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Quinta-feira, 6 de Março de 2003 II Série-A - Número 74
IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)
S U M Á R I O
Mensagem do Presidente da República:
Sobre a proposta de revisão da Lei de Programação Militar de 14 de Novembro de 2001.
Resolução: (a)
Aprova, para ratificação, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000.
Projectos de lei (n.os 129 a 130/IX):
N.º 129/IX (Limita a concentração da propriedade dos meios de comunicação social):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 130/IX (Protecção das fontes dos jornalistas):
- Idem.
Proposta de lei n.º 45/IX (Altera a Lei de Programação Militar):
- Relatório e parecer da Comissão de Defesa Nacional.
(a) É publicada em suplemento a este número.
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MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
SOBRE A PROPOSTA DE REVISÃO DA LEI DE PROGRAMAÇÃO MILITAR DE 14 DE NOVEMBRO DE 2001
O XV Governo Constitucional aprovou, em Conselho de Ministros, a proposta de revisão da Lei de Programação Militar de 14 de Novembro de 2001. Esse documento foi presente ao Conselho Superior de Defesa Nacional para parecer. Cabe agora à Assembleia da República a sua discussão e aprovação.
As Leis de Programação Militar são instrumentos indispensáveis para assegurar a permanente capacidade do Estado no exercício eficaz das suas funções de defesa. É através delas que se deve assegurar o reequipamento do Sistema de Forças Nacional e contribuir, a par de outros instrumentos, para a modernização das Forças Armadas.
A Constituição da República ao cometer à Assembleia da República a reserva absoluta de competência legislativa em matéria de "organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento e da disciplina das Forças Armadas", torna incontornável e inequívoco o papel desse órgão de soberania, seja na reflexão estratégica sobre a Defesa Nacional e as Forças Armadas, seja na fiscalização específica da aplicação dos programas que decorram das leis por ela aprovados.
Assim, entende o Presidente da República partilhar com a Assembleia da República as suas reflexões sobre a natureza dos desafios que nesta matéria se colocam ao País, querendo, deste modo, contribuir para um debate de que resultará um conjunto de opções que se concretizarão num período temporal longo e sob à vigência de diversos governos.
O historial da aplicação das leis de programação militar não é infelizmente, particularmente positivo. Não importa, no contexto desta mensagem, identificar as razões que geraram essa realidade. Mas já parece relevante destacar as suas consequências. Sublinharia duas. O atraso no plano de reequipamento do Sistema de Forças, constituindo-se este como uma debilidade no momento em que Portugal tem intensificado a sua participação em missões internacionais como elemento da sua política externa. E a dúvida, fundada na experiência, sobre a efectiva aplicação das leis aprovadas, com consequências negativas quer na motivação das Forças Amadas quer na projecção da sua imagem junto da população.
É a estas questões que importa dar resposta.
A natureza dos desafios que se colocam, em matéria de Defesa parece assentar em três vertentes: clareza nas opções estratégicas, determinação na política de reformas e realismo na definição do reequipamento possível das Forças Armadas.
Temos de reconhecer que a evolução internacional da última década aconselha uma reflexão serena sobre as alterações nas condicionantes estratégicas. É em função delas que Portugal deve dispor de um entendimento claro sobre o papel que quer desempenhar nesse novo contexto e sobre as consequências que resultam do modelo de reequipamento e das opções específicas de aquisições que em função dele se façam.
Destaco dois aspectos que me parecem merecer uma análise detalhada.
Em primeiro lugar, a Política Externa e de Defesa da União Europeia. Por detrás da sua indiscutível debilidade actual, dois elementos parecem incontornáveis: a tendência de fundo que é no sentido do reforço da componente comum dessas políticas, tal como aconteceu noutros domínios que inicialmente pareciam tão improváveis como este, e o reforço dos programas de investigação e desenvolvimento de sistemas de armas europeus. Em ambos os casos está colocada a Portugal, como aos demais países da União, a questão de saber qual o papel que queremos desempenhar nesta evolução já em curso. Por isso, a opção por esta ou aquela estratégia de reequipamento encerra sempre, também, uma componente de sustentação do desenvolvimento da indústria de armamento e da tecnologia que lhe está associada.
Em segundo lugar, destaco a reflexão, que é de natureza conceptual, sobre o equilíbrio a estabelecer entre as missões de guerra que decorrem em grande medida dos compromissos assumidos no seio da NATO e de não guerra, equilíbrio em função do qual estabelecemos as nossas opções de reequipamento. Dessa distinção conceptual decorre a clarificação seja do papel que queremos desempenhar nas missões internacionais que realizamos com os nossos aliados e parceiros, seja da capacidade de as Forças Armadas integrarem, com maior ou menor rapidez, nas suas tradicionais responsabilidades de defesa, a exigência do exercício de novas missões de segurança, ligadas à proliferação de novas ameaças.
Os constrangimentos financeiros do País só vêm reforçar a necessidade de escolher criteriosamente o caminho a percorrer, centrando no essencial os recursos disponíveis, mesmo, como é o caso, quando é consensual a necessidade de um esforço acrescido para dar resposta a uma modernização urgente das Forças Armadas. Sendo certo, ponto onde convergem também as opiniões, que essa modernização não depende apenas do reequipamento do sistema de forças, mas também do desenvolvimento de reformas de carácter estrutural, funcional e territorial. Este é um aspecto que não se pode perder de vista.
A aprovação da revisão da Lei de Programação Militar pela Assembleia da República iniciará, por parte desta, um processo de fiscalização e acompanhamento da sua aplicação que se reveste da maior importância.
O papel que aqui a Assembleia da República desempenha é também insubstituível. Por isso, se torna tão importante que ele esteja apoiado em instrumentos precisos de fiscalização e controlo dos programas, das respectivas dotações e dos contratos e contrapartidas que os suportam. Temos de reconhecer que ao longo da vigência das anteriores leis de programação militar esse trabalho de acompanhamento nem sempre foi possível, no que se perdeu na percepção da execução das respectivas leis e no debate que ele acarreta quanto às consequências para as Forças Armadas e para a Defesa Nacional do não cumprimento dos compromissos assumidos. A Lei de Programação Militar deve traduzir o compromisso de reequipamento essencial e dispor de uma perspectiva de financiamento exequível. Mas também carece de uma fiscalização assente em instrumentos cada vez mais adaptados à capacidade de fiscalização, em tempo útil, da Assembleia da República.
A República precisa de um momento de viragem nas Forças Armadas. Debatendo sem preconceitos as opções estratégicas, planeando com realismo a sua modernização, insistindo com firmeza no processo de reestruturação, adquirindo
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com visão os equipamentos necessários, e fiscalizando com rigor todos e cada um dos passos desse caminho.
Está aberta perante nós, uma vez mais, a oportunidade de fundar novas práticas. A Portugal é crucial que ela seja aproveitada. Não podemos repetir a experiência das anteriores leis, sob pena de minarmos irremediavelmente a credibilidade de uma das instituições fundamentais do regime democrático. Esse facto aconselha, assim, a que se procure um consenso alargado, que faltou à lei que agora se revê, e a que se fiscalize com rigor a materialização do programado.
Lisboa, 5 de Março de 2003. - O Presidente da República, Jorge Sampaio.
PROJECTO DE LEI N.º 129/IX
(LIMITA A CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL)
Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Relatório
I - Nota preliminar
Os três Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República um projecto de lei que visa limitar a concentração da propriedade dos meios de comunicação social.
Efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República, esta apresentação reúne ainda os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Admitida e numerada, a iniciativa baixou, em 3 de Outubro de 2002, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para apreciação e elaboração do respectivo relatório e parecer.
A discussão na generalidade desta iniciativa não está ainda agendada.
II - Objecto, motivação e conteúdo da iniciativa
A iniciativa dos Deputados do Bloco de Esquerda visa definir e impor limites à concentração horizontal e vertical da propriedade de meios de comunicação social escrita, audiovisual, radiofónica, assim como de meios de distribuição.
