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Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2004 II Séria A - Número 28

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

S U M Á R I O

Mensagem do Presidente da República:
Acerca da situação financeira, económica e social do País.

Resolução:
Medidas de acesso a serviços de urgência a cidadãos portadores de deficiência.

Projectos de lei (n.os 366, 367 e 395 a 399/IX):
N.º 366/IX (Revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais):^
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 367/IX (Lei-quadro dos institutos públicos):
- Parecer do Governo Regional dos Açores.
N.º 395/IX - Garante o porte pago aos órgãos de imprensa regional e a publicações especializadas (apresentado pelo PCP).
N.º 396/IX - Institui o Conselho Nacional de Saúde - CNS (apresentado pelo PS).
N.º 397/IX - Cria o Provedor da Saúde (apresentado pelo PS).
N.º 398/IX - Lei das Associações de Defesa dos Utentes de Saúde (apresentado pelo PS).
N.º 399/IX - Procede à segunda alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde (apresentado pelo PS).

Propostas de lei (n.os 81 e 100/IX):
N.º 81/IX (Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, tendo por objectivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 100/IX (Aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho da Administração Pública):
- Parecer do Governo Regional dos Açores.

Projectos de resolução (n.os 200 e 201/IX):
N.º 200/IX - Cria uma comissão eventual de acompanhamento das medidas de combate às listas de espera (apresentado pelo PS).
N.º 201/IX - Realização de um estudo de âmbito nacional sobre as listas de espera (apresentado pelo PS).

Proposta de resolução n.o 56/IX: (a)
Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada transnacional, o Protocolo Adicional relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, e o Protocolo Adicional contra o tráfico ilícito de migrantes por via terrestre, marítima e aérea, adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de Novembro de 2000.

(a) É publicada em suplemento a este número.

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MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ACERCA DA SITUAÇÃO FINANCEIRA, ECONÓMICA E SOCIAL DO PAÍS

Srs. Deputados:
Os últimos anos têm sido dominados, do ponto de vista do Orçamento do Estado, pelo debate em torno do défice público. A persistência desse debate, que atravessa vários governos, demonstra que a eficácia das medidas que têm sido tomadas é insuficiente para debelar o problema com que o País se confronta. Mas, pior do que isso, é prova de que um conjunto de problemas estruturais das finanças públicas portuguesas continua por resolver.
Uma análise serena e rigorosa desta realidade não pode deixar de confrontar o País, os seus governantes, os partidos políticos e os parceiros sociais com a necessidade de procurar um programa de trabalho e uma metodologia de intervenção que inverta algumas tendências instaladas.
A situação de desequilíbrio estrutural das finanças públicas, sendo reconhecidamente grave, coloca ao regime democrático um dos seus mais difíceis desafios. Enquanto responsáveis - que somos todos - pelo futuro do País, teremos de saber responder-lhe. Para tanto, há que mobilizar as competências e os conhecimentos disponíveis, trazendo-as para um debate sério e aprofundado sobre os problemas de fundo da economia e sociedade portuguesas.
Nesse debate reflectir-se-ão, naturalmente, posicionamentos político-ideológicos distintos. Para que ele ganhe elevação e encontre eco efectivo na opinião pública, importa, todavia, evitar que o confronto de pontos de vista, tão importante para esclarecer as complexas dimensões dos problemas, acabe por se esgotar num conjunto de recriminações recíprocas ou de picardias inúteis.
O desequilíbrio estrutural das finanças públicas portuguesas tem de ser corrigido, de forma gradual e sustentada, não só por motivos de ordem externa, que quase têm monopolizado a discussão sobre o tema, mas também, e sobretudo, por razões de ordem interna.
Entre estas, há que referir, desde logo, a necessidade de aumentar a margem de manobra da política de estabilização macroeconómica, sem o que continuaremos, no futuro, a ter dificuldades em lidar com conjunturas económicas nacionais e internacionais desfavoráveis.
Numa fase de crescente interdependência concorrencial dos mercados, que multiplica oportunidades de crescimento, mas que, por ausência de mecanismos de regulação supranacional justos e eficazes, também intensifica riscos e expõe as economias abertas mais vulneráveis a crises imprevistas, assumir o objectivo de rigor orçamental deve, por isso, ser muito mais do que uma intenção política conjuntural - impõe-se que seja uma orientação estratégica, quase diria uma atitude, incorporada por princípio e como princípio nas práticas da governação.
Mas a solidez das finanças públicas justifica-se ainda pela necessidade de dar continuidade e coerência à construção de um sistema de protecção social capaz de atenuar grandes vulnerabilidades e riscos de exclusão em amplas camadas da sociedade portuguesa. Sem querer entrar em detalhes, sempre referirei, a este propósito, todo o conjunto de novas exigências de protecção social decorrentes do envelhecimento, cada vez mais evidente, da população portuguesa. Não se trata apenas, neste caso, de garantir a sustentabilidade financeira do sistema de pensões. Trata-se também de preparar o sistema de saúde para enfrentar novos e complexos problemas na prestação de serviços aos mais idosos, assim como prover equipamentos e qualificações profissionais adequadas para apoiar com sentido humanitário uma população física e psicologicamente fragilizada e potencialmente muito desprotegida.
Reflectir sobre a situação orçamental portuguesa conduz quase inevitavelmente a aludir à recente decisão do Conselho ECOFIN de rejeitar as recomendações da Comissão Europeia relativamente ao incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento por parte da França e da Alemanha.
Defendi, há mais de um ano, a necessidade de uma adequada revisão do Pacto, justamente para evitar situações como a que foi agora criada. Referiria hoje e apenas que, em termos internos, o tratamento agora conferido àqueles dois países pode tornar menos necessário recorrer a medidas orçamentais extraordinárias; e que, por outro lado, a União Económica e Monetária precisa de reforçar a coordenação das políticas económicas dos seus Estados-membros, designadamente as políticas orçamentais nacionais, o que também implica, entre outros aspectos, a necessidade de um continuado rigor e disciplina orçamentais.
Srs. Deputados:
Promulguei, recentemente, legislação com incidência orçamental, incluindo a lei e o decreto-lei que autorizam o Governo a ceder créditos do Estado e da Segurança Social para efeitos de titularização.
Ninguém espera, naturalmente, que medidas de contenção da despesa corrente de natureza transitória e receitas extraordinárias que, por definição, não podem ser recorrentes possam apoiar uma consolidação orçamental duradoura e consequente. Não se deve confundir despesa reprimida com despesa controlada, nem receita regular com receita irrepetível.
O Presidente da República compreende que, uma vez estipulada uma meta quantitativa rígida para o défice do Orçamento do Estado, se tenha tornado necessário recorrer àquele tipo de medidas. Mas não pode deixar de tornar claro que uma consolidação orçamental comprometida com o futuro do País, com desígnios básicos de justiça social e com o bem estar das gerações vindouras requer, essencialmente, medidas de política sustentáveis e fundamentadas em termos estratégicos. Como também requer, seguramente, um orçamento de base plurianual, coerentemente articulado com a evolução previsível da economia a médio prazo, tendo em vista a gestão e o equilíbrio do orçamento ao longo do ciclo económico.
Para baixar efectivamente o défice público, sacrificando o menos possível despesas sociais indispensáveis e os investimentos públicos produtivos necessários ao desenvolvimento do País, impõe-se eliminar despesas supérfluas e racionalizar as restantes em todas as Administrações Públicas e, em simultâneo, combater a fraude e a evasão fiscais.
A contenção da despesa pública - primeiro vector do processo de consolidação orçamental - não deve ser efectuada através de cortes, sem sentido estruturante, mas, sim, através de uma gestão criteriosa das despesas correntes e de investimento que permita racionalizar serviços e seleccionar projectos, evitando, tanto quanto possível, que, no movimento de controlo da despesa, se sacrifiquem critérios elementares de justiça social ou se tomem medidas

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penalizadoras da própria qualidade da Administração Pública.
Quanto ao aumento da eficiência fiscal - o outro vector de uma genuína consolidação orçamental -, impõe-se reforçar (e faço questão de dizer que esse reforço é inadiável) a Administração Fiscal, de forma a combater eficazmente a fraude e a fuga ao fisco. Pôr fim à actual situação de perda continuada de receitas é um imperativo básico de racionalidade económica e de equidade social. Não é aceitável pactuar com o agravamento da carga fiscal sobre os contribuintes cumpridores; não é aceitável continuar a permitir uma distorção ostensiva das regras da concorrência leal. É preciso pôr fim a um quadro de incumprimento fiscal tão flagrantemente injusto e arbitrário que acaba por corroer predisposições cívicas e laços elementares de co-responsabilização e confiança recíproca, sem os quais nenhuma sociedade é capaz de se mobilizar e desenvolver.
Srs. Deputados: Já disse que não dissocio o desígnio de consolidação orçamental da necessidade de manutenção de responsabilidades por parte do Estado, quer na área da protecção social quer em termos de investimento público.
Dei, como exemplo do primeiro tipo de intervenção a exigência de reforço da contribuição financeira do Estado em matéria de protecção das gerações mais velhas. Convém, no entanto, não ignorar que, numa sociedade como a portuguesa, que arrancou tão tarde para a organização de serviços de bem estar, continuamos a ter, noutros domínios, prestações e serviços de protecção social insuficientemente dotados.
As comparações estatísticas de âmbito europeu continuam a revelar, nesta matéria, atrasos significativos do País relativamente aos valores médios da União Europeia. Mas também indicam que alguma convergência entretanto alcançada em termos de esforço financeiro do Estado tem produzido efeitos positivos.
A diminuição da incidência da pobreza, sobretudo da pobreza extrema, resultante de medidas de apoio e integração social desenhadas a partir da segunda metade da década de noventa, é um elemento informativo objectivo sobre que vale a pena meditar, já que nos põe perante um exemplo de como uma intervenção do Estado pode contribuir para melhorar os níveis de coesão social no País.
Ora, há outros sectores onde, em nome de exigências de solidariedade mínimas, essa intervenção faz todo o sentido: na atenuação dos efeitos da doença, da incapacitação física, da deficiência, do desemprego, entre outros. Assim sendo, não pode o Orçamento do Estado deixar de reflectir, com suficiente clareza, este tipo de preocupações.
Mas as responsabilidades do Estado nas sociedades contemporâneas vão muito para além do domínio da protecção social, estendendo-se a importantes funções de regulação e de sustentação estratégica da economia.
Bastará pensar, quanto às primeiras, nas responsabilidades inerentes à protecção ambiental ou à reconversão de empresas, sectores produtivos, qualificações profissionais e mesmo territórios ameaçados pela hipercompetitividade internacional, para se perceber quão decisiva pode ser a intervenção reguladora do Estado no tecido económico nacional.
Se tivermos em conta, por outro lado, as necessidades de investimento em infra-estruturas básicas, na criação de condições de sustentabilidade das actividades de investigação científica viradas para a inovação tecnológica e organizacional, na ultrapassagem de assimetrias regionais de desenvolvimento repetidamente diagnosticadas, na formação escolar de nível secundário e superior, no combate ao insucesso e à saída prematura de tantos jovens do sistema de ensino básico, na formação contínua dos activos, sejam eles simples assalariados, quadros, dirigentes ou empresários - se tivermos em conta todos estes domínios em torno dos quais se concentram, reconhecidamente, graves bloqueamentos ao desenvolvimento e fontes persistentes de desigualdades, pobreza e exclusão, então fica à vista quão arriscado será, em Portugal, fazer recuar o Estado na vida económica e social. É bom não esquecer, aliás, que, mesmo em países com limitações incomparavelmente menores do que as nossas, continua a ser o Estado a garantir os grandes aperfeiçoamentos nas áreas indicadas.
Srs. Deputados: A Resolução sobre a Revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento 2003-2006, aprovada por larga maioria pela Assembleia da República em 9 de Janeiro de 2003, foi o primeiro passo para um entendimento e cooperação na área das finanças públicas. Incentivei esse passo, por entender que ele era imprescindível para iniciar o difícil caminho do equilíbrio orçamental.
Infelizmente, o acordo que suportou a Resolução não teve a continuidade desejada e o Programa de Orientação da Despesa Pública, apresentado pelo Governo e discutido pela Assembleia da República em Maio último, não consubstanciou o início de um processo orçamental plurianual, conforme a finalidade e nos termos que se supunha serem os admitidos no acordo subjacente à referida resolução de Janeiro.
Respeitou apenas a letra da Lei de Enquadramento e Estabilidade Orçamental, mas não lançou os instrumentos de concretização necessários.
Julgo que a referida Resolução da Assembleia da República mantém plena validade como base de trabalho para a solução dos problemas das finanças públicas, já que estabelece princípios e orientações largamente aceites e teve o acordo de uma larguíssima maioria parlamentar, onde estão incluídos os dois maiores partidos nacionais.
Um dos objectivos da mensagem que, nos termos constitucionais, dirijo a este órgão de soberania é o de deixar claro o meu apelo a que se retome esse processo, já que, sem ele, dificilmente poderemos chegar, em tempo útil e sem custos sociais muito gravosos, ao equilíbrio correcto e sólido das finanças públicas.
Estou certo de que este é um bom caminho.
As recriminações partidárias recíprocas sobre a gestão orçamental passada e presente, para além de gerarem falta de confiança e expectativas negativas que em nada ajudam a economia e as empresas, contribuem para deteriorar o ambiente propício à discussão dos problemas de fundo da economia portuguesa e para reduzir as possibilidades de concertação e de algum entendimento entre forças políticas quanto às medidas apropriadas e quanto à sua durabilidade para além dos ciclos eleitorais. Sem uma tal concertação, não será fácil encontrar solução para alguns problemas importantes.
Como já disse, também me parece conveniente repensar e reformular o processo de elaboração e de controlo do orçamento, por forma a que a política e a gestão orçamental sirvam melhor os objectivos do crescimento e da estabilidade macroeconómica.

