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Sábado, 31 de Maio de 2003 II Série-A - Número 99

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2003)

S U M Á R I O

Projectos de lei (n.os 49, 214 a 216, 218 a 221, 230, 238, 268, 276, 277, 279, 280, 281 e 301 a 304/IX):
N.º 49/IX (Criminaliza o comércio de órgãos e tecidos humanos, bem como a propaganda e aliciamento associados à sua prática, aditando novas disposições à Lei n.º 12/93, de 22 de Abril):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 214/IX (Altera o Código Penal, alargando os prazos do direito de queixa e de prescrição nos crimes praticados contra a autodeterminação sexual de menores):
- Idem.
N.º 215/IX (Altera o Código de Processo Penal no sentido de conferir natureza urgente aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores):
- Vide projecto de lei n.º 214/IX.
N.º 216/IX Combate à pedofilia, prostituição e pornografia infantis (Altera os artigos 66.º e 172.º a 177.º do Código Penal e introduz os artigos 171.º-A, 176.º-A e 179.º-A) :
- Vide projecto de lei n.º 214/IX.
N.º 218/IX Criminalização da venda de crianças (Adita, no Capítulo IV do Título I do Livro II do Código Penal, o artigo 159.-º-A) :
- Vide projecto de lei n.º 214/IX.
N.º 219/IX Reforço da protecção das crianças vítimas de maus tratos e outras formas de violência (Altera os artigos 152.º, 249.º e 250.º do Código Penal) :
- Vide projecto de lei n.º 214/IX.
N.º 220/IX Combate à pedofilia (Altera os artigos 120.º, 172.º a 177.º e 179.º do Código Penal) :
- Vide projecto de lei n.º 214/IX.
N.º 221/IX Regras especiais para a recolha da prova e julgamento de crimes sexuais contra crianças (Altera os artigos 87.º, 103.º, 104.º e 271.º do Código de Processo Penal e adita um Capítulo V ao Título III do Livro III do Código de Processo Penal e um artigo 190.º-A) :
- Vide projecto de lei n.º 214/IX.
N.º 230/IX (Altera os artigos 118.º e 178.º do Código Penal):
- Vide projecto de lei n.º 214/IX.
N.º 238/IX (Estabelece medidas na área da prevenção, da reinserção social e medidas penais e processuais penais, relativamente a crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de que são vítimas menores):
- Vide projecto de lei n.º 214/IX.
N.º 268/IX (Medidas de prevenção dos crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores e de reforço da protecção das vítimas):
- Vide projecto de lei n.º 214/IX.

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N.º 276/IX (Limitação de mandatos sucessivos):
- Parecer da Comissão de Política Geral, Assuntos Europeus e Poder Local da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
N.º 277/IX (Limitação de mandatos dos eleitos locais e da titularidade dos altos cargos públicos):
- Vide projecto de lei n.º 276/IX.
N.º 279/IX (Estabelece o regime da duração dos mandatos dos membros dos órgãos dos institutos públicos e dos órgãos de gestão das autoridades reguladoras independentes):
- Vide projecto de lei n.º 276/IX.
N.º 280/IX (Estabelece o regime da duração do exercício de funções do Primeiro-Ministro, dos presidentes dos governos regionais e do mandato dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais):
- Vide projecto de lei n.º 276/IX.
N.º 281/IX (Alterações à Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais):
- Idem.
N.º 301/IX - Elevação da povoação de Ancede, no concelho de Baião, à categoria de vila (apresentado pelo PS).
N.º 302/IX - Altera a denominação da freguesia de Cumeeira, no concelho de Santa Marta de Penaguião (apresentado pelo PSD).
N.º 303/IX - Criação da freguesia de Lixa do Alvão, no concelho de Vila Pouca de Aguiar (apresentado pelo PSD).
N.º 304/IX - Promove a formação profissional qualificante, a aprendizagem ao longo da vida e a sua certificação (apresentado pelo BE).

Propostas de lei (n.os 61, 71 e 74/IX):
N.º 61/IX (Altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, acrescentando as sementes de canabis não destinadas a sementeira e a substância PMMA às tabelas anexas ao decreto-lei):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 71/IX - Autoriza o Governo a legislar sobre um novo regime jurídico dos bens do domínio público ferroviário, incluindo as regras acerca da sua utilização, desafectação, permuta e, bem assim, as regras aplicáveis às relações dos proprietários confinantes e população em geral com aqueles bens.
N.º 74/IX - Lei de Bases da Educação.

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PROJECTO DE LEI N.º 49/IX
(CRIMINALIZA O COMÉRCIO DE ÓRGÃOS E TECIDOS HUMANOS, BEM COMO A PROPAGANDA E ALICIAMENTO ASSOCIADOS À SUA PRÁTICA, ADITANDO NOVAS DISPOSIÇÕES À LEI N.º 12/93, DE 22 DE ABRIL)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Considerações introdutórias

O projecto de lei n.º 49/IX, apresentado por vários Deputados do Partido Socialista, visa criminalizar as condutas associadas ao comércio de órgãos e tecidos humanos, bem como as condutas que se prendem com a propaganda e aliciamento associados àquelas práticas.
Já na anterior legislatura o Partido Socialista tinha apresentado o projecto de lei n.º 73/VIII (DAR I Série A n.º 17, de 1 de Fevereiro de 2000, página 325, e relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de 17 de Maio de 2000, publicado no DAR II Série A, n.º 42, página 1522), iniciativa esta que, não tendo sido discutida no decurso da legislatura em que foi apresentado, viria a caducar com o fim prematuro da mesma.
As preocupações que os Deputados signatários da iniciativa pretendem acautelar, com a sua apresentação, têm a ver com o recrudescimento do comércio e tráfico de órgãos e tecidos humanos, provenientes também de dadores vivos, com fins meramente mercantilistas.
A iniciativa em apreço faz referência à existência de redes internacionais de tráfico e comércio de órgãos e tecidos de origem humana, que enriquecem à custa da exploração da miséria de outros seres humanos, predispostos a cederem órgãos vitais em troca de uma compensação económica, colocando em risco a sua saúde e, muitas vezes, a sua vida.
Esta realidade tem vindo a gerar, segundo a iniciativa legislativa, reacções de repúdio de várias organizações internacionais. Assim:
- Em 1978 o Comité de Ministros do Conselho da Europa adoptou uma resolução sobre a harmonização das legislações dos Estados-membros relativas à colheita e transplante de substâncias de origem humana, que recomenda a gratuitidade da cedência de qualquer substância, com excepção do reembolso das despesas com actos e exames médicos que se mostrem necessários;
- Em 1985 a 37.ª Assembleia de Medicina Mundial recomendou aos governos de todos os países a adopção de medidas tendentes a pôr fim à utilização de órgãos e tecidos humanos com fins comerciais;
- Em 1987 a 39.ª Assembleia de Medicina Mundial adoptou uma declaração defendendo a interdição da compra e venda de órgãos humanos para fins de transplante;
- Em 1989 o XIV Congresso Internacional de Direito Penal defendeu a criminalização do comércio de órgãos e tecidos humanos, propondo igualmente a adopção de medidas de interdição do transplante de órgãos e tecidos humanos em manifesta exploração da vulnerabilidade económica e social dos dadores;
- Em 1993 o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre a proibição de comércio de órgãos para transplante, com recomendações ao Conselho e à Comissão, nomeadamente sobre a necessidade de adopção de um código de conduta que estabeleça regras e princípios a respeitar na extracção e utilização de órgãos e tecidos de origem humana com fins terapêuticos.
A iniciativa legislativa em apreço, portanto, vem na sequência destas preocupações, e o seu objectivo - a criação de novos tipos legais de crime relacionados com o comércio de órgãos e tecidos humanos e a propaganda e aliciamento associados à sua prática - circunscreve-se ao âmbito das mesmas.

II - Legislação nacional

A lei vigente sobre colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana é a Lei n.º 12/93, de 22 de Abril, que consagra expressamente a gratuitidade da dádiva de órgãos e tecidos com fins terapêuticos e de transplante, proibindo-se expressamente a sua comercialização.
A lei prevê não só a possibilidade da colheita em vida, dentro de certos parâmetros, como igualmente a colheita em cadáveres, que constitui a regra, sem prejuízo da possibilidade de qualquer pessoa afastar a condição de potencial dador através da manifestação expressa dessa vontade junto das autoridades competentes.
Por último, dispõe-se sobre informação ao público e sobre responsabilidade civil, penal e disciplinar pela violação das disposições da Lei n.º 12/92, a qual se remete para os termos gerais de direito.

III - Sobre o projecto de lei n.º 49/IX

O projecto de lei compõe-se de dois artigos.
O artigo 1.º introduz, na Lei n.º 12/93, de 22 de Abril, os artigos 5.º-A (Comercialização de órgãos e tecidos de origem humana) e 5.º-B (Propaganda, publicidade ou aliciamento à comercialização de órgãos e tecidos de origem humana), ao passo que o artigo 2.º altera a redacção do artigo 16.º da referida Lei n.º 12/93.
Como decorrência do princípio da gratuitidade na dádiva de órgãos e tecidos humanos, e atendendo ao flagelo internacional deste comércio, o projecto de lei em análise compreende o aditamento destas duas normas incriminadoras à Lei n.º 12/93, cujo artigo 16.º originava apenas uma punição a título criminal nos termos do Código Penal, o que resultava na omissão punitiva face a certos comportamentos condenáveis.
Com efeito, com o aditamento dos artigos 5.º-A e 5.º-B criminalizam-se autonomamente, e atendendo à especificidade dos ilícitos em causa, os comportamentos de utilização ou extracção de órgãos e tecidos de origem humana para comercialização e de propaganda, publicidade ou aliciamento à comercialização dos mesmos.
No entanto, a criminalização das condutas previstas no artigo 5.º-A deve atender às especificidades dos bens em

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causa, parecendo conveniente que se estabeleçam duas excepções ao regime geral vigente quanto ao destino dos bens utilizados na prática daquele crime - artigos 109.º e 110.º do Código Penal.
Ou seja, e no entender do relator, haveria que prever que os órgãos ou tecidos já "inseridos" no corpo do receptor não pudessem ser "retirados", bem como que aos órgãos ou tecidos apreendidos antes da sua "inserção" no corpo do receptor fosse dado logo destino adequado à sua imediata utilização em quem deles careça, afastando claramente a lógica que levaria à sua "preservação" até à data do trânsito em julgado da sentença que os declararia perdidos a favor do Estado.
Pelo exposto, e em conclusão:

a) A iniciativa legislativa em apreço vem na sequência das preocupações de várias instâncias internacionais, que manifestaram publicamente o seu repúdio pelo tráfico e comércio de órgãos e tecidos de origem humana, que explora a miséria de outros seres humanos, predispostos a cederem órgãos vitais em troca de uma compensação económica, colocando em risco a sua saúde e a sua vida;
b) O objectivo de criação de novos tipos legais de crime relacionados com o comércio de órgãos e tecidos humanos e a propaganda e aliciamento associados à sua prática circunscreve-se ao âmbito dessas mesmas preocupações;
c) Os novos tipos legais de crime dos artigos 5.º-A e 5.º-B criminalizam autonomamente, e atendendo à especificidade dos ilícitos em causa, os comportamentos de utilização ou extracção de órgãos e tecidos de origem humana para comercialização e de propaganda, publicidade ou aliciamento à comercialização dos mesmos;
d) Não obstante, no entender do relator, é necessário estabelecer um regime específico para a apreensão e destino dos bens relacionados com a prática destes crimes, atenta a especificidade dos bens em causa.

Nestes termos, os Deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias são de

Parecer

Que o projecto de lei n.º 49/VIII está em condições de subir a Plenário para discussão na generalidade, reservando-se os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

Palácio de S. Bento, 28 de Maio de 2003. O Deputado Relator, Nuno Teixeira de Melo - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves

Nota: - As conclusões a) a c) foram aprovadas por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE e Os Verdes.
A conclusão d) foi aprovada, com os votos a favor do PSD, CDS-PP e PCP e a abstenção do PS, tendo-se registado a ausência do BE e Os Verdes.
O parecer foi aprovado por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE e Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 214/IX
(ALTERA O CÓDIGO PENAL, ALARGANDO OS PRAZOS DO DIREITO DE QUEIXA E DE PRESCRIÇÃO NOS CRIMES PRATICADOS CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL DE MENORES)

PROJECTO DE LEI N.º 215/IX
(ALTERA O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NO SENTIDO DE CONFERIR NATUREZA URGENTE AOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL DE MENORES)

PROJECTO DE LEI N.º 216/IX
COMBATE À PEDOFILIA, PROSTITUIÇÃO E PORNOGRAFIA INFANTIS (ALTERA OS ARTIGOS 66.º E 172.º A 177.º DO CÓDIGO PENAL E INTRODUZ OS ARTIGOS 171.º-A, 176.º-A E 179.º-A)

PROJECTO DE LEI N.º 218/IX
CRIMINALIZAÇÃO DA VENDA DE CRIANÇAS (ADITA, NO CAPÍTULO IV DO TÍTULO I DO LIVRO II DO CÓDIGO PENAL, O ARTIGO 159.º-A)

PROJECTO DE LEI N.º 219/IX
REFORÇO DA PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS VÍTIMAS DE MAUS TRATOS E OUTRAS FORMAS DE VIOLÊNCIA (ALTERA OS ARTIGOS 152.º, 249.º E 250.º DO CÓDIGO PENAL)

PROJECTO DE LEI N.º 220/IX
COMBATE À PEDOFILIA (ALTERA OS ARTIGOS 120.º, 172.º A 177.º E 179.º DO CÓDIGO PENAL)

PROJECTO DE LEI N.º 221/IX
REGRAS ESPECIAIS PARA A RECOLHA DA PROVA E JULGAMENTO DE CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS (ALTERA OS ARTIGOS 87.º, 103.º, 104.º E 271.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E ADITA UM CAPÍTULO V AO TÍTULO III DO LIVRO III DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E UM ARTIGO 190.º-A)

PROJECTO DE LEI N.º 230/IX
(ALTERA OS ARTIGOS 118.º E 178.º DO CÓDIGO PENAL)

PROJECTO DE LEI N.º 238/IX
(ESTABELECE MEDIDAS NA ÁREA DA PREVENÇÃO, DA REINSERÇÃO SOCIAL E MEDIDAS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS, RELATIVAMENTE A CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL DE QUE SÃO VÍTIMAS MENORES)

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PROJECTO DE LEI N.º 268/IX
(MEDIDAS DE PREVENÇÃO DOS CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO E LIBERDADE SEXUAL E MENORES E DE REFORÇO DA PROTECÇÃO DAS VÍTIMAS)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Introdução

Um conjunto de Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Partido Popular tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 214/IX - Altera o Código Penal, alargando os prazos do direito de queixa e de prescrição nos crimes praticados contra a autodeterminação sexual de menores - e o projecto de lei n.º 216/IX - Combate à pedofilia, prostituição e pornografia infantis (Altera os artigos 66.º e 172.º a 177.º do Código Penal e introduz os artigos 171.º-A, 176.º-A e 179.º-A).
Este conjunto de Deputados apresentou também o projecto de lei n.º 215/IX - Altera o Código do Processo Penal no sentido de conferir natureza urgente aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores.
Por seu lado, um número de Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 218/IX - Criminalização da venda de crianças (Adita, no Capítulo IV do Título I do Livro II do Código Penal, o artigo 159.º-A).
Os mesmos Deputados apresentaram igualmente o projecto de lei n.º 219/IX - Reforço da protecção das crianças vítimas de maus-tratos e outras formas de violência (Altera os artigos 152.º, 249.º e 250.º do Código Penal) e o projecto de lei n.º 220/IX - Combate à pedofilia (Altera os artigos 120.º, 172.º a 177.º e 179.º do Código Penal).
Estes subscritores apresentaram ainda o projecto de lei n.º 221/IX - Regras especiais para a recolha da prova e julgamento de crimes sexuais contra crianças (Altera os artigos 87.º, 103.º, 104.º e 271.º do Código de Processo Penal e adita um Capítulo V ao Título III do Livro III do Código de Processo Penal e um artigo 190.º-A).
Por seu turno, Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentaram o projecto de lei n.º 230/IX - Altera os artigos 118.º e 178.º do Código Penal - e o projecto de lei n.º 268/IX - Medidas de prevenção dos crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores e de reforço da protecção das vítimas.
Finalmente, Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentaram o projecto de lei n.º 238/IX - Estabelece medidas na área da prevenção, da reinserção social e medidas penais e processuais penais, relativamente a crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de que são vítimas menores.
Estas apresentações foram efectuadas nos termos do artigo 167.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento.
Admitidas e numeradas, as iniciativas vertentes baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias para a emissão do respectivo relatório/parecer.

II - Da motivação, objecto e conteúdo das iniciativas

O aparecimento destes projectos de lei decorre do reconhecimento pelos Deputados de que, perante as situações ocorridas não só em Portugal mas também noutros países, como a Bélgica, o Reino Unido e os Estados Unidos da América, se processou uma mudança muito significativa da sensibilidade social em relação ao tema dos abusos sexuais de menores e da consciência dos cidadãos no que se refere à necessidade absoluta de combater de forma eficaz este tipo de crimes.
A resposta a dar a este flagelo e à preocupação manifestada por todos os sectores da sociedade é, no entanto, diversa, quando não divergente, e incide não só em propostas de alteração da lei penal substantiva e da lei penal adjectiva, mas também no recurso a outras medidas, nomeadamente de carácter preventivo.
Assim, entendem os Deputados do Grupo Parlamentar do CDS-PP e do Grupo Parlamentar do PSD que existe um desajustamento entre a realidade social e a lei actual no capítulo dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de que são vítimas menores e que se torna necessário ajustar o quadro normativo vigente, mormente compatibilizando-o com normas previstas em instrumentos internacionais, como a Decisão-Quadro relativa à Luta contra a Exploração Sexual de Crianças e Pornografia Infantil, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Crianças relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 25 de Maio de 2000, e a Convenção relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, celebrada em Haia, em 29 de Maio de 1993.
Por seu turno, os Deputados do Grupo Parlamentar do BE sustentam que a proliferação dos crimes em apreço demonstra que as disposições actualmente em vigor não são suficientes e, consequentemente, não são adequadas aos fins que se propõe prosseguir, isto é, proteger as crianças, sendo por isso necessário conferir natureza pública a estes crimes.
Noutra vertente, os Deputados do BE propõem a intervenção sobre este problema mediante, por um lado, a melhoria dos mecanismos e das respostas sociais e institucionais de protecção da vítima e, por outro, a definição das respostas adequadas que permitam a prevenção do abuso sexual de menores.
Já os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, sem perder de vista o equilíbrio das medidas penais, advogam que é antes na área da prevenção e na área da reinserção social das vítimas que deve residir a resposta a dar.

A - Iniciativas no âmbito da lei penal substantiva

O projecto de lei n.º 214/IX, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, visa alargar os prazos de prescrição dos crimes sexuais praticados contra os menores de forma a garantir que aqueles não prescrevam antes de poder ser exercido o direito de queixa e que os crimes sejam levados a julgamento.
Os Deputados subscritores pretendem, com este projecto de lei, diferir a possibilidade de dedução de queixa para a data em que ofendido complete 25 anos de idade, isto é, para um momento em que, segundo aqueles proponentes, normalmente se verifica a sua independência económica.
Por outro lado, com o projecto de lei n.º 216/IX, este mesmo Grupo Parlamentar visa alterar o Código Penal,

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reforçando o combate à pedofilia, prostituição e pornografia infantis, com o sentido seguinte:
Agravar as molduras penais, em particular nos seus limites mínimos, em relação à generalidade dos crimes sexuais contra menores, estabelecendo-se, em regra, para os crimes mais graves uma moldura penal cujos limites se situam entre o mínimo de cinco anos e o máximo de 12 anos;
Definir o conceito de pornografia infantil e criminalizar todas as condutas relativas a esta, desde os actos relacionados com a sua produção até aos actos de comercialização, considerando, para este efeito, todas as práticas relacionadas com menores, estabelecendo como barreira para a criminalização destes comportamentos que os mesmos sejam cometidos relativamente a menores de 18 anos;
Criminalizar condutas relacionadas com o fomento da prostituição infantil, criando novos tipos penais, nos quais se incluem a procura de menores para este efeito e, naturalmente, a venda e o tráfico de menores, quer estejam relacionados com a prostituição, com a pornografia ou com fenómenos como a escravatura, introduzindo-se também como novidade a penalização de quem, relacionado com pornografia ou prostituição infantis, transportar ou alojar menores, ainda que o faça só dentro do território nacional;
Estabelecer um conjunto de normas relativas à penalização de quem comete estes crimes tendo especial responsabilidade relativa à guarda ou à educação dos menores, prevendo-se aumentos das penas, a possibilidade de garantir o seu afastamento ou, mesmo, a impossibilidade de exercício de actividade profissional, sempre que se considere existir um risco para os menores;
Agravar as penas sempre que estes crimes sejam cometidos quer em instituições que têm sob sua responsabilidade a guarda de menores quer em ambiente escolar ou nas suas imediações;
Criminalizar a mera detenção de pornografia infantil.
Por sua parte, o Grupo Parlamentar do PSD, com o projecto de lei n.º 218/IX, tem como intuito adequar a legislação portuguesa ao Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Crianças relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 25 de Maio de 2001, e à Convenção relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, celebrada em Haia, em 29 de Maio de 1993.
Com este propósito, o projecto de lei vem aditar um novo artigo ao Código Penal, pelo qual se procede à incriminação da venda de crianças, designadamente para fins de exploração sexual, transferência de órgãos ou submissão a trabalho forçado e punir, igualmente, as pessoas cujo consentimento seja necessário para a adopção, quando o prestem mediante pagamento ou compensação de qualquer espécie.
Assim, quem alienar, ceder ou adquirir menor de 18 anos, por qualquer meio e a qualquer título, nomeadamente para fins de abuso ou exploração sexual, transferência de órgãos ou submissão a trabalho forçado, é punido com uma pena de prisão de cinco a 15 anos, e quem consentir na adopção mediante pagamento ou compensação de qualquer espécie é punido com uma pena de prisão até três anos.
Já o projecto de lei n.º 219/IX, deste Grupo Parlamentar, visa o reforço da protecção das crianças vítimas de maus-tratos e infracção das regras de segurança, de subtracção de menor e de violação da obrigação de alimentos.
Deste modo, no crime de maus-tratos e infracção das regras de segurança, o projecto de lei pretende o alargamento do âmbito da pena acessória aplicável de modo a permitir, para além da proibição de contacto com a vítima, a inibição do poder paternal, pelo período máximo de dois anos, a administrar, casuisticamente, pelo julgador.
Quanto ao crime de subtracção de menor, o projecto de lei alarga a moldura penal, que passa de pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias para uma pena de prisão até cinco anos, de modo a permitir a utilização de meios de prova, como a intercepção e a gravação de conversas ou comunicações telefónicas, só possível em crimes com uma pena superior a três anos.
Relativamente ao crime de violação da obrigação de alimentos, na lógica da concepção do poder paternal como um conjunto de poderes e deveres a exercer no interesse dos filhos menores, é também dilatada a moldura penal, passando de uma pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias para uma pena de prisão até três anos.
Também o projecto de lei n.º 220/IX, do PSD, visa alterar o Código Penal, com vista ao combate à pedofilia, com o sentido seguinte:
Introduzir uma nova causa de suspensão do procedimento criminal, impedindo-se que este prescreva antes de decorrido o prazo de um ano a contar do momento em que a vítima de crimes sexuais atinja a maioridade civil;
Incriminar, no abuso sexual de crianças, para além da fotografia, filme e gravação, a utilização de menor de 14 anos em qualquer outro material pornográfico, incluindo os inseridos em suporte informático;
Incriminar a produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta e posse desses materiais pornográficos;
Agravar as penas para estes crimes e, em geral, para os crimes contra a autodeterminação sexual;
Proceder ao alargamento da incriminação a qualquer acto sexual de relevo com adolescentes;
Elevar a idade da vítima de crimes de lenocínio e de tráfico de menores para 18 anos, incriminar o tráfico interno e agravar a respectiva moldura penal;
Introduzir uma nova agravante atendendo à prática reiterada de crimes sexuais sobre a mesma vítima;
Atribuir ao juiz a possibilidade de aplicação de pena acessória de proibição do exercício de profissão ou actividade, a qualquer título, em instituições que acolham menores para educação ou assistência, a indivíduos condenados pelos crimes previstos nos artigos 163.º a 176.º.
Por seu turno, o BE, com o projecto de lei n.º 230/IX, pretende, com a alteração dos artigos 118.º e 178.º do Código Penal, alargar o prazo de extinção do direito de queixa e tornar desnecessária a queixa nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, quando a vítima for menor de 18 anos ou quando do crime resultar suicídio ou morte da vítima.

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Já com o projecto de lei n.º 268/IX, o BE pretende, para além de estabelecer medidas de prevenção dos crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores e medidas de reforço da protecção à vítima, reformular o artigo 179.º do Código Penal de modo a, por um lado, exigir uma conexão entre a prática do crime e a função exercida pelo agente e, por outro, incluir entre o elenco de penas acessórias específicas a proibição do exercício de profissões que impliquem o contacto com menores ou que, de alguma forma, se relacionem com estes - à semelhança do que existe actualmente em França, Dinamarca, Inglaterra e País de Gales.

B - Iniciativas no âmbito da lei penal adjectiva

O projecto de lei n.º 215/IX, do CDS-PP, tem como intuito dar urgência aos processos relativos aos crimes praticados contra a liberdade e a autodeterminação sexual de menores, de modo a garantir que a realização da justiça seja feita com particular celeridade.
Neste contexto, o projecto de lei visa introduzir uma alínea d) ao n.º 2 do artigo 103.º e alterar a redacção do n.º 2 do artigo 104.º de forma a permitir a prática de actos processuais relativos a crimes praticados contra a liberdade e a autodeterminação sexual de menores fora dos dias úteis e das horas de expediente e durante as férias judiciais.
Mais ambicioso, o projecto de lei n.º 221/IX, do PSD, tem quatro propósitos distintos, todos com o objectivo de aperfeiçoar as regras processuais aplicáveis aos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual de menores e proteger as crianças e adolescentes vítimas desses crimes.
Como primeiro propósito, o projecto de lei visa a alteração do n.º 2 do artigo 87.º no sentido de restringir sempre a assistência do público a estes tipo de processos, como salvaguarda da reserva da intimidade da vida pessoal das vítimas. A alteração reconduz-se, assim, à supressão no texto legal da referência à menoridade dos ofendidos, isto é, aos casos de processo por crime sexual "que tenha por ofendido um menor de 16 anos" e da substituição da regra pela imposição da exclusão de publicidade.
Com finalidade idêntica à expressa no projecto de lei do CDS-PP, também o projecto de lei do PSD introduz uma alínea d) ao n.º 2 do artigo 103.º e altera a redacção do n.º 2 do artigo 104.º para dar carácter de urgência à prática de actos processuais relativos a estes crimes.
Alteração de maior significado é a operada ao nível do artigo 271.º, relativo a declarações para memória futura no que se refere às vítimas de crimes sexuais menores de 18 anos.
Neste capítulo o projecto de lei propõe o aditamento de três novos números (o 6, o 7 e o 8) ao citado artigo 271.º, no sentido de tornar obrigatória a tomada de declarações para memória futura nos casos de processos por crime sexual que tenha por ofendido um menor de 18 anos, o que deve ser sempre realizado em ambiente informal e reservado, de forma a garantir, designadamente, a espontaneidade e a sinceridade das suas declarações, sendo o menor sempre ouvido na presença de um técnico de serviço social ou outra pessoa tecnicamente especializada no seu acompanhamento e podendo o juiz dispensar a presença do arguido sempre que a vulnerabilidade da vítima o impuser.
No âmbito da obtenção da prova, o projecto de lei do PSD propõe a introdução no Código de Processo Penal de um artigo que possibilite a obtenção de prova mediante o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem o consentimento do visado, com autorização ou por ordem do juiz, já prevista na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, nomeadamente, para o crime de lenocínio e tráfico de menores.

C - A iniciativa do PCP

O projecto de lei n.º 238/IX, do PCP, constitui-se como um diploma autónomo e integrado que estabelece medidas na área da prevenção, da reinserção social e medidas penais e processuais penais, relativamente a crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de que são vítimas menores.
Segundo os subscritores, o projecto de lei do PCP afasta-se da tendência repressiva manifestada nos outros projectos de lei, optando antes por uma visão preventiva, que passa por estabelecer um conjunto normativo de medidas na área da prevenção a cargo dos estabelecimentos de educação e ensino, na área da reinserção social das vítimas, na área das medidas penais, para garantir a prevenção geral contra a prática dos crimes, na área das medidas processuais penais e na área da reinserção social do agressor.
Neste contexto, os autores do projecto de lei propõem:
1 - Na área da prevenção a cargo dos estabelecimentos de educação e ensino:
- A obrigatoriedade de inclusão nos currículos do ensino pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico de programas de prevenção de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, por forma a municiar os menores com conhecimentos que os defendam dos agressores, nomeadamente quando cometidos no meio familiar;
- A formação dos professores para poderem ministrar os programas, sendo estes preferencialmente a ministrá-los, sem prejuízo de, supletivamente, serem estabelecidos protocolos de cooperação com entidades especialmente vocacionadas para o efeito;
- A integração da área da educação sexual nos programas dos restantes estabelecimentos de ensino;
- A obrigatoriedade de serem desenvolvidas campanhas de sensibilização da opinião pública, de pais e de encarregados de educação, para as causas e para as dramáticas consequências resultantes, para as vítimas, do cometimento dos crimes que atentam contra a sua liberdade e autodeterminação sexual.
2 - Na área da reinserção social das vítimas:
- O estabelecimento de mecanismos de apoio, nomeadamente através de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, que perdure enquanto necessário, mesmo para além do termo do processo criminal;
- O estabelecimento de medidas especiais quanto ao adiantamento de indemnização aos menores vítimas de crimes.
3 - Na área das medidas penais, para garantir a prevenção geral contra a prática dos crimes:
- A aceitação de algumas recomendações da Decisão-Quadro do Conselho Europeu, prevendo a suspensão da prescrição em casos especiais (cometimento de mais do que um crime contra a vítima, uso de coacção, de força, contexto de maus tratos, dependência da vítima relativamente ao agressor);

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- A instituição da possibilidade de aplicação ao agressor de uma pena acessória;
- A proibição da prova de qualquer tratamento médico que reduza ou anule o impulso sexual, sabido, como é, que noutros países tem sido utilizado como forma de aplicação das penas, verificando-se depois a reincidência na prática dos crimes;
- O aperfeiçoamento do regime das medidas de coacção;
- O reforço, na liberdade condicional, das finalidades deste instituto;
- O aperfeiçoamento do instituto da suspensão da pena.
4 - Na área das medidas processuais penais:
- A adopção de medidas relativamente à garantia da prestação de depoimentos e declarações pela vítima, sem constrangimentos, através da videoconferência, garantindo-se, assim, o contraditório;
- A isenção para vítima, enquanto assistente, da taxa de justiça e de custas.
5 - Na área da reinserção social do agressor:
- A imposição ao Ministério da Justiça, através da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, da disponibilização de atendimento psicológico ou psiquiátrico ao recluso, quando este o aceite;
- A imposição ao Instituto de Reinserção Social da disponibilização do mesmo apoio ao condenado quando este o aceite após o cumprimento de pena.

D - A iniciativa n.º 268/IX, do BE

O projecto de lei n.º 268/IX, do BE, é essencialmente, como o do PCP, um diploma autónomo, no sentido de que não se limita a proceder a alterações à legislação vigente, mas a estabelecer medidas de prevenção dos crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores e medidas de reforço da protecção à vítima.
De acordo com os seus autores, o projecto de lei pretende:
1 - No âmbito das medidas de prevenção dos crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores:
Criar um programa de prevenção do abuso sexual de menores dirigido à população em geral, a populações em risco e aos agentes sociais e educativos com mais contacto com as crianças e as famílias;
Incumbir o Governo da elaboração e distribuição gratuita de materiais informativos, nomeadamente através dos órgãos de comunicação social, sobre os direitos da criança e sobre o abuso sexual de menores e a sua natureza, bem como sobre as estratégias de protecção em caso de tentativa de abuso e os direitos de protecção da vítima, e com a indicação dos contactos de entidades a quem recorrer;
Incumbir o Governo da promoção de acções de formação sobre abuso sexual de menores e demais crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores, incluindo temas como a situação da vítima, as estratégias de atendimento e os mecanismos de encaminhamento e protecção, dirigidas a técnicos de saúde, técnicos de segurança social e outros agentes de acção social, agentes educativos e agentes policiais;
Incumbir o Governo da promoção da realização de estudos que visem a análise das situações de abuso sexual de menores e demais crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores, nomeadamente no que diz respeito à reacção da vítima e à eficácia das respostas institucionais disponíveis.
2 - No âmbito das medidas de reforço da protecção à vítima:
Criar, sempre que a incidência geográfica o justifique, gabinetes de atendimento à vítima de crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores, com linhas SOS gratuitas, com a função de informar as vítimas deste tipo de crime sobre os seus direitos e proceder ao seu encaminhamento;
Criar, nesses gabinetes, consultas de carácter gratuito de acompanhamento das vítimas e, se necessário dos seus familiares, por psicólogos ou pedopsiquiatras;
Reforçar os meios e a actuação das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, nomeadamente através da contratação de técnicos com conhecimentos nas diversas áreas de actuação das comissões, de modo a constituírem equipas interdisciplinares;
Impor às autoridades policiais e demais serviços públicos o dever de accionar todos os mecanismos legais de investigação e de encaminhamento da vítima sempre que for detectada uma situação de crime contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores;
Impor aos agentes de polícia criminal a frequência de acções de formação relativas à investigação de crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores, com especial incidência nas matérias relativas à recolha de prova e das formas de interrogar a vítima e interpretar os seus sinais;
Criar, nas instalações da PSP, GNR ou Polícia Judiciária, bem como nos tribunais, de espaços próprios, cuja concepção, mobiliário e equipamento serão ajustados para acolher crianças;
Impor o acompanhamento por psicólogo, pedopsiquiatra ou médico a prestação de depoimento ou declarações de vítimas de crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores;
Impor a aplicação ao arguido da medida de coacção de proibição de permanência, de ausência e de contactos prevista pelo artigo 200.º do Código do Processo Penal, sempre que não seja imposta ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva;
Estabelecer a pena acessória de proibição do exercício de profissões que impliquem o contacto com menores ou que, de alguma forma, se relacionem com estes, pelo período de dois a 15 anos.