Na exposição de motivos do projecto, os Deputados proponentes começam por assinalar que "se a concentração é preocupante em todas as actividades económicas, ela deve despertar particular apreensão na comunicação social". Em relação à situação no nosso país, onde consideram ter havido "um desenvolvimento preocupante", os mesmos Deputados recordam que "para além de todos os perigos inerentes a qualquer monopólio ou de abuso de posição dominante, eles são de natureza diferente quando se trata do sector da informação, por estarem em risco o pluralismo, a liberdade de imprensa e a própria democracia".
Na exposição de motivos do projecto, assinala-se a seguir a contradição entre as normas constitucionais - os proponentes referem os artigos 38.º, n.º 4, e 81.º, alínea e) da Constituição - e aquilo que referem ser "um quase vazio legal sobre a matéria", acrescentando que "Portugal está, assim, neste momento completamente impreparado para o acelerado processo de concentração e convergência dos meios de comunicação que se assiste em todo o Mundo e ao qual o País não tem sido imune".
Depois de recordar documentos sobre esta questão aprovados pelo Parlamento Europeu, pelo Observatório Europeu do Audiovisual, do Conselho da Europa, pela Federação Internacional de Jornalistas (a Declaração de Sidney) e pelo Sindicato dos Jornalistas português, os Deputados signatários do projecto de lei sublinham que "está a ser construído em Portugal, tal como noutros países, um "monopólio da opinião" e os interesses que se movem na área das empresas de comunicação social influenciam de forma directa e já pouco discreta muitas das decisões do poder político".
Ilustrando esta asserção, os proponentes assinalam a existência de "cinco grandes grupos privados de comunicação social: Cofina, Impresa, Media Capital, Portugal Global e Portugal Telecom". Assumindo que esta lista deixa de fora "a Igreja Católica e a Impala, com características um pouco diferentes", os Deputados enumeram as diferentes participações de cada um destes grupos, com excepção da Portugal Global que, sendo uma holding do Estado, não levantaria "o mesmo tipo de problemáticas de outros grupos" e sublinham que a situação "mais preocupante nasceu da absorção pela PT do maior grupo de comunicação social, a Lusomundo".
Aliás, sublinha-se, no preâmbulo do projecto, "casos como o da Portugal Telecom põem em risco (...) a democracia e o pluralismo de informação e são uma clara demonstração da falta de política anti-concentracionária em Portugal".
Depois de transcrever parte do parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre a aquisição de acções da Lusomundo por parte da PT Multimédia, aprovado em Janeiro de 2001, e das respectivas declarações de voto, a desenvolvida exposição de motivos sintetiza, a terminar, os objectivos do projecto de lei:
"1 - Impedir participação de uma entidade privada em mais do que um canal de difusão por meios hertzianos analógicos;
2 - Separar a propriedade da rede fixa de telefone, TV Cabo e Televisão Digital Terrestre;
3 - Obrigar a TV Cabo a aceitar a transmissão das emissões, em igualdade de circunstâncias, de todos os canais que se candidatem a elas, desde que garantam viabilidade económica e técnica;
4 - Garantir a independência da agência noticiosa nacional em relação aos grupos privados de comunicação social;
5 - Impedir posição dominante no mercado das rádios de âmbito nacional;
6 - Prevenir a concentração ou as compras hostis no mercado local de imprensa;
7 - Impedir posição dominante no mercado de jornais nacionais generalistas e na imprensa especializada mais relevante (economia e desporto);
8 - Aumentar a independência da imprensa especializada face às empresas do sector respectivo;
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9 - Separar as empresas da distribuição das empresas de comunicação social;
10 - Garantir um período realista de transição para a aplicação da Lei;
11 - Garantir um regime de excepção para os serviços públicos de comunicação social do Estado".
Neste enquadramento, propõem-se os proponentes, com este projecto de lei, entre outros aspectos, o seguinte:
- Estabelecer limites à propriedade de órgãos de comunicação social na televisão de difusão hertziana analógica, na rádio de âmbito nacional, na imprensa periódica generalista diária e semanal e na imprensa diária ou semanal na área económica e desportiva;
- Assegurar o acesso dos canais de televisão candidatos à distribuição por cabo, preenchidas condições relacionadas com a viabilidade económica e técnica;
- Impedir as autarquias locais de deter participação em qualquer órgão de comunicação social, com excepção dos respectivos boletins informativos;
- Impedir a participação de entidades privadas ligadas a outros meios de comunicação social em agências noticiosas;
- Estabelecer formas de transparência da propriedade;
- Alargar os casos de exigência de parecer prévio e vinculativo da Alta Autoridade para a Comunicação Social em matérias relacionadas com a "aquisição, cessão ou concessão de qualquer meio de Comunicação Social";
- Estabelecer um período de três anos para as entidades privadas com participações em órgãos de comunicação procederem à adaptação aos critérios previstos no diploma;
III - Enquadramento constitucional e legal
A defesa do pluralismo constitui uma das condições indispensáveis para a realização da democracia. A Constituição afirma-o de forma expressa, não só erigindo o pluralismo a princípio basilar do Estado de direito (artigo 2.º), como fazendo impender sobre o Estado (artigo 38.º, n.os 3 a 6) e sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social (artigo 39.º, n.º 1) a obrigação de o assegurar. Pode assim dizer-se, citando uma deliberação do Conseil Constitutionnel francês de 18 de Setembro de 1986, que "o pluralismo das correntes de opinião sócio-culturais constitui em si mesmo um objectivo de valor constitucional; que o respeito por este pluralismo é uma das condições da democracia; que a livre comunicação de pensamentos e opiniões (...) não pode tornar-se efectiva se o público a que se dirigem os órgãos de comunicação audiovisual não estiver em condições de dispor, tanto no quadro do sector público como no do sector privado, de programas que garantam a expressão de tendências de características diferentes".
A defesa do pluralismo como princípio nuclear do direito da comunicação social passa, neste contexto, pelo reconhecimento e adopção de instrumentos legais especialmente direccionados para a sua garantia, bem como para a garantia dos direitos e liberdades nele supostos. Tal é o caso do conjunto de direitos que integram a liberdade de comunicação social, sem a qual se torna impossível falar de pluralismo (liberdade de consciência, liberdade de expressão do pensamento, direito à informação - na sua tripla significação constitucional: direito a informar, a informar-se e a ser informado, onde se integram os direitos que compõem o estatuto dos jornalistas - e liberdade de empresa); bem como do conjunto de princípios e regras cujo desenvolvimento assegura, directa ou indirectamente, o pluralismo na comunicação social. Entre eles, nos termos do artigo 38.º da Constituição, contam-se o princípio da transparência, o princípio da especialidade e o princípio da não concentração, corolários constitucionais do princípio da independência dos meios de comunicação social, assim como a garantia de apoio do Estado, de forma não discriminatória, aos órgãos de comunicação social e a garantia de existência de um serviço público de rádio e de televisão.
O princípio da transparência vem consagrado no n.º 3 do artigo 38.º da Constituição. Aí se afirma que "a lei assegura, com carácter genérico, a divulgação da titularidade e dos meios de financiamento dos órgãos de comunicação social". Pretende-se assim garantir, por um lado, que o público possa avaliar e escolher, com conhecimento de causa, as suas fontes de informação e, por outro, que as entidades responsáveis por assegurar o pluralismo e a independência dos meios de comunicação possam desempenhar a sua missão.
Na legislação do sector da comunicação social, este princípio concretiza-se em dois momentos.
No diploma que fixa o regime das licenças e autorizações para a actividade de televisão (Decreto-Lei n.º 237/98, de 5 de Agosto), os artigos 8.º, n.º 3, alínea b), e 12.º, n.º 1, impõem um "estudo económico e financeiro das condições de exploração do canal de televisão, em especial das suas fontes de financiamento".