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Assim, o Orçamento do Estado deveria ter uma base plurianual e ser elaborado, discutido e aprovado em duas fases. A primeira, na Primavera, ocupar-se-ia do cenário macroeconómico, da orientação da política económica, em geral, e da orçamental, em particular, e da evolução dos grandes agregados da receita e da despesa públicas. A segunda, no Outono, encarregar-se-ia do orçamento anual detalhado, em conformidade com o enquadramento plurianual antes aprovado.
A estruturação do Orçamento do Estado por programas, na linha já iniciada e exigida pela Lei de Enquadramento e Estabilidade Orçamental, também permitiria uma melhor apreciação da articulação entre os objectivos e missões a desempenhar pelo Estado e fundos que lhe são afectos e, portanto, da própria qualidade da despesa pública. A orçamentação por programas e a planificação orçamental a médio prazo são instrumentos essenciais para a racionalização das despesas públicas e da estrutura fiscal em função dos objectivos a atingir, sejam eles as metas para o saldo orçamental ao longo do ciclo económico, ou as finalidades últimas da política económica e social.
Procedendo do modo indicado, seria possível dispor de um quadro mais informativo e coerente de política económica a médio prazo, o que, por um lado, facilitaria a informação e a tomada de decisões por parte dos agentes económicos e, por outro, dificultaria junto dos responsáveis pela política económica uma gestão orçamental pró-cíclica, com medidas expansionistas em conjunturas favoráveis e medidas restritivas em conjunturas desfavoráveis.
Srs. Deputados: Tenho razões para acreditar nas virtualidades da economia portuguesa e na capacidade empreendedora dos meus concidadãos. Continuo, por isso, a olhar para o futuro com optimismo. Procuro conhecer o País o melhor possível, não escondendo aos portugueses a avaliação que faço dos problemas existentes, nem a opinião que formei para a sua solução.
Mas fiz sempre questão, também, de assinalar, valorizar e dar voz ao que de muito bom se faz em Portugal, não sem reconhecer ainda as excelentes capacidades já instaladas nos mais diversos domínios. Faço-o com convicção, por reconhecer que dispomos de reais capacidades para enfrentar o futuro. Faço-o porque acredito que importa dar aos portugueses confiança no nosso futuro colectivo. Faço-o ainda porque existem efectivamente, hoje, condições para assegurar aos portugueses e às gerações vindouras melhores condições de vida.
A recuperação e a modernização da economia portuguesa requerem algumas mudanças difíceis, designadamente na área da administração e das finanças públicas, que podem e devem fazer-se com o mínimo de custos económicos e sociais. Penso que a revisão e a alteração do processo orçamental com a finalidade e o sentido atrás expostos e a integração da política de consolidação orçamental numa estratégia que privilegie a qualidade da despesa pública de funcionamento e de investimento e promova a eficiência fiscal pode contribuir significativamente para uma economia mais competitiva e uma sociedade mais desenvolvida e solidária.
É esta a minha convicção que, com esta mensagem quero transmitir a VV. Ex.as.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2004. O Presidente da República, Jorge Sampaio.

RESOLUÇÃO
MEDIDAS DE ACESSO A SERVIÇOS DE URGÊNCIA A CIDADÃOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo:

1 - Que habilite os serviços prioritários de emergência, principalmente o número nacional de socorro 112, de equipamentos que permitam a recepção de chamadas em modo de texto, assim como o serviço de mensagens escritas;
2 - Que estude a possibilidade da promoção de facilidades na aquisição, por cidadãos portadores de deficiência, de telefones de texto (fixos e móveis) e de telemóveis com SMS;
3 - Que reduza o custo do valor das chamadas, considerando que o tempo para uma chamada em modo texto é mais prolongado do que uma chamada normal;
4 - Que promova a disponibilização de dispositivos de toque visual e vibrátil;
5 - Que promova a disponibilização gratuita de amplificadores portáteis;
6 - Que equacione a possibilidade de colocação de telefones de texto públicos na via pública.

Aprovada em 8 de Janeiro de 2004. O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.

PROJECTO DE LEI N.º 366/IX
(REVISÃO DA LEI-QUADRO QUE DEFINE O REGIME E FORMA DE CRIAÇÃO DAS POLÍCIAS MUNICIPAIS)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Introdução

Um conjunto de Deputados pertencentes aos Grupos Parlamentares do Partido Social Democrata (PSD) e do Partido Popular (CDS-PP) tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 366/IX - "Revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais".
Esta apresentação foi efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento.
Admitida e numerada, a iniciativa vertente baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias para apreciação e elaboração do respectivo relatório/parecer.

II - Do objecto, motivação e conteúdo da iniciativa

O projecto de lei visa proceder à revisão da lei-quadro que estabelece o regime e forma de criação das Polícias Municipais, passados que estão quatro anos sobre a publicação da Lei n.º 140/99, de 28 de Agosto.

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De acordo com a respectiva exposição de motivos, "as alterações propostas não configuram, minimamente, qualquer inversão ou revolução legislativa neste regime, antes procuram aprofundar os mecanismos legais necessários a uma instalação e funcionamento eficiente destes departamentos autárquicos".
O projecto de lei propõe, designadamente, alterações referentes à cooperação entre as polícias municipais e as forças de segurança, ao alargamento das suas atribuições a iniciativas e programas específicos e à sua dependência hierárquica.
Igualmente significativas são as alterações referentes ao alargamento da competência territorial das polícias municipais em situações de flagrante delito ou de missões de socorro, à qualificação da hierarquia e dos agentes da polícia municipal como órgãos de polícia criminal, ainda que tão-só "para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências", e a criação de um estatuto disciplinar próprio.
Em concreto, as alterações são as seguintes:
- Os artigos 2.º e 3.º trocam de epígrafes, passando o primeiro a ter como epígrafe "Atribuições" e o segundo "Funções de polícia";
- No artigo 2.º é introduzido um novo n.º 2, relativo à cooperação entre as polícias municipais e as forças de segurança, passando o actual n.º 2 para n.º 3;
- No artigo 3.º:
Na alínea b) do n.º 1 é eliminada a fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja "competência de aplicação" caiba ao município, mantendo-se a "competência de fiscalização" do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja fiscalização caiba ao município;
No n.º 2 é introduzida uma nova alínea b) relativa à intervenção em programas destinados à acção das polícias junto das escolas ou de grupos específicos de cidadãos, com a consequente redenominação das restantes alíneas;
É aditado o n.º 3, considerando, para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências, a hierarquia e os agentes das polícias municipais como órgãos de polícia criminal para os efeitos previstos na lei processual penal.
- No artigo 4.º:
A actual alínea n) do n.º 1 passa para a ser a alínea a), com a consequente redenominação das restantes alíneas;
Na alínea g) - actual alínea f) - é introduzida a competência para "levantamento de auto";
É eliminada a actual alínea h): "Elaboração de autos de notícia por acidente de viação, quando o facto não constituir crime";
No n.º 3, as polícias municipais "procedem ainda" - enquanto que na lei actual "podem ainda proceder" - à execução de comunicações e notificações por ordem das autoridades judiciárias e de outras tarefas locais de natureza administrativa, mantendo-se a necessidade de protocolo do Governo com o município para o efeito.
- No artigo 5.º, no n.º 2, é introduzido o alargamento da competência territorial das polícias municipais, "em situação de flagrante delito ou de missões pontuais de socorro";
- No artigo 6.º:
No n.º 1 é eliminada a dependência directa do presidente da câmara;
No n.º 2 a coordenação entre a acção da polícia municipal e as forças e segurança passa a ser exercida na área do respectivo município "sob a égide do presidente da câmara", em vez de, como na lei actual, "pelo presidente da câmara e por quem o Governo designar".
- O artigo 8.º é o actual artigo 11.º;
- No artigo 9.º, que corresponde ao actual artigo 8.º:
No n.º 1 as armas e os equipamentos coercivos passam a ser definidos pelo Governo, quando actualmente são os "previstos na lei";
Os actuais n.os 2 e 3 trocam de ordem;
No n.º 4 é eliminada a expressão inicial "em nenhuma circunstância".
- No artigo 10.º, que corresponde ao actual artigo 9.º, é substituída a frase final do n.º 2 "que, mediante despacho conjunto, determinam a realização do inquérito ou sindicância" por "no âmbito da sua competência".
- No artigo 11.º, correspondente ao actual artigo 10.º, é eliminada na parte final do n.º 2 a expressão "elaborados na forma prevista pela lei".
- No artigo 19.º é introduzida a sujeição dos agentes da polícia municipal a um "estatuto disciplinar próprio".

III - Enquadramento legal vigente

A questão das polícias municipais adquiriu consagração na lei fundamental com a IV revisão constitucional, que veio determinar, no artigo 165.º, n.º 1, alínea aa), como competência de reserva relativa da Assembleia da República o regime e forma de criação das polícias municipais, e estabelecer no artigo 237.º, n.º 3, que "as polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais".
A atribuição aos municípios de funções em matéria de polícia era questão assente na doutrina e encontrava-se expressa em letra de lei antes mesmo da revisão constitucional de 1997.
Neste sentido, legislação como o Código Administrativo, a Lei das Autarquias Locais ou o Código da Estrada dispunha sobre matérias consideradas de polícia cuja competência incumbia às câmaras, designadamente tudo o que interessasse à segurança e ordenamento do trânsito nas estradas, ruas e caminhos municipais e demais lugares públicos, que não se inserisse na competência de outros órgãos ou entidades, bem como a definição dos limites de velocidade nessas mesmas vias e respectiva sinalização.
A alteração fundamental que esta revisão constitucional veio introduzir está, pois, na possibilidade expressa da

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criação de polícias organicamente estruturados como corpos de polícia na dependência dos municípios e na autorização de novas atribuições nos domínios de polícia aos municípios.
Isto é, os municípios podem actualmente dispor de corpos de polícia próprios a quem, para além das competências ordinárias de polícia administrativa, a Constituição atribuiu competências para, em cooperação com as forças de segurança, actuar no âmbito da segurança interna.
As polícias municipais, como resulta da sua inserção sistemática e do confronto das normas constitucionais que regulam estas matérias, são distintas das demais polícias, desde logo porque não são forças de segurança.
As forças de segurança, enquanto titulares do exercício de funções de soberania, têm uma organização única para todo o território nacional (artigo 272.º, n.º 4, da CRP), sendo o seu regime definido obrigatoriamente por lei da Assembleia da República, uma vez que é matéria de reserva absoluta (artigo 164.º, alínea u), da CRP). Quanto a este aspecto é importante sublinhar que o Tribunal Constitucional - Acórdão n.º 557/98, de que foi relatora Assunção Esteves, de 27 de Novembro, Processo n.º 318/89, publicado no DR, II Série, de 4 de Abril de 1990, p. 3462 ss., e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 14, 1989, p. 471 ss - tem como entendimento que o princípio de reserva de lei do artigo 272.º, n.º 4, obriga a que as forças de segurança sejam taxativamente delimitadas. Em consequência da especial configuração das suas funções próprias, os respectivos agentes podem ser sujeitos a restrições no exercício de certos direitos, na estrita medida das exigências dessas funções (artigo 270.º da CRP).
Ora, apesar de partilharem com as forças de segurança o regime constitucional aplicável ao exercício de funções de polícia, designadamente os princípios da legalidade e da proporcionalidade previstos no artigo 272.º, n.º 2, da CRP, as polícias municipais têm um regime constitucional distinto. A vocação das polícias municipais está definida no artigo 237.º, que dispõe sobre a descentralização administrativa e está inserido no Título VIII da Constituição relativo ao poder local. Por outro lado, verifica-se que a Constituição, no artigo 165.º, n.º 1, alínea aa), reserva para a Assembleia da República, com possibilidade de autorização ao Governo, a competência para legislar sobre o "regime e forma de criação das polícias municipais". Isto é, a reserva de competência legislativa da AR não é absoluta, ao invés do que sucede com as forças de segurança, justamente porque as funções materiais de polícia exercidas pela polícias municipais têm um âmbito bastante mais circunscrito do que as forças de segurança.
Na verdade, as polícias municipais têm uma actuação essencialmente complementar. Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada), a actividade das polícias municipais está subordinada ao disposto no n.º 3 do artigo 237.º da Constituição, isto é, as polícias municipais tem a sua actuação circunscrita à cooperação com as forças de segurança na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.
Deste modo, a participação das polícias municipais no âmbito da segurança interna está limitada aos aspectos da segurança pública e, dentro destes, somente às áreas de "manutenção da tranquilidade pública" e "protecção das comunidades locais", sempre em cooperação com as polícias às quais foi atribuída a segurança interna a nível nacional.
Por outro lado, embora não o diga expressamente a Constituição, afigura-se que as polícias municipais vêm a sua actuação circunscrita não apenas do ponto de vista material, mas também do ponto de vista territorial.
Como assinala Catarina Sarmento e Castro em trabalho recentemente publicado - A questão das Polícias Municipais, Coimbra Editora, 2003, p. 332 -, as polícias municipais devem cingir a sua actuação aos limites da área do seu município e no interesse da respectiva população, "não sendo admissível a sua utilização para a protecção da comunidade nacional em geral, ou da manutenção da tranquilidade em aspectos que não respeitem a situações geradas por especiais situações locais". Por outras palavras, "as atribuições dos municípios em matéria de polícia só podem exercer-se no respectivo âmbito territorial que funciona como limite dos seus poderes. Sendo o município uma autarquia local, é seu elemento fundamental a ligação a uma comunidade local, por isso territorialmente situada, cujos interesses específicos derivam da sua especial inserção num território, e que se diferenciam dos interesses de outras comunidades locais e dos interesses da colectividade nacional global. Assim sendo, não podem as polícias municipais constituir-se sob formas supramunicipais, nem actuar fora do seu âmbito territorial" - vide A questão das Polícias Municipais, Coimbra Editora, 2003, p. 408.
Por causa das limitações materiais estabelecidas pela Constituição, mas também porque muitas matérias de polícia, pela sua natureza e importância, têm de ser exercidas numa dimensão nacional que as polícias municipais não têm, estas últimas nunca poderiam desempenhar algumas funções policiais. É o caso, designadamente, da prevenção e da investigação criminal. Estas funções estão, por isso, reservadas a outras entidades policiais situadas dentro do grupo das forças e serviços de segurança: os identificados no artigo 14.º da Lei de Segurança Interna (Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, alterada pela Lei n.º 8/91, de 1 de Abril): a Guarda Nacional Republicana, a Guarda Fiscal, a Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, os órgãos dos sistemas de autoridade marítima e aeronáutica e o Serviço de Informações de Segurança.
Todo esse enquadramento constitucional está devidamente salvaguardado na legislação vigente sobre polícias municipais: Lei n.º 140/99, de 28 de Agosto, que estabelece o regime e forma de criação das polícias municipais, e Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março, que regulamenta as condições e o modo de exercício de função de polícia.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 39/2000, de 17 de Março, veio estabelecer as regras a observar na deliberação da assembleia municipal que crie, para o respectivo município, o serviço de polícia municipal, bem como os regimes de transferências financeiras e de carreiras de pessoal, em obediência pelo disposto na Lei n.º 140/99.