III - Resenha comparativa dos projectos de alteração do Código Penal

Numa sucinta comparação entre os projectos de lei apresentados e das alterações propostas ao Código Penal (os artigos citados, sem qualquer outra referência, são do Código Penal), e que constam dos mapas em anexo, destacam-se as diferenças seguintes:

a) Menoridade:
Apenas o PCP define como menor, para os efeitos do seu projecto de lei, as pessoas com idade inferior a 18 anos.

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Os demais partidos mantém, de uma maneira geral, os limites de idade previstos no Código Penal, introduzindo alterações pontuais, nomeadamente na redacção proposta pelo PSD (n.º 220/IX) para o crime de lenocínio e tráfico de menores (artigo 176.º), em que a idade do menor passa de 16 para 18 anos, ou nas propostas do CDS-PP (214/IX) e do BE (230/IX) para o artigo 178.º (queixa), em que a idade passa de 14 para 16 anos.
b) Queixa:
Com a alteração proposta pelo BE para o artigo 178.º deixa de ser necessária queixa para os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, quando a vítima for menor de dezoito anos ou quando do crime resultar suicídio ou morte da vítima.
Relativamente ao projecto de lei n.º 214/IX, do CDS-PP, a alteração proposta para o artigo 178.º apenas incide sobre a idade do menor, que passa de 14 para 16 anos.
c) Extinção do direito de queixa:
Apenas o CDS-PP, no projecto de lei n.º 214/IX, propõe uma alteração ao artigo 115.º (extinção do direito de queixa), ao aditar-lhe um novo número, com o sentido de o prazo para exercer o direito de queixa só terminar na data em que o ofendido complete 25 anos de idade, no caso dos crimes previstos nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º, sempre que o agressor possua um ascendente familiar, afectivo ou económico sobre a vítima.
d) Prazos de prescrição:
No tocante à prescrição, todos os projectos oferecem alternativas, que variam entre o prazo de um ano após a maioridade e a data em que a vítima atingir os 25 anos.
O projecto de lei do CDS-PP (214/IX) vem aditar um número ao artigo 120.º, no qual estabelece que o prazo de prescrição não se completa antes de o ofendido atingir os vinte e cinco anos, no caso dos crimes previstos e punidos pelos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º.
Por seu turno, o PSD, no projecto de lei n.º 220/IX, adita igualmente um número ao artigo 120.º, estatuindo que a prescrição não se completa sem ter decorrido um ano a partir da maioridade civil da vítima de crimes sexuais.
Já o PCP propõe a introdução de um novo artigo, o artigo 121.º-A, determinando que a prescrição não se completa até dois anos após a maioridade civil da vítima, ou após o termo da cessação da dependência ou o termo do internamento a que se refere o artigo 166.º.
Por sua vez, o BE propõe também um novo número, mas a aditar ao artigo 118.º, determinando que o procedimento criminal não se extingue por efeito de prescrição até ter decorrido um ano sobre a data em que a vítima atingir os 18 anos no caso dos crimes previstos e punidos pelos artigos 163.º a 165.º, 167.º, 168.º e 171.º.
e) Molduras penais:
Apenas os projectos de lei do CDS-PP e do PSD apresentam alterações, pelo agravamento, das molduras penais, nomeadamente relativas aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de que são vítimas menores, de que se salientam as seguintes:
- Abuso sexual de menores:
No projecto de lei n.º 216/IX, o CDS-PP propõe um agravamento da pena de prisão, que passar de um a oito anos para três a 10 anos, para quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa.
No caso de cópula, coito anal ou oral, a punição passa de pena de prisão de três a 10 anos para cinco a 12 anos.
Já para a utilização de menores em fotografia, filme ou gravação, sem fim lucrativo, passa da pena de prisão até três anos para de um a cinco anos, ou, no caso de se verificar intenção lucrativa, pena de prisão de um a oito anos.
Por seu turno, o PSD propõe, no projecto de lei n.º 220/IX, para a utilização de menores em fotografia, filme ou gravação, pena de prisão até cinco anos.
- Abuso sexual de menores dependentes:
No projecto de lei n.º 216/IX, o CDS-PP propõe um agravamento da pena de prisão de um a oito anos para três a 10 anos para quem praticar os actos sexual de relevo ou cópula, coito anal ou coito oral com menor de 14 anos dependente.
- Actos sexuais com adolescentes:
Tanto o CDS-PP, no projecto de lei n.º 216/IX, como o PSD, no projecto de lei n.º 220/IX, propõem o agravamento da pena de prisão até dois anos ou da pena de multa até 240 dias para pena de prisão até três anos para quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência.
- Actos homossexuais com adolescentes:
Tanto o CDS-PP, no projecto de lei n.º 216/IX, como o PSD, no projecto de lei n.º 220/IX, propõem o agravamento da pena de prisão até dois anos ou da pena de multa até 240 dias para pena de prisão até três anos para quem, sendo maior, praticar actos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que eles sejam por este praticados com outrem.
- Lenocínio e tráfico de menores:
Tanto o CDS-PP, no projecto de lei n.º 216/IX, como o PSD, no projecto de lei n.º 220/IX, propõem o agravamento da pena de prisão de seis meses a cinco anos para pena de prisão de um a cinco anos para quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor, ou a prática por este de actos sexuais de relevo. A diferença entre os projectos de lei está na idade do menor, que o PSD eleva agora para os 18 anos.
f) Novos crimes:
Como já referido, tanto o CDS-PP como o PSD vêm tipificar novos crimes, designadamente a criminalização da pornografia infantil e a sua comercialização, o fomento da prostituição infantil, a criminalização da venda de crianças, ou a incriminação, para além da fotografia, filme e gravação, da utilização de menor de 14 anos em qualquer outro material pornográfico, incluindo os inseridos em suporte informático, ou a incriminação da produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta e posse desses materiais pornográficos.
Destes novos crimes, saliente-se a criminalização, feita no projecto n.º 218/IX, da venda de crianças, determinando uma pena de prisão de cinco a 15 anos para quem alienar, ceder ou adquirir menor de 18 anos, por qualquer meio e a qualquer título, nomeadamente para fins de abuso ou exploração sexual, transferência de órgãos ou submissão a trabalho forçado.
Importa também assinalar a criminalização feita neste projecto de lei de quem consentir na adopção mediante pagamento ou compensação de qualquer espécie e a sua punição com prisão até três anos.

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De igual modo, destaque-se a criminalização, no projecto n.º 216/IX, do CDS-PP, de quem, por qualquer forma ou meio, vender ou oferecer um menor entre 14 e 16 anos para fins de prostituição infantil ou de utilização em pornografia infantil, ou para ser utilizado como escravo, que será punido com pena de prisão de um a oito anos, e de quem procurar ou aceitar um menor entre 14 e 16 anos, por qualquer meio, para fins de prostituição infantil ou utilização do menor em pornografia infantil, que será punido com pena de prisão até três anos.
Realça-se ainda, neste projecto de lei, o agravamento destas penas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, caso o agente praticar ou propiciar as condições para a prática dos crimes referidos em infantário, estabelecimento de ensino ou estabelecimento destinado ao acolhimento ou inserção social de crianças e jovens em perigo ou em risco de exclusão social, ou nas suas imediações.
Este projecto de lei criminaliza igualmente quem, ainda que sem carácter profissional, produzir, distribuir, difundir, importar, exportar, armazenar, vender, exibir ou ceder material de pornografia infantil, em qualquer suporte ou apresentação, de acesso restrito ou generalizado, que será punido com pena de prisão de um a oito anos; se houver intenção lucrativa, a pena de prisão será de três a 10 anos.
Também neste projecto de lei se determina a punição da detenção de material de pornografia infantil, com pena de prisão até cinco anos, se houver o propósito de o exibir ou ceder, e com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias, se não houver esse propósito.
e) Penas acessórias:
O CDS-PP, no projecto de lei n.º 216/IX, e o PSD, em ambos os seus projectos de lei, estabelecem também penas acessórias, de que se destacam as seguintes:
No projecto de lei n.º 216/IX, do CDS-PP, para o artigo 66.º, a proibição do exercício de funções, por um período de dois a cinco anos, do titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer os crimes previstos e punidos nos artigos 163.º a 176.º.
De igual modo, e no mesmo projecto, propõe um novo artigo 179.º-A em que se interdita do exercício da respectiva profissão ou actividade por um período de dois a 15 anos, quem for condenado por crime previsto nos artigos 163.º a 167.º e a 172.º a 176.º relativamente a menor que lhe tenha sido confiado para educação, guarda ou assistência, quando, em face do facto praticado e da sua personalidade, houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie.
Já o PSD, no projecto de lei n.º 220/IX propõe a alargamento do âmbito do artigo 179.º, com a proibição, por um período de dois a 15 anos, do exercício de profissão ou funções, a qualquer título, em pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, que desenvolva actividades nas áreas de infância e juventude, a quem for condenado por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º.
Também no projecto de lei n.º 219/IX, o PSD propõe, no artigo 152.º, a aplicação de pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo a de afastamento da residência desta, ou de inibição do exercício do poder paternal, da tutela ou curatela, pelo período máximo de dois anos, de quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez ou a quem infligir a progenitor de descendente comum em 1.º grau maus-tratos físicos ou psíquicos.
Por seu turno, o PCP, no seu projecto de lei, propõe a aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo a de afastamento da residência desta, por período de dois a cinco anos.
Por fim, no projecto de lei n.º 268/IX, o BE propõe a proibição do exercício de profissões que impliquem o contacto com menores ou que, de alguma forma, se relacionem com estes, pelo período de dois a 15 anos.
f) O projecto de lei do PCP:
Como previamente mencionado, o projecto de lei do PCP obedece a uma doutrina diferente, que valoriza a medidas preventivas e determina programas de prevenção dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, campanhas de sensibilização, e formação do pessoal docente quanto a esta matéria.
Dentro desse critério, o PCP propõe ainda medidas de apoio à vítima, cometendo à Comissão de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, ou o Ministério Público, que providencie para que ao menor seja dispensado atendimento psicológico e psiquiátrico imediato, enquanto se revelar necessário a manutenção do seu apoio, ou que lhe seja arbitrada uma indemnização, mesmo que não tenha sido deduzido pedido de indemnização civil.
No âmbito processual, o PCP pretende que os depoimentos e declarações dos menores, quando impliquem a presença do arguido, sejam prestados através de videoconferência, bem como sejam consideradas nulas e de nenhum efeito todas as provas visando demonstrar a sujeição do arguido a tratamentos médicos que determinem a redução ou anulação do impulso sexual.
Pretende também o PCP que, instaurado procedimento criminal, e sempre que se não justifique a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, ou de prisão domiciliária, seja imposta ao arguido, além de outras medidas de coacção aplicáveis, a medida de proibição de contacto com a vítima e de afastamento da residência desta, quando disso não resultar prejuízo para a vítima, e que nenhuma medida de suspensão da pena possa ser aplicada sem que seja aceite pelo arguido programa de tratamento psicológico ou psiquiátrico adequado à situação.
Relativamente ao agressor, o PCP propõe também medidas, nomeadamente no sentido de que seja dispensado aos reclusos apoio psicológico e psiquiátrico, obtido o seu consentimento, ou que, em caso de liberdade condicional, lhe seja imposta a obrigação de não frequentar locais com actividades especificamente dedicadas aos menores.
g) O projecto de lei n.º 268/IX, do BE:
Como anteriormente referido, o projecto de lei n.º 268/IX, do BE, propugna medidas preventivas, campanhas de informação, acções de formação quanto a esta matéria, bem como a criação de gabinetes de atendimento à vítima de crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores, constituídas por equipas interdisciplinares, e a instituição de consultas de carácter gratuito de acompanhamento das vítimas e, se necessário dos seus familiares, por psicólogos ou pedopsiquiatras.
No âmbito processual, o BE pretende, no que respeita à vítima, que a prestação de depoimentos ou declarações seja sempre acompanhada por psicólogo, pedopsiquiatra ou médico e, no tocante ao arguido, a aplicação de medida de coacção de proibição de permanência, de ausência e de

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contactos prevista pelo artigo 200.º do Código do Processo Penal, sempre que não seja imposta ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.
No direito substantivo, o BE propõe o estabelecimento da pena acessória de proibição do exercício de profissões que impliquem o contacto com menores ou que, de alguma forma, se relacionem com estes, pelo período de dois a 15 anos.

IV - Evolução histórica

O actual Código Penal foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e foi, desde essa data, sujeito a 13 alterações, algumas profundas, que se consubstanciaram na Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, no Decreto-Lei n.º 101-A/88, de 26 de Março, no Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, no Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, na Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, na Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, na Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, nas Lei n.º 97/2001, n.º 98/2001, n.º 99/2001 e n.º 100/2001, todas de 25 de Agosto, na Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, e no Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro.
A evolução histórica da criminalização das condutas contra a liberdade e autodeterminação sexual de que são vítimas menores está particularmente completa na exposição de motivos do projecto de lei n.º 230/IX, do BE, nomeadamente no que se refere ao Código Penal actualmente em vigor, que se acompanha nesta parte.
Na versão inicial, o Código Penal previa, entre outros, como crimes sexuais, a violação, a violação de mulher inconsciente, a cópula mediante fraude, o estupro, o atentado ao pudor com violência, o atentado ao pudor com pessoa inconsciente, a homossexualidade com menores.
Tal como no Código Penal anterior apenas as mulheres podiam ser vítimas de violação; relativamente às menores de 12 anos, a cópula era sempre considerada violação independentemente dos meios empregues. Já a cópula com menores de 14 anos era incluída na violação de mulher inconsciente.
O estupro abrangia as raparigas entre os 14 e os 16, sendo necessário que existisse um abuso da sua inexperiência ou que tivesse havido uma promessa séria de casamento.
Os atentados ao pudor praticados contra menores de 14 anos eram punidos com pena de prisão até três anos, entendendo-se por atentado ao pudor o comportamento pelo qual outrem é levado a sofrer, presenciar ou praticar um acto que viola, em grau elevado, os sentimentos gerais de moralidade sexual.
A homossexualidade com menores abrangia os menores de 16 anos que fossem desencaminhados para a prática de acto contrário ao pudor e só podia ser praticada por maiores, sendo punida com pena de prisão até três anos.
O procedimento criminal dependia de queixa do ofendido, do cônjuge ou de quem sobre a vítima exercesse poder paternal, tutela ou curatela. O crime seria apenas público quando a vítima fosse menor de 12 anos, ou o facto fosse cometido por meio de outro crime que não dependesse de acusação ou queixa, ou quando o agente fosse o titular do direito de queixa, ou quando do crime resultasse ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima.
Nos termos do Código Penal de 1982, o procedimento criminal extinguia-se após o decurso de 15 anos, relativamente aos crimes a que correspondesse uma pena de prisão com um limite máximo superior a 10 anos; 10 anos para os crimes cuja pena máxima fosse igual ou superior a cinco anos mas inferior a 10; cinco anos para os crimes punidos com pena de prisão máxima entre um e cinco anos, e dois anos para os restantes casos.
Face às molduras penais previstas para os crimes sexuais, a violação prescrevia ao fim de 10 anos e os demais ao fim de cinco anos.
Com as alterações introduzidas em 1995, assume-se que o bem jurídico protegido é a liberdade sexual, consequentemente, o capítulo que integra os crimes sexuais tem como epígrafe "Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual", que, por sua vez, se integra no título relativo aos crimes contra as pessoas, o que é bem elucidativo da postura de ruptura com a tutela da moral social através deste tipo de crimes que até então se conseguira impor.
O conceito de atentado ao pudor é substituído pelo de acto sexual de relevo. As penas foram revistas de forma a diminuir as enormes assimetrias com os crimes contra o património. Há uma distinção entre os crimes que atentam de forma directa contra a liberdade sexual e os que atentam contra o livre desenvolvimento sexual.
Neste contexto, o Código Penal de 1995 tipificou pela primeira vez em Portugal algumas condutas como crimes autónomos:
- Abuso sexual de crianças, punindo quem praticasse acto sexual de relevo com menor de 14 anos ou o levasse a praticá-lo consigo ou com outrem;
- Abuso sexual de adolescentes e dependentes, quando praticado relativamente a menores entre os 14 e os 16 anos por quem estivesse encarregue da sua educação ou assistência, ou a menores entre ao 16 e os 18 por quem estando encarregue da sua educação ou assistência abusasse dessa função ou da posição que detinha.
O estupro passa a abranger apenas as situações em que há um aproveitamento da inexperiência.
O procedimento criminal dependia de queixa, excepto quando de qualquer deles resultava o suicídio ou a morte da vítima, ou ainda no caso de a vítima ser menor de 12 anos e o Ministério Público considerar que se impõem especiais razões de interesse público.
O prazo de prescrição previsto para os crimes de abusos sexuais contra menores era de 10 anos.
Com as alterações decorrentes da Lei n.º 65/98 e da Lei n.º 99/2001 foi conferida a redacção actual aos artigos relativos aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, com a excepção do crime de procriação artificial não consentida (artigo 168.º) e do crime de actos exibicionistas (artigo 171.º).
Actualmente o Código Penal pune como crimes contra a autodeterminação sexual:
- O abuso sexual de menores (artigo 172.º);
- O abuso sexual de menores dependentes (artigo 173.º);
- Os actos sexuais com adolescentes (artigo 174.º);
- Os actos homossexuais com adolescentes (artigo 175.º)
- O lenocínio e tráfico de menores (artigo 176.º)
É de salientar a importância das alterações introduzidas pela Lei n.º 99/2001, que veio permitir a actuação do Ministério Público, em determinadas situações, sem necessidade da existência de uma queixa.
Assim, nos termos da nova redacção do n.º 1 do artigo 178.º, o procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163.º a 165.º, 167.º, 168.º e 171.º a 175.º deixa

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de depender de queixa quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima ou quando o crime for praticado contra menor de 14 anos e o agente tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo.
Nesta área, há ainda que destacar, pela sua relevância, a aprovação da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro), que veio regular a promoção dos direitos e a protecção dessas crianças e jovens, rompendo com o modelo de protecção em vigor - que permitia que "crianças vítimas" e "crianças agentes da prática de crimes violentos" fossem internadas nas mesmas instituições - ao deslocar o epicentro da justiça de menores da mera protecção da infância para a promoção e protecção dos direitos das crianças e dos jovens.
Por seu turno, o Código de Processo Penal actualmente em vigor foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, tendo sofrido as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei n.º 387-E/87, de 29 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho, Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro, pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000.
Dos artigos propostos alterar, o artigo 87.º do CPP mantém a sua versão original e os restantes têm a redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 59/98.

V - Evolução histórica internacional

Desde a sua criação em 1945, a Organização das Nações Unidas tem tido como uma das suas preocupações primordiais o bem-estar e os direitos das crianças, tendo estabelecido, para o efeito, a UNICEF como principal pilar da Assistência Internacional às Crianças.
Consequentemente, o reconhecimento de que as crianças devem ser alvo de protecção e atenção especial tem vindo, desde então, a ser objecto de diversos tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pela Assembleia Geral em 1948, o Pacto Internacional de Direitos Humanos e a Declaração sobre os Direitos da Criança de 1959.
Com a Convenção dos Direitos das Crianças, de 1989, dá-se mais um salto qualitativo na mudança de atitudes sobre esta matéria, de que se destacam, no âmbito do objecto deste relatório, os artigos 34.º e 35.º, que impõem aos Estados a protecção da criança contra os maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo o abuso sexual ou exploração.
Para esse efeito, os Estados Partes devem, nomeadamente, tomar todas as medidas adequadas, nos planos nacional, bilateral e multilateral para impedir que:
- A criança seja incitada ou coagida a dedicar-se a uma actividade sexual ilícita;
- A criança seja explorada para fins de prostituição ou de outras práticas sexuais ilícitas;
- A criança seja explorada na produção de espectáculos ou de material de natureza pornográfica.
Os Estados Partes devem também tomar todas as medidas adequadas, nos planos nacional, bilateral e multilateral, para impedir o rapto, a venda ou o tráfico de crianças, independentemente do seu fim ou forma.
Mais recentemente, e ainda sob a égide da ONU, foi adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, já aprovado pela Assembleia da República e ratificado pelo Presidente da República (Resolução da Assembleia da República n.º 16/2003 e Decreto do Presidente da República n.º 14/2003, de 5 de Março).
No âmbito deste Protocolo, e quanto à matéria deste relatório, salienta-se a determinação de que todo o Estado Parte deverá garantir que, no mínimo, sejam plenamente abrangidos pelo seu direito penal, quer sejam cometidos dentro ou fora das suas fronteiras ou numa base individual ou organizada, nomeadamente a oferta, entrega ou aceitação de uma criança, por qualquer meio, para fins de exploração sexual da criança, a oferta, obtenção, procura ou entrega de uma criança para fins de prostituição infantil, a transferência dos órgãos da criança com intenção lucrativa, e a submissão da criança a trabalho forçado, bem como a produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta, venda ou posse para os anteriores fins de pornografia infantil.
A União Europeia tem vindo igualmente a preocupar-se com a questão do tráfico de seres humanos e a exploração sexual de crianças, incluindo a pornografia infantil.
Neste domínio, o Conselho, com a colaboração activa da Comissão e do Parlamento Europeu, criou o programa de incentivo e de intercâmbio STOP e o programa DAPHNE para combater a violência exercida contra as mulheres e as crianças. O programa STOP adoptada pela Acção Comum 96/700/JAI, de 29 de Novembro de 1996, do Conselho, destina-se a estabelecer, para o período de 1996-2000, um programa de promoção de iniciativas coordenadas relativas à luta contra o tráfico de seres humanos e a exploração sexual das crianças, aos desaparecimentos de menores e à utilização dos meios de telecomunicações para fins de tráfico de seres humanos e de exploração sexual das crianças; o programa DAPHNE destina-se especificamente a apoiar uma abordagem centrada nas organizações não governamentais e no seu trabalho de protecção e assistência a mulheres e crianças vítimas de violência.
Em 24 de Fevereiro de 1997, o Conselho adoptou a Acção Comum 97/154/JAI, relativa à acção contra o tráfico de seres humanos e a exploração sexual de crianças, alterada pela Decisão-Quadro 2002/629/JAI, do Conselho de 19 de Julho de 2002, relativa à luta contra o tráfico de seres humanos, na qual os Estados-membros acordaram em proceder a uma análise do seu direito penal relevante, de forma a assegurar a penalização de determinados comportamentos e a promover a cooperação judiciária.
Posteriormente, o próprio Tratado de Amsterdão, no artigo 29.º, consignou uma referência expressa ao tráfico de seres humanos e aos crimes contra as crianças, dando um novo impulso nesta área.
Por sua vez, o "Plano de Acção de Viena" sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amsterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, aborda também estas questões. De igual modo, as conclusões do Conselho Europeu de Tampere, de 15 e16 de Outubro de 1999, nos pontos 23 e 48, instaram à adopção de iniciativas concretas nestes domínios.
No tocante ao combate à pornografia infantil na Internet, o Conselho aprovou a Decisão 2000/375/JAI, de 29 de Maio de 2000, destinada a intensificar as medidas de prevenção e combate à produção, ao processamento,

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à posse e à divulgação de material de pornografia infantil e de fomentar uma investigação e repressão eficazes dos delitos neste domínio, devendo os Estados-membros tomar as medidas necessárias para incentivar os utilizadores da Internet a informarem, directa ou indirectamente, as autoridades responsáveis pela aplicação da lei, sobre presumíveis casos de divulgação de material de pornografia infantil na Internet, sempre que aí encontrem material desse tipo.
Actualmente, encontra-se em discussão a proposta da Comissão de uma Decisão-Quadro relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e à pornografia infantil, que tem por objectivo melhorar as disposições da Acção Comum de 24 de Fevereiro de 1997, garantindo que não existem locais seguros para os autores de delitos sexuais sobre crianças, quando se suspeita de que tenham cometido um delito num país que não seja o seu próprio.
Esta proposta destina-se ainda a abordar, conferindo-lhe a maior urgência, a questão da pornografia infantil na Internet, de forma a demonstrar a determinação da União Europeia no sentido de aplicar disposições penais comuns nesta área e contribuir para que os utentes da Internet disponham de um contexto seguro e livre de actividades criminosas.
Também o Conselho da Europa denuncia, desde há vários anos, todas as formas de exploração contra as crianças e, consequentemente, adoptou diversas recomendações relativas à protecção da infância de que se destacam: a Recomendação 1065 (1987), relativa ao tráfico de crianças e outras formas de exploração de crianças, a Recomendação 1121 (1990), relativa aos direitos das crianças, a Recomendação 1286 (1996), relativa a uma estratégia Europeia para as Crianças, a Recomendação 1099 (96), relativa à exploração sexual das crianças, e a Recomendação 1291 (2002), relativa ao rapto internacional de crianças por um dos pais.
De entre as medidas adoptadas na comunidade internacional, há ainda a destacar o Programa de Acção para a Prevenção da Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil e da Declaração e o Programa de Acção adoptados no Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças para Fins Comerciais, realizado em Estocolmo de 27 a 31 de Agosto de 1996.

VI - Conclusões

1 - As apresentações dos projectos de lei em apreço foram efectuadas nos termos do artigo 167.º da Constituição e do artigo 130.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
2 - Os projectos de lei têm como objectivo fundamental o reforço da protecção das crianças e do combate à pedofilia, à prostituição e pornografia infantis.
3 - Os projectos de lei n.º 214/IX e 216/IX, do CDS-PP, e do n.º 220/IX, do PSD, visam, no essencial, três objectivos: (i) alargar o prazo de extinção do direito de queixa e de prescrição do procedimento criminal; (ii) alargar as molduras penais; e (iii) a criminalização de certas condutas;
4 - O projecto de lei n.º 218/IX, do PSD, visa proceder à incriminação da venda de crianças, designadamente para fins de exploração sexual, transferência de órgãos ou submissão a trabalho forçado e punir, igualmente, as pessoas cujo consentimento seja necessário para a adopção, quando o prestem mediante pagamento ou compensação de qualquer espécie.
5 - O projecto de lei n.º 219/IX, do PSD, visa o reforço da protecção das crianças vítimas de maus-tratos e infracção das regras de segurança, de subtracção de menor e de violação da obrigação de alimentos.
6 - O projecto de lei n.º do 230/IX, do BE, visa alargar o prazo de extinção do direito de queixa e tornar desnecessária a queixa, quando o menor de dezoito anos ou quando do crime resultar suicídio ou morte da vítima.
7 - O projecto de lei n.º 238/IX, do PCP, constitui-se como um diploma autónomo e integrado que, optando por uma visão preventiva, visa estabelecer um conjunto normativo de medidas na área da prevenção a cargo dos estabelecimentos de educação e ensino, na área da reinserção social das vítimas, na área das medidas penais, para garantir a prevenção geral contra a prática dos crimes, na área das medidas processuais penais e na área da reinserção social do agressor.
8 - O projecto de lei n.º 268/IX, do BE, propõe medidas de prevenção dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores e de reforço da protecção das vítimas.
9 - O projecto de lei n.º 215/IX, do CDS-PP, visa conferir natureza urgente aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores.
10 - O projecto de lei n.º 221/IX, do PSD, visa estabelecer regras especiais para a recolha da prova e julgamento de crimes sexuais contra crianças, nomeadamente, no âmbito das declarações para memória futura no que se refere às vítimas de crimes sexuais menores de 18 anos e do registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem o consentimento do visado, com autorização ou por ordem do juiz.
Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de:

VII - Parecer

Que os projectos de lei em análise encontram-se em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 28 de Maio de 2003. A Deputada Relatora, Maria de Belém Roseira - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - O relatório, as conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE e Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 276/IX
(LIMITAÇÃO DE MANDATOS SUCESSIVOS)

PROJECTO DE LEI N.º 277/IX
(LIMITAÇÃO DE MANDATOS DOS ELEITOS LOCAIS E DA TITULARIDADE DOS ALTOS CARGOS PÚBLICOS)

PROJECTO DE LEI N.º 279/IX
(ESTABELECE O REGIME DA DURAÇÃO DOS MANDATOS DOS MEMBROS DOS ÓRGÃOS DOS INSTITUTOS PÚBLICOS E DOS ÓRGÃOS DE GESTÃO DAS AUTORIDADES REGULADORAS INDEPENDENTES)

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PROJECTO DE LEI N.º 280/IX
(ESTABELECE O REGIME DA DURAÇÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DO PRIMEIRO-MINISTRO, DOS PRESIDENTES DOS GOVERNOS REGIONAIS E DO MANDATO DOS PRESIDENTES DOS ÓRGÃOS EXECUTIVOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS)

PROJECTO DE LEI N.º 281/IX
(ALTERAÇÕES À LEI ELEITORAL DOS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS)

Parecer da Comissão de Política Geral, Assuntos Europeus e Poder Local da Assembleia Legislativa Regional da Madeira

A 1.ª Comissão Especializada Permanente de Política Geral, Assuntos Europeus e Poder Local, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, reuniu em 21 de Maio, pelas 9 horas e 30 minutos, para analisar os projectos de lei n.os 276, 277, 279 e 280/IX.
Qualquer um dos projectos de lei trata de matéria extremamente delicada, que deve ser apreciada e ponderada, antes de se avançar com remendos e leis avulsas, sem se perspectivar a questão de uma forma global.
Daí que a 1.ª Comissão delibere emitir parecer desfavorável ao:
- Projecto de lei n.º 276/IX, do PSD e CDS-PP: política e constitucionalmente não é correcto equiparar-se membros de entidades reguladoras independentes ou de institutos públicos a membros de órgãos democraticamente eleitos.
Como também não se aceita a limitação legal, que é uma violação da vontade soberana do eleitor.
- Projecto de lei n.º 277/IX, do BE: posição manifestada no projecto de lei n.º 276/IX. Acresce referir que não existe dispositivo constitucional idêntico ao artigo 50.º, n.º 3, para os demais titulares de cargos políticos, questionando-se se tal opção constitucional não veda a pretensão legislativa expressa neste projecto de lei.
- Projecto de lei n.º 279/IX, do PS: a ser aplicável na Região Autónoma da Madeira poder-se-ia criar um problema gravíssimo para a substituição dos membros que chegariam ao fim do seu mandato, a não ser a opção pela mudança de um instituto para outro, que é uma abertura, pelos vistos, permitida no projecto de lei.
- Projecto de lei n.º 280/IX, do PS: só falta incluir os Deputados da Assembleia da República e das assembleias legislativas regionais.
Não faz sentido limitar os titulares de órgãos eleitos democraticamente, por via legislativa, quando em eleições o povo pode, se o entender, exercer o poder supremo de não os eleger.
Dependendo o Governo Regional da Assembleia Legislativa Regional, é inaceitável que a iniciativa seja da Assembleia da República quanto à duração do mandato do Presidente do Governo Regional, considerando-se uma afronta e uma violação aos mais elementares direitos resultantes de autonomia.
Já agora porque não incluir a Mesa da Assembleia Legislativa Regional? E os Ministros da República?

Funchal, em 21 de Maio 2003. Pelo Deputado Relator, Coito Pita.

Nota: - O parecer foi aprovado por maioria.

PROJECTO DE LEI N.º 281/IX
(ALTERAÇÕES À LEI ELEITORAL DOS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS)

Parecer da Comissão de Política Geral, Assuntos Europeus e Poder Local da Assembleia Legislativa Regional da Madeira

A 1.ª Comissão Especializada Permanente de Política Geral, Assuntos Europeus e Poder Local, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, reuniu em 21 de Maio, pelas 9 horas e 30 minutos, para analisar o projecto de lei em epígrafe.
É entendimento que esta matéria deve ser objecto de reflexão e apreciação em sede de revisão constitucional.

Funchal, 21 de Maio de 2003. Pelo Deputado Relator, Coito Pita.

Nota: - O parecer foi aprovado por maioria.

PROJECTO DE LEI N.º 301/IX
ELEVAÇÃO DA POVOAÇÃO DE ANCEDE, NO CONCELHO DE BAIÃO, À CATEGORIA DE VILA

I - Contributo histórico

Ancede, população que se estende ao longo do rio Douro, tem raízes históricas que se perdem no tempo. Tendo cedido uma boa parte da sua área geográfica (há 62 anos) para a criação da vizinha e jovem freguesia de Ribadouro, continua a ser, no conjunto das freguesias ribeirinhas do concelho, a primeira em superfície, a terceira em população e "(...) talvez a freguesia mais importante do concelho (...)" - conforme afirma a autora Maria Luísa Carneiro Pinto na primeira monografia sobre Baião, publicada em 1949.
A explicação vulgarmente aceite para o topónimo "Ancede" é a que o faz derivar do nome de um guerreiro germânico, Ansedus, embora a tradição popular faça referência a uma expressão utilizada por D. Afonso Henriques, quando este se dirigia aos monges do Convento.
A história de Ancede remonta aos tempos em que os romanos ocuparam os espaços anteriormente dominados pelos Castros da belíssima paisagem do Vale do Ovil, onde actualmente se situa o açude da mini-hídrica e o complexo da antiga fábrica de fiação têxtil. Como testemunho desses tempos, Ancede reúne, actualmente, no seu património histórico, alguns vasos e moedas de bronze, fragmentos de cerâmica, vestígios de casas rectangulares, uma ara dedicada a Júpiter, na Quinta de Mosteiro, e ainda uma necrópole junto à Igreja Velha do primitivo Mosteiro de Ermelo.

