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II SÉRIE-A — NÚMERO 160 70

pontos mais contestado, tanto do lado europeu como do lado canadiano. Apesar das alterações feitas ao longo

do processo, não estão garantidas condições de transparência e independência na escolha dos juízes, bem

como continuam a ser dadas garantias e proteção a investidores, mas não aos Estados, o que prefigura uma

situação de injustiça entre as partes do acordo.

Aliás, esta situação de injustiça e desigualdade no acesso à justiça é uma das bases para o diferendo que

decorre no Canadá contra o governo deste país pela assinatura do acordo: considera-se que o princípio

fundamental de igualdade é violado na medida em que se dá aos investidores a possibilidade de recurso a

tribunais que estão vedados aos cidadãos canadianos e ao próprio governo.

Na mesma linha, é facilmente percetível que a Constituição da República Portuguesa será ferida,

nomeadamente no seu artigo 13.º, n.º 1 “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante

a lei”. Analisando o acordo e comparando com este princípio constitucional, os cidadãos portugueses (bem como

o próprio Estado, diga-se) não estão autorizados a recorrer a este mecanismo arbitral que é criado pelo acordo,

colocando-os, desta forma, em situação de desigualdade no acesso à justiça. Este acesso é também regulado

pela CRP, no seu artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva).

Desta forma, o princípio básico no acesso à justiça é uma das questões que mais tem suscitado, também em

território europeu, dúvidas. Isto acontece porque se está a criar, com este sistema, um sistema supranacional e

até supra-europeu no que toca ao direito aplicável: para este tribunal privado, o que vale é o próprio tratado e

critérios de equidade, que claramente se afasta da soberania popular e dá vantagem aos investidores e não aos

Estados e aos cidadãos.

Os direitos dos investidores no CETA entram, também, em conflito com o direito do Estado de regular em

matéria de investimento e serviço público porque qualquer alteração que um Estado queira implementar tem

que estar de acordo com as obrigações feitas aquando a assinatura do CETA.

Isto significa uma limitação do direito de regulação dos Estados sobre matérias de interesse público, já que

é recorrente encontrarmos, nos vários capítulos, a remissão para o Capítulo 28, correspondente às exceções

gerais, que deixa claro o objetivo de apenas“garantir a observância das disposições legislativas e

regulamentares que não sejam incompatíveis com o disposto no presente Acordo”.

Lembramos que em 2011 o Tribunal de Justiça Europeu redigiu um acórdão que rejeitou a criação de um

tribunal arbitral sobre patentes. No ponto 80 desse Parecer, de 8 de março de 2011, pode ler-se: “Embora seja

verdade que o Tribunal de Justiça não tem competência para se pronunciar sobre as ações diretas entre

particulares em matérias de patentes, cabendo essa competência aos órgãos jurisdicionais dos Estados-

Membros, estes últimos não podem, todavia, atribuir a competência para decidir tais litígios a um órgão

jurisdicional criado por um acordo internacional, que privaria os referidos órgãos jurisdicionais da sua missão de

aplicação do direito da União”.

Ora, o princípio da constituição arbitral para gestão de conflitos no âmbito de um acordo internacional é

o mesmo que se coloca com o CETA.

Por outro lado, a ausência de qualquer norma de livre denúncia do tratado que institui o CETA limita

gravemente o livre exercício de competências quer pelos órgãos da União Europeia, quer pelos órgãos dos

Estados-Membros, condenados à eternidade do CETA. Acresce que o papel dos parlamentos europeu e

nacionais é posto em causa pelas reservas de iniciativa quanto à aprovação e denúncia de convenções

internacionais, reservadas a outros órgãos, assim se comprometendo a sua liberdade de iniciativa.

Em todo este tétrico jogo formal, é mais uma vez a legitimidade democrática, que deveria resultar do exercício

da soberania popular por via de eleições, que fica em causa, acrescendo ainda uma diminuição das jurisdições

nacionais e europeias a par da diminuição relativa dos respetivos poderes ordinários.

Se, como já se demonstrou, o CETA leva à erosão da democracia, da soberania, do aparelho jurisdicional e

dos ordenamentos jurídicos da União Europeia e dos Estados-Membros, as suas consequências práticas em

domínios concretos é ainda maior, tal como o Bloco de Esquerda tem vindo a aludir em diversos projetos que

versaram sobre a mesma matéria: direitos laborais, ambiente, saúde pública, agricultura, direitos de autor,

energia, entre outras matérias, serão diretamente afetadas. Um quadro jurídico de auto-suficiência do CETA

levará à deterioração das normas de proteção desses interesses nos diversos ordenamentos jurídicos, levando

a um progressivo nivelamento por baixo em nome da competitividade das economias afetadas.

Importa, neste âmbito, referir que é largamente consensual que o princípio da precaução, que norteia

qualquer negociação em território europeu, foi posto de lado neste acordo, do ponto de vista prático. Ou seja,