IV - Análise da iniciativa

Conforme anunciado pelos autores do projecto de lei na exposição de motivos, as propostas apresentadas não pretendem configurar qualquer inversão ou revolução legislativa quanto à natureza ou ao regime, no seu enquadramento geral, das polícias municipais.
Neste contexto, as polícias municipais continuam a ser definidas como "serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa", de âmbito municipal e insusceptíveis de gestão

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associada ou federada (artigo 1.º, que é decalcado do artigo 1.º da Lei n.º 140/99).
Também as atribuições e as funções de polícia fixadas no projecto de lei são, no essencial, as constantes da Lei n.º 140/99.
Do mesmo modo, as funções de segurança a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º mantêm a limitação estabelecida no n.º 3 do artigo 237.º no que respeita à cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.
No entanto, como já mencionado, algumas das alterações propostas exigem reflexão particular, destacando-se, pela relevância das suas implicações, a qualificação da hierarquia e dos agentes da polícia municipal como órgãos de polícia criminal, o alargamento da competência territorial e a criação de um estatuto disciplinar próprio.
Merecem igualmente atenção especial as alterações sugeridas quanto à dependência hierárquica e à coordenação.
a) Órgãos de polícia criminal:
O projecto de lei vem propor, como n.º 3 do artigo 3.º, que "para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências, a hierarquia e os agentes das polícias municipais consideram-se órgãos de polícia criminal para os efeitos previstos na lei processual penal".
De acordo com a definição estabelecida na alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º do Código de Processo Penal (CPP), são órgãos de polícia criminal todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo CPP.
Ainda de acordo com o CPP, compete aos órgãos de polícia criminal coadjuvar as autoridades judiciárias com vista à realização das finalidades do processo (n.º 1 do artigo 55.º) e, em especial, mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir quanto possível as suas consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova (n.º 2 do artigo 55.º).
Diz, por sua vez, o artigo 56.º do CPP que, nos limites do disposto no n.º 1 do artigo 55.º, os órgãos de polícia criminal actuam, no processo, sob a direcção das autoridades judiciárias e na sua dependência funcional.
Por seu turno, a Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto (organização da investigação criminal), estabelece taxativamente como órgãos de polícia criminal de competência genérica a Polícia Judiciária, a Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana (artigo 3.º, n.º 1), e como órgãos de polícia criminal de competência específica todos aqueles a quem a lei confira esse estatuto (artigo 3.º, n.º 2).
Ora, tomando apenas em consideração o artigo 3.º, n.º 3, poderia parecer que a iniciativa legislativa em apreço pretenderia modificar este estado de coisa, aditando a "hierarquia" (de forma algo imprecisa, diga-se) e os agentes das polícias municipais ao rol dos órgãos de polícia criminal. Esta intenção parece esbarrar com os limites constitucionais acima enunciados. As polícias municipais actuam, no âmbito da segurança interna, unicamente nos termos delimitados pelo n.º 3 do artigo 237.º da Constituição, isto é, na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, em cooperação com as forças de segurança, não dispondo de competências nem para a prevenção nem para a investigação criminal.
Afigura-se, pois, que as polícias municipais não podem ser qualificadas como órgãos de polícia criminal, mesmo para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competência, uma vez que a Constituição lhes exclui competências que excedam os limites consignados no n.º 3 do artigo 237.º.
Sucede, porém, que o próprio projecto de lei não é consequente com essa qualificação das polícias municipais. A qualificação do artigo 3.º, n.º 3, não é concretizada ao longo do projecto com a atribuição de verdadeiras competências de prevenção e investigação criminal.
Com efeito, de acordo com a primeira parte da alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do projecto de lei (correspondente à alínea f) na lei actual), cabe aos polícias municipais denunciar os crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas. Mas se é apenas isto, os agentes da polícia municipal estão simplesmente obrigados à denúncia nos precisos termos em que o estão os funcionários, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 242.º do CPP, uma vez que as entidades policiais estão obrigadas à denúncia de todos os crimes de que tomem conhecimento (alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo).
Por outro lado, a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova até à chegada do órgão de polícia criminal competente, prevista na parte final da citada alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º, corresponde ao dever de tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento da prova ou de proceder a apreensão de objectos a que se referem os artigos 48.º e 48.º-A do regime geral das contra-ordenações.
Não podem os polícias municipais, no entanto, proceder às diligências do artigo 249.º do CPP que impliquem investigação, designadamente exames dos vestígios do crime, porque para isso não estão autorizados, até por esta mesma alínea (que só lhe atribui competência para a prática de actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova).
Acresce que se a polícia municipal tem competência para actuar meramente "até à chegada do órgão de polícia criminal competente", isso só pode ser interpretado como significando que ele própria não é um órgão de polícia criminal.
Também a detenção a que se refere a alínea f) do artigo 4.º do projecto de lei (correspondente à alínea e) na lei em vigor) não é cometida exclusivamente aos órgãos de polícia criminal, uma vez que, ao abrigo do disposto no artigo 255.º do CPP, qualquer pessoa o pode fazer se não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil qualquer autoridade judiciária ou entidade policial. Aliás, ao estar obrigada à entrega imediata do detido às autoridade judiciárias ou às entidades policiais, a polícia municipal assemelha-se mais com uma "qualquer pessoa" do que com um órgão de polícia criminal.
Da mesma maneira, nos termos do artigo 14.º do projecto de lei (igual ao da lei actual) as polícias municipais apenas podem identificar "infractores", mas já não "suspeitos", que o artigo 250.º do CPP reserva aos órgãos de polícia criminal.
Deste modo, a identificação permitida pelo artigo 14.º mais não é do que o poder de identificação que prevê o artigo 49.º do regime geral das contra-ordenações.
Ficamos assim perante uma situação invulgar do ponto de vista jurídico-constitucional: o projecto de lei anuncia que pretende atribuir à "hierarquia" e aos agentes das polícias municipais a natureza de órgãos de polícia criminal, intenção que contenderia com a lei fundamental se

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fosse concretizada. Mas depois o anúncio não é concretizado. A única opção congruente parece ser reponderar o artigo 3.º, n.º 3, que à luz do que se expôs só obscurece a intenção do legislador.
b) Competência territorial:
As polícias municipais, nos termos do artigo 1.º do projecto de lei, reproduzindo o artigo 1.º da Lei n.º 140/99, são serviços municipais, isto é, serviços integrados numa autarquia local.
Ora, como estabelece a Constituição, no artigo 235.º, n.º 2, as autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios da respectiva população.
Por outro lado, como se sustentou anteriormente, a Constituição, no n.º 3 do artigo 237.º, parece dever ser interpretada no sentido de que a actividade das polícias municipais é exercida em função "das comunidades locais" e, em consequência, numa determinada circunscrição territorial.
Em abono da verdade, o projecto de lei não se mostra discordante desta orientação. Assim, em termos gerais, o n.º 2 do artigo 1.º determina que "as polícias municipais têm âmbito municipal". O artigo 5.º esclarece que "a competência territorial das polícias municipais coincide com a área do município" e que "os agentes da polícia não podem actuar fora do território do respectivo município".
Surge, todavia, uma cautelosa excepção a estas regras: o inciso final do n.º 2 do artigo 5.º possibilita a actuação das polícias municipais fora dos seus limites territoriais verificadas as circunstâncias especiais de "flagrante delito" ou de "missões pontuais de socorro".
Com já mencionado, qualquer pessoa pode, nos termos do artigo 255.º do CPP, proceder a uma detenção em flagrante delito se não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil qualquer autoridade judiciária ou entidade policial.
Nessa medida, os agentes das polícias municipais podem sempre, enquanto meros cidadãos, efectuar essas detenções. A dúvida é saber se o podem fazer invocando a sua qualidade de polícia municipal ou, mais importante, se podem fazer uso de arma ou de outros meios coercivos ao seu dispor. O diploma não o diz expressamente, mas uma interpretação sistemática desemboca numa conclusão afirmativa. A questão é: admite a vocação territorial das polícias municipais excepções?
A previsão da parte final do artigo 5.º, n.º 2, adquire sentido útil sobretudo em duas hipóteses: a primeira, porventura quase académica, consiste na situação de o agente da polícia municipal, em funções dentro da sua área de actuação - o respectivo município - , assistir a um crime em curso no território municipal contíguo; a outra, quando, na sequência de crime, o suspeito fuja para o território vizinho e o polícia vá em sua perseguição.
Tratando-se de situações excepcionais, a primeira suscita maior dúvida do que a segunda. Em todo o caso, um princípio de eficácia e de boa protecção dos interesses da tranquilidade pública e da protecção das comunidades locais poderão justificar ambas as situações excepcionais. Bom seria, porventura, que as situações de flagrante delito, para efeitos da actuação da polícia municipal, pudessem ficar melhor tipificadas.
Na verdade, se se optar pela sua consagração excepcional, estas situações terão de ser criteriosamente ponderadas atentos os potenciais conflitos de jurisdição, visto que perante a polícia do município "invadido", e perante as forças de segurança, os polícias "invasores" estariam a actuar num local onde não tinham quaisquer atribuições ou competências e seriam, portanto, meros cidadãos, eventualmente, em violação da lei, ainda que justificável.
No que respeita às "missões pontuais de socorro", tendo o projecto de lei optado pelo termo "missões" de socorro, que serão "pontuais, e não "chamadas" ou "pedidos" de auxílio, aquelas terão de ser entendidas como actuações ocasionais no âmbito da protecção civil.
Ora, sendo certo que as polícias municipais não estão vocacionadas para actuar neste campo, nem para isso dispõem de atribuições ou competências expressas, a sua acção teria de ser entendido como circunscrevendo-se às de cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.
Também quanto a esta matéria a solução é, indubitavelmente, a mesma pelas razões apontadas. Mas os problemas que levanta são outros.
A principal dificuldade prende-se com a própria estrutura de uma missão de socorro. Esta implica mais do que uma cooperação, obriga a uma coordenação. Deste modo, as polícias municipais estariam a actuar em subordinação e na dependência efectiva de terceiras entidades, singulares ou colectivas.
Assim, as polícias municipais estariam a actuar não só fora do seu espaço territorial mas sujeitas a uma hierarquia exterior aos órgãos políticos do seu município, que poderiam ser de uma outra autarquia ou mesmo de âmbito nacional.
Por último, refira-se que, por exemplo, em Espanha é admissível a actuação das polícias municipais no exterior do seu município em casos de emergência e na Bélgica, antes das alterações entretanto introduzidas, era permitida a perseguição desde que contínua e se, pela urgência da situação, não fosse possível contar com as autoridade locais para o efeito. A solução do projecto de lei não se afastará muito.
c) Estatuto disciplinar:
As polícias municipais, como definidas no artigo 1.º da Lei n.º 140/99 e no projecto de lei, "são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, com as competências, poderes de autoridade e inserção hierárquica definidos na presente lei".
Dispõe ainda o artigo 19.º da citada lei e do projecto de lei que "os agentes de polícia municipal estão sujeitos ao estatuto geral dos funcionários da administração local, com as especificidades decorrentes das suas funções".
Por seu turno, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40/2000 estabelece que "os agentes de polícia municipal gozam de todos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição e no estatuto geral dos funcionários da Administração Central, regional e local, sem prejuízo do regime próprio previsto no presente diploma".
Recorde-se ainda que as restrições ao exercício de direitos previstas no artigo 270.º da Constituição não se aplicam às polícias municipais: o texto constitucional refere explicitamente "os militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo", bem como os "agentes dos serviços e forças de segurança".
Como visto, as polícias municipais não são forças de segurança, mas antes serviços organicamente estruturados como corpos de polícia na dependência dos municípios e que apenas actuam no âmbito da segurança nos limites expressamente consignados na Constituição: isto é, têm somente