Quanto a informações a posteriori, que aproveitam também ao comum dos cidadãos, o n.º 2 do artigo 15.º da Lei de Imprensa estabelece que as publicações periódicas devem reproduzir, "em página predominantemente preenchida com materiais informativos, o número de registo do título, o nome, a firma ou denominação social do proprietário, o número de registo de pessoa colectiva, os nomes dos membros do conselho de administração ou de cargos similares e dos detentores com mais de 10% do capital da empresa, o domicílio ou a sede do editor, impressor e da redacção, bem como a tiragem". E, depois de o n.º 1 dispor que "nas empresas jornalísticas detentoras de publicações periódicas constituídas sob a forma de sociedade anónima todas as acções devem ser nominativas", o n.º 2 do artigo 16.º determina que "a relação dos detentores de participações sociais das empresas jornalísticas, a discriminação daquelas, bem como a indicação das publicações que àqueles pertençam, ou a outras entidades com as quais mantenham uma relação de grupo, devem ser, durante o mês de Abril, divulgadas em todas as publicações periódicas de que as empresas sejam proprietárias, nas condições referidas no n.º 2 do artigo anterior, e remetidas para a Alta Autoridade para a Comunicação Social". Por seu turno, dispõe o n.º 3 que "as empresas jornalísticas são obrigadas a inserir na publicação periódica de sua propriedade com a maior tiragem, até ao fim do 1.º semestre de cada ano, o relatório e contas de demonstração dos resultados líquidos, onde se evidencie a fonte dos movimentos financeiros derivados de capitais próprios ou alheios".
A Lei da Televisão, depois de exigir, no n.º 1 do artigo 4.º, que as acções constitutivas do capital social dos
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operadores que revistam a natureza de sociedade anónima tenham natureza nominativa, estabelece, no n.º 2 do mesmo artigo, que "a relação dos detentores das quatro maiores participações sociais nos operadores televisivos e a respectiva discriminação, bem como a indicação das participações sociais daqueles noutras entidades congéneres, são divulgadas, conjuntamente com o relatório e contas e o respectivo estatuto editorial, em cada ano civil, numa das publicações de expansão nacional de maior circulação".
A Lei da Rádio, no n.º 2 do artigo 8.º, após fazer a mesma exigência quanto à natureza das acções, limita-se a estipular que "as alterações ao capital social dos operadores que revistam forma societária devem ser comunicadas à Alta Autoridade para a Comunicação Social, no prazo de 30 dias, pelo notário que efectivou a correspondente escritura pública".
Por sua vez, o princípio da especialidade está previsto no n.º 4 do artigo 38.º da Constituição para as "empresas titulares de órgãos de informação geral", significando que, de forma a não comprometer a isenção ou independência da actividade informativa, nomeadamente face a interesses económicos diversos, essas empresas "só poderão ter como objecto as actividades jornalísticas, noticiosas, de rádio ou de televisão e actividades inerentes ou complementares, nada mais".
O princípio da não concentração, enunciado no n.º 4 do artigo 38.º da Constituição, dirige-se aos órgãos de informação geral, cabendo ao Estado impedir a sua concentração, "designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas".
A referência a participações múltiplas visa os direitos de uma entidade como sócia de várias sociedades simultaneamente. Participações cruzadas são participações de uma sociedade noutra que, por sua vez, tenha participações na primeira.
O princípio constitucional da não concentração não consiste numa mera preocupação de defesa da concorrência, como forma de estimular a participação do maior número de agentes numa economia de mercado. A referência aos órgãos de informação geral, cuja natureza melhor os posiciona para assegurar a diversidade das ideias e das correntes de opinião, constitui sinal inequívoco de que o combate à concentração desses meios de comunicação social se deve pautar pela ideia de defesa do pluralismo, não mais sendo, por outro lado, do que um dos meios possíveis de o alcançar. Na verdade, a Constituição não se limita a propugnar a diversificação das entidades proprietárias dos órgãos de informação geral como forma de salvaguardar o pluralismo (à pluralidade de órgãos de informação geral deve tendencialmente corresponder uma pluralidade efectiva de titulares), nos termos deste n.º 4 do artigo 38.º. De facto, o texto constitucional afirma a necessidade de assegurar em geral "a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião" (artigo 39.º, n.º 1), salientando ainda que essa tarefa não pode deixar de determinar a estrutura e o funcionamento dos órgãos de comunicação social do sector público (artigo 38.º, n.º 6).
Nos termos da Constituição, o Estado deve, pois, impedir a concentração dos órgãos de informação geral.
Concretizando esse princípio, qualquer das leis sectoriais aplicáveis à comunicação social, sem deixar de afirmar a aplicação do regime geral de defesa e de promoção da concorrência, contém regras específicas relativas às participações em empresas de comunicação social de cada sector e suas concentrações (cf. artigo 4.º, n.os 2 a 4, da Lei de Imprensa, artigos 7.º, n.os 1 e 2, e 18.º da Lei da Rádio e artigo 3.º, n.os 2 a 4, da Lei da Televisão).
O artigo 4.º, n.º 2, da Lei de Imprensa sujeita a notificação à Alta Autoridade para a Comunicação Social "as aquisições, por empresas jornalísticas ou noticiosas, de quaisquer participações em entidades congéneres"; o artigo 3.º, n.º 4, da Lei da Televisão consagra a mesma obrigação quanto a "aquisições, por parte dos operadores televisivos, de quaisquer participações noutras entidades legalmente habilitadas, ou candidatas ao exercício da actividade de televisão, que não configurem uma operação de concorrência sujeita a notificação prévia nos termos da legislação da concorrência"; e a Lei da Rádio, embora não estabeleça tal exigência para todas as aquisições de participações - cujo impacto se confina a meras razões de transparência -, acaba por fixar um regime mais exigente no que concerne à defesa do pluralismo.
De facto, no artigo 18.º, condiciona-se à aprovação prévia da Alta Autoridade para a Comunicação Social a realização de qualquer negócio jurídico que envolva a alteração do controlo de uma empresa detentora de alvará de radiodifusão, de forma a salvaguardar a manutenção das condições determinantes da aprovação do projecto inicial. O n.º 2 do artigo 7.º da mesma lei estabelece que, independentemente de se verificarem alteradas essas condições, pode a Alta Autoridade para a Comunicação Social recusar operações de concentração, sejam verticais ou horizontais, quando, face às circunstâncias do negócio, coloquem manifestamente em causa a livre expressão e confronto das diversas correntes de opinião. Além disso, a Lei da Rádio estabelece ainda limitações expressas quanto à propriedade das rádios. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a mesma pessoa só pode deter participações no capital social de um máximo de cinco empresas de radiodifusão sonora e, no mesmo município, são proibidas as participações superiores a 25% no capital social de mais de um operador radiofónico (n.º 4).
A legislação da imprensa e da televisão, apesar de também conter disposições relativas à defesa do pluralismo, mostra-se menos exigente: o n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Televisão e o n.º 4 do artigo 4.º da Lei de Imprensa dispõem que só "as operações de concentração horizontal (...) sujeitas a intervenção do Conselho da Concorrência são por este comunicadas à Alta Autoridade para a Comunicação Social, que emite parecer prévio vinculativo, o qual só deverá ser negativo quando estiver comprovadamente em causa a livre expressão e confronto das diversas correntes de opinião".
IV - Enquadramento comunitário e internacional
Adoptando a definição contida no Regulamento comunitário (CEE) n.º 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989 (com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CE) n.º 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997), pode dizer-se que se realiza uma operação de concentração "quando duas ou mais empresas anteriormente independentes se fundem, ou quando uma ou mais pessoas que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou uma ou mais empresas, adquirem directa ou indirectamente, por compra de partes do capital ou de elementos do activo, por via contratual ou por qualquer outro meio, o controlo do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas" (artigo 3.º, n.º 1).
