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Quinta-feira, 30 de Junho de 2005 II Série-A - Número 30
X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)
S U M Á R I O
Decreto n.º 3/X:
Segunda alteração do Decreto-Lei n.º 44/2004, de 3 de Março, que estabelece um regime especial de registo de prédios situados nos municípios do Corvo, Lages das Flores e de Santa Cruz das Flores, bem como dos direitos e ónus ou encargos sobre estes incidentes.
Projectos de lei (n.os 118 a 121/X):
N.º 118/X - Cria o regime especial de protecção de crianças e jovens com doença oncológica (apresentado pelo PSD).
N.º 119/X - Aprova a Lei de Bases da Água (apresentado pelo PCP).
N.º 120/X - Altera a Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, que "Define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que manuseiam tais substâncias sem prescrição médica" (apresentado pelo PCP).
N.º 121/X - Revoga as subvenções, proíbe a acumulação de pensões e elimina os regimes especiais de aposentação dos titulares de cargos políticos e equiparados (apresentado pelo PCP).
Proposta de lei n.º 13/X (Procede à quarta alteração ao regime jurídico do cheque sem provisão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Rectificação:
- Ao n.º 5, de 8 de Abril de 2005.
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DECRETO N.º 3/X
SEGUNDA ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 44/2004, DE 3 DE MARÇO, QUE ESTABELECE UM REGIME ESPECIAL DE REGISTO DE PRÉDIOS SITUADOS NOS MUNICÍPIOS DO CORVO, LAGES DAS FLORES E DE SANTA CRUZ DAS FLORES, BEM COMO DOS DIREITOS E ÓNUS OU ENCARGOS SOBRE ESTES INCIDENTES
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 44/2004, de 3 de Março
Os artigos 3.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 44/2004, de 3 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 65/2005, de 15 de Março, passam a ter a seguinte redacção:
"Artigo 3.º
[…]
1 - (…)
2 - Juntamente com o requerimento deve o interessado apresentar:
a) Declaração da junta de freguesia respectiva ou, no caso da ilha do Corvo, da respectiva câmara municipal, que certifique a veracidade das declarações do requerente e da titularidade do direito cujo registo é pretendido, desde que não sejam apresentados documentos suficientemente probatórios dos factos declarados;
b) (…)
3 - [Eliminado]
Artigo 7.º
[…]
Gozam de isenção emolumentar o processo de suprimento da prova de registo referente aos prédios situados nos municípios referidos no n.º 1 do artigo 1.º, os documentos necessários para o instruir e o primeiro acto de registo a lavrar sobre cada um dos prédios cuja situação jurídica se pretende regularizar."
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Aprovado em 23 de Junho de 2005.
O Presidente da Assembleia da República, em exercício, Manuel Alegre.
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PROJECTO DE LEI N.º 118/X
CRIA O REGIME ESPECIAL DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS COM DOENÇA ONCOLÓGICA
Exposição de motivos
A protecção concedida a crianças e jovens atingidos por doença oncológica continua, actualmente, a estar sujeita à legislação em vigor para as crianças e jovens com deficiências.
Ora, é, deste modo, notório que essa legislação não se adapta a situações em que existem crianças e jovens portadoras de doença oncológica, uma vez que estes casos apresentam características específicas e particulares insusceptíveis de se enquadrarem no actual regime de protecção, sob o qual estão sujeitas, precisamente, devido a essas especificidades.
Concretamente, no momento em que é diagnosticada uma doença oncológica, segue-se um período de tratamento intensivo, com vários internamentos e deslocações a hospitais especializados para controlo e/ou tratamento da mesma que, normalmente, se prolongam no tempo.
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Nas situações em que os tratamentos não se revelam eficazes no combate à doença, as crianças ou jovens entram numa fase paliativa e terminal de duração variável e indeterminada, no decurso da qual podem ocorrer sucessivos internamentos, bem como períodos em ambulatório.
Durante estes períodos, torna-se imprescindível a presença e o acompanhamento permanente de pelo menos um dos progenitores.
A família da criança ou jovem doente oncológico deverá, igualmente, ter acesso aos recursos financeiros essenciais, de modo a fazer face aos vultuosos gastos despendidos com tratamentos, idas ao médico, deslocações a hospitais ou compra da medicação necessária.
A atribuição de um subsídio à família permitiria que esta pudesse acompanhar condignamente a criança ou jovem doente, assim como preveniria eventuais recursos a créditos financeiros, evitando o já problemático endividamento familiar.
Deste modo, urge criar um regime específico adequado às necessidades das crianças e jovens com doença oncológica, dado que a legislação actualmente em vigor não se adequa, de forma conveniente, às situações de doença prolongada, durante as quais existem períodos em que é indispensável o acompanhamento permanente de um adulto.
Estando atento à legislação que, em idêntico sentido, tem sido produzida em vários países da Europa e constatando as lacunas e inadequações na legislação portuguesa de regras relativas às situações referenciadas, entendeu-se formular o presente projecto de lei, instituindo-se, com o mesmo, um regime específico que permita adaptar os apoios à doença oncológica e suas vicissitudes, uma vez, que, actualmente, não se verifica um enquadramento correcto, por se aplicarem aos casos de doença oncológica, disposições relacionadas com a invalidez ou com doenças crónicas, garantindo uma protecção continuada, mas não adequada àquela realidade.
Por todas as razões ora aduzidas, o presente projecto de lei reveste largo alcance social e constitui, seguramente, um inequívoco contributo para a humanização da sociedade, mas também um estímulo para o urgente e necessário apoio de que as crianças e jovens portadoras desta doença carecem.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de lei:
Capítulo I
Parte geral
Artigo 1.º
Objecto
A presente lei cria o regime especial de protecção de crianças e jovens com doença oncológica.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente lei entende-se por:
"Criança ou jovem": Indivíduo menor de 16 anos de idade;
"Doença oncológica": Doença constante da lista definida em regulamentação própria.
Artigo 3.º
Protecção social
O regime especial de protecção de crianças e jovens com doença oncológica compreende:
a) Protecção no trabalho;
b) Subsídio de assistência e acompanhamento;
c) Comparticipação nas deslocações a tratamentos;
d) Apoio especial educativo;
e) Apoio psicológico.
Artigo 4.º
Regime especial
Da aplicação do regime especial de protecção de crianças e jovens com doença oncológica, criado pela presente lei, não pode resultar diminuição de garantias, subsídios ou quaisquer outras regalias, para os beneficiários nela previstos, que sejam aplicáveis por força de outra disposição legal.
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Capítulo II
Protecção social
Secção I
Protecção no trabalho
Artigo 5.º
Beneficiários
São beneficiários da protecção no trabalho, prevista nesta secção, os ascendentes, até ao segundo grau, de criança ou jovem portador de doença oncológica que, cumulativamente:
a) Exerçam o poder paternal ou tutela sobre a criança ou jovem portador de doença oncológica;
b) Vivam em economia comum, integrando o mesmo agregado familiar, com a criança ou jovem portador de doença oncológica.
Artigo 6.º
Licença sem vencimento
1 - O trabalhador que se encontre na situação prevista no artigo anterior tem direito a uma licença sem retribuição por um período à sua escolha, não inferior a 60 dias e não superior a um ano.
2 - A licença é renovável, desde que o período acumulado de tempo não exceda ano e meio.
Artigo 7.º
Tempo parcial ou com flexibilidade
O trabalhador que se encontre na situação prevista no artigo 5.º tem direito a trabalhar a tempo parcial ou com flexibilidade de horário.
Artigo 8.º
Dispensa de trabalho suplementar
O trabalhador que se encontre na situação prevista no artigo 5.º não está obrigado a prestar trabalho suplementar.
Artigo 9.º
Dispensa de trabalho nocturno
O trabalhador que se encontre na situação prevista no artigo 5.º está dispensado de prestar trabalho entre as vinte horas de um dia e as sete horas do dia seguinte.
Secção II
Subsídio de assistência e acompanhamento
Artigo 10.º
Finalidade
É criado um subsídio para compensar o impedimento para o trabalho por motivos de assistência e acompanhamento a criança ou jovem portador de doença oncológica.
Artigo 11.º
Beneficiários
1 - São beneficiários do subsídio previsto nesta secção as pessoas que se encontrem abrangidas pela protecção no trabalho, nos termos definidos no artigo 5.º, e que:
a) Não tenham declarado, no ano anterior, rendimentos superiores a 150 salários mínimos nacionais para ascendentes casados, ou 75 salários mínimos para ascendentes não casados;
b) Estejam a beneficiar da licença sem vencimento, prevista no artigo 6.º, ou da redução do horário de trabalho, prevista no artigo 7.º, igual ou superior a 50% do horário normal de trabalho.
2 - Nos agregados familiares em que mais do que uma pessoa seja beneficiária, nos termos do número anterior, só uma delas pode auferir o subsídio.
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3 - Se, no mesmo agregado familiar, houver mais do que uma criança ou jovem portador de doença oncológica, poderá um segundo beneficiário, nos termos do n.º 1 deste artigo, auferir também o subsídio.
Artigo 12.º
Montante
O subsídio previsto na presente secção consiste numa prestação mensal correspondente a 70% da remuneração de referência dos beneficiários, com o limite máximo de um salário mínimo nacional.
Artigo 13.º
Requerimento
1 - Os beneficiários podem requerer o subsídio previsto nesta secção a todo o tempo.
2 - O requerimento deverá ser feito junto dos serviços de Solidariedade e Segurança Social.
Artigo 14.º
Duração
1 - O subsídio previsto nesta secção é concedido por um período limitado, não inferior a 30 dias e não superior a seis meses.
2 - Na determinação do período de duração ter-se-á em conta:
a) A gravidade da situação clínica da criança ou jovem portador de doença oncológica;
b) A previsível necessidade de internamentos, tratamentos, consultas, bem como a distância das respectivas deslocações;
c) A situação económica e social do agregado familiar.
3 - O subsídio é renovável, a pedido do interessado, desde que se mantenham os seus pressupostos de atribuição, até ao limite máximo de tempo acumulado de três anos.
Artigo 15.º
Extinção
1 - O direito ao subsídio extingue-se sete dias depois da ocorrência de qualquer facto que cause a perda da condição de beneficiário.
2 - Os beneficiários que percam esta condição devem, no prazo de sete dias a contar da ocorrência desse facto, comunicá-lo junto dos serviços de Solidariedade e Segurança Social.
3 - A inobservância do disposto no número anterior determina a devolução dos montantes pagos desde a ocorrência do facto que ocasionou a perda da condição de beneficiário, sem prejuízo de sanção que possa caber por força de outra disposição legal.
Secção III
Comparticipação nas deslocações a tratamentos
Artigo 16.º
Carácter subsidiário
As despesas suportadas pelos acompanhantes das crianças e jovens com doença oncológica, em deslocações para tratamentos, consultas e demais assistência médica relacionada com essa doença, só serão comparticipadas em caso de insuficiência de meios humanos ou materiais da respectiva unidade médico-social, ou em caso de carência de serviços especializados necessários.
Artigo 17.º
Credencial
1 - Para os efeitos previstos no artigo anterior, por indicação do médico assistente, os serviços competentes emitem uma credencial.
2 - Se for o caso, a credencial indicará as razões pelas quais o doente deve deslocar-se acompanhado.
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Artigo 18.º
Beneficiários
1 - É beneficiário da comparticipação nas deslocações a tratamentos prevista nesta secção a criança ou jovem portador de doença oncológica.
2 - É também beneficiário da comparticipação referida no número anterior um acompanhante, desde que a credencial cumpra o disposto no n.º 2 do artigo anterior.
Artigo 19.º
Comparticipação
1 - Só são comparticipadas as despesas relativas a deslocações que excedam os 20 km entre a residência do doente e o local para onde este seja transportado.
2 - Caso a deslocação se realize em transportes colectivos, é comparticipado na íntegra o valor da despesa do transporte na classe económica.
3 - Caso a deslocação se realize em transporte particular, é comparticipado o valor da despesa do transporte em 20 cêntimos por km.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior só são comparticipadas as deslocações que o doente tenha efectivamente realizado, não se contabilizando os kms que o transportador possa cobrar por regresso ao local de partida sem o cliente.
Artigo 20.º
Reembolso
1 - Os beneficiários deverão solicitar a comparticipação prevista nesta secção junto da instituição gestora da unidade médico-social que os abranja.
2 - O pedido de comparticipação deverá fazer-se acompanhar da credencial prevista no artigo 17.º, e dos comprovativos das despesas efectuadas.
3 - O direito à comparticipação caduca no prazo de 90 dias a contar da data em que foram realizadas as despesas.
Secção IV
Apoio especial educativo
Artigo 21.º
Medidas educativas especiais
1 - As crianças e jovens portadores de doença oncológica beneficiam das seguintes medidas educativas especiais:
a) Equipamentos especiais de compensação;
b) Adaptações curriculares;
c) Condições especiais de avaliação;
d) Apoio pedagógico acrescido.
2 - As medidas educativas especiais têm por objectivo beneficiar a frequência às aulas, contribuir para a aprendizagem e o sucesso escolar, e favorecer a plena integração das crianças e jovens portadoras de doença oncológica.
3 - A aplicação das medidas previstas no n.º 1 deste artigo é feita caso a caso, atendendo às especificidades da doença e limitações do aluno.
4 - A competência e os critérios técnicos para a aplicação das medidas educativas especiais são definidos em regulamentação própria.
Artigo 22.º
Equipamentos especiais de compensação
Consideram-se equipamentos especiais de compensação os dispositivos de compensação individual ou de grupo, designadamente:
a) Auxiliares ópticos ou acústicos;
b) Equipamento informático adaptado;
c) Cadeiras de rodas.
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Artigo 23.º
Adaptações curriculares
1 - Considera-se adaptação curricular, a dispensa da actividade que se revele impossível de executar em função da doença oncológica.
2 - A adaptação curricular prevista no presente artigo não prejudica o cumprimento dos objectivos gerais dos ciclos e níveis de ensino frequentados e só é aplicável quando se verifique que o recurso a equipamentos especiais de compensação não é suficiente.
Artigo 24.º
Condições especiais de avaliação
Consideram-se condições especiais de avaliação as seguintes alterações ao regime educativo comum:
a) Tipo de prova ou instrumento de avaliação;
b) Forma ou meio de expressão do aluno;
c) Duração;
d) Data e local de execução.
Artigo 25.º
Apoio pedagógico acrescido
O apoio pedagógico acrescido consiste no apoio lectivo suplementar individualizado ou em pequenos grupos e tem carácter temporário.
Secção V
Apoio psicológico
Artigo 26.º
Beneficiários
São beneficiários de apoio psicológico:
a) As crianças e jovens portadoras de doença oncológica, e
b) As pessoas que preencham os requisitos previstos no artigo 5.º.
Artigo 27.º
Local
1 - O apoio psicológico previsto no artigo anterior será prestado no próprio estabelecimento hospitalar ou local onde o doente esteja internado ou receba os tratamentos.
2 - Sempre que tal não seja possível, o apoio psicológico será prestado através dos centros de saúde e hospitais da área de residência do agregado familiar.
Capítulo III
Disposições finais e transitórios
Artigo 28.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Artigo 29.º
Regulamentação
O Governo regulamentará a presente lei no prazo de 90 dias.
Assembleia da República, 8 de Junho de 2005.
Os Deputados: Rui Gomes da Silva - Luís Marques Guedes - Zita Seabra - António Montalvão Machado.
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PROJECTO DE LEI N.º 119/X
APROVA A LEI DE BASES DA ÁGUA
Exposição de motivos
A água, elemento contínuo no ciclo hidrológico, é parte integrante e fundamental do constante movimento e evolução da natureza, determinante da composição atmosférica, do clima, da morfologia, das transformações químicas e biológicas, das condições de toda a vida na Terra, sendo insubstituível e essencial nas suas funções de suporte à vida e ao bem-estar humano, bem como à maioria dos processos produtivos. A vida e as actividades humanas dependem dessa circulação comum que liga todos os seres vivos, passados, presentes e futuros.
Mas cada uso repercute-se no funcionamento do ciclo da água e nos processos associados, desencadeando, para além do propósito desejado, uma sucessão de efeitos próximos e remotos na natureza, que por sua vez arrastam uma cadeia de repercussões sociais directas e indirectas.
Os efeitos sociais agudizam as desigualdades existentes, pois o desígnio directo do decisor é satisfeito e as consequências negativas recaem sobre outros, penalizando principalmente os mais vulneráveis e desprotegidos e delapidando as condições de vida das gerações futuras.
O uso da água não pode ser tratado na perspectiva da sua apropriação nem do seu comércio, mas como a participação num fluxo em harmonia de processos dinâmicos, com dimensão no tempo e no espaço determinando transformações permanentes e interligadas. Não há lugar a individualismo, nem a competição, nem à procura de mais-valias de curto prazo. A menos que se queira agravar as iniquidades actuais e hipotecar o futuro.
O direito da água tem de defender essa circulação comum, defendê-la das intervenções abusivas de indivíduos isolados e colectivos, mas também do imediatismo e arbitrariedade de decisores públicos e do desinvestimento visando a protecção do interesse comum e do futuro. Em simultâneo, têm de ser instituídos instrumentos efectivos que garantam a cada pessoa o gozo dos seus direitos, não apenas o direito à vida e o direito à saúde, mas também os direitos económicos e, em particular, a utilização da água como meio ou factor de produção, o direito ao ambiente e à natureza, assim como o direito de participação nas decisões sobre a água.
A verdade é que o direito da água actualmente em vigor não cumpre essa função.
Para além de incoerente é inconsistente, porque, depois da última tentativa de reordenação que se processou entre 1917 a 1919, a produção legislativa no domínio da água tem consistido na produção avulsa de diplomas, que tornaram o enquadramento jurídico e institucional português da água num intrincado de legislação dispersa, desconexa e parcialmente revogada.