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relevância municipal, restringem-se à "manutenção da tranquilidade pública" e à "protecção das comunidades locais", e são exercidas em cooperação, não em plena autonomia.
Por outro lado, da análise das competências consagradas na lei para os polícias municipais verifica-se que estas não se diferenciam particularmente das estabelecidas para os funcionários públicos em geral: estão obrigados à denúncia nos precisos termos a que o estão os funcionários; os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova que podem praticar até à chegada do órgão de polícia criminal competente não se distinguem das medidas necessárias para impedir o desaparecimento da prova a que se referem os artigos 48.º e 48.º-A do regime geral das contra-ordenações; a competência para detenção é idêntica à de qualquer cidadão; a competência para identificar limita-se a "infractores" e não a "suspeitos". Além disso, renova-se a indicação de que as polícias municipais não estão autorizadas a actuar em matérias relativas à prevenção e à investigação criminal.
Em todo o caso, concede-se o benefício da dúvida à fundamentação apresentada na exposição de motivos: a criação de um estatuto disciplinar próprio poderá ser justificada pelo facto de se tratar de "corpos uniformizados e armados onde a hierarquização de funções assume natural especificidade". Atente-se, porém, que há outros corpos uniformizados e armados, como os guardas florestais, que não dispõem de estatuto disciplinar distinto.
d) Dependência hierárquica directa e coordenação:
Pretende o projecto de lei, no artigo 6.º, n.º 1, que a polícia municipal deixe de ser organizada na dependência hierárquica directa do presidente da câmara.
Por sua vez, no n.º 2 desse artigo, o projecto de lei propõe que a coordenação entre a acção da polícia municipal e as forças de segurança passe ser exercida na área do respectivo município sob a égide do presidente da câmara e já não pelo presidente da câmara e por quem o Governo designar, como prevê a lei actual.
No primeiro caso, a alteração não se afigura, por si, relevante, uma vez que a polícia municipal continuará na dependência hierárquica do presidente, só não o sendo directamente.
No segundo caso, no entanto, a coordenação entre a polícia municipal e as forças de segurança passa agora a ser exercida sob a égide do presidente, mas sem definir a quem é efectivamente atribuída, o que confere uma natureza difusa a essa coordenação e dificulta o seu reconhecimento e responsabilização perante a comunidade local.
Assim, se a polícia municipal deixa de depender directamente do presidente e a coordenação passa a ser efectuada sob o "escudo" do presidente, este parece pairar num estádio superior, sem interferência directa num assunto com a importância da tranquilidade pública e da protecção da comunidade local.
Mas o projecto de lei ao eliminar a dualidade da coordenação entre as polícias municipais e as forças de segurança estará a afastar-se da letra e do espírito do n.º 3 do artigo 237.º da Constituição.
Com efeito, a Constituição fala de "cooperação", o que pressupõe uma actuação articulada, em paridade, entre a polícia municipal e as forças de segurança, designadamente no sentido da necessária articulação entre os interesses locais, que estão cometidos ao município, e os nacionais, que competem ao Governo.
Entre as polícias municipais e as várias polícias nacionais que constituem as forças de segurança, integradas em administrações distintas, a local e a central, não há qualquer relação de hierarquia ou de superintendência.
Deste modo, dificilmente se pode admitir que entidades ou órgãos da administração local tenham, por si só, poderes de coordenação de forças de segurança que estão hierarquicamente dependentes do governo central e prosseguem objectivos de âmbito mais vasto do que os de inspiração local.
No sector da segurança os interesses que se perseguem não são exclusivamente da administração local, nem se podem desligar dos interesses nacionais no seu conjunto, exigindo, antes, uma articulação de modo transversal entre as várias polícias, as várias comunidades locais e a comunidade nacional.
Ora, competindo ao Governo o exercício de funções de segurança interna a nível nacional, estando obrigado a exercê-las se o município o não fizer ou não dispuser de polícia municipal, e cabendo-lhe, em última instância, a responsabilidade política nesta matéria, é evidente que apenas este está em condições de assegurar a articulação dos diversos interesses concorrentes e, em última análise, de garantir a plena autoridade do Estado.
Idêntico entendimento é patenteado por Catarina Sarmento e Castro, na monografia anteriormente citada, ao afirmar: "No caso das competências em matéria de segurança não é de prossecução absolutamente autónoma que se trata. É de prossecução em cooperação. O que significa, no fundo, que afastada a relação de superintendência, entre administração estadual e administração autónoma em matéria de polícia, sempre resta, a coberto do princípio da cooperação, uma certa supremacia estadual, revelada, aliás, nas especiais relações de controlo que se estabelecem nesta matéria" - Castro, Catarina Sarmento, A questão das Polícias Municipais, Coimbra Editora, p. 333.
Assim, a cooperação implica a existência da dualidade da coordenação entre o poder local e o poder central. A haver qualquer espécie de supremacia, aliás indesejável, ela não poderia deixar de ser atribuída ao Estado, a quem compete a responsabilidade global e final pela segurança. Mas o texto constitucional parece simpatizar e obrigar, sobretudo, a uma coordenação igualitária entre Estado e autarquias.
e) Considerações finais:
Algumas das alterações propostas padecem de dificuldades de compatibilização com o texto constitucional, carecendo de reavaliação em sede de discussão na especialidade. Mesmo que se conclua pela sua viabilidade constitucional, é aconselhável um esforço suplementar de densificação das mesmas no sentido da sua clarificação. Isso tem maior premência no tocante à caracterização das polícias municipais (hierarquia e agentes) como órgãos de polícia criminal, à actuação das polícias municipais fora dos limites da sua área municipal e aos mecanismos de coordenação entre a Administração Central e a administração local.
De resto, refira-se que a revisão do regime das polícias municipais deveria ocorrer tendo como base não a data de entrada em vigor da Lei n.º 140/99, mas a análise da sua experiência concreta.

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V - Conclusões

1 - Um grupo de Deputados PSD e do CDS-PP tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 366/IX - "Revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais";
2 - A apresentação foi efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento;
3 - O projecto de lei visa proceder à revisão da lei-quadro que estabelece o regime e forma de criação das Polícias Municipais (Lei n.º 140/99, de 28 de Agosto);
4 - Das alterações pretendidas destacam-se o alargamento da competência territorial das polícias municipais em situações de flagrante delito ou de missões de socorro, a qualificação da hierarquia e dos agentes da polícia municipal como órgãos de polícia criminal, ainda que tão-só "para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências", a criação de um estatuto disciplinar próprio e a reformulação dos processos de coordenação.
Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de

Parecer

Que o projecto de lei em análise preenche no limite as condições constitucionais, legais e regimentais para poder ser discutido e votado em Plenário, reservando os grupos parlamentares a sua posição de voto para o momento oportuno.

Assembleia da República, 14 de Janeiro de 2004. O Deputado Relator, Vitalino Canas - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP, BE e Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 367/IX
(LEI-QUADRO DOS INSTITUTOS PÚBLICOS)

Parecer do Governo Regional dos Açores

Encarrega-me S. Ex.ª o Presidente do Governo Regional de transmitir a V. Ex.ª, a título de posição do Governo Regional dos Açores, que, na generalidade, nada há a opor à aprovação do presente diploma.
Todavia, cumpre-me sugerir uma redacção diversa da enunciada no que respeita ao âmbito de aplicação nas regiões autónomas, por forma a que se observe o disposto na alínea o) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea i) do n.º 1 do artigo 31.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Assim, propõe-se que o n.º 2 do artigo 1.º do projecto de lei em apreço passe a ter a seguinte redacção:

"Artigo 1.º
(…)

1 - (…)
2 - A aplicação da presente lei aos institutos públicos que integram a administração indirecta das regiões autónomas será feita por decreto legislativo regional, face às especificidades regionais.
3 - (…)

a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (...)
h) (...)

Ponta Delgada, 29 de Dezembro de 2003. O Chefe do Gabinete, Luís Jorge de Araújo Soares.

PROJECTO DE LEI N.º 395/IX
GARANTE O PORTE PAGO AOS ÓRGÃOS DE IMPRENSA REGIONAL E A PUBLICAÇÕES ESPECIALIZADAS

Preâmbulo

A importância da imprensa regional num país como o nosso, com baixíssimos índices de leitura, é unanimemente reconhecida. Os órgãos de imprensa regional têm um papel social insubstituível, quer na vida das regiões em que se inserem, divulgando um tipo de noticiário de interesse regional que normalmente não tem expressão através da imprensa de expansão nacional e contribuindo para a dinamização cultural e mesmo económica das regiões em que inserem, quer como elemento de ligação com muitos cidadãos que, em Portugal ou no estrangeiro, vivem longe das regiões de origem.
A imprensa regional constitui um valioso factor de pluralidade e diversidade da comunicação social, tanto mais importante quanto se assiste ao vertiginoso processo de concentração dos grandes meios de comunicação nas mãos de uns poucos grupos económicos.
Não obstante esta realidade, que aponta inequivocamente para a necessidade de reforçar os meios de incentivo à imprensa regional, foi aprovada legislação em 1997, pelo XIII Governo Constitucional (Decreto-Lei n.º 37-A/97, de 31 de Janeiro) que, invocando intuitos moralizadores, reduziu a comparticipação pública nos custos de expedição da generalidade das publicações da imprensa regional para os seus assinantes.
Essa medida legislativa acabaria por ser alterada pela Assembleia da República, em Junho desse mesmo ano, tendo sido reposto em sede de apreciação parlamentar o porte pago a 100% para as publicações que tivessem no mínimo periodicidade semanal e cumprissem determinados requisitos indiciadores da existência de projectos credíveis e profissionais.
Porém, na VIII Legislatura o XIV Governo logrou obter condições políticas favoráveis para regressar às suas intenções iniciais e, apesar da oposição do PCP, do PSD e do CDS-PP, conseguiu eliminar a comparticipação o porte pago a 100% com a aprovação do Decreto-Lei n.º 56/2001, de 19 de Fevereiro.
Conhecida a oposição dos partidos que compõem a actual maioria governamental a essa medida, seria de

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esperar que o XV Governo Constitucional procedesse à reposição do porte pago a 100% para a imprensa regional. No entanto, isso não aconteceu. E, pior ainda, o membro do Governo responsável pela imprensa regional veio afirmar a sua intenção de reduzir ainda mais a comparticipação do Estado nos custos de expedição dessas publicações.
O actual Governo, tal como o anterior, justifica esta medida com propósitos de moralização. Afirma-se que muitas entidades utilizam o regime do porte pago para, em fraude à lei, obterem proveitos próprios, através de publicações que, sob a aparência de órgãos de imprensa regional, não passam de meios de distribuição de publicidade.
Só que a redução da comparticipação do Estado não só não põe cobro a eventuais fraudes à lei, como tem o efeito de "fazer pagar o justo pelo pecador".
Para o PCP a moralização da utilização dos recursos públicos destinados a apoiar a imprensa regional é obviamente indispensável. Mas essa moralização obtém-se através de uma fiscalização rigorosa da concessão de apoios e nunca através de um "corte cego" que prejudica fundamentalmente quem mais deveria ser apoiado.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõe que seja reposta em 100% a assunção pelo Estado dos custos de expedição das publicações abrangidas pelo porte pago, segundo critérios rigorosos e fiscalizáveis que impeçam a utilização indevida desses apoios.
O PCP considera indispensável a definição precisa do âmbito de aplicação do regime de porte pago a 100%, e a adopção de medidas de fiscalização e de controlo que permitam maior rigor na aplicação da lei e que combatam eventuais situações de fraude. Mas não aceita medidas que se traduzam na imposição de custos acrescidos de expedição aos verdadeiros órgãos de imprensa regional, cuja actividade é digna de reconhecimento e apoio por parte do Estado.
Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

Os artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 56/2001, de 19 de Fevereiro, que estabelece o novo sistema de incentivos do Estado à comunicação social, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 6.º
(Publicações de informação geral)

1 - As entidades proprietárias ou editoras de publicações periódicas de informação geral, que sejam de âmbito regional ou destinadas às comunidades portuguesas no estrangeiro, beneficiam de uma comparticipação de 100% no custo da sua expedição postal para assinantes, desde que, à data de apresentação do requerimento de candidatura, as respectivas publicações perfaçam, no mínimo, seis meses de registo e de edição, não ocupem com conteúdo publicitário uma superfície superior a 50% do espaço disponível, incluindo suplementos e encartes, no período em que usufruem do incentivo, e se encontrem numa das seguintes situações:

a) Tenham pelo menos cinco profissionais com contrato individual de trabalho ao seu serviço, dos quais três jornalistas, e uma tiragem média mínima por edição de 5000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, caso a periodicidade com que se encontram registadas seja igual ou inferior à trissemanal;
b) Tenham pelo menos três profissionais com contrato individual de trabalho ao seu serviço, dos quais dois jornalistas, e uma tiragem média mínima por edição de 3000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, caso a periodicidade com que se encontrem registadas seja superior à trissemanal e igual ou inferior à semanal;
c) Tenham pelo menos dois profissionais com contrato individual de trabalho, dos quais um jornalista, e uma tiragem média mínima por edição de 1000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, caso a periodicidade com que se encontrem registadas seja superior à semanal e igual ou superior à quinzenal;
d) Tenham pelo menos um profissional com contrato individual de trabalho ao seu serviço e uma tiragem média mínima por edição de 1000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, caso a periodicidade com que se encontrem registadas seja superior à quinzenal e igual ou inferior à mensal;
e) Tenham uma tiragem média mínima por edição de 1000 exemplares nos seis meses anteriores à data de apresentação do requerimento de candidatura, desde que a periodicidade com que se encontrem registadas seja igual ou inferior à mensal e não exista publicação congénere no município onde se localiza a respectiva sede de redacção.

2 - O mesmo trabalhador não pode concorrer para o preenchimento, por mais de uma publicação periódica, do número de profissionais exigido nas alíneas a) a d) do artigo anterior.
3 - As entidades que se enquadrem no disposto nas alíneas a) a d) do n.º 1 devem possuir contabilidade organizada.

Artigo 7.º
Publicações especializadas

1 - Podem ainda aceder ao porte pago no custo da expedição postal para assinantes das publicações que editem, as seguintes entidades:

a) As associações representativas dos deficientes que editem publicações que divulguem regularmente temas do interesse específico dos deficientes, como tal reconhecidas através de parecer dos serviços da Administração que se ocupam da área da inserção social;
b) As entidades proprietárias ou que editem publicações com manifesto interesse em matéria científica ou tecnológica, como tal reconhecido através de parecer dos serviços da Administração que se ocupam das áreas da ciência e tecnologia;
c) As entidades proprietárias ou que editem publicações com manifesto interesse em matéria literária ou artística, como tal reconhecido através de

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parecer dos serviços da Administração que se ocupam da área da cultura;
d) As confederações sindicais ou patronais integradas na Comissão Permanente da Concertação Social do Conselho Económico e Social que editem publicações reconhecidas, através de parecer dos serviços da Administração que se ocupam da área do trabalho, como o órgão oficial de um parceiro social;
e) As entidades proprietárias ou que editem publicações que estimulem o relacionamento e o intercâmbio com os povos dos países e territórios de língua portuguesa, como tal reconhecidas por parecer dos serviços da Administração que se ocupam da cooperação;
f) As entidades proprietárias ou que editem publicações que promovam a igualdade de oportunidades, como tal reconhecidas através de parecer dos serviços da Administração que se ocupem daquela área."

