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0005 | II Série A - Número 071 | 23 de Dezembro de 2005

 

PROJECTO DE LEI N.º 183/X
ARQUITECTURA: UM DIREITO DOS CIDADÃOS, UM ACTO PRÓPRIO DOS ARQUITECTOS (REVOGAÇÃO PARCIAL DO DECRETO N.º 73/73, DE 28 DE FEVEREIRO)

Exposição de motivos

O Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, veio reconhecer a arquitectos, engenheiros civis, agentes técnicos de engenharia e de minas, construtores civis e mesmo, em certas circunstâncias, a outros profissionais sem qualquer qualificação, competência para subscrever projectos de arquitectura. As razões que levaram à sua aprovação - e que mereceram, à data, a concordância do Sindicato Nacional dos Arquitectos - estão hoje ultrapassadas e foram substituídas por argumentos que justificam a rápida revogação do diploma, a qual, aliás, já esteve por diversas vezes prometida e mesmo oficialmente assumida (cfr., por exemplo, os pontos 3 e 4 do despacho conjunto dos Ministros do Plano e da Administração do Território, e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, de 27 de Março de 1986, e o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 205/88, de 16 de Junho).
O que está em causa, fundamentalmente, é devolver e reservar aos arquitectos as competências cujo exercício só a sua especial qualificação justifica e exige. Além disso, trata-se de garantir a adequação entre a realidade portuguesa e a comunitária, evitando a perpetuação de assimetrias com consequências económicas e culturais muito negativas. Enfim, cumpre assegurar às gerações presentes a fruição de um património construído de qualidade, e às vindouras um legado estético com o qual se identifiquem.

I - As razões da aprovação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro

De acordo com o Livro Branco Sobre a Política da Habitação em Portugal (ENH, 1993), "até finais dos anos 50, o imobilismo reinante na sociedade portuguesa fazia com que as carências fossem mais de natureza qualitativa do que quantitativa: más condições de habitabilidade, fogos de padrões reduzidos, falta de infra-estruturas e de equipamentos, e uma acentuada degradação dos edifícios por ausência de medidas de conservação. A fraca industrialização condicionava a urbanização da população e a exigência de uma política de habitação mais produtiva. A produção habitacional foi sempre escassa, nesse período. Em 1960, com a construção de menos de 27 000 fogos, Portugal situava-se na cauda da Europa com a produção anual de 3.26 fogos por cada 1000 habitantes" (p. 30).
Este panorama condiz com a lógica do regime do Estado Novo, caracterizado pela austeridade e pelo autoritarismo. O Governo desprezou a conservação do património construído destinado ao domicílio do cidadão comum, e apostou na realização de grandes obras públicas como símbolos do regime (v.g., a profunda renovação urbana da zona de Belém com a Exposição do Mundo Português, a construção da Ponte (Salazar) sobre o Tejo). A atenção aos aspectos arquitectónicos ficou circunscrita, por isso, aos edifícios públicos, aos monumentos nacionais (e outros edifícios de interesse público) e às suas zonas de protecção. A construção e alteração destes imóveis devia estar subordinada a projectos obrigatoriamente assinados por arquitectos (maxime, se a obra tivesse reconhecido valor arquitectónico) ou por engenheiros civis, salvo se se tratasse de "obras de arquitectura e construção simples" (cfr. os Decretos-Lei n.º 23511, de 26 de Janeiro de 1934, n.º 39600, de 3 de Abril de 1954, e n.º 40388, de 21 de Novembro de 1955).

"Entretanto, os anos 60 assinalam, em Portugal, o despertar para a industrialização e o correlativo acelerar do processo de urbanização. A lógica deste processo impôs, a partir de finais da década, um discurso e medidas institucionais em favor de uma política de habitação mais produtiva (…) A especulação fundiária conheceu a sua "época de oiro". O aumento dos rendimentos das classes médias, as receitas do turismo e as remessas dos emigrantes, então em franca expansão, provocaram um forte aumento da procura e da liquidez bancária, a qual foi encaminhada, essencialmente, para as transacções de terrenos e para o imobiliário" (Livro Branco Sobre a Política da Habitação em Portugal, cit., pp. 30 e 31).
É neste contexto que surge o Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, introduzindo novas regras sobre o licenciamento de obras particulares. Como se afirma no ponto 1 do respectivo preâmbulo, o espírito disciplinador do diploma oscilava entre duas coordenadas: por um lado, a promoção da construção urbana, "de modo a facilitar-se a satisfação, que dela depende, de imperiosas necessidades sociais e económicas", e, por outro, a garantia da segurança, salubridade e estética das edificações. A aceleração do procedimento de licenciamento passava, entre outras coisas, pela transmissão da responsabilidade pelo cumprimento de regras técnicas, gerais e específicas, das autarquias para os autores dos projectos, restringindo-se o exame da Administração "ao aspecto exterior do projecto, à sua inserção no ambiente urbano, à cércea respectiva, à sua conformidade com o plano ou anteplano de urbanização e respectivo regulamento, podendo assim abreviar-se" (ponto 3, e artigo 10.º). Esta alteração, afirmava-se, significava um investimento de confiança nos autores dos projectos, que tinha correspondência na exigência de estabelecimento, por parte do Ministro das Obras Públicas, da qualificação oficial a exigir dos técnicos responsáveis pelos projectos, ouvido o Ministro da Educação Nacional e os organismos corporativos (cfr. o artigo 4.º, n..º 1).