Mantém na sua base os conceitos do direito romano da água, adaptado pelo Código Napoleónico e essencialmente centrado na hidráulica fluvial e na captação de águas superficiais, com um forte papel de administração do Estado e estritamente associado ao regime de propriedade da terra.
É ainda esse "direito clássico da água" que constitui a base de ligação com o direito geral, mas quase irreconhecível devido às sucessivas alterações e revogações de que tem sido alvo.
À desfiguração deste direito clássico da água foi sendo mais recentemente apensa uma profusão de diplomas essencialmente regulamentares e normativos, que transcrevem, mais do que transpõem, directivas e normas europeias e pretensamente corresponderiam ao "novo direito da água", centrado na qualidade da água, no combate à poluição e nas questões ambientais e que releva cada vez mais a protecção das águas subterrâneas.
As políticas da água têm vindo a centrar-se na obtenção de receitas financeiras e na eliminação de despesas com os bens públicos, e alijamento das responsabilidades do Estado na administração, valorização e monitorização da água e na fiscalização das utilizações.
A situação actual é de um incumprimento generalizado por parte dos particulares e do Estado, tornou-se habitual a violação sistemática da legislação, sendo o Estado prevaricador contumaz. A maioria das utilizações da água instalada está em situação de contra-ordenação, não se encontrando, sequer, inventariadas. As rotinas de monitorização violam a legislação pela insuficiência de parâmetros medidos e pela baixa frequência, quando não são completamente omissas.
Verifica-se uma utilização descontrolada e degradação crescente do estado das águas, a insegurança e a degradação da qualidade de utilizações públicas e privadas, o abastecimento doméstico de origens impróprias, as inundações e escassez cada vez mais frequentes e com efeitos pessoais, sociais, ecológicos e económicos mais graves, o inquinamento de aquíferos e fontes naturais, a eutrofização das águas todos os anos, a decadência vertiginosa dos ecossistemas aquáticos e particularmente dos recursos piscícolas.
Releva ainda o atropelo dos direitos dos cidadãos, reconhecidos na Constituição da República Portuguesa e mais directamente relacionados com a água, que não são na prática exercidos nem considerados na legislação específica da água.
O actual contexto legislativo e institucional não proporciona as condições indispensáveis a uma melhoria necessária do estado das águas, assim como não assegura os direitos dos cidadãos relativamente à utilização
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da água, condições essas que, não existindo no presente, ficariam irremediavelmente comprometidas com qualquer iniciativa legislativa que preconizasse uma desresponsabilização maior ainda do Estado e a privatização do domínio público hídrico para exploração selvagem de quem o pagar.
O Partido Comunista Português considera premente uma reorganização de fundo, que não é possível conseguir num único diploma. Assim, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um projecto de lei que "Aprova a Lei de Bases da Água", instituindo os princípios do "Direito da Água", de acordo com a Constituição da República Portuguesa, incorporando as decisões de fundo sobre o direito público e privado da água.
Institui ainda a necessidade de reorganização e sistematização dos diversos diplomas avulsos, através da elaboração de um Código da Água, por forma a dar coerência e consistência a todo o restante corpo legislativo e regulamentar.
A base em que assenta o projecto de lei de bases da água apresentado pelo PCP é a da integração dinâmica e da conciliação do direito com a realidade física e social do ciclo da água, da vida e dos processos produtivos que com ela se relacionam. Essa base atravessa todo o projecto de lei, dando-lhe a integridade que a torna inovadora e adequada à resolução dos problemas actuais da água e à efectividade dos direitos dos cidadãos.
Assim, a estrutura do projecto de lei organiza-se em torno de cinco questões fundamentais:
- A figura do domínio público hídrico, em que assenta todo o direito latino da água e que é particularmente adequada pela protecção que confere aos bens que nele se integram, especialmente nas limitações à arbitrariedade e na responsabilização que impõe ao Estado;
- A administração da água;
- O regime de licenciamento que passa a integrar todo o ciclo da utilização, condicionando a captação à adequada qualidade da descarga das águas;
- A garantia do exercício efectivo dos direitos de participação dos cidadãos na determinação das políticas da água;
- A criação da "Alta Autoridade da Água", órgão independente a funcionar junto da Assembleia da República e que com forte participação de representantes do poder local, garante a fiscalização da execução das políticas e do cumprimento da legislação referentes à água.
Acresce que o presente projecto de lei, estabelece não só as obrigações do Estado em relação à protecção da água e à disponibilização das suas funções gerais, que incluem a ecológica, como institui os processos que garantam a sua execução de facto, contrariamente ao que tem ocorrido no passado recente e incorpora a água subterrânea e as formações que a delimitam no domínio público hídrico, à imagem do sucedido nas décadas de 80 e 90 na Holanda, França, Itália e Espanha, e em muitos outros países.
São reforçados os direitos de participação e acesso à informação dos cidadãos em cumprimento do plasmado na lei fundamental, obedecendo aos princípios da publicidade, transparência, igualdade, justiça e imparcialidade, garantindo, nomeadamente o direito dos cidadãos a serem consultados e à sua participação ser tida em conta nas decisões sobre políticas, programas, projectos, medidas e legislação sobre a água, devendo a participação e a informação ser acessíveis em todo o território nacional e designadamente ao nível das freguesias.
De entre as diversas propostas previstas destacam-se ainda:
a) O estabelecimento da correspondência dos direitos constitucionais em direitos relacionados com o domínio público hídrico e a sua utilização, e que se traduzem, não só em prioridades de utilização da água e gratuitidade obrigatória da disponibilização de alguns dos seus benefícios, como num regime de compensações mais amplo e mais justo para pessoas prejudicadas na utilização da água por intervenções públicas ou privadas, incluindo expropriações, integrando ou não os bens afectados.
b) A revitalização e clarificação da figura de "Domínio Público Hídrico", numa perspectiva funcional ao invés da meramente territorial e de sentido de "propriedade", restringindo fortemente a arbitrariedade de utilização e licenciamento e interditando todas as formas de comercialização pelos poderes públicos. Nesse sentido, integraram-se as águas subterrâneas no domínio público para reforçar a obrigação do Estado na sua protecção, e estabelecem-se prazos e regras para a regularização das situações anómalas provenientes de prévia ocupação e outras figuras jurídicas incompatíveis com o funcionamento real.
c) Um novo regime de autorização de uso da água, visando a garantia dos direitos e equidade do uso da água, o controlo da poluição, nomeadamente a difusa, e a minimização de efeitos sobre terceiros. Um regime de autorização que substitui o actual sistema de licenças ou concessões respeita ao utilizador directamente e nunca a intermediários, e incide sobre a "utilização da água" integralmente, desde a captação à rejeição das águas. O processo inclui a análise do balanço completo dos efeitos no meio hídrico e em relação a terceiros, incluindo a avaliação da poluição difusa e a autorização que poderá implicar limites à composição e quantidades das substâncias incorporadas na água. É estabelecida uma hierarquização de utilizações, em respeito pelas funções da água, nomeadamente as ecológicas, e de acordo com os princípios e objectivos da presente iniciativa legislativa.
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d) O aprofundamento da responsabilização do Estado pela administração do domínio público hídrico e a instalação de diversas formas de controlo, incluindo o reforço das formas de fiscalização e controlo directo pelos cidadãos.
e) A criação da "Alta Autoridade da Água", que funciona junto da Assembleia da República e com fundamentais atribuições no desenvolvimento da participação pública e no acesso dos cidadãos ao direito, incluindo a defesa de interesses difusos, do interesse público e em processos contra o Estado.
f) A responsabilização dos utilizadores da água por prejuízos ambientais em geral e a terceiros em particular, abrangente de utilizações autorizadas ou clandestinas.
g) Um regime económico da água baseado na análise dos fluxos materiais de produção e na obrigatoriedade de avaliação dos efeitos macroeconómicos das medidas, designadamente assegurando que não se traduzem em inflação de preços de bens socialmente necessários, e enfatizando o cálculo do balanço energético, incluindo o cálculo da energia necessária para despoluição e devolução ao local de captação a água utilizada.
h) A limitação do regime de taxas, que é aplicado às utilizações que se encontrem conformes com a lei e à emissão de poluentes particularmente perigosos, centrando os incentivos económicos em coimas dissuasoras aplicáveis aos prevaricadores, incentivando assim a legalização das utilizações da água.
i) A obrigatoriedade da administração do domínio público hídrico por entidades de administração directa do Estado e a interdição de que a entidade licenciadora possa usufruir de qualquer espécie de benefício financeiro do licenciamento, sejam taxas ou outros benefícios que possam incentivar as intensificações de pressões sobre a água.
j) A obrigatoriedade de orçamentação de leis, projectos, medidas e programas, assim como dos serviços públicos em função das suas atribuições e plano de actividades, da sua inscrição no Orçamento do Estado e apresentação anual de contas.
k) A interdição da mercantilização da água ou do domínio público hídrico, directa ou indirectamente.
l) O estatuto especial de protecção e promoção das utilizações públicas da água, e muito particularmente das fontes naturais e fontanários.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:
Capítulo I
Objecto e definições
Artigo 1.º
Objecto
Constitui objecto da presente lei a ordenação do direito da água, para garantir as suas funções sociais, ecológicas e económicas.
Artigo 2.º
Água circulante
A água circulante é toda a água no estado líquido ou sólido que atravessa as fases do ciclo hidrológico entre a precipitação e a mistura nas águas costeiras, assim como as águas territoriais, designadamente o escoamento superficial e subterrâneo, águas marítimas territoriais, estuários e esteiros, bem como a água que se encontre armazenada em reservatórios naturais ou artificiais intercalados nesse percurso, independentemente do tempo de residência e de recarga e das características físico-químicas da temperatura.
Artigo 3.º
Águas contidas
Para efeitos da presente lei, são privadas as águas perfeitamente delimitadas em contenção impermeável, sem comunicação mesmo que periódica ou sazonal com a água circulante, e completamente contidas em reservatório ou recipiente de um único proprietário privado.
Artigo 4.º
Domínio público hídrico
1 - É domínio público hídrico toda a água circulante, definida no artigo 2.º.
2 - Integram-se também no domínio público hídrico as formações naturais ou artificiais, terrenos, infra-estruturas e equipamentos essenciais à circulação, incluindo as que contenham as águas, as que servem de leito, conduta, fundo ou reservatório da água circulante, ou que possam estar submersas com a frequência de
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pelo menos uma vez em cada 10 anos, as margens, os leitos, as ilhas e praias fluviais e marítimas, cais, portos e docas, os terrenos reclamados às águas, os perímetros de protecção de albufeiras públicas, os perímetros de protecção de captações para consumo humano, assim como as formações, infra-estruturas e equipamentos necessários à protecção da qualidade da água ou às utilizações prioritárias e comuns da água.
Artigo 5.º
Utilização da água circulante
1 - Para efeitos da presente lei considera-se "utilização da água" qualquer actividade específica de interesse público ou privado que exige a aplicação de água circulante, e "utilizador" o sujeito que exerce a actividade ou dela é o beneficiário final.
2 - São permitidas utilizações públicas e privadas da água circulante, nos termos previstos na presente lei.
3 - A utilização privada da água circulante é objecto de autorização referida ao utilizador e às características específicas da utilização, e respeita obrigatoriamente ao circuito completo de utilização, incluindo o destino final da água utilizada e o conjunto dos efeitos no meio hídrico.
Capítulo II
Princípios gerais
Artigo 6.º
Política da água
É dever do Estado assegurar uma política da água com base na solidariedade da unidade do ciclo hidrológico, na harmonia com a dinâmica dos processos naturais e norteada pela defesa do primado do seu carácter público.
Artigo 7.º
Gestão da água
A gestão da água é atribuição inalienável do Estado e deve ser exercida através da administração directa, designadamente:
a) O planeamento, administração, licenciamento e fiscalização do uso da água e do domínio público hídrico;
b) O ordenamento da utilização pública e privada da água;
c) O ordenamento do uso do solo e do subsolo necessário à protecção da qualidade da água, ao adequado escoamento da água circulante e à segurança de pessoas, bens e ecossistemas face aos efeitos de cheias, secas e da poluição.
Artigo 8.º
Administração
1 - A administração da água deve compatibilizar-se com as características de ocorrência da água e do funcionamento hidráulico, bem como com a dinâmica dos fenómenos físicos, químicos e biológicos que nela se processam.
2 - A estrutura institucional e os actos administrativos conformar-se-ão, obrigatoriamente, com os seguintes aspectos:
a) A variabilidade hidrológica e os regimes de escoamento superficiais e subterrâneos;
b) A integração da protecção da qualidade da água com o regime de escoamento;
c) Um processo de licenciamento integrado, combinando as normas de descarga com as normas de qualidade do meio hídrico e fazendo depender a autorização de captação das condições adequadas de rejeição das águas e lamas, incluindo a avaliação da poluição difusa, infiltração e drenagem de águas após utilização;
d) A garantia de manutenção de caudais ambientais, da capacidade de depuração do meio hídrico e preservação do um adequado estado trófico, designadamente nas condições sazonais mais desfavoráveis;
e) A consideração do regime de recarga e qualidade dos aquíferos, garantindo que as extracções de água são inferiores à recarga média anual e incorporando a avaliação das emissões e destino final das águas residuais nos processos de autorização do uso da água, de fiscalização e de monitorização;
f) A consideração da continuidade do escoamento, incluindo os percursos superficiais e subterrâneos;
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g) A consideração do balanço energético, incluindo energia cinética, energia de posição e consumos energéticos de transporte e tratamento na avaliação do estado da água e eventuais interferências, assim como na comparação de alternativas e análise de projectos;
h) A bacia hidrográfica é a unidade base de planeamento;
i) A consideração de intervenções geotécnicas que possam prejudicar a normal recarga de aquíferos ou outras que possam prejudicar a estabilidade dos normais regimes de transporte de sedimentos nas bacias hidrográficas ou outras que possam agravar factores conducentes a desastres ambientais ou tecnológicos;
j) A obrigatoriedade de clara definição e regulamentação dos procedimentos e articulação de atribuições e competências das entidades com jurisdição relacionada com a ocupação do solo ou ordenamento do território, numa mesma bacia hidrográfica ou em zonas directamente relacionadas com o funcionamento de um sistema aquífero;
k) A informação e participação dos cidadãos no planeamento, na administração, na avaliação de projectos e na elaboração de legislação sobre a água;
l) A responsabilização dos utilizadores por efeitos decorrentes da forma de utilização da água.
Artigo 9.º
Princípio da proporcionalidade
As opções sobre o acesso e uso da água respeitam a hierarquia de utilizações segundo a maior necessidade, a segurança e o princípio da proporcionalidade, nos seguintes termos:
a) A equidade de distribuição dos benefícios da água;
b) As decisões sobre a água são do interesse comum, pelo que os órgãos de consulta e os processos de participação devem ser abrangentes de todos os cidadãos.
Artigo 10.º
Direito à água
1 - Todos têm direito à água para beber, para confecção de alimentos e higiene com qualidade e tratamento adequados e à descarga das águas residuais domésticas, sobrepondo-se essa garantia a todos os outros critérios e direitos de utilização da água ou do domínio público.
2 - O abastecimento próprio por período igual ou superior a um ano, seja directamente de uma origem, seja de um sistema ou equipamento público ou privado, constitui direito que não pode ser alienado, excepto se for proporcionada uma alternativa voluntariamente aceite pelo próprio.
3 - As origens de água utilizadas nas condições previstas no número anterior, são obrigatoriamente designadas para produção de água destinada ao consumo humano.
Artigo 11.º
Direito à segurança
1 - Todos têm direito à segurança de pessoas e bens face, designadamente, a inundações naturais ou provocadas, a outros desastres naturais ou tecnológicos associados aos escoamentos hídricos, efeitos de escassez devida a seca ou a sobreutilização da água, poluição e doenças hídricas.
2 - O direito à segurança abrange, ainda, os efeitos de utilizações da água ou outras perturbações do regime de escoamento ou da qualidade da água.
Artigo 12.º
Direito ao ambiente
Todos têm direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, nomeadamente a usufruir de ecossistemas equilibrados, paisagem, praias, acesso aos rios e às utilizações públicas da água, salubridade e bom estado das águas, segundo o princípio do uso livre e gratuito, sendo a qualidade desse uso inventariada e a alteração dessa qualidade obrigatoriamente considerada nas avaliações de novas utilizações ou medidas.
Artigo 13.º
Utilização da água como factor de produção
Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado:
a) Impedir o exercício de privilégios especiais sobre a água, relativamente à posse dos meios e factores de produção e quaisquer formas de intermediação na utilização da água como recurso ou factor de produção;
b) Garantir a segurança de rendimentos de trabalho dependentes da água.
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Artigo 14.º
Direito à compensação
Sem prejuízo da indemnização prevista no Código das Expropriações, todos aqueles que se encontrem em situação de expropriado, deslocado ou prejudicado, sendo ou não proprietário, têm o direito de ser compensados pelos prejuízos directos ou indirectos que os afectem, tendo em consideração a perda do acesso à água e ao domínio público hídrico, e baseando-se esta compensação na substituição do conjunto dos bens ou benefícios equivalentes.
Artigo 15.º
Acesso ao direito
1 - O Estado assegura a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos em relação à água, incluindo a defesa de interesses comuns e interesses difusos, através de processo judicial acessível, célere, simplificado e gratuito.
2 - A lei pode institucionalizar instrumentos e mecanismos simplificados de responsabilização judicial do Estado, designadamente pelo incumprimento de leis ou normas de fiscalização, controlo, monitorização ou informação em matéria de água.
Artigo 16.º
Direito de participação
1 - Todos têm direito a ser consultados e a sua participação ser tida em conta, nas decisões sobre políticas, programas, projectos, medidas e legislação sobre a água.
2 - A participação e a informação devem ser acessíveis em todo o território nacional e designadamente ao nível das freguesias, deve ser gratuita e não pode ser exclusiva, nem assentar em critérios baseados no acesso a tecnologias ou no grau de alfabetização.