Artigo 2.º
Serviço público postal

A expedição das publicações abrangidas pelo porte pago nos termos da presente lei deve ser efectuada através da empresa concessionária do serviço público de distribuição postal.

Artigo 3.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 8 de Janeiro de 2004. Os Deputados do PCP: António Filipe - Lino de Carvalho - Bernardino Soares - Bruno Dias - Luísa Mesquita - Honório Novo.

PROJECTO DE LEI N.º 396/IX
INSTITUI O CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE - CNS

Exposição de motivos

Nos termos da Constituição da República Portuguesa (cfr. artigo 64.º), "Todos têm o direito à protecção da saúde e o dever de a defender e proteger", sendo o direito à saúde realizado "através de um Serviço Nacional de Saúde universal e geral (…)".
Decorre expressamente do n.º 1 da Base I da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde - que "A protecção da saúde constitui um direito dos indivíduos e da comunidade que se efectiva pela responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado (…)".
A participação e a via do diálogo social representam hoje uma importante componente da nossa organização democrática. Através do seu exercício tem sido possível em cada momento encontrar as melhores respostas para os desafios da modernidade e do desenvolvimento económico e social do País.
O envolvimento e a participação dos cidadãos na definição, no acompanhamento e na execução das políticas e medidas que directa ou indirectamente lhes dizem respeito, devem ser assumidas como motor fundamental e adequado a gerar os necessários equilíbrios para uma sociedade mais justa, solidária e na qual de facto os cidadãos se possam rever.
Também na área da saúde, à semelhança do que já ocorre noutras áreas, importa instituir mecanismos e práticas que assegurem a promoção do diálogo social e a participação dos cidadãos através das suas organizações representativas na definição e no acompanhamento da política da saúde. Tal como é referido no Relatório de Primavera de 2003 - Saúde: que rupturas?, realizado pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde, "Nas sociedades modernas e evoluídas os cidadãos situam-se no centro do modelo de prestação de cuidados de saúde. Por isso devem ser ouvidos sobre os cuidados prestados e as suas opiniões e preferências devem ser respeitadas, tentando satisfazer as suas legítimas expectativas".
As questões que presentemente se colocam no domínio da saúde, em particular no que concerne aos cuidados de saúde, aos modelos de gestão dos serviços de saúde e à qualidade e eficiência da prestação de cuidados, apresentam-se de tal modo importantes que obrigam a um compromisso permanente que envolva as forças vivas da sociedade civil.
Este desiderato pode ser alcançado, nomeadamente através da instituição de um órgão de consulta independente a funcionar junto do Governo, que represente os vários intervenientes existentes na sociedade civil e que tenha como objectivo contribuir permanente e sistematicamente para a melhoria do acesso dos cidadãos à prestação dos cuidados de saúde.
De resto, a própria Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde -, reconhecendo expressamente a necessidade e a vantagem da participação e consulta, já prevê, na sua Base VII, a instituição de um Conselho Nacional de Saúde, órgão de consulta independente no seio do qual estão representados os principais interessados no funcionamento do sistema de saúde.
Contudo, até ao momento nunca aquele órgão de consulta foi instituído, estando os utentes dos serviços de saúde, assim, arredados dos processos de participação e consulta que a Lei de Bases da Saúde expressamente lhes reconhece. Veja-se a este propósito, por exemplo, a recém criada Entidade Reguladora da Saúde, que, tendo entre as suas atribuições a defesa dos interesses dos utentes, não consagra na sua orgânica qualquer órgão de participação e consulta dos representantes dos utentes, contrariamente ao que se verifica nas demais entidades reguladoras.
Através do presente projecto de lei, dando cumprimento ao disposto na Lei de Bases da Saúde e honrando um compromisso que o PS assumiu com os portugueses e que consta do seu programa eleitoral, visam os signatários proponentes colmatar uma lacuna que importa suprir e estimular a participação e a cidadania na saúde, criando para o efeito o Conselho Nacional de Saúde, definindo a sua composição, competências e funcionamento.
Neste contexto, o projecto de lei que agora se apresenta reconhece e valoriza a participação e o diálogo social no quadro da política de saúde, contribuindo seguramente, em articulação com outras medidas legislativas apresentadas pelo PS (instituição do Provedor da Saúde e Lei das Associações de Utentes da Saúde), para melhorar o funcionamento do nosso sistema de saúde e para dar voz aos anseios e expectativas dos seus únicos destinatários, os cidadãos.

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Assim, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Partido Socialista, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei estabelece e regula a composição e o funcionamento do Conselho Nacional de Saúde, abreviadamente designado por CNS, previsto na Base VII da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto.

Artigo 2.º
Natureza e atribuições

1 - O CNS é um órgão de consulta do Governo, independente, que funciona junto do Ministério da Saúde, exercendo a sua acção em todas as matérias relacionadas com a política de saúde.
2 - O CNS tem como atribuição assegurar e estimular a participação das várias forças sociais, culturais e económicas na procura de consensos alargados em torno da política de saúde.

Artigo 3.º
Competências

Atento o disposto no artigo anterior, compete, nomeadamente, ao CNS:

a) Pronunciar-se sobre todas as questões relacionadas com a definição e execução da política de saúde que sejam submetidas à sua apreciação pelo Governo ou por qualquer das entidades nele representadas;
b) Emitir parecer sobre iniciativas legislativas relevantes em matéria de saúde, nomeadamente as relativas aos direitos e interesses dos utentes dos serviços de saúde, bem como à qualidade e ao funcionamento dos serviços de saúde;
c) Estudar e propor ao Governo medidas gerais e sectoriais na área da saúde;
d) Dar parecer sobre as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para a área da saúde, em momento prévio à sua apresentação pelo Governo à Assembleia da República;
e) Dar parecer sobre o balanço anual relativo à avaliação das medidas de resolução das situações de espera, em momento prévio à sua apresentação pelo Governo à Assembleia da República;
f) Acompanhar, em particular, o estabelecimento e desenvolvimento de parcerias público/privadas, o processo de empresarialização dos hospitais pertencentes ao SNS, bem como a prestação dos cuidados de saúde primários e a adopção de eventuais programas e ou medidas de recuperação de listas de espera;
g) Elaborar um relatório bianual sobre o funcionamento dos serviços de saúde, na óptica dos cidadãos;
h) Publicar os relatórios, pareceres ou quaisquer outros trabalhos emitidos no âmbito das suas competências;
i) Aprovar o plano anual de actividades e respectivo relatório;
j) Aprovar o seu regimento interno.

Artigo 4.º
Composição

1 - O CNS integra representantes das organizações de defesa dos utentes de saúde, das organizações sócio-profissionais e de outras entidades relevantes em razão da matéria.
2 - São membros do CNS:

a) O Ministro da Saúde, que preside;
b) Um representante por cada grupo parlamentar, a designar pela Assembleia da República;
c) Dois representantes do Governo, mediante convite do Ministro da Saúde em função das matérias a tratar;
d) Um representante do Governo Regional da Região Autónoma dos Açores;
e) Um representante do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira;
f) Quatro representantes das Associações de Defesa dos Utentes de Saúde;
g) Dois representantes das entidades prestadoras de cuidados de saúde, um dos quais em representação do sector privado e outro em representação do sector social;
h) Dois representantes dos subsistemas de saúde;
i) Três representantes das associações sindicais, dos quais um em representação de cada uma das confederações sindicais com assento no Conselho Permanente de Concertação Social e um em representação das associações sindicais independentes;
j) Um representante da Associação Nacional de Municípios Portugueses;
k) Três representantes das ordens profissionais do sector da saúde.

3 - Os membros do CNS são indicados pelas entidades que representam.
4 - Os membros do CNS a que se refere a alínea f) do n.º 2 são designados segundo os seguintes critérios:

a) Dois em representação das associações de defesa dos utentes de saúde de âmbito nacional e interesse genérico;
b) Dois em representação das associações de defesa dos utentes de saúde de interesse específico.

5 - Em razão das matérias a abordar, o presidente pode, por iniciativa própria ou a solicitação de qualquer membro do órgão, convidar entidades ou personalidades não referidas no n.º 2 do presente artigo, bem como convocar os dirigentes máximos da Administração Pública para participarem nas reuniões do CNS, sem direito a voto.

Artigo 5.º
Mandato

Os membros do CNS referidos nas alíneas d) a k) do n.º 2 do artigo anterior exercem o seu mandato por um período de três anos, renovável, podendo ser substituídos no exercício das suas funções mediante indicação prévia das entidades que representam.

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Artigo 6.º
Funcionamento

1 - O CNS reúne ordinariamente pelo menos duas vezes por ano e extraordinariamente nos termos do respectivo regulamento interno.
2 - O CNS pode deliberar desde que esteja presente mais de metade dos seus membros.
3 - As deliberações do CNS são tomadas por maioria dos seus membros em efectividade de funções, tendo o seu presidente voto de qualidade.
4 - Das reuniões do CNS são lavradas actas, nos termos gerais.

Artigo 7.º
Direito de informação

O CNS pode solicitar a quaisquer entidades públicas ou privadas os elementos que considere indispensáveis para a realização das suas tarefas.

Artigo 8.º
Apoio ao CNS

O apoio administrativo, logístico e técnico ao CNS é assegurado pelos serviços do Ministério da Saúde.

Artigo 9.º
Encargos financeiros

1 - Os encargos financeiros decorrentes do funcionamento do CNS são suportados por verbas próprias inscritas no orçamento do Ministério da Saúde.
2 - Os membros do CNS que não exerçam funções na Administração Pública têm direito a receber senhas de presença, cujo valor será fixado em despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde.
3 - Os membros do CNS têm ainda direito ao reembolso das despesas de deslocação e à compensação dos encargos decorrentes com a sua participação no CNS.

Artigo 10.º
Regulamento interno

O CNS aprova o seu regulamento interno no prazo de 120 dias a contar da data da realização da sua primeira reunião.

Artigo 11.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Palácio de São Bento, 14 de Janeiro de 2004. Os Deputados do PS: João Rui de Almeida - Afonso Candal - Luís Carito - Luísa Portugal - Nelson Baltazar.

PROJECTO DE LEI N.º 397/IX
CRIA O PROVEDOR DA SAÚDE

Exposição de motivos

A nossa Lei Fundamental reconhece a todos os cidadãos o direito à protecção da saúde, concretizado "através de um Serviço Nacional de Saúde universal e geral (…)", cabendo ao Estado a adopção de medidas que garantam "(…) o acesso de todos os cidadãos independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação" (artigo 64.º da CRP).
A saúde constitui, enquanto bem fundamental para os cidadãos, condição indispensável no caminho para uma sociedade mais justa e mais solidária. Por isso, uma adequada política de saúde terá sempre de atender ao duplo objectivo de assegurar o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde em condições de igualdade e equidade e de promover a qualidade e eficiência do sistema de saúde. Daqui decorre a necessidade de se revalorizar e dignificar o papel dos cidadãos no domínio da saúde, visando, designadamente, tornar o sistema mais sensível aos direitos, às necessidades e às expectativas dos cidadãos
Nas sociedades modernas os cidadãos ocupam cada vez mais um papel central no quadro dos modelos de prestação dos cuidados de saúde. A política de saúde é, assim, direccionada para a satisfação das necessidades e expectativas dos cidadãos, que devem dispor dos mecanismos adequados de participação, de reclamação e de recurso tendentes à defesa dos seus direitos e interesses.
As questões que presentemente se colocam no domínio da saúde, em particular no que concerne ao acesso à prestação dos cuidados de saúde e aos novos modelos de gestão em curso (a empresarialização dos serviços de saúde, a transformação dos hospitais em sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, o desenvolvimento de parcerias público/privadas, as alterações introduzidas no plano da prestação dos cuidados de saúde primários e a criação de uma Entidade Reguladora da Saúde, etc) apresentam-se do ponto de vista dos cidadãos de tal modo complexas que importa garantir-lhes a possibilidade de recurso a uma instância especialmente vocacionada para a promoção e defesa dos seus direitos.
Com efeito, a partir do momento em que os cidadãos entram no sistema de saúde confrontam-se com dificuldades acrescidas relacionadas com o exercício efectivo dos seus direitos, nomeadamente no que respeita à informação em geral e à reclamação em particular.
Existe entre nós a figura do Provedor de Justiça, que estende a sua intervenção sobre toda a actividade administrativa do Estado, ou seja, sobre os órgãos e serviços da Administração Pública. Constitui poder do Provedor de Justiça ajudar os cidadãos queixosos a obter auxílio contra injustiças ou atropelos da actividade administrativa, exercendo tal poder através das "recomendações" que podem ter por destinatário qualquer um dos órgãos ou serviços que se encontram no seu âmbito de actuação, nomeadamente os serviços públicos que prestam cuidados de saúde (hospitais, centros de saúde, etc).
Sem prejuízo do importante papel reservado ao Provedor de Justiça, entende o Grupo Parlamentar do PS que importa instituir um órgão independente e específico na área da saúde que, no quadro das transformações em curso no sistema de saúde, possa apoiar e promover os direitos de cidadania na saúde e contribuir para garantir a equidade no acesso aos cuidados de saúde, independentemente da natureza jurídica das entidades prestadoras destes serviços.
Nestes termos, e com os objectivos que antecedem, propõe-se através do presente projecto de lei a criação da figura do Provedor da Saúde, enquanto órgão independente e imparcial a funcionar junto da Assembleia da República,

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cuja principal tarefa é a de garantir e promover o exercício dos direitos dos utentes de saúde consagrados na lei.
Entre as competências previstas para o Provedor da Saúde, órgão eleito pela Assembleia da República, cumpre, pela importância que assumem no plano da promoção dos direitos dos cidadãos, destacar, nomeadamente, as que se prendem com:

a) O recebimento de reclamações dos cidadãos por acção ou omissão dos órgãos ou serviços públicos que prestam cuidados na área da saúde, bem como das entidades do sector social e privado, incluindo a prática liberal, que prestem cuidados de saúde;
b) A emissão de pareceres, recomendações e propostas dirigidas aos órgãos e serviços de saúde, com vista ao aperfeiçoamento e melhoria do acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde;
c) A divulgação dos direitos dos utentes de saúde, o seu significado, o seu conteúdo e os meios para o seu exercício;
d) A apresentação à Assembleia da República de um relatório semestral respeitante à sua actividade que aborde as iniciativas tomadas, as queixas e reclamações recebidas, as diligências efectuadas, os resultados obtidos e as perspectivas de trabalho futuro.