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Da era medieval destaca-se a importância, para esta população, da passagem de duas vias provenientes do atravessamento do Douro, igualmente enquadradas nos caminhos que levavam a Santiago de Compostela: a que procedia de Oliveira do Douro, subia ao lugar do Arco de Lordelo (onde até ao século passado existiu o "memorial" ou "memorial" do século XII, que continha dois túmulos de personalidades importantes da região, e onde há, igualmente, uma pintura de Santiago na Capela da Senhora das Boas Novas) seguindo pela Casa Nova, para Carneiro e Amarante, e a que partia de Porto Manso seguia pelo "Caminho do Crasto", para as proximidades do Convento de Ancede, continuando por Penalva e Eiriz, para Marco de Canavezes. Este segundo itinerário aproveitava parte de uma via romana, antes da Capela de S. Domingos.
Contudo, o maior testemunho da relevância histórica desta freguesia assenta na existência dos seus dois Conventos: o antigo Mosteiro de Ermelo, anterior à nacionalidade, do qual se destaca a Igreja Românica, de três naves, classificada como Monumento de Interesse Nacional (alguns historiadores defendem que a primeira construção seria anterior à invasão mourisca, ou seja, ainda dos tempos da dominação visigótica), e o Convento de Ancede, primeiro da Ordem dos Crúzios e, mais tarde, da dos Dominicanos, igualmente anterior à invasão mourisca, ou pelo menos coevo da fundação da nacionalidade - pois veio a obter Carta de Couto de D. Afonso Henriques em 1141. A ele encontra-se anexa a actual Igreja Matriz, que, além do seu indescritível valor arquitectónico, contém um precioso núcleo museológico de arte sacra, que inclui, para além de valiosas peças de paramentaria, uma Custódia (que se diz ter saído das mãos de Gil Vicente), várias cruzes processionais e um cofre com a cabeça do "frade santo", tudo em prata, e, ainda, pinturas inspiradas na Escola de Grão Vasco e notáveis exemplares de estatuária religiosa.
Acresce ainda a este acervo patrimonial os inconfundíveis conjuntos escultóricos da octogonal Capela do Senhor do Bom Despacho, erigida no adro da mesma Igreja.
Ainda relacionada com este Convento, e de inspiração românica, embora provavelmente do séc. XIII, é a arca em granito, com grande riqueza decorativa, que se encontra hoje no Museu Nacional Soares dos Reis, do Porto, a qual servia de sepultura a pessoa de família importante da região.
No percurso de classificação patrimonial de todo este complexo arquitectónico encontra-se contemplado o Convento que, pelo seu indiscutível valor, está no primeiro conjunto de monumentos que o Ministério da Cultura integrou no seu programa de obras de recuperação patrimonial da região do norte.
Para além da importância religiosa, cultural e económica do "Couto de Ancede", então assim designada, outros testemunhos atestam, ainda hoje, a dualidade e importância secular desta freguesia.
São exemplo disso as numerosas casas de famílias de grande tradição, muitas delas brasonadas (sendo a de Penalva classificada como de interesse nacional), e onde habitaram escritores, parlamentares, dois governadores civis, professores da Universidade de Coimbra, um reitor da mesma Universidade, e ministros do reino. Destaca-se também a Casa da Quinta de Mosteiro, que continha um verdadeiro museu de arqueologia, mas, infelizmente, devastada há cerca de 40 anos por um impiedoso incêndio.
A estas raízes não é alheio o facto de, em Ancede, estar sediada a mais antiga associação do concelho, com século e meio de "existência", e uma dinâmica escola de música: a Banda Marcial de Ancede, fundada por D. Miguel de Soutomayor, senhor da Casa de Esmoriz, escritor e compositor musical, à qual se vieram juntar, posteriormente, duas outras prestigiadas associações de índole desportivo, cultural e social - a Associação Desportiva de Ancede e a Associação Desportiva Cultural Arco Unidos.
Nas artes tradicionais seria imperdoável não referir a fama que cimentaram na região os célebres "canteiros" que, desde a Idade Média, seguem os rituais que vão desde o "aprendiz" ao "mestre", passando pelo "artista" e que, muitas vezes, mais do que o trabalho especializado em pedra cantaria, chegaram a produzir verdadeiras obras esculturais, espalhadas pelo País e pelo estrangeiro.

II - Condições sócio-económicas

A freguesia de Ancede tem uma actividade sócio-económica baseada nas seguintes vertentes:
Actividades comerciais mais representativas:
- Cafés/snacks;
- Restaurantes;
- Supermercados;
- Pronto-a-vestir;
- Sapatarias;
- Casas de electrodomésticos;
- Casas de mobiliário;
- Talhos;
- Mercados;
- Papelarias/ livrarias;
- Pastelarias;
- Residenciais;
- Casa de turismo rural;
- Ateliers de artesanato em pedra cantaria;
Serviços:
- Delegação bancária (a abrir brevemente);
- Depósitos de correspondência dos CTT;
- Agência de seguros;
- Farmácia;
- Posto médico;
- Unidade de saúde;
- Escola EB 2, 3;
- Escola de música;
- Escola de condução;
- Duas associações desportivas;
- Paróquia/ Convento de Ancede;
- Cemitério;
- Junta de freguesia;
- Posto de combustíveis.
A povoação de Ancede dispõe, ainda, de uma importante zona industrial (a mais importante do concelho), marcada pela presença de duas empresas de bebidas e de uma rede de transportes assegurada pela linha férrea do Douro - estação de Mosteirô - e pelas EN 108 e 321, que interligam tanto com as populações circundantes como com os grandes centros (Vila Real/Amarante/Porto). Esta população é, igualmente, servida pelo maior interface de transportes rodoviários, tanto para o concelho de Baião, como os concelhos vizinhos que ficam na outra margem do rio Douro, Cinfães e Resende.

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III - Caracterização geo-demográfica

Segundo os dados do Censos 2001, a freguesia de Ancede, do concelho de Baião e distrito do Porto, conta com 2618 residentes (221,3 habitantes por km2) e 2030 eleitores e uma área geográfica correspondente a 11,83 km2.
Nestes termos, e nos da Lei n.º 11/82, de 2 de Junho, a povoação de Ancede reúne as condições necessárias para ser elevada à categoria de vila.
Assim, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, abaixo assinados, apresentam, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projecto de lei:

Artigo único

A povoação de Ancede, no concelho de Baião, é elevada à categoria de vila.

Assembleia da República, 14 de Maio de 2003. Os Deputados do PS: Francisco Assis - Renato Sampaio - Fernando Gomes - Paula Cristina Duarte - Nelson Correia - José Saraiva - mais uma assinatura ilegível.

PROJECTO DE LEI N.º 302/IX
ALTERA A DENOMINAÇÃO DA FREGUESIA DE CUMEEIRA, NO CONCELHO DE SANTA MARTA DE PENAGUIÃO

Exposição de motivos

O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentou, em 22 de Fevereiro de 2001, na VIII Legislatura, na Assembleia da República, o projecto de lei n.º 384/VIII, que "Altera a denominação da freguesia de Cumieira, no concelho de Santa Marta de Penaguião". Tal projecto de lei pretendia dar resposta a uma pertinente preocupação da população local e foi elaborado em estrita articulação com as entidades locais, nomeadamente a junta de freguesia da altura.
A forma inopinada com que terminou a VIII Legislatura não permitiu a apreciação e votação do referido projecto de lei. As eleições autárquicas entretanto realizadas alteraram igualmente o enquadramento político local. Entende, porém, o Partido Social Democrata que a justificada pretensão da população local deve ter acolhimento legislativo, propondo-se, com o presente projecto de lei, retomar a iniciativa anterior, não só dando acolhimento mas também acentuando o seu empenhamento na resolução da pretensão de que foi o primeiro porta voz.
De facto, a freguesia da Cumieira, composta pelas povoações de Assento, Cumieira, Veiga, Bertelo, Covelo, Amoreira, Pousada, Ribeirões, S. Martinho e Silhão, situa-se a 8 km da sede do concelho de Santa Marta de Penaguião.
Vários registos arqueológicos existentes na sua área e numerosos documentos escritos revelam tratar-se de um povoado antigo. De acordo com a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, aparece já referida em documentos, datados de 1143, relativos à doação feita por D. Afonso Henriques ao Mosteiro da Ermida. Já paróquia nas Inquirições de 1258, designava-se então por Santa Eovaye de Anduffi, do julgado de Penaguião. A freguesia tem ainda hoje Santa Eulália como orago.
A freguesia da Cumieira integrou o concelho de Santa Marta de Penaguião quando este concelho foi restaurado por decreto real de 13 de Janeiro de 1898, publicado no Diário do Governo n.º 11, de 15 de Janeiro. Era então clara a designação da freguesia (Cumieira) no Mapa n.º 1 a que se refere o decreto real e tal designação manteve-se ao longo do tempo, tendo resultado da simplificação da designação Santa Eulália da Cumieira, comumente usada pelo menos no século XIX.
A Lei n.º 83/99, de 30 de Junho, elevou a povoação da Cumieira, no concelho de Santa Marta de Penaguião, à categoria de vila.
A vila da Cumieira é, porém, designada Cumeeira na "Lista das Freguesias" publicada pelo STAPE (última edição de 1999) (Código 061401 Cumeeira), assim constando do Mapa das circunscrições administrativas anexo ao Decreto Lei n.º 46 139, de 31 de Dezembro de 1964.
A designação adoptada para a mesma freguesia no Decreto-Lei n.º 35 927, de 1 de Novembro de 1946, e no Decreto-Lei n.º 27 424, de 31 de Dezembro de 1936, era, porém, Cumieira, como se pretende com o presente projecto de lei.
Assim, vem o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, nos termos constitucionais, legais e regimentais, apresentar o seguinte projecto de lei:
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, para valer como lei geral da República, o seguinte:

Artigo único

A freguesia da Cumeeira, do concelho de Santa Marta de Penaguião, passa a denominar-se Cumieira.

Assembleia da República, 28 de Maio de 2003. Os Deputados do PSD: António Nazaré Pereira - José António Bessa Guerra.

PROJECTO DE LEI N.º 303/IX
CRIAÇÃO DA FREGUESIA DE LIXA DO ALVÃO, NO CONCELHO DE VILA POUCA DE AGUIAR

Exposição de motivos

A pretensão da criação da freguesia de Lixa do Alvão corresponde a um anseio consolidado das respectivas populações, expresso, de resto, no trabalho que, nesse sentido, tem vindo a ser desenvolvido pela Comissão Dinamizadora da Criação da Freguesia de Lixa do Alvão.
Dominada em termos sócio-económicos pelas actividades da agricultura e da pecuária, mas também com o registo de alguma pequena indústria e actividades do sector terciário, a zona de Lixa do Alvão insere-se no concelho de Vila Pouca de Aguiar, envolvida pelas freguesias de Soutelo de Aguiar, Santa Marta da Montanha, Gouvães da Serra e Afonsim. Neste leque deve referir-se, de igual modo, a freguesia de Santa Marinha, no concelho de Ribeira de Pena, vizinho de Vila Pouca de Aguiar.
A criação desta nova freguesia implicará, para além da satisfação de uma aspiração profunda das respectivas populações, uma melhor repartição territorial e de infra-estruturas, sem prejuízo da sua necessária continuidade, equilibrando o espectro da oferta de serviços sociais, culturais e administrativos essenciais à população e aproximando, desse modo, o poder local dos cidadãos.

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Dispondo de uma área geográfica 14,44 km2 e cerca de 800 eleitores, a zona a ser abrangida pela nova freguesia de Lixa do Alvão contempla, no âmbito das actividades económicas, culturais, sociais e educativas, os seguintes equipamentos e serviços:
- Três escolas do 1.º ciclo do ensino básico;
- Uma escola pré-primária de Carrazedo do Alvão;
- Várias pequenas unidades de produção de leite;
- Uma empresa agrícola de viveiros;
- Seis unidades de criação de gado maronês;
- Uma empresa de extracção e comercialização de granito;
- Duas serrações de granito;
- Algumas empresas de construção civil;
- Uma pequena empresa de canalização e aquecimento central;
- Uma carpintaria;
- Sete cafés;
- Duas unidades comerciais de frango vivo;
- Uma loja de electrodomésticos;
- Uma loja de produtos pecuários;
- Uma loja de produtos agrícolas;
- Um posto de abastecimento de combustíveis;
- Uma oficina de reparação de automóveis;
- Um centro de inspecções de automóveis;
- Dois salões de cabeleireiro;
- Carreira de transporte diário de passageiros entre Vila Pouca de Aguiar e Ribeira de Pena;
- Extensão do Centro de Saúde de Vila Pouca de Aguiar;
- Três campos de futebol;
- Um cemitério paroquial, actualmente em construção, na Lixa do Alvão;
- A Associação Cultural, Recreativa e Social do Alvão;
- Um grupo coral;
- Um grupo desportivo;
- Actividades artesanais, como bordados, rendas em crochet, crossa, cestaria, meias de lã e mantas de trapos;
- Dois relógios de Sol;
- Cinco fontes de mergulho seculares.
A freguesia a criar, em território a desanexar da actual freguesia de Soutelo de Aguiar, confinará a norte com as freguesias de Santa Marinha e de Afonsim, até ao rio Torno, a sul com a freguesia de Gouvães da Serra, a nascente partindo do moinho da Arretorta e seguindo, em linha recta, até à fraga de Porto Carril, daí para a Estrada Nacional 206 até à Lama da Fonte, junto ao Canal dos Colonos, continuando até ao Pontão das Minas, em linha recta, até ao cruzamento de Lamelas e daí prosseguindo pelo caminho florestal até ao Pontão da Povoação, sobre o rio Torno, e a poente com a freguesia de Santa Marta da Montanha. A sua sede situar-se-á em Lixa do Alvão, às seguintes distâncias das sedes de freguesia limítrofes do concelho de Vila Pouca de Aguiar:
Lixa do Alvão - Telões - 11,3 km
Lixa do Alvão - Soutelo de Aguiar - 8,8 km
Lixa do Alvão - Vila Pouca de Aguiar - 4,0 km
Lixa do Alvão - Santa Marta da Montanha - 4,0 km
Lixa do Alvão - Gouvães da Serra - 4,9 km
Lixa do Alvão - Afonsim - 6,1 km
Tendo-se já verificado a emissão de pareceres favoráveis por parte dos órgão autárquicos envolventes, vem o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, nos termos constitucionais, legais e regimentais, apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

É criada, no concelho de Vila Pouca de Aguiar, a freguesia de Lixa do Alvão.

Artigo 2.º

O espaço geográfico da freguesia de Lixa do Alvão será desanexado da freguesia de Soutelo de Aguiar, no concelho de Vila Pouca de Aguiar, com os seguintes limites: a norte, as freguesias de Santa Marinha e de Afonsim, até ao rio Torno, a sul a freguesia de Gouvães da Serra, a nascente partindo do moinho da Arretorta e seguindo, em linha recta, até à fraga de Porto Carril, daí para a Estrada Nacional 206 até à Lama da Fonte, junto ao Canal dos Colonos, continuando até ao Pontão das Minas, em linha recta, até ao cruzamento de Lamelas e daí prosseguindo pelo caminho florestal até ao Pontão da Povoação, sobre o rio Torno, e a poente a freguesia de Santa Marta da Montanha.

Artigo 3.º

A comissão instaladora da nova freguesia será constituída nos termos do artigo 9.º da Lei n.º 8/93, de 5 de Março, e terá a seguinte constituição:

a) Um representante da Assembleia Municipal de Vila Pouca de Aguiar;
b) Um representante da Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar;
c) Um representante da Assembleia de Freguesia de Soutelo de Aguiar;
d) Um representante da Junta de Freguesia de Soutelo de Aguiar;
e) Um representante da Assembleia de Freguesia de Santa Marinha;
f) Um representante da Junta de Freguesia de Santa Marinha;
g) Um representante da Assembleia de Freguesia de Afonsim;
h) Um representante da Junta de Freguesia de Afonsim;
i) Um representante da Assembleia de Freguesia de Gouvães da Serra;
j) Um representante da Junta de Freguesia de Gouvães da Serra;
k) Onze cidadãos eleitores da área da nova freguesia, designados de acordo com o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 9.º da Lei n.º 8/93, de 5 de Março.

Artigo 4.º

A comissão instaladora exercerá as suas funções até à tomada de posse dos órgãos autárquicos da nova freguesia.

Assembleia da República, 30 de Maio de 2003. Os Deputados do PSD: António Nazaré Pereira - José António Bessa Guerra.

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PROJECTO DE LEI N.º 304/IX
PROMOVE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL QUALIFICANTE, A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA E A SUA CERTIFICAÇÃO

Exposição de motivos

"A aprendizagem não se faz apenas em escolas e cursos, mas também pelo trabalho, quando as formas organizacionais e as tarefas realizadas criam oportunidades para a aprendizagem contínua, e quando os indivíduos e grupos têm capacidade para aprender."
(Formação, Trabalho e Tecnologia - Trabalho, Qualificações e Aprendizagem ao Longo da Vida, Ilona Kóvacs)
Assume-se unanimemente na sociedade portuguesa a falência do modelo de desenvolvimento baseado em baixos salários e qualificações e em elevada precariedade.
Vive-se uma profunda crise social e laboral em consequência das políticas neo-liberais desenvolvidas pelo Governo PSD/CDS-PP de aplicação dos critérios recessivos do Pacto de Estabilidade, de desregulamentação económica e social, o que tem levado o País à recessão económica, à queda do investimento, à deslocalização de empresas, ao acréscimo das falências e a um crescente e preocupante desemprego.
No final do ano 2002 o desemprego atingiu números próximos dos quinhentos mil desempregados, o que inclui o número oficial de desempregados mais os inactivos disponíveis (desempregados mas que não procuraram trabalho no período em que foi feito o inquérito), mais os inactivos desencorajados (aqueles que estão desempregados mas desistiram de procurar emprego), mais, ainda, os que se encontram na situação de subemprego invisível (aqueles que fazem algumas horas por não encontrarem emprego). Em Abril de 2003 o desemprego ultrapassou seguramente o meio milhão de desempregados, correspondendo a uma taxa real de desemprego muito próximo dos 10%.
O emprego nas profissões mais qualificadas está a diminuir, enquanto o emprego nas profissões menos qualificadas está a aumentar. Por outro lado, o desemprego dos trabalhadores com maior escolaridade está a aumentar muito mais rapidamente do que o desemprego dos trabalhadores com mais baixa escolaridade.
A evolução do desemprego desagregado por níveis de escolaridade também confirma a anormalidade registada na evolução do emprego em Portugal.
Esta situação é tanto mais preocupante quanto o nível de escolaridade e de qualificação dos trabalhadores portugueses é baixo. Mais de 800 000 portugueses

(População activa 5, 406 Milhões / 3.º trimestre 2002)

não sabem ler nem escrever e os níveis de literacia são extremamente baixos.
Nenhumas medidas de fundo estão a ser assumidas pelo Governo no sentido de promover massivamente a formação e qualificação profissional dos trabalhadores no activo e na situação de desemprego, promovendo o acesso intensivo dos jovens e adultos a uma formação dual na empresa e na escola, a cursos tecnológicos e o acesso dos trabalhadores a cursos nocturnos. Pelo contrário, o Governo e o patronato têm vindo, objectivamente, a dificultar a vida dos trabalhadores-estudantes, nomeadamente em sede de Código do Trabalho, retirando-lhes direitos, cerceando, assim, a possibilidade de adquirirem novas valências e novos conhecimentos.
O acordo celebrado entre as confederações patronais e sindicais a 9 de Fevereiro de 2001, sobre Política de Emprego, Mercado de Trabalho, Educação e Formação, complementado com um outro sobre Condições de Trabalho, Higiene e Segurança no Trabalho e Combate à Sinistralidade, iniciou um processo positivo que lamentavelmente não teve desenvolvimento nem continuidade.
A galopante subida do desemprego exige não só uma mudança de política, como um novo rumo estrutural para o País, através da definição de políticas estruturantes, de formação, qualificação e certificação, tanto do emprego como dos trabalhadores na situação de desemprego ou inactivos, configurando uma aposta estratégica a assumir sem hesitações.
Portugal encontra-se na cauda da União Europeia no que diz respeito à formação financiada pela entidade patronal aos seus trabalhadores. Mas, mais relevante, é o fosso existente em matéria de empregos que implicam aquisição de conhecimentos - média de 71% na União Europeia para 57% em Portugal.
Estudos indicam que Portugal precisa de 40 a 60 anos para realizar a convergência do conhecimento com a média europeia e de 30 a 70 anos para convergir para a riqueza de União Europeia. Os indicadores são bastante negativos em matéria de conhecimento e de escolaridade, uma intensidade tecnológica baixa e o segundo mais baixo peso no Valor Acrescentado Bruto (VAB) nacional em sectores baseados no conhecimento entre 24 países da OCDE.
O peso dos sectores de alta tecnologia no VAB total é de 24% em Portugal, uma média de 48% na União Europeia e de 51% na OCDE.
Um Estudo da Comissão Europeia a e-economia apresentado coloca Portugal apenas acima da Grécia na disseminação de computadores pessoais e no acesso à Internet.
O capital humano é factor-chave para o novo ciclo de desenvolvimento do nosso País, o qual pode ser representado pelo esforço de qualificação da população pela relevância e dimensão das actividades de Investigação e Desenvolvimento (ID).
No entanto, continua a verificar-se uma deficiência estrutural grave no ID empresarial que permanece muito abaixo do desejável - cerca de 22% do total - enquanto a Irlanda apresenta 69%, a própria Espanha 47% e a média da União Europeia aproxima-se dos 64%.
É preciso iniciar um esforço de aumento de qualificações, através de uma educação de qualidade adaptada a um mercado de trabalho desenvolvido, apostando na qualidade dos ensinos básico e secundário, na formação profissional de activos de qualidade, não somente para absorver fundos estruturais, mas sim enquanto esforço na promoção de investigação e desenvolvimento científico e tecnológico, nomeadamente no apoio ao desenvolvimento das actividades de investigação nas empresas.

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O Conselho Europeu de Lisboa, em Março de 2000, estabeleceu um objectivo estratégico para a Europa: tornar-se até 2010 "na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável com mais e melhores empregos, e com maior coesão social". Realçou, igualmente, a importância central da educação e formação para responder aos desafios inerentes a este objectivo.
A Comissão, através da Comunicação ao Conselho de 20 de Novembro de 2002 (COM (2002) 629 final), convidou o Conselho a adoptar os seguintes parâmetros de referência europeus:
- Até 2010 todos os Estados-membros deverão reduzir os níveis de abandono escolar precoce, no mínimo, para metade, com referência à taxa registada no ano 2000, por forma a atingir uma taxa média na União Europeia igual ou inferior a 10%. Actualmente, a média na União Europeia situa-se em cerca de 19%. Contudo, em Portugal, esta taxa atinge os 45%, sendo de 29% em Espanha e de 26% em Itália. A Finlândia, a Suécia e a Áustria, os três países com melhores resultados, atingem uma média de 10,3%.
- Até 2010 todos os Estados-membros terão reduzido pelo menos a metade o desequilíbrio entre homens e mulheres nos diplomados na área da Matemática, Ciências e Tecnologias, e assegurado, simultaneamente, um aumento global significativo do número total de diplomados em relação ao ano 2000. Relativamente a este objectivo, Portugal encontra-se entre os três países com melhores resultados, a para da Itália e da Irlanda, com uma proporção homens/mulheres em 1,6 por diplomados em matemática, ciências e tecnologia, contra 4,7 nos Países Baixos e 4 na Áustria.
- Até 2010 os Estados-membros deverão garantir uma percentagem média na União Europeia de cidadãos de 25-64 com habilitações mínimas correspondentes ao ensino secundário superior igual ou superior a 80%. Neste momento, os três países que apresentam melhores resultados são a Alemanha, Dinamarca e Suécia, onde a média atinge os 83%, contra 21% em Portugal, 42% na Espanha e 46% em Itália.
- Até 2010 a percentagem de alunos de 15 anos com fraco aproveitamento escolar em leitura, matemática e ciências será reduzida, no mínimo, para metade, em cada Estado-membro. Relativamente a este objectivo, apenas a Finlândia atinge resultados com relevância ao nível mundial, estando os restantes países, neste momento, muito aquém de conseguir atingir esses mesmos resultados.
- Até 2010 o nível médio europeu de participação na aprendizagem ao longo da vida deverá ser equivalente, no mínimo, a 15% da população adulta em idade activa (25-64 anos), não devendo em nenhum país ser inferior a 10%. A situação actual é a constante no seguinte quadro:

Aprendizagem ao longo da vida - Participação de adultos na educação e formação

(Percentagem de população com idades compreendidas entre 25 e 64 anos que prosseguiram qualquer forma de educação ou formação nas 4 semanas anteriores à semana de referência do estudo)

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Na prossecução destas orientações, a Comissão Europeia adoptou, em Abril de 2003, as suas propostas relativas às Orientações Gerais para as Políticas Económicas e às Orientações e Recomendações para o Emprego. Relativamente a estas últimas, a Comissão acentuou os seguintes pontos:
"- Integração dos aspectos essenciais da estratégia de Lisboa na Estratégia Europeia de Emprego, designadamente através da adopção de três grandes objectivos que reflectem o equilíbrio da agenda de Lisboa: pleno emprego; qualidade e produtividade no trabalho, e um mercado de trabalho coeso e inclusivo.
- Definição de um horizonte de médio prazo (2010, com uma revisão intercalar em 2006).
- Simplificação e ulterior clarificação dos objectivos e das prioridades de política, com uma forte tónica nos resultados."
Para a realização destes pontos foram definidas 10 orientações, entre as quais se destacam:
"- Ajudar os desempregados e os inactivos a encontrar trabalho, prevenir o desemprego de longa duração;
- Promover a capacidade de adaptação de trabalhadores e empresas à mudança;
- Mais e melhor investimento em capital humano;
- Aumentar a oferta de mão-de-obra e promover o envelhecimento em actividade;
- Promover a igualdade entre homens e mulheres no trabalho e na remuneração;
- Combater a discriminação das categorias mais desfavorecidas;
- Melhorar os incentivos financeiros para tornar o trabalho compensador;
- Reduzir substancialmente o trabalho não declarado"
Tendo sido definidas como metas nacionais e à escala da União Europeia:
"- Plano de procura de emprego personalizado para todos os desempregados, antes de completado o quarto mês de desemprego, até 2005;
- Experiência profissional ou formação para todos os desempregados antes de completados 12 meses de desemprego (seis meses para os jovens e os grupos vulneráveis), até 2005;
- Oportunidades de experiência profissional ou formação para 30% dos desempregados de longa duração, até 2010;
- Redução de 15% da taxa de acidentes de trabalho e redução de 25% nos sectores de alto risco, até 2010;
- 80% da população com 25-64 anos com pelo menos o ensino secundário superior completo, até 2010;
- Aumento da taxa de participação dos adultos em acções educativas e de formação para 15% em média na União Europeia e pelo menos 10% em todos os Estados-membros, até 2010;
- Aumento do investimento das empresas na formação de adultos do nível actual correspondente a 2,3% dos custos laborais para 5% em média na União Europeia, até 2010;
- Aumento da idade efectiva de saída do mercado de trabalho, dos 60 para os 65 anos, em média na União Europeia, até 2010;
- Eliminação das disparidades de género no emprego e redução para metade dos diferenciais de remuneração entre homens e mulheres em todos os Estados-membros, até 2010;
- Disponibilidade de estruturas de acolhimento para 33% das crianças dos 0 aos 3 anos e 90% das crianças dos 3 anos ao início da escolaridade obrigatória, em todos os Estados-membros, até 2010;
- Redução para metade da taxa de abandono escolar em todos os Estados-membros e redução da correspondente taxa média da União Europeia para 10% até 2010;
- Redução para metade em todos os Estados-membros das disparidades no desemprego que afectam as pessoas mais desfavorecidas, de acordo com as definições nacionais, até 2010;
- Redução para metade em todos os Estados-membros das disparidades no emprego entre cidadãos União Europeia e de países terceiros, até 2010;
- Acessibilidade de todas as ofertas de emprego publicitadas através dos serviços de emprego nacionais a qualquer interessado em toda a União Europeia, até 2005;
- Fixação de metas nacionais nas seguintes áreas: formação em competências empresariais; redução da sobrecarga administrativa para as empresas recém-criadas; aumento per capita do investimento público e privado em recursos humanos; carga fiscal sobre o trabalho pouco remunerado; trabalho não declarado."
Mais recentemente, o Conselho de Ministros da Educação da Comunidade Europeia aprovou, na reunião de 5 e 6 de Maio de 2003, cinco níveis de referência a serem atingidos no conjunto da União Europeia até 2010:
1 - Reduzir para um máximo de 10% a taxa média de jovens que abandonam precocemente a escola (a média comunitária actual é de 19% e em Portugal eleva-se a 45%);
2 - Aumentar em pelo menos 15% o número de licenciados em matemáticas, ciências e tecnologias;
3 - Assegurar que pelo menos 85% dos adultos com 22 anos concluam pelo menos estudos secundários completos;
4 - Reduzir em pelo menos 20%, em relação a 2000, a percentagem de alunos com fraco aproveitamento ao nível da leitura;
5 - Finalmente, o Conselho de Ministros da Educação da CE, na primeira reunião em que participaram os respectivos ministros dos países que deverão aderir em 2004, decidiram que, até 2010, a taxa média de participação na aprendizagem ao longo da vida deverá passar a incluir pelo menos 12,5% de toda a população adulta (grupo etário dos 25 aos 64 anos);
Portugal está colocado perante um enorme desafio, o que implica um esforço sério, empenhado e articulado, para superar o atraso verificado e promover a aproximação às médias e metas comunitárias.
Assim, e no cumprimento destas orientações europeias, Portugal deve definir políticas de promoção de emprego de qualidade, numa estratégia de pleno emprego, que nos coloque num patamar exigente de um novo paradigma para a educação, formação, qualificação e certificação de novas competências. O Estado, através do Governo, deve implementar

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urgentemente um Plano Nacional de Formação Profissional e Aprendizagem ao Longo da Vida que abranja:
Todos os desempregados ou inactivos em idade de laborarem, com o objectivo de lhes proporcionar formação, qualificação e atribuição de níveis de equivalência escolar. Os cursos de formação, neste caso, deverão ter especial incidência nas áreas tecnológicas e das tecnologias de informação, envolvendo centros de formação profissional, estabelecimentos de ensino de secundário ou superior e associações certificadas e apoiados financeiramente.
Todos os trabalhadores activos, na situação de desemprego ou inactivo, terão acesso à formação e à aprendizagem ao longo da vida com uma componente técnica e tecnológica, perspectivando-se o desenvolvimento pessoal e social da pessoa. Ao mesmo tempo, propõe-se um novo paradigma no plano da formação de adultos, com repercussões no melhoramento de um espírito de exigência, de participação cidadã, e, inclusivamente, com repercussões ao nível da saúde pública.
Os trabalhadores activos, através de um programa específico de formação fundamentado num contrato-programa.
Todos os trabalhadores das empresas em situação económica difícil, em reestruturação, em reorganização ou modernização tecnológica com vista à sua reconversão profissional.
Todos os trabalhadores vítimas de deslocalizações ou de processos de falência ou insolvência, com o objectivo de participarem em programas especiais de formação profissional e de emprego, a criar.
Para implementar a aplicação e cumprimento do Plano Nacional de Formação Profissional e Aprendizagem ao Longo da Vida é criada uma rede, composta por todos os organismos públicos e privados, bem como um Conselho Coordenador Nacional para a Formação Profissional, o qual, além de coordenar a rede, definirá, proporá e acompanhará a aplicação de políticas e estratégias de desenvolvimento da formação e da certificação profissional em Portugal, de forma a serem cumpridas as metas intermédias e finais do Conselho Europeu.
É, assim, necessário responder ao atraso na mudança para um novo paradigma de desenvolvimento assente num aumento do investimento tecnológico, na inovação e no conhecimento, desenvolvendo os níveis de formação profissional qualificante, a aprendizagem ao longo da vida no âmbito de políticas de pleno emprego e com direitos, bem como a valorização das competências adquiridas pela via informal.
Assim, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, apresenta o seguinte projecto de lei que propõe a adopção de medidas que promovam a formação profissional qualificante, a aprendizagem ao longo da vida e a sua certificação:

Artigo 1.º
Objecto

O presente projecto de lei adopta medidas que visam promover a formação profissional qualificante e a aprendizagem ao longo da vida.

Artigo 2.º
Direito à formação profissional e à aprendizagem ao longo da vida

Todos os trabalhadores, ainda que desempregados ou inactivos, têm direito à formação profissional e à aprendizagem ao longo da vida.

Artigo 3.º
Âmbito de aplicação

1 - A presente lei aplica-se a todos os trabalhadores por conta de outrem, independentemente da natureza pública ou privada da relação de trabalho ou da natureza do vínculo contratual, nomeadamente:

a) Contrato de trabalho por tempo indeterminado;
b) Contrato de trabalho a termo certo ou incerto;
c) Contrato de trabalho temporário;
d) Contrato de trabalho a tempo parcial;
e) Contrato de trabalho em comissão de serviço;
f) Contrato para prestação subordinada de teletrabalho;
g) Contrato de trabalho com trabalhador estrangeiro;

2 - A presente lei aplica-se ainda aos trabalhadores na situação de desemprego e a todos aqueles que, tendo terminado os períodos de cobertura dos subsídios de desemprego e social de desemprego, se encontram na situação de inactivo.

Artigo 4.º
Formação profissional qualificante e certificada

1 - Todos os trabalhadores abrangidos pelo presente projecto de lei têm direito a formação e qualificação profissionais certificadas, bem como o acesso à possibilidade de as competências adquiridas, mesmo pela via informal, poderem contribuir para a atribuição de níveis de equivalência escolar.
2 - O Estado, através dos organismos públicos, nomeadamente o IEFP e o INOFOR, estabelecimentos de ensino de secundário ou superior e associações certificadas apoiadas financeiramente pelo Orçamento do Estado, e as entidades privadas assegurarão a todos os trabalhadores por conta de outrem, aos trabalhadores na situação de desemprego ou inactivos o acesso a cursos de formação profissional qualificante, de aprendizagem ao longo da vida e certificada nos termos previstos no número anterior.
3 - O Estado, através dos organismos públicos, nomeadamente o IEFP e o INOFOR, estabelecimentos de ensino de secundário ou superior e associações certificadas apoiadas financeiramente pelo Orçamento do Estado promoverão obrigatoriamente o acesso a cursos de formação profissional qualificante e certificada nas áreas tecnológicas e das tecnologias de informação.

Artigo 5.º
Formação profissional inicial e de aprendizagem ao longo da vida

1 - A formação profissional pode ser inicial ou de aprendizagem ao longo da vida.
2 - A formação profissional inicial destina-se a conferir uma qualificação profissional certificada, bem como a preparar para a vida adulta e profissional.

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3 - Na formação profissional inicial atribuir-se-á especial relevância ao regime de aprendizagem, às escolas profissionais e ao ensino tecnológico e profissional.
4 - A formação profissional de aprendizagem ao longo da vida insere-se na vida profissional do indivíduo, realiza-se ao longo da mesma e destina-se a propiciar a adaptação às mutações tecnológicas, organizacionais ou outras, favorecer a promoção profissional, melhorar a qualidade do emprego e contribuir para o desenvolvimento cultural, económico e social.
5 - Para efeitos do presente diploma consideram-se conceitos equivalentes ao de formação profissional de aprendizagem ao longo da vida, os de formação profissional em exercício, permanente ou recorrente.
6 - A aprendizagem ao longo da vida perspectiva também a reinserção profissional, tendo por finalidade proporcionar aos desempregados e inactivos uma redefinição de percursos profissionais, a aquisição de novas competências bem como a certificação de competências informalmente adquiridas.
7 - As entidades patronais elaborarão e executarão obrigatoriamente um programa específico de formação anual e plurianual, fundamentado num contrato-programa a ser celebrado com o Estado, coordenado pelo CCNPF e financiado pelo Orçamento do Estado, e assegurarão a todos os trabalhadores por conta de outrem, independentemente da natureza pública ou privada da relação de trabalho, uma formação qualificante, certificada e que atribua níveis de equivalência escolar.
8 - Os cursos de formação, referidos no número anterior, devem ter uma duração igual ou superior a 80 horas por ano nas áreas tecnológicas e das tecnologias de informação, em horário laboral e até duas horas diárias em horário pós laboral.