Artigo 17.º
Direito de informação
Todos têm o direito de ser informados, atempada e regularmente, sobre as matérias e decisões relevantes relativas à água, incluindo:
a) A segurança e riscos a que estejam expostos, designadamente sobre a adequação da qualidade das origens de água para abastecimento, de água distribuída em abastecimento público e das águas balneares, assim como exposição a inundações;
b) O estado e alterações do funcionamento do ciclo da água, incluindo a descrição de efeitos potenciais de políticas, programas, projectos, medidas ou legislação sobre a água;
c) O grau de incerteza e potenciais riscos associados a tomadas de decisão.
Artigo 18.º
Direito de associação
Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações nos termos da lei, com vista, nomeadamente:
a) Ao auto-abastecimento, ou utilização comum da água;
b) À defesa de direitos em relação à água;
c) À protecção da água, dos ecossistemas associados, da solidariedade intergeracional, da protecção das pessoas em relação a riscos associados à água, ou outras questões relacionadas.
Artigo 19.º
Responsabilidade
É imputável responsabilidade a quem cause dano, aumento de riscos ou diminuição da qualidade de uso da água a outrem, ou de qualquer forma cause diminuição da qualidade do domínio público hídrico ou das funções dele dependentes, em consequência das acções que exerce ou promove.
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Capítulo III
Protecção das pessoas, da água e das funções dela dependentes
Artigo 20.º
Princípio geral de protecção da água circulante
É dever do Estado proteger o domínio público hídrico, assegurando o seu adequado funcionamento, a continuidade das funções da água, a prevenção de riscos de redução da disponibilidade para as gerações futuras e a não diminuição da qualidade do seu uso.
Artigo 21.º
Funcionamento hidráulico
1 - As interferências antropogénicas no circuito das águas e a ocupação do território são condicionadas e limitadas sempre que afectem ou ponham em risco o adequado funcionamento hidráulico da água circulante, em todo o seu percurso superficial e subterrâneo, desde o momento de precipitação, inclusive sob a forma de neve ou granizo, até que evapore ou desague no oceano.
2 - São de interesse público e promovidas pelo Estado as intervenções necessárias ao melhoramento e correcção de anomalias e riscos no funcionamento hidráulico das águas circulantes.
3 - Para o regular funcionamento hidráulico deverão ser considerados, entre outros, os seguintes factores:
a) O escoamento de águas resultantes de fenómenos extremos de precipitações intensas, cheias e tempestades, e a protecção dos solos em relação à erosão;
b) A alteração da natural permeabilidade dos solos e a recarga de aquíferos;
c) O seccionamento de aquíferos e interferências no escoamento subterrâneo;
d) A desnaturalização dos cursos de água ou redução de meandros;
e) As alterações ao transporte de sólidos afectando os processos de erosão e sedimentação.
4 - São obrigatoriamente objecto de estudo hidrológico e análise de riscos induzidos, incluindo riscos para terceiros resultantes da rotura devido a cheia, todas as construções e aterros que atravessem o domínio público hídrico ou constituam obstáculo a linhas de água permanentes ou temporárias, incluindo vias de comunicação em aterro, dotadas ou não de obras de arte.
5 - Nos casos referidos no número anterior em que não exista regulamento próprio de segurança hidráulica, serão adoptados para essas construções os critérios do regulamento de segurança de barragens.
Artigo 22.º
Qualidade da água - abordagem combinada
1 - Incumbe ao Estado assegurar a qualidade adequada da água circulante.
2 - É dever de todos os cidadãos preservar a qualidade da água e cooperar na sua melhoria.
3 - Para efeitos de regulamentação, a qualidade da água é considerada por parcelas fixas e instantâneas intituladas "massas de água" e que são referidas aos reservatórios imóveis entre os quais circula, designadamente, troços de rios, albufeiras, lagos, lagoas, formações que delimitam aquíferos, troços de escoamento subterrâneo ou sub-superficial e outros reservatórios ou condutas naturais ou artificiais que confinam a circulação da água.
4 - O Estado delimita as "massas de água" e designa o fim a que cada uma se destina.
5 - Cada "massa de água" deve ter a qualidade adequada às utilizações a que se destina e às suas funções ecológicas, conformando-se à grelha de parâmetros físicos, químicos e micro-biológicos regulamentares para essas funções e utilizações.
6 - O Estado promove as acções e medidas necessárias para monitorizar e impedir a degradação da qualidade da água e para recuperar a qualidade das massas de água degradadas.
7 - Para efeitos de autorização de utilização da água, o critério de qualidade do meio hídrico sobrepõe-se à regulamentação geral de autorização de cada utilização poluente, sempre que seja mais restritivo.
8 - A variabilidade hidrológica e a variabilidade climática são consideradas explicitamente na avaliação da capacidade do meio hídrico, e serão descritas no título de autorização as condições mais desfavoráveis de caudal e temperatura para além das quais a emissão terá de ser interrompida.
9 - São publicados anualmente os resultados da monitorização da qualidade de cada massa de água, referentes ao ano findo, e comparadas com a grelha regulamentar correspondente.
10 - A regulamentação de cada tipo de utilização da água e qualquer título de autorização estipula obrigatoriamente as substâncias que se admite possam estar dissolvidas nas águas usadas, e as condições e local de rejeição, assente numa perspectiva de contenção da poluição pontual e difusa.
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Artigo 23.º
Funções protegidas
1 - No âmbito das funções sociais, ecológicas e económicas da água, são funções protegidas:
a) As funções da água circulante relevantes para o adequado funcionamento dos ciclos bio-geo-químicos da natureza, com ênfase para os processos biológicos, os ciclos do oxigénio, do fósforo, do azoto e do carbono, assim como a manutenção dos teores de humidade do solo e a capacidade de depuração do meio hídrico, garantindo como primeira prioridade a sanidade ambiental e a segurança sanitária da utilização humana da água e em segunda as condições adequadas aos ecossistemas aquáticos e associados;
b) As funções essenciais à vida e saúde humana, com ênfase para o abastecimento de água em quantidade e qualidade adequada ao consumo humano e higiene pessoal, a disponibilização de fontes públicas, fontanários e chafarizes, os sistemas de abastecimento público, de drenagem e tratamento de águas residuais e de águas pluviais;
c) As reservas estratégicas de água doce, com ênfase para a qualidade da água nos sistemas aquíferos e para a qualidade e adequado funcionamento da rede fluvial, dos percursos de escoamento e dos reservatórios naturais e artificiais;
d) Os ecossistemas aquáticos e associados, com ênfase para a recuperação das condições adequadas ao repovoamento pelas espécies piscícolas mais sensíveis e espécies migratórias, para a sua diversidade e valorização;
e) As fontes e nascentes naturais de água própria para consumo humano, assim como as instalações de acesso público a essas águas, incluindo servidões e fontanários;
f) Os sistemas aquíferos, ou parte de sistema, produtores de água que, pelas suas características químicas sejam reconhecidos como recurso hidromineral ou pela sua temperatura, como recurso geotérmico;
g) As funções directamente relacionadas com o direito ao trabalho, e designadamente o direito dos trabalhadores à utilização gratuita da água como recurso de produção;
h) As utilizações públicas da água e do domínio público hídrico;
i) As funções da água como recurso económico estruturante, e designadamente a segurança da continuidade de utilização adequada a longo prazo;
j) A utilização da água na produção de bens materiais por processos produtivos harmoniosos com os processos naturais, particularmente a agricultura biológica, as práticas agrícolas ambientalmente sãs e outras actividades produtivas, tradicionais ou inovadoras, que contribuam para um uso adequado da água e do solo na produção e para o combate à desertificação.
Artigo 24.º
Protecção em relação aos efeitos de fenómenos extremos e outros riscos relacionados com a água
1 - É tarefa fundamental do Estado assegurar a protecção de pessoas, dos bens, do território e dos ecossistemas face, designadamente, a inundações naturais ou provocadas, a outros desastres naturais ou tecnológicos associados à água circulante, a efeitos de escassez devida a seca ou à sobreutilização da água, poluição e doenças hídricas.
2 - A Assembleia da República aprovará, num prazo não superior a dois anos após a publicação do presente diploma, a lei de enquadramento e regulamentação desta função, incluindo, designadamente, as condicionantes à utilização da água e ocupação do território, as atribuições, competências e articulação dos vários órgãos intervenientes nesta matéria, as formas de participação pública e publicitação, os mecanismos de controlo e fiscalização e os regulamentos sectoriais pertinentes.
3 - A Assembleia da República aprovará, num prazo não superior a um ano após a publicação deste diploma, a lei de protecção face a inundações e violência das águas, que deverá abranger a avaliação e comunicação de riscos e a segurança activa e passiva em relação aos efeitos de cheias, fenómenos de precipitação intensa, maremotos, rotura de barragens e outros fenómenos naturais ou antrópicos de inundação ou variação brusca de corrente das águas.
Capítulo IV
Domínio público hídrico
Artigo 25.º
Dos bens que integram o domínio público hídrico
1 - Mantêm-se do domínio público os bens que integravam o domínio público hídrico anteriormente à presente lei, e que incluem:
a) As águas territoriais com os seus leitos, as águas marítimas interiores com os seus leitos e margens e a plataforma continental;
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b) As águas salgadas das costas, enseadas, baías, portos artificiais, docas, fozes, rias, esteiros e seus respectivos leitos, cais e praias, até onde alcançar o colo da máxima preia-mar de águas vivas;
c) Os lagos, lagoas, canais, valas e correntes de água de regime permanente, assim como aqueles que, não sendo permanentes, sejam sazonalmente navegáveis ou flutuáveis, com seus respectivos leitos, margens, ilhas e praias e, bem assim, os que por lei forem reconhecidos como aproveitáveis para produção de energia eléctrica ou para irrigação;
d) As valas abertas pelo Estado e as barragens de utilidade pública;
e) As nascentes de águas mineromedicinais e os recursos geotérmicos;
f) As grandes barragens, respectivas albufeiras e órgãos de exploração associados;
g) Os aproveitamentos de fins múltiplos e todos aqueles que sirvam mais do que um particular;
h) As valas, leitos de barrancos e correntes de água sazonais nos troços em que atravessarem terrenos públicos;
i) Os leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos e margens lhe pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado;
j) Os lagos, lagoas e pântanos formados pela natureza nesses terrenos e os circundados por diferentes prédios particulares;
k) As águas nativas que brotarem em terrenos públicos, municipais ou de freguesia, as águas pluviais que neles caírem, as que por eles correrem abandonadas, e as águas subterrâneas que nos mesmos terrenos existam;
l) As águas das fontes públicas e as dos poços e reservatórios construídos à custa dos concelhos e freguesias;
m) As águas que nascerem em algum prédio particular, do Estado ou dos corpos administrativos, e as pluviais que neles caírem, logo que umas e outras transponham, abandonadas, os limites dos respectivos prédios, se forem lançar-se no mar ou em outras águas do domínio público;
n) As infra-estruturas de sistemas públicos de abastecimento de água e águas residuais, assim como todas as infra-estruturas associadas à água que tenham sido declaradas de interesse público, ou financiadas por fundos públicos;
o) Os terrenos ocupados por essas infra-estruturas e os terrenos adjacentes que tenham sido adquiridos ou expropriados no âmbito dos empreendimentos referidos;
p) As captações para abastecimento público, assim como os terrenos abrangidos pelos perímetros de protecção dessas captações.
2 - Com a entrada em vigor da presente lei integra-se no domínio público toda a água circulante, e, bem assim todos os bens referidos no artigo 4.º e as zonas adjacentes que sejam nessa data propriedade privada do Estado, de entidade pública ou de entidade privada de capitais maioritariamente públicos.
3 - Os bens que se enquadrem no n.º 2 do artigo 4.º e sejam propriedade privada de particulares deverão ser integrados no domínio público hídrico num período até 10 anos após a aprovação da presente lei.
4 - As beneficiações posteriores à aprovação da presente lei, exceptuando a manutenção e conservação corrente, não serão consideradas para efeito de compensações ou indemnização dos proprietários.
5 - A integração de bens privados no domínio público hídrico nos termos da presente lei é de interesse público.
6 - A integração de bens privados no domínio público hídrico será regulamentada de acordo com as disposições transitórias da presente lei, fazendo parte do processo de integração a emissão de autorização das utilizações da água ou de ocupação do domínio hídrico a que houver lugar e sendo outras eventuais compensações calculadas com base no global das vantagens e prejuízos para o proprietário e para o utilizador efectivo e considerando a situação das utilizações instaladas face ao disposto na lei em vigor.
7 - Por requerimento do proprietário no âmbito do processo referido no n.º 3 do presente artigo, poderá considerar-se a manutenção da propriedade privada de particulares sobre terrenos do domínio público hídrico referidos no n.º 2 do artigo 4.º, ficando os mesmos terrenos sujeitos ao regime geral do domínio público hídrico, mas ficando interdita a autorização a terceiros da sua utilização privada.
Artigo 26.º
Propriedade e administração
1 - A água circulante pertence ao Estado e os terrenos e infra-estruturas e equipamentos do domínio público hídrico poderão ser património da administração central, da administração regional ou das autarquias locais.
2 - A administração, gestão, fiscalização e autorização de utilização do domínio público hídrico é exercida por órgãos de administração pública directa.
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3 - A ocupação do domínio público hídrico com infra-estruturas permanentes, sejam de iniciativa pública ou privada, é objecto de título de autorização específico sujeito a processo público de Avaliação de Impacte Ambiental.
4 - Os terrenos do domínio público hídrico, com excepção dos fundos marítimos para além dos estuários, estão obrigatoriamente integrados, sob o ponto de vista de jurisdição administrativa, numa freguesia e num concelho, e são considerados, para todos os efeitos, no cálculo da superfície dessas divisões administrativas.
Artigo 27.º
Recuo e avanço das águas
1 - Os leitos dominiais que forem abandonados pelas águas, ou lhes forem conquistados, assim como os terrenos reclamados às águas, não acrescem às parcelas privadas que porventura lhes sejam contíguas, continuando integrados no domínio público.
2 - As alterações ao curso das águas, a corrosão ou submersão de terrenos, alterações à linha de costa ou à configuração das formações geológicas delimitantes das águas subterrâneas, implicam a redefinição dos limites do domínio público hídrico, considerando-se automaticamente integradas no domínio público hídrico as parcelas privadas afectadas, nas seguintes condições:
a) Se estas alterações forem lentas, e devidas à evolução natural ao curso das águas, designadamente alterações de linha de costa, formação de meandros de rios, erosão e sedimentação decorrentes do regime natural das águas, não há lugar a indemnização ao proprietário pela sua integração no domínio público hídrico;
b) Se as alterações forem efeito directo ou indirecto de intervenção humana, ou houver lugar a forte presunção que o sejam, o Estado expropriará os bens integrados no domínio público e pagará as indemnizações por prejuízos a que houver lugar instaurando, obrigatoriamente, um processo de averiguação de responsabilidades.
3 - As obras hidráulicas, marítimas ou outras que alterem a morfologia, a permeabilidade ou outras características hidráulicas do solo, o percurso do escoamento superficial ou subterrâneo, a linha de marés ou as áreas inundáveis por cheias, ou as zonas adjacentes, tenham sido ou não objecto de autorização de utilização da água ou do domínio público hídrico, dão lugar a compensação de todos os sujeitos prejudicados pela alteração dos limites do domínio público, da alteração do regime, do curso ou da qualidade das águas e/ou das áreas inundáveis.
4 - A compensação prevista no número anterior contempla, para além da indemnização devida pela expropriação dos proprietários a que houver lugar, a compensação a todas as pessoas afectadas, designadamente nos direitos referidos no artigo 9.º e seguintes, no direito à habitação ou outros direitos constitucionais, baseando-se esta compensação, quando não houver legislação específica, na substituição dos bens afectados por bens idênticos ou equivalentes.
5 - Qualquer projecto, construção ou instalação de equipamentos que induza alteração à delimitação dos terrenos do domínio público hídrico ou das áreas inundáveis é obrigatoriamente objecto de processo de consulta pública, de duração superior a três meses, devidamente publicitada em todos os concelhos abrangidos total ou parcialmente pela alteração e nos concelhos contíguos a esses.
Artigo 28.º
Delimitação do domínio público hídrico
1 - Todos os cidadãos têm o direito de conhecer a delimitação do domínio público hídrico.
2 - O domínio público hídrico é objecto de inventariação clara e inequívoca no inventário de património do Estado e é explicitado à escala adequada nos instrumentos de planeamento com incidência territorial, incluindo obrigatoriamente os planos de recursos hídricos, o plano nacional da água e os planos directores municipais.
Artigo 29.º
Alteração aos bens do domínio público hídrico
1 - Os bens do domínio público hídrico só podem transitar para o regime de propriedade privada caso deixem de se verificar, com carácter definitivo e permanente, todas e cada uma das condições referidas nos artigos 4.º e 25.º e se verifique pelo menos uma das seguintes situações:
a) O recuo das águas, provando-se que é definitivo e permanente, poderá dar origem à exclusão do domínio público hídrico de terrenos que se situem para além da nova definição das áreas inundáveis;
b) O abandono, destruição ou cessação de utilidade de infra-estruturas do domínio público hídrico poderá dar origem à desintegração dessas infra-estruturas e eventualmente de terrenos associados do domínio público.
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2 - O processo de alienação de bens do domínio público hídrico é obrigatoriamente precedido dos estudos técnico-científicos adequados e de uma consulta pública em todos os concelhos abrangidos e limítrofes e é objecto de deliberação da Assembleia da República.
3 - Os bens excluídos do domínio público passam a estar na esfera dos municípios ou das freguesias em que se situam.
Artigo 30.º
Regime geral do domínio público hídrico
1 - Todos os cidadãos podem usar livremente o domínio público hídrico nas formas que não o alterem, não degradem a água e não prejudiquem o uso por outros, ou retirar água para uso próprio com vasilhame.