Finalmente, estabelecem-se as normas que regulam o processo de eleição do Provedor da Saúde, a duração do respectivo mandato, o estatuto remuneratório e demais direitos e regalias, bem como o respectivo regime de incompatibilidades.
É convicção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista que a criação da figura do Provedor da Saúde, com as competências que lhe são cometidas pelo presente projecto de lei, a par de outras iniciativas legislativas apresentadas pelo PS (nomeadamente o projecto de lei que cria o Conselho Nacional de Saúde, projecto de lei relativo às Associações de Defesa dos Utentes de Saúde, projecto de lei que estabelece medidas que visam assegurar em tempo útil o acesso à prestação de cuidados de saúde pelo Serviço Nacional de Saúde), contribuirá seguramente para o reforço e dignificação dos direitos dos cidadãos face à prestação dos cuidados de saúde em geral e para a promoção da acessibilidade em particular.
Assim, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Partido Socialista, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Provedor da Saúde

É criado o Provedor da Saúde, órgão independente que funciona junto da Assembleia da República, cuja função principal consiste na defesa e garantia dos direitos dos utentes de saúde consagrados na lei.

Artigo 2.º
Actividade

O Provedor da Saúde exerce a sua actividade com independência e imparcialidade face aos poderes públicos, privados e sociais.

Artigo 3.º
Dever de cooperação

Todas as entidades públicas que exercem competências no domínio da saúde, bem como as entidades do sector privado e social, incluindo o exercício liberal, que prestem cuidados de saúde devem colaborar com o Provedor de Saúde no exercício das suas funções.

Artigo 4.º
Competência

Compete ao Provedor da Saúde, nomeadamente:

a) Receber queixas por acção ou omissão dos órgãos ou serviços públicos que prestam cuidados na área da saúde, bem como das entidades do sector social e privado, incluindo a prática liberal;
b) Dirigir aos órgãos e serviços de saúde pedidos de informação que considere indispensáveis ao exercício das suas funções;
c) Emitir pareceres, recomendações e propostas dirigidas aos órgãos e serviços de saúde, com vista ao aperfeiçoamento e melhoria do acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde;
d) Colaborar com os órgãos e serviços competentes na procura das soluções adequadas tendentes à melhoria da qualidade dos serviços de saúde;
e) Acompanhar a execução de eventuais programas e ou medidas especiais de combate às listas de espera e aos factores que as promovem;
f) Divulgar os direitos dos utentes de saúde, o seu significado, o seu conteúdo e os meios para o seu exercício.

Artigo 5.º
Iniciativa

1 - O Provedor da Saúde emite os pareceres, recomendações e propostas a que se refere o artigo anterior, por iniciativa própria ou com base em solicitações, queixas ou reclamações que lhe sejam dirigidas.
2 - O Provedor da Saúde não tem poder decisório para apreciar queixas ou recomendações e a sua actividade é independente dos meios de impugnação graciosa e contenciosa, previsto na Constituição e nas leis.

Artigo 6.º
Eleição

1 - O Provedor da Saúde é eleito pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
2 - A eleição recai sobre cidadão ou cidadã que preencha os requisitos de elegibilidade para a Assembleia da República e goze de reputação e independência.

Artigo 7.º
Mandato

1 - O Provedor da Saúde é eleito por quatro anos, podendo ser reeleito apenas por uma vez, por igual período.

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2 - O mandato inicia-se com a tomada de posse perante o Presidente da Assembleia da República.
3 - Após o termo do mandato, o Provedor da Saúde mantém-se em exercício de funções até à posse do seu sucessor.
4 - O Provedor da Saúde pode renunciar ao mandato por carta dirigida ao Presidente da Assembleia da República.

Artigo 8.º
Estatuto remuneratório

1 - O Provedor da Saúde é remunerado de acordo com a tabela indiciária e o regime fixados para o cargo de director-geral, com faculdade de optar pelas remunerações correspondentes ao lugar de origem.
2 - O Provedor da Saúde tem direito a um abono mensal para despesas de representação de valor percentual igual ao fixado para os presidentes dos grupos parlamentares da Assembleia da República.

Artigo 9.º
Direitos e regalias

1 - O Provedor da Saúde não pode ser prejudicado na estabilidade do seu emprego, na sua carreira e no regime de protecção social de que beneficie.
2 - O tempo de serviço prestado como Provedor da Saúde conta, para todos os efeitos, como prestado nas funções de origem, bem como para aposentação ou reforma.
3 - O Provedor da Saúde beneficia do regime de protecção social aplicável aos funcionários públicos, se não estiver abrangido por outros mais favoráveis.
4 - O Provedor da Saúde tem direito a cartão especial de identificação, passado pela Secretaria-Geral da Assembleia da República e assinado pelo Presidente da Assembleia da República.
5 - O cartão de identificação é, simultaneamente, de livre trânsito e acesso às entidades e serviços públicos que prestem cuidados de saúde, bem como às entidades sociais e privadas, incluindo o exercício liberal.

Artigo 10.º
Serviços de apoio

1 - O Provedor da Saúde dispõe de um serviço de apoio técnico e administrativo, fixado por deliberação da Assembleia da República, que funcionará em instalações próprias, disponibilizadas pela Assembleia da República.
2 - O apoio administrativo é assegurado por funcionários do quadro da Assembleia da República, destacados para esse fim, por despacho do Presidente da Assembleia da República.
3 - Para o exercício das funções de apoio técnico o Provedor da Saúde pode requerer ao Presidente da Assembleia da República a requisição ou o destacamento de funcionários e agentes da Administração Pública, por períodos de um ano renováveis até ao fim do mandato do Provedor da Saúde.

Artigo 11.º
Incompatibilidades

1 - O Provedor da Saúde está sujeito ao regime de incompatibilidades dos titulares dos altos cargos públicos, com as necessárias adaptações.
2 - O Provedor da Saúde não pode exercer quaisquer funções em órgãos de partidos políticos ou associações políticas nem desenvolver actividades partidárias de carácter público.

Artigo 12.º
Relatório semestral

1 - O Provedor da Saúde apresenta semestralmente à Assembleia da República um relatório respeitante à sua actividade, anotando as iniciativas tomadas, as queixas e reclamações recebidas, as diligências efectuadas, os resultados obtidos e as perspectivas de trabalho futuro.
2 - O relatório a que se refere o número anterior é objecto de apreciação pelo Plenário da Assembleia da República, nos termos regimentais aplicáveis.

Artigo 13.º
Encargos

Os encargos com a remuneração do Provedor da Saúde e com o funcionamento dos serviços de apoio são suportados por dotação orçamental própria, inscrita no orçamento da Assembleia da República.

Artigo 14.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Palácio de São Bento, 14 de Janeiro de 2004. Os Deputados do PS: João Rui de Almeida - Afonso Candal - Luís Carito - Luísa Portugal - Nelson Baltazar.

PROJECTO DE LEI N.º 398/IX
LEI DAS ASSOCIAÇÕES DE DEFESA DOS UTENTES DE SAÚDE

Exposição de motivos

As associações de defesa dos utentes de saúde, assim como as Ligas de Amigos dos Hospitais, desempenham um importante papel no quadro do diálogo social e da participação que importa reconhecer e valorizar, nomeadamente no plano jurídico-legal.
É indesmentível que estas associações, à custa de uma dedicação despida de quaisquer objectivos que não sejam o bem-estar e a promoção dos direitos dos doentes, constituem uma pedra fundamental para a obtenção dos compromissos e consensos necessários em torno da política de saúde.
As transformações que presentemente estão a ocorrer no sector da saúde, designadamente ao nível da prestação dos cuidados de saúde primários, da criação de mais de três dezenas de hospitais-empresa sob a forma de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, da instituição de parcerias público/privadas no que concerne à construção e gestão de novos hospitais e da criação de uma Entidade Reguladora da Saúde, exigem uma participação e compromisso permanentes e sistematizados dos utentes de saúde, através das suas organizações representativas, o que impõe também, da parte do Estado, a adopção

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de medidas e apoios específicos que facilitem e estimulem aquela participação.
Contrariamente ao que se verifica relativamente à generalidade das demais associações da sociedade civil, as associações dos utentes de saúde não dispõem de um quadro jurídico base específico que enquadre, nomeadamente, a sua acção, os seus direitos e formas de participação no domínio da cidadania e da política de saúde.
Este enquadramento legal afigura-se indispensável enquanto instrumento potenciador de valorização e de estímulo à participação das associações dos doentes no domínio da política de saúde, contribuindo ao mesmo tempo para colmatar uma lacuna que importava resolver.
Através do presente projecto de lei visa, objectivamente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista suprir esta lacuna e valorizar o papel das associações de utentes de saúde, criando condições adequadas ao exercício da sua actividade e missão, prevendo para o efeito, designadamente:
- A aprovação de um enquadramento jurídico base aplicável às associações de utentes de saúde;
- A valorização do papel das associações de utentes de saúde aos diversos níveis (nacional, regional e local);
- A consagração do direito de participação e de intervenção das associações de utentes de saúde na definição e acompanhamento da política de saúde, reconhecendo-lhes o estatuto de parceiro social traduzido na indicação de representantes para órgãos de consulta e participação que funcionem junto de entidades que tenham competência no domínio da saúde, nomeadamente para o Conselho Nacional de Saúde;
- O reconhecimento do direito das associações de utentes de saúde ao apoio e colaboração do Estado em tudo o que respeite à melhoria e à promoção dos direitos e interesses dos utentes dos serviços de saúde.
Com a aprovação da presente iniciativa legislativa a Assembleia da República criará condições para que fique institucionalizada a via do diálogo social e da participação num sector fundamental para os cidadãos.
Assim, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Partido Socialista, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

1 - A presente lei estabelece os direitos de participação e de intervenção das associações de defesa dos utentes de saúde, junto da Administração Central, regional e local.
2 - Em tudo o que não se encontre especialmente regulado na presente lei é aplicável às associações de defesa dos utentes de saúde o regime legal das associações, de acordo com a sua natureza estatutária.

Artigo 2.º
Natureza jurídica

1 - As associações de defesa dos utentes de saúde são associações constituídas nos termos da lei geral, dotadas de personalidade jurídica, sem fins lucrativos e com o objectivo principal de proteger os interesses e os direitos dos utentes de saúde.
2 - As associações de defesa dos utentes de saúde podem ser de âmbito nacional, regional ou local, consoante a área a que circunscrevem a sua acção e tenham, pelo menos 1000, 500 e 100 associados, respectivamente.
3 - As associações de defesa dos utentes de saúde podem ser ainda de interesse genérico ou de interesse específico, nos seguintes termos:
4 - São de interesse genérico as associações cujo fim estatutário seja a tutela dos interesses dos utentes de saúde em geral.
5 - São de interesse específico as demais associações cuja fim estatutário seja a defesa dos doentes portadores de determinada patologia.
6 - As designadas Ligas de Amigos das Unidades de Saúde podem constituir-se como associação de defesa dos utentes de saúde, desde que nos respectivos estatutos esteja referenciada essa vontade, podendo beneficiar do regime previsto na presente lei.
7 - Para efeitos da presente lei, são equiparadas a associações as uniões e federações por elas criadas.

Artigo 3.º
Independência e autonomia

1 - As associações de defesa dos utentes de saúde são independentes do Estado e dos partidos políticos e têm o direito de livremente elaborar, aprovar e modificar os seus estatutos, eleger os seus corpos sociais, aprovar os seus planos de actividades e administrar o seu património.
2 - A atribuição de qualquer tipo de apoios por parte do Estado às associações de defesa dos utentes de saúde não pode condicionar a sua independência e autonomia.

Artigo 4.º
Dever de colaboração

O Estado deve, através da Administração Central, regional e local, colaborar com as associações de defesa dos utentes de saúde em tudo o que respeite à melhoria e à promoção dos direitos e interesses dos utentes dos serviços de saúde.

Artigo 5.º
Direitos

1 - As associações de defesa dos utentes de saúde gozam dos seguintes direitos:

a) Participar nos processos legislativos referentes à política de saúde, bem como nos demais processos de consulta e audição públicas a realizar no decurso da tomada de decisões susceptíveis de afectar os direitos e interesses dos utentes de saúde;
b) Ao estatuto de parceiro social em matérias que digam respeito à política de saúde, traduzido na indicação de representantes para órgãos de consulta e participação que funcionem junto de entidades que tenham competência no domínio da saúde;

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c) Beneficiar do direito de antena nos serviços públicos de rádio e televisão, nos mesmos termos das associações com estatuto de parceiro social;
d) Solicitar junto dos órgãos da Administração Central, regional e local as informações que lhes permitam acompanhar a definição e a execução da política de saúde;
e) Ao apoio do Estado, através da administração central, regional e local, para a prossecução dos seus fins, nomeadamente no exercício da sua actividade no domínio da formação, informação e representação dos utentes de saúde.
f) A benefícios fiscais idênticos aos concedidos ou a conceder às instituições particulares de solidariedade social.

2 - Os direitos previstos na alínea c) do número anterior são exclusivamente reportados às associações de defesa dos utentes de saúde de âmbito nacional e interesse genérico.
3 - As associações de defesa dos utentes de saúde de âmbito regional e local exercem os direitos previstos na alínea a) do n.º 1 do presente artigo em função da incidência das medidas no âmbito geográfico e material da sua acção.

Artigo 6.º
Reconhecimento

1 - Compete ao Ministério da Saúde o reconhecimento do âmbito e da representatividade, a requerimento das associações interessadas.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior as associações de defesa dos utentes de saúde interessadas devem enviar ao Ministério da Saúde uma cópia dos respectivos estatutos, programas de actividades e outros elementos julgados necessários com vista à apreciação dos requerimentos.