Artigo 6.º
Plano Nacional de Formação Profissional e de Aprendizagem ao Longo da Vida

1 - É criado o Plano Nacional de Formação Profissional e de Aprendizagem ao Longo da Vida, adiante designado por PNFPALV, que consagre e garanta a todos os trabalhadores por conta de outrem, desempregados ou na situação de inactivo em idade de laborarem o direito de usufruir de formação, qualificação, certificação e atribuição de níveis de equivalência escolar.
2 - O PNFPALV deverá:

a) Conter uma análise da situação da formação profissional e da aprendizagem ao longo da vida existente à data da sua elaboração;
b) Definirá os conteúdos da formação e da aprendizagem ao longo da vida, face às necessidades diagnosticadas;
c) Elaborará um plano de contingentação plurianual para o cumprimento das metas intermédias e finais definidas a nível europeu e/ou permitam responder aos desafios nacionais no âmbito da formação profissional e da aprendizagem ao longo da vida.

3 - O PNFPALV será implementado pelo Estado através da rede.

Artigo 7.º
Rede

1 - É criada uma rede que é composta por todos os organismos públicos, nomeadamente do IEFP e do INOFOR, bem como os organismos e entidades privadas, sindicais e profissionais, enumerados no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 405/91, de 16 de Outubro, designada por rede.
2 - A rede terá como objectivos e funções:

a) A interligação de todos os organismos que a compõem;
b) Colaborar para a elaboração do PNFPALV;
c) Executar o PNFPALV;
d) Assegurar a boa distribuição e aplicação dos fundos destinados aos organismos e entidades formadoras.

3 - A rede desenvolverá e alargará todos os programas de acção de formação que já se desenvolvem, nomeadamente:

a) Os de qualificação inicial;
b) Os de aprendizagem;
c) Os de especialização tecnológica;
d) Os de qualificação e reconversão profissional;
e) Os de reabilitação profissional e de inserção na vida activa dos deficientes;
f) Os de reciclagem, actualização e aperfeiçoamento;
g) Os de especialização profissional;
h) Os de educação e formação; e
i) Os de educação e formação de adultos - EFA.

4 - A rede será coordenada pelo Conselho Coordenador para a Formação Profissional.

Artigo 8.º
Conselho Coordenador Nacional para a Formação Profissional

1 - É criado o Conselho Coordenador Nacional para a Formação Profissional - CCNPF -, que funcionará junto do Ministério da Segurança Social e do Trabalho.
2 - O CCNPF integrará um representante do Ministério da Segurança Social e do Trabalho, do Ministério da Educação, do Ministério da Ciência e do Ensino Superior e do Ministério da Economia, das confederações patronais, das centrais sindicais e um representante da rede.
3 - O Conselho Coordenador para a Formação Profissional terá como objectivos e competências:

a) Coordenar a rede de organismos públicos, privadas, sindicais e profissionais, enumerados pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 405/91, de 16 de Outubro;
b) Definir, propor e acompanhar a aplicação de políticas e estratégias de desenvolvimento da formação e da certificação profissional em Portugal, no âmbito da elaboração do PNFPALV, de forma a serem cumpridas as metas intermédias e finais do Concelho Europeu de Lisboa e subsequentes;
c) Propor ao Governo sanções sobre os organismos formadores que não cumpram obrigatoriamente o desdobramento das metas definidas pelo PNFPALV;

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d) Propor ao Governo e dar parecer sobre propostas de diplomas em matéria de educação e formação e de certificação profissional;
e) Formular propostas que contribuam para valorizar a formação profissional nos conteúdos da negociação colectiva e para o reforço do envolvimento dos parceiros sociais na promoção e organização de acções de formação profissional;
f) Formular propostas que previnam o abandono precoce dos jovens, aumentem as suas qualificações, melhorem a sua inserção no mercado de emprego e o seu grau de escolarização, prevenindo situações de exclusão social e profissional;
g) Avaliar globalmente a formação profissional e o seu funcionamento, numa perspectiva de permanente regulação da qualidade do sistema;
h) Acompanhar os processos de aplicação nacional e regional das diferentes medidas de formação profissional;
i) Acompanhar a actividade das diversas entidades de regulação pública nos domínios da qualidade e financiamento da formação, bem como dos grandes operadores públicos de formação;
j) Dar parecer e acompanhar a execução de um Plano Plurianual de Desenvolvimento da Formação Profissional, a propor pelo Governo;
l) Promover a realização e a divulgação de estudos de referência no âmbito da formação profissional e da certificação;
m) Instituir, depois de ouvida a rede, um objectivo de frequência obrigatória de formação profissional de todos os trabalhadores, em cada ano, para o cumprimento dos objectivos do presente diploma.

Artigo 9.º
Conteúdo da formação

1 - Os organismos públicos, privados, sindicais e profissionais, enumerados pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 405/91, de 16 de Outubro, no âmbito da rede, assegurarão o acesso obrigatório de todos os trabalhadores activos, desempregados, desempregados de longa duração ou inactivos aos conteúdos da formação e uma formação-tipo adequada, estruturante e certificada.
2 - O conteúdo da formação qualificada deve ter em conta a valorização e qualificação profissional do trabalhador e ainda a sua inserção na vida activa.
3 - O conteúdo da formação qualificada deve ter em conta os baixos níveis de habilitações e de qualificações da maioria da população activa pelo que se impõe promover um reforço das medidas de promoção da educação/formação contínua e, em particular, da formação e aprendizagem ao longo da vida de todos os trabalhadores por conta de outrem, com vínculos públicos ou privados, com os seguintes objectivos estratégicos:

a) Desenvolvimento e consolidação do sistema de educação de adultos, nas suas vertentes de educação extra-escolar e ensino recorrente, por forma a permitir a superação de deficiências na educação e formação de base, de grupos significativos da população portuguesa;
b) Desenvolvimento e consolidação de um sistema de formação profissional contínua e de aprendizagem ao longo da vida, que se reflicta no reforço da produtividade do trabalho e das empresas, na prevenção das situações de crise, no reforço das valências profissionais e aumento das qualificações dos trabalhadores e na valorização e actualização profissionais;

4 - O conteúdo da formação qualificada deve habilitar as pessoas com deficiência à tomada de decisões vocacionais adequadas e/ou reabilitá-las profissionalmente, preparando-as para o exercício de uma actividade profissional e para a sua inserção na vida activa.

Artigo 10.º
Apoios

A rede canalizará os apoios às empresas que evidenciem boas práticas no domínio da formação e do emprego, os quais poderão ser majorados, nomeadamente quando ultrapassem os objectivos nacionais em termos de formação contínua e de aprendizagem ao longo da vida, no respeito pelas obrigações de informação e consulta aos trabalhadores e seus representantes sobre os planos de formação.

Artigo 11.º
Certificação da formação

A formação será certificada nos seguintes termos:

a) As acções de formação no âmbito da aplicação do PNFPALV serão certificadas pelas entidades públicas ou privadas da rede com essa competência e pela Comissão Permanente de Certificação.
b) As acções de formação ministradas por entidades privadas ou associativas, mas sem qualquer apoio público, serão certificadas pelos promotores em conjunto com a rede, através do modelo normalizado de certificação a criar no âmbito do Sistema Nacional de Certificação.
c) As acções de formação ministrada por entidades públicas, ou apoiadas por fundos públicos, será certificada através do modelo normalizado de certificação a criar no âmbito do Sistema Nacional de Certificação.

Artigo 12.º
Instrumentos de regulamentação colectiva

As empresas deverão obrigatoriamente negociar com as organizações representativas dos trabalhadores no âmbito dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho o acesso a créditos anuais de tempos de formação abrangendo todas as categorias profissionais.

Artigo 13.º
Cláusula de formação

Em caso de contratação de jovens menores de 18 anos que ingressam no mercado de trabalho é obrigatória a inclusão no contrato de trabalho de uma cláusula de formação, visando aumentar as qualificações dos jovens portugueses, melhorar a sua inserção no mercado de emprego e o seu grau de escolarização, prevenindo situações de exclusão social e profissional.

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Artigo 14.º
Medidas de inserção na vida activa dos jovens entre os 16 e os 18 anos

1 - O contrato de trabalho a celebrar com os jovens com idade entre os 16 e os 18 anos, inclusive, que não possuam uma qualificação profissional, deve obrigatoriamente integrar a menção, no horário de trabalho, do período obrigatoriamente destinado à formação, o qual não será inferior a 40% do tempo total previsto no IRCT ou legislação aplicável.
2 - A entidade patronal assumirá a responsabilidade do processo formativo, garantindo ao jovem a frequência de uma formação certificada, num itinerário de formação qualificante, validado pelo Sistema Nacional de Certificação Profissional.
3 - A entidade patronal e o IEFP, no âmbito da rede, deverão implementar, no prazo de 30 dias, uma resposta formativa adequada à situação de inserção profissional do jovem, devendo a formação a realizar incidir sobre actividades profissionais desenvolvidas ou a desenvolver na empresa contratante.
4 - A formação deverá ter uma duração total não inferior a 1000 horas, e, numa gestão flexível do tempo de formação, de 200-300 horas por quadrimestre.
5 - Se o contrato de trabalho cessar por qualquer motivo antes de concluída a formação, o IEFP assegurará a conclusão desta, nas condições aplicáveis à nova situação do jovem.
6 - A formação e qualificação profissional atribuída será reconhecida pelo Sistema Nacional de Certificação Profissional e pode ser desenvolvida por entidades acreditadas para o efeito.
7 - Os itinerários de qualificação devem ser estruturados numa lógica de formação em que a experiência de trabalho faça parte integrante do processo formativo e seja capitalizada para efeitos de atribuição do certificado de qualificação básica.
8 - Os perfis de saída apontarão para:

a) Ima qualificação profissional de nível I, quando o ingresso se faz com o 1.º ou o 2.º ciclo do ensino básico;
b) Uma qualificação profissional de nível II, quando o ingresso se faz com o 3.º ciclo do ensino básico.

9 - Os incentivos e apoios financeiros a conceder à implementação das medidas de formação profissional de jovens, previstas neste artigo, deverão ter em conta a necessidade das empresas serem compensadas pelos custos que suportem com o seu envolvimento na formação.
10 - As medidas e os financiamentos referidas nos números anteriores também poderão aplicar-se aos jovens que já se encontram empregados, por acordo entre a empresa e o trabalhador.

Artigo 15.º
Melhorar o nível de educação e formação inicial dos jovens

O Governo no âmbito das medidas a propor ao CCNPF, na perspectiva de melhorar o nível de educação e formação inicial dos jovens:

a) Promoverá a partir do ano lectivo 2004/2005 um 10.º ano profissionalizante para todos os jovens que não continuem a estudar e que tenham concluído o 9.º ano com 15 anos;
b) Generalizará a oferta de um 10.º ano profissionalizante para todos os jovens que concluam o 9.º ano e não continuem para o ensino secundário;
c) Estudará e proporá medidas para alargar progressivamente a escolaridade obrigatória até aos 12 anos, promovendo a diversificação dos modos de cumprimento.

Artigo 16.º
Medidas de inserção na vida activa de pessoas com deficiência

No âmbito do PNFPALV serão definidas políticas de orientação e formação profissional que devem habilitar as pessoas com deficiência à tomada de decisões vocacionais adequadas e prepará-las para o exercício de uma actividade profissional e a sua inserção na vida activa, bem como a reabilitação profissional tendo por objectivo permitir à pessoa com deficiência o exercício de uma actividade profissional.

Artigo 17.º
Bolsa de formação

As bolsas de formação são determinadas pelo Governo e são acumuláveis com as prestações de subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego até ao montante máximo da remuneração mínima mensal garantida ilíquida.

Artigo 18.º
Horário da formação

A formação qualificada e certificada deve ocorrer durante o horário de trabalho na empresa ou nos centros de formação, ou em ambos simultaneamente e nas escolas.

Artigo 19.º
Contra-ordenações

1 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no artigo 14.º do presente diploma.
2 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos artigos 2.º, 5.º n.os 6 e 7, e 13.º do presente diploma.

Artigo 20.º
Regulamentação

O Governo, através de despacho conjunto dos Ministros da Segurança Social e do Trabalho, da Educação, da Ciência, do Ensino Superior e da Economia, regulará e desenvolverá os programas de acção profissional qualificante e certificada, bem como o seu financiamento, no prazo máximo de 60 dias a contar da data da publicação do presente diploma.

Artigo 21.º
Financiamento

O presente diploma será financiado pelo Orçamento do Estado, através de fundos públicos e comunitários, bem como por uma percentagem das contribuições para a segurança social pagas pelos trabalhadores e pelo patronato.

Artigo 22.º
Regiões autónomas

O presente diploma aplica-se nas Regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

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Artigo 23.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado para 2004.

Assembleia de República, 27 de Maio de 2003. Os Deputados do BE: Luís Fazenda - João Teixeira Lopes - Joana Amaral Dias.

PROPOSTA DE LEI N.º 61/IX
(ALTERA O DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO, QUE APROVA O REGIME JURÍDICO APLICÁVEL AO TRÁFICO E CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES E SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS, ACRESCENTANDO AS SEMENTES DE CANABIS NÃO DESTINADAS A SEMENTEIRA E A SUBSTÂNCIA PMMA ÀS TABELAS ANEXAS AO DECRETO-LEI)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Introdução

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei n.º 48/IX, que altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, acrescentando as sementes de cannabis não destinadas a sementeira e a substância PMMA às tabelas anexas ao decreto-lei.
Esta apresentação foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais artigo 138.º do Regimento.
Admitida e numerada, a iniciativa vertente baixou em 14 de Maio de 2003 à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias para a emissão do respectivo relatório/parecer.

II - Do objecto, motivação e conteúdo da iniciativa

O Governo, com esta iniciativa, propõe-se proceder ao aditamento das sementes de cannabis não destinadas a sementeira e da substância PMMA ao elenco de substâncias que se encontra em anexo ao Decreto-Lei n.º 15/93, acolhendo o disposto nos Regulamentos (CE) n.º 1673/2000, do Conselho, de 27 de Julho, n.º 245/2001, da Comissão, de 5 de Fevereiro, e n.º 1093/2001, da Comissão, de 1 de Junho, quanto às sementes de cannabis, e da Decisão n.º 2002/188/JAI, do Conselho, de 28 de Fevereiro, relativa a medidas de controlo e sanções penais respeitantes à nova droga sintética PMMA.
Neste contexto, e de acordo com a exposição de motivos, a proposta de lei em apreço visa sujeitar as sementes de cannabis não destinadas à sementeira a um sistema de controlo que permita assegurar que o produto em causa ofereça garantias no que respeita à idoneidade do importador, bem como à utilização final das referidas sementeiras e, simultaneamente, sujeitar igualmente a PMMA - parametoximetilanfetamina ou N-metil-1-(4-metoxifenil)-2-aminopropano) - aos mecanismos de controlo típicos dos estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
Deste modo, com este aditamento, o cultivo, a produção, o fabrico, o emprego, o comércio, a distribuição, a importação, a exportação, o trânsito, o transporte, a detenção por qualquer título e o uso de plantas, substâncias e preparações indicadas ficam sujeitos aos condicionamentos e mecanismos de controlo previstos no Decreto-Lei n.º 53/95, bem como às sanções, nomeadamente as penais, aí estabelecidas.

III - Enquadramento e antecedentes

O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que revê a legislação de combate à droga, vem definir o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, enumerando, em tabelas anexas, as plantas, substâncias e preparações que, em cumprimento das obrigações decorrentes das Convenções das Nações Unidas sobre Estupefacientes (1961) e sobre Substâncias Psicotrópicas (1971), estão sujeitas a medidas de controlo e à aplicação de sanções em caso de ocorrência de contra-ordenações na sua produção, tráfico ou consumo.
Estas tabelas, de acordo com o artigo 2.º do decreto-lei, serão obrigatoriamente actualizadas de acordo com o aprovado pelos órgãos próprios das Nações Unidas, segundo as regras previstas nas convenções ratificadas por Portugal.
Em consequência, foram introduzidas alterações às tabelas pelo Decreto-Lei n.º 214/2000, de 2 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 69/2001, de 24 de Fevereiro, e pela Lei n.º 3/2003, de 15 de Janeiro.

IV - Conclusões

1 - A apresentação da proposta de lei em apreço foi efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento.
2 - A proposta de lei vem alterar o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, acrescentando as sementes de cannabis não destinadas a sementeira e a substância PMMA às tabelas anexas ao decreto-lei.
3 - Com este aditamento as substâncias ficam sujeitas aos condicionalismos e aos mecanismos de controlo previstos na Decreto-Lei n.º 53/95, bem como às sanções, nomeadamente as penais, aí estabelecidas.
Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de:

V - Parecer

Que a proposta de lei em análise encontra-se em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 28 de Maio de 2003. O Deputado Relator, Vitalino Canas - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - O relatório, a conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE e Os Verdes.

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PROPOSTA DE LEI N.º 71/IX
AUTORIZA O GOVERNO A LEGISLAR SOBRE UM NOVO REGIME JURÍDICO DOS BENS DO DOMÍNIO PÚBLICO FERROVIÁRIO, INCLUINDO AS REGRAS ACERCA DA SUA UTILIZAÇÃO, DESAFECTAÇÃO, PERMUTA E, BEM ASSIM, AS REGRAS APLICÁVEIS ÀS RELAÇÕES DOS PROPRIETÁRIOS CONFINANTES E POPULAÇÃO EM GERAL COM AQUELES BENS

Exposição de motivos

Ao longo dos anos o domínio público ferroviário tem vindo a responder a necessidades em mutação e que tem, por isso, uma dimensão e tipologia que nem sempre correspondem às exigências actuais.
Por outro lado, tendo presente a necessidade de obter a melhor utilização social possível desses bens de domínio público, bem como de proceder à reestruturação do sector ferroviário, o Governo entende regular ex novo o regime jurídico atinente à desafectação dos bens do domínio público ferroviário que já não se encontrem adstritos à satisfação das necessidades colectivas que determinaram a sua dominialização; regular as restantes formas de rentabilização dos bens do domínio público ferroviário, bem como actualizar o acervo de normas que consistem no regime de protecção destes bens dominiais.
Neste contexto, atendendo à relativa desactualização das normas que têm vindo a reger esta matéria, em especial do Decreto-Lei n.º 39 780, de 21 de Agosto de 1954, e do Decreto-Lei n.º 269/92, de 28 de Novembro, e considerando que as matérias relativas ao domínio público ferroviário devem merecer um tratamento integrado, o que se pretende é autorizar o Governo a criar um novo enquadramento jurídico que assegure, por um lado, a racionalização da gestão do domínio público ferroviário e, por outro, a obtenção de recursos financeiros destinados aos investimentos na melhoria das infra-estruturas ferroviárias.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º
Objecto

É concedida ao Governo autorização legislativa para criar um novo regime jurídico dos bens do domínio público ferroviário, incluindo as regras sobre a sua utilização, desafectação, permuta e, bem assim, as regras aplicáveis às relações dos proprietários confinantes e população em geral com aqueles bens.

Artigo 2.º
Sentido

A legislação a aprovar ao abrigo da presente autorização legislativa visa assegurar a racionalização da gestão do domínio público ferroviário e a obtenção de recursos financeiros destinados aos investimentos na melhoria das infra-estruturas ferroviárias.

Artigo 3.º
Extensão

Na concretização do objecto da presente lei fica o Governo autorizado a:

1 - Legislar sobre o regime de transferência ou de permuta dominiais entre o domínio público ferroviário do Estado e outros domínios públicos.
2 - Legislar sobre a desafectação do domínio público ferroviário, posterior integração no património da REFER, EP, utilização e alienação dos bens do domínio público afectos à REFER, EP, desde que não adstritos ao serviço público a que se destinavam ou dele dispensáveis e as verbas daí resultantes sejam afectas, na totalidade, a investimentos na modernização das infra-estruturas ferroviárias da empresa.
3 - Legislar sobre o aproveitamento e exploração do direito de superfície relativo aos bens do domínio público ferroviário afectos à exploração da REFER, EP.
4 - Legislar sobre os limites do domínio público ferroviário, em especial os relacionados com zonas adjacentes non aedificandi por motivos de segurança e/ou de garantia de expansão, conservação ou reparação das vias férreas e outras infra-estruturas integradas no domínio público ferroviário.

Artigo 4.º
Duração

A presente autorização legislativa tem a duração de um ano.

Artigo 5.º
Disposições transitórias

1 - Até à aprovação do regime legal ao abrigo da presente autorização legislativa mantém-se aplicável o Decreto-Lei n.º 269/92, de 28 de Novembro, sem prejuízo da aplicação do disposto no número seguinte, devendo considerar-se as referências nele feitas à CP - Caminhos de Ferro Portugueses, EP, como feitas à Rede Ferroviária Nacional, REFER, EP.
2 - As verbas resultantes da alienação de bens da Rede Ferroviária Nacional, REFER, EP, desafectados nos termos do número anterior, são afectas, na sua totalidade, de investimentos na modernização de infra-estruturas ferroviárias desta empresa.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Maio de 2003. O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso - O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.

Anexo

Atendendo a que, ao longo dos anos, o domínio público ferroviário tem vindo a responder a necessidades em mutação e que tem, por isso, uma dimensão e tipologia que nem sempre correspondem às exigências actuais;
Atendendo ainda à relativa desactualização das normas que têm vindo a reger esta matéria, em especial do Decreto-Lei n.º 39 780, de 21 de Agosto de 1954, e do Decreto-Lei n.º 269/92, de 28 de Novembro;
Considerando que as matérias relativas ao domínio público ferroviário devem merecer um tratamento integrado;
Tendo presente a necessidade de obter a melhor utilização social possível desses bens de domínio público, bem como de proceder à reestruturação do sector ferroviário, o Governo entende permitir que a Rede Ferroviária Nacional - REFER, EP, proponha a desafectação dos bens

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do domínio público ferroviário que já não se encontrem adstritos à satisfação das necessidades colectivas que determinaram a sua dominialização;
Através do presente diploma procura-se responder àquelas duas preocupações, assegurando-se, por um lado, a racionalização da gestão do domínio público ferroviário e, por outro, a obtenção de recursos financeiros destinados a investimentos na melhoria das infra-estruturas ferroviárias;
O Governo, ao abrigo das suas atribuições - assegurar a prossecução do interesse público e a gestão eficiente dos recursos ao seu dispor - determina que, nas condições do presente diploma, a REFER, EP, possa propor a desafectação e, bem assim, outras formas de rentabilização dos bens do domínio público ferroviário cuja gestão lhe está cometida;
O Governo, tendo ainda em atenção a especial necessidade de promover activamente o Inventário Geral do Estado, previsto pelo Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de Outubro, que está, ainda assim, longe de estar concluído vem por este meio, e no que diz respeito ao domínio público e privado ferroviário do Estado, dotar o Instituto Nacional de Transporte Ferroviário (INTF) dos poderes necessários ao cumprimento desta tarefa, porquanto se entende que o objectivo em causa pode ser mais bem conseguido por esta via (a qual, aliás, estava já presente no citado decreto-lei de 1980 - em especial no seu artigo 13.º, alínea a)).
Assim, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º / , de , de , e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Capítulo I
Domínio público ferroviário

Artigo 1.º
Domínio público ferroviário

Integram o domínio público ferroviário os bens pertencentes à infra-estrutura ferroviária, designadamente:

a) As linhas férreas e ramais que constituem a rede ferroviária nacional;
b)As linhas férreas e ramais que tenham sido desclassificados da rede ferroviária nacional e que não tenham sido objecto de desafectação, de permuta ou de transferência dominial nos termos do presente diploma;
c) Todas as outras linhas férreas ou ramais que devam ser considerados como rede ferroviária de interesse nacional, ainda que não formalmente integrados nesta;
d) Os edifícios das estações e dos apeadeiros;
e) As dependências afectas às infra-estruturas a as destinadas à exploração comercial do serviço de transporte ferroviário de passageiros ou mercadorias;
f) As oficinas e equipamentos afectos à construção, à manutenção e à exploração das instalações fixas e do material circulante;
g) Os imóveis destinados ao funcionamento dos serviços e ao alojamento do pessoal ferroviário;
h) Os armazéns e parques de recolha de materiais e os reservatórios de combustível.

2 - Fazem ainda parte do domínio público ferroviário:

a) A universalidade de bens que constituem o estabelecimento industrial ou comercial afecto ao funcionamento e à exploração do serviço público ferroviário, nos termos do artigo 2.º;
b) Os equipamentos fixos, ainda que não integrados na infra-estrutura, necessários à circulação ferroviária e os equipamentos de sinalização, controlo de circulação e de telecomunicações;
c) Os bens que tenham sido desclassificados, nos termos do artigo 6.º, n.º 4, do presente diploma;
d) As servidões de linha férrea constituídas para permitir a implantação das infra-estruturas ferroviárias necessárias à circulação dos transportes ferroviários, no solo, no subsolo e no espaço aéreo de quaisquer terrenos públicos ou privados;
e) As servidões e restrições ao direito dos prédios confinantes com o caminho-de-ferro ou seus vizinhos;
f) Os demais bens que a lei qualifique como tal.

3 - A delimitação do domínio público ferroviário está sujeita às regras previstas no Capítulo II do presente diploma.
4 - O disposto no presente diploma não implica a alteração da natureza dominial de bens nele referidos que, à data da sua entrada em vigor, estejam comprovadamente integrados noutros domínios públicos ou no domínio privado de empresas concessionárias de serviço público.

Artigo 2.º
Estabelecimento industrial ou comercial

1 - O estabelecimento industrial ou comercial afecto ao serviço público ferroviário compreende, de um modo geral, todas as instalações, equipamentos e materiais utilizados, quer na gestão das infra-estruturas quer na produção, prestação e exploração comercial do serviço de transportes de passageiros ou de mercadorias por caminho-de-ferro.
2 - Não estão sujeitos ao regime do domínio público os bens do estabelecimento industrial e comercial que sejam propriedade do gestor da infra-estrutura ou do operador de transporte e que não estejam aplicados ao funcionamento do serviço ferroviário.
3 - Não estão também sujeitos ao regime do domínio público os bens do património do gestor da infra-estrutura ou dos operadores de transporte, ainda que utilizados no serviço público do transporte ferroviário, que tenham uma natureza meramente instrumental, fungível ou consumível, nomeadamente o mobiliário, os equipamentos, os materiais de escritório e os combustíveis.
4 - Não está sujeito às regras aplicáveis aos bens do domínio público ferroviário o material circulante, excepto quando o contrário resulte expressamente de contrato de concessão de serviço público de transporte ferroviário.
5 - Os bens que, nos termos do artigo 1.º e dos números anteriores do presente artigo não se devam considerar como bens do domínio público ferroviário e, bem assim, aqueles que hajam sido desafectados do domínio público ferroviário estão sujeitos ao comércio privado.

Artigo 3.º
Bens do domínio público ferroviário e regime de concessão

1 - Em caso de concessão da exploração do serviço público ferroviário, ou de parte dele, o regime dominial mantém-se em relação aos bens do estabelecimento industrial ou comercial cuja utilização tenha sido cedida ao

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concessionário e que devam reverter à entidade pública concedente, no termo da concessão.
2 - O mesmo se aplica a todos os bens do concessionário que, adstritos à prossecução do objecto da concessão, se devam considerar como domínio público ferroviário, nos termos do presente diploma.

Artigo 4.º
Servidões de linha férrea

1 - As servidões de linha férrea, destinadas à implantação da via ou das respectivas obras de suporte, têm a natureza de direitos reais públicos sobre bens alheios.
2 - As servidões de linha a que este artigo se refere podem ser constituídas:

a) Por despacho do Ministro da tutela, após audição do proprietário interessado, conferindo-lhe a indemnização pelos prejuízos que sofrer, calculada nos termos da legislação de expropriações por utilidade pública;
b) Por acordo, formalizado em escritura pública, entre a REFER, EP, e o proprietário do prédio a onerar;
c) Por usucapião, por decurso do prazo de 10 anos, após a realização da obra ferroviária.

3 - Verificado o encerramento definitivo da linha ou dos troços de linha referidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 1.º, o proprietário do prédio onerado tem o direito de exigir a demolição das obras nele existentes.

Artigo 5.º
Servidões sobre prédios confinantes ou vizinhos

Os proprietários dos prédios confinantes do caminho-de-ferro ou seus vizinhos estão sujeitos às servidões e restrições previstas neste diploma e na demais legislação em vigor.

Artigo 6.º
Titularidade do domínio ferroviário

1 - Os bens do domínio público ferroviário, tal como fixados no presente diploma pertencem, em regra, ao domínio público do Estado.
2 - A titularidade da gestão dos bens do domínio público não abrangidos no número anterior é confiada ao gestor da infra-estrutura ou ao operador de transporte público ferroviário a que estiverem afectos, incluindo os que por si tenham sido construídos ou adquiridos para afectação ao serviço ferroviário.
3 - Os bens cedidos pelo Estado, a título não definitivo, ao gestor da infra-estrutura ou ao operador de transporte público ferroviário, para serem directamente aplicados na exploração da respectiva actividade, pertencem ao domínio público do Estado, sendo fruídos por aquela entidade, como elementos do estabelecimento industrial ou comercial, enquanto se mantiver a necessidade da afectação.
4 - Em caso de desclassificação de linha, troço de linha ou ramal ferroviário, e se no diploma que opere a desclassificação não for previsto outro destino a dar aos bens afectos àquela linha ou àquele ramal, consideram-se estes integrados, à data da desclassificação, no estabelecimento industrial ou comercial do gestor da infra-estrutura.

Artigo 7.º
Utilização de terrenos do Estado

Mediante despacho conjunto dos Ministros das Finanças, da tutela, e das áreas do Ambiente e do Ordenamento do Território, é lícito ao gestor da infra-estrutura ou aos operadores de transporte público ferroviário utilizar, nas condições que forem estabelecidas, terrenos do Estado que devam ser ocupados para o serviço de exploração ferroviária.

Artigo 8.°
Desvios de caminhos e de cursos de água

É lícito à REFER, EP, mediante despacho conjunto dos Ministros das Finanças, da tutela, e das áreas do Ambiente e do Ordenamento do Território, desviar cursos de água ou alterar a direcção de caminhos, sempre que a construção de novas linhas, de troços de via ou de ramais ou a modificação, ampliação ou conservação dos existentes assim o exijam, depois de ouvidas as entidades com tutela na área.

Artigo 9.º
Obrigações

1 - Compete ao gestor da infra-estrutura ou ao operador do serviço de transporte ferroviário assegurar a gestão, a exploração, a segurança e a vigilância dos bens que integram o domínio público ferroviário à sua guarda.
2 - Compete às entidades responsáveis pelas vias ferroviárias, nomeadamente às referidas no número anterior, providenciar pela limpeza dessas vias e de uma faixa lateral confinante, nos termos gerais.

Artigo 10.º
Regime jurídico excepcional

1 - Não são aplicáveis aos bens do domínio público ferroviário:

a) O regime da penhora, do depósito ou outros procedimentos cautelares, com as excepções previstas no n.º 3;
b) O regime do embargo de obras quando as mesmas decorram em terrenos do domínio público ferroviário, incluindo as relativas à construção de acessos e melhoria da visibilidade das passagens de nível ou, em qualquer caso, quando as mesmas obras sejam urgentes e indispensáveis ao restabelecimento da circulação ferroviária ou à consolidação de obras de arte;

2 - A regra da alínea a) do n.º 1 é extensiva aos direitos constituídos por acto de direito privado a favor do gestor da infra-estrutura ou do operador de transporte ferroviário, nomeadamente contratos de locação financeira de equipamentos ou infra-estruturas.
3 - A regra da alínea a) do n.º 1 pode ser afastada quando, por solicitação do gestor da infra-estrutura ou do operador de transporte ferroviário lhes seja autorizada a nomeação desses bens, por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela.
4 - Quando se realizem obras urgentes, nos termos da parte final da alínea b) do n.º 1, cabe à entidade que as promova, mormente ao gestor da infra-estrutura, tomar as providências necessárias para evitar que os trabalhos possam

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por em causa a segurança pública, causem prejuízos aos prédios vizinhos ou se prolonguem desnecessariamente. Sendo causados prejuízos a particulares, os mesmos serão ressarcidos nos termos previstos para a indemnização da alínea a ) do n.º 2 do artigo 4.º.

Capítulo II
Delimitação do domínio público ferroviário

Artigo 11.º
Limites da faixa ferroviária

1 - Quando outra delimitação não for estabelecida ou não resultar da natureza do suporte da via, considera-se que a área de implantação das linhas férreas é constituída pelas faixas de terreno demarcadas através das arestas superiores das áreas escavadas ou das arestas inferiores do talude dos aterros, em que os carris se encontram colocados ou, na falta destes pontos de referência ou de outros indícios, por linhas traçadas a 1,5 metros da aresta exterior dos carris externos da via.
2 - O espaço aéreo e o subsolo correspondentes aos terrenos incorporados nas linhas férreas integram o domínio público ferroviário.
3 - As áreas do domínio público ferroviário, no espaço aéreo e no subsolo, não abrangidas pelo número anterior, integram o estabelecimento industrial e comercial da empresa a que pertençam.
4 - Nas pontes e nos túneis atravessados pelo caminho-de-ferro consideram-se integradas no domínio público do Estado a obra de suporte da infra-estrutura ferroviária e a parte de solo ou subsolo necessária à sua implantação e segurança.
5 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, à fixação dos limites verticais das servidões de linha férrea.

Artigo 12.º
Delimitação

1 - Se a faixa pertencente ao caminho-de-ferro não estiver delimitada, o proprietário confinante pode solicitar à REFER, EP, a delimitação do seu terreno, lavrandro-se o auto respectivo, que será assinado por aquele gestor e o proprietário confinante, ou os seus representantes, e por duas testemunhas.
2 -No mesmo caso, e antes de fazer construções ou plantações próximas da presumida linha divisória, o proprietário confinante está obrigado a requerer ao gestor da infra-estrutura a delimitação.

