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1430 | II Série A - Número 044 | 21 de Novembro de 2002

 

Entende-se por gestão privada a actividade que a Administração Pública empreende segundo regras de direito privado e gestão pública a actividade que esta empreende de acordo com o direito público. A qualificação de uma actividade como de gestão pública ou de gestão privada depende, assim, do seu enquadramento normativo, que o mesmo é dizer das respectivas normas disciplinadoras.
O Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, tem sido ao longo dos tempos e da sua extensa vigência objecto de variadíssimas apreciações doutrinárias, de que podemos sumariar os seguintes termos:
- O diploma só regula a responsabilidade civil da Administração Pública, quer o mesmo dizer a responsabilidade do Estado-Administração;
- Não trata o diploma da responsabilidade do Estado por actuações ou omissões no campo legislativo, político-governativo ou judicial;
- O regime previsto no diploma tem sido entendido como contendo um princípio geral contrário à legislação do Código Civil, expresso no artigo 562.º - enquanto na lei civil o princípio geral inerente à obrigação de indemnizar é o da restauração natural, logo se entendeu que o Decreto-Lei n.º 48 051 consagrava o princípio contrário, o de que a obrigação de indemnizar se concretiza numa reparação pecuniária;
- Em qualquer caso, o princípio aquiliano da culpa e as inerentes regras de formulação da prova evidenciam-se desactualizadas do esforço jurisprudencial no sentido da compreensão de uma responsabilidade mais de natureza objectiva e, independentemente da responsabilidade do agente, como atribuível à Administração como faute de service;
- Por outro lado, as presentes soluções de direito positivo são desconformes à clareza do princípio constitucional na parte em que não asseguram a responsabilidade solidária do Estado nos casos de culpa dolosa do agente ou se tiverem excedido os limites das suas funções;
- O parâmetro da responsabilidade pelo risco circunscreve-se, demasiado restritivamente, à produção de prejuízos especiais e anormais.
O projecto de lei em apreço, ao revogar o Decreto-Lei n.º 48051 e propor uma nova solução normativa, vem responder a um largo espectro de novas exigências, largamente decorrentes das apreciações críticas supra referidas. Como infra se analisa.

VI - Do regime geral do projecto de lei

1 - Da responsabilidade pelo exercício da função administrativa:
Mantém-se no projecto de lei a diferenciação que, na ordem jurídica portuguesa, tem sido estabelecida entre actuações administrativas que geram uma responsabilidade regida por disposições de direito público e actuações administrativas que suscitam uma responsabilidade regida por disposições de direito privado, circunscrevendo o âmbito do diploma à definição do regime de direito público da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.
No entendimento dos proponentes não são qualitativamente idênticas e, por isso, indiferenciáveis as condutas que as entidades públicas desenvolvem como se fossem entidades privadas e aquelas que elas adoptam no exercício de poderes públicos de autoridade ou, em todo o caso, ao abrigo de disposições e princípios de direito público, institutivos de deveres ou restrições especiais, de natureza especificamente administrativa, que não se aplicam à actuação das entidades privadas. E que, dentro dessa perspectiva, ainda permanecem válidas as razões que, historicamente, levaram a associar a esta distinção uma diferenciação de regimes, admitindo que, quando está em causa o exercício de funções públicas, a responsabilidade directa do titular de órgão, funcionário ou agente e o direito de regresso sobre ele apenas devem existir quando tenha havido dolo ou culpa grave da sua parte.
Opta-se, assim, por delimitar o âmbito material das actuações abrangidas pelo regime de responsabilidade segundo o critério do regime jurídico substantivo ao abrigo do qual elas foram adoptadas.
No que se refere à responsabilidade civil da Administração, as principais alterações propostas consistem no seguinte:
- Alargamento da regra da solidariedade, em conformidade com a Constituição, ao domínio das condutas praticadas com culpa grave;
- A consagração legal de uma responsabilidade de natureza objectiva da Administração pelo funcionamento anormal dos seus serviços;
- A introdução de um regime de presunção de culpa, nos casos em que os danos são causados por actos jurídicos, o que compreende actos administrativos e actos de conteúdo normativo.
Com a introdução desta presunção de culpa aproxima-se, finalmente, o quadro normativo da prática dos nossos tribunais administrativos, que, em sintonia com a tradição firmada nos países do sul da Europa, com particular destaque para a França, e, por influência desta, no direito comunitário, já de há muito vinham entendendo que a culpa é inerente à prática de actos jurídicos ilegais por parte da Administração.
Concomitantemente dá-se, assim, satisfação às exigências impostas pelas Directivas n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, e 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, que, embora no domínio específico das consequências da anulação de actos relativos à formação de certo tipo de contratos se fazem eco da orientação, de matriz francesa, que tem inspirado o Tribunal de Justiça das Comunidades no domínio da responsabilidade por actos administrativos ilegais e que precisamente assenta no entendimento de que a culpa se encontra ínsita na ilegalidade cometida, sem carecer, por isso, de demonstração.
2 - Da responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional:
Procede-se ao alargamento da responsabilidade civil do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional, estendendo-se ao domínio da administração da justiça o regime da responsabilidade da Administração, com as ressalvas que decorrem do regime próprio do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam, sem prejuízo do regime do direito de regresso nos caos de dolo ou culpa grave (pelo que não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titulares de órgãos, funcionários e agentes