Artigo 7.º
Mecenato associativo

Aos donativos feitos a associações de defesa dos utentes de saúde aplicam-se as regras previstas na lei do mecenato.

Artigo 8.º
Associações já constituídas

As associações já constituídas à data da entrada em vigor da presente lei que pretendam beneficiar do regime nela estabelecido devem cumprir o disposto no artigo 6.º.

Artigo 9.º
Entrada em vigor

As disposições constantes da presente lei que não carecem de regulamentação entram em vigor imediatamente, salvo as que tenham incidência orçamental, que entrarão em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Palácio de São Bento, 14 de Janeiro de 2003. Os Deputados do PS: João Rui de Almeida - Afonso Candal - Luís Carito - Luísa Portugal - Nelson Baltazar.

PROJECTO DE LEI N.° 399/IX
PROCEDE À SEGUNDA ALTERAÇÃO À LEI N.° 48/90, DE 24 DE AGOSTO - LEI DE BASES DA SAÚDE

Exposição de motivos

Reconhecendo e valorizando o diálogo social e a participação, a Lei n.° 48/90, de 24 de Agosto, denominada Lei de Bases da Saúde, prevê, na sua Base VII, a existência do Conselho Nacional de Saúde, que define como sendo um órgão de consulta que representa junto do Governo os interessados no funcionamento das entidades prestadoras de cuidados de saúde.
A citada norma legal dá uma indicação, ainda que não taxativa, do que deve ser a composição do Conselho Nacional de Saúde, referindo, nomeadamente, representantes dos utentes, dos subsistemas de saúde, dos seus trabalhadores e dos departamentos governamentais com áreas de actuação conexas ou de outras entidades. No que concerne aos representantes dos utentes, os mesmos são eleitos pela Assembleia da República.
Finalmente, de sublinhar que o legislador remeteu para a lei a composição, competência e funcionamento do Conselho Nacional de Saúde.
Não obstante tratar-se de uma norma legal que assume enorme relevância no contexto da participação dos interessados no sistema de saúde, a verdade é que não foi, até ao momento, criado o Conselho Nacional de Saúde, situação que o Grupo Parlamentar do PS pretende alterar com a aprovação de uma outra iniciativa legislativa que institui aquele órgão e define a sua composição, competências e funcionamento.
Contudo, e de modo a poder tornar exequível a instituição do Conselho Nacional de Saúde, importa, no quadro da Lei de Bases da Saúde, proceder a uma actualização da redacção constante da Base VII, designadamente eliminando a exigência da eleição dos representantes dos utentes pela Assembleia da República; definindo com clareza o âmbito de acção do Conselho Nacional de Saúde e prevendo expressamente que o Conselho Nacional de Saúde funciona junto do Ministério da Saúde, que lhe presta o apoio técnico, administrativo e logístico necessário ao cumprimento da sua missão.
Assim, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Partido Socialista, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo único
(Alteração)

A Base VII da Lei n.° 48/90, de 24 de Agosto, é alterada, passando a ter a seguinte redacção:

"Base VII
Conselho Nacional de Saúde

1 - O Conselho Nacional de Saúde é um órgão independente de consulta do Governo, exercendo a sua acção em todas as matérias relacionadas com a política de saúde.
2 - O Conselho Nacional de Saúde funciona junto do Ministério da Saúde, que lhe presta o apoio administrativo, logístico e técnico necessário ao desenvolvimento da sua actividade.

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3 - O Conselho Nacional de Saúde integra representantes dos vários intervenientes na área da saúde, nomeadamente dos útentes de saúde, dos subsistemas de saúde, dos profissionais de saúde e da Administração Central, regional e local com competências no domínio da saúde.
4 - (...)"

Palácio de São Bento, 14 de Janeiro de 2003. Os Deputados do PS: João Rui de Almeida - Afonso Candal - Luís Carito - Luísa Portugal - Nelson Baltazar.

PROPOSTA DE LEI N.º 81/IX
(TRANSPÕE PARA A ORDEM JURÍDICA NACIONAL A DIRECTIVA 2000/43/CE, DO CONSELHO, DE 29 DE JUNHO DE 2000, QUE APLICA O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE TRATAMENTO ENTRE AS PESSOAS, SEM DISTINÇÃO DE ORIGEM RACIAL OU ÉTNICA, TENDO POR OBJECTIVO ESTABELECER UM QUADRO JURÍDICO PARA O COMBATE À DISCRIMINAÇÃO BASEADA EM MOTIVOS DE ORIGEM RACIAL OU ÉTNICA)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Introdução

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei n.º 81/IX, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, tendo por objectivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica.
Esta apresentação foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais artigo 138.º do Regimento.
Admitida e numerada, a iniciativa vertente baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias para a emissão do respectivo relatório/parecer.

II - Do objecto, motivação e conteúdo da iniciativa

Com a iniciativa em apreço o Governo visa transpor, parcialmente, para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, tendo por objectivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica.
Sumariamente, a proposta de lei, como a directiva, estabelece normas relativas apenas à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica, e não, como a Lei n.º 134/99, à discriminação mais vasta que atende também à cor ou à nacionalidade. Aliás, em ambas, é expressamente afastada a questão da discriminação em razão da nacionalidade; e, em ambas, não ficam prejudicadas as disposições e condições relativas à entrada e residência de nacionais de países terceiros e pessoas apátridas no território nacional, nem qualquer tratamento que decorra do estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros e das pessoas apátridas em causa.
Por outro lado, a matéria relativa à não discriminação no contrato de trabalho, nos contratos equiparados e na relação jurídica de emprego público, independentemente de conferir a qualidade de funcionário ou agente da Administração Pública, é regulada em diploma próprio, mormente no Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
O disposto na proposta de lei aplica-se, tanto ao sector público como ao privado, à protecção social, incluindo a segurança social e os cuidados de saúde, aos benefícios sociais, à educação e ao acesso e fornecimento de bens e prestação de serviços postos à disposição do público, incluindo a habitação.
Nesse contexto, a proposta de lei consagra os níveis mínimos de protecção e não prejudica as disposições mais favoráveis estabelecidas noutra legislação, devendo prevalecer o regime que melhor garanta o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.
Seguindo a directiva, a proposta de lei vem definir, para efeitos do seu âmbito de aplicação, o princípio da igualdade de tratamento como a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão da origem racial ou étnica.
Nestes termos, a proposta de lei considera que existe discriminação directa sempre que, em razão da origem racial ou étnica, uma pessoa seja objecto de tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável e discriminação indirecta sempre que disposição, critério ou prática, aparentemente neutros, coloquem pessoas de uma dada origem racial ou étnica numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas.
No entanto, a proposta de lei entende que não se considera discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados, sempre que, em virtude da natureza das actividades em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o seu exercício, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional. E aqui a proposta de lei afasta-se da directiva, uma vez que esta apenas aplica este critério às situações de discriminação indirecta.
Quanto às práticas discriminatórias, a proposta de lei limita-se a reproduzir as alíneas c) a j) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto.
A proposta de lei vem ainda estipular que as associações que, de acordo com o respectivo estatuto, tenham por fim a defesa da não discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica têm legitimidade para intervir, em representação ou em apoio do interessado e com a aprovação deste, nos respectivos processos jurisdicionais.
No que respeita ao ónus da prova, retoma-se o já consagrado na legislação portuguesa, por exemplo no n.º 3 do artigo 232.º do Código do Trabalho, em que cabe a quem alegar ter sofrido uma discriminação fundamentá-la, apresentando elementos de facto susceptíveis de a indiciarem, incumbindo à outra parte provar que as diferenças de tratamento não assentam em nenhum dos factores indicados no artigo 3.º da proposta da lei.
A proposta de lei visa também estipular que é nulo o acto retaliatório que implique tratamento ou consequências desfavoráveis contra qualquer pessoa, por causa do exercício

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do direito de queixa ou de acção em defesa do princípio da igualdade de tratamento.
Ao Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas é cometida a promoção da igualdade e a promoção, através do Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração, do diálogo entre os parceiros sociais aí representados e as organizações que actuam neste âmbito.
É ainda cometido ao Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas propor, através da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, medidas normativas, bem como prestar às vítimas de discriminação o apoio e a informação necessários para a defesa dos seus direitos.
No que respeita ao regime sancionatório, a proposta de lei repete o disposto no Decreto-Lei n.º 111/2000, de 4 de Junho.

III - O regime jurídico vigente

O princípio da igualdade tem consagração constitucional no artigo 13.º da Constituição (CRP), que estipula que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei (n.º 1) e que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social (n.º 2).
Por outro lado, dispõe o artigo 26.º, n.º 1, que a todos são reconhecidos os direitos à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação e o artigo 15.º, n.º 1, que os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.
Aparte estas, mais relevantes para a questão em apreço, outras disposições há na CRP que dispõem sobre este tema, como o artigo 35.º, sobre a utilização da informática, o artigo 46.º, que proíbe as organizações racistas, ou o artigo 59.º, sobre o direito dos trabalhadores.
No âmbito da lei ordinária, o Código Penal tipifica como crimes contra a humanidade o crime de genocídio (artigo 239.º) e o crime de discriminação racial ou religiosa (artigo 240.º) e qualifica o homicídio e a ofensa à integridade física quando "determinado por ódio racial, político ou religioso" (artigo 132.º, n.º 2, alínea e) e artigo 146.º, n.º 2), que deste modo são susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade e passíveis de punição mais severa.
Para além da lei penal, outros diplomas há que, de uma maneira abrangente, tratam especificamente a questão da discriminação, maxime da discriminação racial ou étnica, estabelecendo mecanismos jurídicos de fiscalização e de sancionamento para a prevenção e punição dos actos discriminatórios.
Assim, a Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, tem por objecto prevenir e proibir a discriminação racial sob todas as suas formas e sancionar a prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais ou culturais, por quaisquer pessoas, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
Esta lei criou ainda a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, com competência para, nomeadamente, recolher toda a informação relativa à prática de actos discriminatórios e à aplicação das respectivas sanções.
O Decreto-Lei n.º 111/2000, de 4 de Julho, veio regulamentar a Lei n.º 134/99, designadamente quanto ao regime sancionatório, tendo ampliado o quadro das sanções acessórias e determinado a punibilidade da tentativa e da negligência, entre outras medidas.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 251/2002, de 22 de Novembro, veio criar o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, que tem por missão, mormente, promover a integração dos imigrantes e minorias étnicas na sociedade portuguesa.
Sobre esta matéria vigoram também na ordem interna as normas constantes de diversas convenções internacionais ratificadas ou aprovadas por Portugal, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem - também designada como Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e como Convenção para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro -, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (aprovada pela Lei n.º 7/82, de 29 de Abril).

IV - Enquadramento comunitário

A União Europeia, nos termos do artigo 6.º do Tratado, assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios estes que são comuns aos Estados-membros e que a União respeitará, tal como os garante a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.
O direito à igualdade perante a lei e à protecção contra a discriminação para todas as pessoas constitui um direito universal, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, pela Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e pelo Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de que todos os Estados-membros são signatários.
Posteriormente, o artigo 13.º do Tratado da Comunidade Europeia, introduzido pelo Tratado de Amsterdão, veio conferir à União Europeia uma base jurídica para lutar contra todas as formas de discriminação baseada no género, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.
A mais recente consolidação dos direitos fundamentais e da não-discriminação na União Europeia foi a proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais no Conselho Europeu de Nice, em 7 de Dezembro de 2000, que reafirma os direitos que decorrem, designadamente, das tradições constitucionais e das obrigações internacionais comuns aos Estados-membros da União, da Convenção Europeia de

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Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, da Carta Social Europeia e da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores ou do próprio Tratado da União Europeia.
Neste contexto, os Estados-membros e as instituições europeias afirmaram desde muito cedo o seu compromisso de defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, condenando a intolerância, o racismo, a xenofobia e o anti-semitismo.
Entendem os Estados-membros e as instituições comunitárias, além do mais, que a discriminação baseada na origem racial ou étnica compromete a realização dos objectivos do Tratado da Comunidade Europeia, nomeadamente o desenvolvimento da União Europeia enquanto espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Além de que essa discriminação compromete o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social e a solidariedade, para além de um elevado nível de emprego e protecção social.
Mais entendem que, para assegurar o desenvolvimento de sociedades democráticas e tolerantes e que permitam a participação de todas as pessoas, independentemente da origem ou racial étnica, as acções específicas no domínio da discriminação em razão da origem racial ou étnica devem ir além do acesso ao emprego e ao trabalho independente, abrangendo domínios como a educação, a protecção social, incluindo a segurança social e os cuidados médicos, os benefícios sociais e o acesso e fornecimento de bens e serviços.
Desde 1977, através da declaração conjunta do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, relativa à protecção dos direitos fundamentais e à Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, as instituições europeias dispuseram de numerosas ocasiões para reiterarem a sua determinação na defesa dos direitos humanos e liberdades fundamentais, condenando todas as formas de intolerância, racismo e xenofobia.
Assim, a Comissão apresentou uma comunicação em 13 de Dezembro de 1995 e o Conselho adoptou, em 23 de Julho de 1996, uma resolução relativa à designação de 1997 como Ano Europeu contra o Racismo.
Nessa mesma linha, o Conselho aprovou a Acção Comum 96/443/JAI, de 15 de Julho de 1996, relativa à acção contra o racismo e a xenofobia, através da qual os Estados-membros se comprometem a assegurar uma cooperação judicial efectiva relativamente aos delitos baseados em comportamentos racistas ou xenófobos.
No ano seguinte, foi criado pelo Regulamento (CE) n.º 1035/97, do Conselho, de 2 de Junho de 1997, o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia, com sede em Viena, cujo principal objectivo consiste em fornecer à Comunidade e aos Estados-membros informação objectiva, fiável e comparável a nível europeu sobre os fenómenos do racismo e da xenofobia.
Também o Parlamento Europeu aprovou numerosas resoluções sobre o racismo, a xenofobia, o anti-semitismo e a extrema-direita, como as Resoluções n.º B4-1239/95, n.º B4-0045/97 ou n.º A5-0049/2000, só para citar algumas.
Por seu turno, o Conselho Europeu, reunido em Tampere em 15 e 16 de Outubro de 1999, convidou a Comissão a apresentar propostas para dar cumprimento ao disposto no artigo 13.º do Tratado da Comunidade Europeia em matéria de luta contra o racismo e a xenofobia.
Em resposta, foram adoptadas diversas medidas anti-discriminação, que incluem a Directiva 2000/78/CE, do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, e a Decisão 2000/750/CE, do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um programa de acção comunitário de luta contra a discriminação.
A Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, é a que é parcialmente transposta pela proposta de lei em apreço.
Esta directiva define os conceitos de discriminação directa e indirecta e proíbe a discriminação nos domínios do emprego, da protecção e segurança sociais, dos benefícios sociais, da educação e do acesso ao fornecimento de bens e serviços.
Além disso, a directiva faculta às pessoas que se considerem vítimas de discriminação o recurso a processos administrativos ou judiciais que lhes permitam fazer valer os seus direitos, prevendo, ao mesmo tempo, sanções para os agentes da discriminação. Para reforçar a posição das vítimas, a directiva inverte o ónus da prova, de maneira a incumbir à parte demandada, e permite às vítimas o recurso à ajuda de associações.
A directiva fornece protecção igualmente contra o assédio racial nos domínios abrangidos e proíbe a retaliação contra pessoas que exerceram direitos consagrados na directiva.
Ademais, a directiva impõe a todos os Estados-membros a instituição de um ou mais órgãos independentes de promoção da igualdade de tratamento, sem distinção de origem racial ou étnica.
Por fim, a directiva contém um conjunto de requisitos mínimos: os Estados-membros podem introduzir ou manter disposições mais favoráveis relativas à protecção do princípio da igualdade de tratamento. Os Estados-membros poderão também tomar medidas positivas destinadas a compensar desvantagens relacionadas com a origem racial ou étnica.

