O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0018 | II Série A - Número 018 | 27 de Maio de 2005

 

A situação da saúde oral em Portugal é alarmante, encontrando-se o nosso país, segundo a Organização Mundial de Saúde, entre os piores da União Europeia no que diz respeito à implementação de políticas de acesso aos cuidados de saúde, sejam elas de prevenção ou de tratamento.
Para além da repercussão directa na qualidade de vida da população, esta realidade tem um preço considerável para o País, originando não só elevados custos no tratamento de situações relacionadas com a falta de prevenção nesta área, como contribui também para o aumento do grau de perigosidade de patologias que têm origem ou são agravadas por baixos níveis de higiene oral, algumas até do foro cardíaco. Por outro lado, a prevalência de doença oral - a que se associam a dor, alterações na mastigação e na fonética - origina uma considerável taxa de absentismo laboral, a diminuição da concentração e da capacidade de aprendizagem dos estudantes, ou alterações ao nível da interacção social.
Estamos, portanto, diante de uma grave perturbação da saúde pública, para a qual o Serviço Nacional de Saúde tem de encontrar resposta urgente, investindo quer na prevenção - cujo orçamento (4,5 milhões de euros) ronda, actualmente, cerca de 3% da média europeia - quer na estruturação do SNS, de modo a dar resposta à necessidade de tratamento das patologias. Estas necessidades e estratégias são, inclusivamente, identificadas como prioridades do Plano Nacional de Saúde, sendo, contudo, tímidos os passos dados nessa direcção. Em Janeiro de 2005 foi aprovado o Programa Nacional de Saúde Oral que, por um lado, abrange apenas grávidas e crianças até aos 16 anos, deixando de lado os adolescentes e os adultos, e a prevenção e tratamento em meio laboral; e, por outro lado, coloca a tónica na contratualização com privados, em vez de apostar no reforço do quadro de dentistas e estomatologistas do Serviço Nacional de Saúde.
O panorama da medicina dentária no nosso país está intimamente relacionado com o desenvolvimento do sector privado, que emprega 98% dos especialistas em exclusividade, mas que não é acessível a cerca de 60% da população por razões sócio-económicas. Podemos então concluir que a saúde oral no nosso país, mais do que um bem comum, é um luxo que só está ao alcance de alguns.
Por imobilismo do Estado, o Serviço Nacional de Saúde não tem acompanhado o crescente desenvolvimento da capacidade de oferta em quantidade e qualidade nesta área. O défice de profissionais em situação de vinculação ao sector público originou uma situação que, na prática, veda aos cidadãos o acesso à medicina dentária enquanto direito à saúde acessível a todos os cidadãos. E, no entanto, há experiências positivas dentro do próprio sector estatal: nas Forças Armadas, onde há uma carreira própria de médico dentista com cerca de 30 dentistas, assistiu-se a uma melhoria em cerca de 50% dos índices de saúde oral.
Segundo um inquérito da Ordem dos Médicos Dentistas, que abrangeu todos os hospitais públicos e centros de saúde, cerca de 70% dos hospitais não possuem serviço de saúde oral, e o mesmo sucede em 90% dos centros de saúde, sendo a situação mais grave em Lisboa.
De facto, apenas 30% dos hospitais afirmam ter dentista, o que corresponde a 23 hospitais. Verifica-se que 61% dos hospitais que afirmam ter "dentista" concentram as suas consultas na parte da manhã. Apenas 12 hospitais possuem dentistas nos serviços de urgência. Recorde-se que, não havendo carreira de médico dentista para o serviço público, os "dentistas" referidos neste inquérito são, na realidade, médicos estomatologistas. Este facto torna-se especialmente preocupante quando se sabe que existem apenas 400 estomatologistas em Portugal, número que tem vindo a diminuir sem que a sua substituição tenha vindo a ser feita.
Segundo o mesmo estudo, a totalidade dos 54 hospitais que não têm dentistas reencaminham os utentes para os médicos particulares.
Nos centros de saúde a situação é ainda pior. Dos 332 centros de saúde abrangidos pelo inquérito, apenas 33 têm dentistas. Destes, em sete casos os cuidados de saúde oral destinam-se apenas a crianças em idade escolar, e em outros dois casos tratam-se de higienistas que se centram no aconselhamento a crianças.
Existem nos centros de saúde com esta valência longas listas de espera. A situação é especialmente grave nos distritos de Lisboa e Porto. Em 57% dos centros de saúde com esta valência as consultas são de manhã. Nenhum centro de saúde tem serviço de urgência. Nos centros de saúde sem esta valência os doentes são reencaminhados para médicos particulares em 92% dos casos, para os hospitais em 7% dos casos, e para outros centros de saúde ou unidades de bombeiros em apenas 1% dos casos.
Os números totais são alarmantes. Apenas 14% (56) dos estabelecimentos de saúde têm dentista ou estomatologista. Desses, 24 estão concentrados em Lisboa e no Porto. Em todo o Alentejo, apenas um tem esta valência, o mesmo sucedendo com o Algarve. Nos distritos de Seja, Guarda e Portalegre não há um único dentista ou estomatologista no serviço público, seja nos hospitais ou nos centros de saúde.
É bom também lembrar que existem cerca de 4760 médicos dentistas em Portugal. Quer isto dizer que há 12,5 profissionais por cada unidade de saúde que não possui dentista no seu serviço. Ou seja, não é por falta de dentistas que esta situação se mantém. Se acrescentarmos que há sete faculdades em Portugal a formar dentistas, e que nelas existem mais alunos do que o número de dentistas hoje existente, então concluímos que se caminha até para uma situação potencial de excesso de médicos dentistas. Tudo isto numa altura em que o National Health Service inglês, através de uma política de reforço dos seus quadros com profissionais com qualidade técnica e de formação reconhecida, começa a recrutar clínicos no nosso país.