2 - O regime de administração, protecção, acautelamento e utilização do domínio público hídrico e o regime de restrições ao uso do território serão objecto de regulamentação.
3 - O desvio de águas dos seus leitos naturais, captação por meio de equipamentos mecânicos, represamento das águas, perfuração das camadas geológicas enquadrantes dos aquíferos, descarga de águas utilizadas, drenagem ou infiltração de águas são objecto de regulamentação das utilizações da água.
4 - Será também elaborado o regulamento de segurança, incluindo a segurança em relação a cheias, para projecto, construção, regime de condicionantes, manutenção e exploração de obras e equipamentos potencialmente interferentes no regime de escoamento ou armazenamento de água, no funcionamento hidráulico das cheias ou na qualidade da água, englobando barragens e exploração de albufeiras, estradas em aterro, valas e condutas, obras de regularização, seccionamento de aquíferos, fundações, túneis ou obras subterrâneas interferentes no escoamento, obras de drenagem e estações de tratamento de águas.
Artigo 31.º
Leitos
1 - Para os efeitos da presente lei entende-se por "leito" todo o terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas por cheias, inundações ou tempestades de probabilidade de ocorrência inferior a uma vez em dois anos, e compreende os mouchões, lodeiros e areais nele formados por deposição aluvial.
2 - O leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais, definida para cada local, em função do espraiamento das vagas, em condições médias de agitação do mar, no primeiro caso, e em condições de cheias médias, no segundo caso.
3 - O leito das restantes águas é limitado pela linha que corresponder à extrema dos terrenos que as águas cobrem em condições de cheias com probabilidade de ocorrência de uma vez em dois anos, sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto, definida, conforme os casos, pela aresta ou crista superior do talude marginal ou pelo alinhamento da aresta ou crista do talude molhado das motas, cômoros, valados, tapadas ou muros marginais.
4 - Os leitos são domínio público hídrico nos termos do n.º 2 do artigo 4.º.
Artigo 32.º
Margens
1 - Para efeitos da presente lei entende-se por "margem" uma faixa de terreno contígua ao leito ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.
2 - A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis até ao limite de influência das marés, tem a largura de 50 metros.
3 - A margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis tem a largura de 30 metros.
4 - A margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10 metros.
5 - Nos casos em que exista natureza de praia e esta se estenda por uma faixa de largura superior à estabelecida para cada caso, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.
6 - Nos casos em que a área inundável com probabilidade de, pelo menos, uma vez em 10 anos se estenda por uma faixa de largura superior à estabelecida para cada caso, a margem estende-se até ao limite da área inundável.
7 - As margens são domínio público hídrico nos termos do n.º 2 do artigo 4.º.
Artigo 33.º
Zonas adjacentes - áreas inundáveis
1 - Para os efeitos da presente lei entende-se por "zona adjacente" a área contígua à margem que como tal seja classificada por diploma legal, por se encontrar ameaçada pelo mar ou pelas cheias, e estende-se
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desde o limite exterior da margem até uma linha convencional definida, para cada caso, no diploma de classificação.
2 - A utilização das zonas adjacentes está sujeita a condicionantes de ocupação semelhantes ao regime de protecção do domínio público hídrico e definidas por lei.
3 - O critério de classificação e o regime das zonas adjacentes são definidos em lei.
Artigo 34.º
Outras zonas condicionadas
1 - Poderão ser estabelecidas condicionantes permanentes ou temporárias à utilização de terrenos privados, para protecção das águas, designadamente em zonas húmidas, zonas vulneráveis, zonas sensíveis, zonas de protecção de ecossistemas aquáticos e associados, ou outras zonas definidas para segurança das funções da água, das pessoas e bens.
2 - Sempre que ocorra lesão da utilização efectiva do terreno ou da utilização da água, o utilizador tem direito a compensação adequada.
Artigo 35.º
Servidões administrativas
É condicionado o uso da propriedade privada nas zonas sujeitas às servidões administrativas e legais, designadamente no interesse geral de acesso ao domínio público hídrico e às utilizações públicas da água.
Artigo 36.º
Restrições e condicionantes com expressão territorial
As condicionantes e restrições com expressão territorial serão mapeadas e explícitas à escala adequada nos instrumentos de planeamento territorial, designadamente nos planos directores municipais.
Capítulo V
Das utilizações da água e da ocupação do domínio público hídrico
Artigo 37.º
Utilização da água
1 - A "utilização da água" compreende o conjunto completo de acções necessárias ao exercício da actividade, considerando a globalidade dos efeitos dessa actividade no estado físico, químico, biológico e energético da água circulante e as alterações aos balanços de massas e energia, e inclui, nomeadamente, a captação e a rejeição de águas, a ocupação do domínio público hídrico, assim como a exploração de infra-estruturas e equipamentos hidráulicos ou de tratamento de águas.
2 - Cada "utilização da água" está necessariamente associada a um sujeito "utilizador", podendo este ser uma pessoa singular ou colectiva, de direito público ou privado.
Artigo 38.º
Principio geral
1 - A utilização da água é objecto de título de autorização emitido a favor do utilizador por entidade pública de administração directa do Estado com atribuições próprias.
2 - O título de autorização tem as seguintes características:
a) Refere-se a uma determinada utilização da água globalmente e à totalidade dos seus efeitos no meio hídrico, devidamente quantificados e descritos os intervalos de variação admissíveis para cada parâmetro pertinente;
b) Especifica o processo de monitorização e controlo, cujos encargos são suportados pelo utilizador.
3 - O título é emitido para um prazo limitado e para intervalos de condições hidrológicas e de estado do meio hídrico especificadas, podendo também limitar a utilização a determinados períodos do dia ou do ano.
4 - Tratando-se de actividades que estejam sujeitas a licença ambiental, esta será incluída no título de autorização de utilização da água.
5 - O título de autorização não isenta o utilizador de responsabilidade civil por danos causados a terceiros ou danos ambientais decorrentes da utilização.
6 - As utilizações definidas na lei como utilizações livres estão isentas de autorização, podendo, no entanto, existir áreas em que estas utilizações sejam vedadas ou condicionadas.
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Artigo 39.º
Utilizadores
1 - Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º entende-se por utilizador, uma pessoa singular ou colectiva, que directamente beneficia de determinada utilização da água, e cujo interesse é invocado na justificação da mesma, sendo que cada utilização corresponde inequivocamente a um utilizador, e só existe em função dele.
2 - O utilizador é titular da autorização de utilização da água, se a ela houver lugar, e é responsável por danos a terceiros e por danos ambientais directa ou indirectamente resultantes do seu exercício.
3 - No caso de utilizações múltiplas agregadas, e não havendo associação ou cooperativa específica dos utilizadores, podem os órgãos das autarquias locais, das regiões autónomas ou da administração central actuar como representantes de grupos de utilizadores no âmbito das suas atribuições e área de jurisdição.
4 - No caso de pessoas jurídicas diversas utilizarem sucessiva ou simultaneamente o mesmo fluxo de água, não servindo a captação e a rejeição uma única entidade, deverão obrigatoriamente constituir-se em associação, cooperativa ou sociedade com personalidade jurídica que se assuma como utilizador e requeira a autorização de utilização.
Artigo 40.º
Utilizações públicas
1 - São utilizações públicas da água do domínio público hídrico aquelas que estão acessíveis e podem ser simultaneamente usufruídas por muitos utilizadores, sem que haja conflito de uso nem perturbação significativa no estado do meio nem na qualidade de outras utilizações, e que incluem, designadamente, a extinção de incêndios, o consumo, a colecta de água em vasilha, para uso próprio, a higiene, a fruição da paisagem, das margens, das ilhas e das praias, a fruição de fontes públicas, lagos e jardins públicos, a flutuação e navegação sem motor e a pesca à linha, e ainda as utilizações públicas definidas no artigo seguinte e as utilizações comuns nos baldios.
2 - As utilizações previstas no número anterior não necessitam de autorização e são gratuitas, podendo, no entanto, ser condicionadas ou interditas em determinados locais devidamente assinalados, ou por períodos temporariamente determinados, por critérios definidos por lei e em razão da segurança do utilizador e da protecção da qualidade da água ou dos ecossistemas.
Artigo 41.º
Utilizações públicas em equipamentos públicos
1 - São utilizações públicas da água em equipamentos públicos as utilizações públicas dependentes de equipamentos ou serviços, cujo acesso seja gratuito e não exclusivo e que incluem:
a) O abastecimento em fontes públicas;
b) O abastecimento em fontanários e chafarizes públicos;
c) Utilizações comuns em baldios, com infra-estruturas próprias;
d) A fruição de piscinas, lagos e lagoas de acesso público;
e) A rega de jardins públicos;
f) A utilização de bebedouros públicos;
g) A utilização de bocas-de-incêndio;
h) A utilização em lavadouros públicos;
i) O abeberamento de gado em instalações públicas;
j) A utilização em hospitais e centros de saúde pública;
k) A utilização em escolas e estabelecimentos de ensino públicos;
l) Outras utilizações em espaço público onde seja proporcionado acesso público e gratuito à água.
2 - Incumbe ao Estado assegurar a efectiva fruição do direito à água providenciando e protegendo equipamentos e serviços que garantam as utilizações públicas.
3 - As utilizações públicas em equipamentos públicos são de interesse público e sobrepõem-se, para todos os efeitos, às utilizações privadas da água.
4 - Todos os actos de eliminação, vandalismo ou deterioração de equipamentos públicos de utilização da água, ou qualquer acção que diminua a disponibilidade ou qualidade das utilizações é crime contra o interesse público, nos termos a definir por lei.
5 - A obrigatoriedade de disponibilização de utilizações públicas em equipamentos públicos, e especialmente a disponibilização do acesso à água potável será objecto de regulamentação.
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Artigo 42.º
Utilizações privadas
1 - São utilizações privadas da água as que implicam que um troço do circulação da água seja exclusivo a um utilizador, ou que perturbem de alguma forma o funcionamento ou a qualidade do meio hídrico ou as funções protegidas da água, ou ainda que impliquem a ocupação dos terrenos do domínio público hídrico.
2 - A utilização privada da água exige título de autorização emitido por entidade pública de administração directa do Estado nominalmente ao utilizador.
3 - Os critérios de autorização são regulamentados de acordo com a presente lei e incidem sobre todo o conjunto de acções, construções e instalações necessárias ao seu desempenho, incluindo obrigatoriamente o destino final das águas utilizadas, e obrigam à pré-avaliação do conjunto dos efeitos previsíveis no domínio público hídrico, nas utilizações da água e nas funções protegidas, sendo obrigatoriamente analisadas, quanto pertinente, soluções alternativas de origem de água, de drenagem, de tratamento e destino final de águas residuais e lamas.
4 - O título de autorização menciona explicitamente os limites da utilização referenciados às condições hidrológicas e de qualidade físico-química, biológica e ecológica do meio aquático, e o sistema de monitorização e controlo, cujos custos serão suportados pelo utilizador.
5 - A regulamentação diferenciará os critérios e processos de autorização, bem como do processo de adaptação para actividades instaladas, para as seguintes utilizações: uso pessoal e domiciliário; abeberamento e criação de gado não estabulado, diferenciando produção familiar e industrial; rega de jardins privados e outros usos de lazer em propriedade privada; pecuária industrial, diferenciada segundo o tipo de amimais, a dimensão, tipo de produtos manuseados, utilização da água e tratamento; agricultura regada familiar tradicional; agricultura regada biológica; agricultura regada com utilização de fertilizantes e ou pesticidas; agricultura regada industrial; campos de golfe e outras instalações turísticas com campos ou jardins regados; produção hidroeléctrica; produção termoeléctrica; indústrias alimentares tradicionais, incluindo produção de vinho, produção de azeite e lacticínios; artesanato e artes, incluindo olaria e estatuária; indústria transformadora com utilização de água no processo de fabrico, diferenciada segundo o tipo de indústria, a dimensão, tipo de produtos manuseados, e produção; processamento alimentar; culturas biogenéticas, diferenciadas por espécie e por produtos utilizados e potencialmente incorporados na água: indústria extractiva, diferenciada segundo o tipo, a dimensão e o processo; produção florestal com rega; actividade hoteleira ou de restauração; laboratórios; actividades hospitalares e clínicas veterinárias; actividades que impliquem transporte ou manuseamento intensivo de óleos e ou hidrocarbonetos, incluindo oficinas, bombas de gasolina e as que incluam transporte de hidrocarbonetos por oleodutos; actividades portuárias; exploração de docas ou marinas navegação motorizada, de transporte de passageiros ou de mercadorias; pesca com utilização de artes de pesca ou processos mecanizados actividades que incluam depósito de resíduos ou produção de lamas químicas; todas as actividades que exijam licença ambiental, processo de avaliação de impacto ambiental, ou manuseiem substâncias eventualmente perigosas para a água.
6 - Os critérios, processo e condições de autorização, assim como os métodos de cálculo e valores de referência dos parâmetros relevantes e o regime de monitorização e fiscalização são regulamentados de forma explícita.
7 - A lista de todos os parâmetros e variáveis de referência, incluindo os limites de emissão de substâncias poluentes para cada tipologia de utilização e as condicionantes próprias de cada massa de água, será publicada anualmente para todo o território nacional.
Artigo 43.º
Utilizações privadas em equipamentos públicos
1 - Existindo várias utilizações privadas da água ligadas total ou parcialmente a um mesmo equipamento, cada uma é objecto de autorização de utilização da água, sendo o equipamento público gerido por administração directa do Estado.
2 - Cada equipamento público é objecto de diploma regulamentar, publicado em Diário da República, no qual se estipulam os objectivos, regras de exploração e funcionamento, entidade gestora, responsabilidades e quadro afecto.
3 - Os equipamentos públicos são sujeitos a processo de autorização, incluindo as avaliações e processos de participação pública semelhantes aos estipulados para utilizações privadas.
4 - O serviço público gestor do equipamento poderá contratar ou delegar a operação corrente, monitorização ou manutenção e conservação do equipamento, não podendo a delegação ou contrato exceder quatro anos, findos os quais caduca automaticamente.
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Artigo 44.º
Outras utilizações ou ocupações do domínio público hídrico
1 - Sendo a figura de domínio público hídrico e a sua delimitação baseada na garantia da funcionalidade da fase líquida do ciclo hidrológico e das funções da água, a sua ocupação ou qualquer tipo de utilização só é admissível se, pelas suas características próprias e tipologia não for exequível fora do domínio público, ficando sujeita à verificação de que não são perturbadas essas condições de funcionalidade, ou que são respostas de forma equivalente ou melhor que a anterior.
2 - As ocupações ou utilizações dos terrenos do domínio público hídrico no âmbito de uma utilização da água serão objecto do processo único de autorização da utilização, caso contrário serão objecto de autorização específica de utilização do domínio hídrico.
3 - Quando cessa o objecto da ocupação ou utilização dos terrenos do domínio público hídrico que consta da autorização, esta caduca, sendo ao mesmo tempo repostas as condições iniciais, sendo interdita a reconversão de construções ou equipamentos instalados para actividades que possam ser exercidas noutros terrenos.
4 - Os critérios de avaliação e de autorização da ocupação do domínio público hídrico serão objecto de regulamentação.
Artigo 45.º
Hierarquia
1 - Os critérios de autorização de utilização da água e as condicionantes impostas, designadamente em função da situação hidrológica e do estado de qualidade do meio receptor, assim como restrições temporárias ou permanentes de utilização da água ou dos terrenos do domínio público hídrico, terão em conta a seguinte hierarquia:
a) A segurança de pessoas e bens face a desastres de causas naturais ou antrópicas, incluindo a extinção de incêndios, a segurança em relação a inundações, arrastamento pelas águas, erosão e acidentes de poluição;
b) A utilização domiciliária de água com qualidade adequada e a disponibilidade de água potável em fontes, fontanários e chafarizes públicos;
c) A saúde pública;
d) A segurança de rendimentos de trabalho dependentes do acesso à água;
e) A sobrevivência de animais de criação doméstica e em vida selvagem assim como de árvores e outras plantas com períodos longos de substituição;
f) A segurança relativamente a contaminação ou sobreexploração de aquíferos e à eutrofização ou degradação da qualidade das albufeiras;
g) A capacidade de depuração do meio hídrico e a qualidade física, química e biológica da água e a manutenção de caudais ecológicos;
h) A manutenção de reservas que assegurem estas funções durante o período de estiagem e em caso de seca prolongada.
2 - As funções protegidas da água têm prioridade sobre outras funções ou utilizações.
3 - Os critérios de hierarquização de autorização de outras utilizações da água poderão ter variações espaciais, e serão submetidos à aprovação da Assembleia da República para cada região hidrográfica.
Artigo 46.º
Obras hidráulicas, tratamentos e instalações especiais
1 - Os princípios e regras definidos para o domínio público hídrico são extensivos a todas as obras hidráulicas, tratamentos e instalações especiais que interfiram significativamente no funcionamento hidráulico ou na qualidade da água circulante, e que incluem: barragens; albufeiras; entubamento ou rectificação de cursos de água superficiais ou subterrâneos; sistemas de rega; transferências de água entre bacias hidrográficas; instalações de tratamento de águas; sistemas de distribuição de água; sistemas de colecta e drenagem; instalações de tratamento de águas residuais; recarga de aquíferos; estações de bombagem; diques, lagoas de dissipação e outras instalações de protecção de cheias; sistemas de dessalinização; enxugo de terras; portos, docas e marinas; extracção de inertes do domínio público hídrico e turbinas.
2 - O projecto, instalação e exploração desses empreendimentos carecem de programa prévio de exploração, operação e segurança e são sujeitos a processo de consulta pública e de análise de riscos, e exigem monitorização de efeitos directos e indirectos.
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3 - É obrigatória a existência de regulamentação de segurança para cada tipologia de instalação, incluindo a segurança de exploração e operação em relação a efeitos no funcionamento hidráulico e qualidade da água circulante e riscos directos e indirectos para pessoas, bens e ecossistemas.