Artigo 13.º
Desacordo na delimitação

1 - Quando não seja possível obter o acordo quanto aos limites em causa, a delimitação será feita por decisão obtida por maioria entre três peritos, um nomeado pelo proprietário confinante, outro pela REFER, EP, e o terceiro escolhido por acordo dos árbitros designados pelas partes, e constará de auto assinado pelo representante daquele gestor e pelo proprietário confinante, ou seus representantes, e pelos peritos.
2 - O disposto no número anterior não prejudica o eventual recurso a meios judiciais adequados por qualquer das partes.

Capítulo III
Servidões sobre prédios confinantes ou vizinhos ao domínio público ferroviário

Artigo 14.º
Obrigações gerais

1 - O proprietário confinante ou vizinho de bens do domínio público ferroviário está obrigado a abster-se de realizar obras, exercer actividades ou praticar actos que possam fazer perigar a segurança da circulação ferroviária e/ou da infra-estrutura ferroviária.
2 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o proprietário confinante pode requerer ao Instituto Nacional de Transporte Ferroviário a redução das obrigações que lhe são impostas, a qual poderá ser concedida quando não implique diminuição da segurança da circulação e da infra-estrutura ferroviária.
3 - A autorização prevista no número anterior depende de parecer favorável do gestor da infra-estrutura em causa, podendo ser ouvidos ainda os operadores de transporte ferroviário directamente envolvidos.

Artigo 15.º
Zonas non aedificandi

1 - Nos prédios confinantes ou vizinhos das linhas férreas ou ramais ou de outras instalações ferroviárias em relação às quais se justifique a aplicação do presente regime, nomeadamente as subestações de tracção eléctrica, é proibido:

a) Fazer construções, edificações, aterros, depósitos de materiais ou plantação de árvores a distância inferior a 10 metros, sem prejuízo do disposto no n.º 2;
b) Fazer escavações, qualquer que seja a profundidade, a menos de cinco metros da linha férrea, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2 - Quando se verifique que a altura das construções, edificações, aterros, depósitos de terras ou árvores é superior, real ou potencialmente, a 10 metros a distância a salvaguardar deve ser igual à soma da altura, real ou potencial, com o limite da alínea a).
3 - Quando a linha férrea estiver assente em aterro a escavação não pode ocorrer senão a uma distância equivalente a uma vez e meia a altura do aterro; em qualquer caso, quando a profundidade das escavações ultrapasse os cinco metros de profundidade, a distância a salvaguardar deve ser igual à soma da profundidade com o limite da alínea b).
4 - Os limites dos n.os 1, 2 e 3 do presente artigo podem, por ocasião da construção, ampliação ou remodelação da infra-estrutura ferroviária, ser alterados por meio de despacho do Ministro da tutela, precedendo parecer do INTF por solicitação do gestor da infra-estrutura ou do operador de transporte ferroviário, com fundamento em questões de segurança do transporte ferroviário.
5 - Os limites dos n.os 1, 2 e 3 do presente artigo serão estabelecidos pela mesma forma prevista no número anterior, aquando da construção de linhas de velocidade elevada, igual ou superior a 220 km/h, ou da renovação de linhas existentes que permitam idênticas velocidades de circulação, nunca podendo ser inferiores a 25 metros para os casos das alíneas a) e b) do n.º 1, sem prejuízo da aplicação dos n.os 2 e 3.

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Artigo 16.º
Proibições de actividade

1 - É ainda proibido, nos casos previstos no n.º 1 do artigo anterior:

a) Utilizar elementos luminosos ou reflectores que, pela sua cor, natureza ou intensidade, possam prejudicar ou dificultar a observação da sinalização ferroviária ou da própria via ou ainda assemelhar-se a esta de tal forma que possam produzir perigo para a circulação ferroviária;
b) Exercer nas proximidades da linha férrea qualquer actividade que possa, por outra forma, provocar perturbações à circulação, nomeadamente, realizar quaisquer actividades que provoquem fumos, gases tóxicos ou que impliquem perigo de incêndio ou explosão;
c) Proceder ao represamento de águas dos sistemas de drenagem do caminho-de-ferro e, bem assim, depositar nesses mesmos sistemas lixos ou outros materiais ou para eles encaminhar águas pluviais, de esgoto e residuais e ainda descarregar neles quaisquer outras matérias;
d) Manter actividades de índole industrial a distância inferior a 40 metros.

2 - Aplica-se ao presente artigo, com as devidas adaptações, o disposto nos n.os 2 a 5 do artigo anterior.

Artigo 17.º
Obras e estudos

1 - Para além dos limites resultantes dos artigos anteriores, os proprietários ou possuidores de terrenos confinantes ou vizinhos de bens do domínio público ferroviário ficam ainda obrigados a consentir na ocupação desses terrenos e no seu atravessamento e, bem assim, no desvio de águas e caminhos quando:

a) Esses terrenos sejam necessários para a realização de estudos, obras ou trabalhos preparatórios de construção, renovação, conservação e consolidação de vias férreas ou de outros elementos da infra-estrutura ferroviária;
b) Esses terrenos sejam necessários à execução de obras de construção, renovação, conservação e consolidação de vias férreas ou de outros elementos da infra-estrutura ferroviária e não se justifique a respectiva expropriação.

2 - A obrigação referida no número anterior só é efectiva quando o proprietário ou possuidor onerado seja notificado com a antecedência mínima de 30 dias e lhe sejam comunicados, em detalhe, para que se possa pronunciar, os factos que determinam a oneração e a programação dos trabalhos a realizar.
3 - O proprietário ou possuidor onerado tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos que, comprovada e directamente lhe forem causados pela oneração, sendo o valor dos mesmos encontrado por acordo entre as partes ou recorrendo, com as necessárias adaptações, ao disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º.

Artigo 18.º
Violação de zonas non aedificandi ou de proibições de actividade

1 - No caso de infracção, por parte do particular confinante ou vizinho, das regras constantes do presente capítulo compete às empresas do sector proceder à denúncia da mesma, sem prejuízo de o INTF poder conhecer, por qualquer outro meio, das mesmas.
2 - Compete ao INTF supervisionar a investigação e determinação dos contornos exactos da violação, cabendo às empresas do sector realizar todas as diligências necessárias à instrução do processo, incluindo as diligências complementares que lhes sejam requeridas pelo INTF.
3 - Verificada a infracção o INTF, após realizar audiência prévia do proprietário ou possuidor do prédio confinante, notifica-o para que, em determinado prazo, faça cessar a violação, sob pena de destruição ou demolição das obras erigidas em violação do presente diploma e/ou encerramento compulsivo das instalações onde se exerçam as actividades proibidas.
4 - Caso se não verifique, no tempo fixado, a destruição ou demolição a que se refere o número anterior a mesma será efectuada compulsivamente pela REFER, EP, sob orientação do INTF, correndo os custos da mesma por conta do proprietário ou possuidor confinante.

Capítulo IV
Os particulares e o domínio público ferroviário

Artigo 19.º
Proibições de circulação

1 - Salvo o disposto nos artigos seguintes, não é permitido o trânsito a pé, o estacionamento ou o atravessamento de linhas férreas por quaisquer pessoas, salvo se possuírem autorização de trânsito e/ou licença de atravessamento, emitidas pela empresa gestora da infra-estrutura ferroviária.
2 - São igualmente proibidos, nas condições do número anterior, o trânsito, o estacionamento e o atravessamento de veículos e animais.

Artigo 20.º
Excepções às proibições de circulação

1 - Observadas as disposições do presente diploma, as indicações dos agentes ferroviários em serviço e cumpridas ainda todas as regras de segurança impostas pelas circunstâncias, é permitido:

a) O atravessamento nas passagens de nível, de acordo com o disposto no Regulamento de Passagens de Nível, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de Dezembro, bem como nas linhas assentes em vias que sejam comuns a outros modos de transporte;
b) O atravessamento, a circulação e o estacionamento nas estações e apeadeiros, quando necessários para a utilização de comboios ou de instalações concessionadas, ou ainda para a realização de operações de transporte, estritamente nos locais próprios para o efeito.

2 - É proibido o atravessamento da linha férrea, salvo em casos de justificada impossibilidade, nos quais e sempre

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que possível, o atravessamento deverá ser acompanhado por um agente ferroviário em serviço, que posteriormente atestará as razões que o motivaram e as condições em que o mesmo se efectuou.

Artigo 21.º
Regras de circulação em via comum

1 - Tratando-se de linha férrea assente sobre via comum a outros modos de transporte, os utilizadores desta só poderão atravessar ou circular sobre a linha férrea quando os meios de sinalização acústica ou luminosa apresentarem indicação permissiva e os agentes ferroviários em serviço não derem indicação em contrário.
2 - Na falta das indicações a que se refere o número anterior ou se não existirem meios de sinalização, o atravessamento ou a circulação só deverão fazer-se se os utilizadores puderem assegurar-se que os poderão efectuar sem perigo.
3 - Os utilizadores da via comum devem ainda, em caso de aproximação de qualquer veículo que circule sobre carris, afastar-se o suficiente para permitir a sua livre passagem.
4 - É sempre proibido parar ou estacionar sobre as linhas férreas e atravessá-las sem ter garantida uma saída livre.

Artigo 22.º
Circulação em estações e apeadeiros

O atravessamento, a circulação e o estacionamento previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º, estão sujeitos às seguintes regras:

a) Os peões e os condutores de veículos ou de animais devem obediência rigorosa à sinalização existente e aos avisos afixados, bem como às indicações dos agentes ferroviários em serviço, devendo apenas efectuar o atravessamento ou circular sobre a via férrea quando possam assegurar-se da inexistência de perigo;
b) É proibido o atravessamento entre os veículos de composições estacionadas, bem como o atravessamento fora das zonas destinadas a esse fim, sempre que existam;
c) A circulação e o estacionamento de pessoas, veículos ou animais em área próxima de linhas férreas só podem efectuar-se desde que seja guardado espaço suficiente para a livre circulação dos comboios e para acautelar quaisquer eventualidades resultantes da sua passagem;
d) O estacionamento de veículos sobre as vias férreas só é permitido para operações de carga e descarga, depois de obtida autorização do agente ferroviário de serviço competente para dirigir tais operações.

Artigo 23.º
Autorizações para trânsito e licenças para atravessamento

1 - As autorizações para trânsito e as licenças para atravessamento, bem como a abertura e a utilização de acessos às estações e suas dependências, têm carácter precário.
2 - Sem prejuízo de outras condições estabelecidas na autorização ou na licença, a empresa gestora da infra-estrutura pode cobrar do utilizador uma taxa, sendo ainda por conta deste as obras que a empresa entenda necessárias à respectiva concessão e manutenção.
3 - Se a empresa gestora pretender revogar qualquer autorização ou licença, notificará o utilizador da respectiva extinção no prazo de 30 dias para que, dentro desse prazo, o mesmo proceda à supressão das obras existentes, sob pena de tal supressão ser executada pela empresa à custa do utilizador.
4 - O prazo referido no número anterior poderá ser reduzido pela empresa, desde que o faça de modo fundamentado, nomeadamente quanto à ausência de prejuízo para a segurança ferroviária.
5 - Verificando-se a hipótese prevista na parte final do n.º 3 do presente artigo, a cópia da factura emitida pela empresa gestora da infra-estrutura tem força executiva.

Capítulo V
Desafectação, permuta e utilização privada de bens do domínio público ferroviário

Artigo 24.º
Desafectação

1 - Os bens do domínio público ferroviário, desde que não estejam adstritos ao serviço a que se destinam ou dele sejam dispensáveis, poderão ser desafectados do referido domínio público e integrados no património privado da Rede Ferroviária Nacional - REFER, EP, por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela.
2 - O despacho a que se refere o número anterior fixará, de acordo com o disposto no artigo 27.º, o regime de alienação ou utilização dos bens imóveis que passam a integrar o património privado da REFER, E.P.
3 - O despacho referido no n.º 1 constitui documento bastante para os actos de registo predial e inscrição matricial dos bens desafectados.
4 - A REFER, EP, deve remeter cópia do despacho referido no n.º 1, bem como de todos os elementos pertinentes para a correcta identificação e catalogação dos bens, ao Instituto Nacional de Transporte Ferroviário (INTF), para que seja dado cumprimento ao disposto no artigo 5.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 299-B/98, de 29 de Setembro.

Artigo 25.º
Objectivos

A integração dos bens desafectados no património privado da REFER, EP, apenas se poderá realizar desde que os mesmos se destinem a alienação ou a aproveitamento urbanístico ou imobiliário e as verbas a apurar com a respectiva alienação ou utilização sejam afectas, na sua totalidade, a investimentos na modernização de infra-estruturas ferroviárias daquela empresa.

Artigo 26.º
Permutas ou transferências dominais

1 - Quando o interesse público o justifique, poderá ser autorizada por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela a mutação dominial, por transferência ou permuta, de bens integrados no domínio público ferroviário que estejam nas condições enunciadas no n.º 1 do artigo 24.º.
2 - O despacho referido no número anterior fixará a compensação a atribuir à REFER, EP, em caso de transferência

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ou de permuta com recepção de bens com menor valor do que os permutados, a qual será afecta a investimentos na modernização de infra-estruturas ferroviárias.

Artigo 27.º
Regime de alienação e utilização

1 - A alienação e utilização dos bens imóveis desafectados e integrados no património privado da REFER, EP, poderá efectuar-se em regime de propriedade plena, constituição de direito de superfície, ou qualquer outro meio jurídico adequado.
2 - Não podem ser objecto de alienação em propriedade plena os bens imóveis destinados a empreendimentos imobiliários afectos essencialmente às funções terciária e comercial, a localizar em zonas contíguas à infra-estrutura ferroviária.
3 - Poderá a REFER, EP, para a realização das operações de aproveitamento urbanístico ou imobiliário referidas no número anterior, associar-se com terceiros, entidades públicas ou privadas, destinando-se também as receitas dessas operações, na sua totalidade, a investimentos na modernização de infra-estruturas ferroviárias daquela empresa.
4 - A associação com terceiros, nomeadamente por consórcio, constituição de sociedade comercial ou agrupamento complementar de empresas, tem de ser autorizada pelo despacho conjunto que proceda à desafectação, à permuta ou à transferência dominial ou por despacho posterior dos mesmos ministros.

Artigo 28.º
Utilização do domínio público

1 - As concessões de uso privativo parcial ou integral de instalações ou imóveis do domínio público ferroviário serão objecto de contrato de concessão entre a REFER, EP, e a entidade concessionária, seleccionada por um dos procedimento pré-contratuais previstos na legislação sobre contratação pública relativa à locação e aquisição de bens e serviços, nos termos e com os limites ali previstos, legislação essa que regerá também a formação e execução do respectivo contrato.
2 - Do contrato referido no n.º 1 constarão, obrigatoriamente, o prazo da concessão, os montantes devidos pelo concessionário, as condições técnicas, jurídicas, e o regime de penalização, incluindo os pressupostos do resgate e do sequestro da concessão, nomeadamente os respeitantes à compatibilização da concessão com a exploração ferroviária e os termos da autorização prévia para a transmissão do direito.
3 - O disposto no n.º 1 não se aplica quando a concessão de uso privativo seja feita a favor de entidade pública ou a empresa em que exista uma participação pública maioritária.
4 - Não se consideram abrangidas pelo presente artigo as licenças precárias concedidas pela REFER, EP, a entidades públicas ou privadas para atravessamento de bens do domínio público ferroviário.
5 - A REFER, EP, deverá tomar as precauções necessárias por forma a garantir a reposição da situação original quando o atravessamento implique a realização de obras no bem do domínio público ferroviário e, bem assim, para assegurar a manutenção dos níveis de segurança da exploração em todos os momentos.

Artigo 29.º
Espaço aéreo e subsolo das vias férreas e dos edifícios

1 - No espaço aéreo e no subsolo correspondentes ao leito das vias férreas, bem como relativamente ao espaço superior e ao subsolo das estações, dos apeadeiros e de outros imóveis que integrem o património público ferroviário por si gerido, e a partir da altura ou da profundidade que não ponha em causa a segurança da via, da circulação ferroviária ou da circulação de passageiros, a REFER, EP, tem, mediante prévia aprovação dos projectos de construção por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, o direito de construir para si mesma e, bem assim, a faculdade de concessionar, nos termos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o uso privativo desse direito.
2 - Se os empreendimentos imobiliários destinados às funções terciária e comercial, a construir sobre bens imóveis desafectados do domínio público e alienados mediante constituição de direito de superfície, não puderem ser desenvolvidos e construídos sem recurso ao uso de espaços do domínio público, a autorização para a concessão de uso privativo, a ser concedida nos termos e nos limites do n.º 1, está sujeita a procedimento concursal.
3 - Os despachos de aprovação previstos nos n.os 1 e 2 determinarão ainda o prazo da concessão, os montantes devidos pelo concessionário, as condições técnicas, jurídicas e o regime de penalização, incluindo os pressupostos do resgate e do sequestro da concessão, nomeadamente os respeitantes à compatibilização da concessão com a exploração ferroviária e os termos da autorização prévia para a transmissão do direito.
4 - Os despachos ministeriais de aprovação previstos nos n.os 1 e 2 poderão aprovar também a possibilidade de associação com terceiros, nos termos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 27.º.

Artigo 30.º
Despacho de autorização

1 - A aprovação ministerial dos projectos de construção apresentados nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 29.º vale como delimitação dos correspondentes espaços de domínio público.
2 - A REFER, EP, deve remeter cópia do despacho ministerial referido no n.º 1 do artigo 29.º, bem como de todos os elementos pertinentes para a correcta identificação e catalogação dos bens, ao INTF, para que seja dado cumprimento ao disposto no artigo 5.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 299-B/98, de 29 de Setembro.
3 - As construções executadas nos termos do artigo 29.º, se não forem construídos pela REFER para si mesma, são consideradas como imóveis integrados no património privado desta, estando sujeitos aos actos de registo predial e de inscrição matricial legalmente exigidos.

Artigo 31.º
Fiscalização

1 - Os edifícios a que se referem os n.os 1 e 2 do artigo 29.º ficam sujeitos a poderes especiais de fiscalização da REFER, EP, a qual poderá ordenar a realização das obras de conservação indispensáveis à segurança do caminho-de-ferro e qualidade do serviço de exploração, ou realizá-las directamente cobrando os respectivos custos de acordo com os mecanismos legais ou contratuais aplicáveis em cada caso.

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2 - O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às construções resultantes da constituição de direito de superfície, quando sejam contíguas à infra-estrutura ferroviária.

Artigo 32.º
Alvarás e licenças

O disposto no presente diploma não dispensa os licenciamentos previstos na lei para as obras de construção civil e utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas, quando realizadas fora do domínio público ferroviário, ou na situação prevista no n.º 2 do artigo 29.º.

Artigo 33.º
Aplicação a outras entidades

O procedimento previsto no presente capítulo para a REFER, EP, pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a outras entidades públicas que detenham a gestão de bens que se devam considerar como integrantes do domínio público ferroviário, desde que se demonstre que os mesmos não devem ser afectos à REFER, EP, para a prossecução do seu objecto legalmente estatuído.

Artigo 34.º
Procedimento instrutório

1 - A instrução dos procedimentos de desafectação, permuta, transferência e de constituição ou de cedência de direitos de superfície nos termos previstos no presente diploma, cabe à REFER, EP.
2 - Os despachos ministeriais que procedam à desafectação serão obrigatoriamente precedidos de parecer do INTF.

Capítulo VI
Regime sancionatório

Artigo 35.º
Contra-ordenações

1 - Constituem contra-ordenações puníveis com coima de € 250 a € 2.500:

a) A construção ou plantação próximas da faixa pertencente ao caminho-de-ferro sem que tenha sido realizada a delimitação;
b) A recusa em consentir o atravessamento e ocupação nos casos e nos termos previstos no artigo 17.º;
c) A circulação em vias férreas em violação do disposto nos artigos 19.º e 20.º, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de Dezembro;
d) A circulação em vias comuns em violação do disposto no artigo 21.º;
e) A circulação em estações e apeadeiros em violação do disposto no artigo 22.º.

2 - Constituem contra-ordenações puníveis com coima de € 500 a € 10.000:

a) A realização de construções, edificações, aterros, depósitos de materiais, plantação de árvores ou escavações em violação do disposto no artigo 15.º, sem prejuízo do disposto no artigo 18.º;
b) A realização de actividades em prédios confinantes ou vizinhos do caminho-de-ferro em violação do disposto no artigo 16.º;
c) A abertura de barreiras ou cancelas de passagem de nível quando as mesmas se devam encontrar encerradas, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de Dezembro.

3 - A negligência é punível.
4 - O INTF adquire notícia da contra-ordenação por conhecimento próprio ou qualquer outro meio.

Artigo 36.º
Instrução do processo e aplicação das coimas

1 - A instrução dos processos por contra-ordenações previstas no presente diploma compete ao INTF, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 18.º.
2 - A aplicação das coimas previstas no presente diploma compete ao Conselho de Administração do INTF.

Artigo 37.º
Produto das coimas

1 - A afectação do produto das coimas faz-se da seguinte forma:

a) 40% para o INTF;
b) 60% para o Estado.

Capítulo VII
Disposições finais

Artigo 38.º
Processos pendentes

O disposto no presente diploma não se aplica a processos pendentes, nos quais existam já compromissos assumidos com terceiros.

Artigo 39.º
Legislação revogada

Ficam revogados os artigos 1.º a 6.º, 17.º n.º 1, 23.º a 29.º e 30.º a 37.º do Decreto-lei 38780, de 21 de Agosto de 1954, e o Decreto-Lei n.º 269/92, de 28 de Novembro.

Artigo 40.º
Manutenção em vigor

O disposto no presente diploma não prejudica a manutenção em vigor dos Decretos 11928, de 21 de Julho de 1926, e 12800, de 7 de Dezembro de 1926.

PROPOSTA DE LEI N.º 74/IX
LEI DE BASES DA EDUCAÇÃO

Exposição de motivos

I

As bases normativas da educação, e respectiva organização e funcionamento, constituem nas sociedades democráticas actuais um elemento indispensável, enformador e conformador da estratégia integrada de desenvolvimento

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cultural, social e económico dos países. Compete ao XV Governo Constitucional apresentar à Assembleia da República, e, deste modo, à discussão dos cidadãos e das instituições portuguesas, um novo conjunto de bases do sistema educativo, agora sob a designação mais correcta de Lei de Bases da Educação.
O Governo não o faz tanto por decorrência do seu Programa de Governo, mas mais, como deve ser e lhe cabe, porque na percepção do sentir da sociedade portuguesa contemporânea e dos desafios que hoje se colocam ao desenvolvimento de Portugal, no contexto global da sociedade do conhecimento e da inovação, constata a evidente desadequação da actual Lei de Bases do Sistema Educativo, que vem no seu conteúdo essencial de 1986, às necessidades da qualificação dos portugueses, verdadeiramente determinantes do nosso devir colectivo.
É intenção do Governo que, no âmbito dos trabalhos da Assembleia da República, o órgão de soberania que constitucionalmente assume este processo legislativo, haja as adequadas reflexão e discussão públicas e que em torno destas bases normativas se gere um amplo consenso, pois trata-se de matéria do mais sublime significado nacional.

II

A proposta de lei agora apresentada à Assembleia da República não se constitui como uma ruptura relativamente à Lei de Bases do Sistema Educativo ainda em vigor, nem tal seria de esperar, considerando o carácter infra constitucional destes diplomas, a qualidade do trabalho legislativo de 1986 e a sensibilidade de que em áreas como a educação as melhorias devem acontecer sobretudo numa lógica de regeneração das estruturas e das práticas existentes.
Ainda assim, estamos declaradamente com as bases da educação constantes desta proposta do Governo perante uma nova lei, tal é a profundidade das evoluções no sistema interno e externo do diploma anterior, perante um novo texto global, com uma nova sistemática nalgumas matérias essenciais, e com inovações do maior significado nos princípios, nos objectivos, na organização e no funcionamento do sistema educativo português. Destas inovações dar-se-á nota ao longo da presente exposição de motivos.
Poderá dizer-se que, no século XX, em Portugal, apenas em determinados momentos a educação foi pensada, em termos de organização e de funcionamento, como um sistema, não tendo tido até meados da década de 80 senão reformas sectoriais. De facto, a única lei de bases do sistema educativo com efectiva concretização foi precisamente a de 1986. Em 1923 a Câmara dos Deputados aprovou, sob proposta do Governo, uma Lei de Bases da Reorganização da Educação Nacional, não tendo esta tido qualquer eficácia. Meio século mais tarde, em 1973, a Assembleia Nacional aprovou novas bases da educação, que, tendo consagrado princípios que haviam enformado algumas das alterações pontuais feitas no início dos anos 70, acabou por não ter qualquer aplicação posterior.
Com a aprovação da presente proposta de lei será, pois, verdadeiramente, a segunda vez que, na história da nossa República, se leva a cabo uma reforma estrutural do sistema educativo.

III

A sociedade do conhecimento é não só actual, mas bem real. Reclama especiais competências para a utilização da informação e, porque é flexível, exige capacidade de adaptação, porque assenta na inovação, exige capacidade para enfrentar o desconhecido e para acomodar o recém conhecido, porque é heterogénea, exige a capacidade de tolerância e interpretação autónoma do diverso, porque é interactiva, exige capacidade para desenvolver interligações, apontando para o limite do global, e para desenvolver intraligações, apontando para as referências próprias da existência individual.
Vivemos hoje, ao mesmo tempo, o aprofundamento da autonomia, mas também o aprofundamento de relações sociais caracterizadas pela dependência e interdependência, no sentido ético de que a liberdade pressupõe responsabilidades concretas. Estas responsabilidades concretas devem conduzir as sociedades democráticas a recusar toda a permissividade e todo o comodismo, até porque lhes é vital renovarem e renovarem-se, em permanência, na base de opções estratégicas explícitas e ancoradas em valores.
A sociedade do conhecimento é, na sua essência, personalista. Assenta toda a sua dinâmica na pessoa do cidadão, a quem fornece toda a informação, mas nele pressupõe capacidade autónoma de juízo, sentido criador e capacidade de organização. Confere-lhe as condições para a autonomia e liberdade, mas confere-lhas no pressuposto da responsabilidade para com um papel e uma missão de sentido comunitário, mesmo com as comunidades vindouras, no que hoje já se assume como uma ética do futuro.
A responsabilidade individual para com a renovação permanente exige mais do que desígnios explícitos e eticamente fundados e do que formação moral e cívica; exige realmente competências e aptidões cada vez mais vastas e profundas, que se suportem na conjugação dos conhecimentos específicos, mais rapidamente ultrapassáveis, com as formações mais alargadas e perenes. É que só um tal modelo de educação permite olhar para o paradigma conflitual e tensional do mundo de hoje como um conjunto de desafios, estimulantes de respostas e, assim mesmo, de inovação.
É este o desafio, novo, que hoje se coloca aos sistemas educativos: formar cidadãos competentes no rigor da aplicação prática dos saberes e, simultaneamente, capazes de compreenderem o mundo sem perderem as suas raízes; capazes de inovarem sem desprezarem as tradições referenciais; capazes de encontrarem soluções de curto prazo sem descurarem a consolidação do futuro, através de reflexão prospectiva; capazes de conjugarem competição e igualdade de oportunidades; capazes de, perante a disponibilização torrencial de informação, edificarem uma cultura pessoal, estruturada a partir de uma assimilação autónoma, consciente e orientada de conhecimentos; capazes de resolverem a tensão entre o espiritual e o material, a segurança e a insegurança, a estabilidade e a instabilidade, que caracterizam indelevelmente as sociedades dos nossos dias.
A missão fundamental da educação é hoje, mais do que nunca, fornecer a cada pessoa os meios para o desenvolvimento de todo o seu potencial, para o exercício de uma liberdade autónoma, consciente, responsável e criativa. Há, assim, que assegurar uma educação que prossiga conjugada e sequencialmente as finalidades do aprender a ser e a viver juntos, do aprender a estar, do aprender a conhecer, do aprender a fazer, do aprender a pensar e aprofundar autonomamente os saberes e as competências. Esta é uma nova visão estratégica para a educação em Portugal; esta é a visão que enforma a presente proposta de lei de bases da educação.

IV

A necessidade de reforma do sistema educativo português, com uma profundidade que exige novas bases axiológicas e da sua organização e funcionamento, é urgente, pois, para além do sistema não estar preparado para

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dar resposta aos desafios que, como se viu, hoje se lhe colocam, demonstra, de há muito, a incapacidade para produzir os resultados que a sua concepção anteviu.
Existe no nosso sistema educativo pensamento conceptual sofisticado e existem alguns momentos de excelência. No entanto, ele não tem sido capaz de, apesar do acentuado crescimento da despesa pública em educação, generalizar a qualidade do ensino e das aprendizagens. Têm imperado em Portugal visões das políticas educativas mais assentes numa prática experimental e casuística do que na assunção de perspectivas integradas e estratégicas, contribuindo para uma lógica de dispersão grave de recursos e de desequilíbrios flagrantes na distribuição das condições educativas. Há muito que o sistema educativo português deixou de ter capacidade para utilizar os recursos nele empregues no crescimento da qualidade dos seus resultados.
Continuamos a denotar lacunas graves nos saberes estruturantes; continuamos a apresentar insuficiências na aprendizagem de competências práticas efectivas e na preparação adequada para o ensino superior; não existe entre nós, em termos organizados e generalizados, um verdadeiro ensino profissionalizante, dinâmico e actual; mais de dois terços dos portugueses entre os 25 e os 34 anos não ultrapassou as aprendizagens básicas; mais de dois terços dos estudantes do ensino secundário optam por vias gerais de estudos, em detrimento das vias profissionalizantes, revelando uma tendência inversa à dos nossos parceiros europeus.
A administração educativa é ineficiente e ineficaz, por carência de organização. Nos últimos anos foi sujeita a reformas que, apesar de atomisticamente bem fundadas, causaram distorções e disfunções notórias no sistema, por total ausência de visão de conjunto e ausência de acompanhamento na concretização. Como num aluvião, a actual administração educativa acumula sedimentos de centralismo, de desconcentração, de descentralização, de autonomia, tudo numa indefinição e confusão de missões, com lacunas graves na informação de gestão, a todos os níveis, e nas capacidades de prospectiva de políticas.
O XV Governo Constitucional viu-se assim perante a necessidade de não apenas ter que conceber alternativas de política educativa, mas de ter que criar os meios de organização administrativa e informação para poder, com sucesso, aplicar aquelas. Esta visão reformadora do sistema educativo português está bem patente na presente proposta de lei de bases da educação.

V

Como se referiu já, esta proposta de lei tem um sentido estratégico para o País, que ultrapassa a dimensão programática deste ou de qualquer outro governo. Mas deve acentuar-se que o actual Governo já pautou a sua política educativa pelos desígnios estratégicos que agora apresenta à Assembleia da República.
É assim na visão curricular que melhor articula a educação e a formação. É assim numa nova cultura de responsabilidade e avaliação permanente e pública, em termos contextualizados, do sistema educativo e de todos os seus intervenientes: alunos, educadores e professores, pessoal não docente, as próprias escolas, todo o sistema e mesmo a política educativa. É assim no aprofundamento do papel das comunidades e das autarquias locais no desenvolvimento da educação. É assim na assunção de uma verdadeira autonomia das escolas, públicas, particulares e cooperativas, que se justifica em função da responsabilização por projectos educativos próprios. É assim na percepção da relevância de um papel mais cooperante entre a escola do Estado e as escolas particulares e cooperativas É assim na modernização da administração educativa. É assim no planeamento e na gestão das necessidades relativas aos recursos humanos, materiais e financeiros, que agora se assume com rigor. É assim no ordenamento da rede de ofertas educativas e na reorganização das escolas.
Pela mão do actual Governo está já em curso, nos aspectos mais estruturantes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, a revisão curricular do ensino secundário, incluindo o ensino profissional e o ensino artístico, a aplicação do novo estatuto do aluno e do sistema de avaliação da educação e do ensino, a descentralização de competências nas autarquias locais, a nova orgânica do Ministério da Educação, a execução do novo regime dos concursos de recrutamento e colocação de docentes, incluindo do ensino português no estrangeiro, a organização do sistema de informação de gestão e de controlo de gestão das escolas, o reordenamento das redes de ofertas educativas e a conclusão do processo de agrupamento de escolas, bem como o programa de recuperação do primeiro ciclo do ensino básico e a continuação do programa de expansão da educação pré-escolar.
Estas decisões complementar-se-ão, também nos aspectos mais estruturantes do ensino não superior, com medidas de reorganização do ensino especial, do ensino recorrente, do ensino português no estrangeiro, de revisão dos estatutos do pessoal docente e não docente, incluindo as áreas da formação e da avaliação, de criação de um novo regime de autonomia, gestão e financiamento das escolas, bem como de início de concretização das novas Bases da Educação, nos termos em que a presente proposta de lei vier a ser definitivamente aprovada.
Trata-se de uma profunda reforma estrutural da educação em Portugal, que deve ser concretizada com sentido de urgência e perseverança, reforma esta que tem por objecto também o ensino superior, como em breve esta exposição de motivos explicitará.

VI

As bases normativas que constituem o objecto desta proposta de lei têm assento constitucional. A elas refere-se a alínea i) do artigo 164.º da Constituição, como "Bases do sistema de ensino", assim integrando a matéria no âmbito da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Optou-se, em 1986, pela designação de "bases do sistema educativo" e, agora, por "bases da educação".
Fez-se esta opção por se considerar a ideia de educação mais ampla e menos formal que a de ensino; por pretender acentuar-se a dimensão pluridimensional do acto de ensinar, inscrito num conjunto de valores de referência que o tornam formativo ou educativo; por entender-se oportuno focalizar toda a dinâmica do processo formativo nos seus destinatários e nos seus resultados, realidades que não podem deixar de definitivamente ser assumidas como a razão de ser do sistema educativo e como orientadoras do seu funcionamento; e, por fim, por se assumir a intenção de estruturar todo o sistema interno da nova lei de bases mais numa lógica de valores e finalidades essenciais do que numa lógica orgânica, de estruturas e de funcionamento.

