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21 DE FEVEREIRO DE 2017 7

homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos direitos

fundamentais a Constituição da República Portuguesa (CRP) enuncia e protege.

Como bem refere Luísa Neto, quando alguém formula um pedido de morte medicamente assistida está no

fundo a dizer: quero viver e morrer de outra maneira, sempre por referência ao valor da vida, e por respeito à

vida. A opção de morrer neste termos implica não tanto o escolher morrer, mas mais o como morrer. O direito a

morrer dignamente implica então apenas falar do direito a que não nos impeçam de aceitar com dignidade e

responsabilidade a chegada iminente da morte e a que nos respeitem o direito a viver de tal maneira que

possamos preparar-nos para assumir tal morte.

Aqui este princípio aparece ligado ao conceito de autonomia e liberdade individual. Um indivíduo competente

e autónomo é livre e responsável pelas suas escolhas. Conforme defendido por Stuart Mill, ser-se responsável

pelas próprias escolhas em vida significa, também, ser-se livre de poder escolher quando e como morrer.

Neste sentido, subscrevemos inteiramente o que foi dito por Jorge Reis Novais na sua audição na Assembleia

da República no Grupo de Trabalho criado para discutir esta matéria. Aquando da sua reflexão sobre o que é o

princípio da dignidade da pessoa humana, concluiu que “se nós consideramos que as decisões que a pessoa

toma nos domínios vitais da existência humana, o Estado deve proteger a pessoa de interferências de outros e

de imposições de outros, ou seja, deve ser reconhecida a cada pessoa que seja competente para formar uma

vontade o poder de conformar a sua vida de acordo com as suas próprias conceções; naquelas áreas mais

intimas, naquelas áreas mais vitais da sua existência, não deve ser o Estado a impor uma conceção do mundo,

de como deve levar a sua vida. Deve ser a pessoa a definir isso.”.

A verdade é que a prática médica, cada vez mais, tem sido caracterizada pela autonomia e liberdade

do paciente. Atualmente, a defesa de um modelo paternalista para a atuação médica já não existe. Um texto

atribuído a Hipócrates recomenda que se diga ao doente o menos possível, que se distraia a sua atenção do

que se está a fazer, que se oculte o máximo do seu estado e do seu futuro, palavras que exprimem a velha

tradição do paternalismo clínico. Ora, a ideia da autodeterminação veio alterar substancialmente o sentido do

ato médico. O paciente deixou de ser um sujeito meramente passivo na relação médico/doente, para passar a

ser um sujeito detentor de direitos que, em conjunto com o médico, decide o percurso da sua vida. Neste sentido,

porque estamos numa relação paritária, o médico deve informar o paciente do seu estado de saúde, discutir

com ele as opções de tratamento disponíveis e ter em conta a sua vontade sobre o destino a dar à sua vida. Em

suma, nas palavras de Luísa Neto “tratar bem não é apenas atuar segundo as regras técnicas da profissão, mas

também considerar o doente como um centro de decisão respeitável.”

Não se defende aqui que a vontade do paciente seja absoluta, isto é, que o médico execute sempre o pedido

pelo doente, nos exatos termos em que tal é pedido. Aquilo que se defende é que a vontade do paciente

seja tida em conta, em todos os momentos, nomeadamente em relação à questão do fim de vida. Ora, as

decisões sobre a morte e, em especial, sobre o modo em que esta ocorre, são de extrema importância. Assim,

quando uma pessoa, de forma consciente e esclarecida, define as condições que quer para a sua morte, tal

vontade deve ser valorada e não liminarmente ignorada, como ocorre atualmente.

A este propósito sufragamos inteiramente a posição de Jorge Reis Novais, transmitida no Grupo de Trabalho

já mencionado, que inclusive defendeu que a situação atual, de não atender à vontade da pessoa, é

inconstitucional. Tendo defendido, a propósito da apreciação da margem do legislador para intervir nesta

matéria, a existência de um mínimo e de um máximo, dando a Constituição grande margem de manobra ao

legislador desde que respeitados estes limites, argumentou no seguinte sentido: “uma situação de proibição total

de atender à vontade da pessoa, que é aquela que existe hoje, que essa situação é proibida pela Constituição,

ou seja, tenderia a dizer que a situação atual é inconstitucional. Isto é, quando penaliza em todas e quaisquer

circunstâncias, não poderia fazê-lo. Não poderia fazê-lo porque a Constituição de Estado de Direito, uma

Constituição apoiada na dignidade da pessoa humana, tem que reconhecer a vontade da pessoa decidir para

as questões mais decisivas e mais íntimas da sua vida, onde eu incluo também as decisões, em alguma medida,

sobre as condições da sua própria morte. Na medida em que a lei atual não dá a mínima possibilidade, portanto

é uma proibição total e absoluta, a meu ver tenderia a considerar que este limite está ultrapassado, ou seja, este

limite constitucional de atender, em alguma medida, à autonomia da pessoa não está a ser respeitado.”.

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