4 - Num período de 10 anos após a entrada em vigor da presente lei, a instalação ou exploração dessas instalações será condicionada por aprovação prévia em planos de gestão de bacia hidrográfica e planos directores municipais.
5 - Exceptuam-se instalações para as quais, pela reduzida dimensão ou características especiais, a regulamentação de segurança preconize explicitamente uma simplificação de processo.
Capítulo VI
Administração e planeamento
Artigo 47.º
Entidades de administração da água
1 - A administração do domínio público hídrico e a execução das atribuições do Estado no cumprimento da presente lei é assegurada pela Administração Geral da Água, pelas Administrações Regionais da Água e pelas Administrações de Recursos Hídricos de Bacia Hidrográfica, adiante designadas, respectivamente por AGA, ARA e ARH.
2 - A AGA, as ARA e as ARH são serviços públicos de administração directa do Estado, dotados de quadro de pessoal próprio, meios e orçamento necessários e suficientes ao cumprimento cabal das suas atribuições e competências.
3 - A AGA, as ARA e as ARH deverão garantir, no âmbito das respectivas áreas de jurisdição, a articulação com todas as entidades com atribuições relevantes para a administração da água, na saúde, no ordenamento do território, nos sectores utilizadores da água e do domínio público hídrico, assim como a integração do planeamento da água no planeamento local, regional e nacional.
4 - A AGA, as ARA e as ARH têm ainda, nas áreas de jurisdição correspondentes, atribuições de recolha, compilação e publicitação de informação sobre o estado da água e do domínio hídrico, a sua utilização e o direito da água, promoção da participação pública nas decisões, divulgação, sensibilização, promoção do conhecimento e da cultura científica neste âmbito, além disso, cooperarão com outras entidades, especialmente órgãos do poder local, estabelecimentos de ensino e de investigação, centros de saúde, cooperativas, sindicatos, associações e outras organizações cívicas, para o exercício dessas atribuições.
Artigo 48.º
Bacias hidrográficas e sistemas aquíferos
Para efeitos de gestão e planeamento da água será publicado, no prazo de um ano, legislação própria definindo as bacias hidrográficas e os aquíferos que lhe estão associados, assim como as zonas de água costeira a integrar na mesma unidade de gestão e planeamento.
Artigo 49.º
Gestão integrada por bacia hidrográfica e sistemas aquíferos
A gestão integrada por bacia hidrográfica e sistemas aquíferos é feita mediante os seguintes princípios:
a) As unidades de gestão são as bacias hidrográficas;
b) A administração do domínio público hídrico, incluindo a autorização de uso da água, a fiscalização e a monitorização, serão atribuição de serviços públicos de administração directa do Estado, denominadas Administrações de Recursos Hídricos, adiante designadas por ARH, com jurisdição sobre uma ou mais bacias hidrográficas e sistemas aquíferos;
c) Serão no mínimo de oito as ARH, com atribuições e competências de administração do domínio público hídrico, incluindo a costa, estuários e águas marinhas, sendo que cada bacia hidrográfica e cada sistema aquífero insere-se na jurisdição de uma única ARH;
d) A administração das águas subterrâneas não incluídas em sistemas aquíferos identificados é afecta à ARH com competência sobre a bacia hidrográfica ou sistema aquífero mais próximo;
e) As pequenas bacias hidrográficas são agregadas a bacias hidrográficas adjacentes;
f) As áreas costeiras e o domínio público marítimo são administrados pelas ARH;
g) Poderão existir ARH cujos limites de jurisdição sobre o domínio público hídrico referente às águas superficiais não coincidam, em planta, com os limites de jurisdição sobre as águas subterrâneas e as formações que as contém;
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h) O regulamento de cada ARH especificará a jurisdição e as formas de articulação com as ARH limítrofes para garantir a integração da gestão das ligações e transferências de água, naturais ou artificiais, entre bacias hidrográficas e sistemas aquíferos, assim como a coordenação de actuação nas zonas em que águas superficiais e subterrâneas são geridas por ARH diversas.
Artigo 50.º
Administrações regionais da água
1 - Em cada região autónoma e em cada região administrativa, quando forem constituídas, haverá uma Administração Regional da Água (ARA), dependente, respectivamente, do Governo Regional e dos órgãos próprios da administração regional.
2 - A ARA tem jurisdição sobre o domínio público hídrico da região, articulando-se com a AGA e as ARH nos moldes definidos pelos respectivos regulamentos.
3 - São atribuições específicas das ARA, para além de outras que possam ser definidas no regulamento:
a) A gestão e publicitação da informação regional sobre a água;
b) A edição de anuários regionais e de relatórios de caracterização e diagnóstico de suporte aos vários níveis de planeamento na região;
c) A instrução e elaboração dos Planos Regionais da Água, condução dos respectivos processos de participação pública;
d) A cooperação com a AGA e a prestação de toda a colaboração necessária ao exercício das atribuições da AGA a nível nacional, incluindo a elaboração do Plano Nacional da Água e dos relatórios nacionais.
3 - Durante os primeiros seis anos após a respectiva criação, as ARA da Região Autónoma dos Açores e da Região Autónoma da Madeira substituir-se-ão às ARH nessas regiões, podendo, posteriormente, criar-se ARH correspondendo a cada ilha ou agrupamento de ilhas.
4 - Quando forem criadas as regiões administrativas são automaticamente criadas as ARA respectivas e obrigatoriamente revistos os regulamentos da AGA e das ARH para adequação à nova organização administrativa.
Artigo 51.º
Administração Geral da Água
1 - A Administração Geral da Água depende do Governo através do ministério de tutela, e tem jurisdição sobre o Domínio Público Hídrico de Portugal Continental em articulação com as ARA que venham a ser criadas e ARH correspondentes e, nos moldes definidos pelos respectivos regulamentos.
2 - Sem prejuízo de atribuições decorrentes de regulamento, são atribuições específicas da AGA as seguintes:
a) A garantia da monitorização hidrológica, de qualidade da água, dos usos da água, dos planos e programas e de outras informações definidas na legislação nacional ou resultantes de acordos, convénios, tratados, ou outras obrigações contraídas com países terceiros;
b) A demarcação do domínio público hídrico e das áreas inundáveis e o respectivo mapeamento;
c) A delimitação das "massas de água" referidas no artigo 22.º, a designação dos fins a que se destinam, promoção e controlo dos programas de preservação ou recuperação da qualidade adequada;
d) A publicação quadrienal de relatórios de caracterização e diagnóstico, incluindo os estudos e análises de suporte aos vários níveis de planeamento no Continente;
e) A instrução da elaboração do Plano Nacional da Água, e demais planos e programas a nível nacional, e condução do respectivo processo de participação pública;
f) A coordenação e promoção da elaboração dos Planos de Gestão de Recursos Hídricos no Continente;
g) A gestão dos equipamentos públicos e albufeiras;
h) A segurança de barragens;
i) A gestão e publicitação da informação nacional sobre a água;
j) A edição de anuários nacionais com toda a informação de publicitação obrigatória sobre o estado e uso do domínio público hídrico e do grau de cumprimento de planos e programas no domínio da água.
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Capítulo VII
Planeamento
Artigo 52.º
Do processo de planeamento e dos planos
1 - A administração da água baseia-se no planeamento, como processo de decisão antecipada e participada pelos cidadãos e pelas suas organizações representativas.
2 - O processo de planeamento é contínuo e fundamentado no conhecimento da água, das suas utilizações e funções, sendo obrigação do Estado promover e divulgar esse conhecimento.
3 - As decisões resultantes do processo de planeamento da água, designadamente planos, programas e planos de contingência, só têm efeito quando aprovadas por diploma legal.
4 - Os planos e programas contêm exclusivamente as decisões, devendo a informação, análise e outros estudos de instrução e suporte à decisão, ser publicitados separadamente e não incluídos no diploma legal que os aprova.
5 - As decisões traduzidas em condicionantes de expressão territorial são obrigatoriamente vertidas nos planos directores municipais.
6 - Todos os planos e programas são sujeitos a um processo de participação pública antes da aprovação, com excepção dos programas de emergência.
7 - A Assembleia da República publicará a lei do planeamento da água num prazo não superior a um ano após a aprovação da presente lei.
Artigo 53.º
Inventário do domínio público hídrico e zonas condicionadas
1 - O Governo apresentará num período não superior a dois anos após a aprovação da presente lei, a proposta de inventário dos terrenos, infra-estruturas e equipamentos do domínio público hídrico, a delimitação das zonas adjacentes e de outras zonas de ocupação condicionada para protecção da água, das suas funções ecológicas e sociais ou para protecção de pessoas e bens em relação a cheias, assim como as propostas de condicionantes.
2 - Será apensa a proposta de programa, orçamento e forma de financiamento das medidas e compensações eventualmente necessárias à regularização de situações anteriores à presente lei.
3 - O processo será sujeito a consulta pública por período de um ano, sendo obrigatoriamente ouvidos os governos regionais e os órgãos do poder local, após o qual a Assembleia da República deliberará.
4 - As cartas de condicionantes, identificação do domínio público hídrico assim como a identificação das entidades envolvidas na autorização da utilização do domínio público hídrico e aplicação de outras condicionantes, respectivas atribuições e regulamentação especializada serão vertidos nos planos directores municipais, nos planos de gestão de recursos hídricos e no Plano Nacional da Água.
5 - As actualizações do processo, decorrentes da aplicação da legislação ou de aperfeiçoamento do conhecimento e análise, são da competência da Assembleia da República, podendo a proposta ser apresentada pelo Governo, pela Assembleia da República ou pelos órgãos do poder local, dando origem à revisão pontual dos planos afectados.
Artigo 54.º
Anuário da água
1 - O Governo publica, até ao mês de Dezembro de cada ano, o "Anuário da Água", compilando os dados de monitorização e fiscalização do estado da água e suas utilizações relativos ao ano hidrológico findo no mês de Setembro do mesmo ano.
2 - O anuário inclui todos os dados de recolha obrigatória pela legislação nacional, assim como os que são fornecidos a Espanha no âmbito de acordos bilaterais, e bem como os dados de suporte à verificação de outros acordos, normas, programas e planos de âmbito nacional ou internacional, incluindo os relatórios para a União Europeia, e ainda o controlo das origens de água para consumo humano, das praias fluviais e marítimas e da qualidade da água para abastecimento público desagregados por sistema e por concelho.
Artigo 55.º
Lista de entidades
1 - O Governo publica, em cada biénio, a "Lista de entidades" que manuseiam substâncias definidas como prioritárias para controlo da qualidade da água, com indicação explícita das substâncias associadas, localização e identificação do destino final das águas residuais e dos resíduos sólidos, dos títulos de autorização de uso da água e respectivo titular, assim como outras licenças ambientais pertinentes, a menção
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do processo de tratamento associado, a identificação e endereço das entidades responsáveis pela emissão dos títulos, fiscalização e inspecção.
2 - Sempre que o destino final das águas residuais ou dos resíduos sólidos seja assegurado por entidade diferente, deverão ser ambas mencionadas.
Artigo 56.º
Caracterização e diagnóstico do estado e utilização da água
O Governo publica, em cada quadriénio, o "Relatório de caracterização e diagnóstico do estado e utilização da água", incorporando a informação, estudos, cartografia e outros elementos necessários à instrução do processo de planeamento da água aos diversos níveis e âmbitos geográficos, incluindo a descrição e cartografia da ocupação do domínio público hídrico e das zonas adjacentes, assim como a avaliação física e financeira do cumprimento e resultados de planos, programas e medidas relativos à água e o relatório de cumprimento da legislação de protecção da água e suas utilizações.
Artigo 57.º
Inventário de sistemas de abastecimento de água e águas residuais
O Governo publica, em cada quadriénio e intercalado com o "Relatório de caracterização e diagnóstico do estado e utilização da água", o "Inventário de sistemas de abastecimento de água e águas residuais" incorporando o inventário das infra-estruturas, níveis de atendimento, origens e meio receptor, e mais informação, estudos e outros elementos necessários á caracterização e diagnóstico do estado abastecimento de água urbano e doméstico, assim como da recolha, tratamento e destino final de águas residuais e lamas.
Artigo 58.º
Publicações
1 - O "Anuário da Água", o "Relatório de caracterização e diagnóstico do estado e utilizações da água", o "Inventário de sistemas de abastecimento de água e águas residuais" e a "Lista de entidades" são públicos e deverão ser acessíveis fácil e gratuitamente por qualquer cidadão.
2 - Será facultada cópia a qualquer pessoa ou entidade que o requeira, por preço não superior ao duplo do suporte material da cópia, acrescido dos custos de porte.
3 - É atribuição da Administração Geral da Água (AGA) a elaboração e publicação dos "Anuários da Água" e dos "Relatórios de caracterização e diagnóstico do estado e utilizações da água", dos "Inventários de sistemas de abastecimento de água e águas residuais" e da "Lista de entidades", sendo as entidades públicas ou privadas detentoras de informação pertinente obrigadas a disponibilizá-la atempadamente e nos formatos adequados.
Artigo 59.º
Plano Nacional da Água e Planos de Bacia Hidrográfica
1 - Os principais planos são o Plano Nacional da Água e os Planos de Região Hidrográfica, cuja proposta é atribuição do Governo e são aprovados por lei da Assembleia da República.
2 - O Plano Nacional da Água e os Planos de Região Hidrográfica são vinculativos para a administração central e definem, nomeadamente, as medidas de iniciativa pública assim como as limitações à autorização de utilização da água e de ocupação do domínio público hídrico durante o período em que o plano se encontra em vigor.
3 - O Plano Nacional da Água tem expressão explícita no Orçamento do Estado e nas Grandes Opções do Plano.
4 - Os Planos de Bacia Hidrográfica incluem obrigatoriamente o planeamento da autorização de utilização da água e do domínio público hídrico.
5 - São objecto dos Planos de Bacia Hidrográfica e só nessa sede podem ser decididas, as medidas com efeitos de perturbação do domínio público hídrico significativos e prolongados no tempo, incluindo obrigatoriamente transferências de água entre bacias hidrográficas, construção de grandes barragens e autorizações com períodos de vigência superiores a doze anos, de utilização da água ou de ocupação do domínio público hídrico.
6 - O Estado deverá promover no âmbito das relações internacionais as acções necessárias para assegurar a consistência de planeamento nos Planos de Bacia Hidrográfica respeitantes a bacias hidrográficas partilhadas com Espanha, incluindo sistemas aquíferos partilhados.
7 - Os conteúdos, vigência, horizonte, processos de elaboração, aprovação, alteração e revisão intercalar dos planos são determinados em lei própria.
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Capítulo VIII
Regime económico e financeiro
Artigo 60.º
Princípio geral da economia da água
1 - A água, sendo um recurso estratégico com papel estruturante no sistema produtivo nacional, é essencial e insubstituível à vida e à produção material de bens indispensáveis, à satisfação das necessidades humanas, é finita e vulnerável e o seu potencial de utilização está estritamente associado ao uso energético e é limitado no espaço e no tempo.
2 - Incumbe ao Estado gerir as intervenções e utilizações da água na precaução de que se torne causa de estrangulamentos ao sistema produtivo, seja por indisponibilidade do recurso ou por requisitos energéticos insustentáveis de transporte ou purificação.
3 - A política da água, as decisões de administração e gestão da água, e a escolha entre utilizações e soluções alternativas são instruídas com análise macroeconómica dos fluxos materiais e fileiras produtivas, considerando obrigatoriamente o médio e longo prazo, devendo maximizar a eficiência de uso dos recursos hídricos e energéticos na produção dos bens socialmente mais necessários, sem pôr em causa a sua produção futura.
4 - A análise económica da água inclui a análise económica da aplicação de leis e normas antes da aprovação.
Artigo 61.º
Utilização privada do domínio público hídrico
1 - É interdito o comércio da água circulante, assim como quaisquer formas directas ou indirectas de transacção, e não lhe podendo ser atribuído preço.
2 - É interdito ao Estado e aos particulares qualquer tipo de comércio, transacção, mercado ou negócio de cotas de poluição, ou de permissão de qualquer outra forma de degradação do domínio público hídrico.
3 - A autorização de utilização privada da água circulante destina-se exclusivamente a possibilitar actividades com relevância sócio-económica e cuja viabilidade implica efeitos negativos nas funções da água circulante, não conferindo direito de propriedade ao utilizador a quem é concedida, assim como não lhe confere quaisquer "direitos de poluição" ou de qualquer outra forma de perturbação do domínio público hídrico.
4 - Cabe ao utilizador reduzir os efeitos negativos da utilização e é tarefa do Estado incentivar essa minimização, podendo nesse sentido aplicar taxas, como medida excepcional indutora de comportamentos de utilizadores da água, exigindo análise prévia dos efeitos macroeconómicos.
5 - As taxas referidas no número anterior são objecto de regulamentação específica para cada tipologia de utilização e incidirão sobre a incorporação no meio hídrico de determinadas substâncias cuja eliminação na água tenha sido estipulada por lei como prioritária, dentro dos valores estipulados no título de autorização de utilização.
6 - A Assembleia da República poderá determinar em casos especiais o alargamento do regime de taxas aplicáveis a outros efeitos particularmente gravosos nas funções protegidas da água.
7 - A autorização, devidamente regulamentada, de utilizações da água ou autorização da ocupação do domínio hídrico para actividades lucrativas, cujo rendimento não resulte exclusiva ou maioritariamente do trabalho do utilizador, poderá determinar a obrigação de disponibilização de funções protegidas, a comparticipação em investimentos de interesse público no domínio da água, ou a outra forma de compensação que deverá traduzir-se numa melhoria material do domínio público hídrico.
8 - Em caso algum as verbas resultantes das taxas previstas nos números anteriores podem ser fonte de receita de entidades intervenientes nos processos de autorização ou fiscalização da utilização do domínio hídrico, nem, de qualquer forma, poderão constituir incentivos à menor preservação do domínio público hídrico ou das funções protegidas da água.