VII

Refira-se, desde já, a propósito do significado de educação, que a proposta de lei continua a abarcar dentro do conceito amplo de educação as mais restritas educação e formação, agora reorganizando todo o sistema global. É assim que, a pressupor uma muito mais apurada articulação

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entre os departamentos governamentais responsáveis pela política educativa e pela política de emprego, a formação vocacional, de sentido profissionalizante, e a formação profissional se organizam entre si em termos muito mais coerentes e eficazes.
A formação vocacional é, no novo modelo, parte integrante dos ensinos básico e secundário, com especial enfoque neste, constituindo-se, a partir da organização coerente de um conjunto de ofertas educativas de dimensão profissionalizante, como a via que, a par da via orientada para o prosseguimento de estudos, assegura a disponibilização de competências para inserção no mercado de trabalho.
A formação profissional, agora mais decididamente integrada na própria dinâmica do mundo do trabalho e menos na preparação para nele se ingressar, deixa de estar identificada como modalidade especial de educação escolar, passando a ter assento nestas bases da educação como um terceiro momento, paralelo à educação escolar e à educação extra-escolar.
A alteração referida foi anunciada no programa do actual Governo, e é agora erigida a princípio organizativo fundamental do sistema educativo, por corresponder a uma necessidade fundamental do País. Assim se criam as condições para desenvolver em Portugal um ensino de nível não superior que, a par de assegurar os saberes e as competências para o prosseguimento dos estudos, assuma eficazmente uma vocação profissionalizante, permitindo melhores respostas às necessidades da qualificação do emprego e melhor realização individual dos alunos que a não encontram na intenção de prosseguir estudos.
À semelhança do que se verifica já nos países do nosso espaço cultural, Portugal precisa, de facto, de equilibrar melhor as opções dos estudantes do ensino secundário entre as vias gerais e as profissionalizantes, fazendo crescer estas, através do fomento de orientações vocacionais mais conscientes e efectivas, o que também passará a assegurar-se de acordo com a organização do ensino secundário prevista na proposta de lei.

VIII

A referida nova organização do ensino secundário integra-se, naturalmente, na reorganização global de todo o ensino não superior. Para além da educação infantil, que emerge de uma mais perfeita articulação entre a creche e o pré-escolar, importa sobretudo trazer à colação, para identificar a referida reorganização global, as novas estruturas do ensino básico e do ensino secundário.
O ensino básico passa a comportar dois ciclos, correspondentes no essencial aos actuais dois primeiros ciclos do ensino básico, tendo, portanto, a duração de seis anos. Tem por objectivo fundamental assegurar uma formação de base comum a todos, constituída pelos saberes e competências estruturantes ligadas ao ser, ao saber, ao pensar, ao fazer e ao aprender a viver juntos, devendo promover o sucesso escolar e educativo de todos os alunos, a conclusão por cada um deles de uma escolaridade efectiva de 12 anos e a predisposição para uma constante actualização de conhecimentos.
O ensino básico é, naturalmente, obrigatório. A obrigatoriedade de frequência termina aos 15 anos, mas, na lógica de uma escolaridade obrigatória que termina aos 18 anos, de que se fala em momento posterior desta exposição de motivos, os jovens que não pretendam concluir o ensino básico após aquela idade devem ser obrigatoriamente encaminhados para programas de formação vocacional adequados.
O ensino secundário, por seu turno, passa a ter seis anos, pela conjugação do actual terceiro ciclo do ensino básico com o actual secundário. Esta conjugação traduz uma profunda reforma na concepção e nos objectivos deste segundo momento da educação escolar.
Globalmente, compete ao ensino secundário aprofundar os objectivos do ensino básico e dar-lhes sequência, através da integração dos saberes e da aquisição pelos alunos das competências adequadas para o prosseguimento de estudos superiores ou para a inserção no mercado de trabalho. Daí a estruturação das vias gerais e das vias de formação vocacional a que já se fez referência e que dão corpo à dupla funcionalidade do ensino secundário. Assim se estrutura um verdadeiro ensino profissionalizante em Portugal, de nível secundário, assegurando a necessária permeabilidade entre este e as vias gerais.
É da maior relevância acentuar que o novo primeiro ciclo do ensino secundário passa a ter um papel determinante para o sucesso do objectivo de uma escolaridade efectiva de 12 anos. Na verdade, compete-lhe funcionar como preparatório do segundo ciclo do secundário, até pelo sentido de orientação vocacional que passa a ter. Ou seja, onde tínhamos uma lógica de ciclo terminal do ensino básico, passamos a ter uma lógica de fomento do sucesso do secundário, agora com uma estrutura curricular mais aferida às necessidades da sociedade portuguesa e mais propícia à realização individual de cada aluno.
O ensino secundário é obrigatório, terminando o dever de frequência aos 18 anos, mas mantendo-se a possibilidade dessa frequência até aos 21 anos. A formação vocacional e a profissional desempenham um papel importante no suprimento das lacunas de competências daqueles que, ultrapassada aquela idade, não pretendam concluir o ensino secundário.
Refira-se que com esta nova estrutura do ensino não superior nos aproximamos, salvaguardadas as naturais especificidades que se verificam ao nível, sobretudo, dos ciclos, do modelo alemão, do espanhol e do irlandês, e, ainda, do belga, do holandês e mesmo do britânico; ao mesmo tempo que nos afastamos do modelo sueco. Lembre-se que o modelo nórdico influenciou, após a revolução de 1974, como se sabe, o sistema educativo português.
Neste ponto importa ainda fazer uma referência de carácter terminológico. Optou-se por manter as designações de ensino básico, secundário e superior, por razões de tradição. No entanto, há que reconhecer não ser unívoca, em termos semânticos, a relação entre as expressões básico, secundário e superior.

IX

Toda a nova organização dos ensinos básico e secundário foi pensada para prosseguir um objectivo nacional decisivo: uma escolaridade efectiva, de nível secundário, para toda a população até aos 18 anos de idade. Daí a assunção pela presente proposta de lei da escolaridade obrigatória de 12 anos, a começar a concretizar-se, sequencialmente, já a partir do ano lectivo de 2005-2006, para os alunos que se inscreverem no primeiro ano do segundo ciclo do ensino básico.
Esta escolaridade obrigatória pressupõe, como já deixou antever-se, uma visão muito cuidada de articulação entre a educação, nas suas vias de prosseguimento de estudos e profissionalizante, e a formação profissional. Trata-se, pois, de um verdadeiro novo conceito substantivo de escolaridade obrigatória; um novo conceito erigido a partir do objectivo essencial de proporcionar 12 anos de formação,

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que assegurem efectivamente aos alunos, de forma permeável, os conhecimentos e as aptidões para um de dois objectivos: prosseguir estudos ou encarar com preparação útil a vida profissional.
Merece aqui referência o acolhimento da dupla certificação das competências adquiridas. Naturalmente, a conclusão, com aproveitamento, do ensino secundário confere o direito a um diploma, que certifica a formação adquirida; mas passa a dever certificar-se, igualmente, quando solicitado, quer o aproveitamento obtido em qualquer ano ou ciclo, quer, considerando a natureza particular dos cursos predominantemente orientados para a inserção na vida activa, as qualificações obtidas para efeitos do exercício de uma profissão ou grupo de profissões.
Dos 10 anos de escolaridade obrigatória pensados na reforma de 1923, dos oito na reforma de 1973 e dos nove na reforma de 1986, passamos agora para 12, à semelhança do modelo alemão, no que é um dos desafios mais significativos da modernidade, da qualificação e do desenvolvimento que Portugal tem pela frente.
Em consonância com esta intenção, alargou-se o princípio da gratuitidade do ensino ao ensino secundário.
Este desafio da qualificação dos recursos humanos assume-se igualmente num outro momento muito determinante da proposta de lei de bases da educação. Trata-se de dar conteúdo efectivo e estrutura organizativa à educação ao longo da vida, o que acontece por intermédio de uma melhor articulação, por um lado, da creche e do pré-escolar e, por outro, da modalidade geral da educação escolar, não apenas com a formação profissional, mas também com a educação extra-escolar e com a educação a distância.

X

Importa agora assinalar na presente exposição de motivos, como já atrás se anunciou, as alterações mais significativas que, no âmbito do ensino superior, são assumidas pela proposta de lei que o Governo apresenta à Assembleia da República.
Incrementar de modo constante a qualidade do ensino, da investigação e da experimentação é uma prioridade do sistema de ensino superior. Este projecto foi assumido pelo Governo no regime jurídico do desenvolvimento e qualidade do ensino superior, aprovado pela Lei n.º 1/2003, de 6 de Janeiro, e nas alterações à Lei de Bases do Sistema de Avaliação e Acompanhamento das Instituições de Ensino Superior, Lei n.º 38/94, de 21 de Novembro, pelas quais se introduziram a acreditação académica de instituições e de cursos e a classificação de mérito na avaliação.
Desafios como os da sociedade do conhecimento, da globalização, da crescente integração dos sistemas europeus de ensino superior e da soberania educativa portuguesa neste processo têm que ser reflectidos nesta fase de mudança das sociedades portuguesa e estrangeiras.
A integração do País em espaços mais alargados de ciência e cultura coloca-nos perante um espaço europeu de ensino superior, sendo necessário ponderar os seus efeitos na estrutura do sistema do ensino superior.
A chamada Declaração de Bolonha trouxe a toda a Europa uma dinâmica reformadora, da qual Portugal não pode ficar alheado, sob pena de perder competitividade, remetendo-se a uma condição periférica. É sabido que a Declaração de Bolonha implica reformas concretas em dois aspectos bem marcados: quanto à comparação das qualificações oferecidas pelas instituições de ensino superior; quanto à mobilidade de estudantes e de professores.
Em toda a Europa têm vindo a ser aprovadas reformas legislativas, para recepção destes princípios. Nem sempre concordantes e coerentes entre si, estas reformas demonstram a preocupação dos legisladores europeus com a competitividade dos respectivos sistemas de ensino superior e dos seus graduados, reforçando a sua capacidade para atraírem os melhores estudantes, docentes e investigadores.
A identidade do sistema português de ensino superior e das suas instituições também se deve fazer pela competição e iniciativa, recolhendo o melhor que se faz no estrangeiro para atingir patamares de excelência.
Compreende-se, assim, a preocupação do actual Governo em tornar realidade a existência de um espaço português de ensino superior e de ciência, assente no valor comparável das qualificações, na possibilidade de mobilidade dos estudantes e dos docentes. Não tem sentido falar-se unicamente de mobilidade dos estudantes e dos docentes no espaço europeu, se esta não for igualmente uma realidade no plano nacional.
É necessário considerar a livre circulação de pessoas na Europa e a dimensão europeia do mercado de trabalho. A duração dos ciclos de estudo não pode ser substancialmente distinta em Portugal perante os restantes sistemas educativos europeus.
Na sequência do amplo e participado debate promovido pelo Governo, as orientações agora definidas são as que passam a expor-se.
A graduação de primeiro ciclo pode ser conferida por todas as instituições de ensino superior acreditadas e, seguindo uma secular tradição portuguesa, toma o nome de licenciatura. A definição legal de licenciatura recorda a matriz do conceito, como licença para o exercício de uma profissão para a qual se exige uma qualificação superior. Em consequência, é suprimido o grau de bacharel, salvaguardando-se, em disposições transitórias, as situações existentes, para todos os efeitos legais, mas permitindo-se, como já se encontra legalmente previsto, o prosseguimento dos estudos aos actuais bacharéis.
Os cursos de licenciatura têm uma duração de oito semestres, cabendo ao Governo definir as condições de atribuição dos graus académicos, de forma a garantir o nível científico da formação adquirida, a comparação das formações e a mobilidade dos estudantes. Efectivamente, existem parâmetros que não podem ser ignorados, como é o caso de cursos cuja duração se encontra definida em regulamentação própria, nacional ou comunitária. De outro lado, é desejável a existência de uma certa coerência das qualificações oferecidas nas mesmas áreas de conhecimento. Qualquer opção pela duração das formações iniciais não pode implicar diminuição da qualidade objectiva das mesmas.
Deste modo, as condições de atribuição dos graus académicos podem ser definidas por área do conhecimento e curso, ouvidas as instituições e as suas estruturas representativas, os sindicatos, os estudantes e as ordens profissionais, entre outros interessados. A confiança dos estudantes e da comunidade educativa ficará abalada se persistirem situações em que aos graus e diplomas atribuídos por estabelecimentos de ensino superior não se reconhecem efeitos profissionais.
Quanto à atribuição do grau de mestre, os cursos respectivos podem ser ministrados por instituições universitárias e por instituições politécnicas, verificado o cumprimento de requisitos objectivos de qualidade, em especial a qualificação do corpo docente e recursos materiais adequados.

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Quanto aos programas e cursos de doutoramento, da responsabilidade exclusiva dos estabelecimentos de ensino universitário, exige-se o cumprimento de requisitos objectivos de qualidade: a qualificação do corpo docente e a qualidade da investigação realizada.
Será generalizado o sistema de unidades de crédito, como critério de acumulação de saberes e qualificações obtidos nos cursos ministrados pelas instituições de ensino superior, de modo a permitir uma visão integrada da formação ao longo da vida. Será igualmente permitido que, verificadas certas condições, qualificações não formais atribuídas pelas empresas e por instituições de investigação, entre outras entidades, possam ser objecto de reconhecimento académico. Igualmente se valorizam e incentivam as iniciativas públicas e privadas no domínio da formação a distância e do e-learning, como dimensões da educação ao longo da vida.
O instituto torna-se a matriz institucional do ensino politécnico. Esta opção legislativa, assente no juízo de experiência recolhido nas últimas décadas, comporta importantes benefícios comuns em termos de gestão administrativa e financeira, mas, sobretudo, significa melhor aproveitamento dos recursos científicos e pedagógicos e, portanto, condições propícias para o reforço da qualidade do ensino superior.
A qualificação científica constitui requisito de habilitação para a docência no ensino superior. Não sendo a carreira docente exclusivamente uma carreira de investigação, estabelece-se o princípio segundo o qual a docência no ensino superior e a progressão na carreira dependem igualmente de capacidade pedagógica e da submissão periódica a mecanismos de avaliação, em termos paralelos ao estabelecido no regime de avaliação e acompanhamento das instituições de ensino superior. Por outro lado, porque os objectivos a atingir são diferentes, os estatutos das carreiras docentes do ensino universitário e do ensino politécnico deverão ser diferenciados. Assim, temos, como qualificação para a docência, o doutoramento, no ensino universitário, e o mestrado, no ensino politécnico.
Quanto ao acesso ao ensino superior, é intenção do Governo reforçar, sem pretender qualquer ruptura com a prática, a autonomia das instituições relativamente à selecção dos seus estudantes. Se o curso do ensino secundário ou equivalente constitui requisito habilitacional para acesso ao ensino superior, a capacidade para a sua frequência constitui outro importante requisito. Mas deve competir aos estabelecimentos de ensino superior o processo de avaliação da capacidade para a frequência, bem como o de selecção e seriação dos candidatos ao ingresso em cada curso e estabelecimento de ensino superior. Os estabelecimentos de ensino superior podem associar-se para esta tarefa ou mesmo delegar no Estado a concretização dela; e devem coordenar-se, de modo a que um estudante possa candidatar-se a mais do que uma instituição.

XI

Um outro momento fundamental da proposta de lei ora em análise tem a ver com as alterações que ela assume relativamente à identificação dos princípios e objectivos fundamentais da educação.
Surge agora expressamente referida a garantia da liberdade de aprender e ensinar, nos termos constitucionais, no contexto de uma opção jurídica mais correcta de expressar a proeminência das liberdades fundamentais de educação perante os direitos fundamentais de educação, estes destinados a garantir e realizar aquelas.
Pressupõe-se que a educação constitui uma prioridade permanente do País, conformando uma opção de desenvolvimento assente na valorização e qualificação dos recursos humanos. Assim sendo, é a própria política educativa, agora com referência legal expressa, que tem por finalidade objectivos nacionais permanentes, o que implica uma elaboração e uma concretização transparentes e consistentes.
Nesta lógica de consistência, releva-se a importância da qualidade e suficiência dos recursos docentes, no que é um enaltecimento da imprescindibilidade do papel dos professores, bem como dos demais recursos humanos, materiais, financeiros e de organização que constituem o sistema educativo.
Estatui-se um direito e um dever de educação, traduzidos numa efectiva acção formativa ao longo da vida e assentes em referências de valores e competências.
Na decorrência da liberdade de aprender e ensinar, entende-se que o ensino particular e cooperativo deve deixar de estar enclausurado, como acontece na sistemática da lei de bases ainda em vigor, num capítulo dos fundos, para passar a integrar, a par do ensino público, os vários momentos que estruturam a nova lei.
Reconhece-se agora que na organização e desenvolvimento do sistema educativo pontuam estruturas e acções diversificadas, resultantes da cooperação da iniciativa e responsabilidade pública, particular e cooperativa.
Esta ideia de cooperação tem especial incidência na definição da rede de ofertas educativas, que compete ao Estado organizar, em termos qualitativa e quantitativamente ordenados, e manter actualizada.
Considera-se que a rede de estabelecimentos de serviço público de educação e de ensino, destinada a cobrir as necessidades de toda a população, possa, numa perspectiva de racionalização de recursos e de promoção da qualidade da educação, ser constituída não apenas por escolas do Estado, mas também por escolas particulares e cooperativas. Para isso, estas devem respeitar os princípios, os objectivos, a organização e as regras de funcionamento, incluindo de qualificação académica e formação profissional exigidas para a docência, do sistema educativo.
O Estado apoia financeiramente, mediante contrato, nos termos da lei, o ensino particular e cooperativo, tendo em consideração a escolha das famílias, quando os respectivos estabelecimentos se integrem na rede de ofertas de educação e de ensino de serviço público.

XII

As consequências da liberdade de aprender e ensinar manifestam-se agora também na visão sobre a autonomia das escolas, que passa a constituir um momento essencial das bases normativas da educação, incluindo no que às escolas públicas diz respeito. Pretende-se assegurar um modelo de organização e funcionamento das escolas, públicas, particulares e cooperativas, que promova o desenvolvimento de projectos educativos próprios, no respeito pelas orientações curriculares de âmbito nacional, e padrões crescentes de autonomia de funcionamento.
Aqui se estruturam também as condições para uma efectiva liberdade de opção educativa das famílias, que é expressamente vista como objectivo fundamental do sistema educativo.
A contrapartida da autonomia das escolas reside numa maior responsabilização pela prossecução de objectivos pedagógicos e administrativos, mediante um financiamento público assente em critérios objectivos, transparentes e justos, que incentivem as boas práticas de funcionamento

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e permitam o apoio a situações objectivas de dificuldade, e com sujeição à avaliação pública dos resultados.

XIII

A avaliação do sistema educativo passa também a ocupar lugar de maior destaque no sistema interno da futura Lei de Bases da Educação. Como é natural, retomam-se as grandes linhas do "sistema de avaliação da educação e do ensino não superior", que a Assembleia da República aprovou, sob proposta do actual Governo, através da Lei n.º 31/2002, de 20 de Dezembro, e considera-se a experiência já existente de avaliação do ensino superior.
Nestes termos, estatui-se que o sistema educativo é sujeito, na sua eficiência, eficácia e qualidade, a avaliação permanente e continuada, a qual abrange, para além, nomeadamente, das aprendizagens dos alunos e do desempenho dos professores, do pessoal não docente e das escolas, o próprio sistema na sua globalidade, tendo em consideração os aspectos educativos e pedagógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e, ainda, os de natureza político-administrativa e cultural.
Assume-se que a avaliação do sistema educativo constitui-se como um instrumento essencial de definição da política educativa, esta também sujeita a avaliação, de promoção da qualidade do ensino e do sucesso das aprendizagens e de gestão responsável e transparente de todos os níveis do sistema de ensino. Deve, por isso, ser pública.
A avaliação do sistema educativo deve permitir uma interpretação integrada, contextualizada e comparada de todos os parâmetros em que se baseia.
O papel da inspecção da educação aparece-nos agora melhor caracterizado, de forma articulada, em termos sistemáticos e de delimitação recíproca de funções, com a avaliação do sistema educativo.

XIV

As próprias políticas educativas são, como se disse, sujeitas a avaliação, o que traduz o reconhecimento da importância estruturante das mesmas. Disse-se já que a presente proposta de lei dá assento, pela primeira vez, à política educativa. E fá-lo com um sentido que pressupõe a percepção de que essa política, sendo estratégica para o País, deve estar acima das meras conjunturas políticas.
Estatui-se que a política educativa prossegue os objectivos identificados na Lei de Bases da Educação e que estes são nacionais e permanentes. Daí que a política educativa deva suportar-se na análise prospectiva, para além, como se referiu, de dever ser elaborada e concretizada em termos transparentes e consistentes.
Esta percepção da dimensão estratégica da política educativa está também na origem da opção por trazer a referência normativa ao Conselho Nacional de Educação para o momento mais nobre da lei de bases, o seu primeiro capítulo.

XV

A nova Lei de Bases da Educação faz uma melhor identificação das chamadas modalidades especiais de educação escolar, que agora se deparam perante a rebaptizada "modalidade geral de educação escolar", para evitar a perversa designação de "regular".
Nas modalidades especiais de educação escolar contêm-se agora realidades que se caracterizam sobretudo por traduzirem um objecto especial ou por implicarem a necessidade de estruturações especiais do modelo de organização de ensino.
Está no primeiro caso a educação especial, agora melhor caracterizada, e o ensino artístico especializado. Este depara-se-nos pela primeira vez com autonomia verdadeira, a revelar a importância e o papel específico que lhe devem ser reconhecidos no âmbito do sistema educativo, naquilo que é uma opção política por uma lógica de qualificação diferenciada e integral da educação.
O ensino artístico especializado destina-se às pessoas com aptidões específicas que pretendem desenvolver e aprofundar linguagens artísticas, nomeadamente nas áreas das belas artes, das artes do espectáculo, do audiovisual e multimédia, do design e das artes aplicadas.
Estão no segundo caso, por implicarem organizações especiais, o ensino português no estrangeiro, o ensino recorrente e, agora pela primeira vez, o ensino de indivíduos privados de liberdade. Os dois primeiros apresentam-se-nos agora melhor enquadrados e o terceiro constitui uma referência de sentido civilizacional que não podia mais ser esquecida.
O ensino de indivíduos privados de liberdade destina-se a permitir a prossecução ou o completamento de estudos, quer a imputáveis sujeitos ao cumprimento de penas e medidas privativas de liberdade quer a menores e a jovens de idade inferior a 21 anos sujeitos ao cumprimento, em instituição, de medidas e decisões aplicadas no âmbito de processo tutelar educativo.
Surge-nos, ainda, como modalidade especial de educação escolar a educação a distância, no que é uma correcção da designação anterior de "ensino à distância", quer como complemento quer como alternativa à modalidade de educação presencial.

XVI

Quanto à matéria da organização do sistema educativo, importa realçar algumas outras opções, as mais determinantes, da proposta de lei, para além do que atrás já se referiu. São elas:

a) A progressiva integração dos serviços de creche com a educação pré-escolar, naquilo que forma a educação infantil, com a estatuição de que o Estado promova, apesar da sua não obrigatoriedade, a frequência da educação pré-escolar, sobretudo relativamente às crianças de cinco anos;
b) Uma melhoria, em rigor e em extensão, na identificação e sistematização dos objectivos da educação escolar, incluindo as suas modalidades especiais;
c) Uma melhor caracterização da educação extra-escolar, definindo bem as fronteiras entre ela e toda a educação escolar, por um lado, e a formação profissional, por outro, bem como as relações funcionais que entre estes três momentos se estabelecem;
d) Uma melhor consideração, no seio da educação extra-escolar, do audiovisual, pela previsão de que a política educativa atenda à dimensão formativa dos programas de televisão e de rádio e de que o serviço público de televisão e rádio assegure a existência de programação formativa, plural e diversificada;
e) A consagração, num momento sistemático autónomo da proposta de lei, da formação profissional, a par da educação escolar e das suas modalidades especiais e da educação extra-escolar, com uma muito melhor caracterização da sua natureza e objectivos, em termos articulados, como já atrás se disse, com a formação vocacional da educação escolar;

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f) A previsão da aprovação pelo Governo de programas de desenvolvimento de formação profissional e do estabelecimento do sistema nacional de formação profissional;
g) Um novo posicionamento sistemático, com melhoria de conteúdos, da matéria do planeamento curricular, da qual faz agora parte a identificação da abrangência da formação vocacional.

XVII

No capítulo da administração do sistema educativo há avanços muito significativos, sobretudo pela melhor identificação, caracterização e articulação recíproca dos seus vários níveis: central, desconcentrado, descentralizado e autónomo das escolas.
Em particular, é de referir uma mais exaustiva visão das funções estratégicas dos departamentos governamentais responsáveis pelas políticas educativas, assim contribuindo, em termos que aliás estão já a ser concretizados na reestruturação orgânica do Ministério da Educação, para orientar a administração educativa para as funções de enquadramento do funcionamento do sistema educativo, em cada um dos seus níveis, e para um melhor desenho de competências e dos processos de decisão.
Mantém-se, naturalmente, o princípio de que na administração e gestão das escolas devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa. No entanto, opta-se por uma formulação mais rigorosa, nos termos seguintes: "Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino a eficiência e eficácia na utilização e organização dos recursos, humanos, materiais e financeiros, orienta-se directamente por critérios de qualidade pedagógica e científica".
Especial referência merece a atenção que foi dedicada aos órgãos executivos das escolas, pela percepção de que neles reside o papel essencial de modernização e qualificação do sistema educativo. Trata-se, pois, de área onde é vital obter acréscimos de competências, de especialização, de transparência, de independência perante os vários interesses que se manifestam nas escolas e de responsabilidade.
Daí que se tenha previsto que a direcção executiva de cada agrupamento de escolas ou de cada estabelecimento não agrupado, dos ensinos básico e secundário, seja assegurada, nos termos da lei, por órgãos próprios, singulares ou colegiais, plenamente responsáveis, cujos titulares são escolhidos mediante um processo público que releve o mérito curricular e do projecto educativo apresentado e detenham a formação adequada ao desempenho do cargo. Trata-se, como se vê, de matéria a ser desenvolvida por diploma normativo posterior, que o Governo está já a preparar, integrando as matérias da autonomia, gestão e financiamento das escolas.

XVIII

O Capítulo VI da proposta de lei tem por objecto os recursos humanos da educação. Nele se aperfeiçoa o tratamento das funções de educação e de ensino e dos princípios sobre a formação de educadores e professores.
Prevê-se a necessidade de posterior regulamentação do regime da formação de educadores e professores, já também em preparação, definindo, nomeadamente, os requisitos dos cursos de formação inicial de professores, os perfis de competência e de formação, bem como algo da maior relevância e inovador: as características de um período de indução e respectiva avaliação, para ingresso na carreira docente.
Essa regulamentação abrangerá também os padrões de qualidade e o processo de acreditação e de certificação externa da formação e das qualificações profissionais, bem como as qualificações para o exercício de outras funções educativas, matéria onde se identificaram melhor, mesmo que a título exemplificativo, essas funções: educação especial, administração escolar ou educacional, organização e desenvolvimento curricular, supervisão pedagógica e formação de formadores.
Quanto à formação inicial, merece aqui referência a previsão de que os professores do ensino secundário, do novo ensino secundário, entenda-se, devam obter a sua qualificação para a docência através de licenciaturas obtidas no ensino universitário. Relembre-se que estava previsto, embora sem concretização efectiva, que os professores do actual terceiro ciclo do ensino básico pudessem obter a sua qualificação para a docência através de cursos de formação inicial das escolas superiores de educação. O modelo para que se aponta assenta num princípio de qualificação do sistema educativo e, naturalmente, na previsão de um ensino secundário de seis anos.
Assume-se o princípio da necessidade da relevância da formação contínua, com o objectivo de melhor orientar essa formação pelas competências efectivamente úteis ao exercício de funções docentes. Estatui-se que a formação contínua não dispensa o dever permanente e continuado de auto-informação e de auto-aprendizagem.

XIX

Do Capítulo VII, relativo aos recursos materiais e financeiros, constam matérias da maior importância sobre a rede de ofertas educativas, a que já anteriormente se fez referência. Por isso, cabe agora assinalar apenas os seguintes momentos inovadores da proposta de lei:

a) Identificação do ordenamento da rede de ofertas educativas como um dos objectivos permanentes da política educativa e da adequação desta ao território;
b) Princípio da aprovação anual pelo Governo da rede educativa;
c) Previsão da adequação da tipologia dos edifícios escolares à organização dos ciclos do ensino básico e do ensino secundário;
d) Princípio da adequação da estrutura do orçamento da educação aos objectivos da política educativa, privilegiando-se a elaboração do orçamento por programas.

XX

Das disposições finais e transitórias da Lei de Bases da Educação importa relevar aqui a previsão de que, no desenvolvimento dessas bases normativas, o Governo seja acompanhado pelo Conselho Nacional de Educação e observe os procedimentos exigidos por lei para concretização dos direitos de negociação colectiva e de participação dos trabalhadores.
É ainda de esclarecer que o regime de 12 anos de escolaridade obrigatória previsto na nova lei de bases se aplique, como já atrás se deixou dito, aos alunos que se inscreverem no primeiro ano do segundo ciclo do ensino básico no ano lectivo de 2005-2006 e aos que o façam nos anos lectivos subsequentes.
O regime de transição da estrutura actual da educação escolar para a que agora se prevê constará dos adequados diplomas normativos, a publicar em tempo útil pelo Governo, também com acompanhamento do Conselho Nacional de Educação. A transição referida não poderá prejudicar

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os direitos adquiridos por professores, alunos e pessoal não docente das escolas.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei, para ser aprovada e valer como lei geral da República:

Bases da educação

Capítulo I
Âmbito, princípios e objectivos fundamentais

Artigo 1.º
Educação

1 - A educação concretiza liberdades e direitos pessoais fundamentais, nos termos da Constituição da República.
2 - A sociedade portuguesa assegura, em permanência, a disponibilidade de docentes com formação qualificada, bem como de escolas e demais recursos humanos, materiais, financeiros e de organização, garantes de uma educação de qualidade.
3 - A presente lei estabelece os princípios gerais e as bases do desenvolvimento da educação em Portugal.

Artigo 2.º
Princípios gerais

1 - Todos os cidadãos portugueses e todos aqueles que residam ou se encontrem em Portugal são titulares das liberdades e direitos pessoais fundamentais de educação, nos termos da Constituição da República e da lei.
2 - O direito e o dever de educação exprimem-se, nos termos da presente lei, por uma efectiva acção formativa ao longo da vida, destinada a, no respeito pela dignidade humana, promover o desenvolvimento da personalidade e a valorização individual assente no mérito, a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, bem como o progresso social, com vista à consolidação de uma vivência colectiva livre, responsável e democrática.
3 - A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros, das suas personalidades, ideias e projectos individuais de vida, aberto à livre troca de opiniões e à concertação, formando cidadãos capazes de julgarem, com espírito crítico e criativo, a sociedade em que se integram e de se empenharem activamente no seu desenvolvimento, em termos mais justos e sustentáveis.

Artigo 3.º
Sistema educativo

1 - O sistema educativo organiza-se e funciona nos termos da presente lei e demais legislação de desenvolvimento.
2 - O sistema educativo é o conjunto organizado de meios, de natureza formal, não formal ou informal, pelo qual se expressam as liberdades, os direitos e os deveres pessoais fundamentais de educação e se concretiza o direito à educação.
3 - O sistema educativo tem por âmbito geográfico todo o território português, devendo ainda abranger, com a adequada flexibilidade e diversidade, as comunidades portuguesas que vivem no estrangeiro e os locais onde se verifique um interesse estratégico na promoção da cultura portuguesa, em especial os países de língua oficial portuguesa.

Artigo 4.º
Liberdade de aprender e ensinar

2 - O sistema educativo organiza-se e desenvolve-se no respeito integral pela garantia da liberdade de aprender e ensinar, nos termos da Constituição da República.
2 - O sistema educativo organiza-se e desenvolve-se por intermédio de estruturas e acções diversificadas, da iniciativa e responsabilidade pública, particular e cooperativa, que entre si cooperam na manutenção de uma rede equilibrada e actualizada de ofertas educativas, capaz de proporcionar os conhecimentos, as aptidões e os valores necessários à plena realização individual na sociedade contemporânea e à concretização das opções estratégicas de desenvolvimento para Portugal.
3 - O Estado reconhece o valor do ensino particular e cooperativo, como uma expressão concreta da liberdade de aprender e ensinar.
4 - O ensino particular e cooperativo organiza-se e funciona nos termos de estatuto próprio, apoiando-o o Estado, nas vertentes pedagógica, técnica e financeira, e tendo o direito e o dever de avaliar e fiscalizar o seu funcionamento e a aplicação dos financiamentos concedidos.

Artigo 5.º
Objectivos fundamentais do sistema educativo

O sistema educativo organiza-se de forma a prosseguir, em especial, os seguintes objectivos fundamentais:

a) Contribuir para a realização pessoal e comunitária do indivíduo, através do desenvolvimento da sua personalidade e da formação do seu carácter, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos, proporcionando-lhe um desenvolvimento físico equilibrado;
b) Assegurar a formação, em termos culturais, cívicos, morais e vocacionais das crianças e jovens, preparando-os para a reflexão crítica, para o sistema de ocupações socialmente úteis e para a prática e aprendizagem da utilização criativa dos seus tempos livres;
c) Contribuir para a defesa da identidade e da independência nacionais e para o reforço da identificação com a matriz histórica de Portugal, através da consciencialização relativamente ao património cultural do povo português, no espírito da tradição humanista e universalista europeia, da crescente interdependência e solidariedade entre os povos e do dever de consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas;
d) Desenvolver em cada indivíduo a capacidade para o trabalho e proporcionar-lhe, com base numa sólida formação geral, uma formação específica que lhe permita, com competências na área da sociedade do conhecimento e com iniciativa, ocupar um justo lugar na vida activa, prestando o seu contributo para o progresso da sociedade, em consonância com os seus interesses, capacidades e vocação;
e) Descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas, de modo a proporcionar

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uma correcta adaptação às realidades locais, um elevado sentido de participação das populações, uma adequada inserção no meio comunitário e níveis de decisão eficientes;
f) Contribuir para a correcção das assimetrias regionais e locais, devendo concretizar, de forma equilibrada, em todo o território nacional a igualdade no acesso aos benefícios da educação, da cultura e da ciência;
g) Assegurar o serviço público de educação e de ensino, através de uma rede de ofertas da Administração Central, das autarquias locais, bem como de entidades particulares e cooperativas, que cubra as necessidades de toda a população;
h) Assegurar a organização e funcionamento das escolas, públicas, particulares e cooperativas, de forma a promover o desenvolvimento de projectos educativos próprios, no respeito pelas orientações curriculares de âmbito nacional, e padrões crescentes de autonomia de funcionamento, mediante a responsabilização pela prossecução de objectivos pedagógicos e administrativos, com sujeição à avaliação pública dos resultados e mediante um financiamento público assente em critérios objectivos, transparentes e justos que incentivem as boas práticas de funcionamento;
i) Assegurar a liberdade dos pais e dos jovens de escolherem as escolas a frequentar pelos seus filhos e por si próprios;
j) Contribuir para o desenvolvimento do espírito e prática democráticos, adoptando processos participativos na definição da política educativa e modelos de administração e gestão das escolas que assegurem a participação e a responsabilização adequadas da administração central e local, das entidades titulares dos estabelecimentos de educação e de ensino, dos professores, dos alunos, dos pais e das comunidades locais, com vista particularmente à promoção dos resultados das aprendizagens;
l) Assegurar uma escolaridade de segunda oportunidade aos que dela não usufruíram na idade própria, aos que procuram o sistema de ensino por razões de valorização profissional ou cultural, devidas, nomeadamente, a necessidades de reconversão ou aperfeiçoamento, decorrentes da evolução dos conhecimentos científicos e tecnológicos.