No entanto, na União Europeia, o controlo das operações de concentração resulta do regime geral de defesa da concorrência, não havendo qualquer referência especial ao
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domínio da comunicação social, apesar das diversas resoluções sobre a concentração na comunicação social aprovadas pelo Parlamento Europeu.
À comunicação social aplicam-se as normas gerais do Tratado relativas à proibição de acordos, associações e práticas concertadas entre empresas (artigo 81.º), aos abusos de posição dominante nos mercados de referência (artigo 82.º), bem como as regras contidas no Regulamento atrás referido. Deste modo, não obstante as suas implicações político-sociais, as operações de concentração entre empresas de comunicação social são avaliadas pela Comissão numa perspectiva estritamente económica.
Nesta ordem de ideias, o Conselho de Ministros do Conselho da Europa decidiu adoptar, em Janeiro de 1999, uma Recomendação [n.º R (99) 1] na qual exorta os Estados-membros a considerar, nas suas legislações ou práticas internas, as medidas de promoção do pluralismo aí propostas, bem como de avaliar de forma regular a sua eficácia, examinando a eventual necessidade de proceder à respectiva revisão no quadro dos desenvolvimentos económicos e tecnológicos na área da comunicação social.
Algumas de tais medidas passam necessariamente pela defesa do chamado pluralismo externo, nomeadamente mediante a previsão de limites à concentração dos media que permitam conter dentro de parâmetros aceitáveis a influência de uma empresa ou grupo de empresas num determinado sector ou mercado relevante.
A identificação do mercado relevante é, aliás, condição indispensável para que se possa aferir da existência, numa dada circunstância, de uma operação de concentração. Assim, a Comissão Europeia, em diversas ocasiões e em matéria de audiovisual, distinguiu entre mercado de televisão a pagamento e mercado de televisão de acesso livre; mercado de televisão a pagamento por cabo e mercado de televisão a pagamento por satélite; mercado de canais temáticos; mercado de canais temáticos de cinema; mercado de aquisição de direitos desportivos, etc. Entre nós, o Conselho da Concorrência individualizou como mercados relevantes distintos o "mercado dos direitos de recolha de imagens e de transmissão directa e integral de jogos de futebol" e o "mercado dos direitos de recolha de imagens e de transmissão televisiva de resumos e apontamentos de reportagem de jogos de futebol".
Para o efeito, tanto pode recorrer-se ao estabelecimento de tectos máximos de audiência para cada órgão de comunicação social (modelo aplicado, com variantes na Alemanha e na Grã-Bretanha), como a limites decorrentes da avaliação do volume dos proventos ou facturação das empresas (a Itália estabelece plafonds de receitas diversos, consoante o modo de difusão e a zona geográfica abrangida), como ainda a restrições quantitativas à detenção de licenças ou autorizações para emitir (exemplos da Espanha e de Portugal, no referido caso da radiodifusão) ou a restrições à participação no capital social de sociedades do sector (exemplo da França).
Mas estas medidas não se limitam à consideração de um único mercado, ou seja, às situações de concentração horizontal relevantes para efeitos de aplicação das normas da concorrência. De facto, o próprio pluralismo externo no domínio da comunicação social também pode resultar afectado, e muitas vezes assim sucede até com maior expressão, nos casos de concentração vertical, ou seja, de alianças ou fusões de empresas a operar em momentos diversos da cadeia de produção ou de distribuição de um determinado bem. Assim, a integração, num mesmo grupo, de empresas de produção de conteúdos, de operadores de radiodifusão, de sociedades de distribuição do sinal ou de agências de publicidade pode pôr em risco a diversidade da paisagem audiovisual numa determinada área geográfica. E o mesmo sucede com as participações múltiplas ou cruzadas em vários sectores da comunicação social ou adjacentes (imprensa, rádio, televisão, telecomunicações), que podem corresponder ao que se designa de concentração diagonal.
É a França que tem a legislação mais detalhada sobre este género de concentração, através do chamado regime das "duas situações em quatro", com o qual se pretende restringir a dois sectores da comunicação social a tomada de participações, ao mesmo tempo que se tem em conta a audiência potencialmente atingida pelos meios de comunicação em causa.
V - Conclusões e parecer
1 - O projecto de lei em apreciação visa definir e impor limites à concentração horizontal e vertical da propriedade de meios de comunicação social escrita, audiovisual, radiofónica, assim como de meios de distribuição.
2 - O tema assume uma enorme relevância nos debates e estudos sobre política da comunicação social, tendo em consideração a influência que esta assume nas sociedades contemporâneas e os fenómenos complexos e crescentes de concentração que condicionam a sua liberdade e independência.
3 - Ainda que se trate de um fenómeno com reflexos nas chamadas "economias de mercado" e, cada vez mais, a nível supranacional, a concentração da propriedade da comunicação social reveste-se em cada país de características próprias, devendo sublinhar-se as suas consequências para o pluralismo da comunicação social, mas igualmente para a criação e fortalecimento de grupos nacionais com dimensão mais significativa.
4 - Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias aprova o seguinte parecer:
Parecer
O projecto de lei n.º 129/IX reúne os requisitos constitucionais e regimentais para subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.
Assembleia da República, 19 de Fevereiro de 2003. - O Deputado Relator, Alberto Arons de Carvalho - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.
Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (registando-se a ausência do CDS-PP; do PCP e de Os Verdes).
PROJECTO DE LEI N.º 130/IX
(PROTECÇÃO DAS FONTES DOS JORNALISTAS)
Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Relatório
I - Nota preliminar
Os três Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda tomaram a iniciativa de apresentar à
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Assembleia da República um projecto de lei sobre "protecção das fontes dos jornalistas".
Efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República, esta apresentação reúne ainda os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Admitida e numerada, a iniciativa baixou, em 3 de Outubro de 2002, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para apreciação e elaboração do respectivo relatório e parecer.
A discussão na generalidade desta iniciativa não está ainda agendada.
II - Objecto, motivação e conteúdo da iniciativa
O projecto de lei em apreciação visa alterar o artigo 135.º do Código de Processo Penal, acrescentando ao estipulado no respectivo n.º 4 uma norma especificando as condições em que os jornalistas sejam obrigados a prestar depoimento com quebra do segredo profissional. Nestes termos, o n.º 3 do artigo 135.º do referido Código apenas se aplicaria aos jornalistas "quando esta seja a única e última forma de prevenir, directamente, um crime".
Na exposição de motivos do projecto, os autores citam normas constitucionais e legais aplicáveis ao regime do direito ao sigilo profissional dos jornalistas - designadamente o artigo 38.º, n.º 2, alínea b), da Constituição, o artigo 22.º, alínea b), da Lei de Imprensa (Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro) e os artigos 6.º e 11.º do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro) - e assinalam a norma prevista sobre idêntica matéria no Código Deontológico do Jornalista.
E é precisamente depois de citarem a norma do Código Deontológico que os autores da iniciativa referem que "é neste sentido restritivo que as várias instituições europeias têm entendido o levantamento do direito de não divulgação das fontes pelos jornalistas", sublinhando-se que essa será igualmente a interpretação da Alta Autoridade para a Comunicação Social constante do comunicado de 25 de Setembro de 2002. Concluía então este órgão que "pela sua própria natureza, esta limitação do direito de não divulgação da fonte pelo jornalista não pode deixar de ser interpretada de forma restritiva e de aplicação circunscrita às situações expressamente previstas no referido preceito legal, cuja aplicabilidade ao sigilo dos jornalistas será mesmo questionável, dada a sua consagração profissional".
Contestando uma leitura abrangente do referido artigo do Código de Processo Penal, os Deputados proponentes recordam a recente detenção de um jornalista, assinalando que essa interpretação mais lata do disposto na lei "poderá ter sido uma confusão entre o sigilo a que estão obrigados os jornalistas e os outros profissionais, como os advogados, médicos ou ministros de confissão religiosa". De facto, assinalam os autores do projecto de lei, "trata-se de um sigilo de natureza diferente, e cuja razão de ser é totalmente diversa, já que o dever do jornalista nada tem a ver com a obrigação de guardar segredo sobre uma determinada informação, mas sim sobre a sua fonte".