Artigo 62.º
Orçamentação
1 - Todos os instrumentos de gestão, planeamento e administração da água têm correspondência no Orçamento do Estado.
2 - O orçamento e os quadros de pessoal das entidades da administração da água, são dimensionados de acordo com as suas atribuições e competências.
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Capítulo IX
Participação, informação e responsabilização
Secção I
Participação, informação e responsabilização
Artigo 63.º
Participação
1 - As decisões sobre a água são do interesse comum, pelo que os órgãos de consulta e os processos de participação devem ser abrangentes de todos os cidadãos e devem conformar-se ao respeito pelo princípio da proporcionalidade na divulgação da informação, na orientação das consultas e na ponderação das contribuições, tendo em conta:
a) A participação atempada dos cidadãos na preparação, alteração ou revisão dos planos e programas que definam as políticas de utilização e protecção da água;
b) A informação sobre quaisquer propostas de planos ou programas, ou da sua alteração ou revisão e que informação sobre tais propostas seja colocada à sua disposição, incluindo, nomeadamente, a informação sobre o direito de participar nas tomadas de decisão e sobre as autoridades competentes a quem podem ser enviadas observações;
c) O direito de manifestar as suas observações antes da tomada de decisões sobre planos e programas;
d) A informação sobre as decisões tomadas e as razões em que se baseiam essas decisões, incluindo a informação sobre o processo de participação do pública.
2 - A participação pública obedece aos princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
Artigo 64.º
Responsabilidade
1 - Aquele que prejudicar, causando danos, aumento de riscos ou diminuição da qualidade de uso da água por terceiros em consequência das acções que exerce ou promove de alteração do estado de qualidade, no regime hidráulico ou hidrológico deve custear integralmente as medidas necessárias à recomposição da condição que existiria caso a actividade lesiva não se tivesse verificado, ou a correspondente indemnização, no caso de tal se tornar impossível, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal.
2 - Exceptuam-se do número anterior os danos provocados a terceiros claramente descritos no documento de autorização da utilização, ou que tenham previamente sido objecto de uma compensação pelo dano ou aumento de exposição ao risco.
Artigo 65.º
Responsabilidade do utilizador
1 - A autorização de utilização da água não isenta de responsabilidade civil e criminal os utilizadores, excepto quanto às consequências detalhadamente explicitas no processo de autorização de utilização, desde que com designação dos sujeitos afectados.
2 - No âmbito de averiguações quanto à responsabilidade prevista no número anterior é desencadeado um processo paralelo de inquérito de responsabilidade do Estado.
Artigo 66.º
Responsabilidade no exercício de actividades de suporte à administração da água ou de prestação de serviços hídricos
1 - O exercício de actividades privadas de suporte à administração da água ou de prestação de serviços no âmbito do objecto da presente lei é feita mediante a concessão de alvará, emitido pelas entidades competentes, que será automaticamente revogado em caso de prevaricação ou condenação em processo de crime ambiental, contra a saúde pública, indução de riscos ou prejuízo de terceiros, corrupção activa ou passiva, ou outro crime relacionado com o exercício da actividade.
2 - Incluem-se nas actividades sujeitas a alvará: a exploração de laboratórios de análises de água; estudos hidrológicos; avaliação de cheias e de áreas inundáveis; projecto de barragens; construção de barragens; projecto, construção ou exploração de ETA, de ETAR e de ETARI; estudos de impacte ambiental, designadamente impactes relacionados com a água; monitorização da quantidade e qualidade da água; exploração, utilização, projecto ou comercialização de produtos e equipamentos para tratamento, armazenamento e transporte de água; exploração de empreendimentos: abrangidos por legislação de
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processo de impacte ambiental ou manuseamento de "substâncias perigosas"; actividades estipuladas em legislação sobre substâncias prioritárias; comercialização de fertilizantes, pesticidas ou de outras substâncias perigosas; todas as actividades que contribuam directa e significativamente para a prestação de serviços de água.
3 - O desaparecimento de condições para obtenção de alvará, nos termos do n.º 1, é abrangente de todas as filiais, sucursais ou outras ramificações do mesmo grupo económico da empresa prevaricadora actuando no domínio da água.
Artigo 67.º
Legislação complementar
A participação, informação e responsabilização dos cidadãos são objecto de legislação complementar, incluindo, nomeadamente os processos de consulta pública, as iniciativas de participação, a protecção dos interesses difusos, a actuação dos cidadãos na defesa do ambiente, a garantia do acesso ao direito e dos direitos de utilização da água, e os processos de fiscalização da Administração do domínio público hídrico.
Secção II
Alta Autoridade da Água
Artigo 68.º
Alta Autoridade da Água
A Alta Autoridade da Água, adiante designada por AAA, é um órgão independente que funciona junto da Assembleia da República, dotado de autonomia administrativa.
Artigo 69.º
Atribuições
Incumbe à AAA:
a) Garantir o direito à água;
b) Assessorar a Assembleia da República na fiscalização da administração da água;
c) Assegurar o exercício do direito à informação das matérias relevantes que digam respeito à água;
d) Providenciar pela isenção e pelo rigor da informação;
e) Zelar pela independência de todos os órgãos e entidades envolvidas perante os poderes económicos;
f) Assegurar a isenção dos processos de licenciamentos a emitir pela Administração;
g) Assegurar a observância dos fins genéricos e específicos da gestão da água;
h) Assumir um papel de concertação nos vários interesses em causa;
i) Fiscalizar e controlo dos processos de participação pública nas matérias relativas à água;
j) Publicitar informações que relevem para o cidadão, incluindo a qualidade de água para o abastecimento;
k) Divulgar informações, no âmbito da cooperação e de acordos internacionais, que directa ou indirectamente tenham impacto nacional;
l) Fiscalizar o cumprimento da legislação em vigor e dos normativos de monitorização.
Artigo 70.º
Competências
Compete à AAA, para prossecução das suas atribuições:
a) Garantir a participação activa de todas as partes interessadas na execução da Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000, que "Estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água";
b) Garantir em relação a cada região hidrográfica e plano de gestão de bacia hidrográfica, que sejam publicados e facultados ao público, incluindo utilizadores, para eventual apresentação de observações os seguintes elementos:
- Um calendário e um programa de trabalhos para a elaboração do plano, incluindo uma lista das medidas de consulta a tomar, pelo menos três anos antes do início do período a que se refere o plano de gestão;
- Uma síntese intercalar das questões significativas relativas à gestão da água detectadas na bacia hidrográfica, pelo menos dois anos antes do início do período a que se refere o plano de gestão;
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- Projectos do plano de gestão de bacia hidrográfica, pelo menos um ano antes do início do período a que se refere o plano de gestão.
c) Garantir um período mínimo de seis meses para a presentação de observações escritas sobre os documentos referidos na alínea anterior, a fim de possibilitar a participação activa e a consulta;
d) Arbitrar os conflitos suscitados entre titulares de direitos relativos à água;
e) Pronunciar-se sobre as iniciativas legislativas que tratem de matéria relacionada com as suas atribuições;
f) Sugerir à Assembleia da República ou ao Governo as medidas legislativas ou regulamentares que refute necessárias à observância do principio constitucional de que incumbe ao Estado adoptar uma politica nacional da água, com aproveitamento, planeamento e gestão racional dos recursos hídricos;
g) Emitir pareceres por iniciativa própria ou por solicitação sobre quaisquer matérias no âmbito das sus atribuições;
h) Emitir parecer vinculativo relativo ao estabelecimento e regulação de taxas de utilização da água e infra-estruturas;
i) Exercer as funções relativas à publicitação de informação relevante no âmbito das suas atribuições;
j) Apreciar mediante iniciativa própria, ou mediante participação e no âmbito das suas atribuições, os comportamentos susceptíveis de configurar violação das normas e dos princípios constitucionais e legais aplicáveis, podendo patrocinar acção judicial;
k) Promover as acções de estudo, pesquisa, divulgação e formação que considere necessárias ou indispensáveis ao cumprimento das suas obrigações.
Artigo 71.º
Composição
1 - A Alta Autoridade da Água é constituída por:
a) Uma personalidade de integridade e mérito reconhecidos e de reconhecida competência na matéria, eleito pela Assembleia da República, que preside;
b) Cidadãos de reconhecido mérito, a designar pela Assembleia da República, integrados em lista e propostos um por cada grupo parlamentar;
c) Três membros designados pelo Governo;
d) Um membro designado pelo Governo Regional dos Açores;
e) Um membro designado pelo Governo Regional da Madeira;
f) Três membros designados pela Associação Nacional dos Municípios Portugueses;
g) Três membros designados pela Associação Nacional de Freguesias;
h) Dois membros designados por cada Conselho da Região.
2 - A Alta Autoridade da Água consulta obrigatoriamente interessados em função das matérias em análise, designadamente as seguintes entidades:
a) Associações, cooperativas ou grupos de cidadãos que representem os utilizadores;
b) Movimentos de utentes dos serviços públicos;
c) Associações de defesa do ambiente;
d) Associações de defesa da água;
e) Estruturas sindicais representantes dos trabalhadores;
f) Liga dos Bombeiros Portugueses;
g) Serviço Nacional de Protecção Civil.
Artigo 72.º
Incapacidades e incompatibilidades
1 - Não podem ser membros da AAA os cidadãos que não se encontrem em pleno gozo dos seus direitos civis e políticos.
2 - Os membros da AAA ficam sujeitos ao regime de incompatibilidades legalmente estabelecido para os titulares de altos cargos públicos.
Artigo 73.º
Dever de colaboração
É dever de todas as entidades públicas, designadamente do Ministério do Ambiente, através do INAG e das ARH e entidades privadas, dispensar toda a colaboração à AAA para o cabal exercício das suas funções.
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Artigo 74.º
Conselhos Consultivos
O Conselho Nacional da Água, os Conselhos de Bacia Hidrográfica e a Comissão de Gestão de Albufeiras mantêm as suas funções em estreita colaboração com a AAA, até que seja reestruturado o seu funcionamento.
Artigo 75.º
Posse
Os membros da AAA tomam posse perante o Presidente da Assembleia da República, no decurso dos 10 dias seguintes ao da publicação da respectiva designação na 2.ª Série do Diário da República.
Artigo 76.º
Duração do mandato
O mandato dos membros da AAA tem a duração de quatro anos.
Artigo 77.º
Regulamentação
A Alta Autoridade da Água será objecto de lei própria definidora do seu funcionamento e do estatuto dos seus membros.
Capitulo X
Do contexto legislativo, das infracções e sanções e da competência dos tribunais
Artigo 78º
Acções constitutivas de infracção
O regime especial de contra-ordenações, embargos administrativos e sanções acessórias pelas infracções às normas à presente lei e dos diplomas nela previstos é definido em diploma complementar.
Artigo 79.º
Infracções
1 - As infracções classificam-se em leves, graves ou muito graves, atendendo ao grau de violação da lei e normas, à sua repercussão no estado e funções da água circulante, e especialmente nas funções protegidas, à sua repercussão no que respeita à segurança das pessoas e bens e ao prejuízo no gozo dos seus direitos, à sua repercussão nas utilizações da água, aos danos causados no domínio público hídrico, ao grau de reparação e duração da permanência dos efeitos, à previsibilidade dos efeitos, à sua responsabilidade, negligência ou má fé, participação e benefício ou vantagem obtida.
2 - A fixação da coima é determinada em função dos critérios definidos no número anterior, atendendo ainda a que deverá ser fortemente dissuasiva do incumprimento do normativo de protecção da água e das funções dela dependentes.
3 - Podem ser definidas no diploma complementar sanções pecuniárias compulsórias, sem prejuízo da responsabilidade criminal.
4 - Para garantir a eficácia das medidas tomadas pode adoptar-se, com carácter provisório, procedimentos cautelares considerados necessários para evitar a continuação da actividade infractora.
5 - Se o resultado da infracção cometida se estender a outra entidade numa área de jurisdição distinta daquela onde foi cometida, deverá ser dado conhecimento à entidade competente para a instrução do respectivo processo.
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Artigo 80.º
Tribunal competente
Pertence à jurisdição de contencioso administrativo o conhecimento destas infracções tendo em conta a área em que é cometida.
Capítulo XI
Disposições finais e transitórias
Artigo 81.º
Alta Autoridade da Água
1 - A Assembleia da República aprovará, no prazo de 90 dias após a publicação da presente lei, a regulamentação necessária ao funcionamento da Alta Autoridade da Água.
2 - A AAA assumirá funções nos 60 dias seguintes à publicação do regulamento referido no número anterior.
Artigo 82.º
Código da Água
1 - A Alta Autoridade da Água, coadjuvada por especialistas designados pela Assembleia da República, elabora um projecto de Código da Água a apresentar no prazo de dois anos após a sua constituição, que procede à unificação, sintetização e harmonização da legislação sobre o direito da água.
2 - O Código da Água é aprovado pela Assembleia da República, após um período não inferior a seis meses de consulta pública.
Artigo 83.º
Regime transitório
As alterações institucionais, legislativas, normativas e regulamentares necessárias à aplicação plena da lei, deverão completar-se num período não superior a quatro anos após a publicação da presente lei, durante o qual vigorará um regime transitório de adaptação do edifício legislativo.
Artigo 84.º
Regime transitório de utilização da água do domínio público hídrico e áreas adjacentes
1 - Durante o regime transitório mantém-se em vigor as licenças e concessões de utilização do domínio hídrico emitidas em conformidade com o Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, que tiverem sido emitidas em data anterior à publicação da presente lei.
2 - O período de validade de renovações ou novos títulos de autorização de utilização do domínio hídrico emitidos durante o regime transitório, não pode ser superior a cinco anos.
Artigo 85.º
Regime transitório dos instrumentos do planeamento
Até à aprovação de novos planos mantêm-se os que estão actualmente em vigor, em tudo o que não contrarie a presente lei, designadamente, o Plano Nacional da Água, os Planos Regionais e os Planos de Bacia Hidrográfica.
Artigo 86.º
Alterações
1 - O Governo apresentará à Assembleia da República, num prazo não superior a 60 dias após a publicação da presente lei, devidamente revistos em conformidade com o nela estipulado, os diplomas cuja alteração seja urgente incluindo, designadamente:
a) O Decreto-Lei n.º 478/71, de 5 de Novembro, que revê, actualiza e unifica o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 53/74, de 15 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 89/87, de 26 de Fevereiro, e pela Lei n.º 16/2003, de 4 de Junho;
b) O Decreto-Lei n.º 45/94, de 22 de Fevereiro, sobre o "Planeamento dos recursos hídricos";
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c) O Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 234/98, de 22 de Junho, sobre o "Regime de utilização do domínio hídrico";
d) O Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto, que "Estabelece normas, critérios e objectivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos".
2 - Esta revisão deverá simultaneamente assegurar a transposição completa da Directiva n.º 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000, que "Estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água".
Artigo 87.º
Alterações ao direito vigente
De acordo com as disposições da presente lei, proceder-se-á à revisão das normas estipuladas pelo Código Civil, pelo Código Penal e no âmbito do Direito Administrativo, assim como de outras disposições normativas e regulamentares, por forma à harmonização e aplicação efectiva de toda a legislação sobre o direito da água.
Artigo 88.º
Norma revogatória
1 - São revogados os seguintes diplomas:
a) Decreto n.º 5787 - IIII, de 10 de Maio de 1919 - "Lei da Água";
b) Os artigos 1385.º a 1402.º do Código Civil - "Propriedade das águas";
c) O Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro - "Regime económico-financeiro".
2 - São revogadas as disposições que contrariem a presente lei, nomeadamente sobre a delimitação do domínio público hídrico e o regime de utilização da água e do domínio público hídrico.
Artigo 89.º
Legislação complementar
A presente lei é regulada por legislação complementar prevista na presente lei, no prazo de seis meses, quando outro prazo não esteja indicado.
Artigo 90.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.
Assembleia da República, 23 de Junho de 2005.
Os Deputados do PCP: Miguel Tiago - António Filipe - Bernardino Soares - Jorge Machado - José Soeiro - Agostinho Lopes - Odete Santos - Honório Novo - Luísa Mesquita.
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PROJECTO DE LEI N.º 120/X
ALTERA A LEI N.º 30/2000, DE 29 DE NOVEMBRO, QUE "DEFINE O REGIME JURÍDICO APLICÁVEL AO CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES E SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS, BEM COMO A PROTECÇÃO SANITÁRIA E SOCIAL DAS PESSOAS QUE MANUSEIAM TAIS SUBSTÂNCIAS SEM PRESCRIÇÃO MÉDICA"
Exposição de motivos
Com o presente projecto de lei, o PCP visa, no essencial, optimizar, consolidar e aprofundar as soluções traçadas pela Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, que "define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica", a chamada "lei de despenalização" do simples consumo de drogas ilícitas, com vista a dar continuidade e mais eficácia aos princípios e opções de fundo da estratégia nacional da luta contra a droga, a prosseguir nos próximos anos.
Torna-se particularmente importante a acção parlamentar nesta matéria quando constatamos que o anterior governo de maioria PSD/CDS-PP levou a cabo uma política de desresponsabilização do Estado no cumprimento e aplicação da lei, face ao problema da toxicodependência e para com a protecção da saúde das
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pessoas que consomem tais substâncias. Com uma prática de desestruturação, desestabilização e desinvestimento nas respostas do Estado, essa política governamental veio a resultar, entre outras situações, numa maior dificuldade e ineficácia no funcionamento das CDT/Comissões de Dissuasão da Toxicodependência e na aplicação da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro.
O problema do cumprimento da lei e da garantia das condições para a sua aplicação continua a ser a dificuldade estrutural colocada nesta matéria, principalmente ao nível das CDT. Assim, a apresentação deste projecto de lei vem propor-se a resolver um conjunto de deficiências e insuficiências que têm vindo a evidenciar-se na aplicação da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro.