V - Conclusões

1 - A proposta de lei transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, tendo por objectivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica;
2 - A apresentação da proposta de lei em apreço foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais artigo 138.º do Regimento;
3 - A proposta de lei define os conceitos de discriminação directa e indirecta e proíbe a discriminação nos domínios do emprego, da protecção e segurança sociais, dos benefícios sociais, da educação e do acesso ao fornecimento de bens e serviços;
4 - Quanto às práticas discriminatórias, a proposta de lei limita-se a reproduzir as alíneas c) a j) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto;

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5 - A proposta de lei inverte o ónus da prova, de maneira a incumbir à parte demandada a prova da inexistência de tratamento discriminatório, e permite às vítimas o recurso à ajuda de associações;
6 - A proposta de lei vem também estipular como nulo o acto retaliatório, por causa do exercício do direito de queixa ou de acção em defesa do princípio da igualdade de tratamento;
7 - A proposta de lei estabelece novas competências para o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas;
8 - No que respeita ao regime sancionatório, a proposta de lei repete o disposto no Decreto-Lei n.º 111/2000, de 4 de Junho.
9 - A Comissão admite, por fim, a oportunidade de explorar, ainda no quadro do presente processo legislativo, a possibilidade de solução que viabilize integração legislativa.

Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de:

Parecer

Que a proposta de lei em análise encontra-se em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 14 de Janeiro de 2004. A Deputada Relatora, Celeste Correia - O Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE.

PROPOSTA DE LEI N.º 100/IX
(APROVA O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA)

Parecer do Governo Regional dos Açores

Encarrega-me S. Ex.ª o Presidente do Governo Regional de transmitir a V. Ex.ª, a título de posição do Governo Regional dos Açores, o parecer desfavorável quanto à aprovação da presente proposta de lei, por entender-se que consagra um retrocesso em matéria de procedimento administrativo e mostrar-se contraditória em relação a diversos aspectos consagrados no Código de Trabalho aprovado, recentemente, pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
Nestes termos, cumpre-me tecer algumas considerações em relação a determinados preceitos, nomeadamente:
Artigo 5.º - "Processo de selecção":
Tendo sido unanimemente reconhecido que o Código do Procedimento Administrativo (CPA) constitui um grande avanço em matéria de procedimento administrativo e de garantias aos particulares, faria todo o sentido que se previsse a sua aplicabilidade a esta matéria. Ainda mais estamos perante relações materialmente administrativas, pelo que não se compreende que o diploma sub judice afaste a aplicação das disposições normativas do CPA no que respeita ao processo de selecção.
Artigo 9.º- "Termo resolutivo":
Parece-nos que a alínea e) do n.º 1 consagra uma norma demasiadamente abrangente, o que possibilitará eventuais abusos por parte dos serviços.
Artigo 23.º - "Cedência especial de funcionários e agentes":
Entende-se que a regra do n.º 5, ao prever a possibilidade da cedência especial se extinguir com o provimento na sequência de concurso, poderá funcionar como um entrave a este mecanismo, deixando a norma de ter utilidade prática.
Artigo 26.º - "Disposições finais e transitórias":
Seria preferível que o regime previsto na proposta de lei em apreço apenas previsse a sua aplicação aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, uma vez que acarreta implicações significativas nas relações contratuais existentes na Administração Pública.
Artigo 30.º - "Revogações":
Especificamente no que respeita ao disposto na alínea b), entende-se por conveniente sugerir, por forma a evitar o desempenho de idênticas funções por trabalhadores com habilitações diversas, e atendendo à diferença de regimes existente na Administração Pública, que fosse consagrada uma norma de teor idêntico à da n.º 3 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, ora revogada.
No tocante à aplicação do regime às regiões autónomas, não se nos afigura qualquer consideração uma vez que a proposta de lei confere, explicitamente, a possibilidade de adaptabilidade às especificidades regionais existentes na matéria.

Ponta Delgada, 30 de Dezembro de 2003. O Chefe do Gabinete, Luís Jorge de Araújo Soares.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 200/IX
CRIA UMA UMA COMISSÃO EVENTUAL DE ACOMPANHAMENTO DAS MEDIDAS DE COMBATE ÀS LISTAS DE ESPERA

A Constituição da República Portuguesa reconhece, no artigo 64.º, o direito à protecção da saúde, "através de um Serviço Nacional de Saúde universal e geral (...)", devendo o Estado adoptar medidas que assegurem "(...) o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação".
A existência de listas de espera para intervenções cirúrgicas e consultas de especialidade, fenómeno que não é exclusivo do nosso país, evidencia dificuldades no acesso à prestação de cuidados de saúde, implicando prejuízos no plano da cidadania e da qualidade de vida dos doentes, em particular dos cidadãos mais vulneráveis do ponto de vista económico e social.

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De acordo com a posição assumida pelo Conselho da Europa, a existência de listas de espera constitui na actualidade um dos mais importantes indicadores de acessibilidade aos cuidados de saúde e da efectividade do direito dos cidadãos à saúde.
Em Portugal esta realidade é agravada no presente pela total ausência de preocupação política em torno do fenómeno das listas de espera para intervenções cirúrgicas, não permitindo, assim, que se resolvam as situações existentes e se previnam situações futuras de forma planeada e sustentada.
Alegadamente para debelar o problema, o Governo de coligação PSD/CDS-PP aprovou a Resolução do Conselho de Ministros n.° 100/2002, de 26 de Abril, através da qual aprovou o denominado PECLEC-Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas, através do qual assumiu o compromisso de "(...) eliminar no prazo máximo de dois anos as listas de espera para a realização de intervenções cirúrgicas através do recurso a entidades públicas, privadas ou sociais prestadoras de cuidados de saúde, no respeito pelo direito de escolha do doente (...)".
Contudo, na execução do PECLEC o Governo recuou claramente face a este compromisso, ao adoptar como único objectivo a atingir no prazo de dois anos a eliminação apenas das listas de espera existentes em Junho de 2002, dando início à constituição de uma nova lista a partir daquela data, situação que veio agravar a já existente no nosso sistema de saúde. Com efeito, os números globais divulgados pelo próprio Ministério da Saúde demonstram que aos 123 126 portugueses em lista de espera para intervenção cirúrgica em 30 de Junho de 2002 se somam já mais 27 545 doentes em espera, perfazendo, assim, em Novembro/2003 um total de 150 671 doentes a aguardar a realização de intervenção cirúrgica.
Como agravante importa sublinhar que se desconhecem por completo indicadores relativos à execução do PECLEC, nomeadamente quanto ao número de casos resolvidos por patologia, serviço ou unidade de saúde e ao grau de participação de cada um dos sectores (público/privado/social) na resolução das listas de espera, situação que contribui para uma ainda maior opacidade e falta de transparência na resolução de um dos problemas que mais preocupa a população.
Neste contexto, importa instituir mecanismos que permitam, nomeadamente à Assembleia da República, órgão de fiscalização da acção do Governo, acompanhar de perto a execução das medidas que tenham em vista eliminar os estrangulamentos do sistema que geram a existência de listas de espera, bem como a recuperação das existentes.
Assim, os Deputados do Partido Socialista, abaixo assinados, apresentam, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, o seguinte projecto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do artigo 166.°, n.° 5, da Constituição, o seguinte:
1 - Constituir uma comissão eventual para análise e acompanhamento das medidas de correcção dos estrangulamentos do sistema que geram listas de espera cirúrgicas e de consultas de especialidade, bem como a recuperação das existentes, nomeadamente do PECLEC-Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas.
2 - A referida comissão deverá também proceder a uma avaliação em torno da necessidade do lançamento de novos programas e estratégias destinadas à redução das situações de espera no âmbito do sistema de saúde.
3 - A comissão terá a composição a determinar pelo Presidente da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 14 de Janeiro de 2004. Os Deputados do PS: António Costa - Afonso Candal - Luís Carito - José Magalhães - Luísa Portugal - Nelson Baltazar - mais uma assinatura ilegível.

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 201/IX
REALIZAÇÃO DE UM ESTUDO DE ÂMBITO NACIONAL SOBRE AS LISTAS DE ESPERA

Exposição de motivos

O artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa reconhece a todos os cidadãos o direito à protecção da saúde, que se realiza "através de um Serviço Nacional de Saúde universal e geral (…)", cabendo, nomeadamente, ao Estado a adopção de medidas que garantam "(…) o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação".
A existência das listas de espera constitui na actualidade um dos mais graves problemas com que a maioria dos sistemas de saúde europeus se debatem, evidenciando a existência de obstáculos no acesso à prestação dos cuidados de saúde.
No que se refere a Portugal, não obstante a adopção de programas especiais de combate às listas de espera cirúrgicas, de que são paradigma o Programa para a Promoção do Acesso e o agora denominado PECLEC-Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas, o problema persiste, tendo-se mesmo registado um significativo agravamento no último ano.
Esta situação resulta em larga medida da total ausência de formas de avaliação no actual PECLEC sobre as principais causas da existência das listas de espera cirúrgicas, não permitindo a adopção de medidas e metodologias de trabalho adequadas que garantam de forma eficaz e planificada a redução dos tempos de espera clinicamente aceitáveis.
Contrariamente ao que sucede noutros países, como é o caso da Espanha, Finlândia e Suécia, onde foram realizados estudos rigorosos sobre as causas que estão na origem da existência das listas de espera cirúrgicas e a sua caracterização, que serviram de base para a adopção das soluções consideradas mais adequadas, hoje em Portugal esta preocupação não existe.
Naqueles países foram identificadas como principais causas do fenómeno das listas de espera (do lado da procura) o envelhecimento da população e o aumento do grau de exigência das populações; (do lado da oferta) estrangulamentos funcionais, a ausência de articulação entre os vários serviços de saúde, desempenhos profissionais muito diversificados, distribuição irregular de recursos humanos e materiais, falta de envolvimento do corpo médico nos assuntos de gestão e questões relacionadas com as características da gestão tradicional, designadamente a gestão não orientada por objectivos, a deficiente informação na gestão das listas ou a inadequação dos recursos hospitalares às necessidades de produção.

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1628 | II Série A - Número 028 | 15 de Janeiro de 2004

 

Neste contexto, entende-se que, à semelhança daqueles países, importa retomar este objectivo em Portugal e, nessa conformidade, proceder com carácter de urgência à realização de um estudo de âmbito nacional em torno do fenómeno das listas de espera de modo a apurar as suas causas, sejam elas as identificadas noutros países sejam elas determinadas por razões singulares do sistema português.
Assim, os Deputados do Partido Socialista, abaixo assinados, apresentam, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, o seguinte projecto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do artigo 166.°, n.º 5, da Constituição, o seguinte:
1 - Promover a realização, com carácter de urgência, de um estudo de âmbito nacional sobre as causas do fenómeno das listas de espera, que evidencie, nomeadamente:

a) O número de doentes em lista de espera por patologia, serviço e unidade de saúde;
b) A estrutura organizacional no aproveitamento das instalações, equipamentos e, sobretudo, dos recursos humanos existentes;
c) Modalidades de articulação existentes entre os vários serviços de saúde;
d) Nível de envolvimento do corpo clínico na gestão das listas de espera;
e) O planeamento da oferta em blocos operatórios, consultas externas e exames especiais de forma programada;
f) Factores que possam induzir triagens adversas e promotoras de espera nos diversos níveis de intervenção em cada unidade de saúde;
g) A determinação dos factores médios de produtividade regional e nacional por grupos de diagnóstico homogéneo;
h) A avaliação da capacidade de resposta instalada nos vários sectores (público, privado e social).

2 - O estudo a que se refere o número anterior deve apontar pistas e metodologias adequadas para a redução das listas de espera e deve ser desenvolvido no âmbito do protocolo existente entre a Assembleia da República e as universidades públicas.
3 - Os resultados do referido estudo devem ser apresentados no prazo máximo de um ano a contar da data da sua adjudicação.

Palácio de São Bento, 14 de Janeiro de 2004. Os Deputados do PS: António Costa - Afonso Candal - Luís Carito - João Rui de Almeida - Luísa Portugal - Nelson Baltazar.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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