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71 | II Série A - Número: 081 | 14 de Abril de 2008


contribuíam financeiramente de forma decisiva para o orçamento familiar. Por último, são também as mães portuguesas aquelas que mais horas trabalhavam para o mercado de trabalho em toda a União Europeia a 15.
Está longe, da realidade portuguesa assim, o modelo de divisão do trabalho familiar que atribui ao homem papel exclusivo de provedor da família e à mulher o de ser apenas cuidadora do lar e dos filhos. Mas insista-se em que o trabalho realizado pelas mulheres no contexto familiar, hoje acumulado com o trabalho que desempenham no exterior, não é valorizado no contexto do casamento e permanece ainda mais invisível quando surge o divórcio.
Ora, o reconhecimento da importância decisiva para as condições de vida e equilíbrio da vida familiar dos contributos da chamada esfera reprodutiva, isto é, dos cuidados com os filhos e do trabalho doméstico, é uma aquisição civilizacional recente que carece ainda de ser verdadeiramente incorporada, quer na realidade quotidiana quer na percepção política e jurídica. Se muitas vezes no plano dos princípios se está pronto a considerar a maternidade e a paternidade como valores sociais eminentes (artigo 68.º da Constituição), é necessário promover a sua plena concretização.
É por ter em consideração esta falta de reconhecimento e as assimetrias que lhes estão implícitas que o projecto de lei apresentado estabelece, nas consequências do divórcio, a possibilidade de atribuição de créditos de compensação, sempre que se verificar assimetria entre os cônjuges nos contributos para os encargos da vida familiar.
Com efeito, sabe-se que as carreiras profissionais femininas são muitas vezes penalizadas na sua progressão porque as mulheres, para atender aos compromissos familiares, renunciam por vezes a desenvolver outras actividades no plano profissional que possam pôr em causa esses compromissos. Ora, quando tais renúncias existem, e por desigualdades de género não são geralmente esperadas nem praticadas no que respeita aos homens, acabam, a prazo, por colocar as mulheres em desvantagem no plano financeiro.
Admite-se por isso que no caso da dissolução conjugal seria justo «que o cônjuge mais sacrificado no (des)equilíbrio das renúncias e dos danos, tivesse o direito de ser compensado financeiramente por esse sacrifício excessivo» (in, Guilherme Oliveira, (2004), Dois numa só carne, In ex Aequo, n.º 10.) Ainda neste plano, vale a pena lembrar que devido ao facto de ser às mulheres que a guarda das crianças na situação de divórcio é atribuída com muito mais frequência, as situações de perda e desequilíbrio financeiro atingem também as condições de vida dos filhos. Estas ainda se podem agravar em caso de incumprimento de assunção das responsabilidades parentais, nomeadamente quando há recusa ou atraso na prestação de alimentos. Procurar formas de aumentar o envolvimento e o protagonismo dos pais, homens, na prestação de cuidados e apoio aos seus filhos, igualmente na sequência do divórcio, é por certo assegurar melhor os direitos das crianças a manter as relações de afecto tanto com as mães como com os pais, além de assegurar também a partilha mais igualitária das tarefas entre os sexos com benefício de todos os envolvidos.

4 — O divórcio aumentou nos últimos 40 anos nas nossas sociedades por várias razões, entre as quais podemos destacar três fundamentais.
Em primeiro lugar, é necessário ter em conta as recomposições sociais e económicas que se traduziram, num primeiro momento, na desruralização das sociedades e no crescimento das classes médias. Para a grande maioria, nos diferentes sectores sociais, os aspectos estritamente patrimoniais passaram a desempenhar papel de menor relevo na família e no casamento. A lógica tradicional em que a família, em torno da figura do patriarca, decidia o casamento dos filhos — a família fundava o casamento — transforma-se no modelo de família conjugal moderna a partir do qual se define que é casamento que funda a família.
Sociedades mais organizadas em torno do assalariamento dependem menos do património familiar para tomar decisões em torno da conjugalidade, têm mais liberdade para decidir. Foi uma mudança que se foi operando no decurso do século XX e que se aprofundou, afirmando novos contornos, nos seus últimos 40 anos.
Em segundo lugar, mudou a própria forma de encarar o casamento. Dada a centralidade dos afectos para o bem-estar dos indivíduos, passou a considerar-se que em caso de persistente desentendimento no casamento os indivíduos não seriam obrigados a manter a qualquer preço a instituição. Assume-se, aliás, ser difícil construir a harmonia familiar sobre o sacrifico e o mal-estar de algum dos seus membros. Aceitar o divórcio passou a ser sinal, não de facilitismo, mas de valorização de uma conjugalidade feliz e conseguida. Voltar a casar ou à conjugalidade é, de resto, a prática da maioria dos divorciados nas nossas sociedades.
Em terceiro lugar, passou a depender-se menos do casamento como modo de vida. A entrada progressiva das mulheres para o mercado de trabalho, fenómeno mais visível em Portugal desde o início dos anos 80, permite menor dependência do casamento como modo de vida, para ambos os cônjuges, e maior autonomia para acabar com situações persistentemente indesejáveis.
O aumento do divórcio faz parte, como se sublinhou no início, de um movimento mais vasto de transformações sociais que foi sendo acompanhado nas sociedades desenvolvidas por mudanças no plano legislativo. Maior liberdade e menos constrangimentos neste plano da vida privada não deixaram, em contrapartida, também de fazer surgir novos problemas e tensões que o legislador foi procurando acautelar.
Sendo a ruptura conjugal, com muita frequência, um processo emocionalmente doloroso, a tendência tem sido também, ao nível legislativo, e nos países europeus que nos vão servindo de referência, para retirar a carga estigmatizadora e punitiva que uma lógica de identificação da culpa só pode agravar. Privilegia-se o mútuo acordo na ruptura conjugal. Incentiva-se ainda o recurso a formas de dirimir o conflito através da