Depois de enunciar outras diferenças entre a natureza do sigilo dos jornalistas e o direito reconhecido, por exemplo, a advogados e médicos, a exposição de motivos do diploma sublinha que parece aos seus autores "importante especificar na letra da lei aquilo que (...) já resultaria do espírito da própria lei, com vista a uma clarificação das condições absolutamente excepcionais em que os jornalistas estejam obrigados a levantar a sua obrigação e direito de protecção das suas fontes".
II - Enquadramento constitucional e legal
No nosso país, o direito ao sigilo profissional foi consagrado pela primeira vez na Base VII da Lei de Imprensa de 1971 e no respectivo Decreto Regulamentar (artigos 81.º e 82.º).
No entanto, o conteúdo daquele direito era praticamente nulo, pois não se reconhecia em relação a informações ou notícias relacionadas com "a segurança exterior ou interior do Estado" ou quando o conhecimento da origem das informações pudesse contribuir para a averiguação da autoria ou das circunstâncias da prática de crimes públicos. Além disso, os tribunais podiam determinar a quebra do sigilo quanto à origem de informações ou notícias pertinentes a crimes semipúblicos e particulares ou à vida íntima dos cidadãos.
Estas limitações desapareceriam com a Lei de Imprensa de 1975, onde se consagrou esse direito de forma absoluta, ao estipular-se, no artigo 5.º, n.º 4, que os jornalistas não eram obrigados a revelar as suas fontes de informação, "não podendo o seu silêncio sofrer qualquer sanção directa ou indirecta". Além disso, proibiam-se os directores e as empresas jornalísticas de revelarem as fontes, quando delas tivessem conhecimento.
O Estatuto do Jornalista de 1979 (artigo 8.º) viria reproduzir quase na íntegra estas normas, acrescentando-se apenas o direito de o jornalista poder autorizar os directores e as empresas a revelarem as fontes de informação.
Na revisão constitucional de 1982, o direito ao sigilo profissional foi incluído na Constituição [n.º 2, alínea b) do artigo 38.º], entre os direitos dos jornalistas inerentes à liberdade de imprensa.
O direito ao sigilo profissional deixaria, no entanto, de ser garantido de forma absoluta, com a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, em cujo artigo 135.º se admitiu a possibilidade de um tribunal poder ordenar a prestação de depoimento com quebra do sigilo profissional.
A posterior publicação, em 1999, da Lei de Imprensa e do Estatuto do Jornalista não alteraria de forma substancial o regime do direito ao sigilo profissional. Na Lei de Imprensa (artigo 22.º) apenas se refere o direito ao sigilo profissional entre os direitos dos jornalistas. Embora, regulando outras facetas importantes deste direito, o Estatuto do Jornalista (artigo 11.º) salvaguarda a aplicação da lei processual penal.
Deste modo, o regime jurídico essencial do direito ao sigilo dos jornalistas, como aliás o das outras profissões, está estabelecido naquele artigo do Código de Processo Penal.
O artigo 135.º do Código de Processo Penal estabelece as condições em que um tribunal pode ordenar a quebra do sigilo profissional, o que significa uma protecção apenas relativa daquele direito.
Deste modo, importa verificar se uma invocação do direito ao sigilo é legítima, correspondendo efectivamente ao exercício do direito. Estabelece-se no n.º 2 do referido artigo que "havendo fundadas dúvidas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa,
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ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento".
Apurada a legitimidade da invocação do direito, importa então verificar se eventualmente existe, face ao caso concreto em apreciação, um interesse preponderante em relação à importância atribuída a esse direito, o que, a acontecer, implicaria a obrigação de prestação de testemunho com quebra do sigilo profissional.
De facto, no n.º 3 do artigo 135.º estipula-se que "o tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado (...) pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada face às normas e princípios da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante". A mesma norma estipula que se o incidente for suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, a apreciação compete ao plenário das secções criminais. Em qualquer caso, estabelece-se que a intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
A atribuição da competência para decidir sobre a quebra do sigilo a um tribunal diverso e superior em relação àquele onde o incidente processual se tiver suscitado tem sido interpretada como visando conferir maior independência a essa deliberação. Com o mesmo objectivo, o n.º 5 do mesmo artigo estabelece que a decisão judicial só pode ser tomada depois de ouvido o organismo representativo da profissão em causa - neste caso, o Sindicato dos Jornalistas.
Esta limitação ao sigilo profissional foi apreciada pelo Tribunal Constitucional. A requerimento do então Presidente da República, Mário Soares, o Tribunal pronunciar-se-ia pela constitucionalidade do articulado, considerando que a restrição ao sigilo estabelecida no Código de Processo Penal não constituía "uma agressão desproporcionada" ao segredo profissional "dados os valores em favor dos quais (…) é sacrificado e as cautelas de que se faz rodear a quebra do segredo" (cf. Acórdão n.º 7/87, Diário da República, I Série, 9 de Fevereiro de 1987).
A regulação do sigilo profissional dos jornalistas tem igualmente em conta as circunstâncias em que aqueles exercem a profissão.
Assim, no Estatuto do Jornalista, visa impedir-se a revelação indirecta da fonte, através de outras pessoas a quem o jornalista, por razões profissionais, tiver revelado a sua identidade.
Sendo natural que o jornalista informe os superiores hierárquicos sobre a identidade da fonte, o artigo 11.º, n.º 2, do Estatuto estipula que "os directores de informação dos órgãos de comunicação social e os administradores ou gerentes das respectivas entidades proprietárias, bem como qualquer pessoa que nelas exerça funções, não podem, salvo com autorização escrita do jornalista envolvido, divulgar as suas fontes de informação".
Estabeleceu-se igualmente um conceito de fonte mais amplo, face à anterior legislação, incluindo "os arquivos jornalísticos de texto, som ou imagem das empresas ou quaisquer documentos susceptíveis de as revelar" e igualmente o "material utilizado" e "os elementos recolhidos no exercício da profissão", o que é claramente o caso do material fotográfico, blocos de apontamentos, material informático, cassettes, etc. (artigo 11.º, n.os 2, 3 e 4).
Os jornalistas e as empresas não podem ser desapossados do material utilizado ou obrigados a exibir os elementos recolhidos, salvo por mandado judicial e nos demais casos previstos na lei, nomeadamente os artigos 174.º e seguintes do Código de Processo Penal.
A alteração verificada na regulamentação no direito ao sigilo profissional, com a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, não influenciou a opinião dos jornalistas face ao carácter absoluto do direito.
No n.º 6 do Código Deontológico do Jornalista, aprovado em assembleia geral do respectivo Sindicato em Maio de 1993, estipula-se que "o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação (...)".
Esta norma pode representar para os jornalistas um conflito insanável, uma vez que se o tribunal lhes impõe a prestação do testemunho com inerente quebra do segredo profissional, nos termos do Código de Processo Penal, o Código Deontológico, que os próprios jornalistas aprovaram, aponta-lhes um caminho oposto. Isto é, a deontologia profissional transformou esse direito num verdadeiro dever.
Do ponto de vista deontológico, sublinhe-se ainda que a mesma norma assinala a necessidade dos jornalistas respeitarem os compromissos estabelecidos com as fontes. O escrupuloso cumprimento destes compromissos constitui uma condição essencial para que os jornalistas possam aceder a um conjunto de informações, que não estaria muitas vezes disponível, caso não se garantisse o sigilo da fonte.
O n.º 6 do Código Deontológico do Jornalista estabelece todavia uma excepção: o jornalista fica moralmente desobrigado de silenciar a fonte ou de respeitar compromissos que com ela tiver assumido, caso as informações canalizadas sejam falsas.