Para esta iniciativa contribuíram de forma particularmente importante os testemunhos, as reflexões e as recomendações de qualificados especialistas nacionais nesta matéria, de que se destaca a discussão realizada na "Audição parlamentar sobre a situação e evolução do fenómeno da toxicodependência em Portugal", organizada em Maio do ano passado.
O PCP considera que o facto de o anterior governo não ter assumido o compromisso e a responsabilidade de aplicação consequente da lei, o que terá feito por opção política, não invalida nem enfraquece as virtudes da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, mas vem salientar as suas insuficiências e lacunas. Por outro lado, esse comportamento de desresponsabilização vem agora colocar, no plano político, maior urgência na resolução dos problemas e na criação de mecanismos e condições para que o problema do consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas seja encarado com seriedade e possa ter um desenvolvimento positivo.
O actual quadro político coloca-nos, portanto, a responsabilidade de retomar o caminho do reforço do combate à toxicodependência e de encetar esforços para que possam ser postas em prática as medidas necessárias. É nesse sentido que o PCP procede à apresentação deste projecto de lei, contribuindo para o alargamento da discussão e propondo as inovações que considera nesta altura necessárias para o retomar de um processo de consequente combate a um problema que atinge todo o País, com particular incidência junto das camadas mais jovens da população.
Claro que o combate à toxicodependência deve antes de mais ser visto como uma tarefa política transversal a todas as esferas da vida social, da educação e do emprego à saúde, segurança e justiça, passando pela democratização da cultura e do desporto. No entanto, é imperioso corrigir e aperfeiçoar as matérias mais concretas, designadamente em torno do regime jurídico aplicável ao consumo propriamente dito.
Assim, defendemos antes de mais a criação de respostas concretas para garantir uma maior eficácia e melhor resposta na intervenção das CDT, incluindo a optimização da sua distribuição geográfica, a sua articulação com as autoridades de saúde, de segurança e de administração, ou a alteração do respectivo regime sancionatório. No presente projecto de lei do PCP, propomos, nomeadamente, as seguintes inovações ao enquadramento legal em vigor:
- A possibilidade de o Ministério Público suspender o processo por posse de drogas para consumo próprio, quando as quantidades detidas são superiores a 10 dias de consumo médio individual, e de remeter o arguido à CDT para acompanhamento;
- A execução de sanções como competência das autoridades policiais;
- A revisão da distribuição geográfica das CDT, cuja responsabilidade territorial passa a ser fixada por critérios de racionalidade;
- A determinação no sentido de as CDT deixarem de funcionar na dependência dos governos civis;
- A instituição de um novo regime de maior pró-actividade das CDT junto das autoridades policiais, administrativas e de saúde, com vista a tornar mais eficaz a sua intervenção;
- A alteração da composição e funcionamento das CDT, que integrarão três membros - um presidente e dois vogais - sendo as decisões da responsabilidade do presidente;
- A definição de que o Tribunal competente para conhecer do recurso de decisão sancionatória é o que tem jurisdição na zona de residência do indiciado;
- A possibilidade de o indiciado, durante os actos para juízo sobre a natureza e circunstância do consumo, indicar um perito da sua confiança para acompanhar os exames médicos;
- O estabelecimento do prazo máximo de 45 dias para a decisão das CDT em qualquer processo;
- A determinação de que a opção por um serviço público, em caso de tratamento voluntário, deverá ter em conta critérios objectivos que favoreçam o apoio familiar ao indiciado;
- A criação de um novo regime de sanções, a aplicar pela CDT, que exclui as coimas - ineficazes e contraproducentes em situações de simples consumo de drogas - substituindo-as, em casos de menor gravidade, por simples advertência;
- A consideração, na aplicação de sanções por parte da CDT, além de todos os outros aspectos actualmente constantes da lei, da disponibilidade do indiciado para abandonar o consumo e para tratamento voluntário;
A revogação das coimas e da admoestação, definindo-se em seu lugar a advertência e a forma como é proferida essa censura oral;
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- A possibilidade da advertência ser acompanhada, em casos de maior gravidade, por qualquer uma das sanções actualmente previstas, a que se junta a possibilidade de prestação de serviços gratuitos a favor da comunidade;
- A definição de uma duração mínima de um mês e máxima de um ano para as sanções aplicadas pelas CDT;
- A criação de um regime especial para o toxicodependente que recusar repetidamente o tratamento e apresente sintomas de anomalia psíquica, possibilitando que o mesmo seja presente a uma junta médica, a qual, caso de conclua pela incapacidade do indiciado para se auto-determinar, poderá propor o seu internamento para tratamento, decisão que será sujeita à confirmação da autoridade judicial. Define-se, assim, a este respeito, um procedimento idêntico ao adoptado na legislação de saúde mental;
- A possibilidade de a CDT propor soluções de acompanhamento aos toxicodependentes em casos particulares, incluindo em meio prisional, em termos que garantam o respeito pela dignidade do indivíduo;
- O estabelecimento do dever de informação, por parte dos serviços de saúde, à CDT, no mínimo de dois em dois meses, sobre o andamento do tratamento;
- A actuação da CDT, em caso de incumprimento pelo toxicodependente do tratamento médico, no sentido de motivar a sua continuação, podendo, em caso de persistente insucesso, as autoridades policiais deter o indiciado para garantir a sua presença perante a CDT.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, nos termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º
Alteração da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro
Os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 12.º, 13.º, 15.º, 17.º, 19.º, 20.º, 21.º, 24.º, 27.º e 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, passam a ter a seguinte redacção:
"Artigo 2.º
Consumo
1 - (…)
2 - (…)
3 - A aquisição e detenção das substâncias referidas, em quantidades que excedam o consumo médio individual durante um período de 10 dias, mesmo no caso de fundada convicção das autoridades policiais de que as substâncias se destinam a consumo exclusivo do próprio, implicam procedimento criminal.
4 - Nas situações previstas no n.º 3, o Ministério Público poderá, se assim o entender, suspender o processo-crime e remeter o arguido à Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência (CDT).
5 - Num período máximo de 180 dias, o Ministério Público, face à evolução da situação do arguido, monitorizada junto da CDT, decidirá do arquivamento ou continuação do processo.
Artigo 3.º
Tratamento espontâneo
1 - Não é aplicável o disposto na presente lei quando o consumidor ou, tratando-se de menor, interdito ou inabilitado, o seu representante legal, solicite a assistência de serviços de saúde públicos ou privados, comprovadamente antes do início do processo de contra-ordenação.
2 - (…)
3 - (…)
Artigo 4.º
Apreensão e identificação
1 - (…)
2 - (…)
3 - A intervenção das autoridades policiais previstas nos n.os 1 e 2 deste artigo pode ser acompanhada por técnicos das CDT numa perspectiva de assessoria e de conhecimento das situações, mas sem quaisquer competências de carácter policial.
4 - A intervenção policial no âmbito deste artigo deve pautar-se por critérios de prevenção e proporcionalidade e salvaguardar as acções de prevenção ou redução de riscos e danos em desenvolvimento.
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Artigo 5.º
Competência para o processamento, aplicação e execução
1 - O processamento das contra-ordenações e a aplicação das respectivas sanções competem a uma comissão designada "comissão para a dissuasão de toxicodependência" (CDT), especialmente criada para o efeito.
2 - Compete igualmente às CDT, na sua área de intervenção territorial propor às autoridades as acções para apreensão de substâncias e identificação de consumidores; assessorar e acompanhar essas acções; promover acções de esclarecimento e formação voltadas especificamente para a dissuasão do consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas junto das entidades públicas ou privadas; intervir junto de todas as estruturas conexas com a dissuasão da toxicodependência no sentido de tornar eficaz e expedito o procedimento necessário; acompanhar a execução e consequências das decisões tomadas e promover, sendo caso disso, novas medidas de tratamento ou outras.
3 - A execução das sanções compete às autoridades policiais.
4 - As CDT são criadas por despacho conjunto do Ministro que tutela a área da Toxicodependência e do Ministro da Administração Interna, sendo a sua responsabilidade territorial, fixado de acordo com critérios de racionalidade.
5 - O apoio administrativo e o apoio técnico ao funcionamento das CDT competem ao IDT.
6 - Os encargos com os membros das CDT são suportados pelo IDT.
Artigo 6.º
Registo central
O IDT manterá um registo central dos processos de contra-ordenação previstos na presente lei, o qual será regulamentado por portaria do Ministro da Justiça e pelo membro do Governo responsável pela coordenação da política da droga e da toxicodependência.
Artigo 7.º
Composição e nomeação da comissão
1 - A CDT é composta por três membros, um presidente e dois vogais, nomeados por despacho do membro do Governo responsável pela coordenação da política de droga e de toxicodependência.
2 - A audição do indiciado e as decisões de qualquer medida de sanção são da responsabilidade do presidente ou do vogal que o representa.
3 - Em casos de particular complexidade pode a decisão ser tomada pelo presidente após audição dos dois vogais da CDT.
4 - Cada CDT dispõe duma equipa técnica adequada à intervenção em toxicodependência e de dimensão conforme com as necessidades respectivas, nomeada pelo membro do Governo responsável pela coordenação das políticas de droga e de toxicodependência.
5 - A organização, o processo e o regime de funcionamento da CDT e os meios para a concretização das suas atribuições são definidas por portaria do membro do Governo responsável pelas políticas da droga e da toxicodependência.
6 - Os membros da CDT e respectiva equipa técnica estão sujeitos ao dever de sigilo relativamente aos dados pessoais constantes do processo, sem prejuízo das prescrições legais relativas à protecção da saúde pública e ao processo penal, nos casos aplicáveis.
7 - No exercício das suas funções os membros das CDT e respectivos técnicos têm direito à salvaguarda de eventuais casos de interesse terapêutico directo ou de conflito deontológico.
Artigo 8.º
Competência territorial
1 - (…)
2 - É competente para conhecer do recurso da decisão sancionatória o tribunal com jurisdição na zona de residência do indiciado.
Artigo 9.º
Colaboração de outras entidades
1 - (…)
2 - Para o cumprimento do disposto na presente lei a CDT recorre, consoante os casos, aos serviços públicos de saúde, aos serviços de reinserção social, a outros serviços públicos, às autoridades policiais e às
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autoridades administrativas que estão obrigadas ao dever de colaboração e a reportar à CDT qualquer incumprimento.
Artigo 10.º
Juízo sobre a natureza e circunstâncias do consumo
1 - O presidente da CDT, ou o vogal que o substitui, ouve o indiciado e reúne os demais elementos necessários para formular um juízo sobre se é toxicodependente ou não, quais as substâncias consumidas, em que circunstâncias estava a consumir quando foi interpelado, qual o quadro da sua situação social e económica e qual a sua disposição para dar início a um tratamento.
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)
6 - O indiciado pode indicar um perito da sua confiança para acompanhar e opinar nos exames médicos efectuados.
Artigo 12.º
Sujeição a tratamento
1 - (…)
2 - A opção por um serviço público deve ter em conta critérios objectivos que favoreçam o apoio familiar ao consumidor indiciado.
3 - (anterior n.º 2)
4 - (anterior n.º 3)
5 - A CDT monitoriza o tratamento ao indiciado e as respectivas consequências.
Artigo 13.º
Duração e efeitos da suspensão
1 - A suspensão do processo pode ir até dois anos, podendo ser prorrogada por mais um ano por decisão fundamentada do Presidente da CDT ou do vogal que o substitui.
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
Artigo 15.º
Sanções
1 - A sanção destina-se a dissuadir o consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas e a motivar a reintegração social do consumidor e a prevenir a reincidência.
2 - O consumo, ou a aquisição ou detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, constitui contra-ordenação, a que corresponde como sanção, quando se trate da primeira infracção, ou nos casos de menor gravidade, simples advertência.
3 - A CDT determina a sanção em função da necessidade de prevenir o consumo.
4 - Na aplicação das sanções, a comissão terá em conta a situação do consumidor e a natureza e as circunstâncias do consumo, ponderando, designadamente:
a) (…)
b) (…)
c) O tipo e quantidade de plantas, substâncias ou preparados consumidos, ou em posse para consumo;
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) A disponibilidade para abandonar o consumo e para tratamento voluntário.
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Artigo 17.º
Outras sanções
1 - Quando não se trata de primeira infracção ou de caso de menor gravidade a conduta prevista no n.º 1 do artigo 2.º é punível, simultaneamente com advertência e com as seguintes sanções:
a) [anterior alínea a) do n.º 2]
b) [anterior alínea b) do n.º 2]
c) [anterior alínea c) do n.º 2]
d) [anterior alínea d) do n.º 2]
e) [anterior alínea e) do n.º 2]
f) [anterior alínea f) do n.º 2]
g) [anterior aliena g) do n.º 2]
h) [anterior alínea h) do n.º 2]
i) Prestação de serviços gratuitos a favor da comunidade, em conformidade com o regime previsto no n.º 3 do presente artigo e do artigo 58.º do Código Penal.
2 - As sanções previstas no n.º 1 são aplicadas pela CDT e têm a duração mínima de um mês e máxima de um ano a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória.
3 - (anterior n.º 4)
Artigo 19.º
Suspensão de execução de sanção
1 - (…)
2 - Tratando-se de consumidor toxicodependente que recuse repetidamente o tratamento, cujo estado geral de saúde esteja degradado e apresente sintomas de anomalia psíquica, a CDT pode promover a suspensão de execução da sanção e decidir que o mesmo seja presente a uma junta médica da especialidade. Se a junta concluir pela incapacidade do indiciado para se auto-determinar pode propor um internamento para tratamento, competindo à CDT sujeitar a decisão da junta médica à confirmação da autoridade judicial e, obtida essa confirmação, tomar as medidas necessárias à sua execução.
3 - (anterior n.º 2)
4 - A CDT pode propor outras soluções de acompanhamento especialmente aconselháveis pela particularidade de cada caso, incluindo de toxicodependentes em meio prisional, em termos que garantam o respeito pela dignidade do indivíduo e, à excepção do disposto no n.º 2, com a aceitação deste.
5 - O regime de apresentação periódica previsto no n.º 1 e o regime de sujeição a uma junta no âmbito da saúde mental prevista no n.º 2 são fixadas por portaria do Ministério da Saúde.
6 - O regime de confirmação da autoridade judicial prevista no n.º 2 e a informação das autoridades de saúde dos estabelecimentos prisionais às CDT e respectiva cooperação são fixados por portaria conjunta do Ministro da Justiça e do Ministro da Saúde.
Artigo 20.º
Duração da suspensão de execução de sanção
1 - (…)
2 - (…)
3 - A suspensão de execução de sanção é comunicada às autoridades e serviços que colaboram na fiscalização do seu cumprimento.
Artigo 21.º
Apresentação periódica e internamento
1 - (…)
2 - Os serviços de saúde e estabelecimentos de internamento informam a CDT no mínimo de 2 em 2 meses, sobre a regularidade das apresentações, a eficácia dos tratamentos, a respectiva desnecessidade clínica, a concessão da alta, o incumprimento da medida ou o abandono do tratamento.
3 - A CDT acompanha o toxicodependente para apurar da eficácia do tratamento.
4 - A CDT extingue o processo no final do período de suspensão excepto no caso da sua revogação.
5 - Em caso de incumprimento pelo toxicodependente a CDT actua junto do mesmo no sentido de motivar a sua continuação.
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6 - Em caso de persistente insucesso da diligência prevista no número anterior, a CDT revoga a suspensão que aplicou e actua conforme previsto no n.º 2 do artigo 4.º da presente lei.
Artigo 24.º
Duração das sanções
As sanções previstas no n.º 1 do artigo 17.º, e as medidas de acompanhamento previstas no artigo 19.º, terão a duração mínima de um mês e máxima de três anos.
Artigo 27.º
Aplicação nas regiões autónomas
Nas regiões autónomas a distribuição geográfica e a composição das CDT, a competência para a nomeação dos seus membros, a definição dos serviços com intervenção nos processos são estabelecidas por decreto legislativo regional.
Artigo 28.º
Normas revogadas
São revogadas as disposições que se mostrem incompatíveis com o presente regime."
Artigo 2.º
Aditamento
São aditados à Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, os artigos 7.º-A, 10.º-A e 16.º-A, com a seguinte redacção:
"Artigo 7.º-A
Coordenação das CDT
1 - As CDT dispõem de autonomia técnica no âmbito das suas decisões.
2 - Os presidentes das CDT reúnem regularmente pelo menos três vezes por ano, sob a direcção do membro do governo responsável pela intervenção nesta matéria, com o objectivo de coordenar e uniformizar procedimentos nos diferentes aspectos de aplicação da lei.
3 - O presidente do IDT participa nas reuniões previstas no n.º 2, podendo assegurar a sua direcção por indicação do membro do Governo responsável.
4 - O IDT assegura o apoio técnico, administrativo e financeiro necessário ao funcionamento das CDT.
Artigo 10.º-A
Prazo de decisão da CDT
A decisão da CDT sobre qualquer processo não pode exceder os 45 dias.
Artigo 16.º-A
Advertência
1 - A advertência consiste numa censura oral dirigida a quem praticar actos previstos no n.º 1 do artigo 2.º da presente lei, pela quebra de responsabilidades perante si próprio e perante a sociedade em que se traduz a sua conduta.
2 - A advertência é proferida pela CDT e acompanhada de uma chamada de atenção para as consequências perniciosas do consumo de drogas e de aconselhamento no sentido de aceitação do tratamento que se revele necessário."
Artigo 3.º
Norma revogatória
São revogados os artigos 16.º e 18.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro.
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Artigo 4.º
Republicação
A Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, é republicada na íntegra, com as alterações introduzidas pela presente lei.
Artigo 5.º
Regulamentação
Cabe ao Governo proceder à adopção das providências regulamentares e técnicas necessárias à integral aplicação da presente lei, no prazo máximo de 90 dias após a sua publicação.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
Sem prejuízo da sua entrada em vigor nos termos gerais, no dia seguinte ao da sua publicação, a presente lei só produz efeitos financeiros com a lei do Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
Assembleia da República, 23 de Junho de 2005.