Artigo 6.º
Política educativa

1 - A política educativa prossegue, nos termos da presente lei, objectivos nacionais permanentes, pressupondo uma elaboração e uma concretização transparentes e consistentes.
2 - A política educativa organiza o sistema de educação e de ensino para que este responda às necessidades sentidas, em cada momento, pela sociedade portuguesa, suportando-se na análise prospectiva e contribuindo, em permanência, para o desenvolvimento global, pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos, participativos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho.
3 - A política educativa é da responsabilidade do Governo, no respeito pela Constituição da República e da presente lei.
4 - A concretização da política educativa implica a plena participação das comunidades locais, devendo valorizar o princípio da subsidiariedade, pela descentralização de competências nas autarquias locais, e a autonomia das escolas.
5 - A eficiência da política educativa e a prossecução dos seus objectivos é sujeita a avaliação permanente, continuada e pública, nos termos da presente lei e demais legislação de desenvolvimento.

Artigo 7.º
Conselho Nacional de Educação

O Conselho Nacional de Educação desempenha, nos termos da lei, funções consultivas relativamente à política educativa e contribui, pela participação nele das várias forças sociais, culturais e económicas, para a existência de consensos alargados relativamente à mesma política.

Capítulo II
Organização do sistema educativo

Artigo 8.º
Organização geral do sistema educativo

1 - O sistema educativo compreende, nos termos da lei, a educação pré-escolar, a educação escolar, a educação extra-escolar e a formação profissional, organizando-se para a educação ao longo da vida.
2 - A educação pré-escolar, na sua componente formativa, é complementar ou supletiva da acção educativa dos pais, desenvolvendo-se em estreita cooperação com eles.
3 - A educação pré-escolar deve articular-se, progressivamente, com os serviços de creche, num modelo coerente e sequencial de educação infantil.
4 - A educação escolar compreende o ensino básico, o ensino secundário e o ensino superior, integra modalidades especiais e inclui actividades de ocupação de tempos livres.
5 - O ensino básico e o ensino secundário da educação escolar são obrigatórios e têm, em conjunto, a duração de 12 anos.
6 - A educação extra-escolar engloba actividades de alfabetização e de educação de base, bem como de aperfeiçoamento e actualização cultural e científica, realizando-se num quadro aberto de iniciativas múltiplas, diversificadas e complementares.
7 - A formação profissional prossegue acções destinadas à integração ou ao desenvolvimento profissional dinâmico, pela aquisição ou aprofundamento de conhecimentos e de competências necessários ao desempenho profissional específico.

Secção I
Educação pré-escolar

Artigo 9.º
Objectivos e destinatários da educação pré-escolar

1 - São objectivos da educação pré-escolar, em relação a cada criança:

a) Estimular as capacidades e favorecer a formação e o desenvolvimento equilibrado de todas as potencialidades;

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b) Contribuir para a estabilidade e a segurança afectivas;
c) Favorecer a observação e a compreensão do meio natural e humano, de modo a promover uma correcta integração e participação;
d) Desenvolver a formação moral e o sentido de liberdade e de responsabilidade;
e) Fomentar a integração em grupos sociais diversos, complementares da família, de modo a promover o desenvolvimento da sociabilidade;
f) Desenvolver as capacidades de expressão e comunicação e estimular a imaginação criativa e a actividade lúdica;
g) Incutir hábitos de higiene e de defesa da saúde pessoal e colectiva;
h) Proceder à despistagem de inadaptações, deficiências ou precocidades, promovendo a melhor orientação e encaminhamento.

2 - A prossecução dos objectivos enunciados no número anterior faz-se de acordo com conteúdos, métodos e técnicas apropriados, tendo em conta a necessidade de articulação estreita com o meio familiar e com a acção educativa dos pais.
3 - A educação pré-escolar destina-se às crianças com idades compreendidas entre os três anos e a idade de ingresso no ensino básico.
4 - A frequência da educação pré-escolar é facultativa, no reconhecimento de que cabe aos pais um papel essencial no processo da educação infantil, sem prejuízo do Estado promover essa frequência, prioritariamente das crianças de cinco anos de idade.

Artigo 10.º
Organização da educação pré-escolar

1 - Incumbe ao Estado assegurar a existência de uma rede de serviço público de educação pré-escolar.
2 - A rede de educação pré-escolar é constituída por jardins-de-infância das autarquias locais e de outras entidades particulares ou cooperativas, colectivas ou individuais, nomeadamente instituições particulares de solidariedade social, associações de pais, associações de moradores, organizações cívicas ou confessionais e associações sindicais ou de empregadores.
3 - O Estado deve apoiar as instituições de educação pré-escolar integradas na rede de serviço público com meios humanos e financeiros, nos termos da lei e dos acordos estabelecidos.
4 - Compete ao Governo, através do Ministério responsável pela política educativa que abranja a educação pré-escolar, definir as normas gerais desta, nomeadamente quanto ao seu funcionamento e aos seus conteúdos educativos, apoiando, avaliando, inspeccionando e fiscalizando a sua execução.

Secção II
Educação escolar

Subsecção I
Ensino básico

Artigo 11.º
Destinatários e gratuitidade do ensino básico

1 - O ensino básico é universal, obrigatório e gratuito e tem a duração de seis anos.
2 - Ingressam no ensino básico as crianças que completem seis anos de idade até 15 de Setembro.
3 - As crianças que completem os seis anos de idade entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro podem ingressar no ensino básico, se tal for requerido pelo encarregado de educação e houver disponibilidade de vagas.
4 - A obrigatoriedade de frequência do ensino básico termina no final do ano lectivo em que o aluno completa 15 anos de idade.
5 - Os jovens que não pretendam concluir o ensino básico após a idade referida no número anterior, são obrigatoriamente encaminhados para as adequadas acções de formação vocacional, que desenvolvem programas especiais para os jovens dos 15 aos 18 anos, em articulação com o sistema de formação profissional.
6 - A gratuitidade no ensino básico abrange propinas, taxas e emolumentos relacionados com a matrícula, frequência e certificação.
7 - Os alunos podem dispor gratuitamente, nos termos da lei, do uso de livros e material escolar, bem como de transporte, alimentação e alojamento, quando necessários.

Artigo 12.º
Objectivos do ensino básico

1 - São objectivos do ensino básico:

a) Assegurar a formação integral de todas as crianças e jovens, através do desenvolvimento de competências do ser, do saber, do pensar, do fazer, do aprender a viver juntos;
b) Assegurar uma formação geral de base comum a todos os portugueses, que lhes garanta a descoberta e o desenvolvimento dos seus interesses e aptidões, da capacidade de raciocínio, da memória e do espírito crítico, da criatividade, do sentido moral e da sensibilidade estética, promovendo a realização individual, em harmonia com os valores da solidariedade social, e inter-relacionando, de forma equilibrada, o saber e o saber fazer, a teoria e a prática, a cultura escolar e a cultura do quotidiano;
c) Proporcionar a aquisição e o desenvolvimento das competências e dos conhecimentos de base, que permitam o prosseguimento dos estudos;
d) Proporcionar o domínio da língua portuguesa;
e) Proporcionar a aprendizagem de uma primeira língua estrangeira;
f) Proporcionar o desenvolvimento físico e motor;
g) Promover as actividades manuais e a educação artística, de modo a sensibilizar para as diversas formas de expressão estética e a detectar e estimular aptidões nestes domínios;
h) Promover a aquisição e o desenvolvimento de métodos, instrumentos e hábitos de trabalho, individual e em grupo, e valorizar a dimensão humana do trabalho;
i) Desenvolver o conhecimento e o apreço pelos valores característicos da identidade, língua, história e cultura portuguesas, numa perspectiva de humanismo universalista e de solidariedade e cooperação entre os povos;
j) Proporcionar experiências que favoreçam a maturidade cívica e sócio-afectiva, promovendo a criação de atitudes e de hábitos tendentes à relação

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e à cooperação, bem como à intervenção autónoma, consciente e responsável, nos planos familiar, comunitário e ambiental, visando a formação para uma cidadania plena e democrática;
l) Proporcionar, em liberdade de consciência, a aquisição de noções de educação cívica e moral.

2 - O ensino básico deve ser organizado de modo a promover o sucesso escolar e educativo de todos os alunos, a conclusão, por cada um deles, de uma escolaridade efectiva de 12 anos e a fomentar neles o interesse por uma constante actualização de conhecimentos, valorizando um processo de informação e orientação educacionais em colaboração com os pais.

Artigo 13.º
Organização do ensino básico

1 - O ensino básico compreende dois ciclos, sendo o primeiro de quatro anos e o segundo de dois anos, nos termos curriculares seguintes:

a) No primeiro ciclo o ensino é globalizante e da responsabilidade de um professor único, sem prejuízo da coadjuvação deste em áreas especializadas;
b) No segundo ciclo o ensino organiza-se por áreas disciplinares de formação de base, podendo conter áreas não disciplinares, destinadas à articulação de saberes, ao desenvolvimento de métodos de trabalho e de estudo e à obtenção de formações complementares, e desenvolve-se, predominantemente, em regime de um professor por área.

2 - A articulação entre os dois ciclos do ensino básico obedece a uma sequencialidade progressiva, competindo ao segundo ciclo completar, aprofundar e alargar a formação e as aprendizagens do primeiro ciclo, assumindo a unidade global do ensino básico.
3 - Os objectivos específicos de cada ciclo do ensino básico integram-se, nos termos dos números anteriores, nos objectivos globais do mesmo, de acordo com o desenvolvimento etário correspondente a cada ciclo e tendo em consideração as seguintes orientações:

a) Para o primeiro ciclo, o desenvolvimento da linguagem oral e a iniciação e progressivo domínio da leitura e da escrita, das noções essenciais da aritmética e do cálculo, do meio físico e social e das expressões plástica, dramática, musical e motora;
b) Para o segundo ciclo, a formação humanista, artística, física e desportiva, científica e tecnológica e a educação moral e cívica, visando habilitar o aluno a assimilar e interpretar, crítica e criativamente, a informação, assegurando a aquisição de métodos e instrumentos de trabalho e de conhecimento que lhe permitam o prosseguimento da sua formação e o desenvolvimento de atitudes activas e conscientes perante a comunidade e os seus problemas e desafios mais relevantes.

4 - Em escolas especializadas do ensino básico podem, sempre sem prejuízo da formação de base, ser reforçadas as componentes de ensino artístico ou de educação física e desportiva.
5 - A conclusão com aproveitamento do ensino básico confere o direito a um diploma, devendo igualmente ser certificado, quando solicitado, o aproveitamento obtido em qualquer ano ou ciclo.
6 - Compete ao Governo, através do Ministério responsável pela política educativa que abranja o ensino básico, definir as normas gerais deste, nomeadamente quanto ao seu funcionamento e aos seus conteúdos educativos, apoiando, avaliando, inspeccionando e fiscalizando a sua execução.

Subsecção II
Ensino secundário

Artigo 14.º
Destinatários e gratuitidade do ensino secundário

1 - O ensino secundário é universal, obrigatório e gratuito e tem a duração de seis anos.
2 - Ingressam no ensino secundário todos os alunos que completarem, com aproveitamento, o ensino básico, devendo esse ingresso ocorrer no ano lectivo imediatamente posterior ao completamento do ensino básico.
3 - A obrigatoriedade de frequência do ensino secundário termina no final do ano lectivo em que o aluno completa 18 anos de idade.
4 - Os jovens que, até completarem 21 anos de idade, não pretendam concluir o ensino secundário após os 18 anos devem ser encaminhados para as adequadas acções de formação vocacional ou profissional.
5 - A gratuitidade no ensino secundário abrange propinas, taxas e emolumentos relacionados com a matrícula, frequência e certificação.
6 - Os alunos podem dispor gratuitamente, nos termos da lei, do uso de livros e material escolar, bem como de transporte, alimentação e alojamento, quando necessários.

Artigo 15.º
Objectivos do ensino secundário

Ao ensino secundário compete dar sequência e aprofundar os objectivos do ensino básico, concretizando a unidade e a coerência dos doze anos de escolaridade obrigatória, completando e desenvolvendo a formação e as aprendizagens adquiridas no ensino básico, mediante a prossecução dos objectivos seguintes:

a) Assegurar o aprofundamento das competências e dos conteúdos fundamentais de uma formação e de uma cultura humanista, artística, científica e técnica, em termos de se constituírem em suporte cognitivo e metodológico apropriado para o prosseguimento de estudos ou para a inserção na vida activa;
b) Assegurar o desenvolvimento do raciocínio, da reflexão e da curiosidade científica;
c) Desenvolver as competências necessárias à compreensão das manifestações culturais e estéticas e possibilitar o aperfeiçoamento da expressão artística;
d) Fomentar a aquisição e aplicação de um saber cada vez mais aprofundado, assente na leitura, no estudo, na reflexão crítica, na observação e na experimentação;
e) Formar, a partir da realidade concreta da vida regional e nacional, e no apreço pelos valores permanentes da sociedade, em geral, e da cultura

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portuguesa, em particular, pessoas activamente empenhadas na concretização das opções estratégicas de desenvolvimento de Portugal e sensibilizadas, criticamente, para a realidade da comunidade internacional;
f) Assegurar a orientação e formação vocacional, através da preparação técnica e tecnológica adequada ao ingresso no mundo do trabalho;
g) Facultar contactos e experiências com o mundo do trabalho, fortalecendo os mecanismos de aproximação entre a escola, a vida activa e a comunidade e dinamizando a função inovadora e actuante da escola e a sua autonomia;
h) Assegurar a existência de hábitos de trabalho, individual e em grupo, e fomentar o desenvolvimento de atitudes de reflexão metódica, de abertura de espírito, de sensibilidade e de disponibilidade e adaptação à mudança.

Artigo 16.º
Organização do ensino secundário

1 - O ensino secundário compreende dois ciclos, cada um deles de três anos, nos termos curriculares seguintes:

a) No primeiro ciclo o ensino organiza-se segundo um plano curricular unificado, que integre coerentemente áreas vocacionais diversificadas, podendo conter áreas não disciplinares, destinadas à articulação de saberes, ao desenvolvimento de métodos de trabalho e de estudo e à obtenção de formações complementares, e desenvolve-se predominantemente em regime de um professor por grupo de disciplinas;
b) No segundo ciclo o ensino organiza-se por disciplinas, podendo conter áreas não disciplinares, destinadas à articulação de saberes, ao desenvolvimento de métodos de trabalho e de estudo e à obtenção de formações complementares, e desenvolve-se predominantemente em regime de um professor por disciplina.

2 - A articulação entre os dois ciclos do ensino secundário obedece a uma sequencialidade progressiva, competindo ao segundo ciclo completar, aprofundar, alargar e especializar a formação, as aprendizagens e as competências do primeiro ciclo, assumindo a unidade funcional global do ensino secundário.
3 - Os objectivos específicos de cada ciclo do ensino secundário integram-se, nos termos dos números anteriores, nos objectivos globais do mesmo, de acordo com o desenvolvimento etário correspondente a cada ciclo e o contributo teleológico de cada um deles para aqueles objectivos globais, nos termos das seguintes orientações:

a) Para o primeiro ciclo, a aquisição sistemática e diferenciada da cultura moderna, nas suas dimensões, teórica e prática, humanista, literária, científica e tecnológica, artística, física e desportiva, necessária ao prosseguimento de estudos ou à inserção na vida activa, bem como a orientação vocacional, escolar e profissional, que proporcione opções conscientes de formação subsequente e respectivos conteúdos, sem prejuízo da permeabilidade da mesma, com vista ao prosseguimento de estudos superiores ou à inserção na vida activa, no respeito pela realização autónoma da pessoa humana;
b) Para o segundo ciclo, o completamento da aquisição sistemática e diferenciada da cultura moderna, nas suas dimensões, teórica e prática, humanista, literária, científica e tecnológica, artística, física e desportiva, necessária ao prosseguimento de estudos superiores ou à inserção na vida activa.

4 - De acordo com a sua dimensão vocacional de orientação para o prosseguimento de estudos ou para a inserção na vida activa, o ensino secundário, em especial o seu segundo ciclo, organiza-se segundo formas diferenciadas, contemplando a existência de:

a) Cursos gerais, de natureza humanística e científica, predominantemente orientados para o prosseguimento de estudos;
b) Cursos de formação vocacional, de natureza técnica e tecnológica ou profissionalizante ou de natureza artística, predominantemente orientados para a inserção na vida activa.

5 - Deve garantir-se a permeabilidade adequada entre os cursos gerais e os cursos de formação vocacional, referidos no número anterior.
6 - A formação vocacional, especialmente a de natureza profissionalizante, pode estruturar-se por módulos de duração variável e combináveis entre si, com vista à obtenção de níveis de competências sucessivamente mais elevados.
7 - Podem ser criadas escolas especializadas, destinadas ao ensino e prática de cursos de natureza técnica e tecnológica ou profissionalizante ou de natureza artística.
8 - A conclusão com aproveitamento do ensino secundário confere o direito a um diploma, que certifica a formação adquirida, devendo igualmente ser certificado, quando solicitado, o aproveitamento obtido em qualquer ano ou ciclo, sendo que, nos casos dos cursos predominantemente orientados para a inserção na vida activa, a certificação incide sobre a qualificação obtida para efeitos do exercício de uma profissão ou grupo de profissões.
9 - Compete ao Governo, através do Ministério responsável pela política educativa que abranja o ensino secundário, definir as normas gerais deste, nomeadamente quanto ao seu funcionamento e aos seus conteúdos educativos, apoiando, avaliando, inspeccionando e fiscalizando a sua execução.

Subsecção III
Ensino superior

Artigo 17.º
Âmbito e objectivos

1 - O ensino superior compreende o ensino universitário e o ensino politécnico.
2 - São objectivos do ensino superior:

a) Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;
b) Formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em sectores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade portuguesa, e colaborar na sua formação contínua;

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c) Incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, das humanidades e das artes e a criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o conhecimento e a compreensão do Homem e do meio em que se integra;
d) Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos, que constituem património da humanidade, e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
e) Suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração, na lógica de educação ao longo da vida e de investimento geracional e intergeracional, visando realizar a unidade do processo formativo, que inclui o apreender, o aprender e o empreender;
f) Estimular o conhecimento dos problemas do mundo de hoje, num horizonte de globalidade, em particular os nacionais, regionais e europeus, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
g) Continuar a formação cultural e profissional dos cidadãos, pela promoção de formas adequadas de extensão cultural;
h) Promover e valorizar a língua e a cultura portuguesas;
i) Promover o espírito crítico e a liberdade de expressão e de investigação.

3 - O ensino universitário, orientado por uma constante perspectiva de investigação e criação do saber, visa proporcionar uma ampla preparação científica de base, sobre a qual vai assentar uma sólida formação técnica e cultural, tendo em vista garantir elevada autonomia individual na relação com o conhecimento, incluindo a possibilidade da sua aplicação, designadamente para efeitos de inserção profissional.
4 - O ensino politécnico, dirigido por uma constante perspectiva de compreensão e solução de problemas concretos, visa proporcionar uma preparação científica orientada, sobre a qual vai assentar uma sólida formação técnica e cultural, tendo em vista garantir relevante autonomia na relação com o conhecimento aplicado ao exercício de actividades profissionais e participação activa em acções de desenvolvimento.

Artigo 18.º
Acesso

1 - Têm acesso ao ensino superior os indivíduos habilitados com o curso do ensino secundário ou equivalente, que façam prova de capacidade para a sua frequência.
2 - Têm igualmente acesso ao ensino superior os indivíduos maiores de 25 anos de idade que, não estando habilitados com um curso do ensino secundário ou equivalente, e não sendo titulares de um curso do ensino superior, façam prova, especialmente adequada, da capacidade para a sua frequência.
3 - O processo de avaliação da capacidade para a frequência, bem como o de selecção e seriação dos candidatos ao acesso e ingresso em cada curso e estabelecimento de ensino superior, é, nos termos da lei, da competência dos próprios estabelecimentos, os quais devem associar-se para este efeito, de modo a que os estudantes possam concorrer a instituições diferentes.
4 - Cada estabelecimento de ensino superior poderá fixar limitações quantitativas ao ingresso, nos termos da lei.
5 - O Governo pode estabelecer restrições quantitativas de carácter global no acesso ao ensino superior (numerus clausus), por motivos de interesse público, de garantia da qualidade do ensino ou em cumprimento de directivas comunitárias ou compromissos internacionais do Estado português, tanto em relação aos estabelecimentos de ensino superior públicos, como aos particulares e cooperativos.
6 - O Estado deve criar as condições que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentarem o ensino superior, de forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou de desvantagens sociais prévias.

Artigo 19.º
Graus académicos e diplomas

1 - O ensino superior compreende três ciclos de estudos:

a) No primeiro ciclo de estudos é conferido o grau de licenciado;
b) No segundo ciclo de estudos é conferido o grau de mestre;
c) No terceiro ciclo de estudos é conferido o grau de doutor.

2 - O funcionamento de cursos conferentes de grau carece de registo, nos termos da lei.
3 - São requisitos para o registo de cursos conferentes de grau, em geral, o projecto educativo, científico e cultural do estabelecimento de ensino, a existência de um corpo docente adequado em número e em qualificação à natureza do curso e grau, bem como a dignidade das instalações e recursos materiais, nomeadamente quanto a espaços lectivos, equipamentos, bibliotecas e laboratórios.
4 - São requisitos específicos para o registo de cursos do segundo ciclo de estudos superiores, a autonomia de uma unidade orgânica cuja vocação científica integre o ramo do conhecimento científico do curso e a existência de docentes e investigadores doutorados.
5 - O grau de doutor só pode ser conferido por estabelecimentos de ensino universitário, desde que estes respeitem, para além dos requisitos referidos nos n.os 3 e 4, o requisito específico da existência de unidades de investigação acreditadas ou a realização de actividades de investigação de qualidade reconhecida, de acordo com critérios de avaliação de padrão internacional, nomeadamente a publicação em revistas científicas de prestígio.
6 - O Governo regula, através de decreto-lei, ouvidos os estabelecimentos de ensino superior, as condições de atribuição dos graus académicos, de forma a garantir o nível científico da formação adquirida, a comparabilidade das formações e a mobilidade dos estudantes.
7 - Os estabelecimentos de ensino superior podem realizar cursos não conferentes de grau académico, cuja conclusão com aproveitamento conduza à atribuição de um diploma.

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8 - Os cursos conferentes de grau são organizados pelo regime de unidades de crédito, podendo as instituições de ensino superior reconhecer e creditar qualificações não formais.

Artigo 20.º
Primeiro ciclo de estudos

1 - O grau de licenciado comprova um nível superior de conhecimentos numa área científica e capacidade para o exercício de uma actividade profissional qualificada, sem prejuízo da competência de outras entidades para, nos termos da lei, comprovarem a existência dos perfis e competências necessárias ao ingresso na profissão.
2 - O grau de licenciado é concedido após conclusão de um primeiro ciclo de formação superior, com duração de oito semestres.
3 - Em casos excepcionais, os cursos conducentes ao grau de licenciado podem ter a duração de mais um a quatro semestres.

Artigo 21.º
Segundo ciclo de estudos

1 - O grau de mestre comprova um nível aprofundado de conhecimentos numa área científica específica e capacidade para a prática de investigação ou para o exercício profissional especialmente qualificado.
2 - O grau de mestre é concedido após um segundo ciclo de formação superior, com duração de quatro semestres e integrando uma parte escolar com duração de dois semestres.
3 - O grau de mestre pode ser concedido após um ciclo sequencial de formação superior, com duração total de 10 semestres.
4 - A concessão do grau de mestre pressupõe a elaboração de uma dissertação especialmente escrita para o efeito, a sua discussão e aprovação ou a realização de um projecto profissional ou de investigação e a sua apreciação e aprovação.
5 - No segundo ciclo de estudos são ainda ministrados cursos de especialização numa área científica, cuja conclusão com aproveitamento confere o diploma respectivo.

Artigo 22.º
Terceiro ciclo de estudos

1 - O grau de doutor comprova a realização de uma contribuição inovadora e original para o progresso do conhecimento, um alto nível cultural numa determinada área do conhecimento e a aptidão para realizar trabalho científico independente.
2 - O grau de doutor é concedido após um ciclo de formação superior, com duração mínima de seis semestres.
3 - Os cursos conducentes ao grau de doutor integram uma parte escolar, com a duração máxima de quatro semestres.
4 - No caso em que a parte escolar do curso conducente ao grau de doutor tiver uma duração não inferior a dois semestres, poderá ser concedido um diploma de especialização avançada.
5 - A concessão do grau de doutor pressupõe, ainda, a elaboração de um trabalho original de investigação, a sua discussão e aprovação.

Artigo 23.º
Estabelecimentos de ensino superior

1 - O ensino universitário realiza-se em universidades, institutos universitários e em escolas universitárias não integradas.
2 - O ensino politécnico realiza-se em institutos politécnicos, universidades e em escolas politécnicas não integradas.
3 - As universidades podem ser constituídas por escolas, institutos ou faculdades diferenciados, ou por departamentos ou outras unidades, podendo ainda integrar unidades orgânicas de ensino politécnico.
4 - Os institutos politécnicos podem ser constituídos por escolas superiores, por departamentos ou outras unidades.
5 - Os estabelecimentos de ensino superior podem associar-se em unidades mais amplas, com designações várias, segundo critérios de interesse regional ou de natureza das escolas, salvaguardando a identidade de cada um.
6 - Os estabelecimentos de ensino superior podem associar-se para a organização de cursos e atribuição de graus do ensino superior.
7 - Podem ser constituídos centros de estudos superiores, que colaboram na realização da educação ao longo da vida e na valorização dos recursos humanos locais, cabendo aos estabelecimentos de ensino superior a certificação das qualificações atribuídas.
8 - O Governo regula, através de decreto-lei, os requisitos para a criação de estabelecimentos de ensino superior, de forma a garantir o cumprimento dos objectivos do ensino superior, a qualidade do ensino ministrado e da investigação realizada, bem como a relevância social, científica e cultural da instituição.

Artigo 24.º
Investigação científica

1 - O Estado deve assegurar as condições materiais e culturais de criação e investigação científicas, promovendo a avaliação da sua qualidade.
2 - Nos estabelecimentos de ensino superior são criadas as condições para promoção da investigação científica e para a realização de actividades de investigação e desenvolvimento.
3 - A investigação científica no ensino superior deve ter em conta os objectivos predominantes do estabelecimento em que se insere, sem prejuízo da sua perspectivação em função do progresso, do saber e da resolução dos problemas postos pelo desenvolvimento social, económico e cultural do País.
4 - Devem garantir-se as condições de publicação dos trabalhos científicos e facilitar-se a divulgação dos novos conhecimentos e perspectivas do pensamento científico, dos avanços tecnológicos e da criação cultural.
5 - Compete ao Estado incentivar a colaboração entre as entidades públicas, particulares e cooperativas, no sentido de fomentar o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da cultura, tendo particularmente em vista os interesses da colectividade.

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Subsecção IV
Modalidades especiais de educação escolar

Artigo 25.º
Identificação das modalidades especiais de educação escolar

1 - Existem, em complemento da modalidade geral de educação escolar, as seguintes modalidades especiais de educação escolar:

a) A educação especial;
b) O ensino artístico especializado;
c) O ensino português no estrangeiro;
d) O ensino recorrente;
e) O ensino de indivíduos privados de liberdade;
f) A educação a distância.

2 - Cada uma destas modalidades especiais é parte integrante da educação escolar, mas rege-se por disposições próprias.

Artigo 26.º
Educação especial

1 - Os indivíduos com necessidades educativas especiais, de carácter mais ou menos prolongado, decorrentes da interacção entre factores ambientais e limitações próprias acentuadas, nos domínios da audição, da visão, motor, cognitivo, da fala, da linguagem e da comunicação, emocional e da saúde física, têm direito a respostas educativas adequadas.
2 - A educação especial visa a integração educativa e social, a autonomia, em todos os níveis em que possa ocorrer, e a estabilidade emocional dos educandos, bem como a promoção da igualdade de oportunidades e a preparação para uma adequada formação profissionalizante e integração na vida activa.
3 - A educação especial centra-se nos educandos, procurando, em todos os momentos e desde um estádio o mais precoce possível, reduzir as limitações resultantes da deficiência e desenvolver e optimizar todas as suas capacidades e todo o seu potencial e, com esse objectivo, integra actividades dirigidas aos educandos e acções destinadas a adequar os ambientes familiar e comunitário.
4 - A educação especial organiza-se segundo modelos diversificados de integração em ambientes inclusivos, quer nas escolas da modalidade geral de educação escolar, nas turmas ou grupos ou em unidades especializadas, quer em estabelecimentos de educação especial, de acordo com as necessidades do educando, decorrentes do tipo e grau da sua deficiência, de forma a, evitando situações de exclusão, promover a sua inserção educativa e social.
5 - A educação especial deve ser prestada, sempre que necessário, por docentes e outros técnicos especializados e pode pressupor a existência de currículos e programas e formas de avaliação adaptados às características de cada tipo e grau de deficiência.
6 - Incumbe ao Estado promover e apoiar a educação especial, pertencendo as iniciativas de educação especial à administração central, às regiões autónomas, às autarquias locais e a outras entidades particulares ou cooperativas, colectivas ou individuais, nomeadamente instituições particulares de solidariedade social, associações de pais, associações de moradores, organizações cívicas ou confessionais e associações sindicais ou de empregadores.
7 - Compete ao Governo, através dos ministérios responsáveis pela política educativa, definir as normas gerais da educação especial, nomeadamente quanto ao seu funcionamento e aos seus aspectos pedagógicos e técnicos, apoiando, avaliando, inspeccionando e fiscalizando a sua execução.

Artigo 27.º
Ensino artístico especializado

1 - O ensino artístico especializado destina-se a pessoas com aptidões específicas para as artes, que pretendam desenvolver e aprofundar linguagens artísticas, nomeadamente nas áreas das belas artes, das artes do espectáculo, do audiovisual e multimédia, do design e das artes aplicadas.
2 - O ensino artístico especializado visa proporcionar uma formação de excelência e respostas diversificadas à procura individual orientada para o aprofundamento de linguagens artísticas específicas, bem como criar as bases necessárias ao desenvolvimento pessoal da maturidade artística, tendo em consideração a precocidade e sequencialidade exigidas pelas diferentes artes.
3 - O ensino artístico especializado abrange o ensino básico, o ensino secundário e o ensino superior, desenvolvendo-se de forma integrada ou articulada com estes.
4 - Os planos de estudos do ensino artístico especializado são organizados de acordo com as exigências próprias de cada nível de ensino, de modo a adequar a formação artística especializada aos desafios da contemporaneidade e aos contextos culturais e artísticos, mediante recurso, em cada área artística, a composição curricular específica, que privilegie a inovação, a experimentação e a prática artísticas.
5 - Os diplomas e certificados atribuídos no ensino artístico especializado de nível básico e secundário conferem as mesmas qualificações e possibilidades de prosseguimento de estudos que os diplomas e certificados obtidos nos correspondentes níveis da modalidade geral de educação escolar.
6 - Compete ao Governo, através dos Ministérios responsáveis pela política educativa, definir as normas gerais do ensino artístico especializado, nomeadamente quanto ao seu funcionamento e aos seus aspectos pedagógicos, didácticos e técnicos, apoiando, avaliando, inspeccionando e fiscalizando a sua execução.

Artigo 28.º
Ensino português no estrangeiro

1 - Compete ao Estado português promover e incentivar, no estrangeiro, a divulgação e o estudo da língua portuguesa, como língua materna e como língua estrangeira, e da cultura portuguesa, de acordo com uma estratégia de afirmação internacional da identidade de Portugal e das comunidades portuguesas e mediante acções e meios diversificados, adaptados aos objectivos a prosseguir e às realidades estrangeiras concretas.
2 - A divulgação e o estudo da língua e da cultura portuguesas devem incidir, preferencialmente, sem prejuízo do disposto no número anterior, junto das comunidades portuguesas e dos países de língua oficial portuguesa.
3 - A divulgação e o estudo da língua e da cultura portuguesas devem traduzir-se, preferencialmente, no incentivo e apoio à inclusão nos planos curriculares de outros

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países da língua e da cultura portuguesas e à criação de escolas portuguesas, sem prejuízo do Estado português prosseguir directamente esses objectivos, através, nomeadamente, da manutenção de uma rede de ofertas complementares aos sistemas educativos estrangeiros, da criação de escolas portuguesas e da manutenção de leitorados de português em universidades estrangeiras.
4 - O Estado português apoia as iniciativas de associações de portugueses e de entidades estrangeiras, públicas ou privadas, que contribuam para a prossecução da divulgação e do estudo da língua e da cultura portuguesas.
5 - Compete ao Governo, através dos Ministérios responsáveis pela política externa e pela política educativa, definir as normas gerais do ensino português no estrangeiro, nomeadamente quanto ao seu funcionamento e aos seus aspectos pedagógicos e técnicos, apoiando, avaliando, inspeccionando e fiscalizando a sua execução.