A defesa do direito ao sigilo não impede que tenha sido estatuído no Código, no mesmo n.º 6, que "o jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes". De facto, a credibilidade da informação oferece maiores garantias se a sua origem estiver devidamente assinalada. No entanto, não sendo a sua revelação muitas vezes possível, nomeadamente por ser essa uma condição essencial para a obtenção da informação, o direito ao sigilo das fontes confidenciais assume uma evidente importância no conjunto dos direitos dos jornalistas.
III - Enquadramento internacional
Na Europa, a grande maioria dos países reconhece este direito. Alguns países conferem-lhe mesmo consagração constitucional (Suécia, Espanha e Portugal). Em relação ao seu grau de protecção, alguns países reconhecem um direito absoluto (Áustria, Finlândia, Alemanha e Suécia), enquanto outros admitem algumas excepções (Dinamarca, Noruega e Grã-Bretanha). Noutros países, a protecção ao direito tem natureza meramente deontológica (Bélgica, Grécia, Itália e Malta) ou jurisprudencial (Holanda) (Cf. Alexis Guedj (1998), "La protection des sources journalistiques", Bruylant, Bruxelas).
O direito ao sigilo foi igualmente reconhecido pela Declaração dos Direitos e Deveres dos Jornalistas, adoptada em Munique em 1971 pelos sindicatos dos jornalistas dos países que então compunham a Comunidade Europeia, através de um texto que seria no ano seguinte adoptado pela Federação Internacional dos Jornalistas.
Numa resolução de 18 de Janeiro de 1994, o Parlamento Europeu reconheceu igualmente que "o direito dos jornalistas a manterem a confidencialidade das suas fontes contribui para assegurar aos jornalistas uma melhor qualidade da informação".
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No mesmo ano, na Conferência ministerial de Praga, promovida pelo Conselho da Europa, foi igualmente reconhecida a importância do direito ao sigilo das fontes, matéria que voltaria a ser objecto de deliberação pelo Conselho em 1999, recomendando-se então que os Estados-membros adoptassem este direito nas respectivas legislações.
Ao mesmo tempo, o grupo de especialistas de Direito da Comunicação Social e dos Direitos do Homem designado pelo Comité Director dos Meios de Comunicação Social (CDMM) preparou uma Recomendação (n.º R -2000- 7) sobre o direito dos jornalistas de não revelarem as suas fontes de informação, que seria adoptada pelo Comité dos Ministros em 8 de Março de 2000.
A Recomendação, que constitui hoje um dos documentos fundamentais sobre o direito ao sigilo profissional dos jornalistas, inclui, logo na sua norma inicial, o princípio segundo o qual "o direito e a prática dos Estados-membros devem prever uma protecção explícita e clara do direito dos jornalistas de não divulgarem informações que identifiquem a sua fontes".
No entanto, a Recomendação prevê um conjunto de circunstâncias em que possa prevalecer a divulgação de informações identificando as fontes de informação, nomeadamente se existir um "imperativo preponderante de interesse público e se as circunstâncias apresentarem um carácter suficientemente importante e grave" (Cf. Princípio 3).
IV - Conclusões e parecer
1 - O projecto de lei em apreciação, visando a alteração de apenas um dos artigos do Código de Processo Penal, propõe-se todavia modificar substancialmente a regulamentação do sigilo profissional dos jornalistas.
2 - O tema assume indiscutível relevância no conjunto dos direitos dos jornalistas, não só por este direito merecer uma consagração constitucional como também dados os acontecimentos recentes em torno da detenção de um jornalista, alegadamente por se recusar a revelar uma fonte.
3 - Aliás, importará recordar que enquanto a lei processual penal estipula as condições em que um jornalista pode ser obrigado a revelar a sua fonte de informação, o seu Código Deontológico estipula que "o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação".
4 - Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte parecer:
Parecer
Que o projecto de lei n.º 130/IX reúne os requisitos constitucionais e regimentais para subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.
Assembleia da República, 19 de Fevereiro de 2003. - O Deputado Relator, Alberto Arons de Carvalho - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.
Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (registando-se a ausência do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes).
PROPOSTA DE LEI N.º 45/IX
(ALTERA A LEI DE PROGRAMAÇÃO MILITAR)
Relatório e parecer da Comissão de Defesa Nacional
Introdução
A proposta de lei n.º 45/IX do Governo que altera a Lei de Programação Militar foi aprovada em Conselho de Ministros em 25 de Fevereiro de 2003 e deu entrada na Mesa da Assembleia da República em 26 de Fevereiro de 2003, tendo sido admitida nesse mesmo dia. Por decisão de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, a proposta de lei baixou à Comissão de Defesa Nacional para elaboração de relatório e emissão de parecer na generalidade.
Entretanto, foi reservada a ordem do dia da sessão plenária de 5 de Março de 2003 para o debate da proposta de lei da generalidade.
Cumpre anotar que estas circunstâncias temporais impedem a Comissão de Defesa Nacional de exercer os direitos mínimos que o Regimento da Assembleia da República lhe confere. Na verdade, em circunstâncias normais, esta Comissão Parlamentar disporia de 30 dias para a elaboração de relatório e parecer, como estabelece o Regimento da Assembleia da República no n.º 2 do artigo 147.º. Poderia e deveria, como em anteriores revisões da Lei de Programação Militar, ter efectuado uma reunião com o Sr. Ministro da Defesa Nacional para a apresentação da proposta de lei; poderia e deveria ter efectuado audições sobre a matéria, dada a sua enorme relevância. Poderia e deveria ter compulsado documentação, designadamente sobre os trabalhos preparatórios das anteriores versões da Lei de Programação Militar ou sobre estudos que fundamentassem as opções propostas. Não teve no entanto qualquer possibilidade de o fazer, na medida em que, tendo recebido a proposta de lei em 26 de Fevereiro, dispôs apenas de dois dias úteis até ao debate em Plenário e mesmo esses foram praticamente inutilizados pelo facto de os anexos contendo o detalhe dos programas e o respectivo plano de financiamento só terem sido facultados aos membros da Comissão de Defesa Nacional ao fim do dia 1 de Março, ocorrendo o debate no primeiro dia útil subsequente. Foi entretanto facultada à Comissão Parlamentar em 26 de Fevereiro, a intervenção do Almirante Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas na reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional em que transmitiu a posição unanimemente favorável do Conselho de Chefes de Estado-Maior à presente proposta de lei.
Nestes termos, não só as condições para a elaboração do relatório e emissão de parecer pela Comissão de Defesa Nacional foram extremamente precárias, como não houve qualquer possibilidade prática de proceder à sua discussão, tendo sido submetidos à apreciação da Comissão em reunião ocorrida 30 minutos antes do início da reunião plenária para o debate da proposta de lei na generalidade.
Entende o relator que estes factos não devem deixar de ser referidos, para evitar que ocorram em situações futuras, na medida em que constituem factores de menorização e de desprestígio para o órgão de soberania que é a Assembleia da República.
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Enquadramento constitucional e legal
Nos termos da alínea d) do artigo 164.º da Constituição, a matéria relativa ao reequipamento das Forças Armadas constitui reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Para além disso, reveste a forma de lei orgânica, de acordo com o n.º 2 do artigo 166.º da Constituição, pelo que carece de aprovação, na votação final global, da maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (n.º 5 do artigo 168.º), e é obrigatoriamente votada na especialidade em plenário, por força do disposto no n.º 4 do artigo 168.º.
A matéria da programação militar é legalmente enquadrada pela Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, alterada pelas Leis n.º 41/83, de 21 de Dezembro, n.º 111/91, de 29 de Agosto, n.º 113/91, de 29 de Agosto, e n.º 18/95, de 13 de Julho, e pelas Leis Orgânicas n.º 3/99, de 18 de Setembro, e n.º 4/2001, de 30 de Agosto.
