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II SÉRIE-A — NÚMERO 40

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Mas existem outras incoerências ou desconformidades legais que podem e devem ser colmatadas.

O Tratado de Funcionamento da União Europeia, no seu artigo 13.º refere que,

“Na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do

mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados-Membros

terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis,

respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados-

Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional.”

Portanto, há não só um reconhecimento da sensibilidade dos animais como uma obrigação de ter em conta

essa sensibilidade aquando da adoção de políticas internas. Eventualmente podem existir exceções a esta

regra, nomeadamente no caso de se tratar de alguma atividade com tradição cultural mas esse não é certamente

o caso do circo. A atividade circense tem origem no império romano e o circo moderno, mais próximo daquele

que conhecemos, tem origem em Inglaterra. Aliás, como já se viu, existem cada vez menos circos em Portugal

a fazer uso de animais.

Importa também ter em conta que o artigo 66.º da República Portuguesa, com a epígrafe “Ambiente e

Qualidade de Vida, no seu n.º 2, al. g), impõe “promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do

ambiente”. Tendo em conta o que já foi dito sobre a natureza dos números com animais, fazendo deles

autênticos “palhaços” e marionetas que são obrigados a práticas pouco naturais para a espécie, há claramente

uma desconformidade entre a realidade nos circos e o que a nossa lei fundamental preconiza.

Segundo as anotações de Gomes Canotilho e Vital Moreira à Constituição da República Portuguesa, mais

especificamente ao artigo ora em análise, o direito ao ambiente encerra em si uma componente negativa e outra

positiva. A primeira impõe proibições e/ou deveres de abstenção, pelo que se considera um direito fundamental

de natureza análoga aos “direitos liberdades e garantias”, a que se refere o art igo 17.º, e sendo-lhe por isso

aplicável o respetivo regime jurídico. Enquanto direito positivo, incumbe-lhe defender o ambiente, neste caso

trata-se já de um direito social (direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados). Há, portanto, na

permissão de manutenção da utilização de animais nos circos, uma eventual inconstitucionalidade.

O legislador não pode também ficar indiferente à alteração ao estatuto jurídico do animal, introduzida pela

Lei n.º 8/2017, de março. Após a entrada em vigor da referida Lei os animais passaram a constar de um subtítulo

autónomo e foram desvinculados do regime das coisas, o qual apenas se lhe é aplicado subsidiariamente, assim,

segundo o artigo 201.º-B, do Código Civil

“Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua

natureza.”

Apesar de estes ainda poderem ser sujeitos ao regime da compra e venda, a verdade é que a propriedade

de animais é uma propriedade sui generis já que ao proprietário são impostas certas restrições ao seu direito de

propriedade. O artigo 1305.º-A do Código Civil dispõe sobre a propriedade de animais que:

“1 – O proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar e respeitar as características de

cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação,

reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em risco, sempre que exigíveis.

(...)

3 – O direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor,

sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte.”

(negrito nosso)

Parece, por tudo o exposto, impossível que uma vivência em cativeiro permita cumprir o disposto no artigo

1305.º-A do Código Civil.

Face a esta conclusão, será possível ignorar a evidência científica e a total falta de coerência legal?

Dizia Fernando Araújo, em 200310 que o Direito ao não prescindir da “coisificação” dos animais “tem permitido

a subalternização das vidas, liberdades, sofrimentos dos não humanos até aos mais triviais interesses

humanos”. Ora, não existindo mais essa “coisificação” é preciso agora agir em conformidade e reconhecer uma

sensibilidade efetiva aos animais, através da exclusão do seu uso em atividades que não se coadunam com o

seu bem-estar ou que permitam a expressão do seu comportamento natural.

10 Fernando Araújo – A hora dos direitos dos animais, Coimbra, 2003, pág. 303

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