Artigo 29.º
Ensino recorrente

1 - O ensino recorrente destina-se aos indivíduos que ultrapassaram a idade indicada para a frequência dos ensinos básico e secundário, por terem ultrapassado os 15 e os 18 anos de idade, respectivamente, aos que, tendo entre 16 e 18 anos de idade, trabalham e disso façam prova e aos que não tiveram a oportunidade de se enquadrar na educação escolar na idade normal de formação.
2 - O ensino recorrente tem por objecto o ensino básico e o ensino secundário.
3 - O ensino recorrente é ministrado, predominantemente, em regime nocturno e as formas de acesso e os planos e métodos de estudos são organizados de modo adequado aos grupos etários a que se destinam, à experiência de vida entretanto adquirida e ao nível de conhecimentos demonstrados.
4 - O ensino recorrente atribui os mesmos diplomas e certificados que os conferidos pelos ensinos básico e secundário, sem prejuízo de poder distinguir, no processo de avaliação e certificação, qualificações que permitem o prosseguimento de estudos e qualificações que não permitem esse prosseguimento.
5 - Compete ao Governo, através do Ministério responsável pela política educativa que abranja os ensinos básico e secundário, definir as normas gerais do ensino recorrente, nomeadamente quanto ao seu funcionamento e aos seus aspectos pedagógicos e técnicos, apoiando, avaliando, inspeccionando e fiscalizando a sua execução.

Artigo 30.º
Ensino de indivíduos privados de liberdade

1 - O ensino de indivíduos privados de liberdade destina-se a permitir a prossecução ou o completamento de estudos, quer a imputáveis sujeitos ao cumprimento de penas e medidas privativas de liberdade, quer a menores e a jovens de idade inferior a 21 anos sujeitos ao cumprimento, em instituição, de medidas e decisões aplicadas no âmbito de processo tutelar educativo, sem a possibilidade de frequência de um estabelecimento de ensino.
2 - O ensino de indivíduos privados de liberdade assenta num conjunto diversificado e articulado de medidas e acções educativas, que, adequando-se à particular situação dos destinatários, visa reduzir as limitações que aquela privação acarreta para o percurso educativo destes, tendo por objectivos, em especial, o cumprimento da escolaridade obrigatória pelos menores e a qualificação e a dupla certificação, escolar e profissional, de jovens adultos, contribuindo, deste modo, para a sua futura integração na vida activa e reinserção social.
3 - O ensino de indivíduos privados de liberdade integra percursos educativos específicos, tendo em conta a idade daqueles e a duração e o regime de execução das penas e medidas aplicadas, sem prejuízo da associação a cada percurso educativo de intervenções de educação escolar e de acções próprias da educação extra-escolar, na perspectiva do desenvolvimento da educação e formação ao longo da vida.
4 - O ensino de indivíduos privados de liberdade decorre em instalações e equipamentos da responsabilidade das entidades encarregadas da execução das penas e medidas aplicadas.
5 - Compete ao Governo, através dos Ministérios responsáveis pela política educativa e de reinserção social, definir as normas gerais do ensino de indivíduos privados de liberdade, nomeadamente quanto ao seu funcionamento e aos seus aspectos pedagógicos, didácticos e técnicos, apoiando, avaliando, inspeccionando e fiscalizando a sua execução.
6 - Entre os dois Ministérios referidos no número anterior e o Ministério responsável pela política de emprego devem articular-se as intervenções nas áreas da educação e da formação profissional, com vista à plena concretização dos objectivos relativos à valorização e reinserção social das pessoas privadas de liberdade.

Artigo 31.º
Educação a distância

1 - Devem, nos termos da lei, ser organizadas modalidades de educação a distância, suportadas nos multimédia e nas tecnologias da informação e das comunicações, quer como complemento quer como alternativa à modalidade de educação presencial.
2 - Compete à educação a distância assumir uma vocação de promoção da inovação e da sociedade da informação e do conhecimento.
3 - O Estado incentiva e reconhece a educação ao longo da vida e as aprendizagens inovadoras baseadas nas novas tecnologias da informação e das comunicações.

Secção III
Educação extra-escolar

Artigo 32.º
Natureza e objectivos da educação extra-escolar

1 - A educação extra-escolar tem natureza formal, não formal ou informal e destina-se a permitir a cada indivíduo, numa perspectiva de educação ao longo da vida, aumentar os seus conhecimentos e desenvolver as suas competências, em complemento da formação escolar ou em suprimento da sua carência ou das suas lacunas.
2 - Compete ao Estado promover a relevância social da educação extra-escolar, em particular organizando sistemas que permitam reconhecer, validar e certificar as competências e os saberes adquiridos.

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3 - Constituem objectivos fundamentais da educação extra-escolar:

a) Eliminar o analfabetismo, literal e funcional;
b) Contribuir para uma efectiva igualdade de oportunidades educativas e profissionais dos indivíduos que, não tendo frequentado a educação escolar ou tendo-a abandonado precocemente ou sem sucesso, não usufruam, por qualquer razão, da formação profissional;
c) Promover a adaptação à vida contemporânea, mediante o desenvolvimento das aptidões tecnológicas e do saber técnico;
d) Assegurar a ocupação criativa dos tempos livres com actividades de natureza cultural;
e) Favorecer atitudes de solidariedade social e de participação na vida da comunidade.

4 - As acções de educação extra-escolar podem realizar-se em estruturas de extensão cultural do sistema escolar ou em sistemas abertos, com recurso, neste caso, aos meios de comunicação típicos da educação a distância.
5 - Incumbe ao Estado promover e apoiar a educação extra-escolar, pertencendo as iniciativas de educação extra-escolar à administração central, às regiões autónomas, às autarquias locais e a outras entidades particulares ou cooperativas, colectivas ou individuais, nomeadamente instituições particulares de solidariedade social, associações de pais, associações de estudantes e organismos juvenis, associações culturais e recreativas, associações de moradores, associações de educação popular, organizações cívicas ou confessionais e comissões de trabalhadores e associações sindicais ou de empregadores.
6 - A política educativa atende à dimensão formativa da programação televisiva e radiofónica, devendo o serviço público de televisão e de rádio assegurar a existência de programação formativa, plural e diversificada.

Secção IV
Formação profissional

Artigo 33.º
Natureza e objectivos da formação profissional

1 - A formação profissional tem natureza extra-escolar e visa, nos termos da lei, a integração ou o desenvolvimento profissional dinâmico, pela aquisição ou aprofundamento de conhecimentos e de competências necessários ao desempenho profissional específico, de forma a responder às necessidades nacionais de desenvolvimento e à evolução tecnológica.
2 - A formação profissional estrutura-se de forma a desenvolver acções de:

a) Iniciação profissional ligada a contextos específicos de trabalho;
b) Qualificação profissional;
c) Aperfeiçoamento profissional;
d) Reconversão profissional;
e) Reabilitação profissional de pessoas portadoras de deficiência e de trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida;
f) Formação especial para integração sócio-profissional de grupos com particulares dificuldades de inserção.

3 - O Governo aprova programas de desenvolvimento de formação profissional, de âmbito plurianual.
4 - O Governo estabelece o sistema nacional de formação profissional, identificando os agentes que o integram e definindo os princípios que regem a organização, o financiamento, a avaliação e a coordenação da formação profissional.
5 - A formação profissional organiza-se como complementar da formação e da preparação para a vida activa iniciada na educação escolar, mas deve igualmente contribuir para a aquisição de qualificações profissionais iniciais por aqueles que não tenham frequentado a educação escolar ou a tenham abandonado precocemente ou sem sucesso.
6 - Os Ministérios responsáveis pela política educativa e pela política de emprego devem articular, entre si, as intervenções nas áreas da formação vocacional e da formação profissional, respectivamente, com vista à plena concretização dos objectivos referidos no número anterior.
7 - Têm acesso à formação profissional, nos termos dos números anteriores:

a) Os que tenham concluído a escolaridade obrigatória;
b) Os que não tenham concluído a escolaridade obrigatória até à idade limite desta;
c) Os que tenham entre 16 e 18 anos de idade, para acções de formação profissional desenvolvidas em articulação com as acções de formação vocacional relativas aos jovens que não pretendam concluir o ensino básico após os 15 anos de idade;
d) Os trabalhadores que pretendam o aperfeiçoamento ou a reconversão profissionais;
e) As demais pessoas destinatárias das acções referidas no n.º 2 desta disposição.
f) A formação profissional estrutura-se segundo um modelo pedagógico e institucional flexível, que permita integrar pessoas com níveis de formação e características diferenciados.

8 - A organização das ofertas de formação profissional deve adequar-se às necessidades de emprego, nacionais, regionais e locais.
9 - A formação profissional pode estruturar-se por módulos, de duração variável e combináveis entre si, com vista à obtenção de níveis profissionais sucessivamente mais elevados.
10 - O funcionamento das ofertas de formação profissional pode ser realizado segundo formas institucionais diversificadas, nomeadamente:

a) Instituições específicas;
b) Utilização de escolas de ensino básico e secundário;
c) Acordos com empresas e autarquias;
d) Apoios a instituições e iniciativas, públicas, particulares ou cooperativas;
e) Dinamização de acções comunitárias.

11 - A frequência e a conclusão com aproveitamento de acção ou curso, ou respectivos módulos, de formação profissional conferem o direito à correspondente certificação.

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Secção V
Planeamento curricular

Artigo 34.º
Princípios do planeamento curricular

1 - A composição curricular da educação escolar tem em consideração a promoção de uma equilibrada harmonia, nos planos horizontal e vertical, entre os níveis de desenvolvimento físico e motor, cognitivo, afectivo, estético, social e moral dos educandos.
2 - Os planos curriculares do ensino básico e do ensino secundário incluem, em todos os seus ciclos, de forma adequada, uma área de formação pessoal e social, que pode ter como componentes a educação para a participação cívica, a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação para a sexualidade e a educação para a saúde e prevenção de acidentes, bem como, a título facultativo, no respeito pelos princípios da separação das igrejas do Estado e do ensino público não confessional, o ensino da educação moral e religiosa.
3 - Os planos curriculares do ensino básico e do ensino secundário devem ter uma estrutura de âmbito nacional, que acolha os saberes e as competências estruturantes de cada ciclo, podendo acrescer a essa estrutura conteúdos flexíveis, integrando componentes de índole regional e local, e desenvolvimentos curriculares previstos em contratos de autonomia e desenvolvimento educativo entre a administração educativa e as escolas.
4 - Os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo podem adoptar os planos curriculares e os conteúdos programáticos do ensino ministrado nas escolas públicas ou adoptar planos e programas próprios, cujo reconhecimento é, nos termos da lei, concedido caso a caso, mediante avaliação positiva dos respectivos currículos e das condições pedagógicas da realização do ensino.
5 - Os planos curriculares do ensino superior respeitam a cada um dos estabelecimentos de ensino que ministram os respectivos cursos estabelecidos, ou a estabelecer, de acordo com as necessidades nacionais e regionais e com uma perspectiva de planeamento integrado da respectiva rede.
6 - O Governo pode estabelecer a recomendação da estrutura consultiva da avaliação do ensino superior e, ouvidas as estruturas representativas dos estabelecimentos de ensino superior, directrizes quanto à denominação e duração dos cursos e as áreas científicas obrigatórias e facultativas dos respectivos planos de estudos.
7 - A autorização para a criação e funcionamento de instituições e cursos de ensino superior particular e cooperativo, bem como a aprovação dos respectivos planos de estudos e o reconhecimento dos correspondentes diplomas, obedece a princípios e regras comuns a todo o ensino superior.
8 - O ensino-aprendizagem da língua materna deve ser estruturado, de forma que todas as outras componentes curriculares do ensino básico e do ensino secundário contribuam, sistematicamente, para o desenvolvimento das capacidades ao nível da compreensão e produção de enunciados, orais e escritos, em português.
9 - A formação vocacional abrange, especialmente, em termos integrados no ensino básico e no ensino secundário ou com estes articulados, a componente técnica e tecnológica da escolaridade obrigatória e do ensino recorrente, o ensino das escolas profissionais, a aprendizagem e a qualificação inicial não ligadas a contextos específicos de trabalho, bem como modelos especiais de conjugação de educação e formação, incluindo programas especiais para os jovens dos quinze aos dezoito anos.

Artigo 35.º
Ocupação dos tempos livres e desporto escolar

1 - As actividades curriculares dos diferentes níveis da educação escolar devem ser complementadas por acções orientadas para a formação integral e a realização pessoal dos educandos, no sentido da utilização criativa e formativa dos seus tempos livres, nomeadamente de enriquecimento cultural e cívico, de educação física e desportiva, de educação artística e de inserção dos educandos na comunidade.
2 - As actividades de complemento curricular podem ter âmbito nacional, regional ou local, competindo, preferencialmente, às escolas ou grupos de escolas organizar as de âmbito regional e local.
3 - As actividades de ocupação dos tempos livres devem valorizar a participação e o envolvimento dos educandos na sua organização, desenvolvimento e avaliação.
4 - O desporto escolar visa especificamente a promoção da saúde e condição física, a aquisição de hábitos e condutas motoras e o entendimento do desporto como factor de cultura, estimulando sentimentos de solidariedade, cooperação, autonomia e criatividade, bem como a descoberta e o incentivo de talentos desportivos, com orientação por profissionais qualificados, fomentando-se a organização e gestão de eventos desportivos escolares pelos próprios praticantes.

Artigo 36.º
Investigação em educação

A investigação em educação, que o Estado fomenta e apoia, destina-se, nos termos da lei, à avaliação e interpretação científica da actividade desenvolvida no sistema educativo.

Capítulo III
Apoios e complementos educativos

Artigo 37.º
Promoção do sucesso escolar

1 - São proporcionados, nos termos da lei, apoios e complementos educativos, visando fomentar, prioritariamente na escolaridade obrigatória, a igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso escolares.
2 - As necessidades escolares específicas dos alunos que frequentam a escolaridade obrigatória são compensadas através de actividades de acompanhamento e complemento pedagógicos no seio das escolas.
3 - É apoiado o desenvolvimento psicológico dos alunos e a sua orientação escolar e profissional, através de serviços de psicologia e orientação, devidamente organizados, que asseguram igualmente o apoio psicopedagógico às actividades escolares e ao sistema de relações da comunidade educativa.
4 - É realizado, através de serviços especializados, devidamente organizados, o acompanhamento do crescimento

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e desenvolvimento dos alunos, de forma a promover a saúde, a consciencialização dos comportamentos sexuais e a prevenção da toxicodependência, do alcoolismo e de outros comportamentos sociais de risco.

Artigo 38.º
Acção social escolar

1 - São desenvolvidos, no âmbito da educação pré-escolar e da educação escolar, serviços de acção social escolar, destinados a compensar, em termos sociais e educativos, os alunos economicamente mais carenciados, mediante critérios objectivos e públicos de discriminação positiva, nos termos da lei.
2 - Os serviços de acção social escolar concretizam-se por um conjunto diversificado de acções, nomeadamente a comparticipação em refeições, serviços de cantina, transportes escolares, alojamento, manuais e material escolar, bem como a concessão de bolsas de estudo.

Artigo 39.º
Trabalhadores-estudantes

É proporcionado aos trabalhadores-estudantes, nos termos da lei, um regime especial de estudos, que tenha em consideração a sua situação de trabalhadores e de estudantes, no sentido de, com equidade, lhes permitir a aquisição de conhecimentos e de competências, progredindo nos sistemas de educação escolar e extra-escolar, valorizando-se pessoal e profissionalmente.

Capítulo IV
Avaliação e inspecção do sistema educativo

Artigo 40.º
Avaliação do sistema educativo

1 - O sistema educativo é sujeito, na sua eficiência, eficácia e qualidade, a avaliação permanente, continuada e pública, a qual abrange, para além, nomeadamente, das aprendizagens dos alunos e do desempenho dos professores, do pessoal não docente e dos estabelecimentos de educação e de ensino, o próprio sistema na sua globalidade e a política educativa, tendo em consideração os aspectos educativos e pedagógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e, ainda, os de natureza político-administrativa e cultural.
2 - A avaliação do sistema educativo deve incidir sobre a educação pré-escolar, sobre todos os níveis da educação escolar, incluindo as suas modalidades especiais, e sobre a educação extra-escolar e a formação profissional, abrangendo os ensinos público, particular e cooperativo.
3 - A avaliação do sistema educativo constitui-se como instrumento essencial de definição da política educativa, de promoção da qualidade do ensino e do sucesso das aprendizagens e de gestão responsável e transparente de todos os níveis do sistema de ensino.
4 - A avaliação estrutura-se com base na avaliação externa e na auto-avaliação, devidamente certificada.
5 - A avaliação do sistema educativo deve permitir uma interpretação integrada, contextualizada e comparada de todos os parâmetros em que se baseia.

Artigo 41.º
Estatísticas da educação

1 - As estatísticas da educação são instrumentos fundamentais para a formulação da política educativa e para o planeamento e a avaliação do sistema educativo, devendo ser organizadas de modo a garantir a sua realização em tempo oportuno e de forma universal.
2 - As estatísticas da educação devem permitir aferir os graus de desempenho do sistema educativo português em termos comparados, através dos adequados termos de referência.

Artigo 42.º
Inspecção da educação

1 - O sistema educativo é sujeito a inspecção, nos termos da presente lei e demais legislação de desenvolvimento, com vista à salvaguarda dos interesses legítimos de todos os que o integram.
2 - A inspecção da educação goza de autonomia administrativa e técnica e desempenha funções de auditoria e de controlo do funcionamento do sistema educativo, nas vertentes técnica, pedagógica, administrativa, financeira e patrimonial, em termos de aferição da legalidade, de aferição da eficiência de procedimentos e da eficácia na prossecução dos objectivos e resultados fixados e na economia de utilização de recursos, bem como de aferição da qualidade da educação e do ensino.
3 - A inspecção da educação deve incidir, para além das demais estruturas do sistema educativo que a ela a lei sujeita, sobre a educação pré-escolar, sobre todos os níveis da educação escolar, incluindo as suas modalidades especiais, e sobre a educação extra-escolar.
4 - A inspecção da educação abrange o ensino público, bem como o particular e cooperativo, sendo que, neste caso, exerce funções de auditoria e controlo de legalidade, salvo se, em resultado de relações contratuais com o Estado, os estabelecimentos de educação e de ensino particulares e cooperativos integrarem a rede de ofertas educativas de serviço público.
5 - A formação profissional é sujeita a inspecção, nos termos da lei.

Capítulo V
Administração do sistema educativo

Artigo 43.º
Princípios e organização gerais

1 - A administração e a gestão do sistema educativo devem respeitar os princípios de participação democrática, com vista à consecução de objectivos, pedagógicos e educativos, de formação social e cívica, de responsabilidade, de transparência e de avaliação de desempenho individual e colectivo.
2 - A administração educativa desenvolve-se ao nível central, regional autónomo e local, devendo valorizar o princípio da subsidiariedade, pela descentralização de competências nas autarquias locais, e a assunção da autonomia das escolas.
3 - A administração educativa deve assegurar a plena participação das comunidades educativas locais, mediante adequados graus de participação, em especial dos professores, dos alunos, dos pais e respectivas associações e

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das autarquias locais, bem como de instituições representativas das actividades sociais, económicas, culturais e científicas.
4 - A organização e o funcionamento da administração educativa resulta da lei, no respeito pelos números anteriores, que adopta as adequadas formas de desconcentração e descentralização administrativa, garantindo a necessária unidade de acção e eficácia, através dos ministérios responsáveis pela política educativa, aos quais compete, em especial, as funções de:

a) Concepção, planeamento e definição normativa do sistema educativo;
b) Coordenação da execução das medidas de política educativa;
c) Coordenação da avaliação da política educativa e do sistema educativo;
d) Inspecção da educação;
e) Coordenação do planeamento curricular e apoio à inovação educacional, em articulação com as escolas e com as instituições de investigação em educação e de formação de professores;
f) Gestão superior dos recursos humanos da educação, em especial docentes, assegurando os adequados planeamento e políticas de desenvolvimento;
g) Gestão superior do orçamento da educação;
h) Definição dos critérios de implantação da rede de ofertas educativas e da tipologia das escolas e seu apetrechamento;
i) Garantia da qualidade pedagógica e técnica dos meios didácticos, incluindo os manuais escolares.

5 - O funcionamento das escolas orienta-se por uma perspectiva de integração comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respectivos docentes.
6 - O ensino particular e cooperativo rege-se por legislação e estatuto próprios, que devem subordinar-se aos princípios da presente lei.

Artigo 44.º
Administração e gestão das escolas

1 - A administração e a gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino deve, nos termos da lei, fazer-se preferencialmente na base do agrupamento de escolas, de forma a favorecer a integração vertical dos projectos educativos, a fomentar o desenvolvimento de centros de excelência e de competências educativas e, assim, a qualidade das aprendizagens, bem como a aprofundar as condições para uma gestão eficiente e eficaz dos recursos educativos disponíveis.
2 - Em cada estabelecimento de educação e de ensino, ou respectivos agrupamentos, a administração e a gestão orientam-se por princípios de participação democrática de quem integra o processo educativo, de responsabilidade, de transparência e de avaliação de desempenho, individual e colectivo, tendo em consideração as especificidades de cada nível de educação e de ensino.
3 - Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino a eficiência e eficácia na utilização e organização dos recursos, humanos, materiais e financeiros, orienta-se directamente por critérios de qualidade pedagógica e científica.
4 - A direcção executiva de cada agrupamento de escolas ou de cada estabelecimento não agrupado, do ensino básico e do ensino secundário, é assegurada, nos termos da lei, por órgãos próprios, singulares ou colegiais, plenamente responsáveis, cujos titulares são escolhidos mediante um processo público que releve o mérito curricular e do projecto educativo apresentado e detenham a formação adequada ao desempenho do cargo, com vista a assegurar o respeito por princípios e normas próprias de uma gestão profissional.
5 - A direcção executiva de cada agrupamento de escolas ou de cada estabelecimento não agrupado, do ensino básico e do ensino secundário, é apoiada, nos termos da lei, por serviços especializados e por órgãos consultivos, de natureza pedagógica e disciplinar, sendo para estes democraticamente eleitos os representantes dos professores, dos alunos, no caso do ensino secundário, dos pais e do pessoal não docente.
6 - Os estatutos dos estabelecimentos de ensino superior estabelecem os órgãos próprios de administração e gestão e as regras de funcionamento interno, no respeito pela lei.
7 - Os estabelecimentos de ensino superior gozam de autonomia científica, pedagógica e cultural, sem prejuízo da avaliação da qualidade do desempenho científico e pedagógico das instituições e da respectiva acreditação.
8 - As universidades e os institutos politécnicos públicos gozam, ainda, de autonomia estatutária, administrativa, financeira, disciplinar e patrimonial, sem prejuízo da acção fiscalizadora do Estado.
9 - A autonomia dos estabelecimentos de ensino superior deve orientar-se pelo desenvolvimento da região e do País e pela efectiva elevação do nível educativo, científico e cultural dos portugueses.

Capítulo VI
Recursos humanos

Artigo 45.º
Funções de educador e de professor

1 - A orientação e as actividades pedagógicas na educação pré-escolar são asseguradas por educadores de infância e a docência em todos os níveis e ciclos de ensino é assegurada por professores, detentores, em ambos os casos, de diploma que certifique a formação específica que os habilita para a educação e de ensino, de acordo com as necessidades do desempenho profissional relativo à educação e a cada nível de ensino.
2 - Os educadores de infância e os professores do ensino básico adquirem a qualificação profissional através de cursos superiores, que conferem o grau de licenciatura, organizados em escolas superiores de educação e em estabelecimentos de ensino universitário.
3 - A qualificação profissional dos professores do ensino secundário adquire-se através de cursos superiores, que conferem o grau de licenciatura, organizados em estabelecimentos do ensino universitário.
4 - A qualificação profissional dos professores do ensino secundário pode, ainda, adquirir-se através de cursos de licenciatura ministrados em universidades, que assegurem a formação científica na área de docência respectiva, complementados por formação pedagógica adequada.

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5 - A qualificação profissional dos professores de disciplinas de natureza vocacional ou artística, do ensino básico e do ensino secundário, pode adquirir-se através de cursos de licenciatura, que assegurem a formação na área da disciplina respectiva, complementados por formação pedagógica adequada.
6 - Constitui habilitação científica para a docência no ensino superior o grau de doutor, no ensino universitário, e o grau de mestre, no ensino politécnico, podendo ainda exercer a docência outras individualidades reconhecidamente qualificadas e coadjuvar na docência pessoas habilitadas com o grau de licenciado ou equivalente.

Artigo 46.º
Princípios sobre a formação de educadores e professores

1 - A formação de educadores e professores assenta nas seguintes modalidades principais:

a) Formação inicial de nível superior, que proporciona a informação, os métodos e as técnicas, científicos e pedagógicos, de base, bem como a formação pessoal e social adequadas ao exercício da função;
b) Formação contínua, que complementa e actualiza a formação inicial, numa perspectiva de formação permanente, suficientemente diversificada, de modo a assegurar o complemento, aprofundamento e actualização de conhecimentos e de competências profissionais relevantes e a possibilitar a mobilidade e a progressão na carreira, assim como a requalificação na mesma carreira;
c) Formação especializada, que habilita para o exercício de funções particulares que a requeiram;
d) Formação profissional, após uma formação geral universitária e na perspectiva da reconversão de profissão.

2 - A formação de educadores e professores assenta nos seguintes princípios organizativos:

a) Formação flexível, que permita a reconversão e a mobilidade dos educadores e professores, nomeadamente o necessário complemento de formação profissional;
b) Formação integrada, quer no plano da preparação científico-pedagógica, quer no da articulação teórico-prática;
c) Formação assente em práticas metodológicas afins das que o educador e o professor têm necessidade de utilizar na prática pedagógica;
d) Formação que estimule uma atitude crítica e actuante relativamente à realidade social;
e) Formação que favoreça e estimule a inovação e a investigação, particularmente em relação com as actividades educativa e de ensino;
f) Formação participada, que conduza a uma prática reflexiva e continuada de auto-informação e auto-aprendizagem.

3 - O Governo regula, por decreto-lei, o regime da formação de educadores e professores, definindo, nomeadamente, os requisitos dos cursos de formação inicial de professores, os perfis de competência e de formação, bem como as características de um período de indução e respectiva avaliação, para ingresso na carreira docente, os padrões de qualidade e o processo de acreditação e de certificação externa da formação e das qualificações profissionais, as qualificações para o exercício de outras funções educativas, nomeadamente educação especial, administração escolar ou educacional, organização e desenvolvimento curricular, supervisão pedagógica e formação de formadores.
4 - O Estado pode apoiar a formação contínua dos docentes em exercício de funções nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que se integrem na rede de ofertas de educação e de ensino de serviço público.

Artigo 47.º
Princípios das carreiras de pessoal docente e de pessoal não docente

1 - Os educadores, professores, pessoal não docente das escolas e outros profissionais da educação têm direito a retribuição e carreira compatíveis com as suas habilitações e responsabilidades profissionais, sociais e culturais, nos termos da lei.
2 - A progressão nas carreiras está necessariamente ligada à avaliação de desempenho, passível de recurso, de toda a actividade desenvolvida, individualmente ou em grupo, na instituição educativa, no plano da educação e do ensino e da prestação de outros serviços à comunidade, bem como às qualificações profissionais, pedagógicas e científicas.
3 - A todos os educadores, professores, pessoal não docente das escolas e outros profissionais da educação é reconhecido o direito e o dever à formação contínua relevante para o desempenho das respectivas funções, em complemento do dever permanente e continuado de auto-informação e auto-aprendizagem.

Capítulo VII
Recursos materiais e financeiros

Artigo 48.º
Rede de ofertas educativas

1 - Compete ao Estado organizar uma rede de ofertas de educação e de ensino, ordenada, em termos qualitativos e quantitativos, e actualizada, que, no desempenho de um serviço público, cubra as necessidades de toda a população, assegurando a existência de projectos educativos próprios, desenvolvidos no âmbito da autonomia das escolas públicas, particulares e cooperativas, e, do mesmo modo, uma efectiva liberdade de opção educativa das famílias.
2 - Integram a rede de ofertas educativas os estabelecimentos de educação e de ensino particular e cooperativo que respeitem os princípios, os objectivos, a organização e as regras de funcionamento do sistema educativo, incluindo de qualificação académica e formação exigidas para a docência.
3 - No reconhecimento do valor do ensino particular e cooperativo, o Estado tem em consideração, no ordenamento da rede de ofertas de educação e de ensino de serviço público, e numa perspectiva de racionalização de recursos e de promoção da qualidade das ofertas educativas, os estabelecimentos de educação e de ensino particular e cooperativo existentes ou a criar.

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4 - O Estado apoia financeiramente, mediante contrato, nos termos da lei, o ensino particular e cooperativo, tendo em consideração a escolha das famílias, quando, integrando-se os respectivos estabelecimentos na rede de ofertas de educação e de ensino de serviço público, prossigam os objectivos de desenvolvimento da educação.

Artigo 49.º
Planeamento da rede de ofertas educativas

1 - O ordenamento da rede de ofertas educativas constitui um objectivo permanente da política educativa e da adequação desta ao território, no sentido de corresponder à procura educativa, de assegurar a articulação e complementaridade dos conteúdos daquelas ofertas e o desenvolvimento qualitativo das mesmas, de assegurar uma efectiva igualdade de oportunidades educativas, de assegurar o agrupamento de escolas e de compensar as assimetrias regionais e locais e de concretizar as opções estratégicas do desenvolvimento do País.
2 - No planeamento e ordenamento da rede de ofertas educativas deve assegurar-se, nos termos da lei, uma efectiva intervenção das autarquias locais e uma participação, de forma institucionalizada, das comunidades locais, com vista à elaboração e actualização de cartas educativas, municipais e intermunicipais, que se constituam como instrumento de nível municipal do planeamento de ofertas educativas, reflexo do planeamento da rede nacional de ofertas educativas.
3 - O Governo aprova anualmente a rede educativa, traduzida na configuração da organização territorial das ofertas educativas e dos edifícios escolares, afectos aos estabelecimentos de educação pré-escolar e de educação escolar.

Artigo 50.º
Edifícios escolares

1 - Os edifícios escolares devem ser construídos para acolherem, para além das actividades escolares, actividades de ocupação de tempos livres e o envolvimento da escola em actividades extra-escolares e devem ser planeados na óptica de um equipamento integrado e com flexibilidade para permitir, sempre que possível, a sua utilização em diferentes actividades da comunidade e a sua adaptação em função das alterações dos diferentes níveis de ensino, dos currículos e dos métodos educativos.
2 - A densidade da rede e as dimensões dos edifícios escolares devem ser ajustadas às características e necessidades regionais e à capacidade de acolhimento de um número equilibrado de alunos, de forma a garantir as condições de uma boa prática pedagógica e a realização de uma verdadeira comunidade escolar e educativa.
3 - Na concepção dos edifícios escolares e na escolha dos equipamentos consideram-se as necessidades especiais das pessoas com deficiência.
4 - A concepção dos edifícios escolares deve orientar-se para tipologias que acolham todos os ciclos do ensino básico e tipologias que acolham todos os ciclos do ensino secundário, sem prejuízo de, com respeito pelas estruturas etárias correspondentes a cada ciclo e das especificidades funcionais de cada um deles, se admitirem tipologias mais abrangentes.
5 - A educação pré-escolar realiza-se em unidades distintas ou incluídas em edifícios escolares onde também seja ministrado o ensino básico ou, ainda, em edifícios onde se realizem outras actividades sociais, nomeadamente a valência de creche ou a educação extra-escolar, com respeito pela natureza específica das crianças dos três aos seis anos.
6 - A gestão dos espaços deve obedecer ao imperativo de, também por esta via, se contribuir para o sucesso educativo e escolar dos alunos.

Artigo 51.º
Recursos educativos

1 - Consideram-se recursos educativos os meios materiais utilizados para a adequada realização da actividade educativa.
2 - São recursos educativos privilegiados, a exigirem especial consideração:

a) Os manuais escolares e outros recursos em suporte digital;
b) As bibliotecas e mediatecas escolares;
c) Os equipamentos laboratoriais e oficinais;
d) Os equipamentos para educação física e desportos;
e) Os equipamentos para educação musical e plástica;
f) Os recursos para a educação especial;
g) Os recursos para o ensino português no estrangeiro.

3 - Para apoio e complementaridade dos recursos educativos existentes nas escolas e ainda com o objectivo de racionalizar o uso dos meios disponíveis, devem ser criados centros de recursos educativos, por iniciativa das escolas, das autarquias locais ou da administração educativa.

Artigo 52.º
Financiamento da educação

1 - A educação é considerada, na elaboração dos planos e do Orçamento do Estado, como uma prioridade nacional.
2 - As verbas destinadas à educação devem ser distribuídas em função das prioridades estratégicas do desenvolvimento do sistema educativo.
3 - Deve adequar-se a estrutura orçamental da educação aos objectivos da política educativa, privilegiando-se, nestes termos, a elaboração do orçamento por programas.

Capítulo VIII
Disposições finais e transitórias

Artigo 53.º
Desenvolvimento normativo

1 - As bases contidas na presente lei são desenvolvidas por iniciativa do Governo, através dos adequados diplomas normativos, com acompanhamento do Conselho Nacional de Educação.

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2 - No desenvolvimento das bases contidas na presente lei, o Governo observa os procedimentos exigidos por lei para concretização dos direitos de negociação colectiva e de participação dos trabalhadores.

Artigo 54.º
Regime de transição

1 - O regime de 12 anos de escolaridade obrigatória previsto na presente lei aplica-se aos alunos que se inscreverem no primeiro ano do segundo ciclo do ensino básico no ano lectivo de 2005-2006 e aos que o façam nos anos lectivos subsequentes.
2 - O regime de transição da estrutura actual da educação escolar para a prevista na presente lei consta dos adequados diplomas normativos, a publicar em tempo útil pelo Governo, com acompanhamento do Conselho Nacional de Educação.
3 - A transição referida no número anterior não pode prejudicar os direitos adquiridos por professores, alunos e pessoal não docente das escolas.

Artigo 55.º
Habilitações de professores

1 - O ensino básico e o ensino secundário devem ser dotados de docentes habilitados profissionalmente, de forma a tornar definitivamente desnecessária a contratação, em regime permanente, de professores sem habilitação profissional.
2 - Mantém-se em vigor o sistema de profissionalização em exercício actualmente em funcionamento até esgotamento integral do seu objecto.

Artigo 56.º
Cursos de bacharelato e grau de bacharel

1 - São reconhecidos, para todos os efeitos legais, os efeitos jurídicos dos graus de bacharel conferidos pelos estabelecimentos portugueses de ensino superior, assegurando-se o prosseguimento dos estudos a todos quantos se encontram habilitados com o grau de bacharel.
2 - Para o efeito previsto no número anterior, mantêm-se em vigor as disposições legais vigentes relativas ao grau de bacharel e aos respectivos efeitos.

Artigo 57.º
Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro.

Artigo 58.º
Correspondência normativa

As referências normativas feitas a disposições da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, passam a considerar-se feitas para as disposições correspondentes da presente lei, salvo se resultar diversamente da letra ou do sentido geral da disposição respectiva.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 27 de Maio de 2003. O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso - O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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