Aí se dispõe, no artigo 26.º, que a previsão das despesas militares a efectuar pelo Estado no reequipamento das Forças Armadas e nas infra-estruturas de defesa deve ser objecto de planeamento a médio prazo, nos termos a definir em lei especial e que tais planos de investimento público devem ser aprovados pela Assembleia da República mediante leis de programação militar. Estabelece o mesmo artigo que a elaboração dos projectos de proposta de Lei de Programação Militar é da competência do Conselho Superior Militar, de acordo com a orientação do Governo, sendo a execução da respectiva lei orientada e fiscalizada pelo Governo, sem prejuízo da competência da Assembleia da República.
Por outro lado, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, dando cumprimento à Constituição, inscreve na competência da Assembleia da República a aprovação de legislação sobre o reequipamento das Forças Armadas e concretamente das leis de programação militar [artigo 40.º, n.º 2, alíneas e) e p)], e incumbe o Governo de inscrever no seu programa as principais orientações e medidas a adoptar ou a propor no domínio da Defesa Nacional e de fazer reflectir a política aí definida nas propostas de Lei de Programação Militar. (artigo 41.º, n.º 2), bem como de elaborar e fazer executar as leis de programação militar [artigo 42.º, n.º 1, alínea g)].
Quanto a outros órgãos, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas atribui ao Conselho Superior de Defesa Nacional a competência para emitir parecer sobre as leis de programação militar [artigo 47.º, n.º 1, alínea f)], e ao Conselho Superior Militar, a competência para elaborar os respectivos projectos, de acordo com a orientação do Governo (artigo 49.º, n.º 2).
Antecedentes legislativos
Até à aprovação da Lei de Programação Militar em vigor (Lei Orgânica n.º 5/2001, de 14 de Novembro), sempre se distinguiu, de um lado, a lei-quadro das leis de programação militar, e do outro, as leis de programação militar. Para isso parece apontar, aliás, a Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, que no n.º 1 do artigo 26.º se refere a lei especial que defina os termos do planeamento a médio prazo a que deve obedecer o reequipamento das Forças Armadas e que no artigo 73.º, n.º 1, alínea e) alude à lei que define o regime das leis de programação militar, em contraposição à referência às leis de programação militar referidas no n.º 2 do artigo 26.º.
Assim, foram aprovadas várias leis-quadro das leis de programação militar: As Leis n.º 1/85, de 23 de Janeiro; n.º 66/93, de 31 de Agosto; n.º 46/98, de 7 de Agosto; e Lei Orgânica n.º 2/99, de 3 de Agosto. E foram aprovadas várias leis de programação militar: A Lei n.º 34/86, de 2 de Setembro, que continha quatro programas concretos; a Lei n.º 15/87, de 30 de Maio, qualificada pela primeira vez como Lei de Programação Militar, que incorporou os programas constantes da lei anterior; a Lei n.º 67/93, de 31 de Agosto (2.ª Lei de Programação Militar); a Lei n.º 17/97, de 7 de Junho, que procedeu à revisão da 2.ª Lei de Programação Militar; a Lei n.º 50/98, de 17 de Agosto (3.ª Lei de Programação Militar).
Porém, como observa o relatório da Comissão de Defesa Nacional sobre a proposta de lei n.º 70/VIII (que deu origem à Lei Orgânica n.º 5/2001, de 14 de Novembro), da autoria do Deputado João Amaral, "esta distinção foi sempre meramente formal". Como explica o relator, baseando-se na história das leis de programação militar,
"A Lei n.º 34/86 (na altura conhecida como "lei intercalar" da Lei de Programação Militar) já não obedecia às regras da lei-quadro (Lei n.º 1/85), designadamente por não referir todo o plano de investimentos e por ter sido aprovada antes da aprovação dos documentos que a deveriam suportar (designadamente a aprovação formal do sistema de forças). A primeira Lei de Programação Militar, (1987, para o período de 1987 a 1991), fez logo uma alteração à Lei n.º 1/85, pelo que esta nunca chegou a ser integralmente aplicada!
Em 1992 … não houve Lei de Programação Militar!
Para a aprovação da 2.ª Lei de Programação Militar (1993, para o período de 1993 a 1997), foi feita uma alteração à Lei n.º 1/85, através da Lei n.º 66/93. O mesmo sucedeu com a 3.ª Lei de Programação Militar, para a qual foi aprovada nova lei-quadro (Lei n.º 46/98).
Isto é: a lei-quadro nunca funcionou como tal (como lei-quadro), sempre alterada à medida das necessidades de cada Lei de Programação Militar.
A presente proposta de lei resolve esta saga pela eliminação de um dos termos: deixa de existir lei-quadro como lei autónoma. A proposta contém todas as normas de uma lei-quadro."
Estas considerações acerca da proposta de lei n.º 70/VIII são inteiramente válidas para a presente. De facto, a proposta de lei n.º 45/IX, que propõe a 1.ª alteração à Lei Orgânica n.º 5/2001, de 14 de Novembro, que aprova a Lei de Programação Militar, contém num mesmo diploma legal o enquadramento e a concretização da Lei de Programação Militar.
Data da revisão
Nos termos da Lei de Programação Militar em vigor, (artigo 17.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 6.º), a presente revisão deveria ter ocorrido até ao final do ano de 2002. Este atraso, que não pode deixar de ser registado, não é porém inédito. A 1.ª Lei, para o período de 1987 a 1991, foi publicada em 30 de Maio de 1987; a 2.ª Lei, para o período de 1993 a 1997 foi publicada em 31 de Agosto de 1993; e a 3.ª Lei, para o período de 1998 a 2003 foi publicada em 17 de Agosto de 1998. Neste caso, a tradição continua a ser o que era.
Enquadramento conceptual
A Lei de Programação Militar insere-se numa hierarquia conceptual que tem como topo a Constituição da República
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Portuguesa, cujo artigo 275.º estabelece as seguintes incumbências das Forças Armadas:
- Defender militarmente a República;
- Satisfazer os compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte;
- Colaborar em missões de protecção civil, em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações, e em acções de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação.
No plano legal, o diploma basilar em matéria de defesa nacional é a Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, a qual estabelece os objectivos permanentes da política de defesa nacional, cabendo ao Governo, inscrever no seu Programa, a submeter à Assembleia da República, as principais orientações e medidas da política de defesa nacional, e aprovar o Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
As Forças Armadas, responsáveis pela componente militar da defesa nacional, desenvolvem a sua actuação em execução da política de defesa nacional definida e do Conceito Estratégico de Defesa Nacional aprovado, e por forma a corresponder às normas e orientações estabelecidas nos níveis seguintes:
a) Conceito Estratégico Militar, elaborado pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior, aprovado pelo Ministro da Defesa Nacional e confirmado pelo Conselho Superior de Defesa Nacional;
b) Definição dos Sistemas de Forças necessários ao cumprimento das missões das Forças Armadas, elaborada pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior e aprovada pelo Conselho Superior de Defesa Nacional mediante proposta do Ministro da Defesa Nacional;
c) Dispositivo dos sistemas de forças, aprovado pelo Ministro da Defesa Nacional, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior.
O Programa do XV Governo Constitucional refere-se à revisão de documentos conceptuais e legais da defesa nacional e das Forças Armadas, designadamente:
- Do Conceito Estratégico de Defesa Nacional;
- Do Conceito Estratégico Militar;
- Das Missões Específicas das Forças Armadas;
- Do Sistema de Forças Nacional;
- Do Dispositivo de Forças;
- Da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas;
- Da Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas;
- Da Lei de Programação Militar.
Apesar de não existirem outras referências directas à programação militar, o Programa do Governo refere a necessidade de adequação das Forças Armadas aos novos tempos, o que exige a sua modernização, eficiência, reequipamento, prestígio e dimensão, e salienta em concreto a correcção da evolução negativa que se tem verificado nos orçamentos da defesa e a racionalização das indústrias de defesa, com vista à sua afirmação no quadro da indústria nacional e da base industrial e tecnológica europeia de defesa.
