responsabilidade tanto por actos ilícitos como por actos lícitos, quando lesivos.
Particularmente controversa se tem entretanto revelado a questão da aplicação directa do preceito pelos tribunais, independentemente ou para além do disposto na lei ordinária, e assim tendo em atenção a aplicabilidade do regime dos direitos, liberdades e garantias.
Em qualquer caso, e sendo notória a omissão do legislador quanto à regulação adequada muito em particular das aspectos da responsabilidade derivados da função jurisdicional e da função política e legislativa, urge, sem prejuízo do importante papel desempenhado pelos órgãos de aplicação do direito, legislar sobre a matéria.
Da análise constitucional ressaltam vários princípios conformadores da responsabilidade das entidades públicas, a saber:

a) A responsabilidade alargada a todas as funções do Estado, como princípio estruturante do Estado de direito;
b) A responsabilidade como forma de protecção jurídica dos direitos fundamentais;
c) O respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;
d) O respeito pelos princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da proporcionalidade, da necessidade e da igualdade.

De tudo ressalta a evidência da premência da revisão e actualização do direito ordinário anterior à Constituição, constante, em matéria de responsabilidade por actos de gestão pública, do Decreto-Lei n.º 48 051, e de gestão privada, do regime do Código Civil.
Assim, importa passar em revista tal enquadramento legislativo.

IV - Da responsabilidade civil no Código Civil

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (artigo 483.º do Código Civil).
Este artigo consagra o princípio fundamental da obrigação de reparar as violações de quaisquer direitos dos particulares. É um património comum do direito privado e não só do direito das obrigações.
As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia por força da lei ou de negócio jurídico o dever de praticar o acto omitido (artigo 486.º do Código Civil).
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa poderá a indemnização ser fixada equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494.º do Código Civil).
No caso de lesão de que proveio a morte é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral (artigo 495.º do Código Civil).
São extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco na parte aplicável na falta de preceitos legais em contrário as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos (artigo 499.º do Código Civil).