Os Deputados do PCP: Miguel Tiago - António Filipe - Bernardino Soares - Jorge Machado - José Soeiro - Agostinho Lopes - Honório Novo - Jerónimo de Sousa.
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PROJECTO DE LEI N.º 121/X
REVOGA AS SUBVENÇÕES, PROÍBE A ACUMULAÇÃO DE PENSÕES E ELIMINA OS REGIMES ESPECIAIS DE APOSENTAÇÃO DOS TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS E EQUIPARADOS
Os regimes especiais que quanto à remuneração, aposentação e outros privilégios se aplicam aos titulares de cargos políticos, têm constituído ao longo dos anos motivo de justa indignação da parte de muitos cidadãos, face à sua evidente desproporção relativamente aos rendimentos e direitos da generalidade dos portugueses.
O PCP sempre se bateu contra a existência destes privilégios, desde a sua criação pelo PS e pelo PSD há duas décadas, tendo proposto posteriormente a sua revogação, tendo estado igualmente contra alterações no sentido do agravamento desta desproporção que entretanto se fizeram.
Não nos anima qualquer aproveitamento demagógico e populista do recorrente sentimento anti-parlamentar existente no País, herdeiro da psicologia salazarista, sempre muito útil para, pondo todos os partidos e Deputados no mesmo saco, branquear as responsabilidades dos que as têm na situação actual que o País vive e na falta de ética no exercício de cargos públicos, e ao mesmo tempo esconder a diferença dos que cumprem os seus compromissos com os eleitores e exercem a função para a qual são eleitos de forma desinteressada e exclusivamente orientada pela defesa dos interesses das populações.
É conhecida, aliás, a aplicação pelos eleitos do PCP da regra de não ser beneficiado nem prejudicado pelo exercício de cargos políticos, de que decorre a entrega ao respectivo partido da parte da remuneração que está para além do vencimento auferido na sua profissão.
Na conjuntura actual, o Governo apresentou propostas no sentido de limitar algumas das situações de privilégio existentes, na tentativa de criar a convicção de que os sacrifícios que pretende impor à generalidade dos portugueses desta vez eram para todos. Na verdade, o Governo pretende esconder que aqueles que agora vão ser mais uma vez atingidos pelas gravosas medidas que quer aplicar, os trabalhadores e a maioria da população, há muito têm vindo a ser sacrificados pela política de direita de sucessivos governos. E que, por outro lado, os maiores beneficiados pela política dos últimos anos, os grandes grupos económicos e o sector financeiro, continuarão a ter vastos benefícios e privilégios.
É importante ainda salientar que o Governo se prepara para aplicar, mesmo na esfera da administração pública e de empresas com intervenção preponderante do Estado, medidas que mantém e ampliam privilégios. Assim acontece com a possibilidade de atribuir remunerações adicionais e prémios de produtividade de forma discricionária aos dirigentes nomeados da administração pública, mantendo-se a possibilidade de auferirem vencimentos superiores ao do Primeiro-Ministro, caso os tenham no seu emprego de origem. Assim acontece igualmente com a profusão de regimes especiais nas empresas públicas e outras entidades de carácter público, ou em que o Estado tem um papel preponderante na nomeação das administrações (GALP, TAP, PT, etc.), designadamente no que toca às regalias por cessação de funções.
O PCP apresenta, por isso, um projecto que, entre outras matérias:
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- Revoga as subvenções vitalícias previstas actualmente para os titulares de cargos políticos, sem regime de transição;
- Revoga nos mesmos termos o direito ao subsídio de reintegração;
- Proíbe a acumulação da remuneração de cargos políticos com quaisquer pensões (da CGA ou do Regime Geral), subvenções ou outras prestações semelhantes de instituições públicas ou privadas em que o Estado tenha papel determinante;
- Proíbe aos eleitos locais em regime de permanência a acumulação da respectiva remuneração com remunerações de empresas municipais;
- Proíbe os regimes especiais de reforma de cargos ou entidades públicas, ou privadas em que o Estado tenha papel determinante, fazendo aplicar, conforme os casos o Estatuto de Aposentação da Administração Pública ou o Regime Geral da Segurança Social.
Nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º
Revogação das subvenções vitalícias e subsídios de reintegração
1 - São revogados os artigos 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 30.º e 31.º da Lei n.º 4/85, alterada pelas Leis n.º 16/87, de 1 de Junho, n.º 102/88, de 25 de Agosto, n.º 26/95, de 18 de Agosto, e n.º 3/2001, de 23 de Fevereiro.
2 - É revogado o n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 144/85, de 31 de Dezembro (Estatuto dos Deputados ao Parlamento Europeu).
3 - São revogados os n.os 2 e 3 do artigo 16.º e os artigos 19.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro (Estatuto dos Governadores Civis).
4 - O artigo 9.º da Lei n.º 9/91, de alterada pela Lei n.º 30/96, de 14 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:
"Artigo 9.º
Honras, direitos e regalias
O Provedor de Justiça tem os direitos, honras, precedência, categoria, remunerações e regalias idênticas às de ministro."
Artigo 2.º
Estatuto dos eleitos locais
1 - São revogados os artigos 13.º-A, 18.º, 18.º-A, 18.º-B, 18.º-C, 18.º-D, 19.º e 27.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, alterada pelas Leis n.º 97/89, de 15 de Dezembro, n.º 1/91, de 10 de Janeiro, n.º 11/91, de 17 de Maio, n.º 11/96, de 18 de Abril, n.º 127/97, de 11 de Dezembro, n.º 50/99, de 24 de Junho, n.º 86/2001, de 10 de Agosto, e n.º 22/2004, de 17 de Junho.
2 - Os eleitos locais em regime de permanência, ainda que exerçam funções em entidades de natureza empresarial participadas directa ou indirectamente pelo respectivo município, só podem perceber as remunerações fixadas na Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, alterada pelas Leis n.º 97/89, de 15 de Dezembro, n.º 1/91, de 10 de Janeiro, n.º 11/91, de 17 de Maio, n.º 11/96, de 18 de Abril, n.º 127/97, de 11 de Dezembro, n.º 50/99, de 24 de Junho, n.º 86/2001, de 10 de Agosto, e n.º 22/2004, de 17 de Junho.
Artigo 3.º
Proibição de acumulação
1 - Os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos ou equiparados nos termos da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, alterada pelas Leis n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, n.º 28/95, de 18 de Agosto, n.º 12/96, de 18 de Abril, n.º 12/98, de 24 de Fevereiro, e n.º 42/96, de 31 de Agosto, não podem acumular as respectivas remunerações com quaisquer reformas do regime geral da segurança social, pensões da Caixa Geral de Aposentações, subvenções públicas, ou fundos de pensões constituídos por descontos obrigatórios ou subsidiados por entidades públicas, incluindo entidades administrativas e reguladoras independentes, ou por entidades em que o Estado detenha como accionista direito de veto sobre decisões da respectiva administração, podendo porém optar pelo regime que lhes seja mais favorável.
2 - Da acumulação de subvenção vitalícia decorrente do exercício de cargo político com qualquer reforma ou pensão de entre as referidas no número anterior não pode resultar um montante superior ao do vencimento do cargo que lhe deu origem.
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Artigo 4.º
Proibição de regimes especiais
1 - Nenhuma entidade pública, incluindo entidades administrativas e reguladoras independentes, ou entidade privada em que o Estado detenha como accionista direito de veto sobre decisões da respectiva administração, pode criar regimes especiais de reforma, aposentação, indemnização ou prémio de qualquer natureza por cessação de funções, aplicáveis aos respectivos administradores ou dirigentes.
2 - São revogados pela presente lei quaisquer regimes que contrariem o disposto no número anterior.
Assembleia da República, 28 de Junho de 2005.
Os Deputados do PCP: Bernardino Soares - António Filipe.
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PROPOSTA DE LEI N.º 13/X
(PROCEDE À QUARTA ALTERAÇÃO AO REGIME JURÍDICO DO CHEQUE SEM PROVISÃO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 454/91, DE 28 DE DEZEMBRO)
Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
I - Nota preliminar
O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei n.º 13/X, que procede à quarta alteração ao regime jurídico do cheque sem provisão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.
Esta apresentação foi efectuada nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do mesmo Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República de 31 de Maio de 2005, a iniciativa desceu à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do respectivo relatório, conclusões e parecer.
Nas reuniões de 28 e 29 de Junho de 2005, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, no âmbito da iniciativa em apreço, procedeu à audição do Sr. Ministro da Justiça, bem como das seguintes entidades: Conselho Superior de Magistratura, Conselho Superior do Ministério Público, Ordem dos Advogados, Câmara dos Solicitadores e Associação Portuguesa de Bancos.
II - Do objecto e motivação da iniciativa
A proposta de lei sub judice tem por desiderato proceder à actualização do montante a partir do qual a emissão de cheque sem provisão é crime, elevando-o dos actuais € 62,35 para € 150.
Sustenta o Governo que o valor de 12 500$00 (equivalente aos actuais €62,35) estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, permitiu reduzir significativamente o número de processos-crime relacionados com a emissão de cheque sem provisão.
Considera o Governo, ainda, que, volvidos sete anos da aprovação do referido diploma, se justifica actualizar o patamar a partir do qual o cheque obtém tutela penal, porquanto entende ser ainda muito elevado o número de processos-crime relativos à emissão de cheque sem provisão.
Por essa razão, o Governo propõe descriminalizar o cheque que não se destine ao pagamento de quantia superior a €150.
Como corolário desta medida, a proposta de lei em análise estabelece a obrigatoriedade de pagamento, pelas instituições de crédito, dos cheques que apresentam falta ou insuficiência de provisão inferior àquele valor.
É neste sentido que o artigo 1.º da proposta de lei vertente apresenta nova redacção à alínea d) do artigo 2.º, ao n.º 1 do artigo 8.º e à alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do regime jurídico do cheque sem provisão.
A proposta de lei em apreço estabelece, ainda, à semelhança do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, uma norma transitória tendo em vista permitir a continuação do processo para efeitos de julgamento do pedido de indemnização ou para a instauração da acção cível correspondente, por efeito da extinção do procedimento criminal em virtude das alterações propostas.
Assim sendo, o artigo 2.º da proposta de lei n.º 13/X permite que, nos casos em que os processos por crime de emissão de cheque sem provisão, cujo procedimento criminal se extinga em virtude da alteração ao artigo 11.º, a acção civil por falta de pagamento possa ser instaurada no prazo de um ano a contar da data da notificação do arquivamento do processo ou da declaração judicial de extinção do procedimento criminal.
Para o efeito do supradito, a proposta de lei n.º 13/X estabelece, por um lado, que o tempo decorrido entre a data de apresentação da queixa e a data de notificação aí referida não prejudica o direito à instauração da
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acção civil e, por outro lado, que a autoridade judiciária ordene, a requerimento do interessado e sem custas, a restituição do cheque e a passagem de certidão da decisão que põe termo ao processo.
O artigo 2.º da proposta de lei n.º 13/X permite, ainda, que, em processo pendente que se encontre na fase de julgamento e em que tenha sido formulado pedido de indemnização civil, o lesado possa requerer que o processo prossiga apenas para efeitos de julgamento do pedido civil, devendo ser notificado com a cominação da extinção da instância se o não requerer, no prazo de 15 dias, a contar da notificação.
Por último, o artigo 3.º da proposta de lei em apreço determina a entrada em vigor das alterações por ela propostas, fixando-a em "30 dias após a sua publicação".
III - Enquadramento legal
O regime jurídico do cheque sem provisão encontra-se hoje plasmado no Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 316/97, de 19 de Novembro, n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e n.º 83/2003, de 24 de Abril.
O Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, aprovado no uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 30/91, de 20 de Julho, introduziu profundas alterações no regime jurídico-penal do cheque sem provisão.
Com o objectivo de travar o aumento exponencial de processos-crime de emissão de cheques sem cobertura, factor de perturbação no funcionamento dos tribunais, o Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, iniciou o caminho de uma relativa descriminalização. Uma das medidas que consagrou, nesse sentido, consistiu na despenalização da emissão de cheque de valor inferior a 5000$00 e na imposição às instituições de crédito, fornecedoras de módulos de cheque aos seus clientes, da obrigação de os pagar desde que o valor não excedesse os referidos cinco contos.
Cinco anos depois, o regime jurídico penal do cheque sem provisão viria a ser alterado através do Decreto-Lei n.º 316/97, de 28 de Novembro.
No uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 114/97, de 16 de Setembro, o Decreto-Lei n.º 316/97, de 28 de Novembro, prosseguiu a trilha da despenalização, deixando, nomeadamente, de merecer tutela penal o cheque emitido para garantia de pagamento ou com data posterior à da sua entrega ao tomador (cheques pós-datados). Por outro lado, actualizou para 12 500$00 o montante a partir do qual a emissão de cheque sem provisão constitui crime e até ao qual as instituições de crédito estão obrigadas a pagar, não obstante a falta ou insuficiência de provisão.
As alterações subsequentes ao regime jurídico do cheque, operadas pelos Decretos-Leis n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e n.º 83/2003, de 24 de Abril, não afectaram o regime penal do cheque.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, limitou-se a converter em euros os montantes fixados em escudos e o Decreto-Lei n.º 83/2003, de 24 de Abril, restringiu-se a alterar o artigo 3.º de modo a conceder a todas as instituições de crédito o acesso à informação disponibilizada pelo Banco de Portugal relativa aos utilizadores de cheque que oferecem risco.
Mais recentemente, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio, veio aprovar diversas medidas com vista a adaptar o sistema judicial aos litígios de massa, a proteger o utilizador ocasional e a assegurar uma gestão racional do sistema prisional, entre as quais "a modificação do regime jurídico do cheque sem provisão, actualizando-se o valor limite que a instituição de crédito sacada é obrigada a pagar, não obstante a falta ou insuficiência de provisão, elevando o valor de €62,35, fixado em 1997, para €150 e descriminalizando-se a conduta até ao mesmo valor".
É neste contexto que o XVII Governo Constitucional apresenta à Assembleia da República a proposta de lei n.º 13/X.
IV- Dados estatísticos
Por força das alterações legislativas introduzidas no regime penal do cheque, conducentes à sua despenalização, verificou-se uma forte redução do número de processos-crime relativos à emissão de cheque sem provisão, conforme se pode constatar nos quadros seguintes extraídos do site do Gabinete de Política Legislativa e de Planeamento :
Processos, arguidos e condenados na fase de julgamento findos, nos crimes de emissão de cheques sem provisão
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Total de processos
32047
53014
30110
20406
12356
9456
8052
Total de arguidos
32583
53947
30587
20731
12548
9586
8140
Total de condenados
4461
1227
1225
1773
2208
2461
2687
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Processos de inquérito - emissão de cheque sem provisão
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Entrados 76289 60020 23690 17602 18420 20507 18751 19184
Findos com acusação
40562
35746
8694
8487
10210
8100
7432
6115
Apesar da tendência decrescente, o número de inquéritos abertos por crime de emissão de cheque sem provisão atingiu: em 2003, 19 184, o que representa 3,6% dos inquéritos abertos, sendo que 6114 culminaram em acusação, o que representa 6,9% do total de acusações.
Por outro lado, as participações registadas pelas forças de segurança, não obstante o seu número ter vindo a diminuir, continuam a merecer destaque, anualmente, nos relatórios de Segurança Interna.
Vejamos a sua evolução nos termos do quadro seguinte:
Crimes participados
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Emissão de cheque sem provisão
6677
4165
2939
2957
2006
1790
1683
Conclusões
1 - O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 13/X, que procede à quarta alteração ao regime jurídico do cheque sem provisão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.
2 - Esta apresentação foi efectuada nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do mesmo Regimento.
3 - A proposta de lei n.º 13/X procede à actualização do montante a partir do qual a emissão de cheque sem provisão é crime, elevando-o dos actuais €62,35 para €150, e estabelece a obrigatoriedade de pagamento, pelas instituições de crédito, dos cheques que apresentam falta ou insuficiência de provisão inferior àquele valor.
4 - A referida iniciativa estabelece ainda uma norma transitória para permitir a continuação do processo para efeitos de julgamento do pedido de indemnização ou para a instauração da acção cível correspondente, por efeito da extinção do procedimento criminal em virtude das alterações propostas.
5 - Fixa, por último, a entrada em vigor das alterações por ela propostas: 30 dias após a sua publicação.
Parecer
Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte parecer:
A proposta de lei n.º 13/X, apresentada pelo Governo, reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutida e votada em Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.
Palácio de S. Bento, 29 de Junho de 2005.
O Deputado Relator, José de Aguiar Branco - O Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.
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Rectificação
Ao DAR II Série A - n.º 5, de 8 de Abril de 2005
Na pág. 16, no artigo 2.º do projecto de lei n.º 23/X (Suspende a vigência das disposições do Código de Trabalho e da sua regulamentação relativas à sobrevigência das convenções colectivas de trabalho), onde se lê:
Página 45
0045 | II Série A - Número 030 | 30 de Junho de 2005
"Artigo 2.º
(Repristinação de disposições legais)
Durante a suspensão da vigência determinada nos termos do artigo anterior, ficam em vigor as atinentes disposições legais sobre renovação automática dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho revogadas pelas Leis n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e n.º 35/2004, de 29 de Julho, repristinando-se, nomeadamente, o artigo 11.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro."
Deve ler-se:
"Artigo 2.º
(Repristinação de disposições legais)
Durante a suspensão da vigência determinada nos termos do artigo anterior, ficam em vigor as atinentes disposições legais sobre renovação automática dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho revogadas pelas Leis n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e n.º 35/2004, de 29 de Julho, repristinando-se, nomeadamente, o artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro."
Assembleia da República, 29 de Junho de 2005.
O Deputado do PCP: Jorge Machado.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.