O Conceito Estratégico de Defesa Nacional foi debatido em 20 de Novembro de 2002 na Assembleia da República e encontra-se publicado no Diário da República n.º 16, I Série B, de 20 de Janeiro de 2003 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/2003). Aí se refere a programação financeira das Forças Armadas como condição necessária para o cumprimento dos objectivos de defesa nacional, tal como a modernização dos respectivos equipamentos. Neste quadro, o Estado deve ter como objectivo, à escala do nosso produto interno bruto, a aproximação do nível de despesas e investimentos na defesa nacional, ao nível médio, praticado nos países europeus da NATO.
Entretanto, tal como se depreende da exposição de motivos da proposta de lei n.º 45/IX, decorre presentemente a redefinição do Conceito Estratégico Militar e só posteriormente terá lugar a revisão do sistema de forças e do dispositivo.
Alterações legais decorrentes da proposta de lei n.º 45/IX
Relativamente às normas enquadradoras da programação militar, constantes do articulado da proposta de lei, cumpre assinalar, em comparação com a lei em vigor, as seguintes propostas de alteração:
- Em matéria procedimental, cumpre referir que o Governo se propõe suprimir a existência de uma proposta preliminar de revisão da lei, a elaborar pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior, a qual é submetida ao Ministro da Defesa Nacional pelo Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. Presentemente, só após a elaboração de tal proposta preliminar é que o Conselho Superior Militar, sob orientação do Ministro da Defesa Nacional, elabora a proposta final de revisão a submeter ao parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional e à aprovação do Conselho de Ministros e, por fim, da Assembleia da República.
Nos termos agora propostos, o procedimento inicia-se com a elaboração de um projecto de proposta de lei pelo Conselho Superior Militar, sob orientação do Governo, em articulação com o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e com os Chefes do Estado-Maior dos Ramos, e ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior. Elaborado tal projecto, compete ao Governo a sua aprovação em Conselho de Ministros, colhido o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional, sendo finalmente submetida a proposta de lei à Assembleia da República.
- Nas revisões da Lei de Programação Militar o eventual cancelamento e alteração de programas inscritos, a afectação de saldos a outros programas e a inscrição de novos programas só pode fazer-se com salvaguarda dos contratos já adjudicados ou em fase de adjudicação. O Governo propõe a eliminação dessa salvaguarda.
- No artigo sobre o "detalhe dos programas" é suprimida a exigência de apresentação dos custos inerentes aos investimentos induzidos relativos à operação e à modernização do equipamento e armamento.
- É proposto num novo artigo, que o Governo promova no prazo de 15 dias posteriores à aprovação da revisão da Lei de Programação Militar as alterações orçamentais dela decorrentes.
- No artigo relativo à dilação no tempo da satisfação dos encargos financeiros do reequipamento das Forças Armadas, passa a ser admitido, para além da locação, o recurso a outros modelos contratuais legalmente admissíveis, correspondendo o respectivo impacte no saldo global do sector público administrativo ao que a lei aplicável determinar.
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- Os novos programas com encargos plurianuais co-financiados pelo PIDDAC passam a ser objecto de contratos-programa aprovados por portaria conjunta, já não apenas do Ministro da Defesa Nacional e do Ministro com a tutela do PIDDAC, mas também do Ministro das Finanças.
- O quadro de programas anexo à Lei de Programação Militar deixa de conter a discriminação dos saldos provenientes da execução da lei anterior.
- Propõe-se que relativamente à execução de programas em que se verifique identidade de objecto, ainda que previstos em capítulos diferentes, possa ser adoptado um procedimento adjudicatório comum, dependente de autorização do Ministro da Defesa Nacional.
- Finalmente, a Lei de Programação Militar passa a incluir uma referência aos processos considerados mais importantes, a ter em conta nas suas futuras revisões.
Programas propostos e respectivo financiamento
Relativamente a novos programas propostos, cumpre assinalar:
- Sistemas de informação e gestão (serviços centrais do Ministério da Defesa Nacional) com um encargo de 28,980 milhões de euros até 2014;
- Melhoria da componente territorial e infra-estruturas aeronáuticas, com um encargo de 31,175 milhões de euros até 2014;
- Melhoria da capacidade de sobrevivência e mobilidade (Força Aérea), com um encargo de 28,340 milhões de euros até 2014;
- Melhoria das capacidades de instrução e treino (Força Aérea), com um encargo de 12,470 milhões de euros entre 2005 e 2008;
- Melhoria da formação avançada de pilotos (Força Aérea), com um encargo de 0,670 milhões de euros em 2008.
Relativamente a programas já previstos na actual Lei de Programação Militar, cumpre assinalar que o encargo mais vultuoso continua a ser representado pelo programa de capacidade submarina (983,124 milhões de euros até 2026) apesar da redução de três para dois do número de submarinos a adquirir implicar a correspondente redução dos encargos financeiros previstos (358 milhões de contos até 2032).
Quanto a outros programas com grande impacto financeiro, são de assinalar:
- O prosseguimento do investimento na capacidade de projecção de força em meios navais (a concretizar através da aquisição de um navio polivalente logístico e do reforço da capacidade das unidades de fuzileiros e representando um encargo de 297,285 milhões de euros até 2026);
- O reforço significativo da capacidade oceânica de superfície, incluindo a modernização das fragatas da classe Vasco da Gama, a substituição das fragatas da classe João Belo, a aquisição de helicópteros e o prolongamento da vida da navio reabastecedor Bérrio, o que representa um encargo de 297,285 milhões de euros até 2026, muito superior aos seis milhões de contos previstos na lei actual;
- O reforço dos meios da Brigada Mecanizada Independente (260,459 milhões de euros até 2020, designadamente com novos carros de combate);
- A manutenção de um nível de investimento significativo com o Grupo de Aviação Ligeira do Exército, designadamente com a aquisição de aeronaves, representando um encargo de 337,978 milhões de euros até 2026;
- O investimento de 334,369 milhões de euros até 2026 na Brigada Ligeira de Intervenção;
- O encargo de 226,050 milhões de euros até 2014 no reforço da capacidade de defesa aérea (designadamente com a modernização de frota de F-16);
- A redução relativa de encargos com o programa de aquisição de helicópteros de busca e salvamento já previsto na anterior Lei de Programação Militar, embora o valor do investimento se mantenha elevado (445,952 milhões de euros até 2026, contra os 114 milhões de contos anteriormente previstos);
- A manutenção do investimento na melhoria das capacidades de Asw/Asuw e aquisição das capacidades de guerra electrónica (EW), Comando e Controlo (C2) e Vigilância e Reconhecimento (ISR), (Força Aérea), com um encargo de 309,249 milhões de euros até 2014;
- A redução relativa do programa de melhoria das capacidades de transporte táctico, vigilância, foto aérea e geofísica, (Força Aérea), com um encargo de 356,805 milhões de euros entre 2007 e 2026, contra os 137 milhões de contos que se encontravam previstos até 2030;
- A manutenção de um nível elevado de encargos com o aumento da capacidade de transporte estratégico/táctico (506,535 milhões de euros até 2026) apesar da opção anunciada de renunciar ao projecto europeu do avião de transporte militar A400M, substituindo os actuais C-130 por aviões adquiridos à Lockeed.
Relativamente ao modelo financeiro adoptado, cumpre assinalar que os programas em leasing vêem os seus prazos reduzidos de 25 para 15 anos; as taxas de juro reduzidas de 7% para 5%, sendo o peso do recurso ao leasing nos encargos de financiamento reduzido de 67% para 52%.
Nestes termos, a Comissão de Defesa Nacional emite o seguinte parecer:
Parecer
A proposta de lei n.º 45/IX que altera a Lei de Programação Militar está em condições de subir a Plenário para apreciação na generalidade, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.
Assembleia da República, 5 de Março de 2003. - O Deputado Relator, António Filipe - O Presidente da Comissão, Correia de Jesus.
Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
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