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9 | II Série A - Número: 017 | 19 de Dezembro de 2009

A ameaça das pressões urbanísticas: As áreas pertencentes à RAN têm sido, ao longo dos anos, alvo de várias tensões associadas aos usos do solo. O baixo valor monetário destas áreas torna-as apetecíveis para os interesses urbanísticos e imobiliários.
Estes sectores procuram elevadas rentabilidades, em especial as especulativas, existindo pressões para que as zonas abrangidas pela RAN sejam desafectadas do uso agrícola e atribuídas a outros usos.
Os regimes em vigor nos últimos 30 anos instituíram, essencialmente, dois mecanismos travão sobre estes interesses. Por um lado, a delimitação da RAN era competência da Administração Central, impondo bloqueios às pressões destes interesses junto do poder local. Por outro, a possibilidade de afectar áreas de RAN a utilizações não agrícolas era muito restrita, e para usos fundamentalmente associados à actividade agrícola, assumindo claramente um carácter de excepção.
É certo que foram existindo meios de contornar estes mecanismos travão, com a cumplicidade de autarquias, das comissões regionais de reserva agrícola e dos próprios governos. Registe-se que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 274/92, de 12 de Dezembro, incluem a possibilidade dos campos de golfe ocuparem áreas de RAN. Note-se a constante invocação de um amplo e indefinido conceito de «relevante interesse geral», por parte das autarquias e com o aval final dos governos, para permitir ocupações não agrícolas nestas áreas.
Mas é com a aprovação do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, que se dá a alteração mais substancial a estes mecanismos travão, tornando regra o que antes era excepção: a desafectação de áreas de RAN e a ocupação dos melhores solos agrícolas por outros usos tornou-se fácil, simples e legitimada por lei.
Esta nova legitimidade passou também a significar que a afectação dos solos agrícolas a usos inapropriados passa a ser pouco visível em termos públicos, o que reduz a capacidade de denúncia e intervenção cidadã e das organizações da sociedade civil perante os atentados urbanísticos e ambientais.

As debilidades do novo diploma da RAN: O novo regime transfere para a competência das autarquias a delimitação da RAN no âmbito da elaboração, alteração ou revisão de plano municipal de ordenamento do território. Os interesses urbanísticos e imobiliários, que são fonte de aliciamento de autarcas e técnicos municipais para que agilizem a aprovação de projectos em áreas classificadas, como é o caso da RAN, passam a ter agora a vida facilitada. Trata-se de legitimar a subjugação do interesse público e dos bens comuns à vantagem dos interesses privados e do enriquecimento rápido de alguns promotores. Afirma-se também por esta via a necessidade de produção de recursos municipais dependentes da construção. Aquilo que tem sido o fermento da corrupção e da ilicitude que vai contaminando a vida democrática das autarquias, e já deu origem a alguns casos públicos sob investigação criminal, ganha com este regime uma nova legitimidade.
Esta situação é ainda mais grave num momento em que os planos directores municipais (PDM) se encontram em revisão. Possibilita-se, assim, a expansão das áreas urbanas e da construção às zonas actuais de RAN ou às zonas que nunca foram mas deveriam ser classificadas como RAN. O novo regime é explícito a este respeito, quando estabelece que «não integram a RAN as terras ou solos que integrem o perímetro urbano identificado em plano municipal de ordenamento do território como solo urbanizado» e os «solos cuja urbanização seja possível programar». O mesmo é evidente ao afirmar que na «elaboração da proposta de delimitação da RAN deve ser ponderada a necessidade de exclusão de áreas com edificações legalmente licenciadas ou autorizadas, bem como das destinadas à satisfação das carências existentes em termos de habitação, actividades económicas, equipamentos e de infra-estruturas».
Quando os PDM deixaram de precisar de ser ratificados pelo Governo rompeu-se com um sistema de equilíbrios e salvaguardas. As maiorias que conjunturalmente se constituem no governo das autarquias passaram a dispor de um salvo-conduto para a alteração da classificação de solos que, na realidade, permite os maiores abusos urbanísticos e ambientais ao nível do planeamento do território e dos usos do solo. Os solos agrícolas são particularmente prejudicados numa altura de desvalorização da produção agrícola e de perda de valor para a actividade.
O novo diploma comete outro erro quando subtrai à RAN o «solo afecto a estrutura ecológica necessária ao equilíbrio do sistema urbano», como afirma a Associação Portuguesa de Arquitectos Paisagistas. Na perspectiva das cidades sustentáveis, faz todo o sentido ter dentro dos perímetros urbanos espaços de vocação agrícola, atendendo às várias funções que a agricultura urbana desempenha, desde as produtivas às recreativas, das pedagógicas às de regulação ambiental e desenho da paisagem.